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Sinopse Olivia Ruiz Manrique, assistente social com especialização em solução de conflitos,

regressa a sua cidade natal depois de dez anos de ausência. Traz consigo uma valise cheia de
projetos e boas intenções, mas também de dor e culpa.
Para Miguel Robles, próspero fazendeiro da região, a volta de Olivia é um duro golpe em seu
coração, pois não apenas ela é a única mulher que ele amou em sua vida, mas também a culpada por
um grupo de foras da lei ter assassinado seu pai.
Em meio ao encontro e aos sentimentos que sempre estiveram ali, Miguel e Olivia ficarão
imersos em uma série de fatos confusos e desencontros sentimentais que os obrigarão a enfrentar uma
viagem às profundezas de suas almas.
Vítimas, remoções forçadas, injustiças, amor e erotismo são o eixo fundamental desta história
que nos fala da paixão verdadeira: essa que não se apaga com o correr do tempo e para a qual
sempre existe o perdão, a dor e a valentia.
Tradução Lauren Moon
Tradução Lauren Moon
Esta história é um presente para as mulheres de minha vida, as que se foram e as que ainda
permanecem ao meu lado: Para minha preciosa filha Laura por sua tenacidade e iniciativa.
Para minha mãe por seu infinito amor.
Para minha irmã Cláudia por ser uma rocha em meia às dificuldades, admiro e gosto muito de
você.
Para minha tia Estela pelas melhores lembranças da minha adolescência.
Para minha querida irmã de alma, Patricia Patiño, por estar sempre aqui disposta a me escutar;
ela sabe do meu carinho.
Para minhas Fiéis Servas por tudo que têm feito por mim, Deus as abençoe sempre.
Para meu querido grupo de salão literário, meus Bruráfalas. Embora não tenha sido muito
produtiva nos últimos dias, gosto muito delas.
Para minhas migas virtuais Sheila Irizarry e Clau Pradenas, porque ganharam um enorme espço
em meu coração.
Para minhas leitoras, que todos os dias me deleitam com seus comentários e me apressam por
querer ler tudo que desejo contar. Para Mariana Sciacca pelo tempo dedicado aos meus escritos.
E por último mas não menos importante, este livro está dedicado a todas as mulheres
colombianas vítimas do abandono e da violência, por sua capacidade de luta e resistência, e pelo
enorme talento de tirar o melhor das piores circunstâncias, uma e outra vez.
Tradução Lauren Moon
Oh! Minha pele, não te esqueças do dia que separou tua vida, dessa pobre vida que me restou
viver…
Hay amores, Shakira
Tradução Lauren Moon Prefácio
San Antonio de Padua.
Fazenda “El Álamo”. Agosto de 2002
Eles chegaram como uma matilha de cães raivosos, sedentos de sangue e vestidos de
impunidade. Levavam a morte e a violência aglutinada nos corpos, como sudários.
Miguel Robles percebeu que ele conhecia o comandante-chefe, era um dos tenentes de Orlando
Ruiz, e igualmente malvado. Miguel se sentia culpado estes homens terem aparecido na fazenda
naquela noite.
Minutos antes, gozavam de um jantar aparentemente tranquilo, mas o que Miguel tinha
descoberto há poucas horas tinha alterado seu humor. Ansioso e confuso, ele tinha discutido com seu
irmão George, que tinhalhe jogado olhares durante o período que se sentou à mesa.
- Santiago Robles! - gritou uma das vozes - Maldito ajudante de guerrilha, saia para mostrar sua
cara!
- Eles vieram por mim! - exclamou Miguel, que se levantou. Vários homens desceram da
caminhonete, atravessaram o jardim e disparam para o ar.
Santiago não prestou atenção nele, preocupado como estava pela segurança das mulheres.
- Dominga! - berrou.
A mulher apareceu na porta, assustada.
- Vá com Ligia e Ângela. Escondamse no monte da parte de trás, não as quero aqui.
- O que está acontecendo, meu amor? - perguntou Ligia chorosa e com expressão descomposta,
suas mãos começaram a tremer enquanto tratava de segurar-se em seu esposo.
Santiago observou sua esposa com uma melancolia raivosa em seu rosto que confundiu ainda
mais à assustada mulher. Abraçou-a e beijou-a.
- Faça o que eu digo, mulher, pelo menos uma vez na vida.
Outros dois tiros ressonaram mais perto.
- Vão embora, caralho!
Ligia se moveu pelo corredor que levava à cozinha com sua filha atrás dela. Dominga as fez
apertar o passo, tropeçando umas com as outras enquanto chegavam soluçando à porta por onde
desapareceram.
Tradução Lauren Moon
Miguel, que via somar-se à casa um grupo de meliantes, preso de angústia e desespero, pediu a
seu pai que lhe desse as chaves do armário que ficava em seu escritório. Iria buscar algumas armas
para se defender.
Santiago não atendeu a seu filho, explicando que levar armas seria uma estupidez. Não estavam
enfrentando um ladrão que chega na noite. Estavam enfrentando um exército. Ainda mantinham esta
conversa, quando os homens entraram na sala de jantar.
Zambrano vinha com eles.
Miguel não entendia a expressão de seu pai. Era resignação? Parecia como se estivesse
esperando por eles.
O filho esqueceu seus pensamentos tão logo o malandro soltou estas palavras: - Mas aqui está
toda a família olhou para um lado e para o outro, e depois acrescentou -: não, toda a família não,
faltam as duas mulheres.
Dizer que eles não estavam em casa foi a resposta imediata de Jorge.
- Além disso, “Querem a mim, desgraçado. Deixem em paz minha família!” - soltou Santiago
entre furioso e assustado.
Miguel não desprendia o olhar de Zambrano e dos outros capangas que se espalhavam pelo
lugar. Avaliava a situação, por volta de doze a quinze homens no total, cinco tinham entrado na casa,
logo o restante estaria espalhado pela fazenda, nos estábulos ou no celeiro. Imaginava a melhor
maneira de proteger seu pai e seu irmão.
Caminhou uns passos adiante, o comandante se endireitou um pouco mais. Observou o
semblante abatido de seu pai, a incerteza e a tensão de Jorge, os rostos suados e mal encarados de
seus inimigos. Armou-se de coragem para dizer que ele era o culpado por tudo, por ter-se atrevido a
profanar o maior tesouro de Ruiz.
- Papai, eles querem a mim concluiu, enquanto lamentava no fundo da alma não ter tido sua
pistola com ele para descarregá-la nos corpos desses malditos.
José Zambrano soltou uma gargalhada. Santiago olhou para seu filho como se tivesse ficado
louco e o parou imediatamente. Sem deixar que ele explicasse o porquê de seu comentário, sustentou
o olhar raivoso de Miguel, até que este se afastou.
- Com vocês, acertarei as contas depois. Primeiro, o primeiro - disse Zambrano.
Miguel levantou sua cabeça e se limitou a olhá-los com desprezo, suava frio, percebia pela
umidade de sua camiseta. Não tinha ilusões, sabia qual seria o desenlace.
- Ninguém vai colocar a mão em cima de meu pai.
- Javier! Pablo! - chamou Zambrano
-. Levem esses malditos para fora.
Foram tirados da casa aos empurrões, que a superioridade que dá um revólver, obrigando-os a
se ajoelharem na grama. O ruído dos passos dos homens se misturava com os demais sons da noite, o
canto dos grilos e dos vagalumes com os palavrões daqueles homens ruins, além disso, tinham armas
apontadas para os peões. O
latido dos cães vinha do celeiro, onde com certeza eles estavam trancados.
- Filhos da puta! Vão se arrepender!
- gritou Jorge.
Tradução Lauren Moon - Fique quieto, bastardo, ou terá para você também! - disse um tipinho
moreno e com uma cicatriz no osso malar, que apontava uma arma atrás dele.
- Isso está acontecendo por ajudarem a quem nos deve.
Os empregados que podiam ajudar, ou tinham armas apontadas para eles, ou tinham se
escondido nos montes por receio de serem massacrados.
- Matem a mim! - implorou Miguel.
- Bem, Santiago Robles. Isso é o que acontece - passava de um lado ao outro com as mãos na
cintura, em uma delas levava empunhada a pistola -. Sua família tem que deixar a fazenda em três
dias e nunca mais aparecer por aqui. Caso contrário, acabo com a família inteira.
Jorge tentou insultá-los, mas um dos homens se aproximou antes e e deu-lhe um golpe na cabeça
com a culatra da pistola, que fez com que ele perdesse a consciência.
Miguel contemplava os olhos de Zambrano. O homem não piscava, tinha o rosto sem expressão,
despojado de toda humanidade, despendia um olhar de gelo que falava de um coração de pedra.
Imaginou que esta era a razão pela qual ele era o braço direito de Ruiz. Precisava de alguém que não
tremesse o pulso para fazer o trabalho sujo.
- Sou oficial do exército - lançou Miguel, tratando de soltar-se dos homens que o mantinham
preso -. Isto lhes custará caro, malnascido.
Os homens de Zambrano soltaram uma gargalhada. Todos, menos ele.
- Estão ouvindo, rapazes? - mais risadas de zombaria. Zambrano passeava, brincando com o
canhão da pistola -. Um tenente qualquer nos ameaça.
Miguel não soube por que neste momento lhe veio à mente a citação de um político que não se
lembrava qual era. “O poder nasce do fuzil”. Quanta razão tinha o malnascido! No entanto, um dos
homens caminhava dos estábulos, atropelando pedras e gramas com seus fortes passos. Os outros
prestaram atenção em suas palavras: - Todos os peões já estão amarrados! - disse e soltou a
respiração -.
Mancera e Rojas os vigiam.
Enquanto isso, outros dois se dispunham a saquear o local. Trataram móveis e objetos com a
mesma grosseria que possuem as hienas selvagens quando disputam um pedaço de carne. Arrasaram
cadeiras e tudo mais.
- Mancera! Pegue o par de cavalos que lhe falei - ordenou Zambrano a um de seus
acompanhantes. Era dois cavalos Paso Fino1, o único agrado que Santigao tinha feito a si mesmo,
nesses muitos anos de trabalho. Os exemplares eram cobiçados por Ruiz, que tinhalhe feito várias
ofertas pelo par de garanhões. Santiago tinha se recusado a vendê-los.
- Ladrões, além do mais - comentou baixinho Miguel, ao perceber a operação dos inimigos.
Pelo sussurro, recebeu um murro na mandíbula.
Observou a cena em câmara lenta. 1 Típico da Colômbia que se assemelha aos crioullos. (N. da
Tradutora) Tradução Lauren Moon O pai de joelhos, mas sempre com seu peculiar porte de
dignidade, olhava para seus olhos com aflição. Em menos de um segundo José Zambrano levantou a
arma. Ele disparou em Santiago. A bala atravessou sua cabeça.
As entranhas de Miguel congelaram de dor e impotência ao ver voar pelos ares os miolos de seu
pai. O sangue salpicou em seu rosto, sua calça e sua camisa.
Os homens que sustentavam Miguel se distraíram e afrouxaram a imobilização. Miguel topou
com a cara de Zambrano, que mantinha a mesma expressão de gelo.
Pegou a arma que um dos delinquentes trazia na cintura e disparou no homem que tinha em frente
a sua cabeça, com a mesma frieza e o mesmo ódio com que Zambrano havia disparado em seu pai.
Feriu os outros: um no olho e o outro no abdômen. Zambrano mudou sua expressão para uma de
surpresa e disparou com a intenção de matá-lo, mas os reflexos de Miguel fizeram com que a bala o
ferisse em seu ombro. Zambrano quis esvaziar o restante das balas no corpo de Miguel. Um dos
homens o impediu, pôs uma das mãos sobre a pistola levantada e devagar, pouco a pouco, a baixou.
- Lembrese do que o patrão disse.
- Vá! - replicou furioso -. Morto o cão, acaba a raiva.
- Ele tem planos.
Zambrano ficou pensativo por uns minutos e uma rápida careta, sugerindo uma risada, sulcou
seus lábios.
- Certo, para esses malditos, ele tem planos.
Jorge voltou a si para observar o cadáver de Santiago e a ferida de Miguel, que aturdido pela
dor e pelo impacto, tinha desmaiado na grama a poucos metros de seu pai.
- Vocês vão pagar caro por isso! gritou Jorge, furioso.
- Isso não vai ficar assim, pedaços de merda! - vociferou Zambrano aos dois irmãos enquanto os
homens jogavam na caçamba da camionete, como se fosse um saco de batatas, o cadáver de bandido.
Subiram nos veículos, amarraram os dois cavalos e desapareceram como se nunca tivessem
estado ali.
De longe, chegaram gritos de sua mãe que corria desesperada, com passos difíceis, até o
cadáver de seu marido, como se o peso da pena a impedisse de avançar. Ângela, que havia se
adiantado, observava a cena incapaz de superar o medo que de repente a paralisou. O pranto e os
gritos que acumulavam em seu peito provocavam uma sensação de asfixia, ao ajoelhar-se ao lado de
seu pai.
Chegaram os peões que tinham sido amarrados, o marido de Dominga os auxiliou. As pessoas
assustadas e desorientadas concentraram-se em volta do cadáver, umas gritavam, outras choravam, e
algumas observavam tudo em silêncio.
- Levem Ângela daqui! - gritou Jorge totalmente descontrolado, ao ver que a moça soltou um
lamento que lhe arrepiou o pelo da nuca -. Que alguém chame um médico.
Tradução Lauren Moon
Dominga, que esfregava suas mãos no avental, era este seu tique nervoso quando estava
angustiada, pegou Ângela pelos braços. Deu-lhe um abraço de lado, ajudando-a a ficar de pé. Juntas,
caminharam para casa. As pernas de Ângela fraquejavam, não podendo suportar tanto sofrimento.
Começou a andar arrastada, e se não fosse pela empregada, talvez nunca tivesse chegado a seu
destino.
- Onde estavam todos? Por que ninguém ajudou? - as perguntas de Miguel desfilaram sem que
ele se desse conta. Estava dominado pela impotência, pela pena por tudo que havia perdido esta
noite e pela dor de sua ferida. Ainda podia sentira a adrenalina da violência. O fedor da morte. O
sangue de seu pai esparramado pela grama, provocou-lhe náuseas. Nesse instante jurou que nunca se
perdoaria, nem perdoaria a Olivia Ruiz pelo ocorrido nessa noite -. Por que ninguém…?
Foi tudo que conseguiu dizer antes de cair em pleno estado de inconsciência.
Tradução Lauren Moon
Capítulo I O dia era perfeito, ou isso acreditava nas primeiras horas da manhã quando revisava, no
lombo de seu cavalo, a nova partida de gado que havia chegado no dia anterior. Depois dessa
atividade aconteceu de um suculento café da manhã em companhia de sua mãe e sua tia e logo
desfrutou de outra atividade, com certeza bastante prazerosa, desta vez, sobre a mesa do escritório
do capataz onde Ana o surpreendeu, depois de procurá-lo em todos os lugares. Por volta das dez, o
dia foi estragado, quando Ignacio, um de seus peões de confiança, irrompeu em seu escritório, para
relatar o encontro ocorrido nas fronteiras do sul de sua fazenda.
Ainda irritado, Miguel Robles desceu da camionete e, a passos rápidos, caminhou ao escritório
do comandante do batalhão do exército da localidade. Esperou que passasse um grupo de soldados.
Marchavam e cantavam, apesar de os rapazes suarem bicas sob o sol daquela hora. Em seus ouvidos
chegaram a letra da canção.
Existiam coisas que nunca mudariam.
Em seu caminho saudou com a cabeça alguns oficiais e suboficiais que provavelmente saiam de
alguma reunião. Deteve o andar no local de destino. Entrou no escritório do oficial e foi recebido por
uma lufada de ar condicionado, que o refrescou em seguida. Cumprimentou a secretária que levantou
o olhar do computador e pediu que aguardasse em uma das poltronas. Com um tom de voz coquete,
informou que o coronel logo o receberia.
A mulher continuou batendo nas teclas, mas parecia incapaz de voltar a fixar seus olhos na tela.
Miguel gostava de monopolizar sua atenção. Estava acostumado às mulheres que olhavam para ele
desta maneira, com curiosidade e desejo.
Ainda que se sentisse extremamente exposto quando não era ele que tomava a iniciativa.
Mesmo assim, com o incômodo que não escapava de seu corpo, desfrutou ao perceber que os
esforços torpes que a secretária fazia para não voltar a vê-lo.
Ela se assustou, como se tivesse sido pega cometendo uma falta, ao escutar a campainha do
intercomunicador do escritório do coronel. Com um fio de voz respondeu: - Sim coronel, com prazer.
Desligou o telefone, respirou fundo e ajeitou um pouco o cabelo atrás da orelha. Então, se virou
para o homem que a desconcertava.
- Em frente, senhor Robles, o coronel o espera.
Miguel se levantou, contraindo os músculos de suas pernas e expandiu seu peito e suas costas
como um nadador. Era uma espécie de presente para Mary, pensou divertido, uma imagem final que
podia saborear antes que o computador tornasse a absorvê-la o resto da tarde. Caminhou até ela com
passos lentos e um sorriso matador nos lábios, que era sua marca pessoal, quando se tratava de
conquistar mulheres. Aproximou seu rosto ao de Mery e sussurrou com a voz lenta e rouca: -
Obrigado, Mery.
Tradução Lauren Moon
Notou o enrubescer da mulher e o ligeiro tremor de seus lábios. Ele se virou e, sem deixála
sequer reagir, caminhou até o escritório de quem o aguardava, mas com um sorriso de vitória nos
lábios.
Mery observou o homem que a deixou sem palavras e sem fôlego se afastar. Desejou que o
momento voltasse a se repetir para que se mostrasse mais desinibida, menos tímida e chamar sua
atenção mais que uns minutos.
Ao entrar, um oficial de meia idade o cumprimentou. Deteve-se ao observá-lo uns minutos,
porque a calvície incipiente e os inquietos olhos de cor café eram duas características que lhe davam
curiosidade. Era um homem alto e forte, de gestos impacientes, que iam desde a veemente saudação
até o tamborilar dos dedos na superfície da escrivaninha. Agia como se sua mente estivesse em
várias coisas de uma vez e não pudesse perder tempo com conversas banais. Apesar do ar
condicionado que refrescava o ambiente, suava em jatos.
- Ah! - exclamou o coronel -. Por fim, dignou-se a aparecer!
A voz do coronel era sempre, igualmente, expressiva e peculiar. Miguel caminhou até o homem
e estendeu sua mão. Reciprocamente, o coronel o saudou com um aperto forte de mão, outra
característica muito sua.
- Coronel, como vai o senhor?
O coronel, sempre pronto para gentilezas, expressou o quão bem se sentia, e convidou, ainda
com mais prazer, que seu companheiro se sentasse.
Miguel se sentou e retomou a conversa.
- Na verdade, tenho tido muito trabalho na fazenda, mas lhe enviei um par de informações com
Pedro sobre o que aconteceu esta manhã.
Pedro era o administrador de “ El Álamo” e amigo da família de longas datas. Também era
oficial aposentado do exército.
Embora Miguel tivesse deixado a entidade há vários anos, sua ligação com essa força
continuava forte. Em várias ocasiões, ele tinha feito um trabalho de inteligência para eles. Ele estava
à procura de grupos ilegais caso voltassem a aparecer na área. Além disso, havia amedrontado mais
de um grupo, mas o oficial desconhecia esses dados.
Depois da experiência que ele viveu uma década atrás, decidiu que nunca mais voltariam a
surpreendê-lo, e havia dito isso a seu sócio e amigo Gabriel Preciado.
A fazenda contava com um sistema de segurança que ele mesmo tinha idealizado. A equipe
deveria passar por um exame exaustivo de antecedentes para poder trabalhar naquele lugar.
- O que você pode me dizer sobre o pequeno ataque de guerrilha, esta manhã, pelos limites de
suas terras?
O que poderia responder? Apenas tinha sabido disso há pouco, e Miguel não esperou a
autoridade. Juntamente com dois homens enfrentou os quatro guerrilheiros, que talvez tenham sido
enviados para fazer qualquer coisa, desde roubar gado até colocar minas naquela área. Quando as
autoridades chegaram, eles já tinham detido os três homens e uma mulher. Eram pessoas muito
jovens, que tinham impressionado bastante Miguel. “Quase poderiam ser meus filhos”, pensou
naquele momento.
Tradução Lauren Moon
Quando terminou de contar sua história, o coronel parecia consternado, já não tinha um sorriso
amável e seus olhos demonstravam um pouco de raiva.
- Miguel, eu agradeço tudo que você fez para que esses bandidos não voltem a aparecer, mas é
uma tarefa que nos compete. Com o trabalho de inteligência é suficiente.
Miguel se remexeu na cadeira, percebeu o tom com que o coronel pronunciou aquelas palavras,
mas as desprezou em seguida. Não queria ganhar sua boa vontade. De qualquer maneira, decidiu
deixar claro seu ponto de vista.
- Entendo, coronel, e não desejo colocá-lo em apuro - “mas não permitirei que o trabalho que
realizei me escape como a água que escore entre os dedos”, pensou -. Só dia a seus homens que
fiquem mais atentos à parte sul da montanha. Envie um contingente como patrulha de forma constante.
O genuíno interesse do coronel se interrompeu pelo desejo de pegar um cigarro. O homem se
inclinou sobre a mesa, pegou um cigarro na caixa e o acendeu com um isqueiro prateado.
- Seus homens detectaram alguma coisa? - perguntou o oficial enquanto expirava a fumaça.
