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O PERFIL DO EGRESSO DO SISTEMA PRISIONAL DE UBERLÂNDIA

Fernanda de Magalhães *
Marília Nogueira Neves **

RESUMO
O presente artigo, fruto da monografia do curso de Serviço Social, procura identificar o perfil
dos egressos do sistema prisional de Uberlândia, perpassando pela realidade dos sistemas
carcerários desta cidade, onde foi possível observar que a prisão é resultado do atual acúmulo
de necessidades sociais, como a falta de emprego, má distribuição de renda e deficiência na
educação. A literatura apresenta uma situação de dupla exclusão dos cidadãos que já passaram
por privação de liberdade: a que acomete a maioria das pessoas empobrecidas e vítimas de um
sistema excludente, acrescida do estigma de criminoso impresso nos egressos do sistema
prisional. O objetivo é traçar um breve perfil destes cidadãos, destacando a percepção deles
perante a reintegração na sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Perfil do Egresso. Reintegração Social. Sistema Prisional.

ABSTRACT
This article, the result of the monograph of the course of Social Service, to identify the profile
of former convicts from Uberlandia, permeated by the reality of prison systems in this city,
which was observed that the arrest is the result of the current accumulation of social needs,
such as lack of employment, unequal distribution of disability income and education. The
literature presents a situation of double exclusion of citizens who have experienced
deprivation of liberty: it affects the most impoverished people and victims of an exclusionary
system, plus the stigma of criminal printed on former convicts. The goal is to draw a brief
profile of these people, highlighting their perception towards the reintegration into society.
KEYWORDS: Graduates' profile. Social Reintegration. Prison System.

* Aluna do Curso de Serviço Social da Faculdade Católica de Uberlândia.

* Assistente Social; professora do Curso de Serviço Social da Faculdade Católica de Uberlândia; mestranda da
PUC Goiás e orientadora do presente artigo.
2

INTRODUÇÃO

No início da década de 1990 o Brasil e alguns países da América Latina se inseriram


no processo de globalização e no projeto neoliberal, o que trouxe como consequência um
crescimento ainda maior da desigualdade social e um aumento significativo da criminalidade.
Neste contexto não houve políticas públicas de proteção social que diminuíssem os
impactos causados. Wacquant (2001) aponta que o Brasil tem uma economia de
desigualdades sociais vertiginosas e pobreza de massas combinadas, que alimentam o
crescimento da violência criminal e do flagelo social brasileiro. Assim sendo, o crime e o
mercado informal tornaram-se uma forma de sobrevivência dos pobres.
Desta forma, percebe-se que a ausência de acesso a serviços básicos implica a falta de
ativos para obter oportunidades e torna o indivíduo vulnerável. A pouca escolaridade, por
exemplo, reflete em baixa qualificação profissional, o que leva ao desemprego e,
consequentemente, a uma renda insuficiente. Isso faz com que muitos cidadãos vejam na
criminalidade o único meio possível de obter recursos.
Na cidade de Uberlândia, a realidade não se difere das demais regiões do país. É
possível perceber a vulnerabilidade social do público carcerário assim como dos egressos do
sistema prisional que retomam a liberdade sem perspectivas reais de manutenção da própria
vida e de seus familiares, vendo no crime o meio mais provável de sobrevivência.
No intuito de promover a cidadania, reduzir as vulnerabilidades sociais e evitar a
reincidência criminal e/ou reduzir seus efeitos, o Governo de Minas Gerais, através da
Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS) instituiu o Programa de Reintegração Social do
Egresso do Sistema Prisional (PRESP) por meio dos Núcleos de Prevenção à Criminalidade
(NPCS), espalhados nas cidades com maiores índices de violência do estado.
O objetivo geral deste artigo é traçar o perfil dos egressos do sistema prisional de
Uberlândia. Assim, consta de três partes: a primeira fala do sistema prisional brasileiro,
abordando questões históricas e conceituais, como a Lei de Execuções Penais; a segunda
aborda a prevenção à criminalidade em Minas Gerais, enfocando a cidade de Uberlândia
através do PRESP; a terceira detém-se nos resultados da pesquisa, apresentando relatos
obtidos nas entrevistas, nos quais é possível perceber os obstáculos enfrentados pelos
entrevistados durante a reintegração social pós privação de liberdade e o perfil dos egressos
do sistema prisional de Uberlândia.
Na finalização, apresentam-se as Considerações Finais e as Referências.
3

1. A PRISÃO E SEUS ASPECTOS CONCEITUAIS E HISTÓRICOS

Segundo Camargo (1990), a prisão passou a ser considerada no início do século XIX,
nos países já industrializados, como a pena das sociedades civilizadas. A autora explica que,
anteriormente ocupara somente uma posição secundária no sistema de penas, tendo como
finalidade garantir a presença do suspeito à disposição dos seus juízes, ou do condenado à
espera da execução da sua sentença.
Outro fator importante, de acordo com Camargo (1990), foi a industrialização, a qual
trouxe a necessidade de muita mão-de-obra, e a prisão apareceu também como meio
privilegiado de transformar pessoas ociosas em população trabalhadora. A autora explica que
os corpos dos condenados, mais do que punidos, deveriam ser transformados em corpos
dóceis, através de técnicas de coerção, processos de treinamento, até se traduzirem em novos
comportamentos, produtivos e socialmente úteis. A autora explicita que a prisão foi projetada
como uma empresa de modificação de indivíduos, assim como a escola, as oficinas e outros.

Essas instituições não estão isoladas, evidentemente, mas bem articuladas com leis,
medidas administrativas, enunciados científicos, princípios filosóficos, morais etc.
formando mecanismos, dispositivos disciplinares que garantem a ordem desse tipo
de sociedade. O grande objetivo do conjunto de dispositivos disciplinares não é
manter as estruturas sociais pela força – embora não a exclua – mas sim pelo
cumprimento de normas de conduta bem determinadas (CAMARGO, 1990, p. 134).

