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Esta frase, composta com a mesma palavra em seu sentido próprio e comum,
condensa os dois maiores objetivos deste livro e apresenta conceitos importantes.
Introduz, primeiramente, a origem da natureza da atividade de Tutoria –
Mentoring, em seu conceito original – surgida a partir do personagem Mentor na
obra de Homero.
Depois, permite contextualizar a narrativa da implantação da Tutoria na
FMUSP com tudo aquilo que nela esteve presente: vicissitudes, dificuldades,
conquistas e vitórias ao longo do tempo.
Torna possível, ainda, apresentar uma questão fundamental: o tutor presente
neste livro, o tutor da FMUSP, tem, na verdade, o papel de mentor.
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Ulisses (ou Odisseu, em grego, de onde vem “Odisséia”).
Bem mais tarde, no final do século XVII, um educador francês chamado
François de Salignac de La Mothe-Fénelon escreve “As Aventuras de Telêmaco”
(1699).
Neste outro livro, a relação de Mentor com o filho de Ulisses, com todos os
seus detalhes, é o centro da narrativa. Enquanto a Odisséia concentra-se mais nas
experiências de Ulisses, este focaliza especialmente a educação de Telêmaco.
Fénelon foi tutor do neto de Luis XIV e seu livro, no século XVIII, inspirou muitos
pedagogos. A história é uma “continuação” do poema épico de Homero e, através
de uma série de aventuras, o autor ilustra a tese de que um monarca ideal deveria
ser um homem de paz, sabedoria e de estilo de vida simples. Graças a Fénelon e ao
Iluminismo, a palavra mentor renasceu depois de três milênios e está presente em
nossa linguagem atual.
O termo mentor (como substantivo comum) passa então a ser utilizado
para designar, em geral, a relação entre um adulto mais experiente e um jovem
iniciante. Uma relação na qual o mentor provê orientação, instrução e
encorajamento para o desenvolvimento da competência e caráter do jovem.
Durante o tempo em que permanecem juntos, espera-se que os dois desenvolvam
um vínculo especial - de compromisso mútuo, respeito, confiança e identificação -
que facilite a transição para a vida adulta.
“O que está num mapa depende claramente dos interesses do cartógrafo e o mapa que
escolhemos depende do que nós desejamos saber... (os cartógrafos) fazem escolhas ao construir seus
mapas, iluminado alguns elementos e ignorando outros. Essas escolhas, inevitavelmente, afetam o
viajante que está usando o mapa. Mas, bons mapas também oferecem escolhas... eles não são meras
fórmulas, não insistem que a jornada deve ser feita de apenas uma maneira ou que ela precisa ser, de
fato, completada. O mapa indica pontos de referência, de perigo, sugere possíveis rotas e destinos, mas
deixa o caminhar para nós” (Daloz, 1986, pág. 46).
Nesse sentido, posso até dizer que seus autores, foram, para mim,
coordenadora do Programa, quase que meus “mentores” à distância, companheiros
de viagem: orientaram-me, inspiraram-me, ensinaram-me.
É preciso agradecer a Laurent A Daloz e suas considerações sobre o poder
transformador do mentoring nas experiências de aprendizagem de adultos, assim
como a Daniel J Levinson por sua obra fundamental para a compreensão do valor
de mentores no ciclo de vida adulta. Foram valiosos para mim, também, os
trabalhos de Rosslynne Freeman, coordenadora de um programa de mentoring
para clínicos gerais na Inglaterra, de Sue Wheeler e Jan Birtle, com o seu
conhecimento sobre os “personal tutors” da Universidade de Birmingham. E,
especialmente, gostaria de destacar Jean Rhodes, da Harvard University, grande
estudiosa de programas de mentoring para jovens americanos, que diz:
“Nenhuma diretriz rígida deve substituir o julgamento, a experiência e a flexibilidade que seres
humanos reais trazem para esta atividade muito humana” (pág 5, 2002)
E como é humana... Com tudo aquilo que nos encanta e nos assombra nas
relações entre pessoas.
Grandes pensadores da Psicologia, da Psicanálise e da Psicoterapia também
me permitiram compreender muito do que acontece na relação tutor (mentor)-
aluno: Freud, Bion, Winnicott, Erikson e Rogers, entre outros.
É preciso ainda, salientar especialmente que, com o que aprendi com os
“meus” tutores e alunos, também cresci no caminho.
Falando em caminhar, lembrei que, certa vez, li a respeito da experiência de
viajar (de um autor francês do qual não consegui recuperar o nome):
“A gente pensa que vai fazer uma viagem, mas na verdade, é a viagem que nos faz e... desfaz”.
Acredito que este é o grande valor dessa experiência chamada Mentoring: o
crescimento, a transformação pessoal, muitas vezes inesperada em seu sentido,
que, através da troca generosa de experiências, atinge a todos que a ela estejam
abertos - por inteiro, mente e coração.
Que este livro possa ser companheiro de viagem de outros que também
desejem “viajar” nessa atividade, lembrando, mais uma vez, que os mapas jamais
podem substituir a jornada em si: as pessoas são sempre maiores que nossas
idéias sobre elas e há, ainda, muitos territórios a serem explorados.