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CÓDIGO

DE DEFESA
DO USUÁRIO
DO SERVIÇO
PÚBLICO
Apontamentos sobre a lei 13.460/2017
e normas regulamentadoras
Anjuli Tostes Faria Melo
Auditora Federal de Finanças e Controle do Ministério da Transparência e Controladoria-
Geral da União – CGU. Advogada Popular. Bacharela em Relações Internacionais pela
Universidade de Brasília. Especialista em Gestão Pública, pela Universidade Cândido
Mendes. Membro da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão de Direito do Trabalho
da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Distrito Federal

CÓDIGO
DE DEFESA
DO USUÁRIO
DO SERVIÇO
PÚBLICO
Apontamentos sobre a lei 13.460/2017
e normas regulamentadoras

F B da Silva Livros
Recife - 2018
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F B da Silva Livros
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Filho

Revisão: Os organizadores
M528c Melo, Anjuli Tostes Faria
Código de defesa do usuário do serviço público apontamentos sobre a
lei 13.460/2017 e normas regulamentadoras / Anjuli Tostes Faria Melo ;
prefácio Wagner de Campos Rosário. – Recife : FB. da Silva Livros, 2018.
269p.
Inclui referências.
Inclui anexos
ISBN 978-85-45575-03-0

1. DIREITO ADMINISTRATIVO – BRASIL. 2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA –


BRASIL – NORMAS. 3. SERVIÇO PÚBLICO – BRASIL – NORMAS. 4. SERVIÇO
PÚBLICO – ASPECTOS JURÍDICOS. 5. LEI 13.460, DE 26 DE JUNHO DE 2017.
I. Rosário, Wagner de Campos. II. Título.

CDU 342.9
CDD 342
PeR – BPE 18-389
Dedico este livro ao meu pai, Édson Faria (in
memoriam), que me inspirou com sua vida de
humildade e amor ao próximo; à minha mãe,
Rita Tostes, meu exemplo como mulher; ao meu
amado esposo, Hugo Melo Filho, companheiro de
todas as horas; à comunidade de São sebastião,
que tão bem me acolheu.
SUMÁRIO

Prefácio 11

1. Considerações Gerais 19

2. Alcance e Extensão da Norma (Lacunas E Subsidiariedade) 31

3. Categorias Essenciais Tratadas na Lei 35


3.1 Usuário 35
3.2 Serviço público 38
3.3 Administração pública 41
3.4 Agente público 42
3.5 Manifestações 43

4. Princípios do Serviço Público 45


4.1 Princípio da regularidade 46
4.2 Princípio da continuidade 47
4.3 Princípio da efetividade 50
4.4 Princípio da segurança 51
4.5 Princípio da atualidade 52
4.6 Princípio da generalidade 53
4.7 Princípio da transparência 53
4.8 Princípio da e cortesia 57

5. Direitos e Deveres dos Usuários 59


5.1 Diretrizes para a adequada prestação do serviço 59
5.2 Direitos básicos dos usuários 65
5.3 Deveres dos usuários 68

6. Obrigações Impostas à Administração Pública 73


6.1 Elaborar e divulgar a Carta de Serviços ao Usuário 73
6.2 Aplicar soluções tecnológicas 77
6.3 Avaliar os serviços prestados 83

7. O Papel das Ouvidorias 85


7.1 Elaborar relatórios de gestão 90
7.2 Receber, analisar e responder manifestações 90
de usuários
7.3 Receber e coletar informações junto aos usuários 98
de serviços públicos
7.4. Promover a mediação e a conciliação entre 101
u­suários e órgãos e entidades

8. Conselho de Usuários 103

9. Racionalização de Exigências e Normas. Sanções 105


9.1 Racionalização de exigências e das trocas de 106
informações
9.2 Racionalização de normas 109
9.3 Sanções 110

10. Manual Do Usuário Do Serviço Público (em linguagem cidadã) 113


Bibliografia 127

Anexos 139
Lei n.º 13.460, de 26 de junho de 2017 141
Decreto n.º 9.094, de 17 de julho de 2017. 153
Instrução Normativa Conjunta n.º 1/18 dos Ministros 163
de Estado da Transparência e Controladoria-Geral da União
e do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão
Instrução Normativa nº 5, de 18 de junho de 2018, 171
do Ouvidor-Geral da União

Apêndice 181
Acesso à informação e garantia dos direitos sociais 183
O Direito à informação à luz da perspectiva do 13
Direito como trunfo de Dworkin
PREFÁCIO

O Art. 1º da Constituição Federal do Brasil traz como


fundamento da República Federativa brasileira a cidadania.
Define-se como cidadania a condição de uma pessoa que,
como membro de um Estado, se acha no gozo de deveres
e de direitos que lhe permitem participar da vida política.
É certo que as expressões cidadania e democracia estão
intimamente ligadas, sendo que esta última indica uma en-
tidade política e uma forma de Estado e de Governo em que
o poder está nas mãos dos cidadãos, que o exerce por meio
de representantes eleitos. Durante muito tempo, o direito de
um povo de escolher seus representantes foi o maior símbolo
da democracia e da cidadania.
Porém o mundo evoluiu e votar passou a ser um di-
reito básico dos cidadãos. Outras necessidades surgiram e
a assimetria de informações entre o principal (cidadão) e o
agente (o representante eleito pelo povo) fez com que o con-
ceito de cidadania se ampliasse. Somente votar não garantia
mais a tão sonhada cidadania. Fez-se necessária a criação de
mecanismos de participação social que permitissem que o
cidadão acompanhasse o trabalho daqueles que foram eleitos
para representá-lo.

11
Dentro da evolução supramencionada, a Emenda
Constitucional no 19/98 introduziu no art. 37 da Constituição
o atual § 3.º, inciso I, que assim dispõe: “A lei disciplinará as
formas de participação do usuário na administração pública
direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações
relativas à prestação dos serviços públicos em geral, assegu-
radas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário
e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos
serviços”.
Anos mais tarde foi promulgada a lei 13.460/2017, que
dispõe sobre a participação, proteção e defesa dos direitos
do usuário dos serviços públicos da administração pública.
Toda essa evolução é tratada com maestria pela autora, que,
no capítulo 1 da presente obra, traz considerações gerais
sobre os normativos constitucionais, legais e infra legais
existentes em nosso país sobre o tema. No capítulo 2 é explo-
rado o alcance e a extensão da norma, além de suas lacunas
e subsidiariedade.
Nos capítulos 3, 4, 5, 6, 7 e 8 a autora aborda as categorias
essenciais tratadas na lei de defesa do usuário dos serviços
públicos, os princípios do serviço público, os direitos e de-
veres dos usuários, as obrigações impostas à administração
pública, o papel das ouvidorias, os tipos de manifestações dos
usuários dos serviços públicos, as diretrizes de racionalização
de exigências e normas e, até, um Manual do Usuário, em
linguagem cidadã.
Trata-se de uma obra completa acerca da lei 13.460,
também conhecida como Código de Defesa do Usuário do
Serviço Público, bem como das demais normas regulamen-
tadoras que tratam do assunto. Para valorarmos o nível de
atualização da obra, dela consta até a Instrução Normativa
05, de 18 de junho de 2018, que estabelece orientações para a

12
atuação das unidades de ouvidoria do Poder Executivo federal
para o exercício das competências previstas nos capítulos
III e IV da lei 13.460.
Finalizo cumprimentando a Dra. Anjuli Tostes Faria
Melo por sua dedicação a um tema tão sensível e tão im-
portante para o desenvolvimento democrático de um país,
e pela dedicação que ora é externada com a publicação deste
livro que servirá de base para todos aqueles que desejam
aprimorar-se nesta área de conhecimento.

Wagner de Campos Rosário


Ministro de Estado da Transparência
e Controladoria-Geral da União (CGU)

13
O serviço público é o patrimônio dos que não têm patrimônio.
Celso Antônio Bandeira de Mello

Pouco importa às pessoas saber que têm os direitos


reconhecidos em princípio, se o exercício deles
lhes é negado na prática.
Francisco Sá Carneiro

A mais honrosa das ocupações é servir o público e ser útil ao


maior número de pessoas.
Michel de Montaigne

15
CÓDIGO
DE DEFESA
DO USUÁRIO
DO SERVIÇO
PÚBLICO
Apontamentos sobre a lei 13.460/2017
e normas regulamentadoras
I
CONSIDERAÇÕES GERAIS
A democracia é a melhor maneira de governar um Esta-
do, por assegurar direitos essenciais, liberdades e igualdade
política, valorizar a paz, a autodeterminação, o desenvolvi-
mento humano1. Segundo Bobbio, “a democracia é ideal-
mente o gover­no do poder visível ou do governo cujos atos se
desenvolvem em público, sob o controle da opinião pública” 2.
Por outro lado, como refere Macpherson, “a baixa par-
ticipação e a iniquidade social estão de tal modo interligadas
que uma sociedade mais equânime e mais humana exige um
sistema de mais participação política”3.
Não é tarefa fácil, todavia, implementar um modelo
que amplie a participação do cidadão na tomada de decisões
gover­namentais. Macpherson vislumbra obstáculos na socie-
dade e na atual ideologia, cuja remoção representa requisito

1  Consequências desejáveis da democracia, indicadas por Robert Dahl. Cf.


DAHL, Robert Alan. Sobre a democracia. Trad. Beatriz Sidou. Brasília: Unb, 2001,
p. 50. Apud. MELO FILHO, Hugo. Judiciário oligárquico: déficit democrático e
informalidade na administração dos tribunais e no governo da magistratura
no Brasil. São Paulo: LTr, 2014.
2  BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. 4.ª ed. Trad. João Ferreira.
Brasília: UnB, 1999, p. 208. Apud. MELO FILHO, Hugo. Judiciário oligárquico:
déficit democrático e informalidade na administração dos tribunais e no governo
da magistratura no Brasil. São Paulo: LTr, 2014.
3  MACPHERSON, C. B. A Democracia Liberal: origens e evolução. Trad. Na-
thanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, p. 98. Apud. MELO FILHO, Hugo.
Judiciário oligárquico: déficit democrático e informalidade na administração
dos tribunais e no governo da magistratura no Brasil. São Paulo: LTr, 2014.

19
para o atingimento da democracia participativa. Em primeiro
lugar, a mudança da consciência do povo, para que passe a
agir como executor e desfrutador da execução e desenvolvi-
mento de sua capacidade, e não como consumidor. Depois,
impõe-se a diminuição da desigualdade social e econômica4.
É razoável admitir, com Pateman, que a expressiva
participação dos cidadãos nas decisões governamentais
“engendra o desenvolvimento humano, aumenta o senso de
eficácia política, reduz o senso de distanciamento dos centros
de poder, nutre uma preocupação com problemas coletivos e
contribui para a formação de um corpo de cidadãos ativos e
conhecedores, capazes de ter um interesse mais agudo nos
assuntos governamentais”5.
Também está na essência da democracia a possibilidade
de responsabilização dos agentes públicos quanto à gestão do
Estado, à produção e à aplicação da lei. Estruturas democráti-
cas têm por escopo a ampliação da responsabilização dos
governantes. Os dirigentes têm o dever de prestar contas
aos dirigidos, que os elegeram. A qualidade democrática se
amplia na mesma medida em que aumenta a responsabilidade
do dirigente em relação aos dirigidos.
A ideia de accountability vincula-se ao exercício do poder
mediante a utilização de recursos públicos, que impõe aos
administradores a justificação dos seus atos. O conceito de
accountability está intimamente ligado à teoria do agencia-
mento (aqui em sua aplicação à esfera pública), o qual tem por
unidade de análise a relação que existe entre o principal (que
são os administrados/eleitores) e o agente (administrador/

4  Ibidem, pp. 102-103.


5  PATEMAN, C. Participation and democratic theory. Cambridge: Cambridge
University Press, 1970. Apud HELD, David (1987). Modelos de Democracia. Trad.
Alexandre Sobreira Martins. Belo Horizonte: Paideia, 1970, p. 233

20
eleito). O principal é quem delega poderes e responsabilidades
ao agente, surgindo para este o dever de prestar contas da
aplicação correta dos recursos6.
O’Donnell distingue duas espécies de accountability:
horizontal e vertical. À possibilidade de existência de agências
estatais legalmente autorizadas a atuar nos casos de ações
ilegais ou omissões de outros agentes do Estado denomina-se
indisponibilidade do sistema legal para os governantes, ou
horizontal accountability7. Trata-se, aqui, de uma relação entre
iguais. Já accountability vertical diz respeito ao relacionamen-
to entre desiguais, entre os governantes e os governados, e
se fundamenta no dever de transparência, na liberdade de
expressão, no amplo acesso à informação, na capacidade
reivindicatória e na possibilidade de avaliação e sanção
dos governantes.
Para Amaral, ”no caso da accountability vertical, a par-
ticipação dos governados no processo de tomada de decisões
(...) relaciona-se principalmente com a ação preventiva, no
sentido de poder co-participar da gestão pública no processo
deliberativo”8.
É essencial, então, que transparência, participação e
prestação de contas, as três dimensões mais relevantes da

6  Sobre teoria do agenciamento, entre outros, ALBUQUERQUE (2007), João


Henrique Medeiros et alii. Um estudo sob a óptica da teoria do agenciamento
sobre a accountability e a relação Estado-sociedade. Disponível em <http://www.
congressousp.fipecafi.org/artigos72007/660.pdf>.
7  O’DONNELL, Guillermo. “Teoria Democrática e Política Comparada”. DADOS
Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: IUPERJ, v. 42, n.º 4, 1999, p. 577- 654,
p. 641. Apud MELO FILHO, Hugo. Judiciário oligárquico: déficit democrático e
informalidade na administração dos tribunais e no governo da magistratura
no Brasil. São Paulo: LTr, 2014.
8  AMARAL, Marcelo Santos (2007). Accountability, governo local e democracia.
Salvador: Dissertação de Mestrado. Disponível em http://www.bibliotecadigital.
ufba.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1027. Apud MELO FILHO, Hugo.
Judiciário oligárquico: déficit democrático e informalidade na administração
dos tribunais e no governo da magistratura no Brasil. São Paulo: LTr, 2014.

21
accountability, sejam contempladas e reciprocamente estim-
uladas, pois o Estado será mais ou menos democrático de
acordo com o nível de transparência na ação dos agentes
públicos, de possibilidade de participação dos cidadãos e de
prestação de contas por parte dos gestores.
Nessa perspectiva, a entrada em vigor do Código de
Defesa do Usuário do Serviço Público, em 22 de junho de
2018, deve ser comemorada como um grande avanço em
termos de participação do cidadão na administração pública.
A Lei n.º 13.460/17, publicada em 26 de junho de 2017,
“dispõe sobre a participação, proteção e defesa dos direitos
do usuário dos serviços públicos da administração pública”,
reforça e amplia para todos os entes da federação direitos
básicos dos usuários, consagra os princípios norteadores
dos serviços públicos, impõe a todos os Poderes de todas as
esferas de governo a publicação anual do quadro geral dos
serviços públicos prestados e a elaboração de uma Carta de
Serviços ao Usuário, oferece instrumentos para garantia dos
direitos dos usuários, mediante a apresentação de manifes-
tações perante a administração pública, determina a criação
de Conselhos de Usuários, órgão consultivo de promoção da
participação popular na Administração, impõe a avaliação
continuada dos serviços prestados, cujo resultado deverá
ser integralmente publicado, cria um ranking das entidades
com maior incidência de reclamação dos usuários e redefine
o papel das ouvidorias.
Numa perspectiva habermasiana, a aplicação da lei se
adequa a uma concepção libertária, pois fornece à comunidade
de princípios um instrumento efetivo para operar o resgate
de pretensões de validade criticáveis – o agir comunicativo –,
possibilitando assim a descentralização do reino do inteligível,

22
compartilhado, em Habermas, por todos aqueles que agem
comunicativamente.
Com efeito, a noção de validade de uma norma, em
Habermas, se configura sob uma perspectiva procedi-
mental. O resgate de pretensões de validade levantadas
depende, necessariamente, de um reconhecimento in-
tersubjetivo, realizado por meio de um acordo racio-
nalmente motivado entre os participantes do processo
argumentativo.
Para Habermas, “é possível ampliar as condições con-
cretas de reconhecimento através do mecanismo de reflexão
do agir comunicativo, ou seja, através da prática da argu-
mentação, que exige de todo o participante a assunção das
perspectivas uns dos outros.” 9
De uma maneira mais ampla, o modelo habermasiano
concebe uma teoria segundo a qual as práticas decisórias
passam a ser legitimadas a partir da perspectiva de todos
os atingidos10.
Essa forma de interpretar deve refletir uma recons­
trução do direito articulada pela intersubjetividade de uma
coletividade deliberativa, situada no contexto da sociedade
civil e da esfera pública, consagrando um procedimento
argumentativo que envolva uma quantidade ampliada de
participantes na busca cooperativa pela verdade11.
A atitude interpretativa compartilhada se demonstra,
portanto, absolutamente compatível com a concepção do
direito como integridade, que repousa sobre a existência de
uma comunidade de princípios: “uma comunidade em que

9  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.


Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pp. 277.
10  Ibidem, p. 190.
11  Ibidem, p. 283.

23
seus membros se reconhecem reciprocamente como livres
e iguais e como coautores das leis que fizeram para reger
efetivamente a sua vida cotidiana em comum.”12
Na esteira da Lei n.º 13460/17, no âmbito do Poder Exe­
cutivo federal, foi publicado, em 18 de julho de 2017, o Decreto
n.º 9.094/2017, que dispõe sobre a simplificação do atendi-
mento prestado aos usuários dos serviços públicos, ratifica
a dispensa do reconhecimento de firma e da autenticação
em documentos produzidos no país e institui a Carta de
Serviços ao Usuário.
A rigor, não se pode considerar que o Decreto n.º
9.094/2017 tenha sido editado para regulamentar a Lei n.º
13.460/17. É bem verdade que o art. 1.º, caput, do Decreto
delimita a sua aplicação aos órgãos e às entidades do Poder
Executivo federal, como deveria ser, uma vez que a Lei manda
que cada Poder e esfera de Governo elabore Regulamentos
específicos.
Ocorre que o Decreto não cumpre, satisfatoriamente,
tal determinação, mesmo no âmbito da Poder Executivo
federal, uma vez que não regulamenta diversos aspectos
da Lei n.º 13.460/18, como a organização e o funcionamento
das ouvidorias (art. 17); a organização e o funcionamento dos
conselhos de usuários (art. 22); a avaliação da efetividade e
dos níveis de satisfação dos usuários (art. 24).
Além disso, é importante ressaltar que o Decreto entrou
em vigor na data de sua publicação (art. 24), 18/7/17, enquanto
a Lei só veio a entrar em vigor no dia 22/6/18 (art. 25). Ora, se
o Decreto vigora antes mesmo da Lei, não se pode falar em
norma regulamentadora desta, senão de decreto autônomo,

12  CARVALHO NETO, Menelick de. Público e Privado na Perspectiva Consti-


tucional Contemporânea. Brasília - DF: CEAD/UnB, 2013b, p. 11 (Pós-graduação
lato sensu em Direito Público). Disponível em: <http://moodle.cead.unb.br/agu/
course/view.php?id=9>

24
editado com arrimo no art. 84, caput, inciso VI, alínea “a” da
Constituição Federal, ainda que trate de temas semelhantes
aos da Lei13.
Ainda no âmbito do Poder Executivo federal, em ja-
neiro de 2018 foi publicada a Instrução Normativa Con-
junta n.º 1/2018 dos Ministérios de Estado da Transpar-
ência e Controladoria-Geral da União e do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão, estabelecendo os procedimen-
tos relativos às solicitações de simplificação de serviços
públicos, a serem efetivadas por meio de formulário de-
nominado “Simplifique!”, com a finalidade de promover
a participação do usuário de serviços públicos nos pro-
cessos de simplificação e desburocratização de serviços,
e a Instrução Normativa n.º 5/2018, do Ouvidor-Geral da
União, com orientações para atuação das unidades de
ouvidoria nas atividades relativas aos procedimentos para
participação, proteção e defesa dos direitos do usuário do
serviço público.
Há imprecisões e importantes omissões no Código
de Defesa do Usuário do Serviço Público e no Decreto n.º
9.094/17, especialmente neste. Muitos aspectos ainda não
foram objeto de regulamentação. Mas não se pode deixar
de reconhecer os avanços trazidos, ainda que representem
suprimento parcial da omissão legislativa de quase 20 anos,
quanto ao tema.
Com efeito, já em 1998, a Emenda Constitucional n.o 1914
introduzira no art. 37 da Constituição o atual § 3.º, que dispõe:

13  No mesmo sentido, PAIVA, João Pedro Lamana et BURTET, Tiago Machado.
A Lei nº 13.460/17 e o Decreto nº 9.094/17 e os serviços notariais e registrais. Dis-
ponível em http://www.notariado.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2l-
hcw==&in=OTgwNg==&filtro=1&Data=. Acesso em 11.6.18 e 24.6.18.
14  Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/
Emc/emc19.htm. Acesso em 11.6.18.

25
Art. 37. [...] § 3º A lei disciplinará as formas de parti­
cipação do usuário na administração pública direta e
indireta, regulando especialmente: I - as reclamações
relativas à prestação dos serviços públicos em geral,
asseguradas a manutenção de serviços de atendimento
ao usuário e a avaliação periódica, externa e inter-
na, da qualidade dos serviços (grifos nossos); II – o
acesso dos usuários a registros administrativos
e a informações sobre atos de governo, observa-
do o disposto no art. 5o, X e XXXIII; III – a disci-
plina da representação contra o exercício negli-
gente ou abusivo de cargo, emprego ou função na
administração pública.”

O artigo 27 da mesma Emenda 19 havia estabelecido um


prazo de 120 dias para a publicação da lei solicitada no § 3.º,
acima transcrito. Em 2011, foi publicada a Lei n.º 12.527 - Lei
de Acesso à Informação, que regulamentou o inciso II, do §
3.º, do art. 37, da Constituição15.
Passados quinze anos, sem que o Congresso Nacional
providenciasse a regulamentação do inciso I, do § 3.º, do art.
37, da Carta Magna16, a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 2417),
em 2013, pedindo que o Supremo Tribunal Federal determi-
nasse a edição da lei18. O Ministro Dias Toffoli deferiu a medida

15  Sobre a Lei de Acesso à Informação, vide artigos que se encontram como
apêndice deste livro.
16  É bem verdade que o Presidente da República, em 11.8.09, baixara o De-
creto 6.932, dispondo sobre a simplificação do atendimento público prestado
ao cidadão e instituindo, inclusive, uma Carta de Serviços ao Cidadão, o qual,
seja pela origem, seja pela limitação, não poderia ser sucedâneo da lei exigida
pelo art. 37, § 3.º, da Constituição da República.
17  Supremo Tribunal Federal. Ação Direta por Omissão 24. Disponível em
www.stf.jus.br>anexo>ADO_24MC. Acesso em 11/6/18.
18  A OAB também pedia a aplicação do Código de Defesa do Consumidor,
enquanto não cumprida a determinação. O pedido foi indeferido. Mas a doutrina
e a jurisprudência, ainda que não pacífica, já a admitiam. A matéria nunca foi
apreciada pelo Plenário. Em fevereiro de 2018, o relator extinguiu a ação, em face
da perda superveniente de objeto, determinada pela edição da Lei 13.460/17. Cf.

26
liminar postulada, em julho de 2013, determinando que o
Congresso suprisse a omissão no prazo de 120 dias. Foram
necessários mais quatro anos para que a omissão fosse supri-
da, ainda que se tenha em mente que tramitavam no Congres-
so, desde 1999, projetos de lei destinados à regulamentação
da matéria.
A nomodinâmica da lei revela a dificuldade de aprovação
de matérias de tal jaez em nosso Congresso Nacional, his-
toricamente refratário à ampliação da participação direta
do cidadão.
Com efeito, a nova lei tem origem no Projeto de Lei n.º
439/199919, do Senador Lúcio Alcântara (PSDB/CE), aprova-
do, em caráter terminativo, pela Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania do Senado, em 25/5/02, e remetido à
Câmara dos Deputados em, 12/6/02, onde passou a tramitar
como Projeto de Lei n.º 6953/200220. Paralelamente, tra-
mitara na Câmara dos Deputados, como primeiro projeto
de lei apresentado para a regulamentação da matéria, o de
número 674/99, do deputado Celso Russomano (PPB/SP). A
este foram apensados os projetos de lei números 1678/99,
1896/99, 2086/99. Depois de passarem pela Comissão
de Defesa do Consumidor, Comissão de Trabalho, de
Administração e Serviço Público e Comissão de Finanças
da Câmara, o PL 674/99 e apensados foram também apen-
sados ao PL 6953/2002, oriundo do Senado, no dia 25/6/02.

Ministro extingue ação que pedia criação da lei de defesa dos usuários de serviços
públicos. Notícias STF, 5/2/18. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/
verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=368745. Acesso em 11.6.18.
19  Senado Federal. Projeto de Lei n.º 439/1999. Disponível em https://www25.
senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/40970. Acesso em 11.6.18.
20  Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n.º 674/1999. Disponível em www.
camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=15724. Acesso
em 11.6.18.

27
Também foram anexados a este último os projetos de lei
números 1397/03, 6861/10, 679/11, 1165/11, 6002/13 e 6882/13.
Em 15/10/2015, todos os projetos de lei foram desapensa-
dos do 6953/2002, pela aprovação deste em Plenário, com
alterações, o que determinou o retorno da matéria ao Sena-
do, como Substitutivo da Câmara n.º 20/201521. Foi rela-
tor da matéria, por último, o Senador Antônio Anastasia
(PSDB/MG), que propôs a aprovação global do substitu-
tivo da Câmara, finalmente aprovada na sessão de 6/6/17.
A matéria seguiu à sanção presidencial, que ocorreu em
26/6/17.
Finalmente, no dia 26 de junho de 2017, foi publica-
da a Lei 13.46022, que “dispõe sobre participação, proteção
e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da
administração pública”, com entrada em vigor projetada
para trezentos e sessenta dias para a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios com mais de quinhentos mil
habitantes; quinhentos e quarenta dias para os Municípios
entre cem mil e quinhentos mil habitantes; e setecentos e
vinte dias para os Municípios com menos de quinhentos mil
habitantes (art. 25)23.

21  Senado Federal. Substitutivo da Câmara n.º 20/2015. Disponível em https://


www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/123716. Acesso em
11.6.18.
22  Lei 13.460/2017. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
l13460.htm. Vários acessos.
23  O critério de definição do momento da entrada em vigor da lei nos Mu-
nicípio é o populacional, o que impõe a observância de dados oficiais, no caso
fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Merece
crítica o critério adotado, porque, para os cidadãos das cidades menos populosas,
posterga o exercício de direitos contemplados na lei. O critério adotado não
parece ser o mais consentâneo com o princípio da isonomia.

28
Assim é que, em 22 de junho de 2018, a Lei 13.460/2017
- Código de Defesa do Usuário do Serviço Público24 - entrou
em vigor na União, nos Estados, no Distrito Federal e em
alguns Municípios, fato que justifica a apresentação destes
primeiros apontamentos sobre a novel norma.

24  “Código de Defesa do Usuário de Serviço Público” é uma designação ina­


propriada. Um código deve trazer a disciplina completa do ramo do direito de
que trata. A Lei 13.460/17 sequer regulamenta integralmente o § 3.º do art. 37
da Constituição, como será visto adiante.

29
II
ALCANCE E EXTENSÃO DA NORMA.
LACUNAS E SUBSIDIARIEDADE
O primeiro aspecto a ser observado é o de que a Lei
13.460/2017, a despeito de consignar, no art. 1.º, que regula
a participação, a proteção e a defesa dos direitos do usuário
dos serviços públicos, regulamenta, apenas, o inciso I, do §
3.º, do art. 37 da Constituição.
De fato, o inciso II, como mencionado acima, já fora
regulamentado pela Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527
de 18 de novembro de 201125), o que, aliás, está expressamente
indicado no parágrafo único, do artigo 2.o, da Lei 13.460/17.
Cumpre registrar que a Lei de Acesso à Informação
trouxe uma nova e poderosa ferramenta à sociedade26, que
representou uma mudança de paradigma na relação desta
com o Estado. A Lei dispõe sobre os procedimentos a serem
observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios
com o fim de garantir o acesso a informações previsto no
inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no
§ 2º do art. 216 da Constituição Federal, que se destinam a
assegurar o direito fundamental de acesso à informação,

25  Lei 12.527/2011. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/


l12527.htm. Acesso em 11.6.18.
26  Talvez não se possa dizer o mesmo em relação ao Código de Defesa do
Usuário do Serviço Público, em boa medida superficial e impreciso, vis-à-vis
da complexidade do tema que regula. É inegável, entretanto, que o Código
representa relevante avanço.

31
prevendo a observância da publicidade como preceito geral
e do sigilo como exceção.
A garantia do direito de acesso à informação é com-
preendida como dever do Estado, que será franqueada medi-
ante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente,
clara e em linguagem de fácil compreensão.
Quanto ao inciso III, que ordena “a disciplina da repre­
sentação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo,
emprego ou função na administração pública” segue care-
cendo de regulamentação.
Resta mantida a omissão legislativa, a desafiar a ordem
constitucional, que, obviamente, não se satisfaz com a vetusta
Lei n.º 4.898/6527, produzida em pleno Regime Militar, para
regulamentar o direito de representação no caso de abuso
de autoridade.
Em outra vertente, é de ver que a aplicação da Lei n.º
13.460/17 não afasta a necessidade de cumprimento da Lei n.
8.078/1990, conhecida como Código de Defesa do Consumi-
dor, quando caracterizada relação de consumo (art. 1º, § 2º,
II), nem de normas regulamentadoras específicas, quando
se tratar de serviço ou atividade sujeitos a regulação ou
supervisão (art. 1º, § 2º, I). Essa supervisão frequentemente
envolve as agências reguladoras e serviços prestados indire-
tamente pelo Estado, como o fornecimento de energia elétrica
e serviços de telecomunicações (art. 1º, § 2º, I). No caso de
serviços públicos prestados indiretamente (por particulares),
a Lei 13.460/2017 se aplica de forma subsidiária (art. 1º, § 3º)28.

27  Lei n.º 4.898/1965. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/


Leis/l4898.htm. Acesso em 11.6.18.
28  Aqui não fica claro a que outras normas a Lei 13.460/17 terá aplicação sub-
sidiária. Também não se sabe, ao certo, a que “particular” se refere a norma (v.g.,
concessionários e permissionários, prestadores de serviço público não privativo).

32
Giro outro, ainda que a Lei 13.460/2017 não disponha
expressamente, a Lei 9.784/199929 será aplicada de maneira
subsidiária, uma vez que estabelece as normas básicas sobre o
processo administrativo no âmbito da Administração Pública
federal direta e indireta, visando à proteção dos direitos dos
administrados.
Registre-se, ainda, que o Código de Defesa do Usuário do
Serviço Público tem abrangência nacional: aplica-se à admi­
nistração pública direta e indireta da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios (art. 1º, § 1º).

29  Lei de Procedimento Administrativo. Lei 9.784/1999. Disponível em http://


www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l9784.htm. Acesso em 11.6.18.

33
III
CATEGORIAS ESSENCIAIS TRATADAS NA LEI
A lei elenca as categorias essenciais e as conceitua no art.
2.º: usuário, serviço público, administração pública, agente
público e manifestações.
Impõe-se o exame de cada uma delas.

3.1 Usuário
Para os fins da lei, usuário é a pessoa física ou jurídica
que se beneficia ou utiliza, efetiva ou potencialmente, de
serviço público.
No Direito Civil, pessoa é o detentor de direitos e de-
veres, podendo ser natural (pessoa física) e jurídica (pessoa
moral). A Lei n.º 10.406/02, Código Civil, adota a expressão
“pessoa natural” (v.g., art. 6.º). Pessoa natural é o indivíduo,
o ser humano capaz de direitos e deveres, enquanto pessoa
jurídica é uma abstração, figura jurídica idealizada.
Nos termos do art. 40 do Código Civil30, as pessoas
jurídicas são de direito público, interno ou externo, e de
direito privado. São pessoas jurídicas de direito público in-
terno a União, os Estados, o Distrito Federal, Territórios, os
Municípios, as autarquias, inclusive as associações públicas,
e as demais entidades de caráter público criadas por lei (art.
41). São pessoas jurídicas de direito público externo os Esta-

30  Lei n.º 10.406/2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/


Leis/l10406.htm. Acesso em 12.6.18.

35
dos estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo
direito internacional público (art. 42). Já as pessoas jurídi-
cas de direito privado são as associações, as sociedades, as
fundações, as organizações religiosas, o partidos políticos,
as empresas individuais de responsabilidade limitada.
A Lei n.º 13.460/17 não distinguiu entre as pessoas jurídi-
cas quanto a serem de direito privado ou de direito público,
seja interno ou externo. Mas o Decreto n.º 9.094/2017, que
dispõe sobre a simplificação do atendimento prestado aos
usuários dos serviços públicos no âmbito do Poder Executivo
federal, altera o conceito de usuário, no parágrafo único do
art. 1.º, estatuindo que usuário é a pessoa física ou jurídica, de
direito público ou privado, diretamente atendidas por serviço
público. A especificação é evidentemente desnecessária, pois
o conceito legal já englobava as duas vertentes.
Por outro lado, a redação do decreto é restritiva em
relação à dicção legal, no que concerne ao Poder Executivo
federal, uma vez só será considerado usuário a pessoa que
for diretamente atendida por serviço público e não a que
dele se utiliza, efetiva ou potencialmente.
Também se percebe na Lei n.º 13.460/17 uma mudança
de paradigma no que concerne à concepção do usuário do
serviço público, em virtude do modelo de administração
adotado.
Quanto a isso, a doutrina identifica três distintos mo-
mentos: o gerencialismo (managerialism) adota a descen-
tralização administrativa em uma determinada estrutura
organizacional, atribuindo ampla autonomia aos gestores,
com foco na eficiência; o consumerism adota a descentra­
lização política, para Estados e Municípios, a fim de aproximar
a prestação do serviço público dos usuários, vistos como
consumidores, aos quais se facilita a avaliação dos serviços,

36
com foco na eficácia (qualidade do produto); já o public service
oriented direciona a descentralização para a sociedade, com
foco na efetividade31 (impacto social, alterações na realidade).
Segundo Abrucio32,

No modelo gerencial puro, a descentralização era


valorizada como meio de tornar mais eficazes as
políticas públicas. Já no consumerism, o processo
de descentralização era saudável na medida em que
ele aproximava o centro de decisões dos serviços
públicos dos consumidores, pensados como indivídu-
os que têm o direito de escolher os equipamentos
sociais que lhes oferecer melhor qualidade.

Caio Marini33 leciona que

O terceiro [modelo], o Public Service Oriented (PSO),


está baseado na noção de equidade, de resgate do
conceito de esfera pública e de ampliação do dever
social de prestação de contas (accountability). Essa
nova visão, ainda que não completamente delim-
itada do ponto de vista conceitual, introduz duas
importantes inovações: uma no campo da descentra­
lização, valorizando-a como meio de implementação
de políticas públicas; outra a partir da mudança do
conceito de cidadão, que evolui de uma referência
individual de mero consumidor de serviços, no se-
gundo modelo, para uma conotação mais coletiva,
incluindo seus deveres e direitos. Desse modo, mais
do que “fazer mais com menos” e “fazer melhor”, o
fundamental é “fazer o que deve ser feito” (...).

31  Em uma palavra, eficácia é a capacidade de atingir objetivos, eficiência é


utilização produtiva dos recursos e efetividade é realização do que precisa ser
feito para transformar a situação existente.
32  ABRUCIO, F. L. Os avanços e os dilemas dos modelos pós-burocráticos: a
reforma da administração pública à luz da experiência internacional recente.
In: PEREIRA, L. C. B.; SPINK, P. A reforma do estado e a administração pública
gerencial. 5. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2003. p. 173-199.
33  MARINI, Caio. Gestão Pública: o debate contemporâneo. Salvador: FLEM,
2003. Disponível em http://www.issuu.com/institutopublix/docs/gest_o_p_
bliva_-_o_debate_contemp. Acesso em 12.6.18.

37
Sem dúvida, em se tratando de serviço público, a efi-
ciência há de ser sacrificada em nome do princípio da uni-
versalidade. A natureza da relação entre o usuário (cidadão)
e o prestador (Administração Pública) não se define por
critérios de diferenciação, que marcam o mercado de con-
sumo, uma vez que todos os usuários representam igual
custo e nenhum lucro.
O Texto Constitucional (art. 37, § 3.º) se orienta, clara-
mente, pelo consumerism. Entretanto, normas produzidas para
a regulamentação da matéria no nível infraconstitucional
foram delineadas a partir do public service oriented. Basta
ver o teor do Decreto n.º 6.932/0934, que dispunha sobre a
simplificação do atendimento público prestado ao cidadão
e instituía a “Carta de Serviços ao Cidadão”, e mesmo da
Lei 12.527/11 – LAI, seguramente centrada no conceito de
accountability35. Em ambos os casos, o usuário não é visto
como contribuinte ou consumidor e sim como cidadão.
A Lei n.º 13.460/17, no particular, parece indicar um re-
torno ao consumerism, revelado na busca por “fazer melhor”
para o usuário, individualmente considerado, afastado da
condição de cidadão ativo na sociedade.

3.2 Serviço público


De acordo com o art. 2.º, inciso II, serviço público é
considerado a “atividade administrativa ou de prestação
direta ou indireta de bens ou serviços à população, exercida
por órgão ou entidade da administração pública”.

34  Presidência da República. Decreto n.º 6.932/2009. Disponível em http://


www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d6932.htm. Vários acessos.
35  A idéia de accountability vincula-se ao exercício do poder mediante a uti-
lização de recursos públicos, que impõe aos administradores a justificação dos
seus atos, na perspectiva da resposabilização dos governantes. Os dirigentes
têm o dever de prestar contas aos dirigidos, que os elegeram.

38
Dispõe o art. 175 da Constituição que “incumbe ao Poder
Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de con-
cessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação
de serviços públicos”.
Na lição de Hely Lopes Meirelles, serviço público é “todo
aquele prestado pela Administração ou por seus delegados,
sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades
essenciais ou secundárias da coletividade ou simples con-
veniências do Estado”36.
Já José Cretella Júnior considera serviço público como
“toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente,
para a satisfação as necessidades públicas mediante proce­
dimento típico do direito público”37.
Maria Sylvia Zanella di Pietro apresenta conceito que
seria a conjugação dos anteriores, pois, de acordo com a
Professora, serviço público é “toda atividade material que a
lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por
meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concre-
tamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total
ou parcialmente público”38.
O cotejo das acepções doutrinárias com o teor do inciso
II, do art. 2.º deixa clara a imprecisão conceitual da norma
em comento. Omissa quanto ao regime de oferecimento dos
serviços, restritiva quanto aos exercentes, porque, por ex-
emplo, deixa de fora os delegados da Administração Pública.
Equivocado, ao se referir à “administração pública” e não ao

36  MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª edição. São
Paulo: Malheiros, 2007, p. 330.
37  CRETELA JÚNIOR, José. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Forense, 1980, p. 55-60. Apud. DI PETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Admi­
nistrativo. 28.ª ed. Atlas, 2015, p. 136.
38  DI PETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28.ª ed. Atlas,
2015, p. 136.

39
“Estado”, excluindo as atividades legislativa e judicial, que
a própria lei pretende abarcar, como se vê no inciso III do
mesmo art. 2º, eis que ali se faz referência a todos os Poderes
da União.
Imprecisões como estas não passaram despercebidas
pela arguta visão do Prof. Emerson Gabardo39:

O próprio conceito de serviço público utilizado pela


lei é ambíguo (como em geral ocorre no texto consti-
tucional). Perdeu-se a oportunidade de conferir mais
segurança jurídica à matéria mediante o estabele­
cimento de uma terminologia de melhor precisão.
(...)
No artigo 2o, inciso II, a lei define o que é serviço pú-
blico para os seus próprios fins. Aqui fica claro que a
lei se utiliza da noção ampla de serviço público (aquela
decorrente do ideário de Léon Duguit e que abarca
qualquer atividade administrativa). Por outro lado,
faz menção expressa à “prestação direta e indireta
de bens ou serviços à população”, o que é uma ênfase
no conceito restrito de serviço – desnecessária juri-
dicamente, mas importante simbolicamente.
Infelizmente a lei utiliza uma expressão equivocada
ao definir os sujeitos prestadores, dizendo que será
serviço público a atividade “exercida” por órgão ou
entidade da Administração. Isso não é verdade, pois
o artigo 1o é claro ao asseverar que a incidência se dá
para serviços públicos prestados “direta ou indire-
tamente”. A interpretação sistemática confirma este
efeito, razão pela qual seria mais prudente este inciso
utilizar a expressão “titularizada” ao invés de exercida.
Em resumo: a lei vale para os serviços públicos, os
quais consistem em quaisquer atividades adminis-
trativas e as demais ações titularizadas pelo Estado,
exercidas por entidades estatais ou por prestadores
privados. Aparentemente, este conceito exclui os

39  Cf. GABARDO, Emerson. O Novo Código de Defesa do Usuário do Serviço


Público: Lei 13.460/17. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br/co­
lunistas/emerson-gabardo/o-novo-codigo-de-defesa-do-usuario-do-servico-pu-
blico-lei-13-460-17. Acesso em 11.6.18.

40
serviços sociais (os não privativos do Estado) quando
prestado por particulares – o que me faz pensar, então,
que o parágrafo 3o do artigo 1o está lá justamente
para impor tal regime aos exploradores privados dos
serviços sociais (educação, saúde, previdência) – ainda
que subsidiariamente. Este é o meu palpite.

3.3 Administração pública


O inciso III define administração pública como “órgão
ou entidade integrante da administração pública de qualquer
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, a Advocacia Pública e a Defensoria Pública”.
De acordo com o conceito clássico de Hely Lopes
Meirelles40, administração pública, “em sentido formal, é
o conjunto de órgãos instituídos para a consecução dos
objetivos do Governo; em sentido material é o conjunto das
funções necessárias aos serviços públicos em geral(...)”.
Não andou muito bem o legislador de 2017 ao definir
administração pública como o órgão ou entidade. Estes, a
rigor, são unidades que compõem a administração pública,
que é, na verdade, o conjunto formado por todas elas. Vê-se
que a lei confunde a parte com o todo, em demonstração de
lamentável desleixo técnico.
Para além desse aspecto, a definição dada pela norma
mereceu a seguinte crítica do Prof. Emerson Gabardo41:

Quanto à definição subjetiva de Administração


Pública contida no inciso III do artigo 2o, presta-
se um desserviço hermenêutico, pois “sem querer

40  MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª edição. São
Paulo: Malheiros, 2007.
41  Cf. GABARDO, Emerson. O Novo Código de Defesa do Usuário do Serviço
Público: Lei 13.460/17. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br/co­
lunistas/emerson-gabardo/o-novo-codigo-de-defesa-do-usuario-do-servico-pu-
blico-lei-13-460-17. Acesso em 11.6.18.

41
querendo” a Lei 13.460/17 restringe o conceito às
entidades designadas: ou seja, os três Poderes da
União, Estados Distrito Federal e Municípios, além
da Advocacia Pública e da Defensoria Pública. Por
um lado, não seria necessário citar estes dois últimos
órgãos, que já estão açambarcados pelo conceito
geral; por outro lado, faltou uma salutar menção
expressa ao Ministério Público e aos Tribunais de
Contas. Por óbvio, espero que a norma incida tam-
bém sobre estes dois organismos.

3.4 Agente público


Agente público, na dicção do inciso IV, do art. 2.º, é “quem
exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil
ou militar, ainda que transitoriamente ou sem remuneração”.
Diógenes Gasparini42 conceitua agentes públicos “como
todas as pessoas físicas que sob qualquer liame jurídico e algu-
mas vezes sem ele prestam serviços à Administração Pública
ou realizam atividades que estão sob sua responsabilidade”.
Está claro que o conceito legal de agente público é res­
tritivo e errôneo. Funções públicas, a exemplo de cargos e
empregos, dizem respeito a postos de trabalho de natureza não
eventual, inseridos na administração. Assim, há contradição
interna com a referência a transitoriedade e ausência de re-
muneração. A considerar os limites da redação do inciso IV,
estariam excluídos todos os particulares em colaboração com a
Administração Pública, como o mesário eleitoral, o jurado, além
dos agentes delegados, como concessionários, permissionários,
serventuários de ofícios, leiloeiros, tradutores públicos, entre
outros. A rigor, deveria ter sido usada a expressão “atribuições
ou responsabilidades”, no lugar de função.

42  GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 17.ª ed.,
2012, p. 124.

42
3.5 Manifestações
Por fim, o art. 2.º, inciso V, introduz a categoria mani­
festações, que seriam “reclamações, denúncias, sugestões,
elogios e demais pronunciamentos de usuários que tenham
como objeto a prestação de serviços públicos e a conduta de
agentes públicos na prestação e fiscalização de tais serviços”.
De acordo com o art. 4.º da Instrução Normativa n.º
1/2014 da Ouvidoria-Geral da União43, reclamação (única
espécie de manifestação expressamente referida no inciso I,
do § 3.º, do art. 37 da Constituição) é a demonstração de insa­
tisfação relativa a serviço público; denúncia, a comunicação
de prática de ato ilícito cuja solução dependa da atuação de
órgão de controle interno ou externo; sugestão, a proposição
de ideia ou formulação de proposta de aprimoramento de
políticas e serviços prestados pela Administração Pública
federal; e elogio, a demonstração ou reconhecimento ou
satisfação sobre o serviço oferecido ou atendimento recebido.
Curiosamente, para uma lei que regulamenta a “partici-
pação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços
públicos da administração pública”, não foi especificada a
hipótese solicitação, que, ainda para a OGU, é o requerimento
de adoção de providência por parte da Administração, e que,
na lei, terminou na vala comum dos “demais pronunciamen-
tos de usuários”.
O Ouvidor-Geral da União fez publicar, em 25 de junho
de 2018, a Instrução Normativa n.º 5 que “estabelece orien-
tações para a atuação das unidades de ouvidoria do Poder
Executivo federal no âmbito das atividades relativas aos

43  A IN 1/14 da OGU ainda trata de “solicitação: requerimento de adoção


de providência por parte da Administração”. Disponível em http://www.cgu.
gov.br/sobre/legislacao/arquivos/instrucoes-normativas/in-ogu-01-2014.pdf.
Acesso em 13.6.18.