- Sim, lembre-se que foi uma passagem importante para Ruiz naquela época, mas hoje em dia
todos os grupos a usam igualmente.
O coronel sabia quais os grupos que usavam este trecho para passar alimentos, animais
roubados, e até um ou outro sequestrado para escondê-los nas montanhas.
- Diabos! - deu um murro suave na escrivaninha. O militar sempre foi um homem de caráter
volátil -. E agora chegam as restituições das terras.
Miguel lançou um olhar confuso ao coronel. O oficial, que era bom entendedor, soube o porquê.
Explicou-lhe que se tratava das terras que Ruiz arrebatou durante os dez anos em que atuou como
chefe da área. Sua filha era quem estava encarregada de concluir a devolução.
O coronel continuou falando, mas Miguel não o escutava. Um alarme se apoderou de seus
pensamentos. Interrompeu o coronel: - Filha? Que filha?
O coronel ficou surpreso com o tom de voz empregado por Miguel, levantando a sobrancelha
direita em atitude suspeita.
- Você a conhece? A assistente social…
Miguel voltou a falar antes que o coronel terminasse.
- Olivia?
O coronel levantou o indicador, em sinal de que confirmaria com a presunção. Remexeu entre
seus papéis até pegar em suas mãos um documento que continha uma lista.
- Sim, assim se chama. Tenho que destinar alguns homens para cuidar do grupo com o qual ela
vem.
Definitivamente, o dia de Miguel tinha ido ao caralho.
Tradução Lauren Moon “Isso não pode ser verdade”, pensou, consternado e furioso, ante a evidência.
Agora entendia a conversa que, dias atrás, tinha tido com sua amiga Melisa de Preciado. Assim que a
bem patife tinha aprontado das suas e a fundação que seus amigos lideravam iria apoiá-la. Merda! Só
o fato de ouvir este nome trazia lembranças amargas a sua mente. Apenas a sua menção exacerbava
sua raiva. Lembrou-se do encontro de ambos que tinha ocorrido há uns meses, no escritório do casal
Preciado, na capital. Ele a queria longe da cidade, de tudo que ele tinha conseguido reconstruir.
Ainda hoje, sua família ainda estava destroçada pelo acontecimento funesto ocorrido na década
passada. Isso nunca poderia ser esquecido. Sim, o esquecimento era quase sempre impossível, ainda
mais quando a cada dia você está na obrigação de conviver com as consequências do passado.
Absteve-se de continuar indagando. Despediuse do coronel de forma automática. Até um pouco
descortês, quem sabe. Como pode, dissimulou o mal-estar que a notícia lhe causou. Imaginou a
reação de sua mãe quando soubesse. Ligia nunca havia se recuperado, sua essência ficou moldada de
amargura e ressentimento.
Miguel não podia ficar de braços cruzados. Tinha que fazer alguma coisa com urgência. Oxalá
tivesse o poder de expulsá-la da cidade.
Caminhou até o armazém de produtos agrícolas e veterinários. Tinha que levar o cheque para
pagar uma fatura. Caminhava distraído, pensando na notícia que acabava de receber, quando a viu
descer de um pequeno transporte, como uma aparição, arrastando uma maleta de rodinhas de tamanho
médio. Aconteceu o mesmo que meses atrás. Sentiu receber um murro no estômago que o deixou sem
fôlego.
- Então, é verdade.
Foram as primeiras palavras que recebeu Olivia Ruiz Manrique depois de dez anos de ausência.
A mulher ficou pasma. Estava despenteada e suada, e seu corpo doía, não soube se pelas horas
de viagem ou por reconhecer o lugar que tinha lhe causado tanto dano. O coração bateu com força,
não esperava encontrá-lo tão rápido.
Ele a surpreendeu com a guarda baixa. Essas palavras tão simples foram suficientes para
atravessá-la de imediato.
- Creio que sim - respondeu rapidamente, a voz fraca. Sem ânimo de discutir, começou a andar
com sua bagagem de rodinhas. Desejava recompor-se e aliviar a opressão que crescia na boca de seu
estômago.
- Não é bem-vinda, vá embora.
Olivia não deixou de perceber o tom de voz incomodada e a insensibilidade de Miguel. Tinha
lido com perfeição a expressão em seus olhos: surpresa, desprezo, raiva e algo mais… algo denso e
escuro que o tornava perigoso até que uma máscara impassível caiu sobre seu semblante. Com as
emoções descompostas pelo encontro repentino, dispôs-se a entrar na casa na qual havia crescido.
Tratou de parecer displicente ainda que por dentro estivesse morrendo.
- Não me importa sua opinião, Miguel. Siga seu caminho - olhou para ele irritada -. Já me deu
suas boas vindas. Adeus.
Olivia Ruiz Manrique tinha sofrido muitas perdas, físicas e emocionais, e tinha guardado luto
por cada uma delas. À base de tenacidade, tinha conseguido recompor os pedaços quebrados de sua
vida. Não tinha sido nada fácil para ela. Por Tradução Lauren Moon mais que tentasse esconder as
fissuras, sempre estavam ali, como um quebracabeça o qual faltava uma peça para completá-lo.
Quem sabe por isso as palavras de Miguel lhe importassem, embora fingisse o contrário. Não
esperava menos das pessoas de sua cidade, mas lhe doeu especialmente, que fosse justo ele, que a
pronunciasse em tom de desprezo.
Porque, sem querer, essas palavras a levaram ao caminho das lembranças. Atravessou o jardim, até
chegar à porta da casa de sua querida tia Teresa, irmã de sua mãe.
Olivia percebeu que Miguel ainda a observava. Desviou seu olhar até os crisântemos que
beiravam o pequeno caminho da entrada do lugar. Sentiu o impacto do cheiro da terra quente, um
aroma que não importava onde estivesse, sempre traria sua cidade à memória.
Um peso havia começado a oprimir seu peito quando o transporte virou na curva da pequena
montanha revelando, de imediato, a paisagem da cidade. Sabia que não havia caminho de volta
quando observou, à distância, a cadeia de majestosas montanhas azuis. Foi embora cheia de vergonha
pelos pecados de seus pais. Hpje voltava com uma bagagem repleta de culpas, e desejo de reparar o
dano que seu sobrenome tinha feito. Mesmo que sua vida dependesse disso iria fazê-lo, pelas
famílias destroçadas, por ela e pelo irado homem que o observava. Confiava que arrumar as coisas
com ele fosse a ficha que precisava para completar o quebracabeça que era sua vida.
- Vai se arrepender - insistiu Miguel, do umbral da porta do jardim.
- É problema meu - ela respondeu sem olhar para ele. Continuou o caminho até o interior como
se nada a afetasse.
Pouco havia mudado a decoração: o quarto era simples, com um sofá grande de cor café, duas
poltronas de cor bege e uma mesa de centro com um vaso de flores frescas, fruto do jardim da casa.
Os mesmos quadros que se lembrava e as mesmas bailarinas de porcelana. Entre elas havia uma que
sua tia tinha especial carinho.
Era um presente de casamento que ela e os meninos tinham quebrado ao brincar com uma bola
certa tarde. Sua tia não se conformou e a enviou a um restaurador na capital.
O dano tinhalhes custado uma boa palmada e a merenda de um mês. Havia, ainda, panelas de
ferro forjado em cada um dos cantos. O ambiente era cômodo e despendia este calor de lar que tanta
falta tinha sentido. O ar estava inundado de diversos aromas: flores, torta de baunilha que nunca
faltava na cozinha e o purificador de limão de sempre. A seus ouvidos chegava o canto dos pássaros
que estavam nas gaiolas no pátio misturado com as vozes da empregada e do jardineiro.
- Filha, que alegria!
Olivia saiu de seu devaneio e viu vir a pequena mulher, na casa dos cinquenta e um pouco acima
do peso, mas com os mesmos olhos verdes amendoados e risonhos. Aqueles mesmos que Olivia
havia herdado. Teresa se conservava muito bem apesar dos dissabores que a vida havia lhe
preparado. Olivia refez suas emoções e seu semblante, embora seu coração ainda retumbasse como
um tambor.
- Tia Tere - sua voz saiu com um suspiro, uma lágrima e um abraço. Tradução Lauren Moon Olivia a
abraçou com um sorriso, inclinou a cabeça e a beijou na bochecha. A mulher lhe devolveu o abraço,
depois estirou as mãos e reteve seu rosto para olhá-la nos olhos. Como se estivesse fazendo um
exame, palmeou sua bochecha e a soltou.
- Tránsito, traga-nos uns copos de suco, por favor! - gritou Teresa esticando o pescoço até a
cozinha.
Olivia a olhou divertida. Sua tia só bebia o suco da fruta da estação.
Sempre tinha sido assim. Se fosse temporada de manga, havia suco de manga, doce ou compota
todos os dias.
- Que tal a viagem? - perguntou a mulher com curiosidade.
Tia Teresa tinha falado com ela e se sentaram em um sofá de dois lugares que também não havia
mudado com o passar dos anos. Sentia como se tivesse voltado no tempo, que logo chegariam seus
primos brigando e brincando e que escutaria o grito de seu tio Enrique repreendendo-os.
Suspirou. Sabia que neste momento seu aspecto não era dos melhores. Sua tia a olhava
preocupada.
- Bem, tia, ainda um pouco cansada da estrada de Santa Rosa.
A empregada da casa chegou com os copos em uma bandeja. Olivia sorriu. Que bom estar de
volta em casa. E assim como sorriu, deixou de sorrir. “Às vezes”, lembrou.
- Sim, digamos que não esteja em boas condições - Teresa provou o suco e despediu Tránsito
com um gesto -. Já tem o apartamento arrumado com todas as instruções que você me deu.
Seus olhos se encheram d’água e segurou a mãos de sua tia na sua. Deu-lhe um beijo.
- Obrigada, tia, não sei o que faria sem você.
Teresa tirou a mão para o lado, com um gesto brusco, antes de falar.
- Eu acho uma bobagem que você não fique comigo na casa; espaço é o que não falta.
- Não quero incomodar. Além disso, terá dias em que trabalharei até tarde insistiu Olivia com
uma expressão de rogo -. É melhor assim.
- Tem certeza do que vai fazer?
- Sim, estou certa.
Teresa se remexeu no assento.
Deixou o copo na bandeja e a encarou com um olhar sério, carente de dureza.
- É uma corajosa, eu não teria voltado a colocar o pé neste lugar.
Olivia, que brincava com o copo, no qual havia dado alguns goles, não se surpreendeu pelo
comentário de sua tia. Em sua última visita à capital, havia pedido que desistisse deste ato
quixotesco, que só traria mais amarguras, mas Olivia estava segura de sua missão e nada, e nem
ninguém, fariam com que ela mudasse de opinião.
- É uma dívida que tenho que pagar, cedo ou tarde.
- Não é uma dívida sua. Que tenha colocado nos ombros, é outra coisa. Tradução Lauren Moon -
Mesmo assim, vou fazer. - Seu trabalho era sua obsessão, depois de tudo que havia ocorrido, era a
única coisa que restava. Abraçou a bandeira da paz e da justiça para que não ficassem dúvidas de
que era bem diferente de seu pai. Pôs o copo na bandeja e comentou em um tom de voz rápido -: a
primeira pessoa com quem me encontrei foi com Miguel.
Olivia simulava indiferença, mas Teresa viu com clareza a dor que a perturbava.
- Sim, tem um ano e meio que voltou.
- Não me disse nada.
Tia Teresa encolheu os ombros.
- Não achei que fosse importante.
Olivia não quis saber mais, nem pensar mais, assim que resolveu mudar de assunto: - Como está
meu tio?
Tia Teresa baixou o olhar e permitiu que as palavras saíssem em murmúrios: Da mesma
maneira, minha filha, da mesma maneira.
Teresa não quis conversar mais sobre Enrique. Não gostava dos assuntos dolorosos. Levantou-
se da poltrona e convidou Olivia até o pequeno apartamento, anexo à casa.
Teresa observou sua sobrinha, enquanto a levava ao lugar. A semelhança com sua irmã era
avassaladora, porém a boca era um pouco mais voluptuosa. Sem dúvida era uma Ruiz… Mas, os
traços finos, a pele e os olhos eram uma Manrique.
Conservava o corpo com curvas generosas e seios abundantes. Tinha o cabelo comprido na cor
castanha, cortado em camadas como mandava a moda. Vestia jeans, bota e uma blusa rosada de
material suave e fresco, apropriada para a temperatura daquele lugar.
Teresa a seguiu, atravessando o pátio cercado de árvores de manga, ameixas e goiabas. Abriu a
porta do pequeno apartamento. Ela o havia limpado, trocado o tecido dos móveis e polido a mesa de
madeira do pequeno refeitório. Foram recebidas por um forte aroma de eucalipto que vinha de um
bonito enfeite de mesa no centro da sala. Era uma jarra de cerâmica de cor vinho e folhas aromáticas
se misturavam com alguns longos galhos de bambu.
- As caixas já chegaram? - perguntou Olivia tratando de ignorar a saudade que, de repente,
voltou a invadi-la. Quem sabe teria sido melhor ficar em um hotel, afinal de contas não ficaria mais
que dois meses. Ou tivesse ficado em um dos quartos na casa de sua tia.
Em qualquer outro lugar, menos nesse.
- Sim, filha, já chegaram.
- Bem.
- Vou deixála para que possa descansar e se organizar. Vai comer comigo mais tarde. Tenho uma
reunião na igreja.
Tradução Lauren Moon
E tão logo a mulher se virou e começou a andar em passos lentos, a tristeza invadiu o coração
de Olivia. Correu até a mulher e, com lágrimas nos olhos, disselhe ao ouvido: - Vá tranquila, tia.
Tia Teresa não entendeu a reação abrupta de sua sobrinha, mas o que quer que fosse devolveu-
lhe o abraço e tentou consolar o pranto suave que a dominava.
- Obrigada por gostar de mim.
- Mas se você é minha sobrinha, Olivia, como não vou gostar de você?
Ao ficar sozinha, Olivia lutou e lutou até não chorar mais. Tudo estava como ela se lembrava,
apenas sua cama tinha uma colcha e um abajur diferentes. Este tinha sido o espaço que tinha
compartilhado com sua mãe quando pequena. Começou a organizar a roupa no armário. Vinham-lhe
tantas lembranças! Já não pensava mais em sua mãe com raiva. Não mais. Melhor ainda, com amor
misericordioso. Mas às vezes, sem razão aparente, as lembranças ruins ofuscavam os bons momentos
que tinham compartilhado.
Queria exorcizar tantas lembranças! *
Quando Rosalía Manrique, com dezoito anos, pôs seus pés na cidade para ajudar sua irmã mais
velha na administração de uma loja de roupas, causou alvoroço entre os homens. Vinha de Salamina,
Caldas, uma região do país onde as mulheres bonitas parecem brotar nas árvores.
Sua irmã mais velha tinha se casado há cinco anos com um próspero comerciante da região,
dono de uma das maiores lojas de ferragens de San Antonio.
Teresa, grávida de seu terceiro filho, precisava de alguém que a ajudasse no negócio de roupas.
Rosalía administrava o negócio com perfeição, e tudo ia bem entre as irmãs até que Orlando
Ruiz entrou na loja em uma tarde de abril para comprar um presente para sua esposa e ficou
fascinado com a mulher tão coquete que o atendeu.
Era um dos homens mais ricos da região: fazendeiro, dono de plantações e gado. Era muito
atraente e Rosalía perdeu a cabeça por ele. Não se importou por ele estar casado com uma das
mulheres mais distintas da cidadee que tivesse filhos.
Envolveu-se em uma relação apaixonada e turbulenta que durou anos.
Depois de dois anos de amor proibido, Rosalía ficou grávida de Olivia.
Orlando teve um grande desgosto, ignorando-a durante a gravidez e reconheceu a bebê a
contragosto diante do tabelião. A relação mudou desde então: o casal vivia épocas de conflitos e
épocas de reconciliação. Nas etapas de reconciliação, viajavam os três até a costa como se fosse
uma família normal. No balançar das palmeiras, nas ondas do mar e ao ritmo das músicas
vallenatas2, Orlando prometia que deixaria sua esposa.
2 Música popular da Colômbia (N. da Tradutora) Tradução Lauren Moon A ilusão morreu quando
Rosalía se deparou cara a cara com Sofia, a esposa, na saída de um supermercado. Sofia estava com
seis meses de gravidez. Rosalía terminou a relação em meio de gritos e choros.
Foi-se da cidade e se instalou em outra região do país, dedicando-se a divertirse com quantos
homens cruzassem seu caminho. Cada vez que escutava as fofocas de seu comportamento indecoroso,
Teresa ameaçava Rosalía. Dizia que iria tirar Olivia dela, mas sempre caiam no mesmo círculo:
Rosalía se arrependia e, entre prantos, prometia comportar-se bem por sua filha. Por certo, o bom
comportamento durava pouco tempo, porque aparecia outro homem com adulações, presentes e
palavras carinhosas, desses que viviam em várias áreas do país: narcotraficantes, chefes de grupos à
margem da lei, todos dispostos a tirar proveito do crescente comércio da droga e da extorsão.
Havia doze longos anos que Rosalía tinha morrido, assassinada em uma das estâncias de
recreação de um narcotraficante. Sua morte foi violenta e vergonhosa para a família. Sobre tudo para
Olivia. A causa foi uma disputa entre traficantes. Os inimigos do mafioso em questão cercaram a
fazenda, impedindo a saída de quem estivesse ali naquela noite. Com um exército de homens armados
até os dentes, a fazenda onde se hospedava o casal foi atacada. Todas as pessoas foram crivadas de
balas, e foi um massacre dos mais espantosos ocorridos na região. No momento em que irromperam
no quarto, Rosalía estava na cama com o mafioso em questão.
Descarregaram a metralhadora neles até deixá-los quase que irreconhecíveis.
Olivia passou a fazer parte da família de Teresa e Enrique com seus três filhos, que eram pouca
coisa mais velhos que ela. A família fechou o cerco em volta da jovem ante a chegada das primeiras
fofocas sobre o ocorrido com Rosalía.
“Que minha mãe tenha morrido ainda dói”, pensou Olivia ao voltar ao presente. A tarde
escorreu por suas mãos. Não fez mais que desfazer as malas e arrumar sua papelada, e também tratou
de realizar outras atividades do cotidiano da última década.
Vestiu seu pijama pensando em Miguel. Seu semblante tinha ficado ainda mais atraente com o
passar dos anos. Aquele cabelo preto, curto, já não tinha o corte militar de quando o conheceu, seus
bonitos olhos café, o nariz reto, o maxilar duro em um rosto por si só duro. Tinha o olhar duro e
implacável. E claro, em nenhum homem um jeans caia melhor que nele, o tecido apertado naquele par
de coxas fortes. Seus braços largos e musculosos, tinha certeza de que, eram o centro das atrações
quando se vestia com aquelas camisetas coladas ao corpo que costumava usar. Não lembrava que era
tão alto, porque apenas chegava aos ombros dele. O encontro foi de minutos, mas mesmo assim, ela o
havia detalhado em sua totalidade.
Suspirou ao lembra dele. Não havia dúvida de que era um homem com um forte sex-appeal,
tinha toda uma postura de homem imprevisível, apaixonado e intenso em seus amores.
Odiou sua reação quando o viu. Assim, suas palavras foram bruscas, seu coração acelerou e
voltou a seu corpo a mesma sensação de antes. Sua respiração se agitou, e ela tremeu. Percebeu que
tinha caído em um estado de estupefação e que, por infelicidade ou benção, foram essas palavras
horríveis que lhe permitiram o milagre de acordar. Seu amadurecimento e um grande autocontrole
vestiram sua aparência de dignidade, mas precisaria mais do que isso para o que estava por vir…
Teria sido melhor revestir-se de aço.
Tradução Lauren Moon Miguel teria por volta dos trinta e quatro anos. Pouco sabia de sua existência
e de sua família desde aquele fatídico dia. Nunca pode esquecê-lo. Miguel era uma ferida a mais em
seu corpo e sua alma.
Mais tarde, desculpou-se com sua tia, prometendo-lhe que passaria o domingo com ela. Tránsito
trouxe-lhe um sanduíche e, enquanto realizava a árdua tarefa de revisar os documentos de devolução
das terras, adormeceu.
*
Miguel Robles estava sentado em uma cadeira de balanço de vime, no saguão de sua casa na
fazenda, com uma garrafa de uísque e um copo na mão. A garrafa já estava meio vazia.
A noite o impedia de ver o caminho da entrada da fazenda, que já conhecia de cabeça. A luz do
caminho não era suficiente para observar o que durante o dia era um jardim exuberante e bem
cuidado. Repleto de buganvílias, violetas, margaridas e trepadeiras floridas em forma de sinos, de
cor lilás.
Mas, nesse momento, o jardim, as flores e as árvores de que tanto se orgulhavam sua mãe e sua
tia, lhe importavam um nada.
À distância, ouviam-se os acordes de um violão, mas a melodia era lenta e triste. Às vezes, os
peões se reuniam depois de comer, para jogar cartas e alguém tocava o instrumento. Lembrou-se do
peão que viveu mais ou menos um ano na fazenda e que tocava acordeão com maestria. Suspirou e
bebeu outro gole de uma só vez.
Estava com o ânimo abalado, e não pela notícia que lhe deu o coronel, ou por ter visto de novo
aquela maldita mulher, mas pelo que tinha sentido ao vê-la.
Primeiro, uma vontade louca de beijá-la e abraçá-la, como foi seu primeiro impulso.
Depois, desejou torcer seu pescoço e sacudi-la até lançá-la longe, muito longe!, de sua vida.