Partindo de uma visão social, a instituição prisional como um todo ou simplesmente


“de fora para dentro”, é resultado do atual acúmulo de necessidades sociais como falta de
emprego, aumento da violência, deficiência na educação, de acordo com Focault (1997).
Neste contexto, a criminalidade é resultante das transformações do capital, associadas às
desigualdades de classes e precariedade das políticas públicas, que não viabilizam métodos e
técnicas de prevenção à criminalidade, buscando efetivamente o tratamento das questões que
possivelmente colaboram para a incidência do indivíduo no mundo do crime, fatores esses
interligados ao desemprego, fome, falta de escolaridade e desigualdades sociais, questões
essas que seguem em contrapartida com os mínimos sociais e direitos à cidadania.

1.1. Sistema prisional brasileiro e a lei de execuções penais

De acordo com Torres (2001), a Constituição Federal de 1988, dedicou parte


expressiva de seu texto aos direitos, garantias individuais e coletivas dos cidadãos brasileiros.
O cerne de defesa dos direitos humanos encontra-se inscrito no caput do artigo 5o que define
4

que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a
brasileiros e estrangeiros, residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade” (Constituição Federal, 1988).
O sistema penitenciário brasileiro está regulamentado pela Lei de Execuções Penais
(LEP no 7.210 de 11/07/1984), que em seu artigo 1o apresenta o objetivo de “efetivar as
disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e ao internado”. Em seu artigo 10 está disposta “a assistência
ao preso e ao internado como dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o
retorno à convivência em sociedade, estendendo-se ao egresso1”. Compõem este rol a
assistência: material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.
A LEP determina como deve ser executada e cumprida a pena de privação de
liberdade2 e restrição de direitos3. Contempla os conceitos tradicionais da justa reparação,
satisfação pelo crime que foi cometido, o caráter social preventivo da pena e a ideia da
reabilitação. Dotando os agentes públicos de instrumentos para a individualização da
execução da pena, aponta deveres, garante direitos, dispõe sobre o trabalho dos reclusos 4,
disciplina as sanções; determina a organização e competência jurisdicional das autoridades;
regula a progressão de regimes de direitos.
De acordo com Torres (2011), a organização do sistema prisional sofre variações nos
estados da federação, porém estão sob a jurisdição do Ministério da Justiça, que conta com
um órgão específico para o tratamento da questão, o Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP), que atua no âmbito das propostas de políticas e fiscalização nesta
área, sendo que a administração dos presídios propriamente dita está a cargo dos estados. Nos

1
Egresso: Segundo o dicionário, egresso significa aquele que saiu, que se afastou. Pessoa que deixou a clausura.
Saída, retirada. Neste trabalho, refere-se àquele que deixou o sistema prisional.
2
Privação de liberdade: De acordo com o Código Penal, a pena privativa de liberdade é a pena corporal imposta
ao condenado pela prática de um crime/delito ou contravenção, que poderá ser de reclusão, detenção ou prisão
simples. A diferença está na quantidade de pena prevista pela lei ao crime praticado, o que influenciará na forma
(regime) de início de cumprimento da pena (fechado; semiaberto ou aberto).
3
Restrição de direitos: Conforme informado no Código Penal, as penas restritivas de direitos são autônomas (e
não acessórias) e substitutivas (não podem ser cumuladas com penas privativas de liberdade); também não
podem ser suspensas nem substituídas por multa. As penas restritivas de direito foram paulatinamente
introduzidas como uma alternativa à prisão.
4
Reclusos: O dicionário explica que recluso significa metido em cela. Encarcerado. Recolhido a convento.
Afastado do convívio do mundo: viver recluso. Aquele que vive em clausura, ou foi condenado à pena de
reclusão.
5

estabelecimentos penais do país estão os presos condenados sob a jurisdição das Secretarias
de Justiça ou de Administração Penitenciária dos estados.
Segundo o DEPEN, no levantamento realizado em dezembro de 2010, o resultado
mostra que a população carcerária do Brasil em sua maioria é composta de jovens em idade
ativa (53% tem menos de 30 anos), com baixa escolaridade (64% são analfabetos ou semi-
analfabetos), com grande inserção na prática de crimes de furtos e roubos (50%) e com um
alto índice de presos com até oito anos de condenação (50%).
Outro fator detectado pelo DEPEN é que a grande maioria dos presos são homens. Em
dezembro de 2010 havia uma população de 445.705 reclusos nas penitenciárias 5 do país.
Deste total, 417.517 eram homens e 28.188 eram mulheres. Some-se a este contingente mais
de 50.546 presos, entre homens e mulheres, nas carceragens6 policiais de todo país.
Ainda de acordo com pesquisas realizadas pelo DEPEN, em dezembro de 2005, a
população habitacional do país indicava 126.799.183 habitantes, destes, 294.237 estavam
reclusos. A cada 100 mil habitantes, 232 estavam presos. No intervalo de dezembro de 2006
até dezembro de 2007 o número foi de 383.480 presos para 422.373. No ano de 2008
aumentou para 451.219 segundo INFOPEN7.
Conforme dados coletados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
até dezembro de 2010 havia cerca de 191.480.630 habitantes no território nacional, destes
segundo DEPEN e INFOPEN, 496.251 estavam reclusos, ou seja, proporcionalmente, a cada
100 mil habitantes, 259 estavam presos. Em relação aos anos de 2005 aos dias atuais, a
população carcerária quase dobrou.
Em dezembro de 2010, a população de Minas Gerais contava com 20.033.665
habitantes segundo DEPEN, e a cada 100 mil habitantes existiam cerca de 231 presos. Com
dados retirados do site da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) com base nos dados