43
procedimentos para a participação, proteção e defesa dos
direitos do usuário de serviços públicos da administração
pública direta e indireta, de que trata a Lei nº 13.460, de 26
de junho de 2017”44.
Nos mesmos termos da Instrução Normativa n.º 1/2014,
a Instrução n.º 5/2018, que a revogou, define as possíveis
manifestações dos usuários:
• reclamação: demonstração de insatisfação relativa a
prestação de serviço público;
• denúncia: comunicação de prática de irregularidade ou
ato ilícito cuja solução dependa da atuação dos órgãos
apuratórios competentes;
• elogio: demonstração de reconhecimento ou satisfação
sobre o serviço oferecido ou atendimento recebido;
• sugestão: apresentação de ideia ou formulação de pro-
posta de aprimoramento de políticas e serviços pres-
tados pela Administração Pública federal;
• solicitação de providências: pedido para adoção de pro-
vidências por parte da Administração.

Por fim, é inexplicável que a Lei não tenha regula­


mentado “a disciplina da representação contra o exercício
negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na ad-
ministração pública”, espécie de manifestação prevista no
art. 37, § 3.º, III da Constituição da República, que permanece
sem regulamentação.

44  Ministérios de Estado da Transparência e Controladoria-Geral da União


e do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Instrução Normativa Conjunta
n.º 1/2018. Disponível em http://www.imprensanacional.gov.br/materia/-/as-
set_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/27128217/do1-2018-06-25-instrucao-
normativa-n-5-de-18-de-junho-de-2018-27128190. Acesso em 25.6.18.

44
IV
PRINCÍPIOS DO SERVIÇO PÚBLICO
A lei em comento elenca os princípios que presidirão
os serviços públicos e o atendimento ao usuário: princípios
da regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atua­
lidade, generalidade, transparência e cortesia (art. 3.º).
Não se trata, por óbvio, dos princípios constitucionais
da administração pública, da legalidade, da moralidade, da
impessoalidade, da publicidade e da eficiência, previstos no
caput do art. 37 da Constituição, ou mesmo dos princípios da
razoabilidade, proporcionalidade, da ampla defesa, do contra-
ditório, da segurança jurídica, da motivação e da supremacia
do interesse público, os quais, embora não mencionados
na Carta Magna, decorrem do nosso regime político, tanto
que foram textualmente enumerados pelo art. 2º da Lei
federal 9.784/99. O serviço público, expressão que é da ação
da Administração Pública, há de ser promovido em estrita
observância de todos estes princípios.
Ocorre que a Lei n.º 8.987/9545, que regulamenta o re-
gime de concessão e permissão da prestação de serviços pú-
blicos, introduziu os princípios específicos do serviço público:

Art. 6.º Toda concessão ou permissão pressupõe a


prestação de serviço adequado ao pleno atendimento

45  Lei n.º 8.987/1995. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/


Leis/l8987.htm. Vários acessos.

45
dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas
normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições
de regularidade, continuidade, eficiência, segurança,
atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação
e modicidade das tarifas.
(...)

A Lei n.° 13.460/17 renova a indicação dos princípios do


serviço público, com três distinções em relação aos da Lei
8.987/95: a ausência do princípio da modicidade46, o uso da
expressão efetividade em lugar de eficiência e o acréscimo
do princípio da transparência.
Examinemos cada um deles.

4.1 Princípio da regularidade


Considerando que o art. 175 da Constituição incumbe
ao Poder Público a prestação de serviços públicos é forçoso
concluir que tais serviços haverão de ser prestados com
regularidade, uma vez que a ausência da prestação ou a in-
terrupção dela tem potencial de causar danos aos usuários.
Assim, impõe-se a prestação do serviço público com ob-
servância das condições e horários adequados aos interesses
da coletividade, sem atrasos ou intermitências e mantida
a qualidade esperada, sob pena de violação ao princípio da
regularidade.

46  De acordo com o princípio da modicidade, os serviços públicos devem ser


remunerados a preços módicos, avaliando-se o poder aquisitivo do usuário
para que não deixe de ser beneficiário. Esse princípio traduz a ideia de que
o lucro não é objetivo da função administrativa. Neste sentido, CARVALHO
FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. Ed. Lumen
Juris: Rio de Janeiro, 2009. Apud ANJOS, Daniele. Princípio do serviço público
no Direito Administrativo. Disponível em https://danieledanjos.jusbrasil.com.
br/artigos/405074318/principios-do-servico-publico-no-direito-administrativo.
Acesso em 15.6.18.

46
4.2 Princípio da continuidade
O princípio da continuidade é corolário do princípio da
regularidade e indica que a prestação de serviços públicos
não deve sofrer interrupção, dado o potencial que isso tem
de causar danos aos usuários.
O dever de manter a continuidade impõe ao Estado o
aperfeiçoamento e ampliação da prestação dos serviços, utili-
zando a tecnologia mais atual, para a adequação às mudanças
das demandas sociais. Não por outra razão, do princípio da
continuidade decorre o princípio da atualidade, que será
analisado adiante.
Os aspectos mais relevantes quanto à aplicação do
princípio da continuidade se situam nos âmbitos dos con-
tratos administrativos e do exercício das funções públicas.
Quanto ao primeiro, como identifica Maria Sylvia Zanella
Di Pietro, a ordem jurídica cuida de impor prazos rigorosos
aos contratantes, de prescrever a aplicação da teoria da im-
previsão, para recompor o equilíbrio econômico-financeiro
do contrato e permitir continuidade do serviço, de vedar a
aplicação da exceptio non adimpleti contractus contra a Admi­
nistração, e de reconhecer certos privilégios à Administração
Pública, como no caso de encampação. No que concerte ao
exercício da função pública, trata de exigir a permanência do
servidor em serviço, quando do pedido de exoneração, por
certo período, além de acolher os institutos da substituição,
da suplência e da delegação47.

47  DI PETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28.ª ed. Atlas, 2015.

47
Aspecto especialmente sensível, na seara de aplicação
do princípio da continuidade, diz respeito ao exercício do
direito de greve pelos servidores públicos civis48.
A Constituição da República de 1988 assegurou aos
servidores civis o direito de greve (artigo 37, VII, CF/88), a
ser exercido nos termos de Lei Complementar. A Emenda
Constitucional n.º 19 alterou a redação do referido inciso,
para fazer referência a “lei específica”, regulamentadora do
direito de greve, que jamais foi providenciada pelo Congresso.
Em face da mora legislativa, mandados de injunção foram
propostos no Supremo Tribunal Federal, que terminou de-
cidindo pela aplicação da lei geral de greve, Lei 7.783/8949, até
que venha a ser regulamentada a matéria por lei específica.
A greve de servidores públicos, em respeito ao princípio
da continuidade, não pode determinar a interrupção dos
serviços públicos, nomeadamente em atividades tidas por
essenciais, ainda que pressuponha, por óbvio, a paralisação
dos trabalhadores. É que a própria lei de greve determina
que, em tais casos, o serviço será mantido, em percentual
mínimo. Trata-se de compatibilizar o direito constitucional
de greve com o direito de obtenção do serviço público, pelo
usuário, ainda que de forma parcial.
Mas o Supremo Tribunal Federal, levando em conta
apenas a garantia da manutenção integral do serviço público,
vem erigindo jurisprudência praticamente impeditiva do
exercício do direito de greve dos servidores. Exemplos: em
7.10.16, o Ministro Dias Toffoli, apreciando pedido de Medida
Cautelar na Reclamação n.º 24.597, decidiu que categorias

48  Os servidores militares não têm direito à greve nem à sindicalização, por
vedação constitucional definida no artigo 142, § 3º da CF/88.
49  Lei 7.783/1989. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
l7783.htm. Acesso em 15.6.18.

48
de cujas atividades dependam a prestação de saúde pública
não estão inseridas no elenco dos servidores alcançados pelo
direito de greve50; em 27.10.16, o STF concluiu o julgamento
do Recurso Extraordinário (RE) 693456, com repercussão
geral reconhecida, e decidiu que a administração pública
deve fazer o corte do ponto dos grevistas, admitida a possi-
bilidade de compensação dos dias parados mediante acordo,
salvo quando o movimento grevista tenha sido motivado por
conduta ilícita do próprio Poder Público51; em 5.4.17, o STF
reafirmou entendimento no sentido de que é inconstitucional
o exercício do direito de greve por parte de policiais civis e
demais servidores públicos que atuem diretamente na área
de segurança pública. A decisão foi tomada no julgamento
do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 654432, com
repercussão geral reconhecida52; em 13.6.18, o Supremo Tri-
bunal Federal, em decisão proferida nas ADI 1306 e 1335,
considerou constitucional o Decreto 4.264/95, do Estado
da Bahia, que determina, em caso de movimento paredista,
sejam os grevistas convocados a reassumirem imediatamente
seus cargos, haja instauração de processo administrativo
disciplinar caso persista o afastamento, desconto dos dias
de greves e exoneração imediata dos ocupantes de cargo de
provimento temporário e de função gratificada que parti­
ciparem do movimento grevista53.

50  Em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.as-
p?id=310489265&tipoApp=.pdf. Acesso em 15.6.18.
51  Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?id-
Conteudo=328294. Acesso em 15.6.18.
52  Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?id-
Conteudo=340096. Acesso em 15.6.18.
53  Disponível em https://stf.jusbrasil.com.br/noticias/589435724/plenar-
io-julga-constitucional-decreto-da-ba-sobre-greve-no-servico-publico. Acesso
em 15.6.18.

49
Para Matheus Carvalho, o direito de greve do servidor
seria uma exceção ao princípio da continuidade, porque,
ainda que mantida a prestação dos serviços, o exercício de-
terminará, de todo modo, uma redução do ritmo dos serviços
executados, razão pela qual tem que ser exercido com respeito
aos limites definidos na legislação pertinente, de modo a se
evitar a paralisação total da atividade pública e o prejuízo
aos usuários54.
Merece registro, por fim, que, de acordo com o § 3o,
do art. 6.º, da Lei 8.987/95, “não se caracteriza como des­
continuidade do serviço a sua interrupção em situação de
emergência ou após prévio aviso, quando motivada por razões
de ordem técnica ou de segurança das instalações, e por
inadimplemento do usuário, considerado o interesse da
coletividade”.

4.3 Princípio da efetividade


Como visto, diferentemente do que dispõe o art. 6.º, §
1.º, da Lei 8.987/95, a lei sob análise, no art. 3.º, indica como
princípio do serviço público o da efetividade e não o da
eficiência.
Assim, cumpre apresentar as diferenças entre eficiência
e efetividade, com o fito de aferir se a nova lei apenas repetiu
disposição anterior ou inovou em termos de princípios do
serviço público.
A efetividade administrativa diz respeito à capacidade
de se promover os resultados pretendidos, no sentido da
transformação da realidade. Já o conceito de eficiência é
distinto: eficiência administrativa pode ser conceituada

54  CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Ed. Jus-


podvim: Salvador, 2015.

50
como a capacidade que tem o administrador de prestar os
serviços e produzir os resultados com dispêndio mínimo
de recursos e esforços. Há de se convir, então, que o serviço
pode ser eficiente, mas não efetivo. Por exemplo, um admi­
nistrador pode edificar um equipamento público adequado,
com a aplicação da menor quantidade de recursos possível,
entretanto, por se situar em local de difícil acesso, ninguém
o frequenta. Eficiente e eficaz, mas não efetivo.
Tendo em vista que a lei, agora, faz expressa referên-
cia ao princípio da efetividade, é de se ter por superado o
princípio da eficiência do serviço público, em face da maior
abrangência daquele.
Pode-se concluir que, na promoção dos serviços pú-
blicos, ao agente público não basta “fazer mais com menos”
(eficiência) - ou “fazer melhor” (eficácia). Haverá de se “fazer
o que deve ser feito”, pois é disso que se trata a efetividade.
Neste ponto, a Lei n.º 13.460/17 representa avanço no
sentido do modelo do public service oriented, alçando a efe-
tividade administrativa à condição de princípio do serviço
público.

4.4 Princípio da segurança


A aplicação do princípio da segurança ao serviço público,
no sentido de que a prestação do serviço não pode colocar
em risco a integridade dos usuários ou a segurança da co-
letividade, trata-se de transposição do mesmo princípio da
seara do Direito do Consumidor ao Direito Administrativo.
A aplicação do princípio da segurança no âmbito o Di-
reito Consumeirista impõe ao fornecedor assegurar que os
produtos e/ou serviços, ao serem ofertados no mercado de
consumo, sejam seguros e não causem danos, de qualquer
espécie, aos consumidores. O artigo 6º do Código de Defesa

51
do Consumidor55 prescreve, dentre os direitos básicos do
consumidor, a proteção da vida, saúde e segurança contra os
riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos
e serviços considerados perigosos ou nocivos. O artigo 8º
prescreve que os produtos e serviços colocados no mercado
de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos
consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis
em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os
fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações
necessárias e adequadas a seu respeito. E o artigo 10 pres­
creve que o fornecedor não poderá colocar no mercado de
consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apre-
sentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou
segurança e, acaso tiver conhecimento da periculosidade
que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente
às autoridades competentes e aos consumidores, mediante
anúncios publicitários (artigo 10, § 1.º).
Na mesma direção, o serviço público não pode colocar
em risco a integridade física e a vida dos usuários, cuja se-
gurança não pode ser comprometida pelos serviços públicos.

4.5 Princípio da atualidade


Como já mencionado o princípio da atualidade deri-
va dos princípios da continuidade e da regularidade. Mas
não se pode perder de vista que também é decorrência do
princípio da segurança, uma vez que a atualização, a partir
da apropriação dos avanços tecnológicos, visa à garantia de
um serviço que seja o mais efetivo e o mais seguro.

55  Lei nº 8.078/1990, Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/


Leis/l8078.htm. Acesso em 15.6.18.

52
O Estado deve atualizar a prestação de serviços e, para
isso, há de promover avaliações periódicas sobre a adequação
do serviço oferecido à demanda social, à luz da tecnologia
disponível.
De acordo com o § 2o, do artigo 6.º, da Lei 8.987/95,
atualidade compreende a modernidade das técnicas, do eq-
uipamento e das instalações e a sua conservação, bem como
a melhoria e expansão do serviço.

4.6 Princípio da generalidade


De acordo com o princípio da generalidade, da universal-
idade ou da igualdade dos usuários, o serviço público deve ser
prestado em caráter erga omnes, ou seja, com o maior alcance
possível, para atingir o maior número possível de usuários. A
aplicação do princípio, a rigor, veda a exclusão de cidadãos,
evitando, assim, a prática de discriminação entre usuários,
desde que se encontrem em idêntica condição jurídica. Tra-
ta-se de natural decorrência dos princípios constitucionais
da isonomia e da impessoalidade.
No caso de usuários em situações de desigualdade, a lei
poderá prescrever distinção. Exemplo disso é a disposição do
art. 13 da Lei n.º 8.987/95, autorizando o estabelecimento de
tarifas diferenciadas em função das características técnicas
e dos custos específicos provenientes do atendimento aos
distintos segmentos de usuário. Como exemplo, a isenção
de tarifas de transporte urbano para estudantes.

4.7 Princípio da transparência


A Constituição de 1988 não elevou a transparência à
condição de princípio da administração, ao menos de forma
explícita (e os princípios não precisam estar previstos em
norma jurídica para serem reconhecidos como tal). Ainda

53
assim, a transparência administrativa pode ser deduzida dos
artigos 5º, incisos XIV, XXXIII, XXXIV, LX e LXXII, 37, caput
(princípio da publicidade) e § 3.º da Carta Magna, que ainda
trata do dever de publicidade nos artigos 37, § 1.º e 225, IV.
O termo “transparência” foi introduzido na Constituição
Federal pela Emenda Constitucional n.º 71/1256, como uma
das caraterísticas da organização de um sistema nacional
de cultura (art. 216, IX).
No nível infraconstitucional, é de ver que a Lei n.º
8.987/95 não incluiu o princípio da transparência no rol
apresentado no art. 6.º. Mas a Lei nº 9.784/99, que regula o
processo administrativo no âmbito da Administração Pública
Federal, abre, no art. 9º, a possibilidade de intervenção de
portadores de interesses indiretos e de titulares de interes­
ses difusos e coletivos no processo administrativo. Também
trata da faculdade de convocação de audiências e consultas
públicas (arts. 31 e 32), bem como outros meios de partici-
pação dos administrados (art. 33). A Lei Complementar nº
101/200057 instituiu instrumento de transparência da gestão
fiscal, ao determinar ampla divulgação desta, inclusive em
meios eletrônicos de acesso público, além de assegurar a
transparência mediante incentivo à participação popular
e a realização de audiências públicas, durante os processos
de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes
orçamentárias e orçamentos (art. 48, parágrafo único). Já
a Lei nº 10.257/200158 (art. 2º, II e XIII, 4º, III, f, e V, s, 40, §
4º, 43 e 44), aponta o referendo popular e o plebiscito, os

56  Emenda Constitucional n.º 71/2012. Disponível em http://www.planalto.


gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc71.htm. Acesso em 15.6.18.
57  Lei Complementar nº 101/2000. Disponível em http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/Leis/lcp/Lcp101.htm. Acesso em 15.6.18.
58  Lei nº 10.257/2001. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/l10257.htm. Acesso em 15.6.18.

54
órgãos colegiados, a iniciativa popular de projeto de lei de
desenvolvimento urbano, a audiência e a consulta públicas,
a publicidade e o acesso de qualquer interessado aos docu-
mentos e informações no processo de elaboração do plano
diretor e sua fiscalização e na gestão orçamentária partici-
pativa como meios de gestão democrática das cidades59. Até
este momento, “a transparência, então, se instrumentaliza
pelo subprincípio da participação popular”, como leciona
Martins Júnior60.
Nessa senda, o advento da Lei de Acesso à Informação
(Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011), referida por alguns
como Lei da Transparência61, representou o ponto alto em
termos de transparência administrativa, uma verdadeira
mudança de paradigma na relação do cidadão com o Estado,
ao garantir o acesso a informações, prevendo a observância
da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção.
Agora, a Lei n.º 13.460/17 guindou a transparência à
condição de princípio do serviço público. Em boa hora. A
transparência caracteriza as sociedades democráticas. O
contrário disso, a conduta sigilosa do Estado, é, naturalmente,
antidemocrática, e, segundo Joseph Stiglitz, serve para in-

59  Devo a referência às três últimas leis a Carlos Roberto Almeida Silva. Cf.
Princípio da Transparência na Administração Pública. Disponível em https://
ralmeidasgc.jusbrasil.com.br/artigos/113024627/principio-da-transparen-
cia-na-administracao-publica. Acesso em 15.6.18.
60  MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Transparência Administrativa: publi­
cidade, motivação e participação popular. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 42.
Apud SILVA, Carlos Roberto Almeida. Ibidem.
61  V.g., MARTINS, Humberto. Lei da Transparência e sua aplicação na admi­
nistração pública: valores, direito e tecnologia em evolução. Disponível em http://
www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001182/LEI%20DA%20
TRANSPAR%C3%8ANCIA%20E%20SUA%20APLICA%C3%87%C3%83O%20
NA%20ADMINISTRA%C3%87%C3%83O%20P%C3%9ABLICA%20VALORES,%20
DIREITO%20E%20TECNOLOGIA%20EM%20EVOLU%C3%87%C3%83O.pdf.
Acesso em 15.6.18.

55
teresses pessoais e egoístas62, pois, ao adotá-la, o governo
passa a se valer da falta de informações como instrumento
de realização de suas funções, em todos os seus âmbitos de
ação. Afirma o mesmo autor63 que o sigilo atribui aos princi-
pais atores da administração controle exclusivo sobre certas
áreas de conhecimento, ampliando o poder deles, de um lado,
e deteriorando a democracia, de outro.
Conforme ensinam Scapin e Bossa, “a transparência via-
biliza a criação de formas de responsabilização deliberativa e
circular e permite que todos sejam capazes de responsabilizar
todos e que cada organização possa ser responsabilizada por
indivíduos que dela participam”64.
De fato, a transparência nos serviços públicos permite
o accountability e figura como importante instrumento para
conter os abusos na gestão governamental65.

62  STIGLITZ, Joseph. Sobre a liberdade, o direito de conhecer e o discurso


público. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CHRISTOPOULOS, Basile Georges;
ZUGMAN, Daniel Leib; BASTOS, Frederico Silva. Transparência fiscal e desen­
volvimento: homenagem ao Professor Isaias Coelho. São Paulo: Fiscosoft. p.
47. Tradução de Mariana Pimentel Fischer Pacheco. Apud SCAPIN, Andréia e
BOSSA, Gisele. Transparência e democracia: para um governo com poderes visíveis.
Disponível em http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.
revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao065/AndreiaScapin_GiseleBossa.
html. Aceso em 15.6.18.
63  Ibidem, p. 48. Apud SCAPIN, Andréia e BOSSA, Gisele. Transparência e
democracia: para um governo com poderes visíveis. Disponível em http://www.
revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/
artigos/edicao065/AndreiaScapin_GiseleBossa.html. Acesso em 15.6.18.
64  SCAPIN, Andréia e BOSSA, Gisele. Transparência e democracia: para um
governo com poderes visíveis. Disponível em http://www.revistadoutrina.trf4.
jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao065/
AndreiaScapin_GiseleBossa.html. Aceso em 15.6.18.
65  Devo a observação, ainda, a SCAPIN, Andréia e BOSSA, Gisele. Transpar­
ência e democracia: para um governo com poderes visíveis. Disponível em http://
www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.
jus.br/artigos/edicao065/AndreiaScapin_GiseleBossa.html. Aceso em 15.6.18.

56
4.8 Princípio da cortesia
Cortesia é o atributo, característica do que se apre-
senta de modo cortês; civilidade, educação no trato com
outrem; amabilidade, polidez; gentileza. É o que informam
os dicionários. Segundo o dicionário Aurélio, urbanidade é a
qualidade de urbano, civilidade, cortesia, afabilidade. Cortesia
e urbanidade são a mesma coisa.
O art. 116 da Lei n.º 8.112/9066 (Regime Jurídico dos
Servidores Civis da União) elenca como dever do servidor
atender ao público em geral com presteza (inciso V) e tratar
com urbanidade as pessoas (inciso XI). Disposições semelhan-
tes são encontradas nas normas estaduais e municipais de
regência dos servidores públicos. Não poderia ser diferente.
O princípio da cortesia não traduz outra coisa senão
o dever daquele que presta serviço público de tratar com
urbanidade, com gentileza, o usuário, de ser cortês e educa-
do no exercício de suas funções. Procedimento em sentido
contrário configura a prestação inadequada do serviço.

66  Lei n.º 8.112/1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/


Leis/l8112.htm. Acesso em 15.6.18.

57
V
DIREITOS E DEVERES DOS USUÁRIOS
A lei n.º 13.460/17 enumera direitos e deveres dos usuá­
rios, a serem observados para uma adequada prestação dos
serviços públicos. No art. 5.º são fixadas diretrizes as quais,
antes de parâmetros a serem seguidos pela administração,
constituem, na verdade, importantes direitos dos usuários.
No art. 6.º, a lei elenca o que seriam os direitos básicos dos
usuários e, no art. 8º, os deveres destes, temas que serão
examinados neste capítulo.
Registre-se que no conjunto de direitos ainda se destaca
a Carta de Serviços ao Usuário que, por opção editorial, será
examinada no próximo capítulo.

5.1 Diretrizes para a adequada prestação do serviço


O usuário de serviço público tem direito à adequa-
da prestação dos serviços. Para isso, os agentes públicos e
prestadores de serviços públicos têm o dever de observar
as diretrizes elencadas no art. 5º da Lei. Algumas dessas
diretrizes (presunção de boa-fé; compartilhamento de in-
formações, nos termos da lei; eliminação de formalidades e
exigências cujo custo econômico ou social seja superior ao
risco envolvido; aplicação de soluções tecnológicas que visem
a simplificar processos e procedimentos de atendimento ao
cidadão e a propiciar melhores condições para o comparti­
lhamento das informações; utilização de linguagem simples e

59
compreensível, evitando o uso de siglas, jargões e estrangei-
rismos) já se encontravam no art. 1.º do Decreto n.º 6.932/09,
que dispunha sobre a simplificação do atendimento público
prestado ao cidadão, no âmbito do Poder Executivo federal.
Tais diretrizes são quase todas decorrentes de princípios
da administração pública e do serviço público, já examina-
dos. Ei-las:
• urbanidade, respeito, acessibilidade e cortesia no aten-
dimento aos usuários67;
• presunção de boa-fé do usuário68;
• atendimento por ordem de chegada, ressalvados casos
de urgência e aqueles em que houver possibilidade de
agendamento, asseguradas as prioridades legais às
pessoas com deficiência, aos idosos, às gestantes, às
lactantes e às pessoas acompanhadas por crianças de
colo69;

67  Como visto, tal diretriz decorre do princípio da cortesia e já está prevista
na ordem legal, como, por exemplo, no art. 116 da Lei n.º 8.112/90. O Decreto
n.º 3.507/00, que dispunha sobre o estabelecimento de padrões de qualidade
de atendimento prestado aos cidadãos pelos órgãos e pelas entidades da Ad-
ministração Pública Federal, previa, no art. 3.º, I, padrões de atenção, respeito
e cortesia no tratamento a ser dispensado aos usuários.
68  Boa fé é um dos mais relevantes princípios do Direito, segundo o qual se
presume que as pessoas não agem com reserva mental, que suas intenções são
as declaradas. Diretriz já prevista no art. 1.º do Decreto n.º 6.932/09 e renovada
no Decreto n.º 9.094/17, art. 1.º.
69  Os princípios constitucionais da isonomia (art. 5.º, caput, CR) e da im-
pessoalidade (art. 37, caput, CR) exigem o atendimento segundo a ordem de
chegada. Mas, como visto no exame do princípio da generalidade, admite-se o
tratamento diferenciado de pessoas em determinadas circunstâncias, como as
indicadas neste inciso. O Decreto n.º 3.507/00, referido na nota 37 acima, previa,
no art. 3.º, II, padrões de prioridades a serem consideradas no atendimento.

60
• adequação entre meios e fins70, vedada a imposição de
exigências, obrigações, restrições e sanções não pre-
vistas na legislação71;
• igualdade no tratamento aos usuários, vedado qualquer
tipo de discriminação72;
• cumprimento de prazos e normas procedimentais73;
• definição, publicidade e observância de horários e nor-
mas compatíveis com o bom atendimento ao usuário74;
• adoção de medidas visando a proteção à saúde e a se-
gurança dos usuários75;
• manutenção de instalações salubres, seguras, sinali-
zadas, acessíveis e adequadas ao serviço e ao atendi-
mento76;
• eliminação de formalidades e de exigências cujo custo
econômico ou social seja superior ao risco envolvido77;
• observância dos códigos de ética ou de conduta aplicá-
veis às várias categorias de agentes públicos78;

70  O princípio da razoabilidade impõe à administração pública a adequação


entre meios e fins, não permitindo a imposição de obrigações, restrições e
sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento
do inte­resse público.
71  Assim impõe o princípio da legalidade (art. 37, caput, CR).
72  Por força do princípio da isonomia (art. 5.º, caput, CR).
73  Incidem os princípios do devido processo e da segurança jurídica, este
explicitado no capítulo anterior.
74  Não poderia ser diferente, em face dos princípios da publicidade e da
regu­laridade, já examinados.
75  Em homenagem ao princípio da proteção, examinado no capítulo anterior.
76 Idem.
77  Em observância ao princípio da proporcionalidade, que impõe a aplicação
de critérios racionais na hora de avaliar uma ação do poder público, evitando
excessos e legalismos indevidos. Diretriz já prevista no art. 1.º do Decreto n.º
6.932/09 e renovada no Decreto n.º 9.094/17, art. 1.º.
78  O Código de Ética dos Servidores Públicos foi instituído pela Lei nº 8.027
de 12 de abril de 1990. No âmbito do Poder Executivo federal, o Decreto n.º
1.171/1994 aprovou o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil.

61
• aplicação de soluções tecnológicas que visem a sim-
plificar processos e procedimentos de atendimento
ao usuário e a propiciar melhores condições para o
compartilhamento das informações79;
• utilização de linguagem simples e compreensível, evi-
tando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos80.
Três das diretrizes trazidas no art. 5.º merecem exame
mais detalhado:
• vedação da exigência de nova prova sobre fato já com-
provado em documentação válida apresentada.
Este direito do usuário já estava previsto no art. 7.º
do Decreto n.º 6.932/09: “não será exigida prova de fato já
comprovado pela apresentação de outro documento válido”. A
disposição revela sintonia com o princípio da razoabilidade. A
administração pública se obriga a adequar os meios aos fins,
não sendo permitida a imposição de obrigações, restrições e
sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias
ao atendimento do interesse público. Se já o usuário já se
desincumbiu do onus probandi, não seria razoável dele se
exigir nova prova.
O Decreto n.º 9.094/17, na esteira da Lei n.º 13.460/17,
dispôs, no art. 7.º, que “não será exigida prova de fato já

79  Aqui, em respeito ao princípio da atualidade, que foi apreciado no capítulo


precedente. Diretriz já prevista no art. 1.º do Decreto n.º 6.932/09 e renovada
no Decreto n.º 9.094/17, art. 1.º.
80  Um dos princípios do orçamento público é o da clareza, segundo o qual o
orçamento deve ser apresentado em linguagem clara e compreensível a todas
as pessoas que precisam manipulá-lo. Segundo Hugo Rizo, o princípio da
clareza visa à compreensão do orçamento, sendo para tanto um instrumento
de transparência com fulcro na garantia do entendimento da leitura e estudo
por aqueles que se depararem com as Leis Orçamentárias, sendo para tanto
modelo simplificado dos documentos oficiais, não obstante a obrigatoriedade
técnica ser devida. Possui lastro legal no Art. 48 da LRF – Lei de Responsab-
ilidade Fiscal. A Lei n.º 13.460/17, no art. 5.º, XIV, expressa, de maneira ainda
mais evidente, o princípio da clareza. Diretriz já prevista no art. 1.º do Decreto
n.º 6.932/09 e renovada no Decreto n.º 9.094/17, art. 1.º.

62
comprovado pela apresentação de documento ou informação
válida”. Esta última norma ampliação a possibilidade de com-
provação de fato, por informação que poderá ser escrita ou
verbal, uma vez que não há restrição quanto a isso.
• autenticação de documentos pelo próprio agente pú-
blico, à vista dos originais apresentados pelo usuário,
vedada a exigência de reconhecimento de firma, salvo
em caso de dúvida de autenticidade.
Quanto ao reconhecimento de firma, é de ver que o
Decreto n.º 63.166/6881 dispensara tal exigência em qualquer
documento produzido no país, quando apresentado para fazer
prova perante repartições e entidades públicas federais da
administração direta e indireta. Determinava, ainda, que,
verificada, em qualquer tempo, falsificação de assinatura
em documento público ou particular, a repartição pública
consideraria não satisfeita a exigência documental e daria
conhecimento do fato à autoridade competente, em cinco
dias, para instauração do processo criminal.
A eficácia de tais disposições foi praticamente nula,
uma vez que o reconhecimento de firma sempre foi exigido.
O Decreto n.º 6.932/2009, no artigo 9.º, reiterou a dis-
pensa do reconhecimento de firma em qualquer documento
produzido no Brasil destinado a fazer prova junto a órgãos e
entidades da administração pública federal, quando assinado
perante o servidor público a quem devia ser apresentado,
salvo na existência de dúvida fundada quanto à autenticidade
e no caso de imposição legal. Este decreto introduziu dois
empecilhos que não se encontravam no decreto de 1968: a
exigência de assinatura perante o servidor e a possibilidade de
não recebimento por dúvida quanto à autenticidade da firma.

81  Decreto n.º 63.166/1968. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/


decreto/D63166.htm. Acesso em 21.6.18.

63
Em 2016, o Decreto n.º 8.93682 eliminou a exigência de
assinatura do documento perante o servidor público a quem
devia ser apresentado.
Agora, a Lei n.º 13.460/17 veda a exigência de reconhe-
cimento de firma, salvo em caso de dúvida de autenticidade.
Sobreleva a subjetividade que permitirá a ressalva contida na
lei. Porque a dúvida não estará no documento e sim na mente
do servidor que o receber. Ela poderá surgir ou não, quanto
a um mesmo documento, a depender do agente público que
o receber, o que não é razoável.
O Decreto n.º 9.094/17, no art. 9º, dispensa o reconhe-
cimento de firma para os documentos expedidos no país e
destinados a fazer prova junto a órgãos e entidades do Poder
Executivo federal. Há aqui exigência que não se encontra na
Lei: somente seria dispensado o reconhecimento de firma dos
documentos expedidos no país, no caso de serem destinados
ao Poder Executivo federal.
Já em relação à autenticação de cópias, o Decreto n.º
6.932/09 estabelecera que a juntada de documento, quando
decorrente de disposição legal, poderia ser feita por cópia
autenticada, dispensada nova conferência com o documento
original (art. 10). Ainda previu a possibilidade de a autenti-
cação ser feita, mediante cotejo da cópia com o original, pelo
próprio servidor a quem o documento deveria ser apresentado
(§ 1.º). Por outro lado, verificada, a qualquer tempo, falsificação
de assinatura ou de autenticação de documento público ou
particular, o órgão ou entidade considerará não satisfeita a
exigência documental respectiva e, dentro do prazo máxi-
mo de cinco dias, daria conhecimento do fato à autoridade

82  Decreto nº 8.936/2016. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/


decreto/d8936.htm. Acesso em 21.6.18.

64
competente para adoção das providências administrativas,
civis e penais cabíveis (§ 2.º).
O art. 5º, IX da Lei nº 13.460/17 dispõe que a autenticação
de documentos será feita pelo próprio agente público, à vista
dos originais apresentados pelo usuário. Já o art. 9º do Decreto
nº 9.094/17, num primeiro momento, dispensa a autenticação
para os documentos expedidos no país e destinados a fazer
prova junto a órgãos e entidades do Poder Executivo federal;
mas, no art. 10, §1º, diz que a autenticação poderá ser feita
pelo servidor público. Vê-se que enquanto a Lei nº 13.460/17
exige a autenticação e manda que o servidor a faça, o Decreto
nº 9.094/17 dispensa a autenticação, embora admita que seja
feita pelo servidor. No mais, o Decreto n.º 9.094/17 repete as
disposições do revogado Decreto n.º 6.932/09 quanto à jun-
tada de documento por cópia autenticada, dispensada nova
conferência com o documento original (art. 10) e à verificação
posterior de falsificação de autenticação (art. 10, § 2.º).

5.2 Direitos básicos do usuário


A Lei n.º 8.987/95, que regulamenta o regime de con-
cessão e permissão da prestação de serviços públicos, em
seu art. 7º, indica como direitos dos usuários: receber serviço
adequado; receber do poder concedente e da concessionária
informações para a defesa de interesses individuais ou coleti-
vos; obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre
vários prestadores de serviços, quando for o caso, observadas
as normas do poder concedente; levar ao conhecimento do
poder público e da concessionária as irregularidades de que
tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado; comu-
nicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados
pela concessionária na prestação do serviço.

65
Os denominados direitos básicos do usuário estão
estampados no art. 6º da Lei n.º 13.460/17. Trata-se de in-
ovação legal, uma vez que o Decreto n.º 6.932/09 não os
indicara. São os seguintes:
• participação no acompanhamento da prestação e na
avaliação dos serviços83;
• obtenção e utilização dos serviços com liberdade de
escolha entre os meios oferecidos e sem discriminação84;
• acesso e obtenção de informações relativas à sua pessoa
constantes de registros ou bancos de dados, observado o
disposto no inciso X do caput do art. 5º da Constituição
Federal e na Lei nº 12.527/201185;
• proteção de suas informações pessoais, nos termos da
Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 201186;

83  O Decreto n.º 3.507/00, que dispunha sobre o estabelecimento de padrões de


qualidade do atendimento prestado aos cidadãos pelos órgãos e pelas entidades
da Administração Pública Federal, determinava, no art. 2.º, que os padrões de
qualidade do atendimento deveriam ser avaliados e revistos periodicamente,
mensuráveis, de fácil compreensão e divulgados ao público.
84  Trata-se propriamente, aqui, de condições de acesso ao serviço público.
Para Thiede e McIntyre, citados por Viegas, Carmo e Luz, o conceito de acesso
é abordado como liberdade para uso, baseada na consciência da possibilidade
de uso pelo indivíduo e no seu empoderamento para escolha. Esses autores
relacionam fatores como a existência de um serviço específico ao alcance do
indivíduo, bem como cordialidade com o usuário; a existência de sistemas de
marcação e conveniência de horários; a capacidade do paciente em arcar com
os custos diretos e indiretos da assistência e o modelo de financiamento do
sistema de saúde; e os fatores subjetivos, sociais e culturais. Cf. VIEGAS, Anna
Paula, CARMO, Rose Ferraz, LUZ, Zélia Maria. Fatores que influenciam o acesso
aos serviços de saúde na visão de profissionais e usuários de uma unidade básica
de referência. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v24n1/0104-1290-
sausoc-24-1-0100.pdf. Acesso em 22.6.18.
85  O acesso do usuário a informações será regido pela Lei 12.527/2011, que
abarca os procedimentos pertinentes ao acesso a informações a serem seguidos
pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 2º, parágrafo único).
86  A Lei 12.527/2011, no art. 6o,, III, determina que cabe aos órgãos e entidades
do poder público assegurar a proteção da informação sigilosa e da informação
pessoal, observada a sua disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual
restrição de acesso.

66
• atuação integrada e sistêmica na expedição de atestados,
certidões e documentos comprobatórios de regulari-
dade87; e
• obtenção de informações precisas e de fácil acesso nos
locais de prestação do serviço88, assim como sua dispo-
nibilização na internet, especialmente sobre:
ŒŒ horário de funcionamento das unidades admi-
nistrativas;
ŒŒ serviços prestados pelo órgão ou entidade, sua
localização exata e a indicação do setor respon-
sável pelo atendimento ao público;
ŒŒ acesso ao agente público ou ao órgão encarre-
gado de receber manifestações89;
ŒŒ situação da tramitação dos processos adminis-
trativos em que figure como interessado90; e

87  Direito básico antes apontado como diretriz para a atuação dos órgãos
e entidades do Poder Executivo federal, no art. 1.º do Decreto n.º 6.932/09 e
renovada como tal no Decreto n.º 9.094/17, art. 1.º.
88  Vide nota de rodapé n.º 52, acima.
89  Para garantir seus direitos, o usuário poderá apresentar manifestações
perante a administração pública acerca da prestação de serviços públicos (art.
9º da Lei 13.460/17). O tema será objeto do Capítulo 8 deste livro.
90  Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Esse direito de acesso ao processo
administrativo é mais amplo do que o de acesso ao processo judicial; neste, em
regra, apenas as partes e seus defensores podem exercer o direito; naquele,
qualquer pessoa é titular desse direito, desde que tenha algum interesse atin-
gido por ato constante do processo ou que atue na defesa do interesse coletivo
ou geral, no exercício do direito à informação assegurado pelo artigo 5º, inciso
XXXIII, da Constituição. (...) O direito de acesso só pode ser restringido por
razões de segurança da sociedade e do Estado, hipótese em que o sigilo deve
ser resguardado (art. 5º, XXXIII, da Constituição); ainda é possível restringir
a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o inte­
resse social o exigirem (art. 5º, LX).” Cf. DI PETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 28.ª ed. Atlas, 2015, p. 510.

67
ŒŒ valor das taxas e tarifas cobradas pela prestação
dos serviços, contendo informações para a com-
preensão exata da extensão do serviço prestado91.

5.3 Deveres do usuário


Na Lei 8.987/95, art. 7º, apenas uma obrigação é imposta
aos usuários, no inciso VI: contribuir para a permanência das
boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são
prestados os serviços.
A Lei n.º 13.460/17 também foi econômica, no particular:

Art. 8o São deveres do usuário:


I - utilizar adequadamente os serviços, procedendo
com urbanidade e boa-fé;
II - prestar as informações pertinentes ao serviço
prestado quando solicitadas;
III - colaborar para a adequada prestação do serviço; e
IV - preservar as condições dos bens públicos por
meio dos quais lhe são prestados os serviços de que
trata esta Lei.

O inciso IV traz o mesmo conteúdo do art. 7.º da Lei n.º


8.987/95. Exige do usuário a preservação dos bens públicos,
instrumentos da prestação dos serviços. O contrário disso
configuraria contradição inaceitável: a inutilização dos bens
públicos pro meio dos quais o serviços são prestados sim-

91  Embora a Lei n.º 13.460/17 não faça referência expressa ao princípio da
modicidade, no art. 4.º, a Lei n.º 8.987/95, que regulamenta o regime de concessão
e permissão da prestação de serviços públicos, em seu art. 6.º, faz expressa
referência à modicidade das tarifas, que se constitui em verdadeiro princípio do
serviço público, segundo o qual os serviços públicos devem ser remunerados a
preços módicos, avaliando-se o poder aquisitivo do usuário para que não deixe
de ser beneficiário. Esse princípio traduz a ideia de que o lucro não é objetivo
da função administrativa. Neste sentido, CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2009.
Apud ANJOS, Daniele. Princípio do serviço público no Direito Administrativo.
Disponível em https://danieledanjos.jusbrasil.com.br/artigos/405074318/princip-
ios-do-servico-publico-no-direito-administrativo. Acessos em 15.6.18 e 23.6.18.

68
plesmente inviabilizaria a prestação do próprio serviço, com
prejuízo direto para os usuários.
Infelizmente, o dano a bens públicos não é incomum, a
despeito de ser punido com rigor pela lei penal, sem prejuízo
das reparações de ordem civil.
O Código Penal92, no art. 163, disciplinava:

Art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa al-


heia:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Dano qualificado
Parágrafo único - Se o crime é cometido:
I – omissis
II – omissis
III - contra o patrimônio da União, Estado, Município,
empresa concessionária de serviços públicos ou
sociedade de economia mista; (Redação dada pela
Lei nº 5.346, de 3.11.1967).
Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa,
além da pena correspondente à violência.

Vê-se que por esta redação não estavam incluídos os pat-


rimônios do Distrito Federal, das autarquias, das fundações
públicas e das empresas públicas.
Com a edição da Lei nº 13.531, de 7 de dezembro de
201793, foi dada nova redação ao inciso III, do parágrafo único
do art. 163 do Código Penal:
Art. 163. (...)

Parágrafo único. (...)


III. contra o patrimônio da União, de Estado, do Dis-
trito Federal, de Município ou de autarquia, fundação

92  Decreto-Lei 2.848/1940. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/


decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 23.6.18.
93  Lei nº 13.531/2017. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/l13531.htm. Acesso em 23.6.18.

69
pública, empresa pública, sociedade de economia mis-
ta ou empresa concessionária de serviços públicos.

Por seu turno, o inciso I do art. 8.º da lei em comento


(utilizar adequadamente os serviços, procedendo com ur-
banidade e boa-fé) consagra um critério de reciprocidade
entre o cidadão usuário e a administração pública. Como foi
visto no item anterior, são diretrizes a serem observadas pela
administração pública, no exercício dos serviços públicos,
urbanidade, respeito, acessibilidade e cortesia no atendimento
aos usuários, além da presunção de boa-fé destes, conceitos
que já foram explicados nesta obra. Assim é que se impõe ao
usuário agir de boa-fé e cordialmente, na sua relação com
os agentes públicos, sob pena de revelar comportamento
inadequado.
Impõe-se ao usuário de serviços públicos o dever de
pres­tar as informações pertinentes ao serviço prestado
quando solicitadas (art. 8.º, II). Também cabe ao usuário
colaborar para a adequada prestação do serviço (art. 8.º, III).
As duas passagens tratam, a rigor, do dever de colaborar,
seja prestando informações solicitas, seja praticando atos
que favoreçam a adequada prestação de serviços.
Por fim, convém assinalar que a Lei n.º 13.460/17 não
prevê sanção para o caso de descumprimento dos deveres
dos usuários dos serviços públicos.
Segundo André Franco Montoro, citado por Sgarbossa
e Iensue, “a sanção, em sentido jurídico, pode ser compreen-
dida como a consequência jurídica decorrente do não cum-
primento de uma obrigação ou de um dever estabelecido
pelo direito”94.

94  MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 26. ed. rev. e
atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.538-539). Apud SGARBOSSA,
Luís Fernando. IENSUE, Geziela. Existem normas constitucionais desprovidas

70
Sgarbossa e Iensue95, baseados em Hart e Kelsen, sus-
tentam que a relação entre norma e sanção é intuitivamente
essencial, considerando que é da natureza de qualquer norma
a possibilidade de seu descumprimento e considerando que
o estabelecimento de um comando dá-se, em regra, pela ne-
cessidade de conter comportamentos existentes em sentido
oposto, todos os sistemas normativos baseiam-se na ideia
de sanção. Alguns autores e escolas do pensamento jurídico,
ditos sancionistas, chegam ao extremo de considerar que
norma sem sanção é algo como uma “não-norma”.
Prosseguem os autores citados reconhecendo que, de
qualquer modo, “há que se reconhecer que a relação entre
norma e sanção é importante (...) e que a existência ou ine­
xistência de sanções juridicamente impostas e de caráter
coercitivo parece constituir uma das bases distintivas de
âmbitos distintos do jurídico, como o âmbito do político”96.
Não se pode negar, entretanto, que existem normas
jurídicas desprovidas de sanção, como é o caso do art. 8.º
da Lei n.º 13.460/17.
A propósito, leciona Norberto Bobbio97:

de sanção? Revista do Direito Público. Londrina, v.9, n.1, p.163-178, jan./abr.2014.


DOI: 10.5433/1980511X.2014v9n1p163. Disponível em www.uel.br/revistas/uel/
index.php/direitopub/article/download/17060/14323. Acesso em 23.6.17.
95  SGARBOSSA, Luís Fernando. IENSUE, Geziela. Existem normas consti-
tucionais desprovidas de sanção? Revista do Direito Público. Londrina, v.9, n.1,
p.163-178, jan./abr.2014. DOI: 10.5433/1980511X.2014v9n1p163. Disponível em
www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/download/17060/14323.
Acesso em 23.6.17.
96 Ibidem.
97  BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando P. Baptista e
Ariani B. Sudatti. 3. ed. rev. São Paulo: Edipro, 2005, p.166. Apud SGARBOSSA,
Luís Fernando. IENSUE, Geziela. Existem normas constitucionais desprovidas
de sanção? Revista do Direito Público. Londrina, v.9, n.1, p.163-178, jan./abr.2014.
DOI: 10.5433/1980511X.2014v9n1p163. Disponível em www.uel.br/revistas/uel/
index.php/direitopub/article/download/17060/14323. Acesso em 23.6.17.

71
“O argumento mais comum e também mais fácil
contra a teoria que vê na sanção um dos elemen-
tos constitutivos de um ordenamento jurídico é o
que se funda na presença, em todo ordenamento
jurídico, de normas não garantidas por sanção. Não
há dúvida de que existem, em todo ordenamento
jurídico, normas de que ninguém saberia indicar
qual é a consequência desagradável imputada em
caso de violação.
(...)
A presença de normas não sancionadas em um
ordenamento jurídico é um fato incontestável. A
solução para esta dificuldade, por parte de quem
considera a sanção como elemento constitutivo do
direito, não é certamente a de negar o fato. O fato
é o que é. Trata-se, quando muito, de ver o direito
como conjunto de regras com sanção organizada.”