Lembrou-se da suavidade de sua pele, a expressão de seus olhos na época em que a conheceu.
Agora estava mais bonita que nunca. Tinha amadurecido bem, suas feições tinham perdido todo
o rastro da adolescência, mas ainda tinha um charme para ele. A cor de seus olhos, a protuberância
do lábio inferior, a linha de seu pescoço… É
um imbecil!, disse a si mesmo. Mas repreender-se não tinha muito efeito. Olivia tinha se
convertido em uma mulher feita e direita, sexy e provocante e isso, precisamente isso, o estava
deixando louco.
Sentimentos encontrados.
Fúria.
Raiva.
Vontade de beijá-la.
“Estou louco”, pensou, consternado. Pensou que a tivesse esquecido. Impossível.
Tradução Lauren Moon Seu amor doía, como doeria uma velha ferida de guerra, mas seu ódio por ela
tinha o papel de manter a dor à margem.
Por ter-se apaixonado por ela, a vida dele e de sua família tinha dado uma volta de cento e
oitenta graus.
Levantou-se da cadeira e virouse, inclinando-se sobre o corrimão. Com uma mão agarrava a
beirada da madeira e com a outra sustentava o copo da bebida.
Bebeu outro gole, experimentando na boca, antes que descesse por sua garganta e aquecesse seu
estômago. Limpou seus lábios com o dorso da mão. Apertou o copo.
Virouse e o estalou contra uma das paredes do jardim.
Por ter-se apaixonado por ela e por tudo que aconteceu, teve que renunciar a sua vida no
exército, que amava com paixão. E, ainda assim, ao vê-la tão bonita, com sua mala, voltando a uma
cidade que detestava seu sobrenome, não fez mais que sentir-se orgulhoso da coragem dessa mulher.
Seria difícil.
Além dela.
Ele tinha muito trabalho a fazer para observar o que poderia acontecer com ela. Ficaria à
distância.
Sim. Além dela.
Sentou-se de novo, com a cabeça para trás e suspirando com os olhos fechados. Bebeu
diretamente do gargalo. Era difícil perdoar. Sorriu com ironia ao se lembrar de quão implacável
tinha sido com Gabriel Preciado ao tratar deste assunto.
Melisa tinha razão, era um condenado de um hipócrita. Mas ao menos seu amigo agora era feliz.
Ele não. Ele estava longe de encontrar a redenção.
- Por que está bebendo dessa maneira?
A voz de sua mãe o surpreendeu, porque não a escutou se aproximar, e sempre fazia um ruído
com os sapatos que, daquela vez, não escutou.
- Estava com vontade. - Miguel virou o rosto e olhou para frente. Aferrou a garrafa com mais
vontade e voltou a bebê-la.
- O que houve? - perguntou sua mãe, sentando-se na cadeira de balanço ao lado dele.
- Nada, mamãe. - fez uma pausa, olhou para o chão e repetiu -.
Absolutamente nada.
As mães sempre sabem mais que isso. Com a voz rouca e um olhar amargo, falou com profundo
rancor: - Está mentindo. Aconteceu alguma coisa e tem nome. Olivia Ruiz.
imitou a pausa anterior, feita por Miguel. O homem aproveitou o silêncio para soltar uma
gargalhada de deboche, ou ironia? A mulher continuou sua fala -. Pedro me contou que você se
encontrou com ela quando ela desceu do transporte.
- Pedro é um fofoqueiro interrompeu Miguel e, assim que o fez, desejou não tê-lo feito. Não só
porque se sentiu grosseiro, mas porque, em parte, validava a teoria de sua mãe.
Olhou para a mulher que tinha lhe dado a vida. Ainda era bonita e tinha boa aparência, cabelo
grisalho, um marco único em seus olhos de cor café, uns olhos Tradução Lauren Moon repletos de
melancolia e ressentimentos pelas vivências que lhe tinha cabido suportar.
Podia ser ainda mais bonita, mas a amargura e o ódio tinham machucado seu espírito desde
aquele detestável dia.
- Ainda sente alguma coisa por ela?
- insistiu a mulher.
- Sim. Ódio, raiva - ele explodiu furioso, porém, mais com ele mesmo que com qualquer outra
pessoa.
Ligia falou de novo com delicadeza, como quem acalma um menino.
- Dizem que quando há fogo, cinzas ficam.
Miguel emitiu um ruído e permitiu que um sorriso aparecesse em seus lábios.
- Acredite-me, mamãe, aqui não tem nada disso.
Levantou-se e com esta ação quis dar por terminada aquela conversa.
Beijou sua mãe na testa. Antes de entrar na casa, a mulher lhe deu uma advertência.
- Não esqueça nunca o que nos fizeram, Miguel. Seu pai não descansaria em paz sabendo que
você voltou a se apaixonar por esta mulher má.
Miguel endireitou as costas como se assim lhe fizesse frente ou enfrentasse suas palavras. Sem
olhar para ela, disse:
- Não se preocupe. Meu ódio esteve bem alimentado durante todos esses anos.
A acusação era óbvia e não tentou escondê-la.
Caminhou para o interior da casa, sem dar tempo a Ligia de replicar.
Ela sabia que seu filho não era feliz. O pesar carcomia sua alma, e não era, precisamente, a
morte de seu pai ocorrida anos atrás.
Tinha que reconhecer, a esta altura de sua vida, que tinha se equivocado.
Se tivesse seguido os conselhos de seu marido, as coisas hoje seriam diferentes. Para todos.
Mesmo assim, venceu o ressentimento por seu marido ao deixála sozinha e pelo assassino que
tirou sua vida. Lutava todos os dias para afogar seu rancor, e acreditava ter conseguido. Mas hoje, ao
saber que esta mulher tinha voltado à cidade para ficar, fracassou na sua tentativa e uma cortina de
ferro fechou seu coração e as tentativas de superar os danos.
Com seu filho mais velho preso em uma cadeia, em uma penitenciária de segurança máxima em
outra região do país, e sua filha mais nova vivendo no exterior, recolhendo os pedaços de sua vida,
Ligia tinha se convertido em uma mulher fria e belicosa, insuflando em seus filhos o mesmo ódio que
ela sentia e impedindo que eles, também, não superassem a tragédia.
Absorta em seus pensamentos, não percebeu que mais alguém lhe fazia companhia.
- Deus vai castigá-la por isso anunciou sua cunhada Elizabeth ali nas penumbras.
Ligia se virou e, entre as sombras, distinguiu os olhos de quem falou com tanto descaramento.
Tradução Lauren Moon
- Não se meta - conseguiu dizer, sem disfarçar a frieza.
- Não pode continuar aumentando a sede de vingança em seus filhos, não é saudável. Por que
não procura ajuda?
- Eu não preciso de ajuda. Não me questione, porque você não estava aqui.
- Acredita que Santiago iria apoiá-la pelo que você tem feito todos esses anos?
- Ele não está aqui para refutar respondeu entre os dentes.
- Fala como se ele tivesse tido culpa de sua própria morte - o olhar fixo e desafiante de
Elizabeth provocou leves arrepios nos braços de Ligia.
- Talvez tenha sido assim.
- Sabe que não! Não seja tão injusta Ligia! Volte à razão! Vire esta página, por favor!
Ligia se levantou da cadeira de balanço. Lágrimas em formação iluminavam seus olhos.
- Eu saberei o momento de virar a maldita página. Eles não devem se esquecer do que aconteceu
com o pai deles.
Elizabeth saiu das penumbras, e se deteve frente a frente com sua cunhada.
- Eu concordo com você, mas devem superá-lo, pelo bem de todos. A chegada desta jovem à
cidade é uma oportunidade de ouro que a vida lhe dá - pausou, explicou -: deve perdoar, Ligia.
A viúva levantou a mão. De imediato, sentiu vontade de dar uma bofetada em Elizabeth. Não o
fez.
Aproximouse ainda mais da outra mulher. Sentiu sua respiração acariciar seu nariz. Elevou a
mão à altura de seu rosto, levantou o indicador, como se assim pudesse demonstrar seu desprezo.
- Isso, jamais!
Elizabeth não deixou de observar com atenção os olhos gélidos de sua cunhada. Franziu o
cenho.
- O que foi que aconteceu com esta moça? Por que você tem tanto ódio dela?
- Você não entenderia - foi a única resposta que recebeu.
Ligia entrou em casa, fazendo aquele ruído que fazia ao andar, sem olhar para trás.
Tradução Lauren Moon
Capítulo II
Apareceu cedo no refeitório, e Teresa já estava à mesa. Tránsito serviulhe o café da manhã,
composto de frutas, ovos moles e torradas douradas e crocantes, enquanto tomava seu primeiro café
puro e falava com sua tia sobre o clima e sobre o que tinha planejado para aquele dia.
- Ontem quase não conversamos sobre meu ti, como ele está?
Uma nuvem de tristeza velou os lindos olhos de sua tia.
- A mesma coisa, querida, não mudou nada.
Era a primeira resposta que escutava sempre que perguntava por ele.
Teresa de Herrera soube que estava com problemas quando as manhãs de seu marido foram
povoadas por nomes de outras mulheres. Mulheres do passado dele. A princípio, reagiu com raiva,
ciúmes e ressentimentos, mas esses sentimentos foram pelos ares ao encontrar o olhar perdido do
homem ao qual tinha dedicado sua vida.
Soube que estava em grandes problemas quando se perdeu nos arredores da região e levaram
dias para encontrá-lo.
Depois de diversos exames, o diagnóstico foi devastador: Alzheimer. A notícia caiu como um
balde de água fria. Seu querido Enrique era quinze anos mais velho, mas era um homem robusto e
forte. Dedicou-se a cuidar dele com devoção durante três anos e tudo esteve bem, até sua total
incapacidade, quando foi obrigada a contratar um enfermeiro que a ajudava nas tarefas mais árduas.
Três vezes na semana vinha uma freira de uma casa próxima como colaboradora. Tinha adaptado um
quarto só para ele, com uma cama hospitalar e todas as comodidades.
- Desejo saudá-lo.
Enquanto observava Teresa passar uma geleia na torrada, Olivia percebeu o suplício pelo qual
passava sua tia em razão da nova condição de Enrique.
Como se aquele padecimento por si só não bastasse e precisasse de outra vítima. Notava a
nuvem de tristeza que rondava seu olhar, apesar de escondê-la em seu eterno sorriso.
Tinha perdido muito peso, mesmo sendo benéfico para ela, já que sempre tinha sido uma mulher
gordinha. Era valente e abnegada.
- Claro, meu amor. Ficará contente com sua visita, ele adora a presença de moças jovens ao seu
redor, percebe-se quando chegam as fisioterapeutas, porque ele sorri o tempo todo.
Olivia mastigava um pedaço de fruta, e achou estranho, porque nunca imaginou que sua tia se
expressasse com aquele atrevimento. Sempre tinha sido uma mulher ciumenta.
- Quando chegam seus companheiros de trabalho?
Tradução Lauren Moon - Hoje à noite. Amanhã cedo começaremos em um dos escritórios da
prefeitura. À tarde, teremos uma reunião com as famílias afetadas - respondeu Olivia com mais
coragem do que sentina na realidade.
Teresa a olhou preocupada e pegou outra torrada da cestinha.
Depois do café da manhã, Olivia saiu para dar uma volta na cidade.
Caminhou pelas ruas asfaltadas e bem cuidadas, e lembrou-se das lições de geografia do
colégio: “San Antonio de Padua é uma cidade próspera construída na cordilheira central, de clima
temperado e rodeada por terras ricas e férteis, com vales exuberantes e extensas savanas. É banhada
por dois rios e possui uma economia baseada no gado e na agricultura. Possui casas em arquitetura
colonial. Suas igrejas centenárias, patrimônio histórico do país, dão validade a uma boa gestão
cívica e política”.
De imediato, lembrou-se de como tudo havia mudado…
Os fazendeiros, açoitados pela extorsão e sequestro, e ante a indiferença das Forças Armadas,
criaram seu próprio exército para combater a guerrilha. Porém, este exército saiu do controle de suas
mãos. Com o apoio de alguns políticos e alguns membros corruptos da força pública, converteu-se
em um exército ofensivo que terminou impondo uma nova ordem na região. Já não perseguiam apenas
os guerrilheiros. Tinhamse convertido em mandantes de uma comunidade assustada pela dimensão do
que estava acontecendo. Sem uma luta para bani-los, concederam a si mesmos poderes para dirimir
obre terras e pessoas.
Foi assim que seu pai, Orlando Ruiz, o principal mentor da ideia, passou a chefiar a
organização. Converteu-se em um homem inescrupuloso, sem sentimentos, e encheu-se de motivos
para abusar, matar e arrebatar o que outras pessoas tinham demorado anos para construir e
economizar.
Juntou-se ao florescente negócio da droga que recentemente havia chegado à região. Arrebatava
terras para construir laboratórios e pistas clandestinas, criando novas rotas por terra e por ar para
exportar droga do país.
A ambição nublou seu juízo. Diziam que sua mulher tinha morrido de tristeza: uma coisa era
aguentar o bando de moças ou amantes, e outra bem diferente era ter mortos e miseráveis em sua
consciência.
Seus filhos o abandonaram depois que sua mãe morreu. Foram viver na Austrália e se
desvincularam de tudo que dizia respeito a seu pai. Obviamente, ele lhes deu dinheiro para iniciarem
uma nova vida.
Desprovido de laços familiares, o homem se dedicou a acumular mulheres jovens, terras
arrebatadas de seus donos no meio da noite e ante o olhar aterrorizado de seus filhos, e mulheres que
rumavam pelos caminhos com um futuro incerto. Ainda assim, teve carros, lanchas e dinheiro.
Um dia, ao observar Olivia na saída de uma loja, ficou pasmo: seu corpo já não era mais o
daquela mocinha de perna fina e joelhos cheios de machucados por andar subindo em todas as
árvores que cruzasse seu caminho. Naquele tempo, era uma bonita moça de dezesseis anos que
acabava de voltar à cidade. Não teve que perguntar para saber que era sua filha. Tinha-se esquecido
dela, mas para a infelicidade de Olivia, retificou este erro em seguida. Desde então, dedicou-se a
cercar e cuidar de Olivia, Tradução Lauren Moon fazendo com que seus homens a vigiassem e,
quando algum moço se fixava nela, recebia a visita de um dos capangas de Ruiz.
Desse modo, Olivia acabou por tornar-se invisível aos moços da cidade. *
“A praça não muda”, notou enquanto nadava pelo lugar. Conservava os bancos de cimento que a
circundavam, pintados de cores vivas, onde os idosos, as crianças e os casais de namorados
sentavam para prosear.
Também existiam as árvores como ela lembrava, aquela nas quais outrora ela subia, e que hoje
ela só via como plantas fortes, dando sombra à pitoresca praça. A barraca de sorvetes e doces estava
localizada onde sempre esteve durante seus anos de infância e adolescência. Um pouco mais adiante,
uma venda de algodão doce e, na outra ponta, um ponto de aveia gelada3, a mais gostosa que já tinha
bebido. Também conservaram aquele negócio de aluguel de triciclos, embora esses fossem mais
modernos do que ela tinha desfrutado. A igreja, com certeza, estava igual ou mais bonita.
“Reformaram o edifício da prefeitura”, foi a única coisa que notou de diferente.
Seu coração se oprimiu ante a familiaridade do local, aquilo que ela lembrava afinal de contas,
esse era seu lar, onde tinha nascido. Não esperava sentir esta explosão de sentimentos. Mesmo sendo
suas raízes, essas raízes tinham sido cortadas abruptamente tempos atrás.
Suas lembranças da cidade eram amargas. Surpreendeu-se com a sensação agridoce de algumas
boas lembranças de sua infância. Tinha sido difícil voltar, mas ali estava ela: disposta a enfrentar seu
passado.
As pessoas a olhavam com curiosidade. Ela reconheceu mais de uma pessoa, mas ninguém veio
falar com ela.
Em um dos cafés que beiravam a praça, pediu uma xícara de seu néctar líquido favorito e se
sentou em um banco com o jornal de domingo nas mãos. Lembrou-se de Fernanda, sua melhor amiga
e se negou a deixar que a dor a dominasse. Adoravam sentar e beber um refresco naquele lugar, tanto
quanto se divertiam zombando e criticando as pessoas da cidade que passavam por ali.
Tinha tantos planos! “Oxalá tudo corra bem” pensou, enquanto dirigia o olha, uma vez mais, pra
a praça da cidade. Tinha trabalhado muito antes de chegar e estava disposta a dar tudo de si para que
seus planos se concretizassem. Todas essas pessoas teriam La casa de Paz: os desterrados teriam de
volta suas terras e, ainda mais importante, apresentaria um relatório produto de investigação que
seria concluído com o testemunho das vítimas, para que as pessoas não se esquecessem e a barbárie
não se repetisse.
Passou a se dedicar à leitura, mas sua tranquilidade não durou muito.
- Não entendo o que você veio fazer aqui - comentou a voz de uma mulher de idade avançada.
3 Bebida típica e tradicional na Colômbia, servida a qualquer hora do dia, feita com aveia,
água, leite, canela, açúcar, sal (N. da Tradutora) Tradução Lauren Moon Quando Olivia levantou o
olhar, custou-lhe reconhecer a pessoa dona desta voz. Era uma idosa de pele morena. Tinha no olhar
uma irreparável nostalgia e rugas em seu rosto, sulcados pela dor.
- Desculpeme?
- Por acaso seu pai não fez danos suficientes? - Olivia abriu a boca para falar, para saudá-la
como era devido, comentar, quem sabe, de alguns de seus planos, mas a mulher não lhe permitiu -.
Não me responda com ironia. Ninguém lhe quer nesta cidade! Ninguém!
De imediato, Olivia percebeu que não tinha sido uma boa ideia ter-se sentado para tomar um café na
praça… E assim como o medo chegou até ela, a coragem também chegou.
Rebelou-se: - Vim fazer um trabalho e até que não o termine, não vou embora. A idosa emitiu um
resmungo, e sorriu um pouco.
- As pessoas não se esquecem; eu não me esqueço. Meu neto mais novo foi vítima de seu
maldito pai, e minha filha…
- limpou uma lágrima que lhe enfeitou com um tapa -. Sabe muito bem o que aconteceu com sua
família.
Olivia fechou os olhos. Era o que mais temia desde que havia voltado, não poder fazer frente
aos danos, ver-se incapaz de poder responder uma pergunta, curar as malditas feridas. Escapou-lhe
um sussurro: - Senhora Garcia, eu sinto…
A idosa não escutou.
- Onde estão seus corpos? É a única coisa que eu quero saber - suas pupilas se revestiram de
raiva, a dor escapou e uma punhalada afligiu o coração de Olivia.
Olivia se levantou e saiu caminhando tão rápido como permitiam suas pernas. Sentiu o olhar da
idosa queimando sua nuca.
Ao chegar à esquina da praça, ela o viu: usava esses jeans matadores e uma camiseta escura
grudada no corpo. Estava encostado no para-choque dianteiro de seu veículo utilitário.
As lágrimas nublaram sua visão, e, no entanto, pode notar que estava com Ana Quiroga.
Lembrava-se dela na época de escola, embora fosse mais nova que ela. A mulher tinha um vestido
colado no corpo, de saia muito curta que mostrava as pernas fabulosas. A quilômetros percebia-se
que ela estava flertando. Ele a olhava de cima a baixo, esboçando um sorriso sensual por causa dos
comentários da moça.
Olivia atravessou a rua, evitando olhar para eles e pensar naquela cena. Dirigiuse para sua casa.
*
Desde que a viu entrar no café de Tomas, Miguel não tirou os olhos dela.
Viu quando ela observava a cidade com uma expressão que variava entre a alegria e a nostalgia.
Tantos anos tinhamse passado, e ainda a conhecia tão bem! Viu quando ela Tradução Lauren Moon
colocou o cabelo atrás da orelha, esse gesto tão próprio dela, e em sua mente passou a lembrança da
primeira vez que a viu. Observou como ela dobrava o jornal na página que lhe interessava, como
adoçava o café com as colheradas de açúcar. Viu como Sixta Garcia a abordou e percebeu a
expressão de espanto de Olivia diante do que aquela mulher lhe falava. Viu quando ela saiu quase
que correndo. E, por alguma razão que não podia explicar, se sentiu mal por ela, pois imaginava as
reclamações da mulher.
Foi então que se aproximou de Ana, que o saudou com um beijo na bochecha, desses que deixam
em sua marca um pouco de umidade e um leve perfume de rosas. Disse que se alegrava em vê-lo.
Avisou que tinha procurado por ele no celular e que não havia recebido resposta. Diante da
reclamação, formulou uma falsa desculpa e sorriu, mais por cortesia que por qualquer outra coisa.
Ana usava seu vestido de alcinha. Lógico, era branco.
Deixou de olhar sua acompanhante, queria saber para onde Olivia se dirigia.
Levou um susto, a mulher atravessava a rua. As pernas a levavam até onde ele estava. Em um
impulso sombrio, aproximouse de Ana, sorridente, e pôs sua mão na cintura da moça. Sentiuse como
um adolescente. Por que queria fazer ciúmes em uma mulher que não deveria significar nada?
Assim que viu que Olivia se afastava, soltou a mulher que havia usado, desgostoso consigo
mesmo. Odiava tanto essa vulnerabilidade que sentia diante dela!
- Por que não saímos daqui? Quero estar só com você - passou sua mão livre sobre os seios -.
Sei que gostou da minha nova cirurgia - e movimentou um pouco o seio para não restar dúvida de que
parte do corpo ela se referia.