5
Penitenciária: De acordo com site oficial do Ministério da Justiça, penitenciárias significa estabelecimentos
penais destinados ao recolhimento de pessoas presas com condenação à pena privativa de liberdade em regime
fechado.
6
Carceragem: Segundo descrito no dicionário, carceragem significa a ação de encarcerar. Gasto com a
manutenção dos presos.
7
O INFOPEN corresponde a um programa de computador de coleta de Dados do Sistema Penitenciário no
Brasil, para a integração dos órgãos de administração penitenciária de todo Brasil, possibilitando a criação dos
bancos de dados federal e estaduais sobre os estabelecimentos penais e populações penitenciárias. É um
mecanismo de comunicação entre os órgãos de administração penitenciária, criando “pontes estratégicas” para os
órgãos da execução penal, possibilitando a execução de ações articuladas dos agentes na proposição de políticas
públicas.
6

fornecidos SEDS, em Minas Gerais em 2010 existiam 46.293 presos, sendo 8.978 presos
cumprindo suas penas nas cadeias8, onde a capacidade máxima é de 5.004 presos e o restante
cumprindo em penitenciária e outros estabelecimentos prisionais.

1.2. A realidade do sistema prisional de Uberlândia

Em Uberlândia, de acordo com DEPEN, a Penitenciária Profº João Pimenta da Veiga,


contava em 2009 com 370 presos, e o Presídio Profº Jacy de Assis com capacidade para 936,
contava com cerca um mil e quatrocentos presos em regime fechado.
Segundo informações do Diretor Geral da Penitenciária Pimenta da Veiga, o local foi
inaugurado em 2003, com capacidade para atender 396 sentenciados e atualmente encontram-
se 450 sentenciados, sendo que destes, 53 são do sexo feminino, o que significa que 88% da
população carcerária da Penitenciária é composta por homens.
No que se refere à faixa etária dos sentenciados, consta que varia entre 19 a 73 anos, e
em se tratando do grau de escolaridade, 15 se declaram analfabetos, 31 semi-alfabetizados,
265 informam ter o ensino fundamental incompleto, 76 possuem ensino fundamental
completo, 32 possuem o ensino médio completo, 01 tem superior completo, 03 não
informaram o grau de escolaridade e os demais (27 sentenciados) são novos no sistema e não
foram atendidos pela equipe técnica, o que inviabiliza a precisão da informação.
De acordo com o Diretor Geral da Penitenciária acima citada, dos 450 sentenciados
que se encontram na Penitenciária atualmente, estima-se que 60% recebem visitas regulares
de familiares. Outro fator relevante é o número de sentenciados que estão estudando
atualmente: somente 108 se encontram-se devidamente matriculados e frequentando a escola
na Unidade Prisional. Destes, 86 são do sexo masculino e 22 do sexo feminino.
Com relação ao Presídio Professor Jacy de Assis, a atual Diretora de Atendimento e
Ressocialização informou que o local foi inaugurado em 1998 e conta atualmente com 1.652
detentos, divididos entre 1.569 do sexo masculino e 83 do sexo feminino. Ou seja, 95% dos
sentenciados são homens. Assim, é possível perceber que em ambas as instituições o número
de homens é bastante superior à quantidade de mulheres reclusas.

8
Cadeia: De acordo com o site oficial do Ministério da Justiça, cadeias públicas correspondem aos
estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas em caráter provisório, sempre de
segurança máxima.
7

O nível de escolaridade dos reclusos nesse Presídio se apresentou baixo. 27 dos presos
informaram ser analfabetos, 136 disseram ser semi-alfabetizados, 890 possuem o ensino
fundamental incompleto, 470 afirmaram ter o ensino fundamental completo, 123 ensino
médio completo e 6 possuem ensino superior completo.
Os dados repassados pela Diretora de Ressocialização sobre a faixa etária dos detentos
do Presídio apontou uma população carcerária jovem. Foram contabilizados 642 presos com
idade entre 18 e 24 anos. Os demais variam da seguinte maneira: 422 entre 25 e 29 anos, 277
entre 30 e 34 anos, 216 ente 35 e 45 anos e 92 a partir de 46 anos. Do levantamento total
restaram 3 reclusos que não informaram a idade.

2. PREVENÇÃO À CRIMINALIDADE EM MINAS GERAIS

A política de prevenção à criminalidade de Governo de Minas Gerais foi instituída


junto à SEDS, com o propósito de trabalhar programas e projetos de prevenção social às
violências e criminalidades, implantando um novo paradigma de segurança pública como
política social que busca garantir prevenção com participação e cidadania.
De acordo com Leite (2009), a Superintendência de Prevenção à Criminalidade
(SPEC) tem por objetivo elaborar e coordenar ações de prevenção à criminalidade nos níveis
social e situacional mediante a construção de novas relações entre a sociedade civil e os
órgãos componentes do sistema de defesa social e justiça, visando a segurança pública e a
garantia do exercício de cidadania principalmente por pessoas, grupos e localidades mais
afetados pelo fenômeno da violência e da criminalidade urbana.

O crescimento dos indicadores de criminalidade nos grandes centros urbanos do


Brasil, sobretudo a partir da década de 1980, trouxe a necessidade de repensar a
política de segurança pública historicamente desenvolvida pelos governos,
destacando a violência como tema prioritário na agenda pública nacional. Em Minas
Gerais, estudos sistêmicos evidenciaram um aumento progressivo da criminalidade
violenta a partir da segunda década de 1990, exigindo respostas mais efetivas ao
fenômeno (LEITE, 2009, p. 28).