Ou seja, alega-se que, embora algumas normas não


possuam sanção específica, o ordenamento tomado em seu
conjunto é sancionado e, portanto, garantido.
De todo modo, é de se considerar, com Hans Kelsen, que
a sanção jurídica é diversa de outros tipos de sanção, como
a social ou a moral98.

98  KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João B. Machado. São Paulo:Mar-
tins Fontes, 2003, p.30. Apud SGARBOSSA, Luís Fernando. IENSUE, Geziela. Ex-
istem normas constitucionais desprovidas de sanção? Revista do Direito Público.
Londrina, v.9, n.1, p.163-178, jan./abr.2014. DOI: 10.5433/1980511X.2014v9n1p163.
Disponível em www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/down-
load/17060/14323. Acesso em 23.6.17.

72
VI
OBRIGAÇÕES IMPOSTAS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
De acordo com a Lei n.º 13.460/2017, cada Poder e esfera
de Governo tem o dever de:
• publicar um quadro geral dos serviços públicos presta­
dos, que especificará os órgãos ou entidades responsá-
veis por sua realização e a autoridade administrativa a
quem estão subordinados ou vinculados. A periodicidade
mínima para publicação do quadro é anual (art. 3º);
• elaborar Regulamentos específicos dispondo sobre:
ŒŒ a operacionalização da Carta de Serviços ao
Usuário (art. 7º, § 5o);
ŒŒ a organização e o funcionamento das ouvidorias
(art. 17);
ŒŒ a organização e o funcionamento dos conselhos
de usuários (art. 22);
ŒŒ a avaliação da efetividade e dos níveis de satis-
fação dos usuários (art. 24).
Além das providências acima indicadas, a Lei determina
a adoção de medidas específicas, a seguir analisadas.

6.1 Elaborar e divulgar a Carta de Serviços ao Usuário


Cada órgão e entidade deverá divulgar uma Carta de
Serviços ao Usuário, informando o usuário sobre os serviços
prestados pelo órgão ou entidade, as formas de acesso a

73
esses serviços e seus compromissos e padrões de qualidade
de atendimento ao público (art. 7º).
Não se trata de inovação da Lei n.º 13.460/17. O Decre-
to n.º 6.932/0999 já instituíra, no âmbito do Poder Executi-
vo fe­deral a “Carta de Serviços ao Cidadão”100. Os órgãos e
entidades divulgaram suas respectivas cartas. O grande
problema, até aqui, tem sido a fiscalização e o cumprimento.
O art. 7.º da Lei 13.460/17 repete, com alterações pontu-
ais, o art. 11 do Decreto n.º 6.932/09, agora para cada Poder
de todas as esferas de Governo. De acordo com a lei, a Carta
de Serviços ao Usuário deverá trazer informações claras e
precisas em relação a cada um dos serviços prestados, apre-
sentando, no mínimo, as seguintes informações:
• serviços oferecidos;
• requisitos, documentos, formas e informações neces-
sárias para acessar o serviço;
• principais etapas para processamento do serviço;
• previsão do prazo máximo para a prestação do serviço;
• forma de prestação do serviço; e
• locais e formas para o usuário apresentar eventual
manifestação sobre a prestação do serviço.
Além dessas informações, a Carta de Serviços ao Usuário
deverá detalhar os compromissos e padrões de qualidade do
atendimento101 relativos, no mínimo, aos seguintes aspectos:

99  O Decreto n.º 6.932/09 foi revogado pelo Decreto n.º 9.094/17.
100  O uso da expressão “Carta de Serviços ao Usuário”, pela Lei 13.460/17,
em substituição à “Carta de Serviços ao Cidadão”, usada no Decreto de 2009,
também parece indicar um retorno ao consumerism, revelado na busca por “fazer
melhor” para o usuário, individualmente considerado, afastado da condição de
cidadão ativo na sociedade.
101  Uma iniciativa anterior quanto a isso foi materializada pelo Decreto n.º
3.507/00, que dispunha sore o estabelecimento de padrões de qualidade de
atendimento prestado aos cidadãos pela Administração Pública federal, revo-
gado pelo Decreto n.º 6.932/09.

74
• prioridades de atendimento;
• previsão de tempo de espera para atendimento;
• mecanismos de comunicação com os usuários;
• procedimentos para receber e responder as manifes-
tações dos usuários; e
• mecanismos de consulta, por parte dos usuários, acer-
ca do andamento do serviço solicitado e de eventual
manifestação.
A Carta de Serviços ao Usuário deverá ser atualizada
de forma periódica e divulgada de modo permanente, por
meio da sua publicação em sítio eletrônico do órgão ou
entidade na internet.
De acordo com o art. 7º, § 5o, da Lei n.º 13.460/17, cada
Poder e esfera de Governo tem o dever de regulamentar
a operacionalização da Carta de Serviços ao Usuário. No
âmbito do Poder Executivo federal, foi publicado o Decreto
n.º 9.094/17 que, embora trate da Carta, absolutamente não
regulamenta a sua operacionalização. Eis o teor do Decreto,
no particular:

Art. 11. Os órgãos e as entidades do Poder Executivo


federal que prestam atendimento aos usuários dos
serviços públicos, direta ou indiretamente, deverão
elaborar e divulgar Carta de Serviços ao Usuário, no
âmbito de sua esfera de competência.
§ 1º A Carta de Serviços ao Usuário tem por objetivo
informar aos usuários dos serviços prestados pelo
órgão ou pela entidade do Poder Executivo federal as
formas de acesso a esses serviços e os compromissos
e padrões de qualidade do atendimento ao público.
§ 2º Da Carta de Serviços ao Usuário, deverão cons­
tar informações claras e precisas sobre cada um
dos serviços prestados, especialmente as relativas:
I - ao serviço oferecido;
II - aos requisitos e aos documentos necessários
para acessar o serviço;

75
III - às etapas para processamento do serviço;
IV - ao prazo para a prestação do serviço;
V - à forma de prestação do serviço;
VI - à forma de comunicação com o solicitante do
serviço; e
VII - aos locais e às formas de acessar o serviço.
§ 3º Além das informações referidas no § 2º, a Carta
de Serviços ao Usuário deverá, para detalhar o padrão
de qualidade do atendimento, estabelecer:
I - os usuários que farão jus à prioridade no aten-
dimento;
II - o tempo de espera para o atendimento;
III - o prazo para a realização dos serviços;
IV - os mecanismos de comunicação com os usuários;
V - os procedimentos para receber, atender, gerir e
responder às sugestões e reclamações;
VI - as etapas, presentes e futuras, esper
adas para a realização dos serviços, incluídas a es-
timativas de prazos;
VII - os mecanismos para a consulta pelos usuários
acerca das etapas, cumpridas e pendentes, para a
realização do serviço solicitado;
VIII - o tratamento a ser dispensado aos usuários
quando do atendimento;
IX - os elementos básicos para o sistema de sinali­
zação visual das unidades de atendimento;
X - as condições mínimas a serem observadas pelas
unidades de atendimento, em especial no que se
refere à acessibilidade, à limpeza e ao conforto;
XI - os procedimentos para atendimento quando o
sistema informatizado se encontrar indisponível; e
XII - outras informações julgadas de interesse dos
usuários.
(...)
Art. 18. A Carta de Serviços ao Usuário, a forma
de acesso, as orientações de uso e as informações
do formulário Simplifique! deverão ser objeto de
permanente divulgação aos usuários dos serviços
públicos, e mantidos visíveis e acessíveis ao público:

76
I - nos locais de atendimento;
II - nos portais institucionais e de prestação de
serviços na internet; e
III - no Portal de Serviços do Governo federal, dis-
ponível em www.servicos.gov.br.

O art. 11 do Decreto n.º 9.094/17 não passa de repetição


do art. 11 do Decreto n.º 6.932/09. E o art. 18 daquele tem o
mesmo teor do art. 11, § 4.º, deste, apenas com a introdução
do denominado formulário Simplifique!, tema que será anali­
sado adiante.
De acordo com a Instrução Normativa n.º 5/18, do Ou-
vidor-Geral da União, caberá às unidades de ouvidoria pro-
cessar as informações obtidas por meio das manifestações
recebidas e das pesquisas de satisfação realizadas com a
finalidade de avaliar os serviços prestados, em especial sobre
o cumprimento dos compromissos e dos padrões de quali-
dade de atendimento da Carta de Serviços ao Usuário (art.
7º da Lei nº 13.460/2017).

6.2 Aplicar soluções tecnológicas


A Lei 13.460/2017 inclui entre suas diretrizes a aplicação
de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos
e procedimentos de atendimento ao usuário. No âmbito do
Poder Executivo Federal, esta solução é o sistema Simplifique!,
previsto pelo Decreto 9.094/2017 e regulamentado pela In-
strução Normativa Conjunta n.º 1/2018 dos Ministros de
Estado da Transparência e Controladoria-Geral da União e
do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão102.

102  Ministérios de Estado da Transparência e Controladoria-Geral da União e


do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Instrução Normativa Conjunta n.º
1/2018. Disponível em https://lex.com.br/legis_27601325_INSTRUCAO_NORMA-
TIVA_CONJUNTA_N_1_DE_12_DE_JANEIRO_DE_2018.aspx. Vários acessos.

77
Nos termos do Decreto, os usuários dos serviços públi-
cos do Poder Executivo Federal podem apresentar Solicitação
de Simplificação, por meio de formulário próprio denominado
Simplifique!103, aos órgãos e às entidades do Poder Executivo
federal. A Solicitação de Simplificação deverá ser apresenta-
da, preferencialmente, por meio eletrônico, no canal único
oferecido pela Ouvidoria-Geral da União, do Ministério da
Transparência e Controladoria-Geral da União (art. 13 do
Decreto n.º 9.094/2017)104.
Admite-se o recebimento de solicitação por meio físico,
mas, nesse caso, deverá ser providenciada a digitalização,
pelo órgão ou entidade, para posterior inserção no canal
acima mencionado.
Por força do disposto no art. 19 do Decreto, as infor-
mações do formulário Simplifique! serão divulgadas no
painel de monitoramento do desempenho dos serviços pú-
blicos prestados105. Além disso, a forma de acesso, as ori-
entações de uso e as informações do formulário deverão
ser permanentemente divulgadas aos usuários e mantidos
a eles visíveis e acessíveis nos locais de atendimento, nos
portais institucionais e de prestação de serviços na internet
e no Portal de Serviços do Governo federal, disponível em
www.servicos.gov.br106.

103  Do formulário Simplifique! deverá constar a identificação do solicitante,


a especificação do serviço objeto da simplificação, o nome do órgão ou da en-
tidade perante o qual o serviço foi solicitado, a descrição dos atos ou fatos e,
facultativamente, a proposta de melhoria (art. 14, Decreto 9.094/17). Ao usuário
que preencher o Simplifique! serão exigidas somente as informações de iden-
tificação necessárias à sua individualização (art. 2.º, §3º, IN Conjunta 1/18).
104  http://www.simplifique.gov.br/. Os órgãos e entidades do Poder Executivo
federal disponibilizarão na página principal de seus sítios eletrônicos o link de
acesso ao “Simplifique!” (art 2.º, §1º, IN Conjunta 1/18).
105  Art. 3º, caput, do Decreto nº 8.936/2016.
106  Art. 18 do Decreto n.º 9.094/17.

78
O Decreto remeteu a ato conjunto dos Ministros de
Estado da Transparência e Controladoria-Geral da União e do
Planejamento, Desenvolvimento e Gestão o disciplinamento
do procedimento aplicável à Solicitação de Simplificação (art.
15), o que se concretizou por meio da Instrução Normativa
Conjunta n.º 1/2018, de 12 de janeiro de 2018107, que estabelece
os procedimentos relativos às solicitações de simplificação de
serviços públicos, a serem efetivadas por meio de formulário
denominado “Simplifique!”, com a finalidade de promover a
participação do usuário de serviços públicos nos processos
de simplificação e desburocratização de serviços.
O Simplifique! encontra-se implementado como um
módulo do Sistema Informatizado de Ouvidorias do Poder Ex-
ecutivo Federal, e-Ouv108, para receber reclamações, denúncias
e solicitações relativas à simplificação de serviços públicos.
Quanto ao procedimento e tratamento do Simplifique!,
caberá à Ouvidoria dos órgãos e entidades a recepção, o
tratamento e a publicação das respostas ao Simplifique!,
salvo as sujeitas ao sigilo de que trata o art. 31 da Lei nº
12.527/11. No caso de inexistência de ouvidoria, o órgão ou
entidade designará agente público encarregado de receber
e dar tratamento ao Simplifique!, disso dando ciência à Ou-
vidoria-Geral da União109.
Se o Simplifique! for recebido por órgão ou entidade
incompetente para respondê-lo, caberá a este o reencaminhar

107  A Ouvidoria-Geral da União poderá emitir normas complementares a


essa Instrução Normativa Conjunta (art. 17).
108 https://sistema.ouvidorias.gov.br.
109  No ato de recebimento do Simplifique!, o órgão ou entidade deverá in-
formar ao usuário número de protocolo e o meio eletrônico pelo qual possa
acompanhar e monitorar o tratamento de sua solicitação, bem como a previsão
de prazo para recebimento de resposta conclusiva. Em nenhuma hipótese será
recusado o recebimento do Simplifique! preenchido nos termos desta Instrução
Normativa Conjunta 1/18 (arts. 2.º, §4º e3º).

79
imediatamente à Ouvidoria do órgão ou entidade competente,
por meio do Sistema e-Ouv.
O prazo de resposta à Solicitação de Simplificação é
de 30 dias prorrogáveis por mais 30. Ou seja: em até 60
dias, o usuário deverá ter uma resposta, que poderá ser um
compromisso do órgão para implantar a sua solicitação110.
As respostas ao Simplifique! deverão ser redigidas em lin-
guagem simples e compreensível, evitando o uso de siglas,
jargões e estrangeirismos.
No mesmo prazo de trinta dias, contados a partir do re-
cebimento da solicitação, as ouvidorias de entidades federais
poderão solicitar ao usuário complementação de informações,
apenas uma vez, oportunidade em que serão requeridas todas
as informações necessárias à conclusão da solicitação, caso
as informações inicialmente apresentadas pelo solicitante
sejam insuficientes para a análise da manifestação. Nessa
hipótese, haverá a interrupção do prazo para a resposta,
que só voltará a correr a partir do recebimento da resposta
do usuário.
A Ouvidoria-Geral da União determinará a emissão de
resposta, caso ela não seja dada nos prazos acima indicados.
Os Simplifique! serão classificados nas seguintes moda­
lidades: a) solicitação de simplificação que descreva exigência
injustificável ou necessidade de revisão de procedimentos
ou normas; b) denúncia de descumprimento das normas
previstas no Decreto nº 9.094/17, c) reclamação de dificul-
dade no acesso a serviço público ou de outras questões. As
solicitações de simplificação serão encaminhadas ao Comitê

110  Para saber mais, vide Manuais “Simplifique!” e “e-Ouv”, disponíveis em


http://www.ouvidorias.gov.br/central-de-conteudos/biblioteca/Material/apo-
io-ouvidoria.

80
Permanente de Desburocratização do órgão ou entidade111;
as denúncias serão encaminhadas ao órgão competente; as
reclamações serão encaminhadas à unidade competente
para adotar as medidas corretivas.
No caso de Solicitação de Simplificação ou Desburo-
cratização, o Comitê Permanente de Desburocratização do
órgão ou entidade elaborará, deliberará e aprovará relatórios
individualizados que analisem a viabilidade de adoção das
ações de simplificação ou desburocratização solicitadas112.
Havendo manifestação pela viabilidade de adoção das medidas
propostas na solicitação de simplificação, o relatório, que será
inserido no Sistema e-Ouv para acompanhamento das partes
interessadas, especificará a simplificação a ser implementada,
as fases e cronograma da implementação da simplificação,
os responsáveis por cada fase da implementação e as formas
de acompanhamento pelas quais o usuário poderá monitorar
a implementação da simplificação. As solicitações deverão
ser respondidas de forma objetiva, indicando-se, em caso de
inviabilidade de simplificação, o motivo da manutenção do
procedimento. Recebida a resposta, caberá ao usuário avaliar
o integral cumprimento da providência proposta. No caso de
não serem efetivamente implementados os compromissos
propostos, o usuário poderá denunciar o descumprimento à
Ouvidoria-Geral da União para que faça gestão junto ao órgão
ou entidade a fim de recompor ou retificar o procedimento.
Em se tratando de denúncia de descumprimento das
normas previstas no Decreto nº 9.094/17, esta será tratada

111  De que trata o §2º do art. 1º do Decreto sem número, de 7 de março de


2017, que criou o Conselho Nacional para a Desburocratização - Brasil Eficiente.
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/dsn/
Dsn14451.htm. Acesso em 23.6.18.
112  Os órgãos e entidades da administração indireta deverão designar colegia-
do para exercer tais competências (art. 9.º, parágrafo único, IN Conjunta 1/18).

81
pela ouvidoria do órgão, ou agente público designado, para,
em primeiro lugar, fazer análise quanto à aderência do fato
narrado às normas de atendimento vigentes. Constatado o
descumprimento, será feita gestão junto ao agente denun-
ciado, para a retificação da prática. A este fim, o agente de-
nunciado firmará compromisso, que será inserido no Sistema
e-Ouv para monitoramento das partes interessadas. Caso o
usuário verifique o descumprimento do compromisso, poderá
denunciar o fato à Ouvidoria-Geral da União, para providên-
cias cabíveis. Uma vez efetivada a retificação da prática de
atendimento, a denúncia será arquivada, sem prejuízo de
nova denúncia em razão de novo descumprimento.
Por fim, as reclamações serão processadas diretamente
pelo sistema de Ouvidoria, que responderá sobre as providên-
cias adotadas em relação à reclamação.
Em todos os casos, caberá à Ouvidoria do órgão ou enti-
dade, ou ao agente público designado, analisar a pertinência
e qualidade das respostas oferecidas, podendo ajustá-las ou
solicitar retificação à área competente.
A Instrução Normativa n.º 5 do Ouvidor-Geral da União
reiterou a competência das unidades de ouvidoria para rece-
ber, tratar e dar resposta às solicitações encaminhadas por
meio do formulário Simplifique!, já estabelecida na Instrução
Normativa Conjunta MPDG/CGU nº 1/2018.
O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral
da União lançou, no dia 01/09/2017, o Sistema de Ouvidoria
Online dos Entes Federados ou e-Ouv Municípios, com as
mesmas funcionalidades do sistema já utilizado pelo Governo
Federal, como resposta à intensa demanda de municípios
pela utilização do sistema e-Ouv.
Em 25/6/18 foi lançado o novo e-Ouv, o Sistema Informa-
tizado de Ouvidorias do Poder Executivo Federal, atualização

82
feita para a integral harmonização com a Lei n.º 13.460/17 e
a Instrução Normativa n.º 5/18.

6.3 Avaliar os serviços prestados


Os órgãos e entidades públicos abrangidos pela Lei
13.460/2017 deverão avaliar os serviços prestados, nos se-
guintes aspectos (art. 23):
• satisfação do usuário com o serviço prestado;
• qualidade do atendimento prestado ao usuário;
• cumprimento dos compromissos e prazos definidos
para a prestação dos serviços;
• quantidade de manifestações de usuários; e
• medidas adotadas pela administração pública para
melhoria e aperfeiçoamento da prestação do serviço.
A avaliação será realizada por pesquisa de satisfação
feita, no mínimo, a cada um ano, ou por qualquer outro meio
que garanta significância estatística aos resultados. O resul-
tado da avaliação deverá ser integralmente publicado no sítio
do órgão ou entidade, incluindo o ranking das entidades com
maior incidência de reclamação dos usuários na periodicidade
mínima de um ano, e servirá de subsídio para reorientar e
ajustar os serviços prestados, em especial quanto ao cum-
primento dos compromissos e dos padrões de qualidade de
atendimento divulgados na Carta de Serviços ao Usuário113.
Cada Poder e esfera de Governo disporá sobre a ava­
liação da efetividade e dos níveis de satisfação dos usuários
por meio de Regulamento específico.
De acordo com o art. 20 do Decreto n.º 9.094/17, a fer-
ramenta de pesquisa de satisfação dos usuários dos serviços

113  Algumas dessas diretrizes já se encontravam no art. 12 do Decreto n.º


6.932/09.

83
dos órgãos e entidades deverão constar do Portal de Serviços
do Governo federal, e do Sistema de Ouvidoria do Poder Exe­
cutivo federal, cujos canais, ao lado das referidas pesquisas,
objetivam assegurar a efetiva participação dos usuários
dos serviços públicos na avaliação e identificar lacunas e
deficiências na prestação dos serviços.

84
VII
O PAPEL DAS OUVIDORIAS
Nos marcos fixados pela Lei 13.460/2017, as ouvidorias
terão os seguintes atribuições e deveres, sem prejuízo de
outros estabelecidas em regulamento específico (arts. 13 e 14):
• promover a participação do usuário na administração
pública, em cooperação com outras entidades de defesa
do usuário;
• acompanhar a prestação dos serviços, visando a garantir
a sua efetividade;
• propor aperfeiçoamentos na prestação dos serviços;
• auxiliar na prevenção e correção dos atos e procedi-
mentos incompatíveis com os princípios estabelecidos
na Lei 13.460/2017;
• propor a adoção de medidas para a defesa dos direitos
do usuário, em observância às determinações da Lei
13.460/2017;
• receber, analisar e encaminhar às autoridades compe-
tentes as manifestações, acompanhando o tratamento
e a efetiva conclusão das manifestações de usuário
perante órgão ou entidade a que se vincula;
• promover a adoção de mediação e conciliação entre o
usuário e o órgão ou a entidade pública, sem prejuízo
de outros órgãos competentes.
• receber, analisar e responder, por meio de mecanismos
proativos e reativos, as manifestações encaminhadas
por usuários de serviços públicos; e

85
• elaborar, anualmente, relatório de gestão.
Na visão de Emerson Gabardo, “a lei contém uma es-
pécie de regulamento geral para as ouvidorias. Todavia, seu
texto é paradoxal ao não impor que todos os órgãos públicos
estejam submetidos a alguma ouvidoria”. Gabardo também
adverte para a possibilidade de eventuais incompatibilidades
legislativas entre as normas específicas de cada órgão em
cada Poder e esfera política da federação114.
De acordo com a Instrução Normativa n.º 5/2018 do
Ouvidor-Geral da União são consideradas unidades de ouvi-
doria as unidades administrativas responsáveis pelo acom-
panhamento e tratamento das manifestações dos usuários
de serviços públicos prestados pelos órgãos e entidades a que
se refere o art. 1º do Anexo I do Decreto nº 8.910115, de 2016.
A Ouvidoria-Geral da União deverá manter sistema
informatizado que permita o recebimento e tratamento das
manifestações recebidas por todas as ouvidorias do Poder
Executivo federal e sítio eletrônico que promova a interação
entre a sociedade e a Administração Pública federal, bem
como a divulgação de informações e estatísticas dos serviços
prestados pelas ouvidorias públicas federais.
Sobreleva a dimensão atribuída pela Lei n.º 13.460/2017
às ouvidorias, como canal de participação do usuário na
administração pública, de cooperação com entidades que
atuem na defesa do usuário dos serviços públicos e mesmo

114  GABARDO, Emerson. O Novo Código de Defesa do Usuário do Serviço Pú­


blico: Lei 13.460/17. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br/coluni-
stas/emerson-gabardo/o-novo-codigo-de-defesa-do-usuario-do-servico-publi-
co-lei-13-460-17. Acesso em 25.6.18.
115  O art. 1º do Anexo I do Decreto nº 8.910/2016 estabelece que O Ministério
da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União – CGU é o órgão
central do Sistema de Controle Interno, do Sistema de Correição e das unidades
de Ouvidoria do Poder Executivo federal. Disponível em http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8910.htm#anexo1.

86
de proponente de medidas nessa seara, de fiscalização da
prestação de serviço, como instâncias garantes de sua efe-
tividade, tudo em observância às determinações da Lei.
Tais elevadas atribuições revestem as ouvidorias de
legitimidade para propor aperfeiçoamentos na prestação
dos serviços, inclusive como instâncias auxiliares dos órgãos
da administração na prevenção e correção dos atos e pro-
cedimentos que não se compatibilizem com as diretrizes e
princípio trazidos pela novel Lei 13.460/2017.
A recém-editada Instrução Normativa n.º 5/2018 fixa
diretrizes para a atuação das unidades de ouvidoria: agir com
presteza e imparcialidade; colaborar com a integração das
ouvidorias; zelar pela autonomia das ouvidorias; promover a
participação social como método de governo116; e contribuir
para a efetividade das políticas e dos serviços públicos.
Com vistas à participação, proteção e defesa dos dire-
itos do usuário de serviços públicos são definidas diversas
competências das unidades de ouvidoria. Além de atribuições
de caráter interno, nas atividades de ouvidoria da respectiva
área de atuação, como propor ações e sugerir prioridades,
organizar e divulgar informações e procedimentos operacio-
nais, acompanhar e avaliar os programas e projetos, outras
relevantes competências foram delineadas.
Caberá às unidades de ouvidoria processar as infor-
mações obtidas por meio das manifestações recebidas e das
pesquisas de satisfação realizadas com a finalidade de avaliar
os serviços prestados, em especial sobre o cumprimento dos
compromissos e dos padrões de qualidade de atendimento da
Carta de Serviços ao Usuário (art. 7º da Lei nº 13.460/2017).

116  Um dos objetivos da Política Nacional de Participação Social, instituída


pelo Decreto n.º 8.243/2014, é “consolidar a participação social como método de
governo” (art. 4.º, I). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/decreto/d8243.htm. Acesso em 26.6.18.

87
Aqui fica claro o papel fiscalizador e de instância garantidora
de qualidade e efetividade dos serviços descritos na Carta
de Serviços.
Também será de responsabilidade das unidades produ­
zir e analisar dados e informações sobre as atividades de ouvi-
doria, para subsidiar recomendações e propostas de medidas
para aprimoramento da prestação dos serviços e correção de
falhas, e promover articulação, em caráter permanente, com
instâncias e mecanismos de participação social, em especial
conselhos e comissões de políticas públicas, conferências
nacionais, mesas de diálogo, fóruns, audiências, consultas
públicas e ambientes virtuais de participação social117.
Muito importante é a previsão de competências para
atribuições de Serviço de Informação ao Cidadão (art. 9º, I,

117  Instâncias e mecanismos de participação social estão previstos no art. 2.º


do Decreto n.º 8.243/2014: conselho de políticas públicas - instância colegiada
temática permanente, instituída por ato normativo, de diálogo entre a sociedade
civil e o governo para promover a participação no processo decisório e na gestão
de políticas públicas; comissão de políticas públicas - instância colegiada temáti-
ca, instituída por ato normativo, criada para o diálogo entre a sociedade civil e o
governo em torno de objetivo específico, com prazo de funcionamento vinculado
ao cumprimento de suas finalidades; conferência nacional - instância periódica
de debate, de formulação e de avaliação sobre temas específicos e de interesse
público, com a participação de representantes do governo e da sociedade civil,
podendo contemplar etapas estaduais, distrital, municipais ou regionais, para
propor diretrizes e ações acerca do tema tratado; mesa de diálogo - mecanismo
de debate e de negociação com a participação dos setores da sociedade civil e
do governo diretamente envolvidos no intuito de prevenir, mediar e solucio-
nar conflitos sociais; fórum interconselhos - mecanismo para o diálogo entre
representantes dos conselhos e comissões de políticas públicas, no intuito de
acompanhar as políticas públicas e os programas governamentais, formulan-
do recomendações para aprimorar sua intersetorialidade e transversalidade;
audiência pública - mecanismo participativo de caráter presencial, consultivo,
aberto a qualquer interessado, com a possibilidade de manifestação oral dos
participantes, cujo objetivo é subsidiar decisões governamentais; consulta
pública - mecanismo participativo, a se realizar em prazo definido, de caráter
consultivo, aberto a qualquer interessado, que visa a receber contribuições por
escrito da sociedade civil sobre determinado assunto, na forma definida no seu
ato de convocação; ambiente virtual de participação social - mecanismo de
interação social que utiliza tecnologias de informação e de comunicação, em
especial a internet, para promover o diálogo entre administração pública federal
e sociedade civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2014/decreto/d8243.htm. Acesso em 26.6.18.

88
da Lei nº 12.527/2011), que serão exercidas pelas ouvidorias,
quando assim designadas. Tal serviço se destina a assegurar
o acesso a informações públicas. Sem dúvida, as unidades de
ouvidoria constituem local com condições apropriadas para
atender e orientar o público quanto ao acesso a informações,
informar sobre a tramitação de documentos e protocolizar
documentos e requerimentos de acesso a informações, como
quer a LAI.
A Instrução Normativa n.º 5 reitera a competência
das unidades de ouvidoria para receber, tratar e dar res-
posta às solicitações encaminhadas por meio do formulário
Simplifique!, já estabelecida na Instrução Normativa Conjunta
MPDG/CGU nº 1/2018118.
A norma ainda trouxe um significativo avanço, em
termos de proteção ao usuário, que é a atribuição de respon­
sabilidade das unidades de ouvidoria para garantir a ade­
quação, a atualidade e a qualidade das informações dos órgãos
e entidades a que estejam vinculadas e que estejam inseridas
no Portal de Serviços do Governo Federal. O Portal compõe
a Plataforma de Cidadania Digital, ao lado do mecanismo
de acesso digital único do usuário aos serviços públicos, da
ferramenta de solicitação e acompanhamento dos serviços
públicos, da ferramenta de avaliação da satisfação dos usuári-
os em relação aos serviços públicos prestados; do painel
de monitoramento do desempenho dos serviços públicos
prestados119.
De todas, merecem destaque três novas atribuições das
ouvidorias, fixadas pela Lei n.º 13.460/2017 e regulamentadas
pela Instrução Normativa n.º 5/2018: elaborar relatório de

118  Sobre o tema, vide item 6.2, no Capítulo precedente.


119  Cf. Decreto n.º 8.936/2016. Disponível em http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8936.htm. Acesso em 26.6.18

89
gestão; receber, analisar e encaminhar às autoridades com-
petentes, ou responder, por meio de mecanismos proativos
e reativos, as manifestações dos usuários; receber e coletar
informações junto aos usuários de serviços públicos com a
finalidade de avaliar a prestação de tais serviços e de auxi­
liar na detecção e correção de irregularidades, promover a
adoção de mediação e conciliação entre o usuário e o órgão
ou a entidade pública, que serão examinadas detalhadamente.

7.1 Elaborar relatórios de gestão


O relatório de gestão deve ser elaborado por cada ou-
vidoria a partir da consolidação das informações presentes
nas manifestações encaminhadas por usuários de serviços
públicos, e, com base nelas, apontar falhas e sugerir melho-
rias na prestação de serviços públicos. O relatório de gestão
deverá indicar, ao menos:
• o número de manifestações recebidas no ano anterior;
• os motivos das manifestações;
• a análise dos pontos recorrentes; e
• as providências adotadas pela administração pública
nas soluções apresentadas.
O relatório de gestão deverá ser encaminhado à autori-
dade máxima do órgão a que pertence a unidade de ouvidoria
e disponibilizado integralmente na internet.

7.2 Receber, analisar e responder manifestações de usuários


De acordo com a Lei n.º 13.460/17, para garantir seus
direitos, o usuário poderá apresentar manifestações perante a
administração pública acerca da prestação de serviços públi-
cos (art. 9º). Entende-se por “manifestações” as reclamações,
denúncias, sugestões, elogios e demais pronunciamentos de
usuários que tenham como objeto a prestação de serviços

90
públicos e a conduta de agentes públicos na prestação e
fiscalização de tais serviços (art. 2º, V).
A manifestação deve ser dirigida à ouvidoria do órgão ou
entidade responsável e conterá a identificação do requerente.
Porém, a identificação do requerente não conterá exigências
que inviabilizem sua manifestação (art. 10).
São vedadas quaisquer exigências relativas aos motivos
determinantes da apresentação de manifestações perante a
ouvidoria (art. 10, §2º).
Caso não haja ouvidoria, o usuário poderá apresentar
manifestações diretamente ao órgão ou entidade responsável
pela execução do serviço e ao órgão ou entidade a que se
subordinem ou se vinculem.
A manifestação poderá ser feita por meio eletrônico, ou
correspondência convencional, ou verbalmente, hipótese em
que deverá ser reduzida a termo. No caso de manifestação
por meio eletrônico, respeitada a legislação específica de
sigilo e proteção de dados, a administração pública ou sua
ouvidoria poderão requerer meio de certificação da identi-
dade do usuário. As informações pessoais dos usuários dos
serviços públicos terão seu acesso restrito.
Quanto aos procedimentos para a proteção de infor-
mações pessoais, é importante esclarecer que a Lei de Acesso
à Informação (Lei n. 12.527/2011) dispõe que o tratamento das
informações pessoais deve ser feito de forma transparente
e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem
das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais,
conforme preceitua a Constituição Federal de 1988. A legis­
lação brasileira ainda não contempla lei específica sobre
proteção de dados pessoais. Por essa razão, a Lei n. 12.527/2011
é o diploma indicado para reger o assunto.

91
Os órgãos e entidades públicos abrangidos pela Lei
13.460/2017 deverão colocar à disposição do usuário for-
mulários simplificados e de fácil compreensão para a apre-
sentação do de sua manifestação, facultada ao usuário sua
utilização.
Em nenhuma hipótese, será recusado o recebimento
de manifestações, sob pena de responsabilidade do agente
público. (art. 11)
A efetiva resolução das manifestações dos usuários
compreende:
• recepção da manifestação no canal de atendimento
adequado;
• emissão de comprovante de recebimento da manifes-
tação;
• análise e obtenção de informações, quando necessário;
• decisão administrativa final; e
• ciência ao usuário.
A Lei 13.460/2017 prevê que as manifestações deverão ser
identificadas (art. 10). Todavia, a regulamentação no âmbito
do Executivo federal prevê a possibilidade de registro de uma
comunicação anônima, como será examinado adiante, que
não seguirá os ritos das manifestações tradicionais, de modo
que a administração pública possa tomar conhecimento de
eventuais irregularidades ou ilícitos que estejam ocorrendo.
A Lei também trouxe novos prazos para que as Ouvi-
dorias respondam as manifestações dos usuários de serviços
públicos. Todas as manifestações devem ser respondidas em
até trinta dias, prorrogáveis de forma justificada uma única
vez, por igual período (art. 16).
O parágrafo único do mesmo art. 16 traz uma obrigação
para os agentes públicos do órgão ou entidade a que a Ou-
vidoria se vincula. Estes devem responder as solicitações da

92
Ouvidoria respeitando o prazo de vinte dias, prorrogável de
forma justificada uma única vez, por igual período. Desta
forma, a Ouvidoria disporá de tempo hábil para responder
as manifestações em até sessenta dias.
A nova lei, no § 2.º do art. 23, faz referência a “um ranking
das entidades com maior incidência de reclamação dos usuári-
os”, embora não disponha a respeito de eventuais sanções.
O Decreto n.º 9.094/17 também trata pontualmente das
manifestações dos usuários dos serviços públicos. No art. 5.º,
III, veda a recusa de recebimento de requerimentos pelos
serviços de protocolo, exceto quando o órgão ou a entidade
for manifestamente incompetente, cabendo aos serviços de
protocolo prover as informações e as orientações necessárias
para que o interessado possa dar andamento ao requerimento.
No caso de o órgão ou a entidade do Poder Executivo fe­
deral ser incompetente para o exame ou a decisão da matéria,
será providenciada a remessa do requerimento ao órgão ou à
entidade do Poder Executivo federal competente. Se não for
possível a remessa, deverá ser feita a comunicação do fato
ao interessado, para que adote as providências necessárias.
Quaisquer que sejam as exigências para o requerimen-
to estas haverão de ser feitas de imediato e uma só vez ao
interessado. Exigência posterior só será admitida em caso
de dúvida superveniente.
No art. 11, § 3.º, V, o Decreto remete à Carta de Serviços
ao Usuário o estabelecimento dos “procedimentos para rece-
ber, atender, gerir e responder às sugestões e reclamações”.
Como visto no Capítulo 6, os usuários dos serviços públi-
cos do Poder Executivo Federal podem apresentar solicitação
de simplificação de procedimentos ou normas, denúncia
de descumprimento das normas previstas no Decreto nº
9.094/17 e reclamação aos órgãos e às entidades do Poder

93
Executivo federal. É de ver que solicitações e denúncias de
natureza diversa daquelas tratadas no Decreto, bem como os
elogios, serão manifestações de usuários não abarcadas pelo
Simplifique!. Assim, quanto a estes, as Cartas de Serviços ao
Usuário é que deverão estabelecer os procedimentos para
receber, atender, gerir e responder tais manifestações. O
mesmo deverão providenciar as Cartas dos órgãos e entidades
dos demais Poderes e esferas governamentais.
No Poder Executivo Federal, o Ministério da Transpa­
rência e Controladoria-Geral da União desenvolveu o sistema
e-OUV para receber, tratar e responder as manifestações en-
caminhadas pelos cidadãos.120 Ainda que não seja obrigatório
para as ouvidorias federais, a Ouvidoria-Geral da União
recomenda sua utilização, para uniformizar e facilitar o
mecanismo de acesso por parte do cidadão, além de con-
tribuir para a produção automática de estatísticas. O Módulo
Simplifique! no e-OUV, no entanto, torna-se obrigatório para
Ouvidorias do Poder Executivo Federal como canal eletrônico
único oferecido pela Ouvidoria-Geral da União, por força do
§ 1º do art. 13 do Decreto 9.094/2017.
Em cada Poder e esfera de Governo, atos normativos
específicos disporão sobre a organização e o funcionamento
de suas ouvidorias.
O Ouvidor-Geral da União fez publicar, em 25 de junho
de 2018, a Instrução Normativa n.º 5 que, no Capítulo II,
trata do recebimento, análise e resposta de manifestações
dos usuários de serviços públicos prestados pelo Poder Exe­
cutivo federal.
Na mesma linha da Lei n.º 13.460/17, a Instrução Nor-
mativa trata da obrigação das ouvidorias de receberem,

120 https://sistema.ouvidorias.gov.br.

94
analisarem e encaminharem às autoridades competentes as
manifestações dos usuários, além de respondê-las, encami­
nhando decisão administrativa final121 ao usuário.
Fica estabelecida a gratuidade dos procedimentos,
vedando-se a cobrança de qualquer valor aos usuários, do
mesmo modo que estão vedados questionamentos sobre as
motivações da apresentação das manifestações à ouvidoria.
Assim é que, sob nenhuma hipótese, poderá ser recusado o
recebimento de manifestações apresentadas às ouvidorias.
Também não será exigida certificação de identidade do
usuário, salvo quando a resposta à manifestação implicar o
acesso a informação pessoal própria ou de terceiros122.
Assim como ocorre na Solicitação de Simplificação,
examinada no item 6.2 do Capítulo anterior, as manifes-
tações deverão ser apresentada, preferencialmente, por meio
eletrônico, por meio do Sistema Informatizado de Ouvidorias
do Poder Executivo Federal (e-Ouv), disponibilizado pelo
Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União,
ou sistema próprio da unidade de ouvidoria, que deverá
ser plenamente compatível com as diretrizes da Instrução
Normativa n.º 5/2018. Para isso, todos os meios deverão ser
buscados a que o acesso ao sistema esteja disponível na página
principal dos portais dos órgãos e entidades, na Internet.
Admite-se o recebimento de solicitação por meio físico,
mas, nesse caso, deverá ser providenciada a digitalização,

121  Decisão administrativa final: ato administrativo mediante o qual o órgão


ou a entidade pública manifesta-se acerca da procedência ou improcedência
do pedido, apresentando solução ou comunicando a impossibilidade de seu
atendimento (art. 3.º, X, da IN 5/18 OGU).
122  Como regra, exige-se a identificação do autor, ou seja, qualquer elemento
de informação que permita a individualização de pessoa física ou jurídica. A
certificação de identidade aqui referida é o procedimento de conferência de
identidade do manifestante por meio de documento de identificação válido
(art. 3.º, VIII, da IN 5/2018.

95
pelo órgão ou entidade, para posterior inserção no sistema
acima mencionado.
Se a manifestação for recebida por unidade de ouvidoria
incompetente para respondê-lo, caberá a esta o reencaminhar
imediatamente à ouvidoria do órgão ou entidade competente.
As unidades de ouvidoria procederão à análise prévia das
manifestações recebidas e, se for o caso, as encaminharão às
áreas responsáveis pela adoção das providências necessárias.
As respostas conclusivas às manifestações deverão ser
apresentadas no prazo de trinta dias contados do seu recebi-
mento, prorrogável por igual período mediante justificativa
expressa, e devem ser redigidas em linguagem simples e com-
preensível123. Mas poderá deixar de haver resposta conclusiva,
com o encerramento da manifestação, quando o autor agir
de modo temerário, não expuser os fatos conforme a verdade
ou deixar de proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé124.
No mesmo prazo de trinta dias, contados a partir do re-
cebimento da solicitação, as ouvidorias de entidades federais
poderão solicitar ao usuário complementação de informações,
vedados os pedidos de complementação sucessivos (salvo
na hipótese de surgimento de situação nova, a partir dos
documentos ou informações apresentadas). Nessa hipótese,
haverá a interrupção do prazo para a resposta, que só voltará
a correr a partir do recebimento da resposta do usuário. No
caso de o usuário não prestar as informações que lhe forem

123  Ou, na dicção do art. 3.º, X, da IN 5/18, linguagem cidadã: linguagem simples,
clara, concisa e objetiva, que considera o contexto sociocultural do usuário, de
forma a facilitar a comunicação e o mútuo entendimento.
124  Disposição da IN 5/2018 claramente inspirada no art. 80 do Código de
Processo Civil, que considera-se litigante de má-fé, entre outras hipóteses, aquele
que alterar a verdade dos fatos e proceder de modo temerário em qualquer
incidente ou ato do processo. Cf. Lei n.º 13.105/2015. Disponível em http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 27.6.18.

96
solicitadas para o esclarecimento dos fatos, a manifestação
poderá ser encerrada, sem resposta conclusiva.
A ouvidoria poderá solicitar informações e esclareci-
mentos diretamente às áreas responsáveis pela adoção das
providências e as solicitações devem ser respondidas no
prazo de vinte dias, prorrogável de forma justificada uma
única vez, por igual período.
A tramitação das manifestações, nos termos da regu-
lamentação dada pela Instrução Normativa n.º 5/2018, vai
depender da espécie de que se trate. O elogio recebido será
encaminhado ao agente público que prestou o atendimen-
to ou ao responsável pela prestação do serviço público, e
à sua chefia imediata. Já a reclamação e a sugestão serão
encaminhadas à autoridade responsável pela prestação do
atendimento ou do serviço público.
As denúncias recebidas somente serão conhecidas se
contiverem elementos mínimos descritivos da irregularidade
ou, ao menos, indícios que viabilizem a identificação de tais
elementos pela administração. Do contrário, a denúncia será
encerrada. Também será encerrada se estiver dirigida a órgão
não pertencente ao Poder Executivo federal.
As denúncias contra agente público125 no exercício de
cargos comissionados do Grupo Direção e Assessoramento
Superiores - DAS a partir do nível 4 ou equivalente serão infor-
madas por cada ouvidoria pública federal à Ouvidoria-Geral
da União.
A resposta conclusiva do elogio conterá informação
sobre o encaminhamento e cientificação ao agente público ou
ao responsável pelo serviço público prestado, e à sua chefia
imediata. Por seu turno, a resposta conclusiva da reclamação

125  A Instrução normativa 5/18 tem redação confusa, no particular, pois


refere à “existência de denúncia praticada por agente público” (art. 15, § 3.º).

97
conterá informação objetiva acerca do fato apontado. No caso
de sugestão, a autoridade responsável se manifestará acerca
da possiblidade de adoção da medida sugerida.
A resposta conclusiva da denúncia conterá informação
sobre o seu encaminhamento aos órgãos apuratórios com-
petentes e sobre os procedimentos a serem adotados, ou
sobre o seu arquivamento.
É assegurada a proteção da identidade e dos elementos
que permitam a identificação do usuário ou do autor da mani­
festação (art. 31 da Lei nº 12.527/ 2011), sujeitando-se o agente
público às penalidades legais pelo seu uso indevido, a menos
que se trate de denunciação caluniosa (art. 339 do Código
Penal126) ou se configure flagrante má-fé do manifestante.
Mas no caso de denúncia, se for indispensável à apuração dos
fatos, o nome do denunciante será encaminhado ao órgão
apuratório, que ficará responsável por restringir acesso à
identidade do manifestante a terceiros.

7.3 Receber e coletar informações junto aos usuários de serviços


públicos
De acordo com o art. 16 da Instrução Normativa n.º
5/2018, as unidades de ouvidoria poderão receber e coletar
informações junto aos usuários de serviços públicos com a
finalidade de avaliar a prestação de tais serviços e de auxiliar
na detecção e correção de irregularidades.

126  Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo


judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de
improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe
inocente: (Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000). Pena - reclusão, de dois a
oito anos, e multa. § 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve
de anonimato ou de nome suposto. § 2º - A pena é diminuída de metade, se a
imputação é de prática de contravenção. Disponível em http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 26.6.18.

