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URGÊNCIAS NEUROLÓGICAS: O QUÊ O CIRURGIÃO


GERAL DEVE SABER
Prof. Dr. Marco Antonio Herculano

As urgências neurológicas que todos médicos deveriam saber incluiriam as


traumáticas de maneira geral, envolvendo os traumatismos cranianos e
raquimedulares, as crises epilépticas, os acidentes vasculares cerebrais agudos, as
compressões agudas dos nervos periféricos, como nas hérnias discais e a
hipertensão intracraniana.

Discorrer sobre esses assuntos demandaria vários capítulos, motivo pelo


qual escolhemos apenas um tema que nos pareceu mais relevante, já que os
traumatismos são freqüentemente abordados em diversas publicações e cursos.
Os acidentes vasculares demandariam uma análise mais profunda, pois ainda são
motivo de estudos mais acurados quanto a forma de tratamento e as compressões
radiculares não representam riscos imediatos à vida. Dessa forma iremos nos ater
ao estudo da hipertensão intracraniana.

HIC – HIPERTENSÃO INTRACRANIANA

Na prática diária das salas de emergência uma das situações de maior


gravidade e que necessita rápido reconhecimento para chegar a resultados
positivos em 87,5% dos casos, tratados clinica ou cirurgicamente, são as
hipertensões intracranianas agudas, não traumáticas.

Esses quadros atingem uma população jovem entre 15 a 45 anos e podem


ter suas causas presumidas em 76% das vezes, como sugere a Tabela 1.

O abuso de drogas, em especial as simpaticomiméticas como a cocaína,


anfetaminas, fenilpropanolamina sempre devem ser considero em adultos jovens.

O uso habitual do álcool (mais que três doses ao dia) aumenta,


aproximadamente, em sete vezes o risco de HIC.
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TABELA 1. Causas de Hipertensão Intracraniana (HIC) espontânea, em adultos


jovens.

Etiologia %

MAV (malformação artério-venosa) rota 29,1


Hipertensão arterial 15,3
Aneurisma sacular roto 9,7
Abuso de drogas simpático-miméticas 6,9
Tumor 4,2
Intoxicação aguda com EtOH 2,8
Pré-eclâmpsia/ eclampsia 2,8
Trombose do seio sagital superior 1,4
Moya-moya 1,4
Crioglobulinemia 1,4
Indeterminada 23,6

FISIOPATOLOGIA
Todo aumento de volume intracraniano leva à hipertensão intracraniana
aguda, isto porque o cérebro está contido numa caixa óssea rígida e inelástica, não
permitindo compensação da pressão.

No interior da caixa craniana encontramos, além do cérebro, o líquido


cefalorraquidiano (entre 120 a 140 ml, em condições normais), assim como
aproximadamente 100 ml de sangue, necessários para a irrigação cerebral. Em
condições fisiológicas a proporção entre esses componentes se mantém inalterada
e o aumento de volume de cada um deles implica em diminuição compensatória
dos outros. Assim, nas hemorragias intracranianas, a pressão aumenta
agudamente motivada pelo extravasamento do sangue que pode se coletar em
forma de um hematoma ou ficar difuso no liquido cefalorraquidiano. O mesmo
acontece com o aumento do liquido cefalorraquidiano, por aumento de produção
ou diminuição na reabsorção, nas hidrocefalias.

Frente ao aumento da massa cerebral, por edema cerebral ou a presença de


uma massa tumoral, ocorre, inicialmente, uma diminuição na quantidade de
liquido cefalorraquidiano e com o aumento progressivo da pressão intracraniana
ocorre diminuição da quantidade de sangue circulante, levando a um círculo
vicioso com desequilíbrio agudo, quando atingido o limite da complacência
cerebral.
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A pressão intracraniana normal é de 5 a 15 mm de Hg, ou seja, 3 a 20 cm


de água, variando de acordo com a respiração e batimentos cardíacos, oscilações
sincrônicas conhecidas como pulso cerebral.
Esse aumento de pressão intracraniana leva ao encravamento de estruturas
anatômicas localizadas abaixo da foice cerebral e nas imediações do corpo caloso,
hérnias sub-falcinas. O encravamento do mesencéfalo na fissura do tentório, borda
livre da tenda possui maior importância clínica, hérnia do uncus do temporal,
causando a síndrome mesencefálica com distúrbios respiratórios e devido a
compressão do nervo oculomotor contra o bordo livre da tenda surge a dilatação
pupilar homolateral, por lesão das fibras do sistema parassimpático que transitam
por esse nervo. Essa lesão desencadeia a anisocoria sinal sugestivo de processo
expansivo encefálico unilateral.
O aumento progressivo da pressão intracraniana provoca também o
encarceramento da medula oblonga quando a amígdalas cerebelares são
pressionadas para dentro do forame magno. Essa situação é bastante complicada,
pois resulta na compressão dos centros respiratório e circulatório não bulbo. Esse
mecanismo pode ser desencadeado nas punções lombares em pacientes com
hipertensão intracraniana.
O aumento da pressão intracraniana leva a um desequilíbrio da irrigação
intracraniana que de início tende a aumentar devido a múltiplos fatores, inclusive a
compressão das veias de drenagem intracraniana, porém segue-se uma
diminuição do fluxo sanguíneo com hipóxia, diminuição do pH e aumento do
edema cerebral.