Um dos programas do Governo de Minas Gerais é o NPCS, uma política da SEDS,


que em parceria com o município tem por objetivo prevenir a criminalidade e reintegrar o
egresso na sociedade por meio dos programas: Central de Apoio e Acompanhamento às Penas
e Medidas Alternativas (CEAPA), Controle de Homicídios Fica Vivo! e o PRESP.
A CEAPA, conforme explica Leite (2009) busca criar condições para o
acompanhamento e aplicação de penas alternativas no sistema prisional. Seu corpo técnico é
8

formado por psicólogos, assistentes sociais e advogados que oferecem atendimento


multidisciplinar. São estes profissionais que encaminham os beneficiários, caso necessitem da
rede de serviços disponível na região.
O Programa de Controle de Homicídios Fica Vivo! é voltado para jovens de 12 a 24
anos em situação de risco social9, residentes nas áreas com maior índice de criminalidade.
Tais localidades foram identificadas através de estudo realizado pelo Centro de Estudos da
Criminalidade e Segurança Pública (CRISP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
Polícia Militar e Civil, bem como funcionários das administrações municipais e estadual,
sobre experiências de controle de homicídios que possibilitou elaborar um projeto adaptado
ao contexto de Minas Gerais, conforme explica Leite (2009).
O PRESP visa acolher o egresso do sistema prisional, promovendo políticas sociais
para sua reintegração na sociedade e garantir o cumprimento dos direitos previstos e criar
condições para evitar a reincidência criminal.
Os dois Núcleos de Prevenção à Criminalidade (NPCs) de Uberlândia foram
inaugurados em 2005 pela SEDS de Minas Gerais, por meio da Superintendência de
Prevenção à Criminalidade, se localizam no bairro Morumbi e região Central, e contam com
os três programas citados anteriormente: PRESP, Fica Vivo! e CEAPA.

2.1. Programa de Reintegração Social do Egresso do Sistema Prisional de Uberlândia

O PRESP foi criado em 12/04/2003, a partir do Decreto nº 43.295/03 e com base na


Lei de Execução Penal nº 7210/84. Segundo Oliveira (1996), trata-se de um equipamento da
política pública de inclusão social que objetiva o atendimento e acolhimento de indivíduos
que já passaram pela privação de liberdade, promovendo condições para a retomada à vida
social coletiva, de forma a garantir autonomia e responsabilização.
O Programa oferece aos indivíduos acolhimento psicológico, atendimento jurídico,
assistência social nos termos da LEP e condições de retomada ao convívio social e familiar.
Os atendidos são encaminhados ao PRESP pelo Poder Judiciário – Vara de Execuções
Criminais da Comarca de Uberlândia, quando da progressão do sentenciado para o regime
aberto ou livramento condicional que, no caso de Uberlândia, são cumpridos sob as mesmas

9
De acordo com o dicionário de termos técnicos da Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte (2007),
situação de risco social refere-se à probabilidade de ocorrência de um evento de origem natural, ou produzido
pelo ser humano, que concretiza a passagem da situação de vulnerável a vulnerabilizado, afetando a qualidade de
vida das pessoas e ameaçando sua subsistência.
9

condicionalidades. Dessa forma, uma das condições obrigatórias é a entrevista psicossocial e


jurídica e o comparecimento mensal ao NPC para assinatura referente ao regime.
Neste contexto, o PRESP reconhece as precárias e desumanas condições de retorno à
sociedade dos sentenciados e entendendo este estado de situação de vida como fator de risco e
reentrada prisional, o Programa busca fazer cumprir o art. 25 da LEP no 7.210/84, que se
define como um equipamento da política de inclusão social do egresso do sistema prisional e
seus familiares, que passa a assumir a incumbência de garantir ao egresso do sistema prisional
o acesso a seus direitos sociais básicos.
O PRESP de Uberlândia, conta atualmente com uma equipe de Técnicos Sociais das
áreas de Direito, Psicologia e Serviço Social, além de estagiários, que trabalham para a
desconstrução do imaginário social10 de criminoso e excluído, visando inseri-lo no mercado
de trabalho e efetivar a reintegração social.
De acordo com Leite (2009), as pesquisas realizadas a cerca do perfil da população
carcerária no Brasil demonstram que o sistema penal segrega do convívio social uma parte da
população já anteriormente excluída dos direitos sociais básicos. Assim, as pessoas egressas
do sistema prisional refletem, na perspectiva social o mesmo grau de exclusão da maioria da
população brasileira. O agravante é que, além deste padrão, somam-se aos egressos do
sistema prisional, novas características, tais como:

[...] a qualidade de “criminoso”, a subjetividade afetada pela vivência em reclusão,


as relações sociais corroídas pela distância imposta pela prisão, o estigma de
violência-criminalidade reforçada na condição de sujeito do sistema prisional. Esses
impactos da experiência prisional incidem de forma indelével sobre o indivíduo
(LEITE, 2009, p. 171).

Através do PRESP, são desenvolvidas várias ações, tais como, estudo das alternativas
para resolução dos problemas oriundos do débito com o Estado que impossibilitam a
reabilitação do egresso. Trabalha também com regulamentações do Estado que prevê
incentivos fiscais para a inclusão dos mesmos no mercado de trabalho, que é um dos
principais órgãos excludentes.