98
Quando as informações não estiverem identificadas ou
quando não configurarem uma as espécies de manifestação
previstas na Lei nº 13.460/2017, não haverá obrigação de elabo­
ração de resposta conclusiva. Por outro lado, as informações
que constituam comunicações de irregularidade, ainda que
anônimas, deverão ser enviadas ao órgão ou entidade com-
petente para sua apuração, desde que observada a existência
de indícios mínimos de relevância, autoria e materialidade.
Convém registrar que a Lei n.º 13.460/18 dispõe que a
manifestação dirigida à ouvidoria conterá a identificação do
requerente. É verdade que, aqui, a IN 5/18 trata de “comuni-
cação de irregularidade”, espécie de comunicação que não
está prevista no inciso V do art. 2.º da Lei. A menos que se
admita que a comunicação de irregularidade esteja incluí-
da nos “demais pronunciamentos de usuários que tenham
como objeto a prestação de serviços públicos e a conduta de
agentes públicos na prestação e fiscalização de tais serviços”,
o que não parece ser a melhor interpretação. Assim, é de ver
que a Instrução Normativa disciplina uma nova categoria de
manifestação, a “comunicação de irregularidade”.
Trata-se de providência necessária e elogiável, a
considerar a corriqueira apresentação de comunicações
de irregularidade feitas anonimamente no Brasil, até por
razões de segurança do comunicante, e que são admitidas
amplamente no âmbito da persecução criminal.
Veja-se, a propósito, trecho de decisão do Supremo
Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Celso de Melo,
sobre o tema:

“As autoridades públicas não podem iniciar qualquer


medida de persecução (penal ou disciplinar), apoian-
do-se, unicamente, para tal fim, em peças apócrifas
ou em escritos anônimos. É por essa razão que o es-
crito anônimo não autoriza, desde que isoladamente

99
considerado, a imediata instauração de “persecutio
criminis”. - Peças apócrifas não podem ser formal-
mente incorporadas a procedimentos instaura-
dos pelo Estado, salvo quando forem produzidas
pelo acusado ou, ainda, quando constituírem, elas
próprias, o corpo de delito (como sucede com bi­
lhetes de resgate no crime de extorsão mediante
seqüestro, ou como ocorre com cartas que eviden-
ciem a prática de crimes contra a honra, ou que
corporifiquem o delito de ameaça ou que materia­
lizem o “crimen falsi”, p. ex.). - Nada impede, con-
tudo, que o Poder Público, provocado por delação
anônima (“disque-denúncia”, p. ex.), adote medidas
informais destinadas a apurar, previamente, em
averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a
possível ocorrência de eventual situação de ilicitude
penal, desde que o faça com o objetivo de conferir
a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em
ordem a promover, então, em caso positivo, a formal
instauração da “persecutio criminis”, mantendo-se,
assim, completa desvinculação desse procedimento
estatal em relação às peças apócrifas” 127 (grifei)

De qualquer forma, uma vez recebida a comunicação de


irregularidade e se houver elementos suficientes, os órgãos
apuratórios procederão, ex officio, à instauração de proce­
dimento investigatório preliminar que, evidentemente, não
poderá ter caráter punitivo. Caso não haja elementos sufici-
entes, a comunicação será arquivada.
No caso de comunicação de irregularidade identificada,
assim como nos demais casos de manifestação de usuário,
é assegurada a proteção da identidade e dos elementos que
permitam a identificação do usuário ou do autor da manifes-
tação, sujeitando-se o agente público às penalidades legais
pelo seu uso indevido, a menos que se trate de denunciação

127  Cf. HC - 97197. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/informativo/ver-


Informativo.asp?s1=falsa+identidade&pagina=5&base=INFO. Acesso em 27.6.18.

100
caluniosa ou se configure flagrante má-fé do manifestante
(art. 17 da IN 5/18, OGU).

7.4. Promover a mediação e a conciliação entre usuários e órgãos


e entidades
Cumpre ressaltar a atribuição dada às unidades de ou-
vidora de promover a adoção de mediação e conciliação entre
usuários de órgãos e entidades públicas, com a finalidade
de ampliar os espaços de relacionamento e participação da
sociedade com a administração pública.
Trata-se de importante papel a ser exercido pelas ou-
vidorias, que ainda não havia sido atribuído, em caráter
genérico, embora já se observe a prática, setorialmente.
Por exemplo, a Ouvidoria Setorial da Agência Nacional
de Energia Elétrica apoia os consumidores na busca pela
conciliação com a distribuidora em questões relacionadas
à prestação do serviço público de energia elétrica. Um canal
oferecido pela ANEEL para acesso direto da sociedade com
a Agência, para os casos em que o consumidor encontrar
dificuldade no relacionamento com a distribuidora. De acor-
do com a Agência, as solicitações registradas na Ouvidoria
Setorial, além de passarem pelo processo de análise e busca
por solução por parte da Agência, subsidiam as ações de fis-
calização, a elaboração dos atos regulatórios e os processos
de tomada de decisão da Diretoria Colegiada128.

128  Informação obtida em http://www.aneel.gov.br/sma.

101
VIII
CONSELHO DE USUÁRIOS
A participação dos usuários no acompanhamento da
prestação e na avaliação dos serviços públicos será feita
por meio de conselhos de usuários, sem prejuízo de outras
formas previstas na legislação (art. 18).
Os conselhos de usuários são órgãos consultivos dotados
das seguintes atribuições:
• acompanhar a prestação dos serviços;
• participar na avaliação dos serviços;
• propor melhorias na prestação dos serviços;
• contribuir na definição de diretrizes para o adequado
atendimento ao usuário; e
• acompanhar e avaliar a atuação do ouvidor (o conselho
de usuários também poderá ser consultado quanto à
indicação do ouvidor).
A composição dos conselhos deve observar os critérios
de representatividade e pluralidade das partes interessadas,
com vistas ao equilíbrio em sua representação. A escolha dos
representantes será feita em processo aberto ao público e
diferenciado por tipo de usuário a ser representado. A par-
ticipação do usuário no conselho será considerada serviço
relevante e sem remuneração (arts. 19 e 21).
A organização e funcionamento dos conselhos de usuári-
os serão definidos por regulamento específico de cada Poder
e esfera de Governo.

103
Parece razoável que, no âmbito do serviço público
federal, sejam adotadas as diretrizes fixadas para a consti-
tuição dos conselhos de políticas públicas, pelo Decreto n.º
8.243/2014129, em vigor, que instituiu a Política Nacional de
Participação Social e o Sistema Nacional de Participação So-
cial (art. 10): presença de representantes eleitos ou indicados
pela sociedade civil, preferencialmente de forma paritária
em relação aos representantes governamentais; definição,
com consulta prévia à sociedade civil, de suas atribuições,
competências e natureza; garantia da diversidade entre os
representantes da sociedade civil; estabelecimento de critéri-
os transparentes de escolha de seus membros; rotatividade
dos representantes da sociedade civil; compromisso com o
acompanhamento dos processos conferenciais relativos ao
tema de sua competência; e publicidade de seus atos.

129  Presidência da República. Decreto n.º 8.234/2014. Disponível em http://


www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/decreto/d8243.htm. Acesso
em 24.6.18.

104
IX
RACIONALIZAÇÃO DE EXIGÊNCIAS E NORMAS. SAN-
ÇÕES
O Decreto n.º 9.032/2017 abre dois capítulos sobre racio-
nalização de exigências e da troca de informações (Capítulo
I) e de normas (Capítulo III) no âmbito do Poder Executivo
federal. O primeiro tema não representa inovação, uma vez
que o Decreto n.º 6.932/2009 (com alterações dadas pelo
Decreto n.º 8.789/2016) dele tratava, com disposições quase
idênticas. A racionalização de normas sobre atendimento ao
usuário é contribuição original do decreto de 2017130.

130  A propósito:
“No ano de 1998, diante do número de leis que se acumulavam no ordenamento
jurídico brasileiro, o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar – LC nº
95, que trata da elaboração e redação das leis que regerão toda a sociedade. A
norma surgiu para dar efetividade ao disposto no parágrafo único do art. 59 da
Constituição Federal, que previa uma lei complementar para tratar do tema.
A LC nº 95/1998 destaca:
Art. 13. As leis federais serão reunidas em codificações e consolidações, inte-
gradas por volumes contendo matérias conexas ou afins, constituindo em seu
todo a Consolidação da Legislação Federal.
§ 1º A consolidação consistirá na integração de todas as leis pertinentes a
determinada matéria num único diploma legal, revogando-se formalmente as
leis incorporadas à consolidação, sem modificação do alcance nem interrupção
da força normativa dos dispositivos consolidados.
(...) No início desse ano [2017], o Congresso Nacional deu mais um passo rumo
à efetivação da consolidação das leis federais. Em ato conjunto, as mesas do
Senado Federal e da Câmara dos Deputados se manifestaram pela criação da
Comissão Mista Permanente de Regulamentação e Consolidação da Legislação
Federal, composta por onze senadores e onze deputados federais, destinada a
apresentar projetos de lei visando à consolidação da legislação federal, à regula-
mentação dos dispositivos da Constituição Federal, bem como à modernização
e ao fortalecimento econômico e social do País.

105
De outro giro tanto o decreto quanto a Instrução Nor-
mativa n.º 5/2018, do Ouvidor-Geral da União, prescrevem
sanções para o descumprimento das normas.

9.1 Racionalização de exigências e das trocas de informações


Em primeiro lugar, dispõe o Decreto n.º 9.094/2017 que
os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal que ne-
cessitarem de documentos comprobatórios da regularidade
da situação de usuários dos serviços públicos, de atestados,
de certidões ou de outros documentos comprobatórios que
constem em base de dados oficial da administração pública
federal deverão obtê-los diretamente do órgão ou da enti-
dade responsável pela base de dados e não poderão exigi-los
dos usuários dos serviços públicos, a menos que a exigência
decorra de determinação legal. Ora, não faz sentido que a
administração pública federal, detentora das informações
em suas bases de dados, obrigue o usuário a peregrinar por
órgãos e entidades em busca dessas mesmas informações,
para comprovação de situações e fatos.
Para a efetivação dessa disposição, os órgãos e as enti-
dades responsáveis por bases de dados oficiais da adminis-
tração pública federal deverão orientar os demais órgãos e
entidades públicos interessados quanto ao acesso às infor-
mações constantes em tais bases de dados.
Tratando-se de documentos que contenham infor-
mações sigilosas sobre os usuários dos serviços públicos, o
fornecimento pelo órgão ou pela entidade responsável pela

(...)A instituição da Comissão está em pauta para a votação do plenário do


Congresso Nacional.”
Cf. REOLON, Jaques. Consolidação das leis federais: um passo para a racio-
nalização do nosso ordenamento jurídico. Disponível em https://jus.com.br/
artigos/58395/consolidacao-das-leis-federais-um-passo-para-a-racional-
izacao-do-nosso-ordenamento-juridico. Acesso em 28.6.18.

106
base de dados oficial fica condicionado à autorização expressa
do usuário, exceto nas situações previstas em lei.
E quando não for possível a obtenção dos documentos
diretamente do órgão ou da entidade responsável pela base
de dados oficial, bastará que o usuário faça declaração escrita
e a assine, para que a comprovação seja feita. É claro que
eventual declaração falsa do usuário o sujeitará às sanções
administrativas, civis e penais cabíveis.
No mesmo propósito de racionalização de exigências, o
Decreto 9.094/2017 elenca práticas a serem observadas pelos
órgãos e entidades. Em primeiro lugar, a gratuidade dos atos
necessários ao exercício da cidadania, os quais, nos termos
da Lei n.º 9.265/1996131, são os que capacitam o cidadão ao
exercício da soberania popular, a que se reporta o art. 14 da
Constituição132; aqueles referentes ao alistamento militar; os
pedidos de informações ao poder público, em todos os seus
âmbitos, objetivando a instrução de defesa ou a denúncia
de irregularidades administrativas na órbita pública; as
ações de impugnação de mandato eletivo por abuso do poder
econômico, corrupção ou fraude; quaisquer requerimentos
ou petições que visem as garantias individuais e a defesa do
interesse público; o registro civil de nascimento e o assento
de óbito, bem como a primeira certidão respectiva.

131  Lei n.º 9.265/1996. Disponível http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/


L9265.htm. Acesso em 28.6.18.
132  “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
(...)
§ 1º O alistamento eleitoral e o voto são:
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.”
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.
htm#art14. Acesso em 28.1.18.

107
Em segundo luar, o Decreto impõe a padronização de
procedimentos referentes à utilização de formulários, guias
e documentos congêneres.
Veda a recusa de recebimento de requerimentos pelos
serviços de protocolo133, salvo no caso de manifesta incom-
petência do órgão ou entidade à qual for apresentado e,
em tal hipótese, o serviço de protocolo deverá oferecer as
informações e orientações necessárias para que o interes-
sado possa dar andamento ao requerimento, por exemplo,
indicando o órgão competente e fornecendo o endereço, ou,
ainda, o sítio eletrônico no qual a pretensão do usuário poderá
ser atendida. Se a constatação da incompetência somente
ocorrer após a protocolização de requerimento, o agente
público que a constatar providenciará a imediata remessa
ao órgão ou à entidade competente. E se isso, por alguma
razão, não for possível, deverá comunicar o fato ao usuário
interessado a que tome as providências necessárias134.
Somente poderão ser feitas exigências estritamente
necessárias para o requerimento do usuário interessado, de
pronto e uma só vez, salvo em caso de dúvida superveniente e
de modo justificado. É de ver que a preocupação com a elimi-
nação de exigências permeia toda a Lei n.º 13.460/2017, como
a vedação de imposição de exigências, obrigações, restrições
e sanções não previstas na legislação; de reconhecimento de
firma, salvo em caso de dúvida de autenticidade; de exigên-
cias cujo custo econômico ou social seja superior ao risco
envolvido; de exigências sobre a identificação do requerente
que inviabilizem sua manifestação; de exigências relativas aos

133  De acordo com o artigo 11 da Lei n.º 13.460/2017, “em nenhuma hipótese,
será recusado o recebimento de manifestações formuladas nos termos desta
Lei, sob pena de responsabilidade do agente público”.
134  Estes aspectos foram parcialmente analisados no item 7.2 deste livro.

108
motivos determinantes da apresentação de manifestações
perante a ouvidoria; de exigência de nova prova sobre fato
já comprovado em documentação válida apresentada. Aliás
esta última vedação é renovada pelo Decreto n.º 9.094/17,
com muita razão. Configura ofensa inaceitável ao princípio
da eficiência, exigir-se do usuário a renovação de prova já
feita por meio de documento hábil.
Por fim, o Decreto 9.094/2017 estabelece que a comuni-
cação entre o órgão ou a entidade do Poder Executivo federal
e o interessado poderá ser feita por qualquer meio, preferen-
cialmente eletrônico, seja para complementar informações,
seja para solicitar esclarecimentos.
Estas diretrizes foram rigorosamente seguidas pela
Instrução Normativa Conjunta n.º 1/2014 e pela Instrução
5/2018, do Ouvidor-Geral da União, como examinado nos
capítulos precedentes (itens 6.2 e 7.2).

9.2 Racionalização de normas


No que concerne à racionalização das normas, o art.
12 do Decreto n.º 9.094/2017 fixa critério para a edição e a
alteração das normas relativas ao atendimento dos usuári-
os dos serviços públicos. Em qualquer caso, haverão de ser
observados os princípios da eficiência e da economicidade.
Trata-se a eficiência de princípio da Administração
Pública, hospedado no caput do art. 37 da Constituição. Como
leciona Maria Sylvia Zanella di Pietro, o princípio da eficiência

“apresenta-se sob dois aspectos, podendo tanto ser


considerado em relação à forma de atuação do agente
público, do qual se espera o melhor desempenho
possível de suas atuações e atribuições, para lograr
os melhores resultados, como também em relação
ao modo racional de se organizar, estruturar, dis-
ciplinar a administração pública, e também com o

109
intuito de alcance de resultados na prestação do
serviço público”135.

Já em face do princípio da economicidade, ao gestor


público se impõe

“o exame das relações custo/benefício nos processos


administrativos que levam a decisões, especialmente
as de maior amplitude, a fim de se aquilatar a eco-
nomicidade das escolha entre diversos caminhos
propostos para a solução do problema, para a im-
plementação da decisão”136.

Da confluência dos dois princípios resulta a parte final


do art. 12: a alteração das normas relativas ao atendimento
dos usuários dos serviços públicos considerarão os efeitos
práticos tanto para a administração pública federal quanto
para os usuários.

9.3 Sanções
O Decreto n.º 9.094/2017 fixa sanções para o caso de
descumprimento de suas disposições. No art. 16, dispõe que o
servidor público ou o militar que as descumprir estará sujeito
às penalidades previstas, respectivamente, na Lei nº 8.112, de
11 de dezembro de 1990, e na Lei nº 6.880, de 9 de dezembro
de 1980137. Tal disposição é absolutamente desnecessária

135  DI PETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28.ª ed. Atlas, 2015.
136  BUGARIN, Paulo Soares. O Princípio Constitucional da Eficiência, um Enfo­
que Doutrinário Multidisciplinar. Brasília: revista do Tribunal da União – Fórum
Administrativo, mai/2001, p. 240. Apud BARRETO FILHO, Sérgio Alberto. O
estudo dos Princípios da Eficiência, Eficácia e Economicidade na Administração
Pública. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revis-
ta_artigos_leitura&artigo_id=12851. Acesso em 28.6.18.
137  As Leis números 8.112/1990 e 6.880/1980 dispõem, respectivamente, sobre
o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das
fundações públicas federais e sobre o Estatuto dos Militares. Disponíveis em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8112cons.htm e http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/Leis/L6880.htm. Acesso em 28.6.18.

110
e, paradoxalmente, representa descumprimento da deter-
minação de racionalização de normas prevista no artigo
12. É que o descumprimento do decreto somente levará à
punição do servidor se também configurar falta passível de
punição, nos termos das leis citadas no artigo. E se houve o
cometimento de falta, a punição decorreria, naturalmente,
da própria norma de regência do servidor em questão e não
da dicção do art. 16 do decreto.
Os usuários dos serviços públicos que tiverem os direi­
tos garantidos no Decreto desrespeitados poderão represen-
tar ao Ministério da Transparência e Controladoria-Geral
da União, nos termos do parágrafo único, do mesmo artigo
12. A disposição há de ser interpretada como a abertura de
mais uma via de representação ao usuário. Porque, a rigor,
a representação seria apresentada ao dirigente do órgão ou
entidade a que se vincula o servidor, que tem a competência
legal para a instauração de inquérito e providências san-
cionatórias. Mas não fará mal ao conjunto dos usuários o
poder optar por representar o servidor ao Ministério da
Transparência e Controladoria-Geral da União, talvez até
com mais probabilidade de resultado eficaz, uma vez que,
assumindo esse papel, o Ministério é que deverá adotar as
providências no sentido de levar à apreciação do órgão ou
entidade a prática desrespeitosa do servidor e acompanhar
o procedimento disciplinar até o desfecho.
Até porque, conforme art. 17, “cabe ao Ministério da
Transparência e Controladoria-Geral da União e aos órgãos
integrantes do sistema de controle interno do Poder Exe­cutivo
federal zelar pelo cumprimento do disposto neste Decreto e
adotar as providências para a responsabilização dos servidores
públicos e dos militares, e de seus superiores hierárquicos,
que praticarem atos em desacordo com suas disposições”.

111
Por fim, no que concerne à atuação das unidades de
ouvidoria do Poder Executivo federal para o exercício das com-
petências definidas pela Lei nº 13.460/2017, ca­berá represen-
tação à Ouvidoria-Geral da União no caso de des­cumprimento
dos prazos e procedimentos previstos na Instrução Normativa
n.º 5/2018, do Ouvidor-Geral da União (art. 18).
Esta disposição deve ser interpretada em conjunto com
o art. 17 do Decreto n.º 9.094/17, dada a expectativa de que a
representação feita à Ouvidoria-Geral da União alcance um
resultado útil, o que só poderá ocorrer se o órgão adotar as
providências para a responsabilização dos servidores públi-
cos e dos militares que praticarem atos em desacordo com
as normas que regem a atuação das unidades de ouvidoria.

112
X
MANUAL DO USUÁRIO DO SERVIÇO PÚBLICO (EM
LINGUAGEM CIDADÃ)
É a partir da participação dos cidadãos e cidadãs que a
democracia se fortalece e que podemos produzir serviços pú-
blicos de qualidade. De acordo com a Constituição brasileira,
todo cidadão usuário dos serviços públicos tem direito de
participar nas ações do governo, fazendo reclamações sobre
a prestação dos serviços públicos em geral. Também tem
direito de avaliar a qualidade dos serviços e de ser atendido,
a qualquer tempo.
O Código de Defesa do Usuário do Serviço Público (Lei
13.460/2017) foi feito para explicar o que o cidadão pode fazer
para ter garantidos esses direitos.
Para entender bem o que diz a lei, é preciso, primeiro,
saber o que é exatamente o usuário, a administração pública,
o serviço público, o agente público e também de que maneiras
o cidadão pode se manifestar.
Usuário é a pessoa que utiliza e se beneficia de serviço
público. São comparadas às pessoas físicas, como usuários,
as associações, as sociedades, as organizações religiosas,
entre outros, chamados pessoas jurídicas.
A administração pública é formada por todos os órgãos
e entidades dos Governos. Quando a lei fala em “governo”,
quer dizer governo federal, governos estaduais, governos
municipais e governo do Distrito Federal.

113
O serviço público é prestado pelos órgãos e entidades
dos governos (administração pública). Também são con-
siderados serviço público os bens e equipamentos, como
praças, parques, etc. Os governos os serviços públicos tanto
de forma direta quanto indireta. A forma direta é por meio da
ação dos servidores públicos que atuam nos Ministérios, nas
secretarias estaduais, distritais e municipais, nas empresas
públicas, nas agências, como é o caso da educação pública, da
saúde pública, etc. A forma indireta é com a participação de
pessoas ou empresas privadas, como é o caso do transporte
coletivo urbano, por exemplo. As pessoas que prestam os
serviços em nome do governo (administração pública) são
os agentes públicos.
Como visto, os usuários têm direito de fazer reclamações.
Mas não é só isso. O Código de Defesa do Usuário do Serviço
Público chama de “manifestações” as várias formas de o
cidadão entrar em contato com a administração pública.
São consideradas manifestações as reclamações, as
denúncias, as sugestões, os elogios e as solicitações que
falem da qualidade da prestação de serviços públicos e do
comportamento dos agentes públicos. Vejamos o que cada
uma delas quer dizer.
Reclamar é mostrar insatisfação com o serviço público.
Denunciar é comunicar comportamento ilegal do servidor,
do agente público, para que ele seja processado e, se for o
caso, punido. Sugerir é dar alguma ideia ou propor alteração
que melhore o serviço prestado pelos governos. Elogiar, todo
mundo sabe, é falar bem do servidor ou do governo, mostrar
satisfação sobre o serviço ou sobre atendimento recebido.
E solicitar é pedir que o governo tome alguma providência,
sobre assuntos variados.

114
Agora vamos ver como é que tudo isso funciona, na práti-
ca. Para isso, temos que saber, primeiro, quais são os direitos
dos cidadãos usuários. Só aí poderemos saber sobre o que
vamos reclamar, denunciar ou solicitar. Ou mesmo elogiar.
O usuário de serviço público tem direito a um serviço
adequado. Para isso, os órgãos têm que atender o cidadão
levando em conta que ele tem bons propósitos e tem que
informar a ele o que quer ou precisa saber. Os órgãos e en-
tidades não podem fazer uma série de exigências ao usuário
para poder atendê-lo. Ao contrário, tem que simplificar e
facilitar. Tem que aproveitar a tecnologia, como a Internet,
os computadores, os telefones celulares para facilitar o aten-
dimento ao cidadão e melhor prestar as informações. Tam-
bém não é para falar difícil ou em língua estrangeira, usar
siglas que ninguém entende. Tem que usar uma linguagem
simples, para todo mundo entender. O servidor público é
obrigado a tratar o cidadão com respeito e cortesia, tem que
ser acessível também.
Nos locais de atendimento, a ordem de chegada deve
ser respeitada. A não ser em casos de urgência (por exemplo,
nos pronto socorros) ou quando se tratar de prioridade dada
pela lei, como acontece com os idosos, gestantes, pessoas com
deficiência, lactantes e pessoas acompanhadas por crianças
de colo.
Para sermos bem atendidos, temos que saber, antecipa-
damente, os horários de atendimento, os serviços prestados
por cada órgão ou entidade, sua localização exata e a indicação
do setor responsável pelo atendimento ao público.
Os órgãos e entidades têm que cumprir os prazos que
estão nas normas. Têm que respeitar os procedimentos. Além
disso, os locais de atendimento ao público precisam ser limpos
e seguros, bem sinalizados e de fácil acesso para todos. Se

115
houver mais de uma forma de receber o atendimento, pode
escolher a que for mais conveniente.
Se um órgão precisar de um documento que ele mesmo
ou outro órgão do governo já tenha, esse documento não
pode ser exigido do cidadão. O órgão tem que procurar no
seu próprio arquivo (banco de dados) ou pedir diretamente
ao órgão que tenha o documento. Por exemplo, o Tribunal
Eleitoral não pode exigir do cidadão a cópia do título de
eleitor, porque ele já tem esse documento arquivado. Não
faz sentido que o governo obrigue o usuário a apresentar
documentos que ele mesmo já tem.
E se não conseguirem achar o documento que eles de-
veriam ter, basta que o usuário faça uma declaração escrita
e a assine, que já vale para comprovar. É claro que não pode
fazer declaração falsa, porque isso é crime.
Outra coisa: um órgão não pode entregar a outro órgão
um documento que contenha informação sigilosa sobre o
usuário, a menos que ele autorize.
Os órgãos do governo não podem cobrar para fornecer
documentos que todo cidadão precisa ter. Então o registro
civil de nascimento e o registro de óbito (e a primeira cer-
tidão de nascimento e de óbito), título de eleitor, alistamento
militar, Carteira de Trabalho, pedidos de informações ao
poder público, qualquer petição sobre direitos do cidadão,
tudo isso é gratuito.
Os órgãos e entidades não podem fazer exigências
desnecessárias e que não estejam previstas na lei. Também
não podem aplicar punição que não esteja na lei.
Outros direitos muito importantes: não se pode obrigar
o cidadão a provar algo que ele já/ provou com um documento
válido apresentado ao servidor público. Ninguém pode mais
exigir do cidadão o reconhecimento de firma em documentos

116
expedidos no Brasil e que servirão para fazer prova de algum
fato nos órgãos e entidades, a não ser que a assinatura esteja
muito diferente e isso ponha em dúvida se é autêntica.
Outra coisa: se o cidadão for apresentar a cópia de um
documento e ela já estiver autenticada, não precisa mostrar o
documento original. E se não estiver autenticada, não precisa
mais ir ao cartório fazer isso, basta mostrar o documento
original ao servidor que está atendendo, que ele mesmo
pode autenticar.
O cidadão tem direito de receber atestados, certidões
e outros documentos necessários, com rapidez e facilidade.
Também é direito do cidadão saber da situação de processos
administrativos de seu interesse e ter fácil acesso ao agente
público ou ao órgão encarregado de receber reclamações,
denúncias, solicitações, etc.
Por fim, todo cidadão tem direito de saber o valor das
taxas e tarifas cobradas pela prestação dos serviços e o mo-
tivo da cobrança, com informações claras e compreensíveis.
Mas para saber se o serviço está sendo bem feito, o ci-
dadão usuário tem direito de acompanhar e avaliar o serviço.
Para isso, tem também o direito de obter informações sobre
a sua pessoa que estejam disponíveis nos registros públicos.
Além disso, essas informações pessoais têm que estar prote-
gidas, pois não é todo mundo que pode ter acesso.
É claro que para exercer tantos direitos, o cidadão tam-
bém tem que cumprir suas obrigações. Tem que ser correto
e atencioso com os servidores e utilizar corretamente os
serviços. Tem que colaborar para que os bens públicos não
sejam estragados ou destruídos. Quando lhe pedirem infor-
mações sobre serviço, o usuário deve atender, pois, assim, a
qualidade vai melhorar.

117
Muito bem. E se os direitos do usuário, que acabamos
de ver, não forem respeitados? O que ele pode fazer? Isso é
o que tem de mais importante no Código.
O servidor público ou o militar que descumprir as
regras poderá ser punido, como determina a lei. Então, o
usuário dos serviços públicos que tiver os direitos desres-
peitados poderá levar o caso ao Ministério da Transparência
e Controladoria-Geral da União, a CGU, porque ela e outros
órgãos de controle do governo federal têm a obrigação de
zelar pelo cumprimento do Código de Defesa do Usuário do
Serviço Público e tomar as providências para responsabilizar
os servidores públicos e os militares que praticarem atos
contrários à lei.
Veja só o que o art. 17 do Decreto n.º 9.094/17 diz:

“Cabe ao Ministério da Transparência e Controla-


doria-Geral da União e aos órgãos integrantes do
sistema de controle interno do Poder Executivo
federal zelar pelo cumprimento do disposto neste
Decreto e adotar as providências para a responsabi-
lização dos servidores públicos e dos militares, e de
seus superiores hierárquicos, que praticarem atos
em desacordo com suas disposições”.

E como você pode fazer isso? Para levar o caso à CGU,


o cidadão deve usar o sistema e-Ouv, no site https://sistema.
ouvidorias.gov.br, e clicar em “reclamação” ou “denúncia”.
Além disso, cada órgão e entidade é obrigado a di-
vulgar uma Carta de Serviços ao Usuário, informando o
usuário sobre os serviços prestados, as formas de acesso
a esses serviços e os padrões de qualidade do atendimento
ao público, os documentos e informações necessários, as
principais etapas do serviço, previsão do prazo máximo para
conclusão e indicação do local e maneiras para o usuário
apresentar manifestação (reclamação, por exemplo) sobre o

118
serviço. Essa Carta de Serviços ao Usuário deve estar sempre
atualizada e divulgada de modo permanente, no sítio eletrôni-
co do órgão ou entidade na internet. Hoje, parte importante
dessas informações está no Portal de Serviços, que deve ser
permanentemente atualizado: https://www.servicos.gov.br/
Sabendo de tudo isso, o cidadão está em condições de
avaliar o serviço que for prestado, inclusive se os seus direi­
tos foram respeitados. Caso o cidadão queira fazer qualquer
manifestação sobre o serviço e o atendimento, ele deverá
entrar em contato com a ouvidoria do órgão ou entidade
em que foi atendido.
O que é ouvidoria? Ouvidoria é a porta de entrada do
cidadão no governo! Ela é responsável pelo recebimento,
acompanhamento e resposta das manifestações dos usuários
de serviços públicos.
De acordo com o Código de Defesa do Usuário de Serviço
Público, as ouvidorias devem promover a participação do
usuário na administração pública, acompanhar a prestação
dos serviços, para garantir o funcionamento adequado, propor
aperfeiçoamentos na prestação dos serviços, atuar na pre-
venção e correção dos atos contrários à lei, propor medidas
para a defesa dos direitos do usuário, receber, analisar e
encaminhar às autoridades competentes as manifestações
e acompanhar até que seja dada a resposta.
Então, se o cidadão tem reclamações, denúncias, suges­
tões, elogios ou solicitações a fazer, deverá procurar a ou-
vidoria do órgão ou da entidade para a qual a manifestação
deve ser apresentada. Se não houver ouvidoria, o usuário
poderá apresentar manifestações diretamente ao órgão ou
entidade responsável. Todos os procedimentos são gratuitos.
Na manifestação o cidadão deve se identificar de forma
simples: nome, endereço, e-mail, número de documento de

119
identidade. Não precisa dizer o motivo pelo qual está apre-
sentando a manifestação.
A manifestação poderá ser feita pela internet, em papel,
ou verbalmente. Mas é melhor que seja pela internet.
Os órgãos e entidades públicos têm que colocar à dis-
posição do usuário formulários simplificados e de fácil com-
preensão para a apresentação de sua manifestação.
A ouvidora não pode se recusar a receber a manifestação.
O servidor que fizer isso será responsabilizado e poderá ser
punido.
Mas se a ouvidoria não tiver competência para receber
a manifestação, ou seja, se o assunto da manifestação não
tem a ver com aquele órgão, o servidor que atender vai ter
que informar isso ao usuário e dizer qual é o lugar certo, qual
é o endereço, etc., para que o cidadão possa dar andamento
à manifestação.
Ao receber a manifestação, a ouvidoria dará um reci-
bo ao usuário. Depois, examinará a manifestação. Se nesse
momento a ouvidoria achar que não tem competência para
o assunto, enviará a manifestação para a ouvidoria que for
responsável por aquele assunto, ou, se isso não for possível,
chamará o cidadão para que ele mesmo a leve.
Se a ouvidoria for mesmo competente, buscará as in-
formações necessárias. Os agentes públicos do órgão ou
entidade a que a Ouvidoria se vincula têm que responder as
solicitações da Ouvidoria em vinte dias, podendo haver uma
prorrogação por mais vinte dias.
Todas as manifestações dos usuários devem ser respon-
didas em até trinta dias, podendo haver uma prorrogação
por mais trinta dias.
Depois de receber a manifestação, as ouvidorias de enti-
dades federais poderão solicitar ao usuário complementação

120
de informações. Se isso acontecer, para de contar o prazo para
a resposta, que só voltará a correr quando o usuário informar
o que foi pedido. Se o usuário não prestar as informações que
lhe forem pedidas, a manifestação poderá ser encerrada, sem
resposta conclusiva.
O andamento das manifestações vai depender da es-
pécie de que se trate. O elogio recebido será encaminhado
ao agente público que fez o atendimento ou ao responsável
pela prestação do serviço público, e à sua chefia imediata. A
resposta do elogio terá informação sobre o encaminhamento
e a comunicação ao agente público responsável pelo serviço
elogiado e à sua chefia imediata.
A reclamação e a sugestão serão encaminhadas à au-
toridade responsável pela prestação do atendimento ou do
serviço público. A resposta da reclamação terá informação
clara sobre o fato. No caso de sugestão, a autoridade re-
sponsável dirá se é possível adotar a medida sugerida.
Para fazer uma denúncia o cidadão tem que explicar a
irregularidade cometida, dizer claramente o que aconteceu,
pois, do contrário, a denúncia será encerrada. A resposta da
denúncia terá informação sobre o seu encaminhamento aos
órgãos competentes para apurar os fatos e sobre os proced-
imentos adotados.
É garantida a proteção da identidade do autor da mani-
festação. Mas se for feita uma denúncia sem fundamento ou
o cidadão estiver de má-fé, poderá ser identificado.
A Instrução Normativa n.º 5/18, do Ouvidor-Geral da
União, ainda trata da “comunicação de irregularidade”, que
pode ser feita anonimamente, ou seja, sem identificação do
denunciante, até por razões de segurança do usuário.
Uma vez recebida a comunicação de irregularidade e
se houver elementos suficientes, os órgãos darão início a

121
um procedimento investigatório. Caso não haja elementos
suficientes, a comunicação será arquivada.
Se os prazos e procedimentos previstos no Decreto
não forem cumpridos, o usuário poderá levar o caso à Ou-
vidoria-Geral da União, que tomará as providências para
responsabilizar os servidores públicos que descumprirem
as regras.
E como pode você pode fazer isso? Vai no site do sistema
e-Ouv (https://sistema.ouvidorias.gov.br) e clica em “recla­
mação”.
Os usuários dos serviços públicos do Poder Executivo
Federal podem apresentar solicitação de simplificação de
procedimentos ou normas, denúncia de descumprimento
e recla­mação aos órgãos e às entidades do Poder Executivo
federal, no sistema “Simplifique!”, previsto pelo Decreto
9.094/2017 e regulamentado pela Instrução Normativa Con-
junta n.º 1/2018 dos Ministros de Estado da Transparência
e Controladoria-Ge­ral da União e do Planejamento, Desen-
volvimento e Gestão.
A Solicitação de Simplificação deverá ser apresentada,
preferencialmente, por meio eletrônico (internet), no site
http://www.simplifique.gov.br/. Também pode ser apresen-
tada em papel, mas é melhor pela internet.
A forma de acesso, as orientações de uso e as infor-
mações do formulário são divulgadas aos usuários nos lo-
cais de atendimento, nos portais dos órgãos na internet e
no Portal de Serviços do Governo federal, disponível em
www.servicos.gov.br.
Os pedidos feitos pelo Simplifique! serão recebidos e res­
pondidos pela ouvidoria dos órgãos e entidades responsáveis
pelo atendimento ou pelo serviço.

122
Se o Simplifique! for recebido por órgão ou entidade in-
competente para respondê-lo (ou seja, que não é responsável
por aquele serviço), caberá a este órgão ou entidade reen-
caminhá-lo imediatamente à Ouvidoria do órgão ou entidade
competente, por meio eletrônico.
Também no Simplifique! o prazo de resposta é de 30 dias
prorrogáveis por mais 30. Ou seja: em até 60 dias, o usuário
deverá ter uma resposta, que poderá ser um compromisso
do órgão para implantar a sua solicitação. As respostas ao
Simplifique! deverão ser redigidas em linguagem simples
e compreensível por todos. No Simplifique! A Ouvidoria
também pode, para melhor responder o cidadão, pedir de
informações a entidades e ao próprio usuário solicitante.
O Simplifique! Pode ser usado nos seguintes casos: a) so-
licitação de simplificação que descreva exigência injustificável
ou necessidade de revisão de procedimentos ou normas;
b) denúncia de descumprimento das normas previstas no
Decreto nº 9.094/17, c) reclamação de dificuldade no acesso
a serviço público ou de outras questões.
As solicitações de simplificação serão encaminhadas
a um Comitê que é responsável pela desburocratização do
órgão ou entidade, que elaborará e aprovará um relatório
individualizado, analisando se é possível a adoção das ações de
simplificação ou desburocratização solicitadas. Se for viável,
o relatório dirá que simplificação será feita, como será feita,
por quem será feita e como o usuário poderá acompanhar. Se
não for viável, terão que dizer o motivo. Se o usuário achar
que não houve resposta adequada ou que não foram feitas as
alterações prometidas, poderá denunciar o descumprimento
à Ouvidoria-Geral da União para que tome providências.
As denúncias serão encaminhadas ao órgão competente,
para, em primeiro lugar, analisar se as normas estão sendo

123
mesmo descumpridas. Se houver descumprimento, o órgão
determinará ao agente denunciado que corrija sua conduta.
O agente vai ter que assinar um termo de compromisso. Se
o usuário perceber que houve descumprimento do compro-
misso, poderá denunciar o fato à Ouvidoria-Geral da União,
para as providências cabíveis.
As reclamações serão encaminhadas à unidade com-
petente para que as correções sejam feitas. Depois, terá que
responder ao usuário sobre as providências adotadas.
As ouvidoras também têm competência para tentar
mediar o relacionamento entre o usuário e os órgãos e en-
tidades públicas e até tentar a conciliação entre eles. Então,
se o cidadão está tendo problemas com algum órgão ou enti-
dade, pode procurar a ouvidoria para tentar uma conciliação
e chegar a uma solução.
O cidadão também deve ter ciência de que os órgãos
e entidades públicos são obrigados a avaliar os serviços
prestados, para saber da satisfação do usuário, da quali-
dade do atendimento prestado ao usuário, do cumprimento
dos compromissos e prazos definidos para a prestação dos
serviços, da quantidade de manifestações de usuários e das
medidas adotadas pelos órgãos e entidades para melhoria
e aperfeiçoamento da prestação do serviço.
Essa avaliação será feita por pesquisa de satisfação,
uma vez por ano, no mínimo. Também pode ser feita de outro
modo eficaz. O resultado da pesquisa deverá ser divulgado,
incluindo a relação das entidades com maior número de
reclamação dos usuários.
Por fim, o Código de Defesa do Usuário do Serviço Pú-
blico manda que sejam criados conselhos de usuários, para
acompanhar a prestação e avaliação dos serviços públicos,

124
propor melhorias nos serviços e no atendimento ao usuário,
acompanhar e avaliar a atuação do ouvidor.
A escolha dos representantes será feita em processo
aberto ao público e diferenciado por tipo de usuário a ser
representado. Os cidadãos escolhidos para os conselhos
devem representar os diversos grupos da sociedade, para
haver equilíbrio em sua representação.

125
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138
ANEXOS
I
LEI Nº 13.460, DE 26 DE JUNHO DE 2017
Dispõe sobre participação, proteção
e defesa dos direitos do usuário dos
serviços públicos da administração
pública.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu san-


ciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o Esta Lei estabelece normas básicas para parti­


cipação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços
públicos prestados direta ou indiretamente pela adminis-
tração pública.
§ 1o O disposto nesta Lei aplica-se à administração
pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, nos termos do inciso I do § 3o do
art. 37 da Constituição Federal.
§ 2o A aplicação desta Lei não afasta a necessidade de
cumprimento do disposto:

141
I - em normas regulamentadoras específicas, quando
se tratar de serviço ou atividade sujeitos a regulação ou
supervisão; e
II - na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, quando
caracterizada relação de consumo.
§ 3o Aplica-se subsidiariamente o disposto nesta Lei
aos serviços públicos prestados por particular.
Art. 2o Para os fins desta Lei, consideram-se:
I - usuário - pessoa física ou jurídica que se beneficia
ou utiliza, efetiva ou potencialmente, de serviço público;
II - serviço público - atividade administrativa ou de
prestação direta ou indireta de bens ou serviços à população,
exercida por órgão ou entidade da administração pública;
III - administração pública - órgão ou entidade inte-
grante da administração pública de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
a Advocacia Pública e a Defensoria Pública;
IV - agente público - quem exerce cargo, emprego ou
função pública, de natureza civil ou militar, ainda que tran-
sitoriamente ou sem remuneração; e
V - manifestações - reclamações, denúncias, sugestões,
elogios e demais pronunciamentos de usuários que tenham
como objeto a prestação de serviços públicos e a conduta de
agentes públicos na prestação e fiscalização de tais serviços.
Parágrafo único. O acesso do usuário a informações
será regido pelos termos da Lei no 12.527, de 18 de novembro
de 2011.
Art. 3o Com periodicidade mínima anual, cada Poder
e esfera de Governo publicará quadro geral dos serviços
públicos prestados, que especificará os órgãos ou entidades
responsáveis por sua realização e a autoridade administrativa
a quem estão subordinados ou vinculados.

142
Art. 4o Os serviços públicos e o atendimento do usuário
serão realizados de forma adequada, observados os princípios
da regularidade, continuidade, efetividade, segurança, atua­
lidade, generalidade, transparência e cortesia.

CAPÍTULO II
DOS DIREITOS BÁSICOS E DEVERES DOS USUÁRIOS

Art. 5o O usuário de serviço público tem direito à ade-


quada prestação dos serviços, devendo os agentes públicos
e prestadores de serviços públicos observar as seguintes
diretrizes:
I - urbanidade, respeito, acessibilidade e cortesia no
atendimento aos usuários;
II - presunção de boa-fé do usuário;
III - atendimento por ordem de chegada, ressalvados
casos de urgência e aqueles em que houver possibilidade de
agendamento, asseguradas as prioridades legais às pessoas
com deficiência, aos idosos, às gestantes, às lactantes e às
pessoas acompanhadas por crianças de colo;
IV - adequação entre meios e fins, vedada a imposição
de exigências, obrigações, restrições e sanções não previstas
na legislação;
V - igualdade no tratamento aos usuários, vedado
qualquer tipo de discriminação;
VI - cumprimento de prazos e normas procedimentais;
VII - definição, publicidade e observância de horários
e normas compatíveis com o bom atendimento ao usuário;
VIII - adoção de medidas visando a proteção à saúde e
a segurança dos usuários;

143
IX - autenticação de documentos pelo próprio agente
público, à vista dos originais apresentados pelo usuário,
vedada a exigência de reconhecimento de firma, salvo em
caso de dúvida de autenticidade;
X - manutenção de instalações salubres, seguras, sinal-
izadas, acessíveis e adequadas ao serviço e ao atendimento;
XI - eliminação de formalidades e de exigências cujo
custo econômico ou social seja superior ao risco envolvido;
XII - observância dos códigos de ética ou de conduta
aplicáveis às várias categorias de agentes públicos;
XIII - aplicação de soluções tecnológicas que visem a
simplificar processos e procedimentos de atendimento ao
usuário e a propiciar melhores condições para o comparti­
lhamento das informações;
XIV - utilização de linguagem simples e compreensível,
evitando o uso de siglas, jargões e estrangeirismos; e
XV - vedação da exigência de nova prova sobre fato já
comprovado em documentação válida apresentada.
Art. 6o São direitos básicos do usuário:
I - participação no acompanhamento da prestação e na
avaliação dos serviços;
II - obtenção e utilização dos serviços com liberdade
de escolha entre os meios oferecidos e sem discriminação;
III - acesso e obtenção de informações relativas à sua
pessoa constantes de registros ou bancos de dados, observa-
do o disposto no inciso X do caput do art. 5º da Constituição
Federal e na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011;
IV - proteção de suas informações pessoais, nos termos
da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011;
V - atuação integrada e sistêmica na expedição de ates­
tados, certidões e documentos comprobatórios de regula­
ridade; e

144
VI - obtenção de informações precisas e de fácil acesso
nos locais de prestação do serviço, assim como sua disponibi-
lização na internet, especialmente sobre:
a. horário de funcionamento das unidades administrativas;
b. serviços prestados pelo órgão ou entidade, sua loca-
lização exata e a indicação do setor responsável pelo
atendimento ao público;
c. acesso ao agente público ou ao órgão encarregado de
receber manifestações;
d. situação da tramitação dos processos administrativos
em que figure como interessado; e
e. valor das taxas e tarifas cobradas pela prestação dos
serviços, contendo informações para a compreensão
exata da extensão do serviço prestado.
Art. 7o Os órgãos e entidades abrangidos por esta Lei
divulgarão Carta de Serviços ao Usuário.
§ 1o A Carta de Serviços ao Usuário tem por objetivo
informar o usuário sobre os serviços prestados pelo órgão
ou entidade, as formas de acesso a esses serviços e seus com-
promissos e padrões de qualidade de atendimento ao público.
§ 2o A Carta de Serviços ao Usuário deverá trazer
informações claras e precisas em relação a cada um dos
serviços prestados, apresentando, no mínimo, informações
relacionadas a:
I - serviços oferecidos;
II - requisitos, documentos, formas e informações
necessárias para acessar o serviço;
III - principais etapas para processamento do serviço;
IV - previsão do prazo máximo para a prestação do
serviço;
V - forma de prestação do serviço; e

145
VI - locais e formas para o usuário apresentar eventual
manifestação sobre a prestação do serviço.
§ 3o Além das informações descritas no § 2o, a Carta
de Serviços ao Usuário deverá detalhar os compromissos e
padrões de qualidade do atendimento relativos, no mínimo,
aos seguintes aspectos:
I - prioridades de atendimento;
II - previsão de tempo de espera para atendimento;
III - mecanismos de comunicação com os usuários;
IV - procedimentos para receber e responder as mani­
festações dos usuários; e
V - mecanismos de consulta, por parte dos usuários,
acerca do andamento do serviço solicitado e de eventual
manifestação.
§ 4o A Carta de Serviços ao Usuário será objeto de
atualização periódica e de permanente divulgação medi-
ante publicação em sítio eletrônico do órgão ou entidade
na internet.
§ 5o Regulamento específico de cada Poder e esfera
de Governo disporá sobre a operacionalização da Carta de
Serviços ao Usuário.
Art. 8o São deveres do usuário:
I - utilizar adequadamente os serviços, procedendo com
urbanidade e boa-fé;
II - prestar as informações pertinentes ao serviço presta-
do quando solicitadas;
III - colaborar para a adequada prestação do serviço; e
IV - preservar as condições dos bens públicos por meio
dos quais lhe são prestados os serviços de que trata esta Lei.