Miguel quis dizer sim, queria provar esses seios, desfrutar alguma pele, qualquer uma… Mas
sabia que, neste momento, este não era o alívio que precisava.
Pegou a mão de Ana, aquela que acariciava seu rosto com insistência e deu-lhe um beijo.
- Eu adoraria, querida, mas tenho muito trabalho hoje - sem dar tempo para que a mulher
reagisse, subiu em sua camionete e se perdeu no caminho rumo ao único lugar em que sabia que lhe
ajudaria a manter a raiva à tona.
Em menos de cinco minutos, freou em frente à porta do cemitério.
Desceu da camionete e caminhou a passos lentos entre lápides e pequenos mausoléus, chegando
diante da sepultura de seu pai.
Ajoelhouse e não deixou de observá-la. Imaginou que sua mãe havia chegado mais cedo, porque
havia flores frescas do jardim da fazenda. Atormentado pelo acúmulo de sensações que o
atravessava de cima a baixo, leu a inscrição da lápide uma e outra vez.
*
Olivia não soube como chegou até sua casa. Entrou muito rápido pela porta de trás. Não queria
deixar sua tia preocupada. A corrida desde a praça, a raiva e a impotência, dificultavam sua
respiração.
“Deus meu, o que foi que eu fiz? Eu nunca deveria ter voltado!”, e começou a chorar. “Isto será
pior que um passeio até o inferno”.
Tradução Lauren Moon
Secou o rastro de lágrimas que havia ficado em sua bochecha. “Não, não será uma fraca, Olivia.
Você sabia que seria assim. Lembrese de tudo que você preparou”.
Olhou-se no espelho, e ele lhe devolveu um olhar duro: “Você falhou, Olivia. Seu dever era
colocar-se acima da situação”.
Por Deus! Era uma assistente social, com especialização em resolução de conflitos! Por que não
conseguiu resolver este conflito com aquela idosa? Por que reagiu assim diante da dor de alguém que
somente buscava consolo? Alguma coisa a que se prender?
Começou a caminhar de um lado para o outro na pequena sala. Desejava, e ao mesmo tempo,
não desejava saber a resposta da pergunta daquela senhora. Podia lidar com tudo, menos com isso.
Soltou outra lamúria, estava com problemas.
- Isso não pode voltar a me acontecer - falava em voz alta -. Tenho que descobrir a maneira de
viver com isso. Esta é a hora.
Ninguém disse que seria fácil. Ninguém.
Suas lágrimas a traíram mais uma vez. Encontrou as palavras que gostaria de ter encontrado
para dizer àquela senhora.
- Temos muita coisa em comum, senhora Garcia - sussurrou, ainda que ninguém a ouvisse -.
Ambas fomos vítimas do mal. Só que o mal não estava em sua família, mas na minha.
*
Na manhã seguinte chegou à prefeitura e seus companheiros a esperavam.
Estavam reunidos no salão de conferência. O lugar era decorado com simplicidade: um quadro
de Bolívar pendurado na parede da frente, fotografias dos acontecimentos importantes ocorridos na
região estavam emolduradas nas paredes laterais. Havia uma grande mesa de madeira, rodeada de
cadeiras. As pessoas estavam acomodadas em qualquer canto, com seus computadores abertos e uma
quantidade de papéis e copinhos de café sobre a mesa.
Saudou com um beijo seus companheiros, Cláudia e William. Ivan e Alejandra só os conhecia
por troca de emails, e saudou-os levantando a mão e com um sorriso. Cláudia se encarregou de fazer
as apresentações.
- Antes de mais nada, temos que estar de acordo com os pontos a seguir para a realização do
projeto - falou Ivan, um homem alto de calvície incipiente e nariz aquilino, o representante do
governo e quem comandava a liderança.
- Pensei que já havíamos esclarecido isso nas reuniões com William em Bogotá - aduziu Olivia.
Alejandra Vallejo, uma mulher de cabelos castanhos, de baixa estatura, com a voz firme e ar de
eficiência, continuou a conversa que Ivan havia começado.
- Sim, quase tudo está pronto, mas existem considerações que devem ser levadas em conta.
Tradução Lauren Moon
Enrique Rojas, a quem conhecia há anos, tomou as rédeas. Era o prefeito da cidade, um homem
jovem e com serviço em mente. Olivia lembrava dele de vez em quando, era da mesma idade de
Miguel e quase tão atraente como ele.
- Está preparada para o que virá? Olivia respondeu que sim, mas sua voz saiu trêmula e apenas
perceptível -. Sabe que seu pai desejava devolver as terras, e de resto? Sabe que as pessoas da
cidade vão menosprezá-la, tratá-la mal, será vista como encrenqueira, mas não deve se espantar, mas
sim ficar preparada. As acusações e os ataques vão se multiplicar, tenho certeza disso.
Cláudia interrompeu, sugerindo que se concentrassem no primeiro ponto da agenda e
observassem as reações das pessoas. Ivan interveio e voltou a retomar o assunto anterior.
- Pode escolher outra região do país para fazer isso sem que as pessoas venham a machucá-la.
A ideia era boa, mas Olivia não queria considerá-la. Assim o fez saber.
Não haveria melhor oportunidade que esta, para voltar a andar de cabeça erguida.
Diante aquelas palavras, William tirou os óculos, deixou seus olhos cor de mel descobertos, e
fez uma careta de aborrecimento. Olivia estava certa, exceto por ele não concordar com suas
decisões, ele a amava.
- Ninguém tem culpa dos erros cometidos pelos pais.
Cláudia, fazendo um gesto de negação com a cabeça, com a qual moveu de um lado ao outro seu
cabelo preto e curto, foi quem saiu em defesa de Olivia. Disse que deveriam apoiá-la, não fazê-la se
sentir mal ou tentar fazer com que ela mudasse de ideia. Olivia sentiu um grande alívio. “Que bom
que tenho uma amiga neste grupo”, lembrou-se, porque assim era Cláudia, muito mais que uma
companheira de trabalho.
- Chegará um grupo de profissionais da turma de memória histórica da Comissão Nacional de
Reparação e Reconciliação em dois dias. Espero que a agenda flua de vento em popa para que as
pessoas comecem a trabalhar com elas.
Olivia aproveitou a oportunidade para voltar a falar.
- A primeira aproximação será no auditório. É um processo lento, Ivan.
Temos que ganhar a confiança das pessoas. Você sabe o que significa que alguém, mesmo que
seja uma pessoa apenas, trabalhe conosco. Ao voltarem ao lugar que causou mudança e sofrimentos
em suas vidas, haverá um retrocesso. As pessoas vão colaborar.
Não podemos continuar em silêncio.
William foi o primeiro a se convencer, e ninguém mais falou até que ele o fez. Sentenciou que
com a restituição, com efeito, a pessoa perceberia a importância de superar, perdoar e seguir em
frente. O dinheiro já está separado, além disso, não haveria mais papéis a solicitar ou preencher, e
eles teriam apenas que devolver as terras.
Nestes documentos…
Olivia deixou de escutar. Ouvir a palavra restituição a levou a pensar no significado desta
palavra para ela, que para eles!, significava: conseguir que as coisas voltassem ao estado em que se
encontravam antes do fato violento.
E assim como se lembrou deste significado, lembrou-se daquele dia maravilhoso.
Nada mais seria igual.
Tradução Lauren Moon Havia lágrimas em excesso, perdas incontáveis…
*
Olivia corria naquele dia a caminho para o riacho, pensando em seu exame de admissão na
universidade. Ao chegar ao lugar, ante o olhar de Olivia, estendia-se a mais bela paisagem que já
tinha visto na vida. Árvores gigantes e samambaias faziam parte daquela pródiga vegetação.
Elevações de rocha e uma ravina com um fluxo de mais de dez metros de altura, de água
transparente, desembocavam em uma pequena lagoa.
A água brilhava ao entrar em contato com os raios de sol que atravessavam a espessa folhagem.
Era um recanto secreto e seu lugar favorito no mundo. Fazia o caminho atenta aos sons do bosque, o
cantar dos pássaros, o sussurro do vento entre as ramagens das árvores e o odor característico da
terra e da vegetação, que sempre associava a este lugar tão paradisíaco. Deixou de lado a bolsa com
a toalha e um livro que trazia com a intenção de perder-se em sua leitura.
Ali, ela se esquecia de tudo, em especial da morte de sua mãe, ocorrida há dois anos. Lembrou-
se como todos na cidade haviam sabido da notícia. Então, sentia vergonha, e por vezes, não queria ir
ao colégio, mas seus tios insistiam em que deveria ter coragem.
Tirou sua bermuda e a camiseta e ficou apenas com seu biquíni convencional.
Prendeu seu cabelo em um rabo de cavalo firme e subiu na árvore, como se fosse uma menina,
até chegar à pedra mais alta. Enquanto escalava, pensava nos poucos meses que restavam naquela
cidade. Então as férias teriam terminado, os meninos voltariam ao colégio e poderia desfrutar do seu
santuário favorito sem que houvesse curiosos ao redor. Além disso, escrutinou seu olhar, as mães não
deixariam as crianças brincarem ao redor das montanhas, pois havia muitos perigos, alguns deles em
forma de homens armados e perigosos.
Animou-se um pouco ao saber que, em breve, iria estudar em Bogotá, que deixaria esta cidade e
não voltaria jamais. Afinal, acabava de completar dezoito anos: seria independente pela primeira vez
em sal vida.
Acomodou-se na ponta da rocha, levantou os braços, agachou-se e mergulhou na água de
cabeça.
Ao aproximar-se da beirada para repetir a façanha, deparou-se com um par de botas na cor café.
Subiu o olhar incomodada, pensando que algum dos capangas de seu pai a tinha seguido até aquele
lugar. Quando ficou o olhar no rosto do homem, afastou o olhar na sequência. Meu Deus! Disse para
si mesma, impactada pelo intenso olhar daqueles olhos castanhos.
Nunca antes havia topado com qualquer pessoa naquele lugar, e menos ainda com alguém que a
olhava com uma expressão que mal conhecia. Com tremor nas mãos e no coração, saiu rápido da
água, aproximando-se de suas coisas.
- Que é você? - puxou a toalha de sua bolsa e cobriu sua seminudez.
- Não fique assustada. Meu nome é Miguel Robles.
Ela deixou relaxar seus músculos ao ouvir seu nome. Miguel Robles é filho de Santiago Robles,
e os Robles pertencem a uma boa família da região.
Tradução Lauren Moon
- Você é o militar - era uma afirmação. Olivia não podia ignorar o olhar de evidente
interesse. Sentia-se exposta, como se ele a despisse. Ela sustentou aquele olhar, desafiando-o a
fazer algum comentário.
Ele se limitou a observá-la com um pouco de descaramento e com um sorriso lento, respondeu:
- Sim. Tenente Robles a seu dispor - e assim, fez-lhe uma saudação militar.
Sua voz era forte e profunda. Olivia prendeu a respiração enquanto o observava.
Encontrou coragem para controlar sua respiração. Quando voltou a falar, o fez em um tom mais
tranquilo, ainda que se sentisse enrubescida até a raiz do cabelo.
- Lembro-me de você. Frequentávamos a mesma escola. Ele sorriu ainda mais.
- Estamos em desvantagem, porque eu não me lembro de você - ronronou preguiçosamente -.
Teria sido difícil esquecer a cor de seus olhos.
Olivia não demorou em responder. Nervosa, talvez?
- Estive fora por uns anos.
Miguel começou a caminhar na direção dela.
- Qual o seu nome?
Notou que os seios da jovem se moviam com a forte respiração que retornava. Decidiu conter
seus passos.
- Olivia - ela respondeu sem gaguejar e sem mencionar seu sobrenome. Não queria arruinar o
momento, vendo aparecer um olhar temeroso ao ouvir o sobrenome Ruiz.
Pela primeira vez, um homem aproximava-se dela sem receios, com interesse refletido no olhar.
Olivia abriu a boca, porque nunca tinha visto um homem tão bonito, tão alto e tão encorpado.
- Olivia. . Olivia - repetiu para si mesmo, com sua voz profunda. - Olivia apenas? - sussurrou,
levantando a sobrancelha.
O gesto foi suficiente para que Olivia prendesse novamente a respiração, como se seu coração
fosse sair pela boca. Rezou para que as borboletas em sua barriga não saíssem voando pela boca.
Decidiu dar o sobrenome de casada de sua tia.
- Herrera. Olivia Herrera - sentiuse mal por mentir, mas usou a estratégia de mudar de assunto -.
O que está fazendo por essas bandas, tenente?
- Gosto de caminhar, estou de férias e cheguei há dois dias. Aqui era um dos meus lugares favoritos
quando eu era menino - sorriu e olhou ao redor. Olivia notou um brilho especial em seus olhos -.
Mudou um pouco.
Ela quis continuar a conversa, queria saber mais deste tal Miguel.
Aproximouse um pouco, só uns poucos passos. Cravou seu olhar no dele. Fez uma pergunta com
tanta naturalidade, sorrindo nervosa. Saudaram-se com as mãos.
- Onde você mora? - perguntou-lhe, fingindo uma confiança que estava longe de sentir e
sorrindo nervosamente.
Tradução Lauren Moon
Miguel respondeu mais calmo. Ele tinha aprendido com habilidade a se controlar. Mas, ficou
olhando para nos olhos dela.
- Agora eu estou estabelecido em uma brigada na periferia da capital. Voltei por causa das
férias. Vou ficar aqui por quatro semanas.
E assim, com essas palavras, Olivia sentiu que tudo que havia a seu redor desapareceu como se
fosse um sonho.
Eram apenas eles dois.
E seus olhares ardentes, como se pudessem memorizar as feições um do outro. Tradução Lauren
Moon
Capítulo III Olivia não esperava tanta aglomeração de pessoas em um ato no qual não deveriam
assistir mais de cinquenta pessoas. Estavam reunidos no auditório do colégio feminino da cidade.
Sentada em umas das mesas que haviam colocado no estrado, concentrou sua atenção em seu
notebook onde estavam os assuntos a serem tratados neste primeiro encontro e ignorou do burburinho
das pessoas, do calor típico da região que fazia com que ela transpirasse na testa e no lábio superior.
Minutos depois, as vozes ficaram em silêncio quando Ivan e os demais profissionais ocuparam seus
lugares. Seu olhar espreitou ao redor do ambiente, até pousar em diferentes rostos: curiosos,
sarcásticos, e aqueles em expectativa, todos eles deslocados. Homens, mulheres e meninos que, em
seu trabalho de escritório na capital, eram apenas considerados como simples números ou
estatísticas. Ela nunca havia pensado neles dessa maneira, porque também era uma vítima das
circunstâncias. Ali, na frente dela, estava estampada a tragédia de milhões de colombianos.
Ivan Martínez se levantou e pegou o microfone para dar início à reunião.
- Silêncio! Por favor - exclamou, graduando o volume do equipamento.
As pessoas beneficiadas pela devolução das terras eram em número de trinta famílias, expulsas
anos atrás, sob a escopeta de Orlando Ruiz. Ainda assim, no auditório havia mais de trezentas
pessoas. Algumas chegaram com ânimo beligerante, que não acreditavam na bondade do governo que
os havia abandonado as suas próprias sortes, naquele banho de sangue ocorrido anos atrás. Outros
iam pelo mórbido prazer de olhar para Olivia Ruiz, para ver qual seria seu comportamento diante
daquelas pessoas.
Estavam ali também as famílias dos que foram expulsos, pessoas que voltavam com esperança
por suas terras, depois de muitos anos. Além disso, estavam também aqueles que desejavam saber
onde estavam seus mortos.
- Hoje, estamos aqui reunidos por ordem da Presidência da República, da organização Um
Novo Começo: ONG europeia, não governamental, cuja finalidade é aperfeiçoar o bemestar público
e social, e um grupo de instituições amigas que acreditam na nossa gestão. O trabalho encomendado
não é fácil. Além de restituir a terra, devemos aprender a conviver com o que aconteceu, superar e
tratar que nossos descendentes não repitam a mesma história…
Ivan não pode continuar o discurso. Uma voz masculina foi ouvida, vinda da multidão.
- Quanto pagaram a você por esta farsa, Olivia?
Ivan estava a ponto de responder, mas a mulher se levantou na sequência.
Sentiu uma leve pontada na perna esquerda, esticou-a e com um passo reto, caminhou até o
microfone. Com um gesto, pediu a Ivan que se afastasse e afirmou que tomaria a palavra a partir
daquele momento.
Suspirou. Observou com atenção os olhos brilhantes da multidão que a odiava. Mesmo com as
mãos tremendo, sua voz saiu firme.
Tradução Lauren Moon
- Trabalho para a ONG Um Novo Começo, há dois anos e meio, tenho um salário normal, como
qualquer profissional e este trabalho não é nenhuma farsa.
Outra interrupção.
- Você sabe a que estou me referindo.
Olivia baixou a cabeça, respirou profundamente e fechou os olhos.
William entendeu a linguagem corporal. Aproximouse do microfone e, dessa vez, foi ele quem
tomou a palavra.
- Não entendemos a que se refere, e gostaríamos de continuar com a reunião. A senhorita Olivia
Ruiz é uma peça importante neste processo. Preparou-se por anos para realizar este projeto, conhece
muitos de vocês e fará tudo para que seja feito de forma justa.
Terminou de falar e voltou a olhar para Olivia. Sorriu para ela.
Olivia não pode sentir mais que admiração e carinho por William. Não era um homem bonito,
mas tinha seu atrativo, uns olhos luminosos e um belo sorriso.
Era o profissional que mais suscitava simpatia no grupo daqueles expulsos. Era um pacificador
natural.
O ruído de vozes na multidão aumentou outra vez. Foi uma voz feminina, talvez de uns quarenta
e tantos anos, que sobressaiu sobre as demais, talvez porque estivesse na primeira fila.
- Para começar, que nos devolvam tudo o que nos pertence não é nada do outro mundo.
Sim, Olivia e os outros profissionais sabiam que este não era o maior compromisso. Havia algo
mais a ser feito. Algo muito mais delicado. O homem do questionamento inicial se aproximou do
microfone: - Não, mas o gerenciamento e o plano que temos para vocês farão com que suas terras
sejam mais férteis e produtivas. Poderão progredir e este é um ponto a favor de Olivia, que lutou por
seus verdadeiros donos, ou seja, vocês, para que recuperassem suas terras - explicou Ivan a todos ali
reunidos.
Nós acreditamos nesta comunidade. Por isso estamos aqui - concluiu William.
O prefeito, vendo a expressão de desaprovação do público, decidiu que era o momento de fazer
uma entrada triunfal.
- Todos devemos fazer nossa pare para que este projeto funcione.
Estamos trabalhando por uma política integral de reparação eficaz, buscando criar soluções
duradouras em matéria econômica e social, garantindo, a todos vocês, seus direitos.
Olivia pigarreou. O prefeito, com um sorriso nos lábios, cedeu-lhe a palavra.
- Não é apenas pela terra e pelo dinheiro para fazê-la mais produtiva, a razão pela qual eu estou
aqui.
Ninguém mais interrompeu. O prefeito deu um sorriso mais amplo, talvez de satisfação.
Tradução Lauren Moon
- Sei que quando olham para mim só conseguem ver as atrocidades que meu pai cometeu - observou a
multidão e esperou uma reação; as pessoas estavam mudas, como que em transe -. Ainda assim, se
quisermos ter um futuro como região, devemos aprender a perdoar e superar o ocorrido - levantou
um dedo, como se falasse a um grupo de alunos e esclareceu -: sem esquecer. - Fez uma pausa -.
Todos aqueles que perdemos entes queridos nesta tempestade de violência, sentimos medo, raiva,
abandono. Quero ouvir todos os testemunhos.
Por fim levantou-se um murmurinho no salão.
- Somos herdeiros de uma realidade dolorosa, que não podemos deixar perder.
Mais murmurinhos, cada vez mais fortes.
O calor era insuportável. Os ventiladores de teto saltavam ar quente, que estava longe de
refrescar qualquer lugar. Olivia limpava o suor de seu rosto com um lenço, enquanto contemplava a
multidão, seus rostos entre cautelosos e esperançosos, depois de pronunciadas as palavras dos
diferentes profissionais e do prefeito. A vida para essas pessoas não tinha sido um mar de rosas, era
uma luta permanente e cruel contra as dificuldades. Efeitos físicos e psicológicos, a incapacidade da
sociedade em lidar com eles, de ajudálos a construir uma vida digna. Esperava que sua atitude
fizesse alguma diferença.
Um idoso com muletas aproximouse da primeira fila e levantou um de seus suportes e soltou: -
Sim, claro, e depois eles vêm e nos quebram!
Olivia virou o rosto para fixar o olhar, entre contrariada e perturbada, pelo semblante
desafiador do idoso.
- Temos garantia de proteção respondeu, já mais calma -. Se não formos capazes de reconhecer
a espiral de violência que roubou nossos sonhos em um determinado período de nossas vidas,
estaremos condenados a repetir esses horrores uma e outra vez.
Uma voz gritou ao fundo do salão. Olivia não pode ver quem proferia aquela frase. Só percebeu
o tom de voz displicente e que parecia esquentar ainda mais os ânimos.
- Então, a devolução das terras não será gratuita.
A paciência de Olivia estava por um fio, por mais que tratasse de se controlar, estava indignada
e imensamente mortificada por não saber colocar-se acima daquela situação.
- Eu não estou obrigando ninguém ela disse -. Quem desejar um futuro melhor para as próximas
gerações é quem vai poder me ajudar.
