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EDUCACAO EM DIREITOS HUMANOS NA FORMACAO DO JUIZ: UMA JUSTIGA SOB NOVAS LENTES Maria Coeli Nobre da Silva’ UM ANTELOQUIIO NECESSARIO Toda pretensiio de abordagem que envolva “direitos humanos” ha de assentar-se, primeiramente, no reconhecimento de que estes direitos ndo so um dado, mas um construido, uma invengo humana em constante processo de construgdo e reconstrugdo, ‘como costuma lembrar em seus escritos e falas Flavia Piovesan. Os direitos humanos so, na verdade, apresentados como ainda néo definitivamente fixados em seu contetido ¢ extensio - por serem direitos histéricos - e, ao mesmo tempo, slo reconhecidos como direitos que j& nascem com 0 conceito de dimensao coletiva. Com essa naturcza ~ de um construido histérico ¢ pela dimensio que esse construido encerra -, 0s direitos humanos registram uma longa trajetéria de lutas de sua exsurgéncia & implementagdo, com grandes vitérias computadas, mas, também contabilizando inmeras falhas em sua efetividade E fi cenfrentar problemas de accitagio e reconhecimento na sua aplicabilidade, haja visto serem que a jornada dos direitos humanos ainda se faz extenuante € tortuosa, a constantes as graves violagGes que persistem no hodiemo, o que toma incessante a tarefa direcionada a superago de seus obsticulos. Sem dividas, todas as dificuldades com que se deparam os direitos humanos em relagdo a0 seu garante passam pela complexidade do contexto de realidade em que tais direitos se inserem, face a tecitura de diferentes e inseparaveis elementos - 0 politico, 0 econémico, 0 ideolégico, 0 sociol6gico, o psicolégico, o filoséfico ete. Dessa forma, nfo se pode identificar um conjunto tinico de razdes para que os direitos humanos ainda se debatam em areia movediga no plano de sua concretizago. Essa mengo remete & realidade, de certa forma mais angustiante, de se constatar que 0 desrespeito aos direitos humanos no decorre apenas das violéncias cometidas através a 7 peau om Direitos Humanos pela Universidade Federal da Paraba. Professora Adjunta do Curso de Dicito dn Cent de Cléncias Juridicas da UFPB. Juiza de Direito do Estado da Paraiba,aposentada, de torturas, seqiestros, discriminagdes, preconceitos, etc. Hé uma outra violéncia, silenciosa, freqiente, que é desconsiderada, cuja protepiio © defesa esti sob a responsabilidade do proprio sistema de justiga. Nesse caso o Direito é desvirtuado em sua esséncia, objetivas e finalidade pelas prticas no condizentes adotadgs na administragdo da justiga, dando azo a que esta figure no rol dos violadores dos direitos humanos, em vez de se constituir em seu guardiao. Esta exposiglo, sem a ousadia de esgotar 0 ema em sua extenslo e verticalidade, se propse a0 exame especifico dos fatores que impedem a promogio e asseguramento de pré- falados direitos na érbita do sistema de justiga, buscando correlacioné-los a uma cultura € a uma educagdo deficitérias de principios de humanidade em seu real sentido. Com efeito, fazendo-se a leitura do que ocorre com as relagdes no sistema de justia, € possivel lade vislumbrar que a implementagao dos direitos humanos, sua realizagio e fet requerem mais que um escopo normativo, instam por mudanga de mentalidade, desafio cabivel as hostes educacionais. E 0 que se coloca como relevante ¢ indispensavel para transformar dita mentalidade é uma educagao laborada por um projeto de formago em que co processo educacional tenha por base tedrica a afirmagio histrica dos direitos humanos, a se perfazer através de uma atuagdo pedagégica em que os tais direitos sejam introjetados € Vivenciados em todos as esferas, especialmente ao da esfera juridica, pois seara dos que adentram ao sistema de justia que tio importante papel desempenha na sociedade democrética, no assaz apregoado ¢ almejado Estado Democritico de Direito. Na verdade, ha muito que caminhar no érduo trlhar dos direitos humanos. Arduo, principalmente, porque impée a todos reformulagao de posturas ¢ atitudes diante desses direitos, exigindo, antes de mais nada, uma mudanca de mentalidade daqueles que slo os ‘seus operadores, assunto a ser trabalhado a seguir. 1. A QUESTAO CULTURAL E A EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS PELO JUDICIARIO Em relagdo aos direitos humanos, presencia-se 0 paradoxo de sociedades que sequer efetivaram plenamente os mais elementares desses direitos? quando outras jé vivenciam os T pela Ieitura dos Relatérios da Anistia Internacional, a partir de 199, pode se constatarviolagdes dos direitos neue em 141 dos 185 paises das Nagdes Unidas. Em 55 palses hi a prtica de execugBes extrajudiciais « aarroutros 40 vigora a pena de morte. Temos ainda a figura de presos de consciéncia em pelo menos 87 ares discursivos das novas dimensdes em exsurgéncias, a exemplo das questées voltadas para a degradagio ambiental, manipulagdes genéticas, indistria bélica ¢ a vulnerabilidade pelo avango da tecnologia e da informatica. Soma-se a esse paradoxo o especial problema do fosso entre ricos e pobre ,constatado por Eric J. Hobsbawm (1996; p: 540) 90 considerar que: - os reflexos para a problemitica efetivagdo dos direitos fundamentals, 0 Shiga da diferenga economica nfo se refere apenas & divisfo entre pases rasmolvidos & subdesenvolvidos, mas também as gritantes diferengas ccsmomnicas entre classe alta e baixa, como resultado da injusta Gistribuigio de renda no imbito da economia intema dos paises em desenvolvimento. Hi, inegavelmente, sociedades - ditas desenvolvidas - que caminham em atengio & proposta de universalidade inaugurada na modemidade, que avangam em temas que indicam direitos humanos reivindicados na perspectiva do futuro, no sentido de viabilizar condigtes de sobrevivéncia das geragdes descendentes. Outta, porém, ~ consideradas de economia perfética - véem 0s direitos sociais como realidade distante, e, em alguns €250s, ‘0s esforgos ainda so dirigidos para a aquisi¢o de direitos civis elementares*, com isso legitimando-se préticas que demonstram 0 abandono do humano e seu esquecimento como tal. ‘Tamanha disparidade traduz bem a desalentadora realidade da dificuldade que persiste em alguns contextos sociais de no coneretizagio dos direitos humanos, especialmente nas sociedades de economias perféricas, pois concorrendo para ¢SS8 situagio, em grau acentuado, a economia dependente ¢ vulnerdvel que gesta & sociedade de robes tortures e maus‘ratos so anda comuns em 317 pases, eh cass de despareimento em 3) desis nnagdes, dados com poucas alteragdes até o Relatrio de 2008 aa eae vo feminino,retereniado também pea Anstia Intemacional que, segunda dadas do O° sare condo fmado em 1952, 0 surgio ainda ndo reconecideplenamerte & mulher om pumas nagdes do Golfo Persa como Qatar, Oman, Aribi ‘cos Emirados Arabes Unidos, sendo, também, a navies do Gol Ferexsvasem voto na Guiné Equatorial, Hong Kong, Suriname, ¢ Taiwan, Quo excmri de direitos clementares ainda no concretizados pode ser apo ‘birbara_ pritica da sratitagdo genital na mulher em cerca de 29 paises do continente aft tles: Senegal, Egito, Sudo, Etiépia, Siri india, Yemen , Indonésia, Oma, Gui Congo, Benim, Camardes, Casta do Marfim, Chade, Gimbia,

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