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LIBERTAS- FACULDADES INTEGRADAS

CINTIA RUFO DE PAULA

JUDICIALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Até que ponto o Judiciário pode interferir no orçamento do Estado? Até que
limite o Poder Público pode invocar a “reserva do possível”?

São Sebastião do Paraíso


2018
CINTIA RUFO DE PAULA

JUDICIALIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Até que ponto o Judiciário pode interferir no orçamento do Estado? Até que limite o
Poder Público pode invocar a “reserva do possível”?

São Sebastião do Paraíso


2018
Judicialização da Administração Pública

Segundo o juiz federal de Recife, Frederico José Pinto de Azevedo (2017), a


atividade governamental é feita por meio de estruturas administrativas que devem
executar os programas estabelecidos na lei. O orçamento público tradicionalmente,
buscava controlar as despesas do Estado, sendo que, hodiernamente, é considerado
fundamental instrumento de aplicação dos recursos cada dia mais escassos, controle
da execução e avaliação dos resultados.

Frederico (2017), afirma ainda que, dentro de nossa estrutura de poder, o


orçamento público sempre foi menosprezado pelos sucessivos governos e pelos
entes que compõem a administração pública, entre eles o Judiciário. Uma mudança
singela vinha ocorrendo nos últimos tempos, mas a situação ganhará novos contornos
com a Emenda Constitucional 95, que estabeleceu um novo mecanismo de controle
dos gastos públicos, a partir de um limite anual de aumento das despesas públicas,
reajustadas somente pela inflação acumulada do exercício anterior.

Para entender um pouco mais da autonomia do Judiciário para demonstrar a


formação do orçamento, no âmbito federal temos alguns apontamentos. Frederico
José (2007) afirma, a Secretaria de Orçamento Federal é responsável pela
coordenação, consolidação e elaboração da proposta orçamentária da União,
exercendo a função de órgão central. Diz ainda que, os órgãos setoriais têm a
responsabilidade de fazer o levantamento das despesas necessárias em suas
respectivas áreas, e as unidades orçamentárias devem fazer uma avaliação dos
programas e custos. O Judiciário da União possui 65 unidades orçamentárias, e a
Justiça Federal, de modo específico, possui seis unidades, considerando que o
primeiro grau tem orçamento próprio, o que é importante para o gerenciamento das
suas necessidades, muitas vezes distintas das dos tribunais a que estão vinculadas
as seções judiciárias.

Não há mecanismos capazes de aferir os complexos cálculos elaborados pela


Secretaria do Orçamento Federal. Em momento anterior, o Judiciário conseguiria com
mínimo esforço, eventual suplementação orçamentária, o que será mais difícil a partir
da nova ordem constitucional (AZEVEDO, 2017).
Para Valvan Andrade de Meneses (2017) O conceito de Administração Pública divide-
se em dois sentidos: “Em sentido objetivo, material ou funcional, a administração
pública pode ser definida como a atividade concreta e imediata que o Estado
desenvolve sob regime jurídico de direito público, para a consecução dos interesses
coletivos”. Em sentido subjetivo, formal ou orgânico, pode-se definir Administração
Pública, como sendo o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui
o exercício da função administrativa do Estado.

No campo da Administração Pública, como unanimemente reconhecem os


constitucionalistas e os administrativistas, afirma-se de modo radicalmente diferente
a incidência do princípio da legalidade. Afirma ainda Valvan Andrade (2017), aqui, na
dimensão dada pela própria indisponibilidade dos interesses públicos, diz-se que o
administrador, em cumprimento ao princípio da legalidade, "só pode atuar nos termos
estabelecidos pela lei". Não pode este por atos administrativos de qualquer espécie
(decreto, portaria, resolução, instrução, circular etc.) proibir ou impor comportamento
a terceiro, se ato legislativo não fornecer, em boa dimensão jurídica, amparo a essa
pretensão. A lei é seu único e definitivo parâmetro.

A Constituição Federal, em seu artigo 169, dispõe que:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos
em lei complementar. § 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento
de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de
estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a
qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta,
inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser
feitas: I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às
projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; II - se
houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas
as empresas públicas e as sociedades de economia mista. § 2º Decorrido o
prazo estabelecido na lei complementar referida neste artigo para a
adaptação aos parâmetros ali previstos, serão imediatamente suspensos
todos os repasses de verbas federais ou estaduais aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios que não observarem os referidos limites.