Um homem jovem com um chapéu de palha e uma camiseta de equipe esportiva levantou-se e,
sem deixar de olhar para ela, exclamou com rancor: - O que nos ajudaria é que você abandonasse
isso aqui, antes que alguém, que realmente não queira esquecer, dê um tiro em você.
Olivia ficou estarrecida. William quase derruba a mesa ao levantar-se para chegar até ela, e sua
expressão desmentia o que diziam alguns desenformados: que Tradução Lauren Moon era um
pacificador nato. Arrebatou o microfone de Olivia, que deu um chiado tão forte, que William apertou
uns botões para apaga-lo.
- Basta! - Exclamou furioso.
Ainda assim, por mais cuidado que deveria ter, esta última explosão despertou, de imediato,
uma reação involuntária em Olivia.
- Bem, estou aqui! - retomou o microfone com a mesma fúria que seu companheiro -. Atirem em
mim de uma vez por todas! Vamos ver se assim as coisas saiam melhor para vocês!
A multidão voltou a optar pelo mutismo. Alguns baixaram a cabeça, outros mantiveram o olhar
brilhante cravado na mulher.
Ivan cobriu o microfone, que ninguém mais escutou. Pediu a Olivia que se acalmasse, que não
dissesse tolices das quais poderia se arrepender.
Uma mulher que estava sentada na última fila se levantou e saiu pela porta de trás.
Foi assim que Olivia o viu. Era ele quem estava sentado ao lado daquela mulher.
Miguel.
Ele a olhava com esses olhares brilhantes, que no fundo adivinhava uma escuridão turbulenta de
quem oscila em um desfiladeiro de ressentimento e dor, embora em sua expressão um sentimento
diferente aparecesse em uma fração de segundo.
O coração de Olivia deu uma cambalhota e se prendeu a esta última expressão. Precisou de uns
minutos para se recompor, aquebrantou sua voz e prosseguiu: - Bem, amanhã haverá uma lista na
porta da prefeitura. Faremos a entrega dos imóveis, será de duas famílias por dia. Os móveis e os
utensílios também chegarão amanhã. Entretanto, a Ação Social cuidará de alojá-los. Alejandra e
William serão os encarregados de localizá-los.
As pessoas começaram a abandonar o salão. Olivia guardou suas coisas em silêncio.
Envergonhada ao extremo por sua explosão, sabia que teria que dar algumas explicações a seus
companheiros, mas não se sentia com ânimo de fazê-lo neste momento. Se este era o primeiro dia,
não queria imaginar como seria quando começasse o trabalho de verdade. Como poderia ganhar a
confiança das pessoas se não era capaz de evitar os rompantes? Cláudia e William davam-lhe um
olhar ocasional, confusos por sua reação. Dirigia-se para a saída quando Ivan a interceptou. Ele a
pegou pelo braço e, levando-a a um canto, soltou: - Volte a fazer algo semelhante e coloco seu lindo
traseiro em um transporte bem longe daqui. Entendido?
Ela o desafiou com seus olhos, incomodada pelo tom de voz e pelas expressões usadas. Levou
seu olhar com lentidão ao braço que segurava e com um gesto nervoso se soltou. Sem retrucar,
afastou com passos ansiosos até a saída.
*
Tradução Lauren Moon Miguel Robles tinha ido ao auditório na companhia de seu administrador
Pedro Almarales. Tinha certeza de que estava perdendo tempo em uma reunião que nada tinha a ver
com ele, e tudo por um impulso louco que não o deixava continuar trabalhando em paz até saber que
este encontro com os desalojados sairia bem, e que a mulher teimosa não sairia machucada. Miguel
achava que era muito difícil que Olivia trabalhasse em paz, porque afinal de contas era a filha do
homem que havia arrebatado quase tudo das pessoas que neste dia o acompanhavam. Observou em
volta e ficou tranquilo ao ver a presença da força pública e de alguns soldados vestidos à paisana.
Esteve atento à atitude da jovem. À medida que avançava a reunião, seu gênio se alterou por
algumas razões: a primeira foi o comentário de um dos irmãos Díaz, o que falou em atirar. Quis
agarrar o sujeito pela nuca até que seus olhos saltassem. A segunda é que não gostou que o
desmiolado de nome William a olhasse com olhos de cabra morto. Também não havia gostado que o
chefe a repreendesse, tinha ouvido a conversa.
E ele, que caralhos lhe importava?, perguntou-se com vontade de dar em si mesmo uns
cascudos.
Mulher teimosa, corajosa…
Sem querer a admirava.
Ele a alcançou na saída, viu que ela conversava com algumas pessoas e quando ficou sozinha,
ele a enfrentou.
- Fabuloso o espetáculo que você acaba de montar - reclamou quando ficou na frente dela.
Notou que ela estava cansada e vulnerável. Sentiu pena e uma vontade imensa de abraçá-la e
protege-la do que a fizeram sofrer. Mas o passado em comum, plainou sobre ele como um fantasma e
isso endureceu seu coração.
Ela evitou seu olhar, passou a mão pelo cabelo, soltou uma rajada de ar e ficou o olhar em um
ponto atrás dele.
- Não preciso do seu sarcasmo neste momento - exclamou com uma expressão derrotada e os
ombros caídos. O salão esvaziou. Só ficaram Cláudia e William que conversavam no palanque.
- Escute-me, por favor - ele disse que com um olhar inescrutável.
Seus lindos olhos verdes posaram em seu semblante, em um gesto que bateu no coração de
Miguel e o levou aos dias no riacho, quando ainda estavam se conhecendo.
- Já que não tenho mais remédio, fale.
- Antes de mais nada, deixeme dizer-lhe que o que está fazendo é admirável.
- Ora, agora sim estou surpresa.
- Mas se com isso acredita que vai solucionar as coisas, está muito errada. Sou da mesma
opinião que seu chefe. Por que não tira seu lindo traseiro daqui?
- Não vou dar-lhes este gosto respondeu na defensiva -. Faça isso se acredita ser capaz.
Tradução Lauren Moon
Miguel a agarrou pelo braço, disposto a dar-lhe um sermão, mas a largou ao sentir uma espécie de
choque ao contato com sua pele. Retrocedeu e, em seguida, suavizou seu tom de voz: Isto não será
fácil, Olivia.
- Eu sei que é difícil, mas tenho que tentar, e sei que essas pessoas querem o mesmo.
- Suas intenções levaram anos para se tornarem realidade. E, é claro, você vai sofrer um
desgaste físico e emocional, sem contar com os perigos que você bem pode imaginar. Por isso, não
diga que ninguém lhe advertiu – disse, antes de dar-lhe as costas e caminhar para a saída.
- Miguel…
Ele voltou sobre seus passos, com seu olhar ardente fixo em Olivia, e um breve calafrio na nuca
ao ouvi-la chamar seu nome.
Olivia se aproximou com cautela, tentou alcançar sua mão, acariciou o verso da mão direita do
homem com a ponta do indicador. Não soube por que fez isso, era como se precisasse de sua
proximidade.
Miguel observou o gesto de Olivia atônito e puxou sua mão na sequência.
Sua pele se arrepiou, quis empurrála para se afastar, mas em troca, ficou em seu lugar e manteve
o olhar fixo por cima de sua cabeça. A tensão dava voltas em seu interior, manifestando-se em seu
corpo tenso e na maneira em que relaxava e apertava os punhos.
- Você já me perdoou? - ela perguntou a queima-roupa.
Miguel sentiu a coragem controlar a tensão. Passou a língua por seus lábios, deu um sorriso
daqueles que assusta e estalou a língua.
Aproximouse um pouco mais, para que ela pudesse ver bem o sentimento que aparecia em suas
pupilas.
- Vá para o diabo - disse isso e saiu em disparada para sua camionete.
Olivia fechou os olhos, apoiou uma mão na testa, enquanto despareciam as sensações que a
atravessavam por culpa de seu encontro com Miguel. Mais tarde iria se ocupar de todas elas, quando
a prostração e a vergonha ganhassem da frustração, da angústia e da derrota. Havia fracassado
miseravelmente em seu primeiro dia. O que a enfurecia é que estava certa de seus conhecimentos,
mas estes sumiram de sua mente com a menor provocação. No ritmo em que estava não riria durar
uma semana e pela primeira vez as palavras de Ivan, ditas no dia anterior, fizeram eco. Será que ela
estava preparada para o que viria? Se estivesse em outra região, tinha certeza de que a ameaça não
seria feita. Em San Antonio, sentia-se vulnerável, porque era a herdeira de um patrimônio de dor e
sangue, da pessoa que havia lhe dado a vida. Teria que encher-se de coragem, de compreensão e de
amabilidade.
Como um torvelinho e com a curiosidade estampada em seu rosto, Cláudia chegou até ela. Foi
testemunha do encontro de Olivia com o belo homem que parecia interpelá-la em alguma coisa e de
como ele se afastava furioso.
Quem é este homem? - perguntou – Por Deus! Ele é lindo!
Olivia suspirou. Havia tentado permanecer impassível durante su conversa com ele. Se não
fizesse isso, seus sentimentos teriam sido um livro aberto para Tradução Lauren Moon este homem, e
isso ela não poderia permitir. Sua única debilidade foi ter-se permitido um toque em sua mão.
- Ele estava incomodado - insistiu Cláudia, diante do silêncio de Olivia -. Não me diga que é outra
vítima!
O sorriso condescendente e o olhar especulativo de sua amiga informaram a Olivia que ela não
descansaria até averiguar o que desejava.
- Sim, outra vítima - observou com tristeza com Miguel subia em sua camionete estacionada a
alguns metros da porta e arrancava, fazendo chiar os pneus, o que falava de seu estado de ânimo -, a
quem eu pediria perdão de joelhos.
Olívia caminhou ao lado de Cláudia que sorria elevando a maçã do rosto e a estudava
dissimuladamente. Eram amigas desde a época da universidade.
Entendiam-se à perfeição. O humor alegre de Cláudia, sua paixão pela vida e por viver
apaixonada pelo amor, suavizavam muitas das arestas emocionais de Olivia. Existia verdadeiro
carinho entre ambas. Cláudia era o tipo de pessoa que fascinava os homens.
Era uma morena de grande beleza, um brilho brincalhão em seus olhos, e um sorriso que
deslumbrava todo mundo. Valorizava sua independência acima de tudo e aceitava Olivia como ela
era, sem pressioná-la, nem querer pressioná-la.
- Mas se for como ele, até eu me candidato e me ajoelho… Mas não seria para pedir perdão!
Olivia deu aquele sorriso delicado que lhe escapava quando tratava de ser comedida ante as
brincadeiras sexuais de Cláudia.
- Você não tem vergonha…
As palavras saíram em um murmúrio, porque ainda sorria e não queria deixar escapar o único
sorriso do dia.
Cláudia, que era mais esperta do que muitos acreditavam, aproveitou a ocasião para dizer outra
de suas irreverências, nem tanto por querer, mas porque Olivia precisava de mais risos naquele dia.
- Para quê? A vergonha atrapalha. Recebeu um cotovelada. Olivia riu outra vez, mas ficou séria
rápido demais.
- Oh, cale-se!
Ainda assim, levava um sorriso desenhado nas pupilas.
*
Aproximaram-se do lugar onde aconteceria a segunda reunião da tarde.
Era no salão da Ação Comunitária e, estariam com as mulheres da comunidade daquela zona e
que tinham participação ativa no projeto. Tomara que aqui tudo seja diferente, meditou Olivia.
O programa que estavam implantando era um teste piloto de restituição, verdade e reparação
que tinha tido êxito em outros países. Olivia havia feito um pequeno resumo da história de
desmobilização, ou seja, que os diferentes grupos que estava à margem da lei, e que havia na
Colômbia, entregaram suas armas e se reintegraram à sociedade.
Tradução Lauren Moon
Explicou-lhes que no ano de 2003, no ano em que o presidente em exercício foi eleito, ele
apresentou uma estratégia de busca pela desmobilização de grupos diferentes. No ano de 2005, o
Congresso da República aprovou a Lei 975, mais conhecida como “lei da justiça e da paz”, que
recebeu fortes críticas de organizações defensoras de vítimas e dos direitos humanos por sua
brandura e generosidade com grupos dentro do conflito, que tinham cometido crimes contra a
humanidade. Estas mesmas entidades impuseram a demanda.
Diante desta situação, em maio de 2006, a corte constitucional se obrigou a introduzir uma série
de correções, que fizeram o processo mais restrito e transparente.
Entre as exigências da lei, incluía-se que aqueles que dela se utilizassem deveriam dizer a
verdade sobre todos os crimes em que estivessem envolvidos, e que as vítimas pudessem participar,
durante todo o processo, para garantir seus direitos à verdade. Além disso, exigiam que as
instituições estabelecessem espaços e políticas necessários para preservar a memória histórica do
conflito.
Contemplou também a participação da Comissão Nacional de Reparação e Reconciliação
(CNRR), encarregada de levar a termo a reparação e os processos de desmobilização, desarme e
reintegração, e que desde 1964 tem a responsabilidade de “apresentar um informativo público sobre
as razões para o surgimento e evolução dos grupos armados ilegais”.
Da gestão deste grupo e do êxito do trabalho da ONG, dependia a implementação do progresso
no país, enquanto os remanescentes de grupos ilegais e proprietários ambiciosos permitissem que
eles trabalhassem.
O pai de Olivia tinha sido um dos poucos que havia feito esta restituição de maneira voluntária.
Ele era o único testade-ferro. Então, a ONG e as outras autoridades pensaram que não haveria
problemas mais adiante.
Em outros pontos da reunião, Olivia insistiu com eles sobre a importância de convencer aos
sobreviventes que relatassem sua história. Ao final da reunião, Yolanda Valdés aproximouse de
Olivia, uma das líderes da região e ferrenha defensora da restituição das terras. Esta extraordinária
mulher liderava um projeto de plantação de frutas que eram vendidas a uma multinacional de sucos.
Era uma mulher de baixa estatura, magra e musculosa, que aparentava mais idade do que realmente
tinha, devido à perda de seu filho e à desapropriação forçada anos atrás.
- Sei que você não terá problema com as pessoas daqui. Eu mesma vou me encarregar disso.
Mas será difícil alguém ajudála no que você está pedindo.
- Eu sei.
Honra, dignidade, autoestima, eram as coisas que Olivia buscava, assim como os outros
profissionais, para os sobreviventes que relatassem suas histórias. Dar-lhes prioridade dentro de
construções duradouras de uma nova vida. Incluir as memórias de comunidades inteiras, para obter
um esclarecimento histórico. Não era um trabalho solitário, porque cedo ou tarde toda a sociedade
deveria ser envolvida.
- O que você pretende poderia turvar as coisas. Não nego que haverá pessoas que desejarão
saber por que lhes aconteceu tudo isso. Mas, existem muitos outros que desejam simplesmente
esquecer… E, outros tantos que não se importarão com o que for feito por eles.
- Sei disso muito bem – afirmou Olivia de forma contundente.
Tradução Lauren Moon
Saíram do salão, as outras mulheres se despediram e Olivia andou com ela até a praça da
cidade.
- Tenha cuidado, Olivia. Acima de tudo queremos honestidade. Aqueles que, como eu,
sobrevivemos ao horror, não permitiremos manipulações desses miseráveis que por terem os nomes
de nossos familiares desaparecidos ou assassinados, possam continuar fazendo e dizendo o que
quiserem amparados pela justiça.
- Eu entendo você, como também entendo que quando nos negamos a lembrar a verdade do que
aconteceu, nós nos transformamos em multiplicadores da violência.
- Recuperar a memória vai causar uma dor imensa – insistia a mulher.
- As feridas que não veem a luz, jamais se curam de verdade. Você deve vir ao seminário que a
ONG fará sobre a memória histórica, na próxima semana – Olivia fez o convite para ter mais tempo
de conhecer a fundo aquela mulher. Seria uma aliada magnifica a sua causa -. Muitos homens de meu
pai irão dar declarações sobre os fatos ocorridos. Você deveria ir a Bogotá, e a ONG bancaria suas
despesas. Somente virão os familiares das vítimas, não queremos intrometidos ou pessoas com más
intenções.
Olivia fixou o olhar na mulher. As dúvidas estavam marcadas em seu semblante. Não quis
pressioná-la, porque era uma peça-chave para seus planos. Desde que a conheceu, tinha-se mostrado
muito sincera. Não prometia o que não podia cumprir e se alguma coisa não lhe parecia bem,
comentava em seguida. Sua prudência falava de seu caráter maduro.
- Vou pensar. Nós nos encontraremos mais tarde na prefeitura.
A cor do céu, o canto das cigarras e a lembrança do rosto cínico de Miguel no auditório, tão
diferente do que ele lhe dedicava anos atrás, levaram-na à trilha das lembranças.
*
Ela deixou sua casa na disparada no dia seguinte ao encontro com Miguel.
Usava um short branco e uma blusa de alcinha, quadriculada de lilás e amarrada na cintura.
No lugar dos tênis, calçava umas sandálias que mostravam suas unhas pintadas de roxo e, sem
saber o porquê, ou talvez o soubesse, deixou seus cabelos soltos.
- Menina, aonde você vai? perguntou sua tia, curiosa, ao vê-la atravessar o jardim.
Olivia escutou a voz de sua tia e deteve o passo. Virouse e viu a mulher sentada com tesouras de
podar nas mãos. Usava um boné para proteger-se do sol e botas de chuva. Estava cuidando do jardim
da frente, para variar.
- Vou dar uma volta com Fernanda. A tia olhou sua sobrinha de cima a baixo. Franziu um pouco o
cenho.
- Sei… não demore, minha filha. Cortou o talo morto do que tinha sido um crisântemo.
- Fique tranquila, tia.
Tradução Lauren Moon Guardou o brilho de lábios para aplica-lo pelo caminho, porque ficaria
suspeito sair de casa já com os lábios pintados. Não levava roupa para nadar desta vez.
Estava inquieta. O dia parecia ter sido eterno e o relógio não queria fazer seu tic-tac. Era a
primeira vez que ia encontrar um rapaz. Bem, não era um rapaz, mas um homem. Miguel estava longe
de ser como um dos seus colegas de colégio. Ela sabia que estava quebrando regras, mas seu
coração, trêmulo pelos novos sentimentos que o assaltavam, pouco se incomodava. Caminhou até o
riacho com os batimentos a mil.
“Tomara que ele vá”, “tomara que ele vá”, repetia, e ignorava os sons que sempre estavam
presentes em seu caminho de ida até aquele lugar. Estava um pouco desconfortável com aquelas
sandálias porque seus pés estavam amis em contato com a terra e as pedrinhas do caminho.
Chegou à beira do riacho e o viu de longe. Ele jogava pedras na agua.
Ao som dos passos dela, o homem virou seu olhar e sorriu. Suas pernas tremeram. Levantou a
mão para pegar uma das dela.
- Olá - foi a saudação simples e curta, que não demonstrava voz de nervosismo.
Miguel observava a moça de cima a baixo. Com o olhar deixou transparecer que ela parecia
mais bonita que no dia anterior.
- Olá - ela respondeu enrubescida e tímida, ao perceber que ele não tirava o olhar de seus
lábios. “Com certeza meu batom está borrado”. .
- Venha, Miguel a convidou para caminhar com ele, aproximaram-se mais à beira do riacho,
sentando-se em uma das pedras altas que havia ali. Ficaram em silêncio por uns minutos.
Quando decidiram falar, assim o fizeram ao mesmo tempo.
Baixaram a cabeça e riram.
- Você primeiro - pediu Miguel, em seu usual tom baixo e sensual. Não deixou de olhar os olhos
e a boca de Olivia.
- Há quanto tempo está no exército? - olhou para ele enrubescida.
- Desde que terminei o colégio, há seis anos.
- Quantos anos você tem?
- Vinte e quatro - que por sua vez perguntou: e você, quantos anos tem?
- Dezoito, recém-completados o mês passado.
Miguel deu um suspiro para si mesmo. Olivia escutou, mas não quis fazer comentário.
- Em que ano você está?
- No Décimo Primeiro4.
- Ora, então no ano que vem você irá para a Universidade - disse sem abandonar seu sorriso.
4 Que corresponderia ao 2º ano do 2º grau (N. da Tradutora) Tradução Lauren Moon
- Sim, no ano que vem.
Miguel afastou da bochecha de Olivia uma palha de grama que o vento havia deixado ali. Olivia
se enrubesceu e se arrependeu mentalmente por isso, pois o gesto lhe pareceu terno demais.
- Aonde você pensa em ri estudar? ele perguntou, mas antes que ela pudesse responder, ele
soltou -: a cor de seus olhos é igual a das folhas das árvores, são lindos.
Olivia ficou tão nervosa que não encontrou palavras para responder o elogio.
Decidiu responder à pergunta e nada mais.
- Estou pensando em estudar em Bogotá.
- E o que você vai estudar?
- Psicologia ou Assistente Social.
Tinha sido um ano bem cansativo. O último semestre de colégio era sempre assim: os anuários,
os retiros, as provas estaduais, as provas de aptidão para escolher uma carreira e as horas de
voluntariado aos adultos analfabetos, que eram requisitos para poder graduar.
Olivia estava perturbada, era capaz apenas de pronunciar uma palavra ou outra, justo ela que se
considerava tão eloquente. Queria perguntar muitas coisas a ele, não queria ser tão direta e então,
ficava calada. Seus olhos escuros e profundos, que ficavam mais pretos a cada olhar furtivo, tinham o
poder de hipnotiza-la. Nesse momento, desejou que ele a abraçasse. Por Deus! Ela que nem era tão
carinhosa, sentia uma picada nas mãos com vontade de abraça-lo.