146
CAPÍTULO III
DAS MANIFESTAÇÕES DOS USUÁRIOS DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Art. 9o Para garantir seus direitos, o usuário poderá


apresentar manifestações perante a administração pública
acerca da prestação de serviços públicos.
Art. 10. A manifestação será dirigida à ouvidoria do
órgão ou entidade responsável e conterá a identificação do
requerente.
§ 1o A identificação do requerente não conterá exigên-
cias que inviabilizem sua manifestação.
§ 2o São vedadas quaisquer exigências relativas aos
motivos determinantes da apresentação de manifestações
perante a ouvidoria.
§ 3o Caso não haja ouvidoria, o usuário poderá apre-
sentar manifestações diretamente ao órgão ou entidade
responsável pela execução do serviço e ao órgão ou entidade
a que se subordinem ou se vinculem.
§ 4o A manifestação poderá ser feita por meio eletrônico,
ou correspondência convencional, ou verbalmente, hipótese
em que deverá ser reduzida a termo.
§ 5o No caso de manifestação por meio eletrônico,
prevista no § 4o, respeitada a legislação específica de sigilo
e proteção de dados, poderá a administração pública ou sua
ouvidoria requerer meio de certificação da identidade do
usuário.
§ 6o Os órgãos e entidades públicos abrangidos por
esta Lei deverão colocar à disposição do usuário formulários
simplificados e de fácil compreensão para a apresentação
do requerimento previsto no caput, facultada ao usuário
sua utilização.

147
§ 7o A identificação do requerente é informação pes-
soal protegida com restrição de acesso nos termos da Lei nº
12.527, de 18 de novembro de 2011.
Art. 11. Em nenhuma hipótese, será recusado o recebi-
mento de manifestações formuladas nos termos desta Lei,
sob pena de responsabilidade do agente público.
Art. 12. Os procedimentos administrativos relativos
à análise das manifestações observarão os princípios da
eficiência e da celeridade, visando a sua efetiva resolução.
Parágrafo único. A efetiva resolução das manifestações
dos usuários compreende:
I - recepção da manifestação no canal de atendimento
adequado;
II - emissão de comprovante de recebimento da ma­
nifestação;
III - análise e obtenção de informações, quando
necessário;
IV - decisão administrativa final; e
V - ciência ao usuário.

CAPÍTULO IV
DAS OUVIDORIAS

Art. 13. As ouvidorias terão como atribuições precípuas,


sem prejuízo de outras estabelecidas em regulamento es-
pecífico:
I - promover a participação do usuário na administração
pública, em cooperação com outras entidades de defesa do
usuário;
II - acompanhar a prestação dos serviços, visando a
garantir a sua efetividade;
III - propor aperfeiçoamentos na prestação dos serviços;

148
IV - auxiliar na prevenção e correção dos atos e pro-
cedimentos incompatíveis com os princípios estabelecidos
nesta Lei;
V - propor a adoção de medidas para a defesa dos direi­
tos do usuário, em observância às determinações desta Lei;
VI - receber, analisar e encaminhar às autoridades com-
petentes as manifestações, acompanhando o tratamento e
a efetiva conclusão das manifestações de usuário perante
órgão ou entidade a que se vincula; e
VII - promover a adoção de mediação e conciliação entre
o usuário e o órgão ou a entidade pública, sem prejuízo de
outros órgãos competentes.
Art. 14. Com vistas à realização de seus objetivos, as
ouvidorias deverão:
I - receber, analisar e responder, por meio de mecanis-
mos proativos e reativos, as manifestações encaminhadas
por usuários de serviços públicos; e
II - elaborar, anualmente, relatório de gestão, que deverá
consolidar as informações mencionadas no inciso I, e, com
base nelas, apontar falhas e sugerir melhorias na prestação
de serviços públicos.
Art. 15. O relatório de gestão de que trata o inciso II do
caput do art. 14 deverá indicar, ao menos:
I - o número de manifestações recebidas no ano anterior;
II - os motivos das manifestações;
III - a análise dos pontos recorrentes; e
IV - as providências adotadas pela administração pública
nas soluções apresentadas.
Parágrafo único. O relatório de gestão será:
I - encaminhado à autoridade máxima do órgão a que
pertence a unidade de ouvidoria; e
II - disponibilizado integralmente na internet.

149
Art. 16. A ouvidoria encaminhará a decisão adminis-
trativa final ao usuário, observado o prazo de trinta dias,
prorrogável de forma justificada uma única vez, por igual
período.
Parágrafo único. Observado o prazo previsto no caput,
a ouvidoria poderá solicitar informações e esclarecimentos
diretamente a agentes públicos do órgão ou entidade a que
se vincula, e as solicitações devem ser respondidas no prazo
de vinte dias, prorrogável de forma justificada uma única
vez, por igual período.
Art. 17. Atos normativos específicos de cada Poder e
esfera de Governo disporão sobre a organização e o funcio-
namento de suas ouvidorias.

CAPÍTULO V
DOS CONSELHOS DE USUÁRIOS

Art. 18. Sem prejuízo de outras formas previstas na


legislação, a participação dos usuários no acompanhamento
da prestação e na avaliação dos serviços públicos será feita
por meio de conselhos de usuários.
Parágrafo único. Os conselhos de usuários são órgãos
consultivos dotados das seguintes atribuições:
I - acompanhar a prestação dos serviços;
II - participar na avaliação dos serviços;
III - propor melhorias na prestação dos serviços;
IV - contribuir na definição de diretrizes para o adequado
atendimento ao usuário; e
V - acompanhar e avaliar a atuação do ouvidor.
Art. 19. A composição dos conselhos deve observar
os critérios de representatividade e pluralidade das partes
interessadas, com vistas ao equilíbrio em sua representação.

150
Parágrafo único. A escolha dos representantes será
feita em processo aberto ao público e diferenciado por tipo
de usuário a ser representado.
Art. 20. O conselho de usuários poderá ser consultado
quanto à indicação do ouvidor.
Art. 21. A participação do usuário no conselho será
considerada serviço relevante e sem remuneração.
Art. 22. Regulamento específico de cada Poder e esfera
de Governo disporá sobre a organização e funcionamento
dos conselhos de usuários.

CAPÍTULO VI
DA AVALIAÇÃO CONTINUADA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Art. 23. Os órgãos e entidades públicos abrangidos por


esta Lei deverão avaliar os serviços prestados, nos seguintes
aspectos:
I - satisfação do usuário com o serviço prestado;
II - qualidade do atendimento prestado ao usuário;
III - cumprimento dos compromissos e prazos definidos
para a prestação dos serviços;
IV - quantidade de manifestações de usuários; e
V - medidas adotadas pela administração pública para
melhoria e aperfeiçoamento da prestação do serviço.
§ 1o A avaliação será realizada por pesquisa de satisfação
feita, no mínimo, a cada um ano, ou por qualquer outro meio
que garanta significância estatística aos resultados.
§ 2o O resultado da avaliação deverá ser integral-
mente publicado no sítio do órgão ou entidade, incluindo o
ranking das entidades com maior incidência de reclamação
dos usuários na periodicidade a que se refere o § 1o, e servirá
de subsídio para reorientar e ajustar os serviços prestados,

151
em especial quanto ao cumprimento dos compromissos e
dos padrões de qualidade de atendimento divulgados na
Carta de Serviços ao Usuário.
Art. 24. Regulamento específico de cada Poder e esfera
de Governo disporá sobre a avaliação da efetividade e dos
níveis de satisfação dos usuários.

CAPÍTULO VII
DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 25. Esta Lei entra em vigor, a contar da sua pu­


blicação, em:
I - trezentos e sessenta dias para a União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios com mais de quinhentos
mil habitantes;
II - quinhentos e quarenta dias para os Municípios entre
cem mil e quinhentos mil habitantes; e
III - setecentos e vinte dias para os Municípios com
menos de cem mil habitantes.
Brasília, 26 de junho de 2017; 196o da Independência e
129o da República.

MICHEL TEMER
Torquato Jardim
Dyogo Henrique de Oliveira
Wagner de Campos Rosário

152
II
DECRETO Nº 9.094, DE 17 DE JULHO DE 2017
Dispõe sobre a simplificação do
atendimento prestado aos usuários
dos serviços públicos, ratifica a
dispensa do reconhecimento de firma
e da autenticação em documentos
produzidos no País e institui a Carta
de Serviços ao Usuário.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição


que lhe confere o art. 84, caput, inciso VI, alínea “a”, da Cons­
tituição,

DECRETA:

Art. 1º Os órgãos e as entidades do Poder Executivo


federal observarão as seguintes diretrizes nas relações entre
si e com os usuários dos serviços públicos:
I - presunção de boa-fé;
II - compartilhamento de informações, nos termos da lei;
III - atuação integrada e sistêmica na expedição de
atestados, certidões e documentos comprobatórios de regu­
laridade;
IV - racionalização de métodos e procedimentos de
controle;
V - eliminação de formalidades e exigências cujo custo
econômico ou social seja superior ao risco envolvido;

153
VI - aplicação de soluções tecnológicas que visem a
simplificar processos e procedimentos de atendimento
aos usuários dos serviços públicos e a propiciar melhores
condições para o compartilhamento das informações;
VII - utilização de linguagem clara, que evite o uso de
siglas, jargões e estrangeirismos; e
VIII - articulação com os Estados, o Distrito Federal, os
Municípios e os outros Poderes para a integração, racionali­
zação, disponibilização e simplificação de serviços públicos.
Parágrafo único. Usuários dos serviços públicos são
as pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou privado,
diretamente atendidas por serviço público.

CAPÍTULO I
DA RACIONALIZAÇÃO DE EXIGÊNCIAS E DA TROCA DE INFORMAÇÕES

Art. 2º Salvo disposição legal em contrário, os órgãos


e as entidades do Poder Executivo federal que necessitarem
de documentos comprobatórios da regularidade da situação
de usuários dos serviços públicos, de atestados, de certidões
ou de outros documentos comprobatórios que constem em
base de dados oficial da administração pública federal deverão
obtê-los diretamente do órgão ou da entidade responsável
pela base de dados, nos termos do Decreto nº 8.789, de 29
de junho de 2016, e não poderão exigi-los dos usuários dos
serviços públicos.
Art. 3º Na hipótese dos documentos a que se refere o
art. 2º conterem informações sigilosas sobre os usuários dos
serviços públicos, o fornecimento pelo órgão ou pela entidade
responsável pela base de dados oficial fica condicionado à
autorização expressa do usuário, exceto nas situações pre-
vistas em lei.

154
Parágrafo único. Quando não for possível a obtenção
dos documentos a que a que se refere o art. 2º diretamente
do órgão ou da entidade responsável pela base de dados
oficial, a comprovação necessária poderá ser feita por meio
de declaração escrita e assinada pelo usuário dos serviços
públicos, que, na hipótese de declaração falsa, ficará sujeito
às sanções administrativas, civis e penais aplicáveis.
Art. 4º Os órgãos e as entidades responsáveis por bases
de dados oficiais da administração pública federal prestarão
orientações aos órgãos e às entidades públicos interessados
para o acesso às informações constantes das bases de dados,
observadas as disposições legais aplicáveis.
Art. 5º No atendimento aos usuários dos serviços pú-
blicos, os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal
observarão as seguintes práticas:
I - gratuidade dos atos necessários ao exercício da ci-
dadania, nos termos da Lei nº 9.265, de 12 de fevereiro de 1996;
II - padronização de procedimentos referentes à uti-
lização de formulários, guias e outros documentos congê-
neres; e
III - vedação de recusa de recebimento de requerimen-
tos pelos serviços de protocolo, exceto quando o órgão ou a
entidade for manifestamente incompetente.
§ 1º Na hipótese referida no inciso III do caput, os
serviços de protocolo deverão prover as informações e as
orientações necessárias para que o interessado possa dar
andamento ao requerimento.
§ 2º Após a protocolização de requerimento, caso o
agente público verifique que o órgão ou a entidade do Poder
Executivo federal é incompetente para o exame ou a de-
cisão da matéria, deverá providenciar a remessa imediata

155
do requerimento ao órgão ou à entidade do Poder Executivo
federal competente.
§ 3º Quando a remessa referida no § 2º não for possível,
o interessado deverá ser comunicado imediatamente do fato
para adoção das providências necessárias.
Art. 6º As exigências necessárias para o requerimento
serão feitas desde logo e de uma só vez ao interessado, jus-
tificando-se exigência posterior apenas em caso de dúvida
superveniente.
Art. 7º Não será exigida prova de fato já comprovado
pela apresentação de documento ou informação válida.
Art.8º Para complementar informações ou solicitar
esclarecimentos, a comunicação entre o órgão ou a entidade
do Poder Executivo federal e o interessado poderá ser feita
por qualquer meio, preferencialmente eletrônico.
Art. 9º Exceto se existir dúvida fundada quanto à auten-
ticidade ou previsão legal, fica dispensado o reconhecimento
de firma e a autenticação de cópia dos documentos expedidos
no País e destinados a fazer prova junto a órgãos e entidades
do Poder Executivo federal.
Art. 10. A apresentação de documentos por usuários
dos serviços públicos poderá ser feita por meio de cópia
autenticada, dispensada nova conferência com o documento
original.
§ 1º A autenticação de cópia de documentos poderá ser
feita, por meio de cotejo da cópia com o documento original,
pelo servidor público a quem o documento deva ser apre-
sentado.
§ 2º Constatada, a qualquer tempo, a falsificação de
firma ou de cópia de documento público ou particular, o
órgão ou a entidade do Poder Executivo federal considerará
não satisfeita a exigência documental respectiva e, no prazo

156
de até cinco dias, dará conhecimento do fato à autoridade
competente para adoção das providências administrativas,
civis e penais cabíveis.

CAPÍTULO II
DA CARTA DE SERVIÇOS AO USUÁRIO

Art. 11. Os órgãos e as entidades do Poder Executivo


federal que prestam atendimento aos usuários dos serviços
públicos, direta ou indiretamente, deverão elaborar e divul-
gar Carta de Serviços ao Usuário, no âmbito de sua esfera
de competência.
§ 1º A Carta de Serviços ao Usuário tem por objetivo
informar aos usuários dos serviços prestados pelo órgão ou
pela entidade do Poder Executivo federal as formas de acesso
a esses serviços e os compromissos e padrões de qualidade
do atendimento ao público.
§ 2º Da Carta de Serviços ao Usuário, deverão constar
informações claras e precisas sobre cada um dos serviços
prestados, especialmente as relativas:
I - ao serviço oferecido;
II - aos requisitos e aos documentos necessários para
acessar o serviço;
III - às etapas para processamento do serviço;
IV - ao prazo para a prestação do serviço;
V - à forma de prestação do serviço;
VI - à forma de comunicação com o solicitante do serviço; e
VII - aos locais e às formas de acessar o serviço.
§ 3º Além das informações referidas no § 2º, a Carta
de Serviços ao Usuário deverá, para detalhar o padrão de
qualidade do atendimento, estabelecer:
I - os usuários que farão jus à prioridade no atendimento;

157
II - o tempo de espera para o atendimento;
III - o prazo para a realização dos serviços;
IV - os mecanismos de comunicação com os usuários;
V - os procedimentos para receber, atender, gerir e
responder às sugestões e reclamações;
VI - as etapas, presentes e futuras, esperadas para a
realização dos serviços, incluídas a estimativas de prazos;
VII - os mecanismos para a consulta pelos usuários
acerca das etapas, cumpridas e pendentes, para a realização
do serviço solicitado;
VIII - o tratamento a ser dispensado aos usuários quando
do atendimento;
IX - os elementos básicos para o sistema de sinalização
visual das unidades de atendimento;
X - as condições mínimas a serem observadas pelas
unidades de atendimento, em especial no que se refere à
acessibilidade, à limpeza e ao conforto;
XI - os procedimentos para atendimento quando o siste-
ma informatizado se encontrar indisponível; e
XII - outras informações julgadas de interesse dos
usuários.

CAPÍTULO III
DA RACIONALIZAÇÃO DAS NORMAS

Art. 12. A edição e a alteração das normas relativas ao


atendimento dos usuários dos serviços públicos observarão
os princípios da eficiência e da economicidade e considerarão
os efeitos práticos tanto para a administração pública federal
quanto para os usuários.

158
CAPÍTULO IV
DA SOLICITAÇÃO DE SIMPLIFICAÇÃO

Art. 13. Os usuários dos serviços públicos poderão apre-


sentar Solicitação de Simplificação, por meio de formulário
próprio denominado Simplifique!, aos órgãos e às entidades
do Poder Executivo federal, quando a prestação de serviço
público não observar o disposto neste Decreto.
§ 1º A Solicitação de Simplificação deverá ser apresen-
tada, preferencialmente, por meio eletrônico, em canal único
oferecido pela Ouvidoria-Geral da União, do Ministério da
Transparência e Controladoria-Geral da União.
§ 2º Sempre que recebida por meio físico, os órgãos e as
entidades deverão digitalizar a Solicitação de Simplificação
e promover a sua inserção no canal a que se refere o § 1º.
Art. 14. Do formulário Simplifique! deverá constar:
I - a identificação do solicitante;
II - a especificação do serviço objeto da simplificação;
III - o nome do órgão ou da entidade perante o qual o
serviço foi solicitado;
IV - a descrição dos atos ou fatos; e
V - facultativamente, a proposta de melhoria.
Art. 15. Ato conjunto dos Ministros de Estado da Trans-
parência e Controladoria-Geral da União e do Planejamen-
to, Desenvolvimento e Gestão disciplinará o procedimento
aplicável à Solicitação de Simplificação.

159
CAPÍTULO V
DAS SANÇÕES PELO DESCUMPRIMENTO

Art. 16. O servidor público ou o militar que descumprir


o disposto neste Decreto estará sujeito às penalidades pre-
vistas, respectivamente, na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro
de 1990, e na Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980.
Parágrafo único. Os usuários dos serviços públicos que
tiverem os direitos garantidos neste Decreto desrespeita-
dos poderão representar ao Ministério da Transparência e
Controladoria-Geral da União.
Art. 17. Cabe ao Ministério da Transparência e Contro-
ladoria-Geral da União e aos órgãos integrantes do sistema
de controle interno do Poder Executivo federal zelar pelo
cumprimento do disposto neste Decreto e adotar as providên-
cias para a responsabilização dos servidores públicos e dos
militares, e de seus superiores hierárquicos, que praticarem
atos em desacordo com suas disposições.

CAPÍTULO VI
DA DIVULGAÇÃO AOS USUÁRIOS DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Art. 18. A Carta de Serviços ao Usuário, a forma de


acesso, as orientações de uso e as informações do formulário
Simplifique! deverão ser objeto de permanente divulgação
aos usuários dos serviços públicos, e mantidos visíveis e
acessíveis ao público:
I - nos locais de atendimento;
II - nos portais institucionais e de prestação de serviços
na internet; e
III - no Portal de Serviços do Governo federal, disponível
em www.servicos.gov.br.

160
Art. 19. As informações do formulário Simplifique!, de
que trata o art. 14, serão divulgadas no painel de monitora-
mento do desempenho dos serviços públicos prestados a que
se refere o inciso V do caput do art. 3º do Decreto nº 8.936,
de 19 de dezembro de 2016.

CAPÍTULO VII
DA AVALIAÇÃO E DA MELHORIA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Art. 20. Os órgãos e as entidades do Poder Executivo


federal deverão utilizar ferramenta de pesquisa de satis-
fação dos usuários dos seus serviços, constante do Portal de
Serviços do Governo federal, e do Sistema de Ouvidoria do
Poder Executivo federal, e utilizar os dados como subsídio
relevante para reorientar e ajustar a prestação dos serviços.
§ 1º Os canais de ouvidoria e as pesquisas de satisfação
objetivam assegurar a efetiva participação dos usuários dos
serviços públicos na avaliação e identificar lacunas e defi-
ciências na prestação dos serviços.
§ 2º Os órgãos e as entidades do Poder Executivo federal
deverão dar ampla divulgação aos resultados das pesquisas
de satisfação.

CAPÍTULO VIII
DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. . O Ministério da Transparência e Controla-


doria-Geral da União terá prazo de cento e oitenta dias,
contado da data de publicação deste Decreto, para disponibi-
lizar os meios de acesso à Solicitação de Simplificação e ao
Simplifique!.

161
Art. 22. Os Ministros de Estado da Transparência e
Controladoria-Geral da União e do Planejamento, Desenvolvi-
mento e Gestão poderão expedir normas complementares
ao disposto neste Decreto.
Art. 23. O Decreto nº 8.936, de 2016, passa vigorar com
as seguintes alterações:
“Art. 3º ............................................................................................
..............................................................................................................
V - ......................................................................................................
.............................................................................................................
b) tempo médio de atendimento;
c) grau de satisfação dos usuários; e
d) número de Solicitações de Simplificação relativas
ao serviço.” (NR)
Art. 24. Este Decreto entra em vigor na data de sua
publicação.
Art. 25. Ficam revogados:
I - o Decreto nº 6.932, de 11 de agosto de 2009; e
II - o Decreto nº 5.378, de 23 de fevereiro de 2005.
Brasília, 17 de julho de 2017; 196º da Independência e
129º da República.

MICHEL TEMER
Dyogo Henrique de Oliveira
Wagner Campos Rosário

162
III
INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA N.º 1/18
DOS MINISTROS DE ESTADO DA TRANSPARÊNCIA
E CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO E DO
PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO
Dispõe sobre os procedimentos apli­
cáveis à Solicitação de Simplificação
de que trata o Decreto nº 9.094, de 17
de julho de 2017.

OS MINISTROS DE ESTADO DO PLANEJAMENTO,


DESENVOLVIMENTO E GESTÃO, SUBSTITUTO, E DA
TRANSPARÊNCIA E CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO,
SUBSTITUTO, no uso das atribuições que lhes conferem,
respectivamente, o inciso I do art. 1º do Anexo do Decreto
nº 9.035, de 20 de abril de 2017, e os incisos I e XI do art. 1º
do Anexo I do Decreto nº 8.910, de 22 de novembro de 2016,
e tendo em vista o que dispõe o art. 15 do Decreto nº 9.094,
de 17 de julho de 2017, resolvem:

Art. 1º - Estabelecer os procedimentos relativos às so-


licitações de simplificação de serviços públicos, a serem
efetivadas por meio de formulário denominado “Simplifique!”,
com a finalidade de promover a participação do usuário de
serviços públicos nos processos de simplificação e desburo-

163
cratização de serviços, nos termos do art. 13 do Decreto nº
9.094, de 17 de julho de 2017.
Parágrafo único - O formulário a que se refere o caput
deverá receber reclamações, denúncias e solicitações relativas
à simplificação de serviços públicos, que serão tratadas no
âmbito do Sistema Informatizado de Ouvidorias do Poder
Executivo Federal (e-Ouv).
Art. 2º - O Simplifique! deverá ser apresentado, prefe­
rencialmente, em meio eletrônico, por meio do Sistema e-Ouv,
de uso obrigatório por todos os órgãos e entidades do Poder
Executivo Federal.
§ 1º - Os órgãos e entidades do Poder Executivo federal
disponibilizarão na página principal de seus sítios eletrônicos
o link de acesso ao “Simplifique!”.
§ 2º - Sempre que recebido em meio físico, os órgãos
e entidades deverão digitalizar o Simplifique! e promover a
sua inserção no sistema a que se refere o caput.
§ 3º - Ao usuário que preencher o Simplifique! serão
exigidas somente as informações de identificação necessárias
à sua individualização.
§ 4º - No ato de recebimento do Simplifique!, o órgão ou
entidade deverá informar ao usuário número de protocolo e
o meio eletrônico pelo qual possa acompanhar e monitorar o
tratamento de sua solicitação, bem como a previsão de prazo
para recebimento de resposta conclusiva.
Art. 3º - Em nenhuma hipótese será recusado o recebi-
mento do Simplifique! preenchido nos termos desta Instrução
Normativa Conjunta.

164
CAPÍTULO I
DO PROCEDIMENTO DE TRATAMENTO DO SIMPLIFIQUE!

Art. 4º - Caberá à ouvidoria, ou agente público equiva­


lente designado do órgão ou entidade, a recepção, o trata-
mento e a publicação das respostas ao simplifique!, quando
não sujeitas ao sigilo de que trata o art. 31 da Lei nº 12.527,
de 18 de novembro de 2011.
§ 1º - Os órgãos e entidades que não dispuserem de
ouvidorias em suas estruturas designarão, no prazo de vinte
dias da publicação da presente Instrução Normativa Conjunta,
agente público encarregado para receber e dar tratamento ao
Simplifique!, nos termos desta Instrução Normativa Conjunta.
§ 2º - Os órgãos e entidades que designarem agente pú-
blico nos termos do § 1º deverão dar ciência à Ouvidoria-Geral
da União no prazo máximo de dez dias a contar do ato de
designação.
Art. 5º - Recebido o Simplifique! por órgão ou entidade
incompetente para respondê-lo, este deverá reencaminhá-lo
imediatamente à Ouvidoria do órgão ou entidade competente,
por meio do Sistema e-Ouv.
Art. 6º - Caso as informações apresentadas pelo solici-
tante sejam insuficientes para a análise da manifestação, as
ouvidorias e entidades federais deverão solicitar ao usuário
pedido de complementação de informações, no prazo de até
trinta dias a contar do recebimento da solicitação.
§ 1º - O pedido de complementação de informações poderá
ser feito apenas uma vez, oportunidade em que serão requeridas
todas as informações necessárias à conclusão da solicitação.
§ 2º - O pedido de complementação de informações in-
terromperá o prazo previsto no art. 7º, que passará a contar
novamente a partir do recebimento da resposta do usuário.

165
Art. 7º - O órgão ou entidade deverá apresentar ao
solicitante a resposta da solicitação, no prazo de até trin-
ta dias corridos a contar do recebimento do Simplifique!,
prorrogáveis por igual período uma única vez, mediante
justificativa prévia e expressa.
Art. 8º - A Ouvidoria ou agente público designado re-
alizará a análise, classificará e encaminhará o Simplifique!
segundo os seguintes critérios:
I - tratando-se de solicitação de simplificação que des­
creva exigência injustificável ou necessidade de revisão de
procedimentos ou normas, esta será encaminhada para a
análise do Comitê Permanente de Desburocratização do
órgão ou entidade, de que trata o § 2º do art. 1º do Decreto
que cria o Conselho Nacional para a Desburocratização -
Brasil Eficiente, de 7 de março de 2017, e será apreciada nos
termos da Seção I deste Capítulo;
II - tratando-se de denúncia que manifeste descumpri-
mento das normas previstas no Decreto nº 9.094, de 2017, esta
será encaminhada ao órgão competente e será processada
nos termos da Seção II deste Capítulo; e
III - tratando-se de reclamação que manifeste dificuldade
no acesso a serviço público, ou quando não classificadas na
forma dos incisos I ou II, esta será encaminhada diretamente
à unidade competente para adotar as medidas corretivas,
nos termos da Seção III deste Capítulo.

Seção I
Da Solicitação de Simplificação

Art. 9º - Os simplifique! recebidos e classificados como


Solicitação de Simplificação ou Desburocratização serão en-
caminhados ao comitê permanente de desburocratização do

166
órgão ou entidade, a quem caberá elaborar, deliberar e aprovar
relatórios individualizados que analisem a viabilidade de adoção
das ações de simplificação ou desburocratização solicitadas.
Parágrafo único - Os órgãos e entidades da adminis-
tração indireta deverão designar colegiado para exercer as
competências de que trata o caput .
Art. 10 - Caso o Comitê Permanente de Desburocra-
tização se manifeste pela viabilidade de adoção das medidas
propostas na solicitação de simplificação, o relatório deverá
conter, no mínimo, as seguintes informações:
I - descrição pormenorizada da simplificação a ser im-
plementada;
II - fases e cronograma da implementação da simplificação;
III - responsáveis por cada fase da implementação; e
IV - formas de acompanhamento pelas quais o usuário
poderá monitorar a implementação da simplificação.
Parágrafo único - Os relatórios de que trata este artigo
serão inseridos no Sistema e-Ouv para acompanhamento
das partes interessadas.

Seção II
Da Denúncia

Art. 11 - Os simplifique! recebidos e classificados como


denúncia serão tratados pela ouvidoria do órgão, ou agente
público designado, que deverá fazer a análise prévia quanto
à aderência do fato narrado às normas de atendimento vi-
gentes e, em caso de descumprimento, fazer gestão junto ao
agente denunciado a fim de que ele retifique a sua prática.
§ 1º - Em caso de retificação, o agente denunciado fir-
mará compromisso, que será inserido no Sistema e-Ouv para
monitoramento das partes interessadas, podendo o usuário

167
denunciar à Ouvidoria-Geral da União sempre que verificado
o descumprimento do compromisso registrado.
§ 2º - Havendo omissão ou recusa injustificada do agen-
te denunciado em retificar o descumprimento, a denúncia
deverá ser encaminhada imediatamente à Ouvidoria-Geral
da União, para providências cabíveis.
§ 3º - A efetiva retificação da prática de atendimento
levará ao arquivamento da denúncia, sem prejuízo de nova
denúncia em razão de descumprimento.

Seção III
Da Reclamação

Art. 12 - Os Simplifique! recebidos e classificados como


reclamação serão processados diretamente pelo sistema de
ouvidoria, devendo a ouvidoria responder sobre as providên-
cias adotadas em relação à reclamação.

Seção IV
Da Resposta ao Usuário e Monitoramento das Providências
de Simplificação

Art. 13 - As Respostas ao simplifique! deverão ser re-


digidas em linguagem simples e compreensível, evitando o
uso de siglas, jargões e estrangeirismos.
§ 1º - As solicitações de simplificação ou desburocra-
tização deverão ser respondidas de forma objetiva, indican-
do-se, em caso de inviabilidade de simplificação, o motivo da
manutenção do procedimento, considerando as diretrizes
previstas no art. 1º do Decreto nº 9.094, de 2017.
§ 2º - Caberá à Ouvidoria do órgão ou entidade, ou ao
agente público designado analisar a pertinência e qualidade

168
das respostas oferecidas ao Simplifique!, podendo ajustá-las
ou solicitar retificação à área competente.
Art. 14 - Recebida a resposta ao Simplifique!, em que
haja proposta de simplificação ou alteração do procedimento,
caberá ao usuário dos serviços públicos avaliar o integral
cumprimento da providência proposta, podendo denunciar
caso os compromissos propostos não sejam efetivamente
implementados.
Parágrafo único - Informado o descumprimento, a Ou-
vidoria-Geral da União poderá fazer gestão junto ao órgão
ou entidade a fim de recompor ou retificar o ­procedi­mento.
Art. 15 - Não havendo resposta nos prazos previstos
nesta Instrução Normativa Conjunta, a Ouvidoria-Geral da
União determinará a emissão de resposta.

CAPÍTULO II
DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 16 - A Ouvidoria-Geral da União encaminhará tri­


mestralmente ao Secretário Executivo do Comitê Executivo do
Conselho Nacional para a Desburocratização relatório com a con-
solidação das solicitações de simplificação recebidas no período.
Art. 17 - A Ouvidoria-Geral da União poderá emitir nor-
mas complementares a esta Instrução Normativa Conjunta.
Art. 18 - Esta Instrução Normativa Conjunta entra em
vigor na data da sua publicação.

ESTEVES PEDRO COLNAGO JUNIOR - Ministro de Es-


tado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão - Substituto
ANTÔNIO CARLOS BEZERRA LEONEL - Ministro de Esta-
do da Transparência e Controladoria-Geral da União - Substituto

169
IV
INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 5, DE 18 DE JUNHO DE
2018 DO OUVIDOR-GERAL DA UNIÃO
Estabelece orientações para a
atuação das unidades de ouvidoria
do Poder Executivo federal para
o exercício das competências
definidas pelos capítulos III e IV da
Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017

O OUVIDOR-GERAL DA UNIÃO DO MINISTÉRIO DA


TRANSPARÊNCIA E CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO,
no exercício das competências que lhe conferem o inciso II
do art. 68 da Portaria CGU nº 677, de 10 de março de 2017,
o inciso I do art. 13 do Anexo I do Decreto nº 8.910, de 22 de
novembro de 2016, o art. 13 do Decreto nº 8.243, de 23 de
maio de 2014, o inciso X do art. 27 da Lei nº 3.341, de 29 de
setembro de 2017, e considerando o disposto nos capítulos
III e IV da Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017, resolve:

CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Esta Instrução Normativa estabelece orientações


para a atuação das unidades de ouvidoria do Poder Executivo
federal no âmbito das atividades relativas aos procedimentos

171
para a participação, proteção e defesa dos direitos do usuário
de serviços públicos da administração pública direta e in-
direta, de que trata a Lei nº 13.460, de 26 de junho de 2017.
Art. 2º As unidades de ouvidoria atuarão de acordo com
as seguintes diretrizes:
I - agir com presteza e imparcialidade;
II - colaborar com a integração das ouvidorias;
III - zelar pela autonomia das ouvidorias;
IV - promover a participação social como método de
governo; e
V - contribuir para a efetividade das políticas e dos
serviços públicos.
Art. 3º Para os efeitos desta Instrução Normativa, con-
sidera-se:
I - unidade de ouvidoria: unidades administrativas res­
ponsáveis pelo acompanhamento e tratamento das mani-
festações dos usuários de serviços públicos prestados pelos
órgãos e entidades a que se refere o art. 1º do Anexo I do
Decreto nº 8.910, de 2016;
II - reclamação: demonstração de insatisfação relativa
a prestação de serviço público;
III - denúncia: comunicação de prática de irregularidade
ou ato ilícito cuja solução dependa da atuação dos órgãos
apuratórios competentes;
IV - elogio: demonstração de reconhecimento ou satis­
fação sobre o serviço oferecido ou atendimento recebido;
V - sugestão: apresentação de ideia ou formulação de
proposta de aprimoramento de políticas e serviços prestados
pela Administração Pública federal;
VI - solicitação de providências: pedido para adoção de
providências por parte da Administração;

172
VII - identificação: qualquer elemento de informação
que permita a individualização de pessoa física ou jurídica;
VIII - certificação de identidade: procedimento de con-
ferência de identidade do manifestante por meio de docu-
mento de identificação válido;
IX - decisão administrativa final: ato administrativo
mediante o qual o órgão ou a entidade pública manifesta-se
acerca da procedência ou improcedência do pedido, apre-
sentando solução ou comunicando a impossibilidade de seu
atendimento; e
X - linguagem cidadã: linguagem simples, clara, concisa
e objetiva, que considera o contexto sociocultural do usuário,
de forma a facilitar a comunicação e o mútuo entendimento.
Art. 4º Compete às unidades de ouvidoria, dentre outras
atribuições:
I - propor ações e sugerir prioridades nas atividades de
ouvidoria da respectiva área de atuação;
II - acompanhar e avaliar os programas e projetos de
atividades de ouvidoria;
III - organizar e divulgar informações sobre atividades
de ouvidoria e procedimentos operacionais;
IV - promover a adoção de medição e conciliação entre
usuários de órgãos e entidades públicas, com a finalidade
de ampliar e aperfeiçoar os espaços de relacionamento e
participação da sociedade com a administração pública;
V - processar as informações obtidas por meio das mani­
festações recebidas e das pesquisas de satisfação realizadas
com a finalidade de avaliar os serviços prestados, em especial
sobre o cumprimento dos compromissos e dos padrões de
qualidade de atendimento da Carta de Serviços ao Usuário,
de que trata o art. 7º da Lei nº 13.460, de 2017;

173
VI - produzir e analisar dados e informações sobre as
atividades de ouvidoria, para subsidiar recomendações e
propostas de medidas para aprimoramento da prestação
dos serviços e correção de falhas;
VII - promover articulação, em caráter permanente, com
instâncias e mecanismos de participação social, em especial,
conselhos e comissões de políticas públicas, conferências
nacionais, mesas de diálogo, fóruns, audiências, consultas
públicas e ambientes virtuais de participação social;
VIII - exercer as atribuições de Serviço de Informação
ao Cidadão, de que trata o inciso I do art. 9º da Lei nº 12.527,
de 18 de novembro de 2011, quando assim designadas;
IX - receber tratar e dar resposta às solicitações en-
caminhadas por meio do formulário Simplifique!, nos termos
da Instrução Normativa Conjunta MPDG/CGU nº 1, de 12 de
janeiro de 2018; e
X - garantir a adequação, a atualidade e a qualidade
das informações dos órgãos e entidades a que estejam vin-
culadas e que estejam inseridas no Portal de Serviços do
Governo Federal a que se refere o Decreto nº 8.936, de 19 de
dezembro de 2016.
Parágrafo único. A Ouvidoria-Geral da União deverá
manter:
I - sistema informatizado que permita o recebimento
e tratamento das manifestações recebidas por todas as ou-
vidorias do Poder Executivo federal; e
II - sítio eletrônico que promova a interação entre a
sociedade e a Administração Pública federal, bem como a
divulgação de informações e estatísticas dos serviços presta-
dos pelas ouvidorias públicas federais.

174
CAPÍTULO II
DO RECEBIMENTO, ANÁLISE E RESPOSTA DE MANIFESTAÇÕES

Art. 5º. Em nenhuma hipótese, será recusado o rece-


bimento de manifestações formuladas nos termos desta
Instrução Normativa.
Art. 6º. São gratuitos os procedimentos de que trata
esta Instrução Normativa, vedada a cobrança de quaisquer
importâncias do usuário.
Art. 7º São vedadas quaisquer exigências relativas aos
motivos que determinaram a apresentação de manifestações
perante a ouvidoria.
Art. 8º A solicitação de certificação da identidade do
usuário somente poderá ser exigida quando a resposta à
manifestação implicar o acesso a informação pessoal própria
ou de terceiros.
Art. 9º As manifestações deverão ser apresentadas
prefe­rencialmente em meio eletrônico, por meio do Siste-
ma Informatizado de Ouvidorias do Poder Executivo Federal
(e-Ouv), disponibilizado pelo Ministério da Transparência e
Controladoria-Geral da União, ou sistema próprio da unidade
de ouvidoria, desde que plenamente aderente à presente
Instrução Normativa
§ 1º As unidades de ouvidoria deverão buscar meios
para que o acesso ao sistema a que se refere o caput este-
ja disponível na página principal dos portais dos órgãos
e entidades a que estejam vinculadas na rede mundial de
computadores.
§ 2º Sempre que a manifestação for recebida em meio
físico, a unidade de ouvidoria deverá promover a sua digita-
lização e a sua inserção imediata no sistema a que se refere
o caput deste artigo.

175
§ 3º A unidade que receber manifestação sobre matéria
alheia à sua competência, deverá encaminhá-la à unidade de
ouvidoria responsável pelas providências requeridas.
Art. 10. As unidades de ouvidoria deverão responder
às manifestações em linguagem clara, objetiva, simples e
compreensível.
Art. 11. As unidades de ouvidoria deverão elaborar e
apresentar resposta conclusiva às manifestações recebidas
no prazo de trinta dias contados do seu recebimento, pror­
rogável por igual período mediante justificativa expressa.
§ 1º Recebida a manifestação, as unidades de ouvidoria
deverão proceder à análise prévia e, caso necessário, encamin-
há-la às áreas responsáveis pela adoção das providências
necessárias.
§ 2º Sempre que as informações apresentadas pelo
usuário forem insuficientes para a análise da manifestação,
as unidades de ouvidoria deverão solicitar ao usuário com-
plementação de informações, que deverá ser atendido no
prazo de trinta dias contados da data do seu recebimento.
§ 3º Não serão admitidos pedidos de complementação
sucessivos, exceto se referentes a situação surgida com a
nova documentação ou informações apresentadas.
§ 4º O pedido de complementação de informações in-
terrompe o prazo previsto no caput deste artigo, que será
retomado a partir da resposta do usuário.
§ 5º A falta da complementação da informação pelo
usuário no prazo estabelecido no § 2º deste artigo acarre-
tará o arquivamento da manifestação, sem a produção de
resposta conclusiva
§ 6º As unidades de ouvidoria poderão solicitar infor-
mações às áreas responsáveis pela tomada de providências,
as quais deverão responder no prazo de vinte dias contados

176
do recebimento do pedido no setor competente, prorrogáveis
de forma justificada uma única vez por igual período, nos
termos do parágrafo único do art. 16 da Lei nº 13.460, de 2017.
§ 7º A manifestação poderá ser encerrada, sem produção
de resposta conclusiva, quando o seu autor descumprir os
deveres de:
I - expor os fatos conforme a verdade;
II - proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;
III - não agir de modo temerário; ou
IV - prestar as informações que lhe forem solicitadas
para o esclarecimento dos fatos.
Art. 12. O elogio recebido será encaminhado ao agente
público que prestou o atendimento ou ao responsável pela
prestação do serviço público, e à sua chefia imediata.
Parágrafo único. A resposta conclusiva do elogio con-
terá informação sobre o encaminhamento e cientificação
ao agente público ou ao responsável pelo serviço público
prestado, e à sua chefia imediata.
Art. 13. A reclamação recebida será encaminhada à
autoridade responsável pela prestação do atendimento ou
do serviço público.
Parágrafo único. A resposta conclusiva da reclamação
conterá informação objetiva acerca do fato apontado.
Art. 14. A sugestão recebida será encaminhada à au-
toridade responsável pela prestação do atendimento ou do
serviço público, que se manifestará acerca da possiblidade
de adoção da medida sugerida.
Art. 15. A denúncia recebida será conhecida caso con-
tenha elementos mínimos descritivos da irregularidade ou
indícios que permitam à administração pública chegar a
tais elementos.

177
§ 1º A resposta conclusiva da denúncia conterá infor-
mação sobre o seu encaminhamento aos órgãos apuratórios
competentes e sobre os procedimentos a serem adotados,
ou sobre o seu arquivamento.
§2º A denúncia poderá ser encerrada quando:
I - estiver dirigida a órgão não pertencente ao Poder
Executivo federal; ou
II - não contenha elementos mínimos indispensáveis
à sua apuração.
§ 3º Cada ouvidoria pública federal deverá informar à
Ouvidoria-Geral da União a existência de denúncia praticada
por agente público no exercício de cargos comissionados do
Grupo Direção e Assessoramento Superiores - DAS a partir
do nível 4 ou equivalente.
Art. 16. As unidades de ouvidoria poderão receber e
coletar informações junto aos usuários de serviços públicos
com a finalidade de avaliar a prestação de tais serviços e de
auxiliar na detecção e correção de irregularidades.
§ 1º As informações referidas no caput deste artigo,
quando não sejam identificadas ou não configurem manifes-
tações nos termos da Lei nº 13.460, de 2017, não acarretam
obrigação de criação de resposta conclusiva.
§ 2º As informações que constituam comunicações de
irregularidade, mesmo que de origem anônima, deverão ser
enviadas ao órgão ou entidade competente para sua apuração,
observada a existência de indícios mínimos de relevância,
autoria e materialidade.
§ 3º Recebida a comunicação de irregularidade, os
órgãos apuratórios a arquivarão e, se houver elementos
suficientes, procederão, por iniciativa própria, à instauração
de procedimento investigatório preliminar.

178
§ 4º O procedimento investigatório preliminar mencio-
nado no parágrafo anterior não poderá ter caráter punitivo.
Art. 17. As unidades de ouvidoria assegurarão a proteção
da identidade e dos elementos que permitam a identificação
do usuário ou do autor da manifestação, nos termos do art.
31 da Lei nº 12.527, de 2011, sujeitando-se o agente público
às penalidades legais pelo seu uso indevido.
§ 1º Caso indispensável à apuração dos fatos, o nome
do denunciante será encaminhado ao órgão apuratório,
que ficará responsável a restringir acesso à identidade do
manifestante à terceiros.
§ 2º A restrição de acesso estabelecida no caput deste
dispositivo não se aplica caso se configure denunciação calu­
niosa, nos termos do art. 339 do Decreto-Lei nº 2.848, de
7 de dezembro de 1940, ou flagrante má-fé por parte do
manifestante.

CAPÍTULO III
DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 18. Caberá representação à Ouvidoria-Geral da


União no caso de descumprimento dos prazos e procedi-
mentos previstos nesta Instrução Normativa.
Art. 19. Os procedimentos para recebimento, análise
e resposta a outras modalidades de pronunciamentos de
usuários previstos no inciso V do art. 2º da Lei nº 13.460,
de 2017, serão definidos nos termos do inciso I do art. 13 do
Anexo I do Decreto nº 8.910, de 2016.
Art. 20 As situações de omissão ou conflito aparente
de normas serão tratadas especificamente no âmbito da
Ouvidoria Geral da União.

179
Art. 21. Fica revogada a Instrução Normativa OGU nº
1, de 5 de novembro de 2014.
Art. 22. Esta Instrução Normativa entra em vigor na
data de sua publicação.

GILBERTO WALLER JUNIOR

180
APÊNDICE
ACESSO À INFORMAÇÃO E GARANTIA DOS
DIREITOS SOCIAIS*
Anjuli Tostes Faria Melo

SUMÁRIO: 1. Acesso à informação e accountability; 2. O direito de


acesso à informação nos instrumentos normativos internacionais;
3. O direito de acesso à informação na ordem jurídica brasileira; 4.
Acesso à informação e garantia de direitos sociais; 4.1 A experiência
brasileira; 4.1.1 Combate ao trabalho escravo; 4.1.2 Direito à moradia;
4.1.3 Direito a férias; 4.1.4 Obrigações socioambientais e proteção dos
povos indígenas; 4.1.5. Direito ao contraditório e à ampla defesa em
dispensa de empregado; 5. Conclusões; 6. Referências bibliográficas.

1. Acesso à informação e accountability 1


O direito fundamental à informação caracteriza as
sociedades democráticas, porque nelas o Estado se obriga a
tornar as informações acessíveis aos cidadãos. O contrário
disso, a conduta sigilosa do Estado, é, naturalmente, anti-
democrática, e, segundo Joseph Stiglitz, serve para interesses
pessoais e egoístas2, pois, ao adotá-la, o governo passa a se

*  Texto elaborado a partir de aula ministrada no curso “Riregolazione dei


rapporti di lavoro e del processo in Italia: dalle radici del Diritto Romano
all’Ordinamento Europeo”, na Università degli studi di Roma I, “La Sapienza”,
em julho de 2017.
1  As considerações sobre accountability foram parcialmente retiradas de
MELO FILHO, Hugo. Judiciário Oligárquico: déficit democrático e informali-
dade na administração dos tribunais e no governo da magistratura no Brasil.
São Paulo: LTr, 2014.
2  STIGLITZ, Joseph. Sobre a liberdade, o direito de conhecer e o discurso
público. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CHRISTOPOULOS, Basile Georges;

183
valer da falta de informações como instrumento de realização
de suas funções, em todos os seus âmbitos de ação. Afirma
o mesmo autor3 que o sigilo atribui aos principais atores
da administração controle exclusivo sobre certas áreas de
conhecimento, ampliando o poder deles, de um lado, e dete-
riorando a democracia, de outro. Um Estado será tanto mais
democrático quanto mais transparente for a administração.
A transparência dos dados públicos permite o account-
ability e figura como importante instrumento para conter
os abusos na gestão governamental4. Com efeito, estruturas
democráticas têm por escopo a ampliação da resposabilização
dos governantes (accountability). Os dirigentes têm o dever
de prestar contas aos dirigidos, que os elegeram. A qualidade
democrática se amplia na mesma medida em que aumenta
a responsabilidade do dirigente em relação aos dirigidos.
A idéia de accountability vincula-se ao exercício do poder
mediante a utilização de recursos públicos, que impõe aos
administradores a justificação dos seus atos. O conceito de
accountability está intimamente ligado à teoria do agencia-
mento (aqui em sua aplicação à esfera pública), o qual tem
por unidade de análise a relação que existe entre o principal
(que são os administrados/eleitores) e o agente (dirigente/
eleito). O principal é quem delega poderes e responsabilidades

ZUGMAN, Daniel Leib; BASTOS, Frederico Silva. Transparência fiscal e desen­


volvimento: homenagem ao Professor Isaias Coelho. São Paulo: Fiscosoft. p.
47. Tradução de Mariana Pimentel Fischer Pacheco. Apud SCAPIN, Andréia e
BOSSA, Gisele. Transparência e democracia: para um governo com poderes visíveis.
Disponível em http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.
revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao065/AndreiaScapin_GiseleBossa.
html. Aceso em 5.7.17.
3  Ibidem, p. 48.
4  Devemos a observação, ainda, a SCAPIN, Andréia e BOSSA, Gisele. Trans­
parência e democracia: para um governo com poderes visíveis. Disponível em
http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.
trf4.jus.br/artigos/edicao065/AndreiaScapin_GiseleBossa.html. Aceso em 5.7.17.