CONDUTA DO SERVIÇO

Seja qual for sua etiologia, a hipertensão intracraniana sempre constitui


uma ameaça direta à vida do paciente e seu tratamento se impõe de imediato.
O tratamento cirúrgico deve ser realizado quanto antes, sempre que a
causa for um processo expansivo, devidamente diagnosticado através dos exames
subsidiários.
Quando devido a edema cerebral, a hipertensão intracraniana não é passível
de tratamento cirúrgico. Antigamente praticavam-se aberturas cranianas
deixando-se a dura-máter em aberta, porém esse procedimento não costuma
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trazer grandes benefícios. Daí a importância da instituição do rápido tratamento


medicamentoso, já que a profilaxia não é muito eficaz.
A maneira mais simples de facilitar a drenagem venosa é colocar o paciente
em posição de Fowler (elevação do tronco com flexão de 30 graus nos quadris).
O uso da dexametasona, apesar de controverso, continua a ocupar lugar de
destaque nos casos de tumores, em especial nas metástases cerebrais, devendo-
se ter especial atenção em relação aos efeitos colaterais: possíveis hemorragias
gástricas, diminuição da resistência diante das infecções, ativação de diabetes
mellitus latente e oscilações da glicemia em pacientes diabéticos.
A infusão em bolo de manitol constitui um meio eficaz para combater o
inchaço cerebral e a hipertensão intracraniana devida a essa situação. O manitol
existe no comércio em soluções a 20%.
As soluções hipertônicas retiram o líquido através da osmose intersticial e
seu efeito se limita a 4 a 6 horas, podendo surgir o efeito rebote, ou seja, o líquido
volta aos tecidos pelo mesmo mecanismo de osmose. Por essa razão o uso de
drogas hiperosmóticas deve ser restrito ao tratamento das crises aguda de
hipertensão intracraniana.
Também está demonstrado que a redução do metabolismo cerebral provoca
a queda da pressão intracraniana e essa redução pode ser obtida com a
hibernação que leva a hipotermia artificial, porém esse método é de difícil
aplicação. Entretanto, está demonstrado que a aplicação de derivados barbitúricos
como o tiopental levam, também, a uma diminuição do metabolismo cerebral,
reduzindo de forma significativa a hipertensão intracraniana. O uso dessas drogas,
obrigatoriamente, deve ser associado a ventilação mecânica com monitoração
adequada.
A hiperventilação controlada leva a diminuição do aporte de sangue no
interior da caixa craniana, logo, à redução da pressão intracraniana, porém o seu
uso por tempo prolongado causa alteração na membrana surfactante com
conseqüente hipóxia e aumento da hipertensão intracraniana.
Por fim, devemos chamar a atenção para o fato de que, o paciente
inconsciente reage a estímulos dolorosos, aumentando a pressão intracraniana,
mesmo sem qualquer reação externa, portanto é indispensável o uso de
anestésicos locais em qualquer intervenção, mesmo as de pequeno porte, tal qual
a introdução de cateteres venosos.
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RESUMO ESQUEMÁTICO DE CONDUTA

Hipertensão intra-craniana

Objetivo:
PIC < 20mmHg

Medidas Intervenção Ventilação


gerais mecânica

Hiperventilação
 Elevação da cabeceira 30°  Manter PAS controlada
 Resfriamento do paciente >100mmHg
 Avaliar distúrbios  Considerar drogas
hidroeletrolíticos vasoativas

Manter
hipocapnia:
Restringir 30-35 mmHg
água livre

Medidas seriadas Manitol


da satO2 em sangue 0,25 a 1g/kg
Considerar venoso jugular 3/3h ou 6/6h
Bloqueadores H2
ou IBP (úlceras
de Cushing)

Discutir prognóstico
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Greenberg MS. HIC em adultos jovens. Manual de neurocirurgia. Ed 5. Porto Alegre,
2003, Artmed, 795-92.
2. Schirmer M. Particularidades da medicina intensiva em neurocirurgia. Ed 7. São Paulo.
Editora Santos, 307-15.
3. Ucar T, et al. Role of decompressive surgery in the management of severe head injuries:
prognostic factors and patient selection. J Neurotrauma. 2005 Nov;22(11):1311-8.
4. Mussack T, et al. Cerebral perfusion pressure for prediction of recurrent intracranial
hypertension after primary decompressive craniectomy. Eur J Med Res. 2005 Oct
18;10(10):426-33.
5. Winter CD, et al. A review of the current management of severe traumatic brain injury.
Surgeon. 2005 Oct;3(5):329-37. Review.

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