Uma cálida brisa soprou entre eles, fazendo com que uma mecha de cabelo cobrisse o rosto
dela. Lamentou não ter feito um rabo de cavalo. Miguel estendeu a mão e afastou o cabelo de seu
rosto. Ele o acariciou entre seus dedos, relutando em deixa-lo.
Ela o observava sem pestanejar, atenta a todos seus movimentos.
- Estou ensinando a ler e escrever a umas pessoas de um pequeno povoado onde não existe
escola, somente um quiosque de tábuas de madeira e teto de palha comentou para entabular qualquer
tipo de conversa, antes que ele saísse correndo por considera-la uma tola.
- É muito longe daqui?
- Mais ou menos a uma hora de distância, mas vamos somente duas vezes por semana.
Omitiu que a cada vez que ia ali era como se lhe cravassem punhais em seu corpo, porque seu
pai fazia muito, muito mal. As pessoas dos diferentes povoados, cansados de sobreviver de joelhos,
retaliavam em cima dela. “Aqui vem a filha da puta de Orlando Ruiz”, ouvia a suas costas.
Para Olivia, cada vez tornava-se mais difícil manter a cabeça erguida. A crueldade de seu pai e
a promiscuidade de sua mãe haviam esculpido seus pensamentos de uma maneira diferente da de
qualquer menina de sua idade. Sabia que vivia em um mundo difícil, mas também era seu maior e
profundo desejo fazer alguma coisa pelas pessoas.
Tinha certeza de que nunca, nunca!, seria tão cruel como seu pai, nem tão puta quanto sua mãe.
Pensava assim todas as vezes que a raiva tomava conta dela.
Tradução Lauren Moon
Então, agora a vida lhe colocava à frente de uma pessoa que não via nada de mal nela, e
estava encantada. . encantada em saber que ao olhar para ela, ele não via as atrocidades de seu
pai, encantada de que também ele não viria as vagabundagens de sua mãe. Era apenas uma moça
como qualquer outra, à margem de um riacho, em companhia do homem mais bonito que tinha
visto e sua vida, e que a olhava com um sorriso matador.
Estava perdida em seus pensamentos. Miguel tinha percebido isso e quis trazê-la de volta à
realidade.
Pôs uma mão sobre a dela. Acariciou seu queixo, que voltava o olhar para ele.
- Qual é o seu sonho?
Olivia voltou a ensimesmar-se, mas voltou a falar, em um tom tão baixo que Miguel apenas a
ouviu: - Ser livre.
O homem se surpreendeu, e se assustou, mas não tirou a mão de onde havia colocado.
- Está presa?
A resposta de Olivia foi lacônica: Mais do que você possa imaginar - seus olhos se encheram
de lágrimas.
Estas foram as palavras que o convenceram. Sorriu, não de alegria por suas palavras, porque
não lhe deram alegria, mas sim por sorrir de satisfação por havê-la encontrado.
- Quero vê-la outra vez.
Olivia devolveu o sorriso. “Aos dezoito, eu encontrei você”, pensou.
- Amanhã, aqui, na mesma hora. Miguel moveu a cabeça de um lado para o outro.
- Por que não na cidade? Eu a convido para uma pizza ou um sorvete. Olivia tentou dissimular sua
cara de terror com um sorriso nervoso. E
pensar que um encontro na cidade, com esse homem, significaria para ela. Respondeu com
firmeza: - Não posso. Se você quiser e ver, terá que ser aqui.
Miguel assentiu. Se ficou surpreso com o ar de mistério que Olivia queria dar à incipiente
relação, nada evidenciou na presença dela.
De despedida, deu-lhe um beijo na bochecha, seus lábios eram cálidos, pegando suas mãos, que
também beijou, em um toque que a fez sentir mais como uma carícia íntima. Os joelhos dela tremeram
outra vez.
Caminharam um trecho, juntos, antes de se separarem. Viu quando ele caminhava em sentido
contrário ao dela. Miguel virou a cabeça e ela se sentiu mortificada.
Ele ia pensar que ela era uma boba. Ele levantou o braço e a saudou, ela devolveu a saudação,
com o coração exultante e a alma atormentada de incertezas e anseios, caminhou até sua casa.
Teresa a esperava em casa com uma cara não muito boa. Assim que chegou à residência, soube
que algo estava errado.
Tradução Lauren Moon
- Onde você estava? - foi a recepção de sua tia. Ela não fez muitos rodeos e nem a deixou
falar -. Veio aqui aquele bastardo da segurança de seu pai, o tal de José, perguntando por você.
Nervosa, Olivia recorreu à mentira de sempre.
- Eu disse que estava com Fernanda.
A tia levantou a voz, e isso foi como uma terrível bofetada para Olivia, porque ela sempre se
caracterizou pelo carinho e pela amabilidade, não pelos discursos violentos.
- Não é verdade. Este patife foi procura-la e não a encontrou lá.
Olivia enrubesceu.
A mulher se aproximou, olhando para ela com o cenho franzido.
- Não quero problemas, Olivia. Eu entendo que, às vezes, você queira fugir da presença deles,
mas isso vai deixar seu pai transtornado - calou-se por um instante e, por fim, disse -: Você pode
colocar em perigo a vida da pessoa com quem você está saindo.
Olivia levantou o olhar, não percebendo quanto temor estava refletido em suas pupilas. Tinha se
esquecido de que Teresa lia seus olhares da mesma maneira que lia a Bíblia que tinha em cima de
uma das mesas laterais da sala. Sua tia suspirou. O descuido de Olivia tinha levantado suspeitas.
Mesmo assim, a moça com seu traço rebelde não confiou na mulher: a melhor pessoa que conhecia na
vida.
- Eu não sou minha mãe respondeu na defensiva.
A mulher pegou nos braços a moça que tinha visto crescer e a olhou com carinho.
Bastou um abraço.
O toque de rebeldia desapareceu. Olivia não duvidava do carinho de sua tia, e nunca o faria.
Abraçou-a sem dizer nada.
- Tenha apenas muito cuidado, filha, para que suas ações não ocasionem a tragédia de ninguém.
Tradução Lauren Moon Capítulo IV
O grupo de profissionais de Memória Histórica era isso: um movimento sociocultural, nascido
no seio da sociedade civil, para divulgar, de forma rigorosa, a história da desocupação e a época de
violência, com o fim de se fazer justiça e recuperar referências para lutar pelos direitos humanos, a
liberdade e a reparação, que se integrou às atividades e, então, ocorreu uma coisa surpreendente,
porque ao incluir as vozes que tinham sido sistematicamente suprimidas ao longo do conflito, contou
com a colaboração dos sobreviventes. Ao ver que havia pessoas verdadeiramente interessadas em
tudo que aconteceu, comprometeu-se com a preparação de testemunhos. Por certo que havia alguma
resistência, mas ninguém os obrigava.
Olivia tinha certeza de que, com tempo e paciência, mais pessoas iriam aderir ao programa.
A entrega dos móveis e utensílios para quem tinha sofrido com a desapropriação injusta ocorreu
sem problemas e com a ajuda das senhoras do comitê da igreja que Teresa havia ajudado a fundar.
Quando sua tia a apresentou a Elizabeth Robles, o sorriso amável da mulher a surpreendeu, porque
não sabia o que esperar das pessoas, e por certo era que vivia prevenida e sempre ia ao encontro de
ressentimentos e críticas mudas, como se ela tivesse sido a culpada por toda aquela barbárie. Mas no
caso de Elizabeth, esse ressentimento nunca apareceu. A mulher tinha os mesmos olhos de Miguel,
pelo que deduziu, antes mesmo de ser apresentada a ela, serem da mesma família. Era dona de um
olhar tão cheio de calma e sabedoria que, em certo momento, Olivia quis aconchegar-se sob sua asa
protetora e não sair dali jamais.
Uma mulher que, de imediato, a sentiu diferente de seu sobrinho…
- Quando será a entrega formal das fazendas? - Elizabeth interrompeu sua linha de pensamento.
Olivia demorou a responder, porque não encontrava palavras. Elizabeth? Miguel? Entrega?
- A festa será no domingo. O ministro de agricultura virá e vários representantes do governo
também para inaugurar o projeto.
Elizabeth assentiu, com uma expressão especulativa. Olivia percebeu que ela a avaliava. Teresa
interveio: - As damas do comitê da igreja vão organizar uma barraca com alimentos e bebidas, com
alguns doces típicos da região.
- Isso me parece muito bom, tia respondeu Olivia -. Lembrese apenas que o único espaço que
ficará disponível para essas barracas será no extremo sul da praça.
Na noite anterior, ela havia trabalhado até tarde com William, Alejandra e Cláudia. Nunca
imaginou que organizar um evento fosse tão árduo. À tarde, eles teriam uma reunião com as
autoridades militares.
Tradução Lauren Moon
Elizabeth se despediu dela pegando sua mão com carinho e oferecendo sua ajuda para o que ela
precisasse.
Olivia agradeceu e sua tia insistiu para que ela arrumasse tempo para almoçar em sua casa, e
aproveitou a oportunidade de repreendê-la, porque desde sua chegada tinha percebido que a moça
não se alimentava bem. Olivia se despediu delas com a promessa de que iria almoçar.
As mulheres saíram da prefeitura em silêncio, ambas mergulhadas em seus pensamentos. De
imediato, como se tivesse aparecido de um buraco no vento, avistaram Pedro Almarales, que
caminhava até elas.
Sem desgrudar o olhar de Teresa, Pedro as saudou atentamente.
Pedro Almarales trabalhava com a família Robles, desde o momento em que devolveram as
terras de Miguel. Era um oficial aposentado na patente de Major e tinha 63 anos. Mais que um
administrador, era um amigo e guia para Miguel.
Pedro tinha uma pequena propriedade a uma hora da cidade, usava as terras mais como um lugar
de lazer, que um lugar para o cultivo ou criação de gado.
Planejava retirar-se para lá em alguns anos, quando El Álamo tivesse maior capacidade de
produção.
Na juventude, tinha sido amigo de Santiago Robles. Desde o desterro da família para Bogotá
estava a serviço deles e, ainda mais, quando Miguel trabalhou fora do país. Nunca tinha visto Miguel
como fazendeiro, porque esta era a vocação de Jorge, mas às vezes a vida se encarregava de dar um
chute nos sonhos e ali estava Miguel, como o chefe da família, e com a responsabilidade de levar
adiante o patrimônio da família. Embora, para dizer a verdade, havia feito muito bem e era admirado
por ele. No tempo de Santiago, El Álamo era apenas uma propriedade pequena, sem pretensões.
Obra de um homem apaixonado pela terra e pela região. Atualmente, mais hectares tinham sido
incorporados à terra e, com a ajuda do sócio de Miguel, Gabriel Preciado, o lugar era bem diferente
do que Santiago havia sonhado. Porém, Pedro admirava mais a mulher que neste momento
atravessava a rua com a tia de Miguel. Ao saudá-las, percebeu que Teresa ruborizava, e de quão
envergonhada estava por saber que ele havia percebido.
Ele gostava de Teresa Manrique, deleitando-se naquele sorriso dela, que advinha de seu bom
caráter. Deleitava-se com a cor de seus olhos, em suas curvas arredondadas e generosas, não como
as mulheres de hoje em dia, repletas de cirurgias e embutidas de quantos materiais inventassem nos
mercados de beleza. Morria de vontade de acariciar essas curvas de seios grandes, essas nádegas
abundantes, essa cintura ainda esbelta. Queria conhecê-la, saber do ela gostava, quais eram suas
flores preferidas, as músicas que gostava de ouvir, ou o que fazia em um dia ensolarado.
Fazia anos que não sentia uma atração assim por ninguém! Desejava tanto a companhia desta
mulher! E ainda mais quando ele sabia que não era totalmente indiferente a ela. Elizabeth franziu o
cenho como se adivinhasse seus pensamentos obscenos.
- Acabou suas diligências?
A voz da mulher era cortante. Pedro arrumou o pescoço da camisa.
- Sim, comprei o que faltava e paguei a conta do veterinário.
Tradução Lauren Moon
Elizabeth virou o rosto para sua amiga, confusa ao ver o enrubescimento de Teresa.
- Chegaram as vacinas? - insistia Elizabeth, que com a expressão preocupada passava seu olhar
de Pedro a Teresa com uma curiosa sensação, de que este par parecia um casal de adolescentes
nervosos.
Pedro refletiu um minuto e depois negou com a cabeça, sem tirar os olhos de Teresa, e disse que
chegariam na próxima terça-feira sem falta. Elizabeth se ofereceu para levar Teresa em sua casa, mas
ela recusou. Deu um beijo na bochecha de sua amiga, despedindo-se sem nem ao menos lançar um
olhar de caridade para Pedro, que a viu passar como quem foge do diabo.
- O que foi isso? – foi a primeira pergunta que Elizabeth fez a Pedro enquanto se dirigiam à
camionete, que estava a vinte passos do local.
- Isso, minha querida Elizabeth, é o começo da minha campanha para ganhar esta guerra.
- Não alimente ilusões. Teresa é uma mulher casada.
- Nisso você está errada. É uma mulher que está sozinha.
- Está pensando em se aproveitar da situação?
- Era o que me faltava! - respondeu surpreso -. Está me ofendendo…
- Desculpeme, mas você a olhava de uma maneira…
A voz de Elizabeth demonstrava sua dor, caminhou na frente dele pela calçada até chegar ao
carro. Pedro a alcançou em um par de pernadas e abriu a porta do carro para ela.
- Esta mulher me encanta respondeu com a segurança de um homem que sempre obteve o que
queria -, completamente, por dentro e por fora.
- Por Deus! Procure uma mulher mais jovem e sem peso nas costas.
- É desta carga que eu mais gosto exteriorizou, com um sorriso lento e enigmático.
- Você não tem jeito, Pedro Almarales. Um dia chegará uma mulher que vai colocá-lo de cabeça
para baixo.
Pedro tirou o sorriso de seus lábios. Teve aquele pressentimento de que já havia encontrado esta
mulher.
*
Teresa entrou em sua casa aborrecida consigo mesma. Desde quando este palhaço tinha poder
sobre ela?
Tirou os sapatos e calçou as sapatilhas de andar em casa. Que falta de respeito! Olhar para ela
daquela maneira! Por Deus! Nem seu marido, antes de ficar doente, se atreveu a olhá-la assim. As
coisas haviam mudado com o passar dos anos… e além disso, ela tinha engordado. Quem iria querer
uma mulher gorda, se a sociedade encara as mulheres maduras e que têm uns quilos a mais, como se
tivessem perdido valor feminino? Se não tiverem uma ou duas cirurgias depois dos cinquenta, já
estão prontas para o geriátrico. São desvalorizadas.
Tradução Lauren Moon
E então, quando ela já estava pronta para entrar na fila e esperar sua vez, chega este homem e a
olha como se ela fosse seu prato favorito.
Seu marido nunca havia repudiado seu sobrepeso, afinal de contas, tinha carregado três filhos
no ventre e ele dizia que era normal com o passar dos anos. Teresa pensava de forma diferente,
talvez porque devesse ser sincera consigo mesma e reconhecer que havia se descuidado. Os filhos,
os deveres e a rotina tinham feito o trabalho de mantê-la afastada da academia e do salão de beleza
por muito tempo.
Quando quis retomar sua vida e voltar a estar em forma, seu marido ficou doente. Ela mergulhou
na pena. A partir de então, perdeu uns quilos, culpa do constante trabalho de ajudálo em sua doença.
Olhou-se no espelho.
O que Pedro Almarales via nela?
Deu a volta em frente ao espelho. Ainda tinha cintura. Podia ser gordinha, mas não havia
perdido suas formas. Deu uma palmada em suas nádegas, “nem as vejo”, pensou mortificada.
“Melhor passarmos ao pescoço. Sim, ainda está bonito”, as pernas, em compensação, pareciam
flácidas. Mesmo que o Pilates tivesse ajudado a fortalecer todas as partes da musculatura, ainda teria
trabalho pela frente. “A desilusão que Pedro teria se visse minhas pernas”, deveria mantêlo na ilusão
só para fazêlo pagar por seus olhares tolos.
E, agora, a pergunta que valia milhões: que importância havia que esse homem a olhasse da
maneira que a olhou?
Era uma mulher casada, com mil responsabilidades, amava seu marido, mesmo estando
prostrado em uma cama ou na cadeira de rodas, sem saber quem ela era.
Não podia culpa-lo por estar doente. O importante é que ela sabia quem ele era. Não queria
pensar que outra pessoa pudesse encher seus pensamentos, quando devia tanto ao homem que havia
escolhido como companheiro.
Seu esposo era o grande amor de sua vida. O único que conhecera. Com ele teve experiências
que jamais poderia esquecer. Três filhos, toda uma vida de amor, de cumplicidade, e às vezes, de
esporádicos desenganos. Nem tudo foi cor de rosa, mas tinha sido uma vida boa, com lembranças
felizes de família, nos natais, nas viagens.
Desejou ter viajado mais com ele.
O desenvolvimento de sua doença foi mais difícil de aceitar. Esta seria uma dor que não
desapareceria jamais. Quando declínio mental se tornou mais evidente, foi como se tivessem cortado
parte de sua alma; ainda hoje era muito difícil olhar para ele e deixar de lembrar o grande homem
que ele tinha sido em seus dias.
Definitivamente, não estava ali para besteiras.
E menos ainda por um sujeito que a olhava com aquela luxúria que havia perdido com o passar
do tempo.
*
- Venha, vamos nos divertir - insistia Cláudia enquanto Olivia fechava seu computador - Quer
que as pessoas pensem que você tem medo de sair?
- Não é isso. Estou cansada… Tradução Lauren Moon Olivia guardou o computador em uma maleta
de couro. Só desejava chegar em casa, tomar um bom banho e deitar para dormir.
Ela ergueu a mão à ponta da corrente que nunca tirava, acariciando um pequeno anel entre os
dedos. A semana passou rápida demais, havia trabalhado sem cessar, a maioria das pessoas a tinha
deixado em paz. Não soube que foi pela conversa com os profissionais, ou porque por fim poderiam
reconstruir suas vidas, que alguém havia tomado sua causa como sua, que não estavam sozinhos, mas
por fim poderia olhar o presente com dignidade, graças ao grupo de trabalho: a Olivia.
De qualquer maneira, a mulher não tinha ilusões. Los problemas estavam ali: as feridas, ainda,
abertas.
- Vamos, tenha um pouco de compaixão por William - Cláudia a persuadiu -. O pobre homem a
olha como se fosse seu sorvete preferido.
Olivia acomodou uma mecha de cabelo e negou com a cabeça.
- Pois este sorvete não deixa que ninguém o prove, você sabe bem.
Cláudia falou tranquila e persuasivamente.
- Não entendo você. É uma mulher bonita, não pode permitir que só por estar…
- Cláudia!
O grito de Olivia foi impressionante. Sua amiga estremeceu levemente e deixou escapar o ar.
Quando se recompôs, falou baixinho.
- Parece o cúmulo que você não desfrute de uma coisa tão importante na vida. Eu estaria
atrofiada. Amo o sexo! Um bom sexo, lógico, porque ajuda à paz mental. Dizem até que queima
calorias.
- Simplesmente não posso. Além disso, para queimar calorias existem as academias.
- Olivia, cedo ou tarde, você terá que enfrentar sua vida.
- Já estou fazendo isso.
- Não da maneira correta. Perdoeme por dizer desta maneira, amiga, mas quando é que você vai
enfrentar tudo o que passou? Não digo vir a esta cidade e colocar-se de joelhos diante de todos, para
ser apedrejada como se você tivesse a culpa.
Olivia a olhou confusa. Por que sua amiga falava assim? Desse jeito?
Não percebia que era melhor, que tinha uma vida, um trabalho? Que estudava, viajava?
Era pouco, mas mais que muitas pessoas poderiam ter.
Resolveu não comentar a respeito, porque não tinha ânimo para um confronto.
- Está bem está bem. Para não passar por uma antissocial, vou acompanha-los esta noite.
Se Cláudia percebeu sua manobra, não deixou transparecer.
Os lindos olhos de Olivia se iluminaram com um sorriso que só ela mesma percebeu.
Tradução Lauren Moon
*
Olivia tomou um longo banho, secou o cabelo e vestiu uma calça solta bege, de linho puro, e
uma blusa da mesma cor, de um ombro só, deixando o ombro direito descoberto. Calçou um sapato
fechado de salto médio. Colocou uma forquilha no cabelo e maquiou-se naturalmente. Ajustou a
corrente de ouro que a acompanhava há dez anos, ocultando o pingente entre os seios.
O encontro seria em uma pequena boate em frente ao hotel. Olivia chegou logo, depois de uns
cinco minutos de caminhada.
Tinha muita gente no lugar. Um sistema de som deslumbrante ofuscava as vozes.
Olivia avistou seus companheiros em uma das mesas, e a fumaça branca que circulava pelo
lugar era impressionante. Aproximouse deles. Os homens se levantaram para recebe-la.
- Ora, como você está linda! elogiou Ivan, que a examinou por um tempo e depois sorriu.
Estendeu a mão.
Olivia devolveu o gesto e se sentou em uma das cadeiras que William puxou e um garçom
aproximouse de imediato.
- Sim, linda como sempre - reiterou William que passou, encantado, os olhos pelo corpo de
Olivia. Um ligeiro sorriso curvou em seus lábios quando se encontrou com seu olhar e enrubesceu -:
o que deseja beber?
- Cuba Libre, obrigada.