184
ao agente, surgindo para este o dever de prestar contas da
aplicação correta dos recursos5.
O’Donnel distingue duas espécies de accountability:
horizontal e vertical. À possibilidade de existência de agên-
cias estatais legalmente autorizadas a atuar nos casos de
ações ilegais ou omissões de outros agentes do Estado (1998)
denomina-se indisponibilidade do sistema legal para os
gover­nantes, ou horizontal accountability (1999:641). Trata-se,
aqui, de uma relação entre iguais. Já accountability vertical
diz respeito ao relacionamento entre desiguais, entre os
governantes e os governados, e se fundamenta no dever de
transparência, na liberdade de expressão, no amplo acesso à
informação, na capacidade reivindicatória e na possibilidade
de avaliação e sanção dos governantes.

Desta forma, accountability horizontal é a transpa­


rência das ações das gestões públicas em relação
aos agentes que podem fiscalizá-las e puni-las, assim
como accountability vertical é a transparência das
gestões em relação aos eleitores, que podem assim
fiscalizá-las e puni-las, principalmente através do
voto em eleições livres e justas. Mas não somente
isto, no caso da accountability vertical, a participação
dos governados no processo de tomada de decisões
vai além da ação corretiva e da fiscalização puni-
tiva, mas relaciona-se principalmente com a ação
preventiva, no sentido de poder co-participar da
gestão pública no processo deliberativo. (AMARAL,
2007:35).
Se a responsabilização dos agentes públicos, existente
em qualquer democracia, pela via das eleições livres e justas,
com a exclusão daquele que procede mal, revela-se insatis-
fatória, porque realizada posteriormente ao cometimento dos

5  Sobre teoria do agenciamento, entre outros, Albuquerque et alii ([s.d]).

185
atos passíveis de repreensão, outros mecanismos deverão
ser adotados para um efetivo controle dos poderes políticos.
Pode-se, ainda, falar em um terceiro tipo de account-
ability que seria favorecido pela democratização interna do
Poder Judiciário: a accountability social, relacionada às enti-
dades da sociedade organizada: imprensa, organizações não
governamentais, sindicatos (e demais movimentos sociais),
associações, entre outros, que cuidam de fiscalizar e cobrar
a responsabilização dos agentes públicos6.

Tal conjunto de atores e iniciativas incluem dif-


erentes ações destinadas a supervisionar o com-
portamento de funcionários ou agências públicas,
denunciar e expor casos de violação da lei ou de cor-
rupção por parte das autoridades, e exercer pressão
sobre as agências de controle correspondentes
para que ativem os mecanismos de investigação e
sanção que correspondam. Este conjunto heterogê-
neo de atores sociais desenvolve novos recursos que
se somam ao repertório clássico de instrumentos
eleitorais e legais de controle das ações de governo.
O surgimento de novas formas de intervenção civil,
organizadas em torno de uma política de direitos
e de prestação de contas, indica a presença de um
salutar processo de renovação política [...]. (PERU-
ZZOTTI, [s.d.]:3).

Este controle societal sobre os gestores, a cargo da


sociedade civil organizada, é exercido por entidades que não
têm competência legal para a fiscalização e a investigação.
Por isso mesmo, estes elementos da sociedade não têm como
sancionar agentes públicos. Podem, entretanto, denunciar os
desvios constatados, no exercício da liberdade constitucional
de expressão, às autoridades competentes, especialmente

6  Nesse sentido, Peruzzotti e Smulovitz (2001). Em outra perspectiva, mas


em sentido coincidente, Cremades (2009).

186
Ouvidorias, Tribunais de Contas e Ministério Público, ou
mesmo sensibilizar a opinião pública1.
Uma vez incrementados os três tipos de accountability,
transparência, participação e prestação de contas, as três
dimensões mais relevantes da accountability, estariam con-
templadas e reciprocamente estimuladas.
Um Estado será mais ou menos democrático de acordo
com o nível de transparência na ação dos agentes públicos,
de acesso às informações, de possibilidade de participação
dos cidadãos e de prestação de contas por parte dos gestores.
Não é por outra razão que, em muitos países, é percebido
um grande esforço para assegurar o aceso às informações,
preservando-se, apenas, aquelas legalmente protegidas,
como condição de prevenção da corrupção e fortalecimento
das instituições2.
Conforme explica Joseph Stiglitz3, a participação sig-
nificativa do cidadão no processo democrático exige par-
ticipantes informados, especialmente no momento em que
deve eleger seus governantes. Nesse sentido, afirmou James
Madison:

Um povo que pretende ser seu próprio governante


deve se armar com o poder que o conhecimento
oferece. Um governo popular sem informações popu­
lares ou sem os meios para adquiri-las nada mais é

1  Neste sentido, Miguel (2005).


2  Sobre o fortalecimento das instituições, vide: LISBOA, Marcos de Barros;
LATIF, Zeina Abdel. Brazil: democracy and growth. Legatum Institute, Centre
for Development and Enterprise, 2013. Apud SCAPIN, Andréia e BOSSA, Gisele.
Transparência e democracia: para um governo com poderes visíveis. Disponível em
http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.
trf4.jus.br/artigos/edicao065/AndreiaScapin_GiseleBossa.html. Aceso em 5.7.17.
3  STIGLITS, Joseph. Op. cit., p. 55.

187
do que um prólogo para uma farsa ou uma tragédia,
ou talvez ambos4.

Scapin e Bossa trazem o exemplo da Suécia, onde o


Estado mantém informações sobre a renda média dos ci-
dadãos acessíveis a todos, na web. Assim, como informam
as autoras mencionadas, “a transparência é percebida pelo
funcionário público como legítima garantia do exercício do
direito à liberdade de expressão do servidor para prestar
contas à sociedade sobre seus atos.” 5

2. O direito de acesso à informação nos instrumentos normativos


internacionais
O acesso à informação como direito fundamental, como
não poderia deixar de ser, é reconhecido por importantes
organismos da comunidade internacional, como a Organi-
zação das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados
Americanos (OEA), como evidenciam os trechos de alguns
tratados, convenções e declarações a seguir transcritos:
• Declaração Universal dos Direitos Huma­nos de 1948
(artigo 19):
“Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e ex-
pressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência,
ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informa-
ções e idéias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras”.
• Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de
1966 (artigo 19):

4  MADISON, James. Artigos Federalistas. Apud STIGLITS, Joseph. Op. cit., p. 55.
5  FUCS, Ildo. Na Suécia, até a monarquia se submete à transparência. Revista
Consultor Jurídico, 13 set. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-
set-13/ildo-fucs-suecia-monarquia-submete-transparencia>. Aceso em 5.7.17.

188
“Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse
direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir
informações e ideias de qualquer natureza (...)”.
• Declaração Interamericana de Princípios de Liberdade
de Expressão de 2000 (item 4):
“O acesso à informação mantida pelo Estado constitui
um direito fundamental de todo indivíduo. Os Estados
têm obrigações de garantir o pleno exercício desse direito”.
• Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção de
2003 (artigos 10 e 13):
“Cada Estado-parte deverá (...) tomar as medidas necessá-
rias para aumentar a transparência em sua administração
pública (...) procedimentos ou regulamentos que permitam
aos membros do público em geral obter (...) informações
sobre a organização, funcionamento e processos decisórios
de sua administração pública (...)”.

3. O direito de acesso à informação na ordem jurídica brasileira


Já ficou assentado que a transparência e o acesso à
informações são expressões do Estado Democrático de Di-
reito e, para além disso, é pressuposto de tratamento digno
do cidadão.
No Brasil, a Constituição da República erige, no art.
5.º, XXXII, o direito à informação como direito fundamental.
Coube à Lei n.º 12.527/2012 – Lei de Acesso à Informação (LAI)
a regulamentação da matéria. Esta lei exclui das informações
acessíveis apenas as situações em que o sigilo seja necessário
para a segurança da sociedade ou do Estado. Nessa linha
é que, por expressa determinação legal (art. 2.º, II, LAI), a
transparência é regra e o sigilo só é admitido em casos ex-
pressamente motivados, nas circunstâncias mencionadas.

189
Conforme obtemperam Scapin e Bossa, a LAI quer “que
o acesso à informação seja igualitário, amplo e facilitado,
atingindo todos os cidadãos que estejam interessados em
obtê-la”, para que o Estado não seja o único controlador.
Segundo as autoras, “a transparência viabiliza a criação de
formas de responsabilização deliberativa e circular e permite
que todos sejam capazes de responsabilizar todos e que cada
organização possa ser responsabilizada por indivíduos que
dela participam”6.
Com efeito, a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527
de 18 de novembro de 2011) trouxe uma nova ferramenta
poderosa à sociedade, que representou uma mudança de
paradigma na relação desta com o Estado. A Lei dispõe sobre
os procedimentos a serem observados pela União, Estados,
Distrito Federal e Municípios com o fim de garantir o acesso
a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II
do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal.
Além de alcançar todas os entes federativos, a Lei tam-
bém abrange os órgãos públicos integrantes da administração
direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes
de Contas, e Judiciário e do Ministério Público, assim como as
autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as
sociedades de economia mista e demais entidades controladas
direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal
e Municípios. Também aplicam-se as disposições desta Lei,
no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos
que recebam, para realização de ações de interesse público,
recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante

6  SCAPIN, Andréia e BOSSA, Gisele. Transparência e democracia: para um


governo com poderes visíveis. Disponível em http://www.revistadoutrina.trf4.
jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao065/
AndreiaScapin_GiseleBossa.html. Aceso em 5.7.17.

190
subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria,
convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres.
Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a
assegurar o direito fundamental de acesso à informação,
prevendo a observância da publicidade como preceito geral
e do sigilo como exceção. As exceções à publicidade advém
de informações sujeitas a sigilos legais (como o bancário e o
fiscal), pessoais ou classificadas (consideradas imprescindíveis
à segurança da sociedade ou do Estado). As informações,
porém, não permanecem classificadas eternamente, mas
apenas pelo prazo máximo de 25 (vinte e cinco) anos, no
caso de informações ultrassecretas. Já as informações pes-
soais terão seu acesso restrito pelo prazo máximo de 100
(cem) anos a contar da sua data de produção. Não poderá
ser negado acesso à informação necessária à tutela judicial
ou administrativa de direitos fundamentais.
A garantia do direito de acesso à informação é com-
preendida como dever do Estado, que será franqueada medi-
ante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente,
clara e em linguagem de fácil compreensão.
Qualquer cidadão poderá apresentar pedido de acesso
a informações aos órgãos e entidades públicos, por qualquer
meio legítimo. O órgão ou entidade pública deverá autorizar
ou conceder o acesso imediato à informação disponível. Não
sendo possível conceder o acesso imediato, o órgão ou enti-
dade deverá responder o pedido no prazo de até 20 (vinte) dias.
No caso de indeferimento de acesso a informações,
o cidadão poderá interpor recurso contra a decisão no prazo
de 10 (dez) dias a contar da sua ciência, que será dirigido à
autoridade hierarquicamente superior à que exarou a de-
cisão impugnada. Esta terá um prazo de 5 (cinco) dias para
decidir sobre o recurso. Caso a negativa persista, o cidadão

191
ainda pode recorrer, sucessivamente, à Controladoria-Geral
da União (CGU) e à Comissão Mista de Reavaliação de Infor-
mações (CMRI), esta última um colegiado composto por dez
ministros de Estado. Casos De omissão de respostas pelo
órgão ou entidades são passíveis de reclamação, direcionadas
diretamente à CGU e, sucessivamente, à CMRI.
A Lei de Acesso à Informação prevê como conduta ilícita,
que enseja responsabilidade do agente público ou militar, a re-
cusar em fornecer informação requerida, o retardo deli­berado
no seu fornecimento ou o fornecimento intencional de forma
incorreta, incompleta ou imprecisa, entre outras condutas
que prejudiquem a efetividade da Lei, prevendo para estas a
pena de, no mínimo, suspensão aos servidores estatutários
e transgressões militares médias ou graves àqueles sujeitos
aos regulamentos disciplinares das Forças Armadas.
A pessoa física ou entidade privada que detiver infor-
mações em virtude de vínculo de qualquer natureza com o
poder público e deixar de observar o disposto na Lei estará
sujeita a diversas sanções, dentre as quais a rescisão do
vínculo com o poder público e a declaração de inidoneidade
para licitar ou contratar com a administração pública.

4. Acesso à informação e garantia de direitos sociais


Não pode haver dúvida de que o direito de acesso à in-
formação é essencial para a garantia do exercício dos direitos
sociais, especialmente informações “sobre atividades, obras
e medidas que possam ter impacto irreversível sobre direitos
sociais”7. Mas o acesso à informação não se deve limitar a
essa esfera. Segundo Rodrigo Schwarz,

7  SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Trabalho escravo: a abolição necessária: uma


análise da efetividade e da eficácia das políticas de combate à escravidão contem­
porânea no Brasil. São Paulo: LTr, 2008, p. 213.

192
O acesso à informação deve atingir a atuação de
alguns agentes privados, como os empregadores,
as empresas que prestam serviços públicos ou as
empresas que exercem atividades geradoras de risco
coletivo, como indústrias com alto potencial danoso
ao meio-ambiente, e outros que possam afetar os
direitos sociais ou os bens públicos8.

O processo de democratização radical do acesso à infor-


mação na esfera institucional e, para além desta, no âmbito
das relações sociais, se impõe como pressuposto de garantia
do exercício de direitos sociais. Segundo Schwars, isso pode
“viabilizar, de fato, a avaliação sobre a capacidade dessas
instituições para dar expressão, pelas vias adequadas, aos
diferentes reclamos sociais, começando pelo segmentos
mais vulneráveis.” 9
Vê-se que o escopo do direito de acesso à informação é
muito mais amplo do que a obtenção de um dado público, em
particular, e nisso não se esgota. Trata-se de legítimo direito
instrumental imprescindível à efetividade da participação
do cidadão, da liberdade de expressão e, especialmente, para
a exigência de efetivação dos direitos sociais constituciona-
lmente assegurados.
Nessa mesma linha, colha-se a lição de Bucci10:

Os direitos sociais dependem da política pública


adotada pelo Estado para haver seu asseguramento.
Contudo, a sociedade depende de informações es-
tatais para conhecer se há a aplicação correta dos pla-
nos traçados. Ademais, sem tais informações não há
como haver a exigibilidade dos direitos assegurados

8  Idem, p. 212.
9  Idem, p. 23.
10  BUCCI, Eduardo Salada. O acesso à informação pública como direito fun-
damental à cidadania. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/
index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6490. Acesso em 6.7.17.

193
na Constituição Federal. Para tanto, se faz necessário
o acesso à informação pública, que é pré-requisito
para o exercício deste direito inerente à democracia.
(...)
Assim, a sociedade tem direito à promoção do bem
estar social, devendo agir como agente fiscaliza-
tório direto das políticas adotadas, ou que vão ser
adotadas, pelo Estado. Contudo, sem o DAIP não
será possível tal atitude por parte dos cidadãos, que
não terão dados necessários ao livre discernimento
para exercitar tal direito. Desta maneira, se encontra
como pré-condição o acesso à informação pública.

Tendo em vista o propósito deste trabalho, serão enu-


merados casos indicadores dos efeitos da normatização do
direito de acesso à informação no Brasil, de modo a eviden-
ciar os avanços alcançados e as potencialidades abertas na
ordem jurídica do país.
A publicação da Lei de Acesso à Informação promoveu
alterações importantes na qualidade da democracia brasileira,
nas mais diversas áreas, cabendo, aqui, destacar, os avanços
em matéria de garantia do exercício de direitos sociais. Para
tanto, selecionamos alguns casos que, a nosso sentir, ilustram,
satisfatoriamente, tais avanços.

4.1 Combate ao trabalho escravo


Entre 2003 e 2014, o Ministério do Trabalho e Emprego
do Brasil divulgou a “Lista de Transparência sobre Trabalho
Escravo Contemporâneo”. Em dezembro de 2014, uma de-
cisão do Supremo Tribunal Federal, atendendo a um pedido
de uma associação de incorporadoras imobiliárias, passou
a impedir a divulgação, pelo governo federal, da atualização
do cadastro de empregadores flagrados com mão de obra
escrava, a chamada “lista suja”. O cadastro é um dos prin-

194
cipais instrumentos no combate a esse crime e é tido como
referência pelas Nações Unidas.
Em 2015, a organização Repórter Brasil e o instituto
InPACTO solicitaram, com base nos artigos 10, 11 e 12 da Lei
de Acesso à Informação (12.527/2012),

“A relação com os empregadores que foram autua-


dos em decorrência de caracterização de trabalho
análogo ao de escravo e que tiveram decisão ad-
ministrativa transitada em julgado, entre dezem-
bro de 2013 e dezembro de 2015, confirmando a
autuação, constando: nome do empregador (pessoa
física ou jurídica), nome do estabelecimento onde foi
realizada a autuação, endereço do estabelecimento
onde foi caracterizada a situação, CPF ou CNPJ do
empregador envolvido, número de trabalhadores
envolvidos e data da fiscalização em que ocorreu
a autuação.”11

As entidades requerentes entendiam que “a ‘lista suja’


nada mais é do que uma relação dos casos em que o poder
público caracterizou trabalho análogo ao de escravo e nos
quais os empregadores tiveram direito à defesa administra-
tiva em primeira e segunda instâncias; e que a sociedade tem
o direito de conhecer os atos do poder público”. 12
A primeira listagem, obtida com base na Lei de Acesso
à Informação foi divulgada em março de 2015 e elencou os
casos detectados entre dezembro de 2012 e dezembro de
2014. A segunda, divulgada em setembro do mesmo ano,
envolveu o período de maio de 2013 a maio de 2015. A terceira
edição da “Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo

11  SAKAMOTO, Leonardo. Lista de Transparência sobre Trabalho Escravo


Contemporâneo no Brasil. Disponível em https://blogdosakamoto.blogosfera.
uol.com.br/2016/02/05/nova-lista-de-transparencia-traz-340-nomes-flagra-
dos-por-trabalho-escravo/?cmpid=copiaecola. Acesso em 6.7.17.
12 Idem.

195
Contemporâneo” foi publicada em fevereiro de 2016 e con-
solidou os dados de empregadores autuados em decorrência
de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e que
tiveram decisão administrativa final entre dezembro de 2013
e dezembro de 2015. As informações foram compiladas pelo
Ministério do Trabalho e Emprego.
Repórter Brasil e InPACTO declararam que o objetivo
das organizações ao veicular a “Lista Suja” era garantir o
direito da sociedade e do setor empresarial à transparência
sobre o tema, fornecendo informações sobre os flagrantes
confirmados por trabalho análogo ao de escravo realizados
pelo governo.
Na ocasião, Leonardo Sakamoto justificou a medida:

A sociedade brasileira depende de informações ofi-


ciais e seguras sobre as atividades do Ministério do
Trabalho e Previdência Social na fiscalização e com-
bate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil.
Informação livre é fundamental para que as empre-
sas e outras instituições desenvolvam suas políticas
de gerenciamento de riscos e de responsabilidade
social corporativa. A portaria que regulamentava
a suspensa “lista suja” não obrigava o setor em-
presarial a tomar qualquer ação, apenas garantia
transparência. Muito menos a relação aqui anexa.
São apenas fontes de informação a respeito de fis-
calizações do poder público.
Transparência é fundamental para que o mercado
funcione a contento. Se uma empresa não informa
seus passivos trabalhistas, sociais e ambientais,
sonega informação relevante que pode ser ponderada
por um investidor, um financiador ou um parceiro
comercial na hora de fazer negócios.
As informações que constam na “Lista de Trans-
parência sobre Trabalho Escravo Contemporâneo
no Brasil” são oficiais uma vez que fornecidas pelo
Ministério do Trabalho e Previdência Social através
de solicitação formal e transparente, que obedece a
todos os trâmites legais previstos na Lei de Acesso

196
à Informação. Solicitação que pode ser repetida por
qualquer cidadão, organização social ou empresa.
A lista tem sido, enquanto a “lista suja” segue suspen-
sa, o principal instrumento das empresas associadas
do InPACTO para o controle e monitoramento de sua
cadeia produtiva com relação ao trabalho escravo.13

4.2 Direito à moradia


No Distrito Federal, há muitas décadas, moradores da
periferia sofrem com a arbitrária demolição de suas mora-
dias, medidas que se efetivaram por operações da AGEFIS –
Agência de Fiscalização do Distrito Federal, sob o argumento
de que as áreas ocupadas são propriedade da Companhia
Imobiliária de Brasília - Terracap.
A verdade é que o governo do Distrito Federal promove
as desocupações de comunidades de baixa renda, para en-
tregar a área a grandes empreiteiras para a construção de
condomínios.
Ocorre que há fundada dúvida quanto ao fato de ser
a Terracap proprietária de tais áreas do Distrito Federal.
E ainda que seja, muitos desses cidadãos de baixa renda
têm direito à regularização fundiária urbana disciplinada
pela Lei n.º 13.465/2017, uma vez que são detentores de área
pública situada em núcleo urbano informal já consolidado
em dezembro de 2016.
Em dezembro de 2016, a advogada popular que represen-
ta algumas dessas comunidades nos pedidos administrativos
de regularização fundiária urbana, alegando desconhecer
quais seriam os terrenos de propriedade da Terracap, em
face da indisponibilidade de informação acerca de quais áreas
seriam públicas, portanto sem poder definir quais seriam

13 Idem.

197
passiveis de regularização fundiária, com base na novel Lei n.º
13.456/2017, e quais seriam passíveis de usucapião, requereu
à referida empresa, com fundamento na Lei n.º 12.527/11 e
na Lei Distrital n.º 4.990/2012, o acesso a tal informação.
Não logrando êxito e, ainda com espeque na Lei de Acesso à
Informação, recorreu até a última instância administrativa,
exercida pela Controladoria-Geral do Distrito Federal, que, ao
final, deferiu o pleito da autora e determinou à Companhia
Imobiliária de Brasília – Terracap que promovesse a entrega
da informação, qual seja, a indicação de todos os terrenos
de propriedade dela.
A Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF)
representa a última instância recursal da Lei de Acesso à
Informação em nível distrital (Lei Distrital 4.990/2012). No
exercício de sua competência legal, a referida instância de-
cidiu, em 5 de abril do corrente ano, de forma favorável ao
pleito da requerente, conforme segue:

“Prezada Sra. Anjuli Tostes Faria Osterne,


Ao cumprimentá-lo cordialmente, refiro-me ao re-
curso apresentado à Controladoria-Geral do Distri-
to Federal em relação ao pedido de informação nº
00111000144/2016-84.
Analisando o teor das informações prestadas pela
Companhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP, o
Controlador Geral do Distrito Federal, concluiu pelo
provimento do recurso, uma vez que não foram ado­
tadas pela Administração Pública as providências
para o fiel cumprimento das normas jurídicas que
disciplinam o acesso à informação.
Conforme relatado no Despacho nº 115/2017-
GAB/CGDF, anexo, informo que Processo nº
480.000.044/2017, será remetido para a TERRA-
CAP, com a recomendação de prestar à informação
ao requerente de forma imediata a respeito dos
imóveis de propriedade da empresa localizados no
DF que estejam desembaraçados e em condições de

198
venda e pelo fornecimento, no prazo máximo de 90
dias, da relação completa dos restantes dos imóveis,
anexar cópia da resposta aos autos e restituí-lo a
esta Controladoria-Geral para ciência e posterior
arquivamento.
Atenciosamente,
Controladoria Geral do Distrito Federal”14

As informações solicitadas gozam de relevante interesse


público e deveriam estar, portanto, em transparência ativa.
A indisponibilidade da informação ensejava, em primeiro
lugar, a desocupação arbitrária de áreas ocupadas por co-
munidades carentes, sem que houvesse certeza quanto a
se tratar de propriedade do Distrito Federal. Além disso, a
ausência de informação vinha se constituindo em empecilho à
regularização fundiária urbana. Assim, o acesso à informação
foi assegurado como forma de garantia do direito social à
moradia, previsto no art. 6.º da Constituição da República.

4.3 Direito a férias


Em abril de 2017, um cidadão empregado da Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafo, solicitou à empresa acesso
a documento que tratava da suspensão da concessão de férias,
no âmbito da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos,
pelo período de um ano, de maio de 2017 a abril de 2018.
A empresa indeferiu o pedido, por entender se tratar de
informação sigilosa.
O cidadão percorreu todas as instâncias recursais, até
a Controladoria-Geral da União, onde teve o recurso provido.
A decisão da CGU foi baseada nos artigos 5.º, XXXIII e 37, §
3.º, II, da Carta Magna, bem como nas disposições da Lei n.º
12.527/2011, em face dos quais entendeu que a empresa não

14  Mensagem eletrônica enviada à co-autora.

199
poderia negar o acesso do requerente ao Relatório/VIGEP n.º
003/2017, que tratava do tema do seu interesse.
A CGU não se furtou à análise do alegado caráter sigiloso
do documento, afastando-o, com base nos artigos 22 da Lei
n.º 12.527/2011 e 157 da Lei nº 6.404/1976.
Quanto ao mais, assim foi vazado o parecer que opinou
pelo provimento do recurso e que foi acolhido pelo Ouvi-
dor-Geral da República15:

Resta configurado, então, conflito entre a alegada


prerrogativa de recusar a informação solicitada e
o direito do cidadão, empregado da ECT, obter as
informações de seu interesse pessoal.
O Relatório/VIGEP nº 003/2017 trata da suspensão
da concessão de férias dos trabalhadores da ECT, de
maio de 2017 a abril de 2018. Importante destacar
que a ECT é uma empresa pública, reconhecida pela
CGU como tendo “natureza híbrida, por atuar tanto
na prestação de serviços públicos quanto nas ativi-
dades comerciais de cunho concorrencial” (processo
nº 99923.001660/2013-96).
Dessa forma, conforme dispõe o art. 173, §1º, II, da
Constituição Federal, o regime jurídico dos sem
trabalhadores é o próprio das empresas privadas,
ou seja, baseado na Consolidação das Leis do Tra-
balho – CLT.
Dito isto, é de se destacar que as entidades que com-
põem a administração indireta estão sujeitas aos
princípios inaugurados pelo art. 37 da Constituição
Federal, dentre eles o da publicidade. É regra, por-
tanto, que os atos administrativos sejam públicos e,
em casos excepcionais sejam restritos ou sigilosos,
aparentando ser este o caso, conforme se apresenta
a seguir.

15  Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União. Ouvidoria-Ge­


ral da União. Coordenação-Geral de Recursos de Acesso à Informação. Processo
n.º 99923.000573/2017-45. Parecer da Auditora Federal de Finanças e Controle
Anjuli Tostes Faria.

200
Observa-se que o art. 129, do Decreto Lei 5452 de
1943 (Consolidação das Leis do Trabalho), na linha do
que estabelece o art. 7.º, XVII da Constituição, dispõe
que todo empregado terá direito anualmente ao gozo
de um período de férias, sem prejuízo da remuneração.
Por seu turno, o art. 130 dispõe que após cada período
de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho,
o empregado terá direito a férias, e o art. 134 que as
férias serão concedidas por ato do empregador, em um
só período, nos 12 (doze) meses subseqüentes à data em
que o empregado tiver adquirido o direito.
A não concessão das férias no denominado período
concessivo gera despesa para o empregador, uma
vez que a remuneração haverá de ser paga em dobro,
nos termos do art. 137 da CLT.
Resta evidenciado o interesse público na concessão
das férias no prazo legal, uma vez que sua extra­
polação gera acréscimo de despesa para a empresa
pública. Para além disso, verifica-se, no caso vertente,
evidente direito do requerente, na condição de em-
pregado da requerida, de conhecer as razões pelas
quais não serão concedidas férias aos empregados
no período de maio de 2017 a abril de 2018, período
no qual, fatalmente, restarão escoados os prazos de
concessão de férias de diversos empregados.
Frise-se que a CLT, em seu artigo 136, § 1.º, determina
que vencido o mencionado prazo [período concessivo]
sem que o empregador tenha concedido as férias, o em-
pregado poderá ajuizar reclamação pedindo a fixação,
por sentença, da época de gozo das mesmas, disposição
que evidencia o direito de o empregado gozar as
férias no período fixado na lei e, consequentemente,
de saber os motivos pelos quais o exercício do direito
está empecilhado.
Cabe à entidade pública harmonizar a necessidade
de preservação de certas informações consideradas
de cunho estratégico, como é o caso do sigilo comer-
cial estabelecido pela Lei nº 6.404/1976, invocada
pela requerida, com os princípios de proteção ao
trabalhador, estes trazidos pela CLT, pela doutrina
e pela jurisprudência correlata, sendo esta também
uma forma de proteção às próprias estatais e aos
cofres públicos, como no caso de não concessão de

201
férias no prazo legal, que acarreta o pagamento em
dobro da remuneração correspondente. Além disso,
a não concessão pode gerar sanções pelo descum-
primento de regras relativas a férias.
Não se alegue que o momento de concessão das férias
será aquele que melhor consulte aos interesses da
empresa, como dispõe a CLT (art. 136, caput), porque
tal faculdade tem que ser exercida nos limites tem-
porais fixados pela mesma norma, ou seja, dentro
do período concessivo.

4.4 Obrigações socioambientais e proteção dos povos indígenas


Em setembro de 2014, a Controladoria-Geral da Uniuão
deu provimento a recurso do Instituto Socioambiental - ISA
contra decisão denegatória do Banco Nacional de Desen-
volvimento Econômico e Social (BNDES) em “dar acesso aos
relatórios ambientais produzidos por uma auditoria indepen-
dente para o BNDES, além de solicitar informações relativas
à execução físico-financeira das obrigações socioambientais
do beneficiário do empréstimo destinado a financiar a usina,
a empresa Norte Energia”16. A CGU não acolheu a alegação
do BNDES no sentido de que os dados estariam protegidos
por sigilo bancário e, assim, não poderiam ser liberados. De
reverso, a Contorladoria entendeu tratar-se de informações
de interesse público.
O BNDES não cumpriu a determinação da CGU, razão
pela qual o ISA apresentou, em novembro de 2014, denúncia
à CGU exigindo que as informações relativas à execução físi-
co-financeira das obrigações socioambientais do beneficiário

16 https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/bndes-
descumpre-decisao-da-controladoria-da-uniao-e-nega-acesso-a-dados-sobre-
belo-monte

202
do empréstimo destinado a financiar a usina, a empresa
Norte Energia fosse disponibilizados. 17

17  Em fevereiro de 2014, o ISA denunciava: “O banner no site da Norte Energia,


empresa responsável pela construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no
Rio Xingu, no Pará, anuncia com destaque que 45% da usina foi concluída. Ao
redor da construção, os nove povos indígenas atingidos já se deparam com os
problemas de uma obra que segue campeã em inadimplência socioambiental.
Desde o leilão da usina, em 2010, até agora apenas 15% dos compromissos de
proteção territorial dos povos indígenas foram atendidos. É o que revela a nota
técnica do ISA, resultado de mais de um ano de análise e investigação sobre o
cumprimento das medidas de prevenção, mitigação e compensação de impactos
relativos aos direitos territoriais nas 12 Terras Indígenas afetadas pela obra.
O quadro de inadimplência apresentado é preocupante, se concentrando prin-
cipalmente no não cumprimento de condicionantes por parte do poder público:
este é o responsável pelo descumprimento de nove das 15 condicionantes que
atualmente estão com pendências e/ou atrasos.
Para realizar a nota técnica, o ISA utilizou o Sistema de Informação ao Cidadão
(SIC), criado após a lei de acesso a informação. Durante mais de um ano, organizou
pedidos a todos os órgãos corresponsáveis pela execução e monitoramento das
condicionantes das licenças ambientais da obra. Utilizando os mesmos critérios
do órgão licenciador, técnicos do ISA avaliaram as condicionantes indígenas
relacionadas à proteção às terras e aos povos indígenas do Xingu.
A Funai não se manifesta publicamente sobre o monitoramento das condi-
cionantes desde maio de 2013. O Ibama, principal órgão do governo federal
responsável pela fiscalização da obra, aponta as condicionantes indígenas como
de avaliação “não pertinente” nos pareceres técnicos que publica semestral-
mente. Diante deste cenário de dívidas com os povos indígenas, a ausência de
informação pública sobre irregularidades na licença é uma constante desde
o leilão da usina. Apesar disso, a Norte Energia pretende solicitar ao Ibama a
liberação da licença para operar a usina ainda no primeiro semestre deste ano.
Sem infraestrutura local, equipe e recursos, o governo federal não consegue
executar e manter ações de proteção e de fiscalização nas Terras Indígenas
afetadas por Belo Monte. Este quadro nos remete a outra questão: a obrigação
de estruturar a Funai em Altamira nunca saiu do papel. A Norte Energia não
iniciou sequer a construção da nova sede do órgão indigenista na cidade, e a
quantidade de pessoas no corpo técnico é praticamente a mesma em relação
a 2009, ano anterior à primeira licença da usina.
As consequências do acúmulo de três anos de inadimplência socioambiental
estão evidenciadas no aumento dos índices de desmatamento ilegal dentro
das Terras Indígenas. O desmatamento entre 2012 e 2013 aumentou, após anos
de queda. “O maior aumento, o da TI Cachoeira Seca, é explicado em grande
parte pelo aumento na demanda por recursos naturais (madeira e pastos para
pecuária) associados ao crescimento desordenado da cidade de Altamira”, explica
Juan Doblas, analista de geoprocessamento do ISA.
Para prevenir novas invasões, regularizar terras já demarcadas e garantir um
grande corredor de proteção social e ambiental na região, governo federal e
Norte Energia se comprometeram a executar ações divididas em 19 condicio-
nantes, sendo 12 de responsabilidade exclusiva do poder público. A nota técnica
aponta que das 19, apenas três foram plenamente atendidas.
“As Terras Indígenas e Unidades de Conservação são grandes bolsões de floresta,
ricos em biodiversidade, que sofrem imensa pressão com a chegada de grandes

203
Segundo a ISA, “Belo Monte recebeu um financiamento
de R$ 22,5 bilhões do BNDES, o que equivale a cerca de 80% do
valor da obra. Desse valor, R$ 3,7 bilhões foram destinados ao
cumprimento de obrigações socioambientais e à implantação
de um plano de desenvolvimento sustentável da região de
Altamira”. O Instituto afirmou, à época, que “a própria CGU
ou outros órgãos de controle, como o Tribunal de Contas e
o Ministério Público, não tiveram acesso a esses dados para
confirmar quais informações o banco realmente possui e se
elas são realmente sigilosas”, de modo que “a sociedade acaba
sem ter informações sobre o orçamento destinado à garantia
de direitos das populações atingidas, que são informações
de evidente interesse público”18.
A decisão da CGU impôs ao BNDES a ampliação das me-
didas de transparência das informações relativas a obrigações
socioambientais dos beneficiários de seus empréstimos,
pois “além de representarem instrumento à efetividade do
comando constitucional, [as obrigações] servem de impor-
tante meio para a redução dos riscos inerentes ao negócio,
em especial no que se refere à eventual responsabilização
solidária da instituição financeira por conduta que gere
danos ao meio ambiente”.
Uma vez que o BNDES descumpriu a determinação da
CGU, o Ministério Público Federal propôs ação, com base na
Lei de Acesso à Informação, em que postulava a disponibi-

empreendimentos como Belo Monte. As medidas de proteção destes territórios


devem ser de natureza preventiva, antes do início dos impactos previstos. Deixar
as medidas de proteção e fiscalização territorial só para depois de consolidado
o dano implica o risco de que elas percam sentido e efetividade”. Disponível em
http://envolverde.cartacapital.com.br/belo-monte-avaliacao-inedita-dos-impac-
tos-sobre-os-indios-revela-inadimplencia-em-80-das-acoes/. Acesso em 20.12.17.

18  Disponível em https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambi-


entais/bndes-descumpre-decisao-da-controladoria-da-uniao-e-nega-acesso-a-
dados-sobre-belo-monte. Acesso em 20.12.17.

204
lização dos relatórios ao ISA, em virtude da qual foi feito
acordo extrajudicial, que assegurou a publicação periódica
dos relatórios.

4.5. Direito ao contraditório e à ampla defesa em dispensa de


empregado
Em 2015, um empregado do Banco do Brasil foi des-
pedido por justa causa. Alegando desconhecer as razões de
sua dispensa, solicitou ao banco a entrega, sem ocultação de
dados das testemunhas, do processo da ação disciplinar. O
Banco fez entrega de parte dos documentos, mas se negou
a fornecer a cópia integral do autos, sob a alegação de que
“a investigação objeto do processo ainda está em curso”.
O empregado recorreu à Controladoria-Geral da
União19, apontando a improcedência da alegação, uma vez que
visto que o cidadão informou à CGU que o Banco do Brasil
já lhe havia aplicado a pena de dinspensa, de nmodo que a
investigação já havia sido concluída e a decisão tomada.
Instado a se manifestar, o Banco do Brasil afirmou
que o caso fora “analisado e julgado em conformidade com
o normativo vigente” eu que “o pedido de revisão é cabível
quando a sanção aplicada for Suspensão ou Destituição;
não cabendo, portanto, para o caso em tela, a solicitação de
revisão”. Já o empregado afirmou que “em nenhum momento
disponibilizaram documentos, em nenhum momento houve
chance de defesa, fui ameaçado e agredido verbalmente me
ajudem. Preciso dos documentos do inteiro teor do processo
administrativo”.

19  Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União. Ouvidoria-Ger-


al da União. Coordenação-Geral de Recursos de Acesso à Informação. Processo
n.º NUP 99901.001248/2015-96. Parecer do Auditor Federal de Finanças e
Controle Ícaro da Silva Teixeira

205
O Auditor a quem coube a produção do parecer ar-
gumentou, na linha do que defendera o Ministério Público
Federal, em processo precedente:

(...) Ora, embora o inciso II do § 1º do art. 173 da


Constituição Federal expressamente designe, entre
outros, que a lei estabelecerá o estatuto jurídico
da sociedade de economia mista exploradora de
atividade econômica com sujeição ao regime, sa-
be-se que o impetrante está estritamente vinculado
aos princípios norteadores próprio das empresas
privadas da ati­vidade administrativa elencados no
caput do art. 37 da Constituição Federal e no caput
do art. 2º da Lei nº 9.784/1999. É dizer, coexistem
normas jurídicas de direito público e privado, inclu-
sive na admissão e demissão de seus empregados. (...)
Ora, a despeito da discussão acerca da aplicabilidade
da Lei de Acesso à Informação nas circunstâncias
em que pessoa jurídica de direito privado não es-
teja atuando como longa manus do Poder Público,
a Magna Carta prevê o direito fundamental de aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo,
e aos acusados em geral serem assegurados o con-
traditório e ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes (inciso LV do art. 5º). A polêmica sobre
a incidência ou não da Lei nº 12.527/2011 não preva-
lece diante da necessidade de ser efetivado o direito
assegurado pelo inciso LV do art. 5º, da CF/1988 e
pelo caput do art. 2º e art. 9º da Lei nº 9.784/1999,
sobretudo, repita-se, pelo fato de o impetrante ter
procedido à instauração de processo administrativo
prévio à demissão. Ademais, nem a natureza do ato,
se administrativo ou trabalhista, é tão importante
quanto o reconhecimento da existência de uma
cláusula pétrea constitucionalmente assegurada
e aplicável ao caso concreto dos autos. Inexorável,
pois, que integra o contraditório e a ampla defesa o
acesso do 3º interessado às cópias das peças proces-
suais acauteladas no processo em que figurou como
parte. Um parênteses, entretanto, é necessário. Se a
Lei nº 12.527/2011 foi editada para regular o direito
de acesso à informação previsto no inciso XXXIII
do art. 5º da CF/1988, incluindo como um de seus

206
destinatários as sociedades de economia mista na
prestação de informações de interesse particular
dos administrados, não seria razoável julgar que
o terceiro, empregado do Banco do Brasil antes da
demissão, seja desinteressado em conhecer e apalpar
os autos processuais do procedimento que apurou
transgressão funcional a ele imputada; até porque
não configura esta uma hipótese excepcional de
sigilo resguardada pela CF/1988 ou pelos incisos I e II
do art. 6º3 do Decreto nº 7.724/2012, o qual disciplina
a Lei de Acesso à Informação no plano do Executivo
Federal ou ainda pela Lei das Sociedades Anônimas.
Além do mais, se até informações públicas devem
ser disponibilizadas aos administrados, ressalvadas
as protegidas por sigilo, quiçá as que guardem per-
tinência com a vida pessoal de tais pessoas.

A CGU decidiu, assim, dar provimento ao recurso para


assegurar ao cidadão, empregado do Banco do Brasil, acesso
ao processo administrativo disciplinar em que era parte,
visando exercer seu direito de contraditório e ampla defesa20.

5. Conclusões
Um Estado será mais ou menos democrático de acordo
com o nível de transparência na ação dos agentes públicos,
de acesso às informações, de possibilidade de participação
dos cidadãos e de prestação de contas por parte dos gestores.
Não é por outra razão que o acesso à informação como
direito fundamental, é reconhecido por importantes or-
ganismos da comunidade internacional, como evidenciam
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto In-
ternacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção das
Nações Unidas contra a Corrupção.

20  Há outras decisões da CGU, no mesmo sentido, v.g., o parecer NUP


99901.001087/2014-50. Disponível em http://buscaprecedentes.cgu.gov.br/
busca/dados/Precedente/099901001087201450_CGU.pdf.

207
Em muitos países, é percebido um grande esforço para
assegurar o aceso às informações, preservando-se, apenas,
aquelas legalmente protegidas, como condição de prevenção
da corrupção e fortalecimento das instituições.
No Brasil, a Constituição da República erige, no art.
5.º, XXXII, o direito à informação como direito fundamental,
matéria regulamentada pela Lei n.º 12.527/2012 – Lei de
Acesso à Informação (LAI), segundo a qual a transparência
é regra e o sigilo só é admitido em casos expressamente
motivados, nas circunstâncias mencionadas.
O direito de acesso à informação é essencial para a
garantia do exercício dos direitos sociais e, por isso, deve
atingir não apenas a ação estatal, mas, também, a atuação
de alguns agentes privados, como os empregadores, as em-
presas que prestam serviços públicos e outros que possam
afetar os direitos sociais ou os bens públicos, pois o escopo
do direito de acesso à informação é muito mais amplo do que
a obtenção de um dado público, em particular, e nisso não se
esgota. É direito instrumental imprescindível à efetividade
dos direitos sociais constitucionalmente assegurados.
Assim, a garantia de acesso a informações, seja no
âmbito público, seja na esfera privada, promoveu alterações
importantes na qualidade da democracia brasileira, com
destaque para avanços em matéria de garantia do exercício
de direitos sociais, como evidenciam os casos elencados no
presente texto.

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www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao065/Andre-
iaScapin_GiseleBossa.html.

212
O DIREITO À INFORMAÇÃO À LUZ DA PERSPECTIVA
DO DIREITO COM TRUNFO DE DWORKIN*
Anjuli Tostes Faria Melo

SUMÁRIO: I. Introdução; II. A teoria do direito de Dworkin: 1) Os


direitos como trunfos; 2) Casos difíceis; 3) Direito e moral; 4) Peso e
ponderação; III. Um breve relatório sobre o caso analisado; IV. Análise
do voto do ministro maurício corrêa: 1) Direito à intimidade; 2) A não
violação à lei de arquivos públicos (lei 8.159/91); V. Análise do voto do
ministro nelson jobim; VI. Processo interpretativo: da concepção
solipsista de dworkin ao modelo procedimentalista de habermas;
VII. Conclusão.

I. INTRODUÇÃO
A teoria do direito de Ronald Dworkin fornece um rele-
vante ferramental teórico para a tomada de decisão. Centrado
na preocupação de que o juiz possa sempre identificar os
direitos das partes no caso concreto, o autor formula um
importante conceito: direitos são trunfos políticos frente
a justificativas de fundo utilitárias formuladas pelo Estado.
Esse conceito, aliado a uma compreensão do direito como
integridade, será o norte para o desenvolvimento do presente
trabalho.

* Texto apresentado como monografia para a conclusão do curso de Direito,


na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Centro de Ensino
Superior de Brasília-UNICEUB, sob orientação do Professor Alvaro Luis de
Araújo Sales Ciarlini, em 2014 

213
Com esteio na teoria do direito formulada por Dworkin,
será analisado o acórdão do Supremo Tribunal Federal refer-
ente ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS)
n. 23.036-1/RJ22, em que os recorrentes se insurgiam contra
a negativa de acesso às gravações das sustentações orais de
julgamentos realizadas perante o Superior Tribunal Militar
(STM) durante o período da ditadura.
Buscar-se-á, a partir da análise empreendida, responder
a seguinte pergunta: a consideração dos direitos – e, nesse
caso específico, do direito à informação - como trunfos tem
impacto sobre a tomada de decisão?
No acórdão mencionado, um mesmo caso concreto
ensejou duas decisões com perspectivas diametralmente
opostas. Pretende-se investigar, por meio do presente tra-
balho, se a consideração do direito à informação como trunfo,
sob a perspectiva de Dworkin, foi variável determinante para
a definição do resultado do julgamento no caso concreto.
Primeiramente, faremos uma exposição geral da teoria
do direito de Dworkin, tomando por base, principalmente,
dois livros relevantes para sua compreensão: Levando os
Direitos a Sério (Taking the Rights Seriously, 1977)23, em
que Dworkin expõe algumas de suas ideias por meio de
uma coleção de ensaios; e O Império do Direito (Law Em-
pire, 1986)24, uma versão mais amadurecida em que autor

22  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Ordinário em


Mandado de Segurança n. 23.036/RJ, pp. 246-282. Relator originário: Corrêa,
Maurício. Relator para o Acórdão: Jobim, Nelson. Segunda Turma. Recorrentes:
Fernando Augusto Henriques Fernandes e outro. Recorrido: Superior Tribunal
Militar. Publicado no DJ de 25-08-2006. Disponível em http://redir.stf.jus.br/pag-
inadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=115926. Acessado em 10/03/2014.
Acesso em 5 de março de 2014.
23  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010.
24  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University
Press, 2000.

