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Agosto de 2018
Professor Gabriel de Lima
O amargo avanço da doçura
No rastro da disseminação de uma única planta, transformaram-se sociedades,
paisagens e culturas
José Augusto Pádua
1/7/2013
Com as campanhas de Alexandre Magno na Índia, e o retorno de alguns dos seus participantes,
começaram a chegar à Europa notícias sobre a existência, no Oriente, de “uma espécie de
bambu que produzia mel sem intervenção das abelhas, servindo também para preparar uma
bebida inebriante”, nas palavras do historiador português Henrique Parreira.
Era por volta de 327 a.C., e aquelas notícias inscreviam-se em um dos movimentos mais
fascinantes da história da humanidade: a disseminação, entre os diferentes povos e regiões,
da grande diversidade de plantas e animais existente nas diferentes regiões do planeta. A
cana-de-açúcar se tornaria uma das protagonistas deste fenômeno. Até então desconhecida
dos europeus, foi descrita a partir de elementos do mundo natural que eles então conheciam.
Ela se parecia fisicamente com os bambus e produzia um líquido doce comparável ao mel.
O açúcar da cana passou a ser produzido no norte da África, no sul da Península Ibérica e no
sul da Itália. Era um mercado de escala reduzida, mas com ganhos significativos, voltado para
o ornamento culinário dos muito ricos e para algumas práticas medicinais.
Em seu livro Nordeste, de 1937, Gilberto Freyre apresentou a entrada da cana na região como
“um conquistador em terra inimiga, matando as árvores, secando o mato, afugentando e
destruindo os animais e até os índios, querendo para si toda a força da terra”. Mais de dois
séculos antes, em 1711, o jesuíta Antonil já havia descrito a fórmula sintética do canavial
como um impiedoso conquistador ecológico – “feita a escolha da melhor terra para a cana,
roça-se, queima-se e alimpa-se, tirando-lhe tudo o que podia servir de embaraço”. A floresta
tropical, com toda a sua diversidade, aos olhos dos produtores, representava apenas um
“embaraço” para o avanço da cana.
E o impacto nas florestas não se devia apenas à abertura de terras para o plantio. Para cada
quilo de açúcar produzido, cerca de 15 quilos de lenha eram queimados nas fornalhas que
alimentavam os enormes caldeirões onde o caldo da cana era cristalizado. Para purgar o
açúcar nas moendas, utilizava-se cinza de madeira, em muitos lugares retirada dos
manguezais. O conjunto da infraestrutura estava calcado na madeira ou em materiais cuja
produção requeria o uso de lenha em fornalhas – como tijolos, telhas e cal. Das árvores
tropicais provinham até as caixas onde o açúcar era acondicionado para exportação.
A sensação doce na boca tornou-se um dos traços culturais distintivos da globalização. Mas
quem considerar todos os seus componentes históricos – incluindo os desflorestamentos, as
escravidões e as chamadas “doenças da civilização” – não poderá deixar de notar um gosto
amargo, por vezes demasiadamente amargo, do império da doçura.