A realização das despesas tem seu início a partir de seu planejamento e


programação, que consubstanciam a fase chamada orçamentação. Em seguida,
opera-se a fase de execução da despesa propriamente dita, a qual, mediante gastos
reais, envolve a seleção dos fornecedores de bens e serviços, seguindo-se os atos
jurídico-administrativos específicos a essa fase.
A execução da despesa é realizada, sobretudo, a partir de um amplo
arcabouço de atos de natureza administrativa e financeira. A forma de processamento
se relaciona intrinsecamente ao modelo de execução conformado pela Administração
Pública, destinando-se ao pagamento das obrigações contraídas, sejam elas de
ordem contratual ou convênios celebrados que importem no repasse de valores, bem
ainda de despesas derivadas de comando normativo.
Quando a administração decide, dentro de sua larga margem de
discricionariedade, que determinada necessidade pública deverá ser atendida
mediante a realização de obras, serviços e compras, a execução das despesas
consegue-se, via de regra, pela promoção de licitação, que irá ser diversa para cada
tipo de atividade.
A implementação de uma política pública depende de disponibilidade
financeira – a chamada reserva do possível. E a justificativa mais usual da
administração para a omissão reside exatamente no argumento de que inexistem
verbas para implementá-la.
A desembargadora Vanessa Verdolim Hudson Andrade explicitou a função
das leis do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e a lei anual de orçamento.

Em suma, as leis do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e a lei


anual de orçamento são de iniciativa do Poder Executivo – podendo sofrer
alterações pelo Legislativo. A lei do plano plurianual (PPA) definirá as metas
programáticas que serão objetivadas durante o curso dos seus quatro anos
de validade, enquanto o plano de diretrizes orçamentárias (LDO) definirá
quais daquelas metas e programas integrarão a política econômica e
financeira do exercício seguinte, o que se dará de forma mais pormenorizada
com a edição de lei orçamentária anual (LOA). (BRASIL. Tribunal de Justiça
de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0394.02.024085-6/001. Relatora:
Vanessa Verdolim Hudson Andrade. 18 de março de 2008)

Infere-se, portanto, que o orçamento é o principal instrumento de realização


de políticas públicas, tendo como finalidade permitir que o Estado obtenha recursos,
para em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer
outra política pública, efetivando os objetivos fundamentais da Constituição Federal.
Percebe-se que não é permitido ao Poder Judiciário a formulação de políticas
públicas, não podendo definir prioridades do orçamento público. Compete ao Poder
Executivo, por iniciativa de lei, a elaboração do orçamento público e ao Poder
Legislativo a votação das respectivas leis orçamentárias, sendo destes poderes a
decisão acerca da destinação que darão aos recursos públicos, após juízo de
conveniência e oportunidade que farão para eleger quais prioridade atenderão com
as referidas verbas, levando em consideração que estas nem sempre são suficientes
para atender a todas as necessidades dos administrados.
O Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática, também já se
posicionou, na ADPF/DF nº 45, no sentido de que “há casos em que a prática de
políticas públicas consideradas adequadas pelo administrador deverá ser respeitada,
na medida em que não ofenda o núcleo do direito fundamental.”. (BRASIL. Supremo
Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45.
Relator: Ministro Celso de Mello. 04 de maio de 2004)

Arguição De Descumprimento De Preceito Fundamental. A Questão Da


Legitimidade Constitucional Do Controle E Da Intervenção Do Poder
Judiciário Em Tema De Implementação De Políticas Públicas Quando
Configurada Hipótese De Abusividade Governamental. Dimensão Política Da
Jurisdição Constitucional Atribuída Ao Supremo Tribunal Federal.
Inoponibilidade Do Arbítrio Estatal À Efetivação Dos Direitos Sociais
Econômicos E Culturais. Caráter Relativo Da Liberdade De Conformação Do
Legislador. Considerações Em Torno Da Cláusula Da “Reserva Do Possível”
Necessidade De Preservação, Em Favor Dos Indivíduos, Da Integridade E Da
Intangibilidade Do Núcleo Consubstanciador Do “Mínimo Existencial”.
Viabilidade Instrumental Da Arguição De Descumprimento No Processo De
Concretização Das Liberdades Positivas (Direitos Constitucionais De Segunda
Geração) [...] Não deixo de conferir, no entanto, assentada tais premissas,
significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN
HOLMESS/ CASS R. SUNSTEIN. The cost of rights, 1999, Norton, New York),
notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosa) dos
direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo
adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais
positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É
que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais- além de
caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização –
depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro
subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que,
comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da
pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a
limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no
texto da Carta Política. [...] Em resumo: A limitação de recursos existe e é
uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em
conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como
o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado,
não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos para, em
seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços ou qualquer
outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da
Constituição. A meta central das Constituições modernas e da Carta de 1988
em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-
estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as 17 condições
de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos
individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os
elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão
estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas
depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos
remanescentes, em que outros projetos se deverão investir. O mínimo
existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades
orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do
possível. Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da
“reserva do possível” ao processo de concretização dos direitos de segunda
geração- de implementação sempre onerosa- traduzem-se em um binômio
que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão
individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a
existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as
prestações positivas dele reclamadas. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45. Relator:
Ministro Celso de Mello. 04 de maio de 2004)