214
desenvolve e aperfeiçoa algumas das concepções apresen-
tadas no primeiro livro. Desse modo, serão explicitados os
principais elementos da teoria de Dworkin, destacando-se
os mais relevantes à análise empreendida, como a concepção
de direitos como trunfos, a tese da única resposta correta,
o conceito de norma jurídica, a distinção entre argumentos
de princípio e de política, a interpretação construtiva e a
concepção de direito como integridade.
Na sequência, a teoria do direito de Dworkin será uti-
lizada como ferramenta para a análise dos votos dos minis­
tros Maurício Corrêa e Nelson Jobim, no bojo do acórdão
supramencionado. O primeiro, relator originário, decidiu pelo
não provimento do recurso, com base, sucintamente, (i) na
colisão entre o direito a informação e o direito a intimidade e
(ii) na inaplicabilidade da lei de arquivos, negando, por-
tanto, o direito a informação no caso concreto. O segundo,
relator para o acórdão, entendeu pelo provimento do recurso,
com base na não configuração de situação excepcional apta
a limitar o direito a informação.

215
II. A TEORIA DO DIREITO DE DWORKIN

1) Os Direitos como Trunfos

“Rights are best understood as trumps over some back-


ground justification for political decisions that states a goal for
the community as a whole.”25

Entre os importantes legados deixados por Ronald


Dworkin à Teoria do Direito, destaca-se a concepção dos
direitos como trunfos. Para Dworkin, direitos individuais são
trunfos políticos que os indivíduos detêm contra justificativas
de fundo utilitário que possam ser apresentadas pelo Estado.

“Os direitos individuais são trunfos políticos que


os indivíduos detêm. Os indivíduos têm direitos
quando, por alguma razão, um objetivo comum não
configura uma justificativa suficiente para negar-
lhes aquilo que, enquanto indivíduos, desejam ter ou
fazer, ou quando não há uma justificativa suficiente
para lhe impor alguma perda ou dano” 26

A noção de “trunfo” é uma metáfora que alude a um


jogo de cartas. Um trunfo deve representar uma vantagem
no jogo para aquele que o possui, em relação a algo ou a al-
guém. Assim, no contexto político, um direito deve prevalecer
quando contrastado com uma meta coletiva: ele representa

25  “Direitos são melhor compreendidos como trunfos sobre alguma justificativa
de fundo para decisões políticas que afirmem um objetivo para a comunidade
como um todo.” (DWORKIN, Ronald. Rights as Trumps. In: WALDRON, Jeremy.
The Theories of Rights. Oxford: Oxford University Press, 1984, p. 153).
26  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. XV.

216
um trunfo, portanto deve ter um peso maior na avaliação dos
tomadores de decisão.27
Essa caracterização revela uma compreensão liberal
do direito, que permeará do primeiro ao último escrito de
Dworkin. Há, no entanto, uma evolução à descrição inicial de
Carl Schmitt – que expressa um tom mais ideológico do que
filosófico - pois não reveste os direitos fundamentais de um
pretenso caráter absoluto28. Na verdade, a própria definição
do direito como trunfo explicita que, em casos extremos, é
possível que uma meta coletiva29 venha a se sobrepor a um
direito subjetivo30:

“Segue-se, da definição direito, que ele não pode ser


suplantado por qualquer meta social. Para simplifi-

27  É importante compreender que, para Dworkin, tanto direitos quanto metas
são expressões de objetivos políticos, e que esses últimos são justificações políti-
cas genéricas para um determinado estado de coisas. Podemos considerar algo
como um objetivo político no âmbito de uma teoria política se, para essa teoria,
ele contar a favor de uma decisão política que tem a probabilidade de promover
um estado de coisas, e contra uma decisão que irá retardar sua ocorrência ou
colocar esse estado de coisas em perigo. Um objetivo político pode se manifestar
tanto como um direito quanto como uma meta no âmbito de uma determinada
teoria política: um direito é um objetivo político individuado, enquanto uma
meta é um objetivo político não- individuado. (DWORKIN, Ronald. Levando os
Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010, pp. 142-143.)
28  SCHMITT, Carl. Teoría de La Constitución. Madrid: Alianza, 1996, p. 169
29  Meta é um objetivo político não-individuado, ou seja, promove um estado
de coisas cuja especificação não requer a concessão de nenhuma oportunidade
ou recurso particular, nem de nenhuma liberdade para indivíduos determina-
dos. Uma meta coletiva estimula as trocas de benefícios e encargos em uma
determinada comunidade, visando a produção de algum benefício geral para
a comunidade como um todo. Como exemplos de meta, temos a eficiência
econômica e a segurança nacional. (DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a
Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 143.)
30  Um direito é um objetivo político individuado, pois conta a favor de uma
decisão política que promove um determinado estado de coisas no qual se
concede uma oportunidade, recurso ou liberdade para indivíduos determina-
dos - mesmo que com isso nenhum outro objetivo político seja servido e algum
objetivo político seja desservido – e conta contra uma decisão que retarde ou
coloque em perigo esse estado de coisas, mesmo que com isso algum outro
objetivo político possa ser afetado. (DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a
Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010, pp. 142-143.)

217
car, podemos dizer que não chamaremos de direito
qualquer objetivo político, a menos que ele tenha
um certo peso contra as metas coletivas em geral;
a menos que, por exemplo, não possa ser invalidado
mediante o apelo a qualquer das metas rotineiras
da administração política, mas somente por uma
meta de urgência especial.”31

Conferir o devido peso aos direitos, portanto, envolve


a compreensão de que é preciso levar os direitos a sério, sob
pena de esvaziá-los em seu sentido. Em última análise, os
direitos são uma promessa da maioria às minorias de que
sua dignidade e igualdade serão respeitadas32, e devem ser
tratados com o devido apreço por seus aplicadores.

2) Casos Difíceis
Segundo Dworkin, quando juristas tentam descrever
a lei por meio de conceitos que não são claros – “normas de
textura aberta”, no dizer de Hart - acabam por gerar nos apli-
cadores do direito perplexidades conceituais, e a controvérsia
entre esses aplicadores é um desacordo não sobre o fato ou
a doutrina, mas sobre a forma correta de interpretar esses
conceitos. Não haveria clareza, portanto, sobre o modo como
resolver controvérsias conceituais com base nas técnicas
correntemente utilizadas pelos juízes na prática do direito.33
Há, também, um outro tipo de dificuldade interpretativa
imposta aos aplicadores do direito, que se manifesta quando
não é possível identificar de forma precisa, no caso concreto,

31  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 144. (Aqui fiz uma correção na tradução, para manter a fidedignidade
ao texto original.)
32  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 314.
33  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 3.

218
a regra correta a ser aplicada: seja porque há dúvidas entre a
aplicabilidade de duas ou mais regras, seja porque não existe
regra alguma que poderia subsumir o fato no caso concreto.34
Esses dois tipos de problemas manifestam-se espe-
cialmente no que Dworkin chama de “casos difíceis”, e re-
querem, portanto, a aplicação de um método especial para
serem solucionados. As soluções oferecidas pelo positivismo
jurídico - criticado pelo autor em sua versão mais refinada,
formulada por Hart – e pela teoria do direito de Dworkin
fornecem respostas distintas para esses problemas, que
serão aqui brevemente analisadas.
O positivismo concebe o direito como um sistema de
regras. Essas regras são consideradas como válidas se, quando
da sua gênese, tiverem sido formuladas respeitando pro-
cedimentos pré-estabelecidos, que fazem referência a uma
“regra fundamental de reconhecimento”.35
Hart reconhece que as regras jurídicas possuem limites
imprecisos, em virtude de sua “textura aberta”. Além disso,
há situações em que não haveria uma regra explícita a ser
aplicada ao caso. Nesses casos problemáticos, Hart afirma
que os juízes estariam autorizados a exercitar um poder
discricionário, estabelecendo uma nova legislação no caso
concreto36. Segundo Dworkin,

“a teoria do direito clássica pressupõe que os juízes


decidam os casos em duas etapas: encontrem o limite
daquilo que o direito explícito exige e, em seguida,

34  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 55.
35  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 33.
36  HART, H. L. A., The Concept of Law, apud DWORKIN, Ronald. Levando os
Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 35.

219
exerçam um poder discricionário independente para
legislar sobre problemas que o direito não alcança.”37

Em Levando os Direitos a Sério, Dworkin demonstra que


esses resultados que conduzem a uma discricionariedade do
juiz são inevitáveis para aqueles que pensam o direito como
um conjunto de regras jurídicas.38 Tendo isso em conta,
propõe uma nova abordagem para resolver os problemas
apresentados nos casos difíceis: atribui ao juiz a obrigação de
investigar exaustivamente a única resposta certa para o caso
concreto, com base na melhor interpretação moral possível
das práticas em vigor em uma determinada comunidade. Para
explicitar essa missão, se utiliza da metáfora do juiz Hércules,
um jurista de “capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade
sobre-humanas” 39, que tomará sua decisão com base naquilo
que a intenção legislativa e os princípios requerem, de modo a
“fazer cumprir os direitos institucionais verdadeiros daqueles
que procuram o seu tribunal”40. Habermas nos fornece uma
descrição da missão desempenhada por esse juiz filósofo:

“O ‘juiz Hércules’ dispõe de dois componentes de um


saber ideal: ele conhece todos os princípios e objeti-
vos válidos que são necessários para a justificação;
ao mesmo tempo, ele tem uma visão completa sobre
o tecido cerrado dos elementos do direito vigente
que ele encontra diante de si, ligados através de fios
argumentativos. Ambos os componentes traçam
limites à construção da teoria. O espaço preenchido

37  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 195.
38  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010.
39  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 165.
40  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 192.

220
pela sobre-humana capacidade argumentativa de
Hércules é definido, de um lado, pela possibilidade
de variar a hierarquia dos princípios e objetivos do
direito positivo e de corrigir ‘erros’. Hércules deve
descobrir a série coerente de princípios capaz de
justificar a história institucional de um determinado
sistema de direitos, ‘do modo como é exigido pela
equidade’.”41

Dworkin entende que, para levar os direitos a sério, é


preciso que o juiz continue investigando qual seria a resposta
certa para o caso em questão, mesmo quando as regras não
oferecem uma solução. Cada caso, portanto, ensejaria uma
única resposta certa, e, para alcançá-la, seria necessário
compreender o direito de uma forma mais abrangente, in-
troduzindo-se no conceito de norma também os princípios
jurídicos.42 As normas jurídicas seriam, portanto, na teoria
dos direitos de Dworkin, de dois tipos: regras, aplicáveis à
maneira do tudo-ou-nada, e princípios, que apenas inclinam
a percepção do juiz em uma determinada direção. Segundo
Dworkin:

“A diferença entre princípios jurídicos e regras


jurídicas é de natureza lógica. Os dois conjuntos de
padrões apontam para decisões particulares acerca
da obrigação jurídica em circunstâncias específicas,
mas distinguem-se quanto à natureza da orientação
que oferecem. Regras são aplicáveis à maneira do
tudo ou nada. Dados os fatos que uma regra estip-
ula, então a regra é válida, e neste caso a resposta
que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e
neste caso em nada contribui para a decisão; (...)
Os princípios possuem uma dimensão que as re-
gras não têm, a dimensão de peso ou importância.

41  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.


Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 263.
42  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010.

221
Quando os princípios se intercruzam (...), aquele
que vai resolver o conflito tem que levar em conta
o peso de cada um.”43

Para Hart, toda decisão seria uma estipulação de sig-


nificado, e, portanto, ensejaria a criação de novas normas
jurídicas. 44 Dworkin discorda: em casos difíceis, os juízes não
possuem discricionariedade para atuar como “legisladores
delegados”, permanecendo obrigados a identificar o direito
aplicável ao caso concreto45: devem buscar a “melhor inter-
pretação” para o caso à luz da perspectiva do direito como
integridade. Essa “melhor interpretação” é obtida por meio
de uma “atitude interpretativa”, que se desenvolve sobre um
conjunto de procedimentos (etapas interpretativas) desti-
nados à aplicação do Direito de maneira congruente com
os princípios e a moral existentes na base da comunidade
política.46
Em Levando os Direitos a Sério, Dworkin já prevê que es-
sas questões pedem uma análise do uso moral conceito, e não
meramente de seu uso legal. 47Para Dworkin, “os problemas
do direito são, no fundo, problemas relativos a princípios

43  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, pp. 39-42
44  Hart e A. M. Honore, no livro Causation in the Law (A Causação no Direito)
discutiram as perplexidades conceituais relativas ao conceito de “infração legal”,
mas, ao contrário dos demais positivistas predecessores de Hart, propuseram-se
a explicar tanto os sentidos cotidianos como os estritamente jurídicos desse
conceito. Hart e seus demais colegas da corrente filosófica de Oxford, e J. L.
Austin em particular, focaram no estudo da linguagem para definir o sentido que
devem ter as regras para os seus aplicadores. (in: DWORKIN, Ronald. Levando
os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 12.).
45  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 129.
46  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University
Press, 2000, p. 52.
47  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 6.

222
morais e não a estratégias ou fatos jurídicos”, como quer-
em fazer crer os positivistas.48 Em O Império do Direito, a
tese da única resposta certa apresenta uma evolução: o juiz
Hércules passa de um juiz devotado aos princípios para um
aplicador do direito na busca da “melhor interpretação” para
o caso, que estará fundada em uma compreensão do direito
como integridade.49
Em O Império do Direito, Dworkin ataca a teoria semân-
tica positivista de forma mais detalhada, descrevendo seus
defensores como prisioneiros do “aguilhão semântico”. Para
esses teóricos, o direito se resumiria a uma questão de fato,
um dado objetivo, e os conceitos jurídicos como convenções
jurídicas para o uso de certos termos. Segundo Dworkin,
os desacordos acerca do direito não são meros desacordos
verbais – se assim fosse, bastaria, como creem os partidários
da Teoria do Dado Objetivo (Plain Fact Theory), uma pesquisa
acerca dos sentidos atribuídos a esses conceitos jurídicos
indeterminados. Na verdade, os desacordos acerca do Di-
reito envolvem conflitos interpretativos: os conceitos não
decorrem de simples convenções, mas de interpretação. O
Direito não é, portanto, uma mera questão de semântica,
mas de “concepção”.50
Para Dworkin, o habitat do fenômeno jurídico é a contro-
vérsia e o debate, razão pela qual propõe que se realize uma
interpretação com características específicas, denominada
“interpretação construtiva”. A “interpretação construtiva”
visa “impor um propósito a um objeto ou prática, afim de

48  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 12.
49  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University
Press, 2000, p. 52-53.
50  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University
Press, 2000, p. 31-33.

223
torná-lo o melhor exemplo possível da forma ou do gênero
aos quais se imagina que pertençam”51. Essa interpretação
pressupõe uma “atitude interpretativa”, realizada do ponto
de vista interno52, que implica na busca pela finalidade ge­
ral da prática (dimensão crítica), de modo que seja possível
compreender a melhor maneira de se continuar essa prática
(dimensão construtiva). Quando desenvolvida de forma apro-
priada, a atitude interpretativa implica que “a interpretação
repercuta na prática, alterando sua forma, e a nova forma
incentiva uma nova interpretação”53, estabelecendo-se uma
relação dialógica. Portanto, a prática, ou o conceito jurídico,
possui um valor, e é compreendida, aplicada, modificada,
limitada ou ampliada de acordo com esse valor.
A investigação a respeito do valor dessa prática, em-
preendida por meio da interpretação construtiva, deve ser
concebida à luz da concepção de direito como integridade54.
Essa concepção introduz uma noção de congruência com
um todo admitido como coerente em uma comunidade de

51  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University


Press, 2000, p. 53.
52  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University
Press, 2000, p. 47.
53  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University
Press, 2000, p. 48.
54  Ao desenvolver esse conceito, Dworkin utiliza a metáfora do romance
em cadeia, que é um aprimoramento da ideia de “teia inconsútil” apresentada
em Levando os Direitos a Sério. Segundo essa metáfora, o intérprete, ao aplicar
uma norma da qual não é autor, deve fazê-lo como se estivesse escrevendo
o próximo capítulo de um romance: respeitando a congruência textual e a
coerência narrativa tanto com capítulos já escritos quanto com os capítulos
futuros, representados pelos próximos casos relacionados àquela mesma prática
social. (DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University
Press, 2000, p. 229 - 231.)

224
princípios, e é aplicada tanto na atividade legislativa quanto
na deliberação judicial. 55Segundo Dworkin:

“A integridade exige que as normas públicas da


comunidade sejam criadas e vistas, na medida do
possível, de modo a expressar um sistema único e
coerente de justiça e equidade na correta proporção.
Uma instituição que aceite esse ideal às vezes irá, por
essa razão, afastar-se da estreita linha das decisões
anteriores, em busca de fidelidade aos princípios
concebidos como mais fundamentais a esse sistema
como um todo. (...) O princípio legislativo da inte-
gridade exige que o Legislativo se empenhe para
proteger, para todos, aquilo que vê como seus direi­
tos morais e políticos, de tal modo que as normas
públicas expressem um sistema coerente de justiça
e equidade. (...) O princípio judiciário da integridade
instrui os juízes a identificar direitos e deveres le-
gais, até onde for possível, a partir do pressuposto
de que foram todos criados por um único autor – a
comunidade jurídica personificada – expressando
uma concepção coerente de justiça e equidade”56

A compreensão do direito como integridade, traduz,


portanto, uma noção de coerência interna ao sistema jurídico
em relação às concepções de justiça e de equidade. Habermas
explica o sentido de coerência em Dworkin:

“Coerência é uma medida para a validade de uma


declaração, a qual é mais fraca que a verdade analíti-
ca, obtida através da dedução lógica, porém mais forte
do que o critério da não-contradição. A coerência
entre enunciados é produzida através de argumen-
tos substanciais (no sentido de Toulmin), portanto
através de argumentos que revelam a qualidade pro-

55  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University


Press, 2000, p. 211.
56  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University
Press, 2000, p. 221.

225
gramática de produzir um acordo racionalmente
motivado entre participantes da argumentação.”57

A concepção de direito como integridade requer a apli-


cação de dois cânones interpretativos: a adequação, segundo
a qual os juízes devem, ao interpretar, harmonizar-se com
os materiais jurídicos / institucionais existentes, tais como
disposições legislativas e precedentes; e a justificação, que
é a interpretação de acordo com os princípios da equidade,
da justiça e do devido processo legal adjetivo.58
Juiz e legislador, para cumprirem a exigência da in-
tegridade, precisam agir de maneira congruente com os
princípios e a moral política que se encontram na base da
comunidade política personificada.59 Desse modo, acordos
semânticos adquirem importância secundária na interpre-
tação de enunciados jurídicos.
Os juízes devem, portanto, mesmo nos casos difíceis,
oferecer em suas decisões a melhor prática interpretativa à
luz da perspectiva do direito como integridade. Incorporan-
do- se a compreensão de direito como integridade à noção
de direito como trunfo, uma interpretação sobre a aplicabi-
lidade do direito a informação, no caso concreto, que enseje
na perda de peso desse direito ao ponto de ele não ser mais
apto a produzir efeitos, não seria condizente com os postu-
lados da adequação e da justificação propostos por Dworkin,
nem com a percepção de um direito embasado sobre uma
comunidade de princípios: uma sociedade que é governada

57  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.


Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 289.
58  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University
Press, 2000, p. 166.
59  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University
Press, 2000, p. 52.

226
por princípios comuns, e não somente por regras criadas
em conformidade com um acordo político.60

3) Direito e Moral
A expurgação da moral do contexto jurídico havia sido
estabelecida pelo positivismo jurídico na busca de uma pre-
tensa “pureza” das normas jurídicas. No entanto, ela acaba
sendo, por eles, contraditoriamente resgatada no contexto
dos casos difíceis, sem o componente de racionalidade al-
cançado quando se utiliza o direito como um medium para
a sua assimilação. Segundo Habermas:

“A ligação da validade do direito à sua gênese não


permite uma solução simétrica do problema da ra-
cionalidade. A razão ou a moral são, de certo modo,
subordinadas à história. Por isso, a interpretação
positivista da prática de decisão judicial faz com que,
no final das contas, a garantia de segurança jurídica
eclipse a garantia de correção. A precedência da
segurança jurídica revela-se no modo como o posi-
tivismo trata os “casos difíceis” (hard cases). Em tais
casos, se revela de modo bastante claro o problema
hermenêutico fundamental: como fundamentar
a adequação de decisões seletivas inevitáveis? O
positivismo aborda superficialmente esse problema
e analisa suas consequências como sintomas de uma
imprecisão inevitável de formulações da linguagem
coloquial. Hart pensa que a carência interpretacional
das normas jurídicas é resultado da estrutura aberta
das linguagens naturais e chega a uma conclusão
decisionista. Na proporção em que o direito vigente
não é suficiente para a determinação precisa de um
estado de coisas, o juiz deve decidir conforme seu
próprio arbítrio. O juiz preenche o seu espaço de
arbítrio através de preferências não fundamentáveis
juridicamente, e às vezes orienta suas decisões por

60  DWORKIN, Ronald. O Império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003,
p. 254.

227
padrões morais, que não são mais cobertos pela
autoridade do direito.”61

Dworkin, por seu turno, procura resgatar a referência


moral ao direito, sem, contudo, conferir a ele um caráter
axiológico. Para tanto, o autor faz uma distinção entre argu-
mentos de princípio e argumentos de política, estabelecendo
que, muito embora ambos estejam relacionados a conteúdos
morais, somente os primeiros podem ser utilizados pelos
juízes na formulação de suas decisões.62
Isso decorre do fato de que os argumentos de princípio,
destinados a estabelecer direitos individuais63, já se incorpor-
aram ao Direito pela mediação do processo legislativo ou das
instituições64, segundo um critério de coerência65. Por outro

61  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.


Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 251.
62  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 151.
63  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 141.
64  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 132–139.
65  “Um argumento de princípio pode oferecer uma justificação para uma decisão
particular, segundo a doutrina da responsabilidade, somente se for possível mostrar
que o princípio citado é compatível com decisões anteriores que não foram refeitas,
e com decisões que a instituição está preparada para tomar em circunstâncias hipo-
téticas. Isso é dificilmente surpreendente, mas o argumento não se sustentaria se os
juízes fundamentassem suas decisões em argumentos de política. Nesse caso, eles
teriam liberdade para dizer que uma determinada política pode ser adequadamente
sustentada, no caso em juízo, precisamente quando se concede, por exemplo, o sub-
sídio necessário a alguma indústria com problemas, de sorte que nem as decisões
anteriores, nem as hipotéticas decisões futuras precisem ser compreendidas como
uma sustentação da mesma política. Coerência aqui significa, por certo, coerência
na aplicação do princípio que se tomou por base, e não apenas na aplicação da
regra específica anunciada em nome desse princípio. Se, por exemplo, o princípio
segundo o qual ninguém tem o dever de indenizar as perdas remotas ou inesperadas
que decorram de sua negligência for usado como base para justificar uma decisão
favorável ao réu no caso da Spartan Steel, deve-se então mostrar que a regra for-
mulada em outros casos, que permite a indenização nos casos de declarações falsas
e negligentes, é consistente com esse princípio; e não apenas que a regra sobre as
declarações falsas e negligentes é uma regra diferente daquela que foi aplicada ao

228
lado, os argumentos de política, destinados a estabelecer
objetivos coletivos66, não passaram por esse filtro.
Para explicitar essa diferenciação, Dworkin formula
um exemplo no qual uma empresa aeronáutica ingressa
com uma ação para pleitear o recebimento de um subsídio
previsto em lei. Ao invocar o direito a esse subsídio, a au-
tora está formulando um argumento de princípio, pouco
importando se a defesa nacional ou a eficiência econômica
global poderão ser melhoradas com a sua concessão, muito
embora esse tipo de argumento pudesse estar presente na
gênese da lei. Poder-se-ia admitir, inclusive, que a lei estava
politicamente errada quando foi adotada. O direito ao sub-
sídio não depende mais de um argumento de política para
justificá-lo, pois o processo legislativo o transformou em
uma questão de princípio.67
Ao contrário de Dworkin, os positivistas não estabele-
cem distinção alguma entre argumentos de princípio e de
política. Para os positivistas, uma decisão apropriada para um
caso difícil estaria na esfera discricionária do juiz, podendo
estar embasada tanto em argumentos de princípio quanto
de política. 68Assim, o positivismo acaba incorrendo em con-
tradição: promete um direito puro pretendendo distanciá-lo
da moral, mas permite que critérios axiológicos penetrem
em suas decisões nos casos difíceis, sem que tenham passado
pela mediação do direito.

caso da Spartan Steel.” (DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo:
Martins Fontes, 2010, p. 1439.)
66  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 141.
67  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 143.
68  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 131 e 132.

229
Segundo Carvalho Neto, Dworkin admite que o Direito
recepcione os conteúdos morais de uma comunidade de
princípios para conferir a esses maior densificação, de modo
que passem a funcionar não mais como critérios axiológicos,
mas jurídicos:

“A teoria de Dworkin defende que a Constituição


constitui uma comunidade fundada sobre princípios,
a chamada comunidade de princípios. Uma comuni-
dade que se alicerça sobre o reconhecimento recípro-
co da igualdade e da liberdade de todos e cada um
de seus membros. Esses princípios que cons­tituem
a base dessa comunidade são princípios que o Di-
reito tomou emprestado da moral, uma moral de
princípios extremamente abstratos e universais.
Porém, o Direito, ao recepcionar esse abstrato con-
teúdo moral, empresta-lhe maior densidade e con-
cretude, ao passo que a moral fornece ao Direito sua
legitimidade. Esse conteúdo moral incorporado ao
Direito como direitos fundamentais, submete-se ao
código próprio do Direito, ou seja, funciona como
Direito, e não mais como moral.”69

Além disso, Dworkin também se distancia do positi­


vismo por conferir um critério material para a atribuição de
validez a uma norma: a coerência com uma norma tida por
Dworkin como fundamental, o direito à igual consideração
e respeito:

“(...) o direito a igual consideração e respeito é mais


fundamental que os outros direitos desde uma outra
perspectiva, pois mostra como a própria ideia de um
objetivo coletivo pode ser derivada daquele direito
fundamental. Se assim for, o direito à consideração
e ao respeito é tão fundamental que não pode ser
apreendido através da caracterização geral dos

69  CARVALHO NETO, Menelick de. Público e Privado na Perspectiva Consti-


tucional Contemporânea. Brasília - DF: CEAD/UnB, 2013b, p. 7 (Pós-graduação
lato sensu em Direito Público). Disponível em: < http://moodle.cead.unb.br/agu/
course/view.php?id=9>

230
direitos como trunfos diante dos objetivos cole-
tivos, a não ser como um caso limite, pois ele é a
fonte tanto da autoridade geral dos objetivos cole-
tivos quanto das restrições especiais à autoridade
desses objetivos, usada para justificar direitos mais
particulares.”70

A preocupação de Dworkin em atribuir uma força


preponderante aos direitos individuais e em atrelá-los a
um critério de validade substantivo reflete uma tendência
comum aos autores pós-positivistas, que visam, a partir de
uma reconciliação do direito com valores éticos e morais,
evitar sua instrumentalização para legitimar ordens políticas
autoritárias. Os horrores praticados pelo fascismo e pelo
nazismo na Europa, bem como pelas ditaduras latino-ame­
ricanas, sob um pretenso manto de legalidade e fundados no
argumento de um “interesse público” superior aos direitos
individuais revelaram a necessidade de uma reaproximação
do Direito com os seus princípios fundamentadores, agora
alçados ao status de típicas normas jurídicas.

4) Peso e Ponderação
A dimensão de peso, atribuída por Dworkin aos
princípios, relevante para os casos de colisão, difere-se, porém,
do critério de ponderação produzido por Alexy. Habermas ex-
plica que Dworkin resolve o problema da colisão de princípios
por meio de uma noção de transitividade (portanto, operada
em uma relação binária), em que um princípio pode gozar de
primazia no caso concreto, “porém não ao ponto de anular a
validade dos princípios que cedem o lugar”71:

70  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. XX.
71  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.
Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 258-259.

231
“Um princípio passa à frente do outro, conforme o
caso a ser decidido. No desenrolar dos casos, esta-
belece-se entre os princípios uma ordem transitiva,
sem que isso arranhe sua validade”72

A obediência a um código binário é, para Habermas,


característica às normas jurídicas, uma vez que “tanto as
regras como os princípios são mandamentos (proibições,
permissões), cuja validade deontológica exprime o caráter
de obrigação”.73
Alexy, ao conferir aos princípios uma gradação no mo-
mento de sua aplicação, por meio da regra do balanceamento,
adota, segundo Habermas, um procedimento tipicamente
axiológico, o que tem por consequência a subtração ao direito
do seu fundamento de racionalidade.74

“A distinção entre esses princípios e regras não pode


ser confundida com a distinção entre normas e de-
terminação de objetivos. Princípios e regras não têm
estrutura teleológica. Eles não podem ser entendidos
como preceitos de otimização – conforme é sugeri-
do pela ‘ponderação de bens’ nas demais doutrinas
metodológicas, porque isso suprimiria o seu sentido
de validade deontológica.75

72  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.


Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 259.
73  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.
Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 259.
74  HABERMAS, Jürgen. Reply to symposium participants, Benjamin N. Cardozo
School of Law. In: ROSENFELD, Michel; ARATO, Andrew (Orgs.). Habermas on
Law and Democracy: critical exchanges. Berkeley and Los Angeles: University of
California Press, 1998, p. 429.
75  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.
Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 258, em uma referência à
ALEXY: Cf. ALEXY, R. Theorie der Grundrechte. Baden- Baden, 1985 e Frankfurt
a/M., 1986, 75ss. Cf. a crítica de GÜNTHER, K. Der Sinn für Angemesseheit. Frank-
furt a/M., 1988, 268ss.

232
Ao evidenciar a percepção de uma dimensão axiologi-
zante conferida pela teoria de Alexy aos princípios, Habermas
chama atenção para os riscos que essa concepção traz aos di-
reitos individuais. Quando se atribui uma dimensão de “pon-
deração” aos direitos, estes, assim como os valores, passam
a poder ser negociados segundo um critério de preferência
(ao invés do critério de aplicação/não-aplicação, inerente às
normas), permeando a decisão de elementos de convicção
subjetivos76: resultado que se contrapõe frontalmente à con-
cepção de direitos como trunfos formulada por Dworkin e,
em última análise, ao próprio princípio democrático.
Tomando esses pontos cardeais da teoria do direito de
Dworkin, passaremos agora a analisar o acórdão referente
ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) n.
23.036-1/RJ.

76  HABERMAS, Jürgen. Reply to symposium participants, Benjamin N. Cardozo


School of Law. In: ROSENFELD, Michel; ARATO, Andrew (Orgs.). Habermas on
Law and Democracy: critical exchanges. Berkeley and Los Angeles: University of
California Press, 1998, p. 429.

233
III. UM BREVE RELATÓRIO SOBRE O CASO ANALISADO

Para auxiliar a compreensão do caso, relataremos de


maneira breve a trajetória processual até o momento da in-
terposição do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança
n. 23.036/RJ77, que ensejou o acórdão ora estudado.
Trata-se de requerimento em que se requeria o acesso
a registros documentais e fonográficos de sessões de julga-
mento público do Superior Tribunal Militar para subsidiar
a elaboração de um livro em homenagem a advogados que
atuaram na defesa de acusados de crimes políticos durante
o período da ditadura.
Fernando Henriques Fernandes, acadêmico de direito,
e Fernando Tristão Fernandes, advogado, requereram admi­
nistrativamente os mencionados registros ao Presidente
do Superior Tribunal Militar. Em um primeiro momento
(08/08/1997), o presidente da referida Corte deferiu o pe-
dido do segundo requerente, no entanto, em 26/08/1997,
reconsiderou o deferimento antes proferido para negar o
acesso às gravações das sessões, sob o argumento de que
estas “não seriam partes integrantes de qualquer processo”
pois objetivariam tão somente “subsidiar internamente a
elaboração dos acórdãos” e, ademais, que “a concessão de
cópias de tais fitas viria a constituir indesejável precedente, a
comprometer a estrita finalidade dos registros fonográficos
nelas gravados”.

77  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Ordinário em


Mandado de Segurança n. 23.036/RJ, pp. 246-282. Relator originário: Corrêa,
Maurício. Relator para o Acórdão: Jobim, Nelson. Segunda Turma. Recorrentes:
Fernando Augusto Henriques Fernandes e outro. Recorrido: Superior Tribunal
Militar. Publicado no DJ de 25-08-2006. Disponível em http://redir.stf.jus.br/pagi­
nadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=115926. Acessado em 10/03/2014.
Acesso em 5 de março de 2014.

234
Ante a negativa do tribunal, os requerentes impetraram
Mandado de Segurança, argumentando, em síntese, (a) que
foram violados os incisos XIV e LX do art. 5º da Constituição
Federal e negada vigência aos incisos XIII, XIV, XV e XVI do
art. 7º da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados
do Brasil); arts 3º, 29, 75 e 387 do Código de Processo Penal
Militar; art. 40 e 155, do Código de Processo Civil; arts. 4º
e 22 da Lei 8.159/91 (Lei de Arquivos Públicos); e arts. 3º, 15
e art. 19, do Decreto n. 2.134/97, regulamentador da Lei n.
8.159/97; (b) que os processos que não estavam sob segredo
de justiça são públicos, devendo, portanto, ser franqueado o
acesso destes ao cidadão para que possa deles ter vista e tirar
cópias; (c) que tirar cópias de processos não é ato privativo
de advogado; (d) que, quanto ao segundo impetrante, por ser
ele advogado, não se lhe poderia negar nem mesmo o acesso
a autos que tramitem em segredo de justiça; e, por fim (e) a
natureza de arquivo público das gravações das sustentações
orais de advogados perante o tribunal.
A segurança foi denegada, conforme ementa a seguir
colacionada:

“Mandado de Segurança. Exame e retirada de autos


findos, direito assegurado ao Advogado, no exer-
cício da profissão, com restrição (CF, art. 5º, LX, e
Lei nº8.906/94 art. 7º, XIII e XVI, e § 1º, nº 1, 2, e 3).
Inexistência de direito líquido e certo a ser conhe-
cido ao impetrante que não ostenta a qualidade de
Advogado e, por mero interesse que, sequer figura em
normas objetivas, pretende ter acesso pleno a autos
findos e a gravações, que não integram processos.
Estas últimas de uso interno do Tribunal e de acesso
privativo, não são consideradas de caráter público,
em razão de norma interna regulamentadora de
seu uso, “ex vi” da Lei nº 9.507 de 12/11/97. Advo-
gado que pretende acessar registros fonográficos
contidos em fitas não integrantes de processos e
de uso exclusivo do Órgão, para subsidiar serviços

235
particulares - elaboração de livro -, atividade, in-
clusive de caráter comercial, não tem em vista a
defesa de direito subjetivo amparado em lei. Decisão
administrativa em harmonia com o ordenamento
jurídico, não se vislumbrando afronta ao rol das
garantias onde se define o pressuposto remédio
heróico (CF, art. 5º, LXIX, e Lei nº 1.533 art. 1º).
Medida de uso excepcional conhecida e denegada.
Unânime”. (Grifos meus)
STM – MANDADO DE SEGURANÇA MS 380 RJ
1997.01.000380-0 (STM)
Data de publicação: 09/12/1997

Dessa decisão foi interposto Recurso Ordinário, em que


se reiteraram os argumentos contidos na inicial. O Ministério
Público Federal opinou pelo não provimento do recurso (fls.
132/133), conforme segue:

“De outra parte, o direito de acesso pleno aos docu­


mentos públicos é condicionado, pela própria Lei
Federal n. 8159/91, que o instituiu, a que o candidato
à sua obtenção esteja buscando “informações de
seu interesse particular ou de interesse coletivo ou
geral” (art. 4º), o que não se configura, na presença
do simples propósito de se reunirem dados para a
edição de livro, ainda que, nesse caso, nem se pode
ser afirmado o necessário INTERESSE PARTICULAR,
nem o imprescindível INTERESSE COLETIVO OU
GERAL”

O objeto do litígio é, portanto, o acesso às gravações das


sessões de julgamento do STM, e, para decidir a questão, os
ministros deveriam responder se, no caso concreto, o cidadão
teria direito de acessar as referidas informações.
Serão nesse estudo analisadas apenas as questões
pertinentes ao direito à informação, até porque os demais
pontos, relativos aos direitos processuais dos advogados,
foram excluídos em ambos os votos, por se entender que
não se estaria diante do exercício da profissão de advogado.

236
IV. ANÁLISE DO VOTO DO MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA

Em seu voto, o Ministro Maurício Corrêa manifesta o


entendimento de que as partes não teriam direito, no caso
concreto, à informação pleiteada. Essa decisão embasou-se
em dois argumentos principais, que serão aqui analisados:
(1) a colisão entre direito à informação e direito à intimidade
e (2) a inaplicabilidade da lei de arquivos.

1) Direito à intimidade

“Estabelecem os incisos XIV e LX do art. 5º da Cons­


tituição Federal:
‘XIV – é assegurado a todos o acesso à informação,
e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário
ao exercício profissional;
(...)
LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos
atos processuais quando a defesa da intimidade ou
o interesse social o exigirem;’
Indiscutível que o preceito do inciso XIV nada tem a
ver com a hipótese, dado que não se cuida de assegu-
rar-se o exercício profissional do advogado, estando
claro que os fins alvitrados pelos requeren­tes não
dizem respeito a qualquer procedimento necessário
à defesa de seus eventuais clientes. Quanto ao inciso
LX é de ver-se que a publicidade a que se refere o
preceito não pode agasalhar a pretensão dos recor-
rentes, de modo que seja permitido que as gravações
produzidas perante os Tribunais em seus julgamen-
tos, que são passíveis de revisões, possam ser levadas
ao domínio público, de modo irrestrito. Até porque,
no calor dos debates, sobretudo entre advogados,
podem aflorar linguagem e colocações tais, que eles
próprios não desejam que venham a público o que
disseram, o que leva a admitir que essa intimidade
deve ser preservada, como a dos juízes, das partes
e dos membros do Ministério Público que tenham
participado do julgamento.

237
(...)
Na espécie, entendo inexistir direito líquido e certo,
visto que o interesse dos recorrentes – editar o livro
“Voz Humana” – não pode ultrapassar o dever de
proteger a imagem dos que se viram envolvidos em
processos julgados pelo Superior Tribunal Militar.”78

O Ministro Maurício Corrêa, em sua análise do caso,


entendeu inexistir direito líquido e certo à pretensão dos
recorrentes, em razão da existência de uma colisão entre
os princípios da publicidade e da intimidade. A decisão pela
prevalência, no caso concreto, de um suposto direito a intimi­
dade dos advogados, juízes, partes e membros do Ministério
Público que atuaram em um julgamento - que, por sua própria
essência, é público - em face do direito à informação, revela
que efetivamente Ministro Maurício Corrêa não confere a
este último o peso de um trunfo.
Verifica-se, também, uma incongruência com o que
a jurisprudência tem entendido sobre o tema do acesso a
informação - o que será analisado mais à frente no voto do
Ministro Nelson Jobim. Segundo Dworkin, o juiz precisa, para
preencher as exigências da integridade, decidir o caso con-
creto como se estivesse escrevendo um “romance em cadeia”,
por meio do qual “cada romancista da cadeia interpreta os
capítulos recebidos para escrever um novo capítulo, que é
então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e
assim sucessivamente. Cada um deve escrever seu capítulo
de modo a criar da melhor maneira possível o romance em

78  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Ordinário em


Mandado de Segurança n. 23.036/RJ, pp. 258-264. Relator originário: Corrêa,
Maurício. Relator para o Acórdão: Jobim, Nelson. Segunda Turma. Recorrentes:
Fernando Augusto Henriques Fernandes e outro. Recorrido: Superior Tribunal
Militar. Publicado no DJ de 25-08-2006. Disponível em http://redir.stf.jus.br/pag-
inadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=115926. Acessado em 10/03/2014.
Acesso em 5 de março de 2014.

238
elaboração (...)”.79 Essa coerência discursiva não se verifica
na análise do Ministro Maurício Corrêa, que expressa um
entendimento descolado da inteligência contemporânea
da Corte Suprema, a qual concebe a valorização do direito à
informação como essencial ao Estado Democrático.
Para Dworkin, a atividade do intérprete deve ser real-
izada a partir de uma visão de direito como integridade, o
que estabelece a necessidade de uma consistência narrativa
com os precedentes, as disposições legislativas, a doutrina
e os princípios:

“O princípio judiciário da integridade instrui os


juízes a identificar direitos e deveres legais, até onde
for possível, a partir do pressuposto de que foram
todos criados por um único autor, – a comunidade
personificada – expressando uma concepção coe­
rente de justiça e equidade.”80

Assim, a integridade também exige, além da coerência


com decisões anteriores, uma articulação com os demais
princípios existentes na ordem jurídica. No voto analisado foi
esvaziado o princípio da Publicidade, essencial ao escrutínio
social sobre a atuação do Poder Público e elementar ao Estado
Democrático de Direito.
A evocação do princípio da proteção à intimidade para
negar o acesso a registros de julgamentos que, em sua própria
essência, são públicos, evidencia não apenas uma contradição
do ponto de vista lógico, mas também uma anulação da força
do próprio princípio da publicidade, que refletirá invariavel-
mente na negação do direito a informação no caso concreto.

79  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University


Press, 2000, p. 229.
80  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University
Press, 2000, p. 167.

239
A dicotomia arguida tem o condão manter em segredo uma
parte importante da história, que, em última análise, não
é direito apenas daqueles que peticionaram pelo acesso a
informação no caso concreto, mas de todo o povo brasileiro,
no resgate de sua própria memória.
Na verdade, a teorização sobre a existência de um di-
reito à intimidade no caso, e a consequente “ponderação”
entre os princípios da intimidade e da publicidade, dá razão
à preocupação de Habermas de que a utilização da Teoria de
Alexy dê azo à utilização de critérios axiológicos. É claro que,
no voto, percebe-se uma distorção da proposta de Alexy, mas
aqui cabe uma reflexão sobre até que ponto essa preferência
valorativa foi objeto de opção deliberada ou se é apenas uma
consequência provável da aplicação da mencionada teoria,
conforme alertou Habermas. 81De todo modo, foi a partir da
instrumentalização da “ponderação de princípios” que se
propiciou uma transação sobre o direito à informação no
caso, destituindo-o de toda a sua força normativa.
Com efeito, a ferramenta de Alexy não se mostra ade­
quada à análise desse caso concreto, tendo em vista não
haver colisão real entre princípios. Não existe tal direito
à intimidade dos juízes, membros do Ministério Público e
partes em um processo que não tenha, nem mesmo, corrido
em segredo de justiça.

81  Talvez, aqui, a questão possa ser mais simples do que o apresentado. Cf.
LIMA, George Marmelstein. Alexy à brasileira ou a Teoria da Katchanga. Jus
Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3222, 27 abr. 2012. Disponível em: <http://jus.
com.br/artigos/21646>. Acesso em: 2 abr.2014.

240
2) A Não Violação à Lei de Arquivos Públicos (Lei 8.159/91)

No trecho a seguir reproduzido, o Ministro Maurício


Corrêa analisa o argumento dos impetrantes acerca da vi-
olação da Lei nº 8.159/91, conhecida como Lei de Arquivos
Públicos, e de seu Decreto regulamentador. São dois os ar-
gumentos levantados pelo ministro para negar a aplicação
da Lei no caso concreto:
a) A motivação dos recorrentes não estaria contemplada
no rol de motivações permitidas pelo art. 4º da Lei;
b) As gravações das sessões realizadas pelos Tribunais
não se enquadrariam no conceito de arquivo público, por
serem de uso privativo do STM.

“No que concerne à Lei 8.159/91, sustentam os recor-


rentes que foram ofendidas as seguintes regras:
‘Art. 4º - Todos têm direito a receber dos órgãos pú-
blicos informações de seu interesse particular ou de
interesse coletivo ou geral, contidas em documentos
de arquivos, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujos
sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e
do Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade,
da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
(...)
Art. 22 - É assegurado o direito de acesso pleno aos
documentos públicos.’
A esse propósito, recordo o que sobre o tema sa-
lientou a Dra. Anadyr de Mendonça Rodrigues, em
nome do Ministério Público Federal, às fls. 132/133,
e que adoto:
‘De outra parte, o direito de acesso pleno aos doc-
umentos públicos é condicionado, pela própria Lei
federal nº 8.159/91, que o instituiu, a que o candi-
dato à sua obtenção esteja buscando ‘informações
de interesse particular ou de interesse coletivo ou
geral’ (art. 4º), o que não se configura, na presença
de simples propósito de se reunirem dados para a

241
edição de livro, ainda que, nesse caso, nem pode ser
afirmado o necessário INTERESSE PARTICULAR,
nem o imprescindível INTERESSE COLETIVO OU
GERAL.’
Do Decreto federal nº 2.134, de 27.01.1997, teriam
sido contrariados os seguintes preceitos:
‘Art. 3º É assegurado o direito de acesso pleno aos
documentos públicos, observado o disposto neste
Decreto e no art. 22 da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro
de 1991.
(...)
Art. 15. Os documentos públicos sigilosos classifi-
cam-se em quatro categorias:
I - ultra-secretos: os que requeiram excepcionais
medidas de segurança e cujo teor só deva ser do
conhecimento de agentes públicos ligados ao seu
estudo e manuseio;
II - secretos: os que requeiram rigorosas medidas de
segurança e cujo teor ou característica possam ser
do conhecimento de agentes públicos que, embora
sem ligação íntima com seu estudo ou manuseio,
sejam autorizados a deles tomarem conhecimento
em razão de sua responsabilidade funcional; III - con-
fidenciais: aqueles cujo conhecimento e divulgação
possam ser prejudiciais ao interesse do País;
IV - reservados: aqueles que não devam, imediata-
mente, ser do conhecimento do público em geral.
(...)
Art. 19. São documentos passíveis de classificação
como reservados aqueles cuja divulgação, quando
ainda em trâmite, comprometa as operações ou
objetivos neles previstos.
Parágrafo único. A classificação de documento na
categoria reservada somente poderá ser feita pelas
autoridades indicadas no parágrafo único do art.
18 deste Decreto e pelos agentes públicos formal-
mente encarregados da execução de projetos, planos
e programas.
Esse Decreto é regulamentador do artigo 23 da Lei
nº 8.159/91, que cuida de renovação de classificação

242
de documentos considerados de interesse da socie-
dade e do Estado.
Entendo que tais dispositivos não têm, in casu, o
alcance que lhes emprestam os recorrentes, pois,
como bem salienta o parecer da Procuradoria Geral
da República, são preceitos que têm por sua ratio a
proteção de valores outros, diversos dos que moti-
varam o acesso aos registros de áudio da corte a quo.
(...)
Some-se a isso o fato de as gravações das sessões
realizadas pelos Tribunais terem por fim exclusivo
subsidiar a coleta de elementos que devam constar
do processo, após transcritas, o que não se confunde
com a noção de arquivo público. De uso irrestrito são
as notas taquigráficas já revisadas pelos juízes que
as subscrevem, e não o teor das gravações contendo
todas as discussões travadas por época do respec-
tivo julgamento. São registros fonográficos de uso
privativo do órgão e que sofrem restrição quanto à
divulgação, como se infere do parágrafo único do
artigo 1º da Lei 9.507/97, verbis:
‘Considera-se de caráter público todo registro ou
banco de dados contendo informações que sejam
ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que
não sejam de uso privativo do órgão ou entidade
produtora ou depositária das informações’”82

Em sua exposição, baseado no parecer exarado pelo


Ministério Público Federal, o Ministro Maurício Corrêa
manifesta o entendimento de que a motivação dos autores,
ao formularem o pedido, não seria idônea a ensejar a entre-
ga da informação requerida. Segundo o Parecer da então
Sub-Procuradora Geral da República, Anadyr de Mendonça

82  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Ordinário em


Mandado de Segurança n. 23.036/RJ, pp. 261-264. Relator originário: Corrêa,
Maurício. Relator para o Acórdão: Jobim, Nelson. Segunda Turma. Recorrentes:
Fernando Augusto Henriques Fernandes e outro. Recorrido: Superior Tribunal
Militar. Publicado no DJ de 25-08-2006. Disponível em http://redir.stf.jus.br/pagi­
nadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=115926. Acessado em 10/03/2014.
Acesso em 5 de março de 2014.