O garçom anotou o pedido de Olivia e William pediu outra rodada de bebida para eles.
Miguel estava sentado no fundo do balcão. Tinha uma cerveja, que não bebia, nas mãos. Por
mais que quisesse, ou por mais que Ana estivesse ao seu lado, não conseguia desviar os olhos de
Olivia. Esta noite, havia saído disposto a se divertir com a mulher oferecida. Precisava de uma
distração. Uma distração que foi arruinada quando viu Olivia entrar, tão bonita, saudando aquele
tipinho com uma pitada de carinho.
Então, ela já não se sentia disposto a nada. Apertou ainda mais a garrafa entre os dedos.
O desassossego o assaltou ao reconhecer a sensação profunda que o dominou, ao ver como a
olhava aquele sujeitinho, como tratava de se aproximar de sua orelha sem que ela percebesse.
Estava com ciúme. Não havia dúvida. E tampouco naquele instante se incomodava.
Só queria pegar Olivia pelo braço e leva-la dali.
Gritar com ela, questioná-la. Fazer, quem sabe, que coisas…
Escutou a voz de Ana, que estava no meio de uma conversa, mas apenas se inteirou do que ela
acabava de dizer. O líquido amargo e frio da bebida desceu por sua garganta, refrescando-o.
Baixou e a cerveja e, maldição! Aquele tipo colocou a mão no ombro descoberto de Olivia.
Tradução Lauren Moon
Miguel se levantou horrorizado, perguntando-se qual era seu maldito problema, se ela já não
significava mais nada para ele. Lembrou-se de cada uma das razões pelas quais a odiava. E disse a si
mesmo que não era problema dele com quem ela estava naquele momento.
E de nada serviu seu monólogo mental. O ciúme ficou com ele, como uma ardente e asfixiante
onda.
Colocou um dedo sobre os lábios de Ana, que se calou.
- Vamos dançar - ordenou.
- Dançar?
William tinha tido a ousadia de dar o primeiro passo. Olivia assentiu.
Caminharam juntos para longe.
Havia duas pistas de dança; uma onde eles estavam, com luzes coloridas no teto e no piso, e
uma mais abaixo, com uma luz mais tênue para apaixonados, que poderiam trocar beijos sem que
ninguém percebesse.
Dos alto-falantes começou a sair uma música do grupo Niche. William se aproximou e
começaram uma dança um tanto desajeitada.
Foi quando ela o viu.
Estava com aquela mulher: Ana. A moça usava um vestido mais curto e justo do que ela tinha
visto dias atrás. Dançava com ela, com as mãos quase no traseiro dela. Ela segurava colada a seu
corpo, mas Olivia percebeu que ele não deixava de olhar para ela.
Nunca esteve tão consciente de quão distante estava Miguel Robles de sua vida, até aquele
momento.
Sentiu uma imensa vontade de chorar.
Desejou ser aquela mulher e poder usar aquele vestido.
Desejou que fossem as mãos de Miguel que estivessem sobre seu corpo…
desejou tanto, mas tanto que, sem querer, aproximou seu corpo ao de William, que não demorou
para suspeitar daquela raridade.
- Você está bem? - perguntou curioso e com os lábios quase em seu cabelo.
- Sim, claro - respondeu, mais calma
-. Desculpeme, mas estou um pouco enferrujada para dançar.
William sorriu. Desejou dar um beijo no cabelo da mulher que tinha tão perto, e que cheirava
tão bem.
Miguel e Olivia se olharam uma um tempo extremamente longo, avaliando-se com um olhar
intenso antes de ambos decidirem olhar para outro canto.
- Bobagem, você dança com perfeição - respondeu com um sorriso. Quando acabou a música,
voltaram à mesa.
Minutos depois, Olivia foi ao banheiro feminino. Lavou as mãos, penteou seus cabelos com os
dedos e saiu novamente. Estava um pouco embriagada, tinha bebido demais. Perto da mesa, alguém a
interceptou e agarrando-a pelo braço, arrastou-a à parte da pista que estava na penumbra.
Tradução Lauren Moon
Ela não precisou saber quem cometia aquele ato. Reconheceria sua proximidade entre milhares,
seu cheiro e a textura desses dedos em sua pele. Era um homem forte e a levou sem esforço. Sempre
tinha tido aquela força…
Olivia esboçou um sorriso diante da pouca necessidade que havia para que ele agisse assim.
Ela não teria seguido por pedras escaldantes.
- Agora você vai me dizer o que está acontecendo? - foi a única coisa que ele perguntou, quando
ninguém mais estava por perto, quando ninguém mais poderia ver que estavam juntos.
Miguel não estava para conversa. Não naquela noite. Talvez por isso limitou suas palavras.
- Não fale.
Estreitou-a a seu corpo, ao ritmo da música de Polo Montañez: a canção falava de amor e de
desprezo.
“Mala elección”5, pensou Oliva aflita, mas extasiada pala maneira com que sentia Miguel
cheirar o perfume de seu cabelo e, depois, levando o nariz ao pescoço, à nuca, como se precisasse
gravar seu aroma.
Olivia tratou de se afastar um pouco, mas Miguel tinha outra ideia.
Apertou-a cada vez mais, mantendoa justamente onde ele a queira. Sentia o calor de suas mãos
em suas costas, rendendo-se a este gesto. Levantou os braços aos ombros dele. As pessoas dançavam
ao redor e o calor aumentava na pista.
Ele aproximou os lábios em seu ouvido e disse com a voz enrouquecida: Diga meu nome.
- Perdão?
Olivia afastou a cabeça um pouco mais para trás. E menos de um segundo havia descido da
nuvem. O coração batia cada vez mais forte.
- Diga meu nome, por favor insistiu, olhando-a nos olhos.
Ela não teve mais medo. Aproximou seus lábios da orelha daquele homem.
- Miguel…
- Como se seu hálito e sua voz fosse um detonador de sentimentos e explosões, ele a apertou
ainda mais ao seu corpo.
Miguel sabia dançar, tinha bom ritmo. Eles flutuavam sobre a pista de dança. “Era incrível”,
pensava Olivia consigo mesma, “conheço este homem na intimidade e nunca tínhamos feito uma coisa
tão comum como dançar…Conheço cada um de seus olhares e cada uma de suas carícias, mas nunca
fizemos nada tão simples como ir ao cinema, passear ou tomar um sorvete”. Nesse momento, em seus
braços, e pela primeira vez em muitos anos, pensou ter encontrado um pedacinho do céu.
Sentiuse tão bem, cálida e protegida.
As mãos de Miguel empreenderam um caminho por baixo da blusa de Olivia, e com uma suave
carícia dos polegares, eriçou a curva de sua cintura. Ele a presenteou com um olhar possessivo,
escuro e que desencadeou outro calafrio, que
5 Escolha ruim (N. da Tradutora) Tradução Lauren Moon percorreu sua pele. De repente, ficou tenso,
ao se lembrar que já não era mais a mesma moça de antes.
Ninguém a havia tocado daquela maneira em dez anos.
Não havia permitido.
Tratou de se soltar.
Miguel não permitiu que ela escapasse. Não naquele momento, em que já havia prendido sua
presa.
- Está dormido com ele? - ele a puxou um pouco pelo cabelo.
Olivia tratou de safar-se outra vez, mas não conseguiu.
- Isso não lhe importa…
Miguel pegou sua cabeça com ambas as mãos. Cravou-lhe aquele olhar duro que só destinava a
ela.
- Responda-me Olivia. Ele excita você? Você reage a ele como reagia comigo?
Olivia levou as mãos até o peito dele para empurrá-lo. Não conseguiu.
- Você está doente – e não disse nada mais.
Miguel a olhava e de seus olhos saltavam faíscas. Aproximou seus lábios dos dela. Olivia
percebeu sua respiração agitada e rápida.
- Não vai responder? - aproximouse mais e mais, sentindo o roçar de seus lábios no pescoço
dela e a maneira com que aspirava seu perfume.
Levou sua boa à parte do ombro descoberto, naquela parte que antes William havia tocado com
a mão. Beijoua, sugando-a, evocando uma forte sensação de posse. Olivia gemeu. Ele pressionou os
dentes em seu ombro, uma mordidinha que a levou por um caminho de desejo, que encolheu seu
estômago.
- Miguel… Não… O que você está fazendo? - ela perguntou surpresa.
Deu várias palmadas em seu ombro. Miguel elevou o olhar para ela.
Deixou que as palavras saíssem com um pouco de zombaria incluída.
- Quero ver como você vai explicar isso - sorriu.
Olivia não se aborreceu, ou ao menos não se aborreceu como pensou que ficaria.
- Você não tinha por que fazer isso…
- Não, não! - interrompeu, deixando que a fúria dominasse seus pensamentos
-. Você não deveria ter voltado.
Deu meia volta e a deixou sozinha, na pista que estava na penumbra.
Olivia agradeceu que a escuridão do lugar permitisse que ela se acalmasse antes de voltar.
Voltou como se estivesse flutuando, pasma, sem noção clara de espaço ou tempo. Percebeu que dois
de seus companheiros paqueravam. Ivan usava seu tom de conquista, e Cláudia respondia em duplo
sentido, dando apenas respostas picantes.
Tradução Lauren Moon
- Por que demorou tanto? - William aproximou um copo na direção dela, parecendo ser o único
que realmente havia percebido no tempo.
Olivia pegou o copo e sorriu. Afogou as palavras no álcool.
- Eu me encontrei com alguém. *
Miguel saiu rápido da boate, depois de uma ridícula discussão com Ana. “Que merda aconteceu
comigo?”
“Não posso acreditar! Maldita seja! E, por Deus! Não posso dirigir neste estado!”
Estava ardendo.
Miguel estava fervendo por uma simples dança.
Uma simples dança.
Sabia que havia se comportado como um completo imbecil, mas ele só pensava em se
aproximar dela. Sentia que a odiava por provocar-lhe sentimentos tão inadequados, por sentir essa
necessidade, esta fome, dela.
Ele a odiava!
Ela parecia tão linda, tão desejável… E sua pele…
Deus santo! Sua pele continuava tão suave como ele se lembrava. Pura seda. Seu corpo estava
tão consciente dela, que não podia entender por que não haviam saltado faíscas quando a tocou.
Tinha agido como um tolo, e não devia tê-la mordido. E se aquele tipinho se enfurecesse com
ela? E se a reivindicasse? Pior ainda: e se a machucasse?
Não teria como sabê-lo.
Ela não se mostrou nada insatisfeita. Sorriu.
“Que diabos está acontecendo com você, Miguel?”
Ele dava murros contra o volante.
Essa maldita mulher não fez mais que pronunciar o seu nome, e da maneira que o fez, perdeu o
mundo de vista, deixando apenas uma cascata de lembranças luxuriosas.
Merda!
Não fez mais que sentir sua pele, aproximar seu corpo ao dela, aprisiona-la em seus braços e se
incendiou como fogo no mato.
Quis fazê-la sua.
Quis fazê-la sua, sem se importar com nada.
Quis leva-la para qualquer lugar, amá-la como um louco.
Tradução Lauren Moon Quis fundir-se nela, senti-la, enterrar este rancor, esta amargura, que
envenenavam sua alma.
Não era fácil. Nada nunca seria fácil.
Porém, nas noites, acordava suando frio. Culpa das lembranças. Culpa do ressentimento, do
ódio. Culpa daquele infeliz.
Culpa de Olivia.
Olivia.
Tristeza. Tristeza, porque justamente neste instante, percebeu que estavam unidos.
Unidos pelo passado. Pela lembrança. Pelo ressentimento.
Pelo ódio.
Estavam atados por um laço tão forte que não se romperia enquanto vivessem.
Olivia tinha sido sua paz, mas se converteu em seu tormento.
“Ela também tem que sofrer este pesar que levo há tantos anos”.
*
Ao voltar para sua casa, Olivia recordou os eventos dessa noite, segundo a segundo.
“Miguel”.
Sentiu que as lembranças fluíam como água.
Ele a desejava, disso ela estava bem certa. Apesar de sua animosidade, isso era evidente. Ele a
odiava e a desejava, ambos os verbos de uma só vez.
E ela… ela não podia permitir que ele a magoasse outra vez. Porque era isso que aconteceria
que se deixasse seduzir. Não se deixaria seduzir. Seria impossível.
Nunca mais seria capaz de enfrentar esta faceta.
Deu um suspiro longo, profundo.
Parecia mentira que havia estado em seus braços, ainda que tivesse sido só por alguns minutos.
Olhou no espelho a mordida que ele havia deixado. Tinha certeza: na manhã seguinte estaria
arroxeado. Acariciou aquela marca, fazendo círculos com o dedo indicador.
Uma marca.
Outra marca.
Como se fosse necessário.
Foi o mais perto de um homem que se permitiu estar.
Lembrou-se de cada uma das palavras que sua psicóloga havia dito anos atrás: “Você é
orgulhosa e perfeccionista. Não tolera saber que possui um defeito. É uma coisa que você precisa
trabalhar, Olivia”.
Tradução Lauren Moon
Esticou-se na cama, ainda envolvida em lembranças. Desejou que Miguel a tivesse beijado,
para que a noite tivesse sido perfeita… seus beijos, ela se lembrava muito bem. Eram beijos de
todos os sabores, úmidos, quentes…
De imediato, sentiu que haviam umas lágrimas indesejadas, que logo iriam aparecer.
Levantou-se ante de permitir que isso acontecesse. Era uma mulher muito forte para deixar-se
abater de primeira.
Aproximouse do armário, tirou a bengala de metal.
Estava cansada. Tinha que descansar.
Ou melhor dizendo, deixar descansar seu corpo do elemento externo. Pegou a toalha, que estava
dobrada na cadeira, e a levou com ela.
Foi ao banheiro que Teresa havia adaptado as suas necessidades. Sentou-se sobre o banquinho
de plástico na banheira, colocando a bengala sobre a barra que se estendia pela parede.
Abriu um pouco a ducha, para aquecer a água.
Tirou sua prótese.
Ou melhor dizendo, a parte inferior de sua perna esquerda.
*
Quer ouvir uma piada?
Olivia se sentia leve e calma na companhia de Miguel, o que fazia destacar o seu estado de
espírito alegre e descontraído, que raramente mostrava. Com certeza gostaria de ouvir a piada, e
mesmo sem ouvi-la, Miguel já sorria.
Em uma toalha, secavam-se ao sol, sobre uma das pedras que rodeavam o riacho, depois de
nadarem juntos a tarde toda.
Um empregado corre ao escritório de seu chefe para pedir aumento de salário e diz: - “O senhor
deve aumentar meu salário, porque aviso que existem três companhias que estão atrás de mim”. O
chefe, incrédulo, pergunta: “Ah, é? E você pode me dizer quais são?” “Com certeza! A companhia
telefônica, a de água e a de luz”.
Miguel riu, mais por alegria, que pela piada.
Olivia aproximou seu corpo, e colocou uma mão daquele homem sobre a pele de seu ventre.
Olhou para ele com um sorriso nos lábios.
- Quer ouvir outra?
“E como dizer não a você, Olivia?”
- Conte.
Apoiou a cabeça no braço e prestou ainda mais atenção.
- “Meu amor, hoje é nosso aniversário de casamento. Então, porque não matamos um frango?”
“E que culpa tem o frango? Por que não matamos seu irmão, já que foi ele quem nos apresentou?”
Tradução Lauren Moon
Miguel riu de novo e Olivia percebeu de quão feliz ficava ao ouvir aquela risada. O homem
que se preocupava em compartilhar tanto com ela tinha um sorriso lindo, o mais lindo que ele
jamais tinha visto. E aquela barba de três dias que ele sempre apresentava dava-lhe um aspecto
selvagem e sexy. Acabou por compará-lo com seu cantor favorito, que tinha um pôster atrás da
porta de seu quarto. “Sim”, sorriu para si mesma, “eles compartilhavam o mesmo sorriso”.
Miguel acariciou a pele que ela havia lhe permitido tocar. Tão jovem, mas esta era a mulher que
o deixava louco.
Tinha que, pelo menos, se arriscar em tentar com aquele com quem fantasiava.
Aproximouse mais, e aproximouse tanto que viu como os poros dela reagiram à aproximação.
Nenhum dos dois sorria. Só respiravam.
Respiravam e nada mais.
Acariciou seu rosto.
Aproximou seu lábio do dela. Ela não deu o bofetão esperado. Sorriu…
Olivia sentiu um calafrio percorrer sua coluna, como se fosse uma carícia.
Apreciou a textura de seus dedos, que a agasalhavam da nuca ao pescoço, e até atrás da orelha.
Observou seus, que haviam escurecido. “Como isso é possível?”
Suas mãos suavam, um nó de angústia e expectativa atravessou sua garganta ao ver Miguel
inclinar-se sobre ela. Sentiu a brisa de seu hálito, e o leve roçar de seus lábios.
Criou-se um balanço de vaivém com a influência de novas sensações.
Quando Miguel possuiu sua boca, sem clemência, percorreu com a língua cada um dos recantos.
Olivia soube, desde então, que aquele era o beijo de sua vida. Um beijo de reconhecimento e
invasão, um beijo que jamais teria fim.
Mergulhou na sensação de plenitude que a dominou; para ela, o beijo foi sinônimo de deixar ao
relento emoções que, pouco a pouco, a converteriam em mulher.
Miguel se afastou. Deixou que ela respirasse.
Respirar.
“Nuvens de algodão”.
“Sinto que estou em nuvens de algodão”, pensou Olivia enquanto sorria e olhava o céu, com
suas diferentes formas de nuvens.
Ambos ficaram calados, recuperando-se do grande acontecimento.
- Quer outra piada? – foi a única coisa que Olivia conseguiu formular.
Pela segunda vez, Miguel colocou a mão sobre a pele de seu ventre. Olhou-a nos olhos, sério,
porque não pensava que os sentimentos que o inundavam fossem piada.
Tradução Lauren Moon
- Não. Quero outro beijo.
Olivia custava a manter seu controle. Miguel abriu sua boca com uma brincadeira em seus
lábios e com a língua percorreu seu interior, de forma lenta e suave.
Não queria que este beijo terminasse e se aproximou mais dele, mas sua falta de experiência a
impedia de avançar.
Miguel tinha a respiração pesada. Tinha que respirar.
Respirar.
Voltou a se afastar.
Olivia cobriu o rosto com ambas as mãos.
- Não sei beijar - sussurrou. Miguel pegou suas mãos, descobrindo seu rosto.
- Não precisa saber - respondeu, com ternura.
Acariciou seu queijo e se colocou sobre ela, com mais ímpeto e habilidade. Este beijo foi diferente.
Olivia era devorada. Miguel esqueceu a ternura dos primeiros beijos, afogando-a com seus
braços, seu corpo, sua respiração, sua boca.
Passaram-se alguns minutos antes que ele se lembrasse da árdua tarefa de respirar.
Respirar.
Acalmou-se, acalmou os impulsos e os desejos.
Olivia estava longe de sossegar: estava ardendo, presa aos sentimentos que atravessavam seu
corpo até ficarem estagnados em seus seios, seu estômago e no meio de suas pernas.
- Que tal se amanhã nós formos ao cinema? - ele perguntou, de imediato, quando percebeu que
ambos poderiam manter um diálogo sem se deixarem levar pelas ordens do corpo.
- Não posso! - ela respondeu, automaticamente.
Miguel notou o alarme no tom de sua voz e no olhar assustado que ela lançou.
Franziu o cenho.
- Por que você não quer que ninguém saiba que estamos juntos, Olivia? Eu envergonho você?
- Não, como pode pensar isso!
- Porque penso muitas coisas. . Olivia, você está com algum problema? Olivia sorriu com aquele
sorriso de todos os dias.
Um sorriso que não havia dado a Miguel.
Um sorriso que o convenceu. Assim como convencia às pessoas.
- Dê-me uma semana a mais e eu lhe conto tudo.
Tradução Lauren Moon Aproveitou o silêncio para saltar na água e nadar até a metade da pequena
lagoa. Mergulhou e foi para o fundo.
Dez segundos, quinze segundos, vinte segundos. .
- Olivia, não tem graça! - o homem se jogou na água. Mergulhou, procurando-a assustado.
Ela abraçou suas costas. Ao sair, Olivia soltou uma gargalhada.
- Mocinha impertinente!
Ela se prendeu ainda mais à pele dele.
- Sinto muito! Sinto muito! - repetia sem soltálo, e acrescentou um sorriso nos lábios -. Um
peixe como eu, na água, não pode se afogar.
O aborrecimento foi embora. Deu um sorriso bonito.
- Eu vou cobrar.
Olivia fez uma saudação militar.
- Claro, tenente, eu sempre pago minhas dívidas. Com outra piada?
- Não, senhorita - inclinou o pescoço para unir sua boca com a dela
-. Com isto!
Perderam-se em outro beijo arrebatador.
Quando o sol se escondia, ante o escrutínio de Miguel, Olivia começou a se vestir a toda pressa.
Não se incomodou que o biquíni estivesse úmido.
- Devo ir - anunciou, e perguntou quase com medo -. Você virá amanhã?
Miguel riu.
O que você acha?
Olivia sorriu.
E se virou.
Tirou o sorriso dos lábios e começou a correr.
No caminho ao seu destino, pensou que logo terminaria esse interlúdio em sua vida. Não
poderia expor Miguel ainda mais, deveria dizer-lhe a verdade, mas sua veia egoísta queria detê-lo
mais tempo com ela, porque quando ele soubesse de quem ela era filha, não iria querer mais vê-la.
Olivia. . Olivia não tinha ilusões.