Quando da análise da interferência do Poder Judiciário em atos de


competência do Executivo, os favoráveis à judicialização afirmam que, ante à falta de
compromisso político e social dos titulares do Poder Executivo, fez-se necessário
alterar o sistema de controle judicial dos atos administrativos, deixando de ser
posterior e se tornando apriorístico, dada a premência dos sucessivos casos de
afronta à ordem pública, bem como permitindo a revisão imediata dos atos que eram
tidos como discricionários.
O Superior Tribunal de Justiça também tem posicionamento no sentido de
que, quando o poder público deixa de implementar a política pública, não
concretizando um direito constitucional, autoriza a intervenção do Poder Judiciário,
que deve se movimentar na direção da efetivação do direito violado.

DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE


CONSTIRUCIONAL. HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO
JURISDICIONAL. O Poder Público – quando se abstém de cumprir, total ou
parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio
texto constitucional – transgride, com esse comportamento negativo, a
própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o
preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional.
Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. Celso de Melo, v.g. – A inércia estatal
em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de
desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo,
comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo,
perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem vontade de fazê-
la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito
subalterno de torna-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem
ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento
dos interesses maiores dos cidadãos. – A intervenção do Poder Judiciário em
tema de implementação de políticas governamentais previstas e
determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação
infantil (RTJA 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e
perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão
inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República
assegura à generalidades das pessoas. (BRASIL. 20 Superior Tribunal de
Justiça. Agravo no Recurso Especial nº 639337. Relator: Ministro Celso de
Mello. 23 de agosto de 2011.)
Referências

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito


Fundamental nº 45. Relator: Ministro Celso de Mello. 04 de maio de 2004.
Disponível em:
http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/343_204%20ADPF%202045.pdf .
Acesso em 21 de setembro de 2018.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº


1.0394.02.024085- 6/001. Relator: Vanessa Verdolim Hudson Andrade. 18 de
março de 2008. Disponível em: < http://tj-
mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5957468/103940202408560011-
mg1039402024085-6-001-1/inteiro-teor-12092901> Acesso em 25 de setembro
de 2018.

PORTO, Dulciana Ferreira. A Judicialização da Administração Pública á luz


dos Princípios Constitucionais. Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Curso de Direito da Universidade Tiradentes, Aracaju.
2015. Disponível em:
<http://openrit.grupotiradentes.com/xmlui/bitstream/handle/set/1244/trabalho%2
0de%20conclusao%20de%20curso%20.pdf?sequence=1> Acesso em 21 de
setembro de 2018.

GRINOVER, Ada Pallegrini. Judiciário pode intervir no controle do


Executivo, São Paulo. 2009. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2009-
mai-08/judiciario-intervir-executivo-controlar-politicas-publicas?pagina=8>
Acesso em 20 de setembro de 2018.

BORGES, Bernardo Regis. O controle judicial sobre a execução do


orçamento público: Pressupostos e Limites para a intervenção Judicial nas
escolhas Orçamentárias. Monografia do Curso de Direito, Setor de Ciências
Jurídicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 2014. Disponível em:
https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/37572/21.pdf?sequence=1&i
sAllowed=y Acesso em: 24 de setembro de 2018.

OLIVEIRA, Júlio Marcelo. Por que o controle da administração pública


incomoda tanto?, São Paulo. 2018. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2018-ago-28/contas-vista-controle-administracao-
publica-incomoda-tanto Acesso em: 21 de setembro de 2018

AZEVEDO, Frederico José Pinto. Gestão orçamentária no Judiciário:


reflexões e mudanças, São Paulo. 2017. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2017-jan-22/segunda-leitura-gestao-orcamentaria-
judiciario-reflexoes-mudancas Acesso em: 25 de setembro de 2018
MENESES, Valfran Andrade. Poder Judiciário brasileiro e a Administração
Pública, São Paulo. 2017. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/57943/poder-judiciario-brasileiro-e-a-administracao-
publica/2 Acesso em: 24 de setembro de 2018

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