243
Rodrigues83, a Lei 8.159/91 prevê duas “condições” para que a
informação seja obtida: o interesse particular ou o interesse
coletivo ou geral, sendo que, no caso em concreto, segundo
ela, não se verificaria o cumprimento de nenhuma dessas
condições.
O art. 4º da Lei 8.159/91, na verdade, reproduz o inciso
XXXIII do art. 5º da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 5º...............................................
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos pú-
blicos informações de seu interesse particular, ou
de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas
no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, res-
salvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado;”

Essa interpretação não está de acordo com a “interpre-


tação construtiva” formulada por Dworkin. Não se buscou, no
caso, a finalidade geral da norma no contexto democrático,
que é a de estabelecer a publicidade como regra e o sigilo
como exceção. Conforme a interpretação atribuída, o valor
da norma passa a ser o segredo, já que, para a publicidade,
teriam sido impostas “condições”.
Concebendo-se a transparência como o valor resguar-
dado pela norma e colocando-a em relação com as demais
normas atinentes ao direito a informação, à luz de uma com-
preensão do direito em sua integridade, constata-se que não
se trata, aqui, de condições, mas de hipóteses por meio das
quais o constituinte originário visou ressaltar que, em todo
caso – seja o interesse particular ou coletivo-, o acesso a

83  Interessante constatar que a Dra. Anadyr de Mendonça Rodrigues foi


Ministra-Chefe da Corregedoria Geral da União (antigo nome da atual Con-
troladoria-Geral da União) entre 3 de abril de 2001 e 1º de janeiro de 2003,
órgão que, mais tarde (2012), veio a se tornar o órgão garante da nascente Lei
de Acesso à Informação.

244
informação deve ser concedido. Sob esta ótica, “particular”
e “coletivo” são interpretadas como expressões de sentidos
opostos e também complementares.
De todo modo, mesmo que os trechos mencionados evi-
denciassem condições, tal como defende o Ministro Maurício
Corrêa em seu voto, é de se notar que em momento algum
se indica qual seria a terceira categoria de interesse na qual
o pedido formulado se enquadraria, e que não seria hábil a
propiciar a concretização do direito. Provavelmente isso
decorre mesmo do fato de que tal demonstração é impossível
do ponto de vista lógico. O caráter restritivo dado ao dis-
positivo para negar o direito à informação no caso concreto
demonstra, ademais, esse direito não foi considerado como
um direito fundamental.
A interpretação restritiva prossegue quando da in-
terpretação do objeto do pedido como incompatível com o
conceito de arquivo público, enquadrando como informações
“de uso privativo do órgão” as gravações das sustentações
orais de advogados em processos que não correram sob
segredo de justiça, nem foram classificados como previsto
pelo art. 15 do Decreto 2.134/2007, regulamentador da Lei
de Arquivos Públicos.
Cotejando-se o mencionado artigo com os demais
dispositivos constitucionais que tratam do direito à infor-
mação (especialmente os incisos XIV e LX do art. 5º) e com os
princípios regentes da ordem democrática, compreendidos
como um todo coerente, a decisão pela negação do direito à
informação no caso se mostra equivocada.
Por fim, cumpre registrar brevemente a respeito das
discussões travadas entre os Ministros no sobre o caso,
quando do pedido de vista pelo Ministro Nelson Jobim:

245
“O Sr. Ministro Nelson Jobim: Sr. Presidente, está
no poder discricionário do Presidente do Tribunal
conceder ou vedar de forma discricionária o acesso a
dados de processos que são públicos, as sustentações
orais dos advogados?

A Constituição Federal, no inciso XIV do art. 5º diz:


‘Art. 5º ..................................................................
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação,
e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário
ao exercício profissional.’

(...)

‘Art. 5º ..................................................................
XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos
públicos informações de seu interesse particular,
ou de interesse coletivo ou geral, que serão presta-
das no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível
à segurança da sociedade e do Estado.’

Lá se resguardou a fonte, aqui se resguardou a se-


gurança da sociedade e do Estado.

O sigilo dessas sustentações orais, produzidas pelos


advogados mencionados no recurso e que teriam
sido realizadas perante o Superior Tribunal Militar, é
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado?

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): Não. Aí é o


direito às partes envolvidas no julgamento.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Mas se o julgamento


é público, por que a limitação apenas às partes?

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): Além do


mais, como separar, num rolo de fitas, o que é a parte
que o advogado está sustentando , ou que sustentou,
e os debates travados entre os ministros? Além do
mais os advogados fazem a defesa de seus clientes
com base nos fatos que os envolvem, circunstância
que pode trazer a veiculação de matéria que não

246
seja do interesse deles divulgar. Tema que, como
se vê, está relacionado com o direito constitucional
à privacidade.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Daí o Ministro haver


dissociado a matéria do âmbito restrito da advocacia.

O Sr. Ministro Néri da Silveira (Presidente): Essas


fitas de gravações são elementos definitivos como
documentos, ou são simples elementos auxiliares
para esclarecimentos dos fatos?

O Sr. Ministro Nelson Jobim: De nenhum acórdão


consta a sustentação oral da acusação e da defesa;
constam os debates que travamos.

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): Esta é uma


questão intrincada que se prevalecer o entendimen-
to contrário, abre-se um precedente para todos os
tribunais brasileiros.

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Por que não abrir,


Excelência? O que temos a esconder?

O Sr. Ministro Maurício Corrêa (Relator): Por que o


tribunal não libera. As notas taquigráficas...

O Sr. Ministro Marco Aurélio: Deveria liberar, deveria


liberar. Perdoe-me, deveria liberar. O exemplo deve
vir de cima.

O Sr. Ministro Néri da Silveira (Presidente): É matéria


que o debate realmente destaca ser importante.
Convém levá-la ao Plenário.”84

84  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Ordinário em


Mandado de Segurança n. 23.036/RJ, pp. 268-269. Relator originário: Corrêa,
Maurício. Relator para o Acórdão: Jobim, Nelson. Segunda Turma. Recorrentes:
Fernando Augusto Henriques Fernandes e outro. Recorrido: Superior Tribu-
nal Militar. Publicado no DJ de 25-08-2006. Disponível em http://redir.
stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=115926. Acessado
em 10/03/2014. Acesso em 5 de março de 2014.

247
No entanto, essa teoria ainda mostra potencial expli-
cativo para descrever as bases da tomada de certas decisões
em casos concretos, como a parece ser o caso do voto do
Ministro Maurício Corrêa. As preocupações manifestas pelos
ministros em suas falas reforçam a fragilidade da construção
realizada pelo Ministro Maurício Corrêa para decidir pelo não
provimento do recurso, e portanto, pela negação do direito
no caso concreto. A dissonância do voto com o contexto
histórico e moral; a inexistência de menções a precedentes e
o descolamento com a jurisprudência sobre o tema; a funda-
mentação em princípios constitucionais que apresentariam,
na melhor das hipóteses, uma colisão apenas aparente com o
princípio da publicidade no caso concreto; a afirmação de uma
escolha discricionária mesmo na existência de norma cons­
titucional expressa delimitando o direito em questão e, por
fim, a interpretação ampliativa de uma norma de hierar­quia
inferior (inciso 1 do Provimento n. 54 /STM) para restringir
um direito fundamental, parecem demonstrar que se tomou,
em primeiro lugar, uma decisão baseada em convicções
pessoais (e não jurídicas) sobre como deveria ser decidido
o caso concreto para, em seguida, adotar-se seletivamente
argumentos jurídicos para que embasassem essa decisão.
Percebe-se que se realiza uma construção teórica para
servir como fundamento para a uma decisão já tomada – de
ocultar os registros sobre os posicionamentos dos envolvidos
em processos julgados pelo Superior Tribunal Militar –, e
não para que seja possível, a partir de um processo de inter-
pretação construtiva, chegar-se ao direito aplicável no caso
concreto. Assim, a não consideração do direito à informação
à luz da perspectiva do direito como um trunfo parece fazer
parte, na verdade, uma estratégia de decisão, não podendo ser
albergada à luz da dimensão da justificação. Segundo Dworkin:

248
“Sem dúvida, qualquer conjunto de leis e decisões
pode ser explicado histórica, psicológica ou socio-
logicamente, mas a consistência exige uma justifi-
cação, e não uma explicação, e a justificação deve ser
plausível, e não postiça. Se a justificação que Hércules
concebe estabelece distinções que são arbitrárias,
e se vale de princípios que não são convincentes,
então ela não pode, de modo algum, contar como
uma justificação.”85

Desse modo, tal decisão, caso persistisse como a res-


olução final do acórdão, deveria ser excluída do campo de
análise do Direito, por não poder ser considerada como válida.
Deve ser entendida, portanto, como um “erro”, na concepção
de Dworkin:

“[Hércules] construirá a primeira parte de sua teoria


dos erros por meio de dois conjuntos de distinções.
Em primeiro lugar, distinguirá entre, de um lado,
a autoridade específica de qualquer evento insti-
tucional, que corresponde ao seu poder de produ­zir,
enquanto ato institucional, exatamente aquelas con-
sequências institucionais que descreve e, por outro
lado, sua força gravitacional. Se Hércules classificar
algum evento como erro, ele não negará sua auto-
ridade específica, mas estará negando a sua força
gravitacional, e não pode, então, de modo consis-
tente, apelar para essa força em outros argumentos.86

85  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 186.
86  Dworkin prossegue na descrição da teoria dos erros: “Hércules aplicará,
portanto, pelo menos duas máximas na segunda parte de sua teoria de erros. Se
puder demonstrar, por argumentos históricos ou pela menção a uma percepção
geral da comunidade jurídica, que um determinado princípio, embora já tenha tido
no passado atrativo suficiente para convencer o poder legislativo ou um tribunal a
tomar uma decisão jurídica, tem agora tão pouca força que é improvável que con-
tinue gerando decisões desse tipo – então, nesse caso, o argumento da equidade
que sustenta esse princípio se verá enfraquecido. Se Hércules puder demonstrar, por
meio de argumentos de moralidade política, que esse princípio é injusto, a despeito
de sua popularidade, então o argumento de equidade que sustenta o princípio
estará invalidado. Hércules ficará encantado ao descobrir que essas distinções são

249
V. ANÁLISE DO VOTO DO MINISTRO NELSON JOBIM

Ao contrário do Ministro Maurício Corrêa, o enten-


dimento do Ministro Nelson Jobim foi pelo provimento do
recurso, e portanto, pelo reconhecimento do direito à infor-
mação no caso concreto. Em seu voto, leciona que a negação
do direito de acesso à informação pelo Estado deve se basear
em uma argumentação jurídica sólida, fundamentada sobre
bens jurídicos tão ou mais relevantes, no caso concreto, do
que aquele o qual o direito negado visa proteger.
Desse modo, o Ministro Nelson Jobim evidencia a rele-
vância do direito à informação no contexto democrático,
revelando sua compreensão como trunfo. Ao referir-se ao
direito à informação como “um dos mais caros do elenco do
artigo 5º da Constituição”, estabelece que somente a con-
traposição a este por outro direito de peso correspondente
poderia afastar a sua aplicação: “Somente justificativa pautada
em princípio estrutural do sistema político brasileir – como
a proteção ao interesse público ou a defesa da intimidade –
legitimaria sua restrição.”87
Desse modo, a suposta meta política de não se gerar
um “indesejável precedente”, arguida tanto pela autoridade
coatora quanto pelo Ministro Maurício Corrêa não pode ser
superior ao direito do cidadão de acessar as informações
públicas sob tutela do tribunal. É justamente a possibilidade

familiares à prática de outros juízes.” DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a


Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 189-192.
87  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Ordinário em
Mandado de Segurança n. 23.036/RJ, pp. 246-280. Relator originário: Corrêa,
Maurício. Relator para o Acórdão: Jobim, Nelson. Segunda Turma. Recorrentes:
Fernando Augusto Henriques Fernandes e outro. Recorrido: Superior Tribunal
Militar. Publicado no DJ de 25-08-2006. Disponível em http://redir.stf.jus.br/pag-
inadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=115926. Acessado em 10/03/2014.
Acesso em 5 de março de 2014.

250
de se sobrepor a metas que, segundo Dwrokin, define um
objetivo político como um direito.88
Prosseguindo nessa linha, o Ministro Nelson Jobim
demonstra a debilidade da argumentação construída para
negar o direito no caso concreto, atacando a tese sustentada
no voto do Ministro Maurício Corrêa de que as gravações das
sessões realizadas pelo tribunal não possuiriam caráter de
arquivo público em razão de “terem por fim exclusivo subsid-
iar a coleta de elementos que devam constar do processo”89.
Com efeito, a definição de arquivo público trazida pela Lei
8.159/91 estabelece que estes são conjuntos de documentos
produzidos e recebidos por órgãos públicos de âmbito federal,
estadual, do Distrito Federal e municipal em decorrência de
suas funções administrativas, legislativas e judiciárias, no
exercício de suas atividades. A referida Lei não estabelece,
portanto, exceções relativas a “documentos de uso interno
do tribunal”.
No tocante ao argumento sobre a necessidade de se pro-
teger o direito à intimidade em face do direito à informação,
o Ministro Nelson Jobim entende que não haveria colisão
autêntica entre esses princípios no caso concreto, pois não
se verifica o ferimento à honra daqueles que participaram
do julgamento com a divulgação das gravações das ses­-­
sões realizadas:

88  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 144-145.
89  Voto do Ministro Maurício Corrêa, BRASIL. Supremo Tribunal Federal.
Acórdão no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 23.036/RJ, pp. 264.
Relator originário: Corrêa, Maurício. Relator para o Acórdão: Jobim, Nelson.
Segunda Turma. Recorrentes: Fernando Augusto Henriques Fernandes e outro.
Recorrido: Superior Tribunal Militar. Publicado no DJ de 25-08-2006. Disponível
em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=115926.
Acessado em 10/03/2014. Acesso em 5 de março de 2014.

251
“Maurício argumenta que ‘o interesse dos recor-
rentes... não pode ultrapassar o dever de proteger a
imagem dos que se viram envolvidos em processos
julgados pelo Superior Tribunal Militar’.
Dificilmente se poderia falar em ferimento à honra
daqueles que naquele momento fizeram parte da
história da Justiça brasileira.
Um exemplo atua de prestígio ao princípio da publi­
cidade é a TV JUSTIÇA.
Nela as sessões do Plenário são transmitidas todas
as quartas e quintas, reprisadas em outros horários
e, nem por isso, se cogitou em falar de fermento à
imagem dos Ministros ou dos ilustres advogados
que sustentam na tribuna.
Todos os personagens que ali atuam exercem o
múnus público.
Não há que se falar em violação à intimidade, à honra
ou à imagem destas pessoas.”90

Nos trechos abaixo, é possível também verificar-se a


aplicação dos cânones interpretativos da adequação e da jus-
tificação, inerentes à concepção do direito como integridade:

“Destaco trecho do MI 284, julgado em 22.11.1991: ‘.


...............................
‘Alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime
de exceção instituído no
Brasil em 1964 traduziram-se, dentre os vários atos
de arbítrio puro que o caracterizaram, na concepção
e formulação teórica de um sistema claramente
inconvivente com a pratica das liberdades publicas.
Esse sistema, fortemente estimulado pelo ‘perigo-
so fascínio do absoluto’ (Pe. JOSEPH COMBLIN, ‘A
Ideo­logia da Segurança Nacional - o Poder Militar da

90  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Ordinário em


Mandado de Segurança n. 23.036/RJ, pp. 278. Relator originário: Corrêa, Maurício.
Relator para o Acórdão: Jobim, Nelson. Segunda Turma. Recorrentes: Fernando
Augusto Henriques Fernandes e outro. Recorrido: Superior Tribunal Militar.
Publicado no DJ de 25-08-2006. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginador-
pub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=115926. Acessado em 10/03/2014. Acesso
em 5 de março de 2014.

252
America Latina’, p. 225, 3. ed., 1980, trad. de A. Veiga
Fialho, Civilização Brasileira), ao privilegiar e cultivar
o sigilo, transformando-o em ‘praxis’ governamental
institucionalizada, frontalmente ofendeu o princípio
democrático, pois, consoante adverte NORBERTO
BOBBIO, em lição magistral sobre o tema (‘O Futuro
da Democracia’, 1986, Paz e Terra), não há, nos mode­
los políticos que consagram a democracia, espaco
possível reservado ao misterio.

O novo estatuto político brasileiro – que rejeita o


poder que oculta e não tolera o poder que se oculta
– consagrou a publicidade dos atos e das atividades
estatais como valor constitucionalmente assegura-
do, disciplinando-o, com expressa ressalva, para as
situações de interesse público, entre os direitos e
garantias fundamentais.’
....................................’ (CELSO, REDATOR PARA O
ACÓRDÃO, DJ 26.6.1992)

Trago, ainda, recente decisão de CELSO seguindo


essa mesma orientação: ‘....................................

Não custa rememorar, neste ponto, tal como decidi


no MS 24.725-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO
(Informativo/STF n. 331), que os estatutos do poder,
numa república fundada em bases democráticas,
não podem privilegiar o mistério.

Na realidade, a Carta Federal, ao proclamar os direito


e deveres individuais e coletivos (art. 5º), enunciou
preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à
caracterização da ordem democrática como um
regime de poder visível, ou, na lição expressiva de
BOBBIO (‘O Futuro da Democracia’, p. 86, 186, Paz e
Terra), como ‘um modelo ideal do governo público
em público.’

A Assembleia Nacional Constituinte, em momento de


feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado
com o mistério e com o sigilo, que fora tão forte-
mente realçado sob a égide autoritária do regime
político anterior (1964-1985), quando no desempenho
de sua prática governamental.

253
Ao dessacralizar o segredo, a Assembleia Constitu-
inte restaurou velho dogma republicano e expôs o
Estado, em plenitude, ao princípio democrático da
publicidade, convertido, em sua expressão concre-
ta, em fator de legitimação das decisões e dos atos
governamentais.

É preciso não perder de perspectiva que a Constitui­


ção da República não privilegia o sigilo, nem permite
que este se transforme em ‘praxis’ governamental,
sob pena de grave ofensa ao princípio democrático,
pois, consoante adverte NORBERTO BOBBIO, em
lição magistral sobre o tema (‘O Futuro da Democ-
racia’, 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políti-
cos que consagram a democracia, espaço possível
reservado ao mistério.

Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a


exigência de publicidade dos atos que se formam no
âmbito do aparelho do Estado traduz consequência
que resulta de um princípio essencial a que a nova
ordem jurídico-constitucional vigente em nosso
País não permaneceu indiferente.

O novo estatuto político brasileiro – que rejeita o


poder que oculta e não tolera o poder que se oculta
– consagrou a publicidade dos atos e das atividades
estatais como valor constitucional, incluindo-o, tal
a magnitude desse postulado, no rol dos direitos,
das garantias e das liberdades fundamentais, como
o reconheceu, em julgamento plenário, o Supremo
Tribunal Federal (RTJ 139/712-713, Rel. Min. CELSO
DE MELLO).

Impende assinalar, ainda, que o direito de acesso


às informações de interesse coletivo ou geral – a
que fazem jus os cidadãos e, também, os meios de
comunicação social – qualifica-se como instrumento
viabilizador do exercício da fiscalização social a que
estão sujeitos os atos do poder público.’
....................................’ (MS 25.832, DJ 20.2.2006)

254
Não obstante a decisão de CELSO dissesse respeito
ao direito de liberdade de imprensa, é perfeitamente
aplicável à hipótese ora em exame.

Conclui-se de tudo isso, que o Presidente do Tribunal


só poderia limitar o acesso á informação requerida
desde que estivesse agindo dentro dos limites ob-
jetivos da lei. Somente nesse caso.

A norma adotada como fundamento de recusa ao


pedido dos IMPETRANTES (inciso I do Provimen-
to n. 54/STM), ora recorrentes, não tem o alcance
desejado pela autoridade apontada como coatora.

Leio o que diz o inciso I do Provimento n. 54/STM:


‘....................................
I – Os Representantes do Ministério Público Militar
e os Advogados terão acesso às gravações de julga-
mento dos processos em que tenham tomado parte,
exceto quanto à matéria discutida e votada em sessão
secreta pelo Plenário do Superior Tribunal Militar.
....................................’

Não se pode inferir dessa regra uma restrição ao


direito de informação dos recorrentes.

Quando se trata de direito à informação, não há


espaço para discricionariedade.

Do mesmo modo, não se pode dar a uma norma


interpretação ampliativa para restringir um direito
fundamental, restrição essa que não se pautaria em
nenhum princípio constitucional de mesmo valor
em nosso ordenamento.”91

91  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Ordinário em


Mandado de Segurança n. 23.036/RJ, pp. 246-278-280. Relator originário: Corrêa,
Maurício. Relator para o Acórdão: Jobim, Nelson. Segunda Turma. Recorrentes:
Fernando Augusto Henriques Fernandes e outro. Recorrido: Superior Tribunal
Militar. Publicado no DJ de 25-08-2006. Disponível em http://redir.stf.jus.br/pagi­
nadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=115926. Acessado em 10/03/2014.
Acesso em 5 de março de 2014.

255
Nos trechos reproduzidos, o ministro demonstra com-
preender a necessidade de se respeitar o princípio da integri-
dade na deliberação judicial, tendo em vista que fundamenta
seu julgamento em uma análise do direito como um todo,
assumido como coerente.
Buscando aplicar o cânone interpretativo da adequação
- segundo o qual os juízes devem, ao interpretar, harmoni-
zar-se com os materiais jurídicos e intelectuais existentes - o
magistrado faz uma análise da jurisprudência, colacionando
entendimentos sobre casos correlatos, e analisa o “atual
sistema de normas públicas como se este expressasse um
conjunto coerente”92, sendo contrário à atribuição de uma
interpretação ampliativa a uma norma infraconstitucional
para restringir um direito fundamental.
Também aplica o cânone da justificação93, e de seus
princípios consectários da equidade94, da justiça95 e do devido
processo legal adjetivo96. O princípio da equidade é alcançado

92  DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University


Press, 2000, p. 217.
93  No âmbito do cânone interpretativo da justificação, Dwrokin estabelece as
chamadas “exigências da integridade”: a equidade, a justiça e o devido processo
legal adjetivo. (DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard
University Press, 2000, p. 166.)
94  O princípio da equidade “exige que os princípios políticos necessários para
justificar a suposta autoridade da legislatura sejam plenamente aplicados ao se
decidir o que significa uma lei por ela sancionada”. .” (DWORKIN, Ronald [1986].
Law’s Empire. Cambridge: Harvard University Press, 2000, p. 166.)
95  O princípio da justiça “exige que os princípios morais necessários para
justificar a substância das decisões de seu legislativo sejam reconhecidos pelo
resto do direito.” (DWORKIN, Ronald [1986]. Law’s Empire. Cambridge: Harvard
University Press, 2000, p. 166.)
96  O princípio do devido processo legal adjetivo estabelece que “sejam to-
talmente obedecidos os procedimentos previstos nos julgamentos e que se
considerem alcançar o correto equilíbrio entre exatidão e eficiência na aplicação
de algum aspecto do direito, levando-se em conta as diferenças de tipo e grau
de danos morais que impõem um falso veredicto”. (DWORKIN, Ronald [1986].
Law’s Empire. Cambridge: Harvard University Press, 2000, p. 166.)

256
quando o Ministro faz referência ao princípio democrático,
por meio dos trechos dos julgamentos colacionados, para
definir o alcance do direito à informação no caso concreto. O
princípio da justiça também é contemplado ao se estabelecer
que uma norma interna do Superior Tribunal Militar (inci-
so I do Provimento n. 54/STM) não deve prevalecer ante o
restante do direito. Por fim, o princípio do devido processo
legal adjetivo é também observado, pois, ao mesmo tempo
em que se preocupa com o respeito aos procedimentos le-
galmente previstos para a jurisdição, o ministro estabelece
uma contraposição a um entendimento anteriormente pro-
ferido, que seria, em sua análise, incorreto, representando
um falso veredicto.
Por fim, diferentemente do que entendeu o presidente do
Superior Tribunal Militar, o Ministro Nelson Jobim defende
que não há discricionariedade na decisão sobre fornecer
ou não a informação ao cidadão. Ao iniciar o voto, ele for-
mula a seguinte pergunta “Está no poder discricionário de
Presi­dente de Tribunal conceder ou vedar acesso a dados de
processos que são públicos ou sustentações orais proferidas
em julgamentos públicos dos Tribunais?”, pergunta esta
que é respondida ao longo do acórdão, sacramentando, na
ementa, o entendimento de que “a publicidade e o direito à
informação não podem ser restringidos com base em atos
de natureza discricionária”.
Essa visão está de acordo com a tese da única resposta
certa de Dworkin, que rejeita a existência de uma discricio-
nariedade em seu sentido forte97 para os juízes como creem
os positivistas:

97  “Algumas vezes empregamos ‘poder discricionário’ em um sentido fraco, ape-


nas para dizer que, por alguma razão, os padrões que uma autoridade pública deve
aplicar não podem ser aplicados mecanicamente, mas exigem o uso da capacidade
de julgar. (...) Às vezes usamos a expressão em um segundo sentido fraco, apenas

257
“Portanto, parece que os positivistas, pelo menos
algumas vezes, entendem a sua doutrina no terceiro
sentido, o sentido forte de poder discricionário. (...).
É o mesmo que dizer que, quando um juiz esgota as
regras à sua disposição, ele possui o poder discri-
cionário, no sentido de que ele não está obrigado por
quaisquer padrões derivados da autoridade da lei.
Ou, para dizer de outro modo: os padrões jurídicos
que não são regras e são citados pelos juízes não
impõem obrigações a estes”98

Ao considerar o direito como um sistema autossufici-


ente de regras, os positivistas acabam incorrendo em um
decisionismo quando se trata de casos difíceis, em que não
há uma regra dispondo claramente sobre a questão em litígio.
Dworkin atribui aos princípios força normativa, o que fornece
ao juiz um caminho a ser trilhado para a investigação dos
direitos das partes mesmo nas situações em que não há uma
regra inequívoca a ser aplicada ao caso concreto.
A tese que se tentou construir nos esclarecimentos
prestados pela autoridade coatora, bem como no voto con-

para dizer que algum funcionário público tem a autoridade para tomar uma decisão
em última instância e que esta não pode ser revista e cancelada por nenhum outro
funcionário. (...) Chamo esses dois sentidos de fracos para diferenciá-los de um
sentido mais forte. Às vezes usamos ‘poder discricionário’ não apenas para dizer
que um funcionário público deve usar seu discernimento na aplicação dos padrões
que foram estabelecidos para ele pela autoridade ou para afirmar que ninguém irá
rever aquele exercício de juízo, mas para dizer que, em certos assuntos, ele não está
limitado pelos padrões da autoridade em questão. Nesse sentido, podemos dizer
que um sargento tem um poder discricionário quando lhe for dito para escolher
quaisquer cinco homens para uma patrulha ou que um juiz de uma exposição de
cães tem o poder discricionário de avaliar os airdales antes dos boxers, caso as
regras não estipulem uma ordem para esses eventos. Empregamos a expressão
nesse sentido não para comentar a respeito da dificuldade ou do caráter vago dos
padrões ou sobre quem tem a palavra final na aplicação deles, mas para comentar
sobre seu âmbito de aplicação e sobre as decisões que pretendem controlar. Se o
sargento recebe uma ordem para escolher os cinco homens mais experientes, ele
não possui o poder discricionário nesse sentido forte, pois a ordem pretende dirigir a
sua decisão.” (DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins
Fontes, 2010, pp. 51 – 52)
98  DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes,
2010, p. 55.

258
dutor, de que a previsão para solicitação dos recorrentes
“sequer figura em normas objetivas”99 é falsa, tendo em vista
que esse direito já se encontrava então normatizado pela
própria Constituição Federal, além de normas infracons­
titucionais, como a Lei 8.159/91 (Lei de Arquivos Públicos).
No entanto, mesmo que essa tese estivesse correta, ainda
assim não disporiam os juízes de poder discricionário para
decidir o caso concreto, devendo lançar mão dos princípios
para proceder ao exercício da jurisdição:

99  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Ordinário em


Mandado de Segurança n. 23.036/RJ,
p. 255 Relator originário: Corrêa, Maurício. Relator para o Acórdão: Jobim, Nelson.
Segunda Turma. Recorrentes: Fernando Augusto Henriques Fernandes e outro.
Recorrido: Superior Tribunal Militar. Publicado no DJ de 25-08-2006. Disponível
em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=115926.
Acessado em 10/03/2014. Acesso em 5 de março de 2014.

259
VI. PROCESSO INTERPRETATIVO: DA CONCEPÇÃO SOLIPSISTA DE
DWORKIN AO MODELO PROCEDIMENTALISTA DE HABERMAS

Além da importância da concepção dos direitos como


trunfos para que seja possível alcançar decisões válidas no
contexto do paradigma democrático, há também uma segun-
da conclusão extraída da análise do acórdão, que, no entanto,
parece escapar à teoria do direito de Dworkin. Percebe-se que
o debate travado entre os ministros do Supremo Tribunal
Federal a respeito da solução a ser dada ao caso foi funda-
mental para o deslinde da decisão de forma correta, ponto
que, em certa medida, contradiz as pretensões de Dworkin
de um juiz filósofo capaz de, sozinho, definir a resposta certa
às questões a ele submetidas.
Seja assumindo-se o entendimento de que o ministro
Maurício Corrêa teria tomado sua decisão influenciado por
convicções ideológicas, conforme descreve a corrente realista,
seja considerando-se que o referido ministro não foi capaz de
encontrar a “resposta correta” para o caso em questão, uma
construção teórica monológica não parece ser o procedimen-
to adequado para se chegar a uma decisão de acordo com
a compreensão de direito como integridade100. Isso porque

100  “Precisamente o ponto de vista da integridade teria que libertar Hércules


da solidão de uma construção Teórica empreendida monologicamente. Dworkin,
imitando Parsons, entende o direito como meio de integração social, mais
precisamente, como um medium que permite manter a autocompreensão de
uma comunidade solidária, numa forma por demais abstrata. Nas sociedades
complexas, essas relações de reconhecimento mútuo, que se produzem em
formas de vida concreta através do agir comunicativo, só se deixam generalizar
abstratamente através do direito: ‘I argued that a community of principles, which
take integrity to be central to politics ... assimilates political obligations to the general
class of associative obligations ... A general commitment to integrity expresses a
concern by each for all ...’ Entretanto, é possível ampliar as condições concretas
de reconhecimento através do mecanismo de reflexão do agir comunicativo,
ou seja, através da prática de argumentação, que exige de todo o participante
a assunção das perspectivas de todos os outros. O próprio Dworkin reconhece
esse núcleo procedimental do princípio da integridade garantida juridicamente,

260
essa construção (1) não permite uma “concorrência discur-
sivamente regulada entre diferentes paradigmas”101; (2) se
baseia na perspectiva de “um juiz que tem a pretensão de
um privilégio cognitivo”102, o que na realidade não se verifica.
A noção de uma validade de uma decisão ou de uma
norma, em Dworkin, está calcada em dois pilares. Primeiro,
a necessidade de estar congruente à noção de direito como
integridade, ou seja, de apresentar coerência diante dos de-
mais elementos do Direito em vigor em uma determinada
comunidade; nesse contexto, a não caracterização como
um “erro”, análise que se situa na dimensão da justificação,
adquire especial relevância. Segundo, a necessidade de fazer
referência à norma que Dworkin entende como a mais fun-
damental de todas: o direito à igual consideração e respeito.
Observe-se que ambos são critérios de natureza substantiva,
ao contrário da noção de validade em Habermas, que se
configura sob uma perspectiva procedimental.
Outra diferença relevante a respeito da noção de vali­
dade entre os dois autores é que, enquanto em Dworkin a
validade é resultado de uma busca solitária empreendida por
um juiz idealizado, em Habermas o resgate de pretensões

quando vê o igual direito às liberdades subjetivas de ação fundadas no direito


às mesmas liberdades comunicativas. Isso sugere que se ancorem as exigências
ideais feitas à teoria do direito no ideal político de uma ‘sociedade aberta dos
intérpretes da constituição’, ao invés de apoiá-las no ideal da personalidade de
um juiz, que se distingue pela virtude e pelo acesso privilegiado à verdade.”
HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.
Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pp. 276-278.
101  Aqui Habermas faz uma crítica a Günter, que afirma que a jurisdição
deve se basear em uma compreensão jurídica paradigmática, observando que a
despeito de pretensamente conferir uma maior segurança jurídica à aplicação
do direito, essa compreensão também o torna mais propenso à formação
ideológica, o que recoloca em cena o ceticismo jurídico realista (HABERMAS,
Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade. Volume I. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pp. 272-276).
102  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Vali-
dade. Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pp. 276.

261
de validade levantadas depende, necessariamente, de um
reconhecimento intersubjetivo, realizado por meio de um
acordo racionalmente motivado entre os participantes do
processo argumentativo.
Dworkin, apesar de conceber o direito como calcado na
perspectiva de uma comunidade de princípios, estabelece
que o critério de coerência na deliberação deva ser extraído
dessa comunidade por meio de um processo interpretativo
realizado de maneira mediata pelo juiz e pelo o legislador,
como forma de cumprir as exigências da integridade.
O modelo procedimentalista do direito103, proposto por
Habermas, por seu turno, fundamenta uma teoria da argu-
mentação jurídica que prevê que o exame das questões
controvertidas deva ser realizado no contexto de pressupostos
comunicativos que possibilitem uma pluralidade de inter-
pretações da situação.104 Para Habermas,

103  O paradigma procedimentalista do direito procura proteger, antes de


tudo, as condições do procedimento democrático. Elas adquirem um estatuto
que permite analisar, numa outra luz, os diferentes tipos de conflito. Os lugares
abandonados pelo participante autônomo e privado do mercado e pelo cliente
das burocracias do Estado social passam a ser ocupados por cidadãos que par-
ticipam de discursos políticos, articulando e fazendo valer interesses feridos,
e colaboram na formação de critérios para o tratamento igualitário de casos
iguais e para o tratamento diferenciado de casos diferentes. Na medida em
que os programas legais dependem de uma concretização que contribui para
desenvolver o direito – a tal ponto que a justiça, apesar de todas as cautelas, é
obrigada a tomar decisões nas zonas cinzentas que surgem entre a legislação
e a aplicação do direito -, os discursos acerca da aplicação do direito têm que
ser complementados, de modo claro, por elementos dos discursos de funda-
mentação. Esses elementos de uma formação quase-legisladora da opinião e da
vontade necessitam certamente de um outro tipo de legitimação. O fardo desta
legitimação suplementar poderia ser assumido pela obrigação de apresentar
justificações perante um Fórum judiciário critico. Isso seria possível através
da institucionalização de uma esfera pública jurídica capaz de ultrapassar a
atual cultura de especialistas e suficientemente sensível para transformar
as decisões problemáticas em foco de controvérsias públicas. (HABERMAS,
Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade. Volume II. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pp. 183 – 184).
104  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Vali-
dade. Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pp. 276.

262
“é possível ampliar as condições concretas de re­
conhecimento através do mecanismo de reflexão
do agir comunicativo, ou seja, através da prática da
argumentação, que exige de todo o participante a
assunção das perspectivas uns dos outros.”105

De uma maneira mais ampla, o modelo Habermasiano


concebe uma teoria da democracia em que as práticas de-
cisórias passam a ser legitimadas a partir da perspectiva de
todos os atingidos, que “participam de algum modo e à sua
maneira da interpretação da constituição”. 106
Na deliberação judicial, passa-se, sob esta ótica, de uma
versão solipsista do direito para outra que inclua outros
atores além de um único juiz - que somente sob uma perspec-
tiva idealizada seria capaz de carregar sobre seus ombros
todo o fardo da racionalidade – possibilitando-se assim a
formação de uma “comunidade aberta dos intérpretes da
constituição” 107, no dizer de Peter Haberle.
Essa forma de interpretar deve refletir uma recons­
trução do direito articulada pela intersubjetividade de uma
coletividade deliberativa, situada no contexto da sociedade

105  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Vali-


dade. Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pp. 277.
106  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Vali-
dade. Volume II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pp. 190.
107  Conforme estatui Peter Häberle, apud HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito
e Democracia: entre Facticidade e Validade. Volume I. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2012, pp. 283.

263
civil108 e da esfera pública109, consagrando um procedimento
argumentativo que envolva uma quantidade ampliada de
participantes na busca cooperativa pela verdade110. A atitude
interpretativa compartilhada, se demonstra, portanto, ab-
solutamente compatível com a concepção do direito como
integridade, que repousa sobre a existência de uma comuni-
dade de princípios: “uma comunidade em que seus membros
se reconhecem reciprocamente como livres e iguais e como
coautores das leis que fizeram para reger efetivamente a sua
vida cotidiana em comum.”111

108  “O atual significado da expressão ‘sociedade civil’ não coincide com o da


‘sociedade burguesa’, da tradição liberal, que Hegel chegara a tematizar como
‘sistema das necessidades’, isto é, como sistema do trabalho social e do comércio de
mercadorias numa economia de mercado. Hoje em dia, o termo ‘sociedade civil’ não
inclui mais a economia constituída através do direito privado e dirigida através do
trabalho, do capital e dos mercados de bens, como ainda acontecia na época de Marx
e do marxismo. O seu núcleo institucional é formado por associações e organizações
livres, não estatais e não econômicas, as quais ancoram as estruturas de comuni-
cação da esfera pública nos componentes sociais do mundo da vida. A sociedade
civil compõe-se de movimentos, de organizações e associações, os quais captam
ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os
transmitem, a seguir, para a esfera pública política. O núcleo da sociedade civil forma
uma espécie de associação que institucionaliza os discursos capazes de solucionar
problemas, transformando-os em questões de interesse geral no quadro de esferas
públicas.” (HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade
e Validade. Volume II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 99)
109  “A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comu-
nicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacio-
nais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas
enfeixadas em temas específicos. Do mesmo modo que o mundo da vida tomado
globalmente, a esfera pública se reproduz através do agir comunicativo, implicando
apenas o domínio de uma linguagem natural; ela está em sintonia com a compreen-
sibilidade geral da prática comunicativa cotidiana.” HABERMAS, Jürgen [1992].
Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade. Volume II. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 2012, p. 92.
110  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.
Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pp. 283.
111  CARVALHO NETO, Menelick de. Público e Privado na Perspectiva Consti-
tucional Contemporânea. Brasília - DF: CEAD/UnB, 2013b, p. 11 (Pós-graduação
lato sensu em Direito Público). Disponível em: < http://moodle.cead.unb.br/agu/
course/view.php?id=9>

264
Como o juiz, ao reconstruir racionalmente o direito
vigente, apenas toma “de empréstimo ao ato de fundação
da constituição e da prática dos cidadãos que participam do
processo constitucional” 112 , é preciso compreender o direito
sob uma lógica discursiva, considerando as perspectivas dos
demais participantes do direito. Para Habermas, “o juiz sin-
gular tem que conceber sua interpretação construtiva como
um empreendimento comum, sustentado pela comunicação
pública dos cidadãos.”113
A partir da visão procedimentalista, a verdade, apresen-
tada em Dworkin em uma versão mais factual - a coerência
- deixa de ser objeto de acesso privilegiado por parte do
Juiz Hércules e do legislador, idealizados em Dworkin, para
alcançar um potencial de racionalidade ilimitado, uma vez
que resgatada sob as condições comunicacionais de um au-
ditório de intérpretes alargado idealmente no espaço social
e no tempo histórico.114
Em última análise, o modelo procedimentalista possi-
bilita a evolução da compreensão do direito como trunfo de
uma perspectiva liberal para uma concepção libertária, pois
fornece à comunidade de princípios um instrumento efetivo
para operar o resgate de pretensões de validade criticáveis - o
agir comunicativo –, possibilitando assim a descentralização
do reino do inteligível, compartilhado em Habermas por
todos aqueles que agem comunicativamente.

112  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.


Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pp. 276.
113  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.
Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pp. 278.
114  HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.
Volume I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, pp. 33.

265
VII. CONCLUSÃO

A compreensão do direito à informação como trunfo


se mostrou uma variável determinante para o resultado do
julgamento no caso analisado. A interpretação do Ministro
Maurício Corrêa, ao não considerar os direitos subjetivos
como trunfos, resultou em uma decisão oposta a do Ministro
Nelson Jobim: o primeiro entendeu pela negativa da existên-
cia do direito à informação no caso concreto, enquanto o
segundo decidiu pelo seu reconhecimento aos recorrentes.
Essa conclusão ressalta a necessidade de, nas palavras de
Dworkin, levar-se os direitos a sério, consoante uma com-
preensão de direito como integridade.
Nesse contexto, a compreensão do direito como um
trunfo político é essencial para que os direitos e garantias
individuais possam prevalecer frente a justificativas abusi-
vas por parte do Estado. Dworkin realiza uma reconciliação
entre direito e moral115, buscada pela corrente pós-positi­
vista como forma de fazer frente às atrocidades perpetradas
pelos regimes fascistas com base em normas formalmente
válidas. No Brasil, o regime de exceção que vigorou de 1964
a 1985 se embasava na ideologia da segurança nacional para
afirmar a prevalência de pretensas metas coletivas sobre os

115  “A tese [elaborada por Dworkin] segundo a qual tais direitos “existem” conta
com uma razão prática incorporada na história e que, de certe forma, a atravessa. A
razão prática emerge no ponto de vista moral e se articula numa norma fundamental,
a qual exige a mesma consideração e respeito por cada um. A norma fundamental
de Dworkin coincide com o princípio kantiano do direito e com o primeiro princípio
da justiça, de Rawls, segundo o qual cada um tem um direito a iguais liberdades
de ações subjetivas (...) A teoria dworkiniana dos direitos apoia-se na premissa
segundo a qual há pontos de vista morais relevantes na jurisprudência, porque o
direito positivo assimilou inevitavelmente conteúdos morais. Essa premissa não
causa nenhuma surpresa para uma teoria iscursiva do direito, a qual parte da ideia
de que argumentos morais entram no direito através do processo democrático da
legislação – e das condições da equidade da formação do compromisso.” (HABERMAS,
Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade. Volume I. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012, p. 252-253).

266
direitos dos indivíduos. Foi pela descontinuidade dessa linha
de pensamento, somente possível de se perpetuar em meio
a um contexto de desrespeito aos direitos subjetivos - que
sucede, invariavelmente, de uma cultura do segredo sobre
a ação estatal - que se decidiu no caso estudado.
Ao falarmos da concepção dos direitos individuais como
trunfos, estamos também falando de democracia. Uma com-
preensão do direito que tenha por base a afirmação e o res-
peito aos direitos e garantias fundamentais é essencial para
que se possa assegurar aprevalência do Estado Democrático
de Direito frente a iniciativas de cunho autoritário que visem
solapar as liberdades dos indivíduos.
O direito a informação também se coloca como ele-
mento crucial para a ampliação do direito de participação
dos cidadãos, lançando bases para o aprofundamento do
paradigma democrático tanto do ponto de vista material
como procedimental. O exercício do princípio democráti-
co, segundo o qual “todo poder emana do povo”, vincula-se
intimamente à proteção do direito à informação, já que a
difusão do conhecimento é condição para que os indivíduos
possam participar de maneira efetiva da vida pública e dos
processos de tomada de decisão que afetam as suas vidas.
Ao decidir pela garantia da liberdade da informação
no caso analisado, o STF atuou como guardião do próprio
direito a participação, enquanto instrumento viabilizador
da autonomia política dos cidadãos, a ser exercida conti­
nuamente por meio da via comunicativa, formando as bases
para uma verdadeira democracia deliberativa. 116

116  “(...) os juízes do Tribunal Constitucional Federal, no papel de guardiães de


uma prática de autodeterminação atualmente silenciada e congeladas nas rotinas do
negócio parlamentar, devem assumir vicariamente os direitos de autodeterminação
do povo. (...) Quando se entende a constituição como interpretação e configuração
de um sistema de direitos que faz valer o nexo interno entre autonomia privada

267
VIII. REFERÊNCIAS

ARNAUD, André-Jean et. al. (org.). Dicionário enciclopédico de


teoria e de sociologia do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Or­


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Relator originário: Corrêa, Maurício. Relator para o Acórdão:
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Augusto Henriques Fernandes e outro. Recorrido: Superior
Tribunal Militar. Publicado no DJ de 25-08-2006. Disponível
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e pública, é bem- vinda uma jurisprudência constitucional ofensiva (offensiv) em


casos nos quais se trata da imposição do procedimento democrático e da forma
deliberativa da formação política da opinião e da vontade: tal jurisprudência é até
exigida normativamente. Todavia, temos que livrar o conceito de política delibera-
tiva de conotações excessivas que colocariam o tribunal constitucional sob pressão
permanente. Ele não pode assumir o papel de um regente que entra no lugar de um
sucessor menor de idade. Sob os olhares críticos de uma esfera pública politizada –
da cidadania que se transformou na ‘comunidade dos intérpretes da constituição’-,
o tribunal constitucional pode assumir, no melhor dos casos, o papel de um tutor.”
(HABERMAS, Jürgen [1992]. Direito e Democracia: entre Facticidade e Validade.
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269

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