10
Segundo Lídiston Pereira da Silva, psicólogo e coordenador Técnico do Psicossocial da Fundação de Apoio ao
Egresso do Sistema Penitenciário, o imaginário social compreenderá melhor a reintegração como social na
proporção em que conseguir problematizar a violência oriunda da vulnerabilidade social. Constata-se a
predominância no imaginário social da ideia de que a violência é parte de um mau caráter. De uma personalidade
desviada. De uma natureza obscura no fundo da alma humana. Tais convicções induzem o imaginário pessoal a
se compor na ideia de que a violência é própria de sua identidade de ser no mundo. A violência sendo própria do
individuo, do desviante, do marginal, a inclusão social não pode ser pensada como possível.
10

2.2. O Serviço Social no Programa de Reintegração Social do Egresso

Historicamente, o egresso do sistema prisional encontra grandes dificuldades e


obstáculos para se reintegrar na sociedade, segundo Leite (2009). Os condenados passam, na
perspectiva social, o mesmo grau de exclusão que a maioria da população brasileira só que
como egressos do sistema prisional, possuem também novos elementos de exclusão: o
carimbo de criminoso, o estigma social, a subjetividade destroçada, as relações sociais
dizimadas, a violência-criminalidade reforçada na vivência estabelecida na prisão.

As pesquisas realizadas acerca do perfil da população carcerária demonstram que o


sistema penal segrega do convívio social uma parte da população já anteriormente
excluída dos direitos sociais básicos. Este dado não cria uma relação necessária
entre exclusão e criminalidade, uma vez que não é uma proposição lógica extrair da
exclusão a criminalidade, pois tanto existem excluídos não-criminosos como
criminosos não-excluídos. Porém, do universo criminal, a pena de prisão recai para
os já excluídos socialmente (aqueles já marginalizados, desprovidos dos direitos
sociais fundamentais básicos) (LEITE, 2009, p. 170).

A inclusão social de pessoas que possuem um passado criminal esbarra-se em


barreiras tais como: o preconceito da sociedade, a falta de preparo profissional, a falta de
estudo, dentre outros. As políticas públicas voltadas para atender essas questões existem, mas
são poucas e ainda há muito para se fazer. Torna-se necessário, pois, refletir quais são os
limites e as possibilidades de se trabalhar a inclusão social do egresso, explica Leite (2009).
Nesta realidade, o Serviço Social tem papel importante e muito a contribuir no
planejamento, na operacionalização e na implementação de ações capazes de provocar
mudanças nas condições de vida dessas pessoas, já que se trata de uma profissão que busca a
intervenção investigativa, através da pesquisa e análise da realidade social, atuando na
formulação, execução e avaliação de serviços, programas e políticas sociais que visam a
preservação, defesa e ampliação dos direitos humanos e justiça social.
Sustentados pelo projeto ético-político do Serviço Social, os Assistentes Sociais
reconhecem que a precariedade das condições de trabalho que não atinge somente este
profissional, mas todas as categorias. E é neste contexto que o profissional prepara-se para
ousar, ter um olhar crítico para a realidade, conquistar novos espaços, saber desempenhar seu
papel de mediador da prestação de serviços sociais entre o capital/trabalho.
Segundo Netto (1999), o projeto ético-político do Serviço Social articula em si mesmo
os seguintes elementos constitutivos: uma imagem ideal da profissão, os valores que a
legitimam, sua função social e seus objetivos, conhecimento teóricos, saberes interventivos,
11

normas e práticas, o que deixa claro sua importância e a necessidade de agir com coragem no
enfrentamento dos desafios, sabedoria e crença em um futuro mais digno para toda população.

A dimensão política do projeto é claramente enunciada: ele se posiciona a favor da


equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a
serviços relativos às políticas e programas sociais; a ampliação e a consolidação da
cidadania são explicitamente postas como garantia dos direitos civis, políticos e
sociais das classes trabalhadoras. Correspondentemente, o projeto se declara
radicalmente democrático – considerada a democratização como socialização da
participação política e socialização da riqueza socialmente produzida (NETTO,
1999, p. 16).

Sob a perspectiva do compromisso com a qualidade dos serviços prestados à


população e atuando como uma categoria que entende a promoção humana como processo
refletivo e crítico, os Assistentes Sociais que atendem os egressos do sistema prisional através
do PRESP e dos demais programas dos NPCs, constroem mediações rompendo com práticas
assistencialistas e institucionalizadas, compreendem as particularidades que compõem a
realidade das pessoas que estiveram presas e assim buscam com intencionalidade, alternativas
interventivas possíveis de transformar determinada realidade.
Neste sentido, o PRESP tem o intuito de proporcionar aos egressos, oportunidades e
possibilidades de condução de suas vidas e formas de romper os vínculos com a
criminalidade. Visando conhecer o perfil destes egressos, apresentar-se-á o resultado do
estudo realizado no NPC de Uberlândia, no período de abril a setembro de 2010.

3. CRIMINALIDADE: EGRESSOS JOVENS, SOLTEIROS, COM BAIXA


ESCOLARIDADE E ENVOLVIDOS EM CRIMES DE FURTO, ROUBO E ASSALTO
EM UM PERSPECTIVA COMPARATIVA

Um fenômeno observado durante a realização deste estudo e confirmado pelo autor


Adorno (1996) é a acentuada desproporção entre homens envolvidos no crime quando
comparados às mulheres. O autor explica que se trata de um fator mais geral, atestado em
outras pesquisas sobre criminalidade, cuja ainda está por ser feita, pois aquelas que apelam
para elementos socioculturais, como o papel da mulher na sociedade, sua forma de inserção,
seu confinamento no espaço doméstico, dentre outros, correntes tanto no debate público
quanto presentes em estudos antropológicos e sociológicos parecem insatisfatórios. Adorno
(1996) afirma que em estudo realizado sobre a reincidência criminal, foi possível verificar que
estatisticamente a mulher delinqüente é tão reincidente quanto o homem.
Outro fator relevante e reforçado pelo referido autor é o número de pessoas jovens
envolvidas na criminalidade. Segundo Zaluar (1993), a entrada dos jovens na criminalidade
12

organizada e violenta tem a ver, entre outros aspectos, com a valorização de símbolos
próprios da juventude, como ter dinheiro no bolso ou vestir-se com roupas atraentes e bonitas.
A estes valores, acrescem, a valorização da arma de fogo e a disposição gratuita para matar.
A situação conjugal é elemento na construção das representações coletivas sobre a
criminalidade. As uniões formais são eleitas como modelo ideal na sociedade. A partir disso,
consideram-se desviantes as uniões consensuais e todas as demais formas de relacionamento
que se distanciem do padrão estabelecido. Sob esta perspectiva, acredita-se que delinquentes
venham de famílias que não se baseiam em uniões formais.
De acordo com Adorno (1996), a escolaridade também deve ser analisada, pois é um
dos componentes fundamentais da cidadania:

Por um lado, a escola é vista como a agência de socialização por excelência, muitas
vezes até detentora de um papel superior ao desempenhado pela família na formação
de novos cidadãos. Depositam-se na escola não poucas expectativas: o aprendizado
de conhecimentos formais, o respeito à ordem constituída e às hierarquias, a
valorização de símbolos nacionais e morais, a internalização de hábitos metódicos e
sistemáticos. Por outro lado, espera-se que a escola habilite seus educandos a
competir e a desfrutar das oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho. Por
essa via, a escola é valorizada como veículo de mobilidade e de ascensão social.
(ADORNO, 1996, p. 13).

Deste modo, é comum suspeitar-se de que um conjunto de circunstâncias sociais que


impeçam alguns cidadãos de ter acesso à escola e ao ensino, mesmo que seja o ensino
fundamental, do que resultam fortes pressões para delinquir. Isto então explica o motivo da
baixa escolaridade dos egressos do sistema prisional. Assim, a escolaridade dos egressos é
baixa, não porque sejam criminosos, mas sim, porque a escolaridade da população, no seu
conjunto, se retém nos níveis elementares.
O envolvimento dos egressos em crimes contra o patrimônio revela as conseqüências
das mazelas da contradição capital-trabalho, que determinam a conduta do cidadão,
reservando a ele, trabalhador, alternativas de sobrevivência que, seja qual for a escolhida,
sempre beneficiarão o capital.

As contradições do sistema capitalista explicam o processo criminalizador com base


na lógica de funcionamento da relação capital-trabalho. A força de trabalho,
diretamente integrada à produção vive a desigualdade da relação entre o seu esforço
e o benefício recebido, entre a energia gasta e a recompensa pela cessão do seu
tempo de trabalho ao capital. A força de trabalho excedente, desempregada, se vê
obrigada a garantir a sua existência através de artifícios e de estratégias de
sobrevivência que vão do biscate ao crime. É a utilização de meios ilegítimos para
compensar a falta dos meios legítimos de sobrevivência (DORNELES, 1992, p. 57).
13

Portanto, traçar o perfil do egresso do sistema prisional é o primeiro passo para a


criação de um leque de possibilidades a serem estudadas e desvendadas a cerca dos resultados
obtidos. Desta forma é possível compreender, criticamente, quem são os egressos.

3.1. A percepção dos egressos no retorno à sociedade após privação e liberdade

Diante de uma realidade de exclusão, já descrita anteriormente, os egressos vivenciam


o preconceito e as dificuldades de se integrar na sociedade, pós-privação de liberdade.

[...] podemos considerar que o quadro de exclusão social tende a aumentar, pois a
apropriação privada e a ausência de uma política distributiva de renda contribuirão
para a criação de um contingente cada vez maior de desempregados e de
marginalizados socialmente. Numa sociedade como a nossa, em que o acesso ao
trabalho, à moradia, à saúde e à educação não é para todos, certamente vamos
conviver com o agravamento dos rebatimentos da questão social (SIQUEIRA, 2001,
p. 57).

A exclusão social adquire força e se torna mais visível em razão do projeto de


sociedade vigente, no qual apenas a minoria tem o domínio das riquezas produzidas por todos.
Neste sentido, as pessoas com passado criminal são duplamente excluídas, pois a situação de
encarceramento já é fruto desta realidade e, dentro do cárcere, são vítimas de todas as mazelas
que a exclusão social é capaz de produzir.

Fui usuário de crack e cocaína durante muitos anos. Me envolvi no crime por causa
disso. Ainda fumo maconha e não tenho interesse de parar. Acho a sociedade
preconceituosa com as pessoas que já estiveram presas e isso atrapalha muito a
conseguir um bom emprego. Eu consegui um emprego formal em uma construtora
como servente de pedreiro, mas meu chefe não sabe do meu passado criminal. Eu
não pretendo contar porque tenho medo de perder o emprego (egresso do sistema
prisional I).

Segundo Dupas (1999), é possível identificar alguns exemplos de cidadãos que podem
ser tratados como excluídos: os desempregados de longo prazo, os empregados submetidos a
trabalhos precários e não qualificados, os velhos e os não protegidos pela legislação, os que
ganham pouco, os sem-terra, os sem habilidades, os analfabetos, os evadidos da escola, os
deficientes físicos e mentais, os viciados em drogas, os delinquentes e presos, as “crianças
problemáticas” e que sofrem abusos, os trabalhadores infantis, as mulheres, os estrangeiros,
os imigrantes e os refugiados, as minorias raciais, religiosas e em termos de idiomas, os que
14

recebem assistência social, os residentes em vizinhanças deterioradas e os pobres que têm


consumo de bens e serviços11 abaixo do nível considerado de subsistência.
Através dos exemplos citados acima, é possível perceber que em todos eles o cidadão
é privado de algum serviço essencial para a vida humana, e em se tratando de um preso ou
egresso do sistema prisional, o peso do preconceito é duplicado e pode ser percebido nos
relatos dos egressos entrevistados:

Eu considero a sociedade preconceituosa e isto atrapalha a conseguir emprego. Já


sofri na pele a discriminação e sou dependente químico e luto contra as drogas. Isso
atrapalha mais ainda a conseguir um emprego (egresso do sistema prisional II).

A sociedade é muito preconceituosa com quem já foi preso. Para conseguir uma
oportunidade de trabalho eu preciso estudar mais e acabar o preconceito das pessoas.
Quando alguém descobre que eu já fui preso, não quer nem saber o motivo, a minha
história de vida, enfim, não quer saber nada. Já me trata como vagabundo, gente que
não presta (egresso do sistema prisional III).

De acordo com Siqueira (2001), a pena de prisão traz consigo um conjunto de fatores
de repressão exercido tanto de forma psicológica quanto física. Os efeitos dos elementos na
vida do cidadão não param quando ele deixa a prisão, pois a coerção, principalmente a
psicológica, traz consigo a participação da sociedade, que se encarrega das mais variadas
formas de lembrar ao ex-preso que ele já esteve lá e que, a qualquer tempo, pode retornar.

Na época em que eu estava precisando de dinheiro eu encontrei no tráfico de drogas


uma forma rápida e fácil de conseguir o que eu queria. Foi assim que eu me envolvi
no crime. No entanto, não valeu à pena, pois o sofrimento na prisão foi muito maior
(egresso do sistema prisional IV).

Para Adorno (1996) é comum crer-se que delinquentes possuem uma natureza distinta
dos demais cidadãos que contribuíram ou vêm contribuindo para a marcha do processo
civilizatório. É como se aqueles fossem portadores de uma natureza e um pouco mais
distantes da cultura. É como se eles não tivessem “conserto” aos olhos do senso comum.
Demonstrando indignação, os relatos abaixo de egressos do sistema prisional reforçam o
pensamento do autor:
Quero fazer tudo certo, mas sofro discriminação. Esse preconceito atrapalha muito a
conseguir emprego e isso pode acabar incentivando a pessoa a voltar para o crime.
Eu tive a sorte de conseguir um emprego formal, mas a maioria não consegue. Acho

11
São as despesas ou gastos de toda a população com bens e serviços existentes na economia. Exemplo:
vestuário, alimentação, higiene, tratamento dentário, etc.
15

importante melhorar a capacitação profissional para crescer no trabalho (egresso do


sistema prisional V).

Sempre trabalhei de pedreiro. Atualmente faço bicos e acredito que para conseguir
uma oportunidade melhor no mercado de trabalho, preciso melhorar minha
capacitação profissional e acabar com o preconceito da sociedade. Quem já foi preso
e quer trabalhar para recomeçar a vida precisa de um voto de confiança (egresso do
sistema prisional VI).

O que se observa nos discursos acima e que é comum em todos eles é o preconceito
que a sociedade imprime nas pessoas que, por algum motivo, já passaram pela prisão. E em
consequência disto, evidencia-se um ciclo de exclusão-inclusão-exclusão, na qual o cidadão
ao tentar se reintegrar na sociedade após a privação de liberdade, se vê novamente excluído,
porém, com um agravante: o estigma de criminoso.

3.2. Discussão dos dados

Os resultados da pesquisa com os egressos atendidos pelo PRESP têm a intenção de


apresentar o perfil destas pessoas e ainda abrir possibilidades para outros estudos.
A pesquisa foi realizada por amostragem não probabilística acidental12, por meio da
qual foram entrevistados 20 (vinte) egressos do sistema prisional de Uberlândia participantes
do PRESP, que concordaram em participar da mesma. Seus nomes são sigilo absoluto,
visando à ética e resguardando os pesquisados.
Todos os entrevistados, aleatoriamente escolhidos, foram do sexo masculino, o que
confirmou que a maioria dos egressos é homem. Outro fator constatado foi o estado civil
solteiro ser predominante para os entrevistados: 60% e 40% mantém união estável. É
importante ressaltar que de modo geral, a cultura brasileira elege as uniões formais como
indicativas de comportamento responsável, moralmente digno e conforme as normas
dominantes. Sob essa perspectiva, no senso comum, acredita-se que delinquentes provenham
de famílias “desorganizadas”, por isso entendendo-se aquelas resultantes de duas ou mais
uniões ou aquelas nas quais o provedor é a mulher, mãe com filhos, abandonada pelo
companheiro, ou também, aquelas em que não existe o registro oficial do casamento.
A estatística também revelou um número significativo de egressos jovens, com até 40
anos. A faixa etária dos entrevistados aponta 80% abaixo desta idade.

12
De acordo com Mattar (1996), amostragem não probabilística acidental é a seleção dos elementos da
população para compor a amostra depende ao menos em parte do julgamento do pesquisador ou do entrevistador
no campo.
16

O nível de escolaridade dos entrevistados corresponde a 75% de ensino fundamental


incompleto, 15% de ensino médio incompleto e 10% ensino médio completo. Os números
reforçam a baixa escolaridade dos egressos, o que também confirma uma deficiência no
processo educacional destes cidadãos. Ainda sob o aspecto de formação dos egressos, foram
questionados sobre cursos profissionalizantes e, 20% já fizeram algum curso desta natureza.
Os demais nunca fizeram. Isto comprova falta de qualificação profissional, acrescida de
baixa escolaridade da maioria.
Outros dados obtidos através da pesquisa referem-se à situação ocupacional e renda
familiar dos entrevistados. Os números mostram que 15% dos egressos possuem emprego
formal. Os demais são: 30% desempregados, 25% autônomos, 15% possuem emprego
informal e 15% exercem outros tipos de atividades. Um fator percebido durante as entrevistas
foi o desinteresse de alguns egressos em se obter um emprego formal. A justificativa refere-se
aos descontos na folha de pagamento, já que os salários pagos são baixos, não sendo
suficiente para manter uma vida com mínima dignidade13. Assim, alguns “optam” pela
informalidade, deixando os benefícios do emprego formal para obter uma renda maior.
A renda familiar dos entrevistados está assim distribuída: 10% possuem até um salário
mínimo, 35% de um a dois salários mínimos, 25% de dois a três salários mínimos, 20% acima
de três salários mínimos e 10% não souberam informar qual a renda familiar.
Em se tratando do tempo de reclusão dos egressos entrevistados, nota-se que mais da
metade ficaram reclusos em até no máximo dois anos, ou seja, permaneceram durante este
período em regime fechado. Somente 10% ficaram presos por mais de dois anos.
Por fim, a maioria dos egressos foi condenada a delitos de crime contra o patrimônio,
identificados aqui por assalto, roubo e furto14. Os números apontam que 70% dos
entrevistados cometeram assalto, furto ou roubo, 10% foram condenados pela Lei Maria da
Penha, que corresponde aos crimes de violência contra mulher, 5% se enquadraram em

13
Esta afirmação implica em condições mínimas para uma vida digna, para uma vida humana. Implica em
possuir cada pessoa as condições mínimas de sustento físico próprio, bem como as condições mínimas para que
possa participar da vida social de seu Estado, se relacionando com as pessoas que estão ao seu redor e que fazem
parte da sociedade na qual vive.
14
A diferença entre furto, roubo e assalto está na forma como são praticados. Segundo informações extraídas da
Wikipedia, roubo é o ato de subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou
violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência. Furto é
uma figura de crime prevista nos artigos 155 do Código Penal Brasileiro, e 203º do Código Penal Português, que
consiste na subtração de coisa alheia móvel para si ou para outrem, com fim de assenhoramento definitivo.
Difere do roubo por ser praticado sem emprego de violência contra a pessoa ou grave ameaça. O assalto é a
forma popular de se referir ao roubo.
17

tentativa de homicídio, 5% foram presos por porte ilegal de arma e 10% cometeram tráfico de
drogas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conhecer quem são os egressos do sistema prisional e compreender a realidade na


qual eles estão inseridos é o primeiro passo para entender as motivações que levam estas
pessoas a se envolverem na criminalidade.
Ao analisar o perfil dos egressos atendidos pelo PRESP em Uberlândia, percebe-se a
vulnerabilidade social desse público (maioria homens, jovens, solteiros, baixa escolaridade e
pouca qualificação profissional inseridos no mercado informal de trabalho). Suas fragilidades
sociais são evidenciadas no modelo econômico vigente no país que visa a lógica do consumo,
o desemprego e a distribuição desigual das riquezas produzidas, o que forma um conjunto de
violações de direitos que dificultam o acesso do sujeito a um a vida digna e ética.
Isto demonstra o contexto de exclusão que esses indivíduos enfrentam e o círculo
vicioso que se forma em torno de suas vidas. Expostos a condições precárias, às quais estão
submetidos desde seu nascimento, muitos indivíduos ingressam no mundo do crime, por
motivações diversas (melhorar de vida, revolta, status, dinheiro). Ao regressarem do sistema
prisional, onde cumpriram pena em virtude dos atos ilícitos cometidos, esses indivíduos
voltam para a mesma realidade em que viviam antes de serem presos, nas mesmas condições
de vulnerabilidade e sem grandes perspectivas futuras, fato que, em muitos casos, acarreta a
reincidência delitiva. Na realidade, a volta para o convívio social torna-se ainda mais difícil,
uma vez que os egressos carregam agora o estigma de serem ex-presidiários. Desse modo,
tentar escapar do retorno à criminalidade transforma-se em uma tarefa árdua.
Contribui para agravar o cenário acima descrito o próprio sistema penitenciário
existente. Presídios sem condições físicas e estruturais de acolhimento dos presos, celas
superlotadas, precárias condições de higiene, violência e corrupção são fatores que impedem a
reabilitação daqueles que foram apenados, o que, em tese, seria o principal objetivo do
sistema prisional. Eles se mantêm ociosos a maior parte do tempo; não existem cursos
profissionalizantes ou para educação, não existem formas de capacitar o indivíduo para que,
ao sair do cárcere, seja capaz de se reinserir e se auto-prover, restando como opção mais fácil
o retorno ao crime.
O PRESP surge, então, como uma forma de abrandar o contexto de vulnerabilidade no
qual os egressos estão submetidos ao saírem do sistema prisional e, portanto, reduzir a
18

reincidência delitiva. Importante destacar que esse apoio dado pelo PRESP já ocorre antes da
saída do indivíduo da prisão. Os técnicos sociais realizam visitas às penitenciárias visando
aproximar o preso do Programa e divulgando os benefícios que essa política pode trazer.
Assim, ao sair da condição de cárcere, o indivíduo sabe onde obter apoio para prosseguir sua
vida.
O Serviço Social neste contexto é de extrema importância, uma vez que o profissional
atua na direção da transformação social do egresso, segundo o projeto ético-político da
profissão. O seu desafio está em representar os interesses individuais e coletivos da
população, na busca de um atendimento que não se limite ao emergencial, mas que defenda e
amplie os direitos sociais historicamente conquistados. Neste sentido, o Assistente Social
procura combater situações ofensivas à dignidade do homem promovendo a vida humana
como um bem inviolável, ao qual nenhum outro se iguala. A relação Assistente Social e
egressos atendidos no PRESP exige um repensar da relação sociedade/subjetividade,
demandando articulação efetiva entre: construção da identidade individual/coletiva, na defesa
de direitos, busca de autonomia e rompimento com as práticas criminais.

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