Tradução Lauren Moon Capítulo V
Miguel a observava ir de lá para cá, atendendo às personalidades do governo que haviam
chegado para o evento desse domingo. Percebeu que ela estava um pouco cansada e, quando
acreditava que ninguém a via, estirava a perna como se sentisse dor.
Era um dia de temperatura quente. Haviam feito um grande trabalho na praça: vários postos de
comida, um palco onde os músicos da moda estavam se apresentando, um ambiente festivo e sem
precedentes, próprio para a celebração.
Não demorou a reconhecer: esta festa na cidade representava um triunfo para ela. À fúria que
sentia se unia um grande orgulho pela teimosia desta mulher que não se detinha diante de nada. Às
vezes, sentia que a raiva estava superada e tinha vontade de chegar até onde ela estava, convidá-la
para beber alguma coisa, falar com a esperança com que se falam os conhecidos que se reúnem
depois de muitos anos. Então, algumas péssimas lembranças assaltavam sua mente, lutava contra eles
por um momento, até que percebia que não ganharia esta batalha, que suas boas intenções eram
arruinadas.
Não podia continuar vivendo assim, com o diabo no corpo, como dizia sua mãe.
Aproximouse da tenda de sua tia, que estava em companhia de um par de senhoras distribuindo
torta para quem quisesse comer, e vendendo sobremesas, que repousavam sobre um par de mesas
decoradas toalhas de mesa quadriculadas de vermelho, e que eram doações das famílias da cidade. O
dinheiro arrecadado iria para um fundo destinado aos meninos dos deslocados que regressavam aos
seus lares.
Precisariam de muitas outras coisas, além daquelas que as outras instituições e a ONG, onde
Olivia trabalhava, pudessem fornecer.
Saudou sua tia, que lhe respondeu com um gesto de carinho e lhe entregou um prato com um
pedaço de torta de cenoura. Saudou as demais senhoras com um aceno de cabeça.
A tia de Olivia respondeu à saudação e, também, a esposa de um dos médicos do hospital, que
abanava o lugar como se com isso pudesse espantar as moscas e as vespas que desejavam fazer a
festa.
Miguel voltou sua atenção para Olivia. Colocou em seu rosto uma expressão tensa, mas seus
olhos não podiam dissimular o súbito fogo que os iluminava.
Entorpeceu-se ao ver que William se aproximou e pegou Olivia pelo braço para apresenta-la a
alguns conhecidos. Mortificou-se ainda mais quando Teresa percebeu o quanto ele franzia o cenho.
Miguel esmagou o bolo com mais força, o que fez com que o garfo de plástico se lascasse.
- É o namorado dela? - questionou Miguel, porque de nada adiantaria esconder o ciúme. Não
dela.
Tradução Lauren Moon
- Não, Olivia não tem namorado passou-lhe outro garfo.
Miguel suspirou. Provou a torta que haviam lhe servido. Olhou para Olivia, já à distância.
Queria aproximar-se dela, mas não desejava que notasse sua ansiedade.
Observou quando ela caminhava, aquele caminhar pausado tão dela. De imediato, sem avisos e
sem desculpas, vieram a sua mente as lembranças dela nua. Lembrou de cada detalhe de seu corpo,
de como suas pernas fortes se aferravam ao seu…
“Já basta, Miguel, não siga por este caminho”, e voltou a vista para a praça da cidade, em uma
tentativa de distrairse. Observava as mensagens e as pessoas com olhos de especialista em
segurança. Não havia nada suspeito até o momento. Viu caminhar, de um lado ao outro, diferentes
autoridades, e viu mais o esquema de segurança dos políticos importantes, dos jornalistas e dos
fotógrafos, que transitavam pela praça com suas câmeras e microfones para imortalizar o momento.
Sem querer, o olhar de Miguel voltou a se fixar em Olivia. Preocupavase que alguma coisa de
ruim acontecesse com ela, ainda mais depois que chegaram a seus ouvidos comentários de um dos
Díaz, mesmo que já tivesse falado com o homem em questão e o tivesse colocado em seu lugar.
Lembrou-se da cara de susto de Omar Díaz, quando o derrubou na frente da porta de sua casa, e um
sorriso se desenhou em seus lábios. O sujeito estava tão bêbado que teve que bater nele e repetir a
mensagem várias vezes: nada de olhares para Olivia Ruiz, nada de ameaças, nada de comentários, ou
iria ajustar-se com ele.
Também havia voltado a falar com o coronel. Ele lhe disse que a vigiavam com discrição pelos
antecedentes de seu pai. Isso não o tranquilizou.
“Você já me perdoou, Miguel?”
O tom com que essas palavras haviam sido pronunciadas e a expressão de seus olhos o
perseguiam dia e noite.
Não conseguia explicar as razoes deste repentino anseio de protegê-la, e a certeza de que
enquanto ele pudesse, não deixaria que nada de mal acontecesse com ela. Quando nem sequer
deveria voltar a vê-la, seu diabinho pessoal voltou a falar em seu ouvido.
Deveria odiá-la com este mesmo ódio que sentia enquanto ela estava longe, a quilômetros de
distância, quando não a via perambular de lá para cá, espalhando seu sorriso como se fosse um
bálsamo para aqueles que a cercavam. O ódio era fácil quando não tinha que olhar aqueles grandes
olhos verdes. O ódio era fácil quando não tinha que observar seu corpo tentador e voluptuoso que o
marcou por todo a vida.
Escutou o discurso do ministro da Agricultura, que falou do cultivo das frutas, da segurança
alimentícia e da necessidade de fortalecer a criação de gado e a cultura de hortaliças e legumes.
Depois, falou o prefeito e o governador, sobre as promessas de uma vida melhor, e sobre o
empenho que deveria ter a comunidade para aumentar seus terrenos.
Miguel, entre tantas palavras, não fez mais que perder-se em memórias. *
Tradução Lauren Moon - Do afã não fica nada além do cansaço, meu filho - afirmou Santiago
Robles com um sorriso nos lábios -. Por que você trabalha como se o mundo fosse acabar?
Miguel levantava uns sacos de comida para animais enquanto seu pai os inventariava. Realizava
seu trabalho somente com o corpo presente, porque sua mente estava a centenas de metros de
distância, com Olivia, naquele lugar mágico, lembrando-se de cada palavra, cada sensação, cada
toque.
- Alguma potranca amarrada contestou seu irmão, o descarado!, referindo-se a alguma mulher.
Era o mais velho e se chamava Jorge Henrique Robes, veterinário e agrônomo. Era a mão
direita de seu pai no projeto que tinham em mente não apenas da fazenda, mas para toda a região.
Também era um homem atraente, alto, encorpado, com os olhos da cor de mel e com o temperamento
dos Robles.
Miguel não dizia nada, desde menino tinha sido assim, reservado em suas coisas, o que havia
lhe custado bons castigos.
Seu pai lhe deu um golpe na mão.
- Isso é certo?
- Tomás, cuidado com as vacinas. Leve-as na geladeira - falou Jorge com muita preocupação, ao
ver o homem brincando com a geladeira portátil -. Não, melhor me entregar, que eu as guardo.
Saiu o celeiro e deixou Miguel sozinho com seu pai.
- Jorge fala demais - replicou Miguel, para quem os minutos pareciam horas. Só queria que o
dia de trabalho terminasse para ir à ravina.
- Está apaixonado? - insistiu seu pai, com a expressão cautelosa e a comissura dos lábios
voltada para cima.
“Sim, sim, sim”, quis gritar: “estou apaixonado até os ossos desde que essa tal Olivia saltou da
pedra da ravina e entrou na minha vida”.
Ainda lembrava daquilo que sentiu quando a viu saltar para aquele risco: admiração, angústia,
alguma coisa como medo. Ele a contemplava como um idiota pela violência de suas emoções. Ficou
deslumbrado quando a viu emergir, com sua pele agasalhada pelo entardecer, pela juventude, pelas
essências escondidas, pela suavidade. Não sabia o que tinha feito com ele, mas se assustava com
aquilo que percebeu ao beijar seus lábios, por seu peito passavam sensações desconhecidas para ele
até aquele momento. Ela o deixou atordoado com seus olhos, com seu sorriso petulante, malicioso e
reservado também, com sua inteligência, com suas piadas bobas, com aquela ternura tão vulnerável
que fazia com que ele quisesse colocar o mundo aos seus pés.
- Estou gostando de alguém olhando o relógio pela décima vez.
Faltava uma hora para seu encontro. Fazia uma semana que ele havia lhe dado seu primeiro
beijo. Tinha sido mágico, e ele poderia ficar grudado naquela boca por Tradução Lauren Moon
dias, assim como observar aquelas pernas espetaculares. Deus, eram de enfartar!
Apesar de Olivia não ser muito alta, tinha um par de pernas longas, elegantes e fortes. Dava
para ver que ela fazia exercícios, e não tinha nada a invejar as modelos ou atrizes famosas.
- Posso saber quem é?
Miguel riu suavemente.
Nem ele mesmo sabia. Bem, na realidade isso não era de tudo certo, porque ele a havia seguido até
sua casa, dias atrás. Era a filha mais nova de Enrique Herrera. Olivia não gostava de dizer de quem
era filha, e ele não entendia o porquê. Pensou que talvez Herrera tivesse ciúme das companhias de
sua filha e a essa altura do campeonato, não desejava pressioná-la. Ele a viu sair na companhia de
Teresa. Os filhos mais velhos eram amigos de Jorge, tinham estudado juntos na escola, poderia pedir
a ajuda de seu irmão, para saber mais sobre ela. Não, era melhor não incomodar até o final das
férias.
Alguma coisa o fez esconder a verdade de seu pai, o homem em que ele mais confiava no
mundo. Um homem que ele venerava. Santiago Robles era rígido com seus filhos, exigente e pouco
complacente. Era um homem integro e o porto seguro de sua família.
- Prometo em daqui uns dias eu contarei tudo.
- Tenha cuidado, Miguel. Embora você seja um homem, não deixo de me preocupar com você.
Lembrese de tudo que lhe ensinei.
Miguel fez um gesto afirmativo.
- não se empolgue com amore efêmeros. Quando você encontrar a mulher da sua vida, seu
coração saberá.
Miguel se sentiu como um menino, não como o homem que era.
Ficou em silêncio. Tinha tido muitas mulheres em sua cama, seu temperamento e sua forma de
trata-las acabava por atraí-las como moscas. Mesmo assim, nunca havia sentido essa febre estranha
que nublava os sentidos, esse sentido de possuir apenas uma mulher, esquecendo-se de todas as
outras.
Voltou a olhar para seu pai.
- Como saberei isso?
Santiago o convidou a sentar-se em um tronco seco. Tiraram as luvas de trabalho. Contou a
forma com que tinha conhecido Ligia, as sensações, e de não poder respirar tranquilo se não fosse ao
lado dela. O constante desejo de tê-la ao lado dele, de acaricia-la, de protegê-la.
Quanto mais seu pai falava, mais Miguel se convencia de que estava com problemas, de que,
talvez, tivesse encontrado esta mulher.
Sentiu ternura pela maneira com que seu pai falava, como se voltasse a ser adolescente.
Disselhe que a mulher que ganhasse seu coração, deveria ser a Tradução Lauren Moon primeira
na sua lista de prioridades, que deveria estar acima de sua carreira, de sua família, de tudo! Que
deveria escutá-la, mesmo que o assunto não lhe interessasse.
Quando chegou à parte de sexo, Miguel o interrompeu, envergonhado.
- Papai!
- Eu digo isso para quando você tiver uma esposa, sei que você não é nenhum santo - levantou
uma sobrancelha e continuou -. Deve elogiála desde de manhã, dizer-lhe que é linda, acaricia-la,
conversar muito com ela… beije-a muito na boca, ainda que tenha mais de vinte anos de casado e a
conheça totalmente, inclusive as manias e falhas que você nem pensava que ela tivesse. Surpreenda-a
com noites cheias de amor, como se fosse a primeira vez que a tomasse…
Miguel sorria.
- Papai, você teve esta mesma conversa com Jorge?
Santiago soltou uma risada.
- Ora, seu irmão pensa que nasceu sabendo.
- Então, por que você está dividindo isso comigo? Agora?
- Demorei anos para ter essa conversa com você, mas nunca é tarde.
Vocês, os jovens, acreditam que inventaram o sexo, mas esquecem-se de que seus pais o
experimentaram primeiro, podemos dar muitos bons conselhos.
Miguel sorriu ainda mais.
Santiago continuou com a conversa.
- Mulheres gostam que falemos em seus ouvidos enquanto as acariciamos. Acredite-me, você
encontrará sua recompensa - concluiu com um sorriso manhoso.
Miguel pôs o baço em suas costas.
- Obrigado, papai… Por que está me contando essas coisas?
- Ninguém vive para sempre.
- Você está doente? - perguntou, de repente assustado. Estava tão nas nuvens por Olivia, que
com certeza havia passado por cima de outras coisas.
- Não, por nada! Apenas tive vontade de falar. Guarde minhas palavras, ou descarte-as, você
saberá o que fazer com elas.
- Nunca poderia descarta-las, papai.
- Seja um homem de bem, cumpra suas palavras, ainda que nesse mundo de hoje não valha
grande coisa. Tenha por certo que seus princípios não estão à venda. Deixe-se guiar por seus
instintos e faça sempre o que for correto.
Tradução Lauren Moon
Miguel se aproximou e lhe deu um beijo na testa, como mostra de agradecimento.
Voltou a olhar o relógio de seu braço. Seu pai percebeu e disse que não precisaria mais
trabalhar naquele dia, que fosse fazer o que quer que tivesse palnejado.
Miguel sorriu e saiu a toda pressa, disposto a encontrar-se com a mulher com quem algum dia
iria se casar.
Escutou seu pai gritar à distância:
- Não guarde ódios ou ressentimentos… Não desperdice sua vida!
Jamais!
*
Se seu pai soubesse naquele momento o que aconteceria com suas vidas, a tragédia de Jorge e a
dele mesmo por culpa do pai dessa mulher, talvez tivesse reservado essas últimas palavras.
“Sinto muito, papai, mas é muito difícil não odiar alguém que lhe fez tanto mal”, foi o que
pensou, observandoa rir e conversar com as pessoas da cidade.
Ela, Olivia. Tão bonita e inalcançável.
Aproximouse de um grupo de fiéis que rodeavam o padre Lorenzo.
Quando ele começou a falar, ele apenas concordava com suas palavras, mas seus ouvidos
estavam na conversa entre Olivia, William e Cláudia.
- Olivia não irá - anunciou Cláudia com aquele tom de brincadeira que pouco agradava.
O homem não encontrou o que mais dizer.
- Mas, o que você está dizendo? Perguntou apenas isso, e nada mais.
- Olivia é teimosa. Prefere mil vezes ir para as aldeias antes de aceitar o convite para almoçar
com a esposa do ministro.
- Não posso neste momento. Sabe bem que em qualquer outra circunstância eu aceitaria -
respondeu Olivia.
- Pense no que você poderia conseguir se tivesse mais trato com os políticos.
Olivia os olhava impassível. Não ia começar uma discussão naquele momento, nunca tinha tido
interesse em tratar com políticos.
- Deus nos livre de substituir o trabalho de retirar as ervas daninhas e alimentar as galinhas por
um almoço em um dos melhores da capital. - disse Cláudia e bebeu um gole em uma garrafa de água.
- Não me interessa.
- Amiga, estou tratando de estabelecer um ponto - insistia Cláudia -. Amo meu trabalho, mas vou não
vou largar a pele nele.
Tradução Lauren Moon
- Eu a conheço – olhou-a com carinho -. Acontece que, às vezes, você precisa de um diabinho
em sua vida para fazer com que você veja a realidade.
Um ruído leve e agudo saiu de sua garganta, um sorriso.
- Você faz este trabalho com perfeição.
Miguel ouvia as ponderações de sua amiga e, sem querer, sorria. Cláudia lhe caía bem. Muito
bem.
Afastouse um pouco, deu a volta no círculo de pessoas com as quais estava e ficou de frente ao
grupo.
Centralizou seu olhar em Olivia.
A trança que prendia seu cabelo quase não podia conter seu abundante cabelo, e um par de
mechas havia se soltado. Estava com um corte mais curto que na época em que a conheceu, quando a
trança chegava no meio das costas. Suava em bicas, assim como as pessoas da capital, e passava um
lencinho na testa e na parte debaixo do nariz.
Então, em um momento, levou o lencinho ao pescoço. Miguel ficou com o corpo duro. “E essas
reações? Miguel!”. Mas por mais que quisesse, não podia fazer nada.
A maneira com que Olivia erguia a cabeça e a forma que soava o timbre de sua voz indicava
sinais de teimosia em sua personalidade, e seus amigos a conheciam.
Miguel tinha certeza de que ela poderia ser uma doçura de mulher, mas implícito estava sua veia
de obstinação. Era uma combinação interessante. Muito, muito interessante.
A letra de uma canção ofuscou o ruído das vozes.
A única coisa que ele desejava, nesse momento, era arrebata-la deste lugar e leva-la a um
ambiente distante de tudo e, mais que de tudo, do tipo que parecia conhece-la bem. Notou como
Olivia estirava uma de suas pernas, como se tivesse uma câimbra, e como o sujeitinho colocava as
mãos em sua cintura, sussurrando coisas em seu ouvido, embora ela sorrisse para ele, tranquilizando-
o por alguma coisa, e depois a levava, sem soltála, à tenda de sua tia.
Com a alma marcada pela contradição, dor no coração e raiva na cabeça, foi até Ana.
- Olá, amor - ela o saudou, grudando-se ao corpo do homem, dandolhe um beijo um tanto vulgar
para o local.
- Vamos embora daqui - soltou de forma brusca. Esta tarde, ele a faria sua, sua como desejasse,
e iria se deter até que Olivia parasse de aparecer em seus pensamentos.
A mulher se abraçou a ele e caminhou o mais rápido que seus saltos permitiram.
“É sempre assim”, disse a si mesmo, enquanto via a mulher de saia curta e pernas débeis entrar
em sua camionete, “eu estalo os dedos e elas aparecem, com poucas roupas, prontas para que eu
entre nelas. Quem precisa de Olivia? Ninguém.
Absolutamente ninguém”.
Tradução Lauren Moon Horas depois, Miguel estava sentado na beirada de uma cama de motel de
caminhão, a meia hora da cidade. Havia cumprido metade de sua missão. Sentia o corpo aliviado,
mas não o coração.
Escutava o barulhinho do ar condicionado e a respiração compassada de Ana.
Percebeu o corpo colado a ele e se lembrou da experiência que havia compartilhado com essa
mulher, agora mesmo. Enquanto a tocava, não pôde fazer outra coisa que imaginar estar acariciando o
corpo de Olivia.
- Olivia, Olivia – repetiu em sussurros roucos e apaixonados, enquanto a beijava, enquanto
explorava seus cantos mais secretos, enquanto a penetrava.
Não entendeu como Ana não o afastou com um empurrão. Simplesmente deixou que ele a
amasse, ainda que sua mente estivesse em outra mulher.
Era o aroma de Olivia que nublava seus sentidos, era sua boca tentadora que ele beijava, era
seu interior que o aprisionava. Era ele, e apenas ela, que ele atravessava com suas estocadas. Levou
as mãos ao rosto. “Isso é o cúmulo! Eu não posso nem ficar com alguém em paz!”.
Ele levantou-se da cama tão inquieto, que acordou Ana.
- Nós já vamos? - entreabriu os olhos e estendeu os braços.
- Sim, o que você esperava? Que ficássemos de conchinha? - assim que falou, ele se
arrependeu. Baixou a cabeça e suavizou o tom de sua voz -. Sinto muito…
Apenas vista-se, por favor. Tenho coisas a fazer.
Vestiu sua calça, decidindo tomar banho quando chegasse em casa.
Ana se sentou na cama, cobrindo seu seio com o lençol que cheiravam a ele e ela, à união que
tão rápida os separava.
Tinha os olhos marejados.
- Você não pode me tratar assim, nós nem ao menos conversamos!
Miguel se manteve em silêncio, talvez porque falar acabasse por ofendê la ainda mais. “Não viemos
aqui para conversar”, o pensamento cruzou por sua mente, enquanto enfiava a cabeça pelo buraco da
camiseta. “Ou era isso que você planejava fazer enquanto me tocava na camionete, a caminho
daqui?”. Quis dizer-lhe isso e muito mais, mas não seria justo. Ana não tinha por que pagar por sua
frustração.
- Não sei por que suporto você Ana insistiu, tratando de espichar a discussão.
Ana tirou o lençol de cima dela, levantou-se imediatamente, pegou sua bolsa, tirou um pacote de
cigarro e pegou um.
Miguel viu a fumaça se espalhar em espiral. A mulher se sentou em uma cadeira em frente a ele,
sem deixar de encará-lo.
Ele encontrou as palavras adequadas para dizer a ela.
- Ambos sabemos muito bem por que você me suporta.
Outro silêncio se apoderou do quarto. Apoderou-se e se estendeu até que ficou menos
incômodo.
Tradução Lauren Moon
Ana deu uma última tragada no cigarro. Apagou a brasa com pancadas rápidas.
- Não sou Olivia, e seria bom você se lembrar da próxima vez.
Com passos firmes, foi até o banheiro. Bateu a porta com muita força, trancando-se lá dentro.
Miguel, acreditando estar sozinho, deu um murro na mesa de cabeceira.
- Merda!
*
A caminho da cidade, Miguel quis se desculpar. Não queria machucá-la, nem sequer sabia a
razão de usá-la tanto. Sabia que ela, talvez, sentisse alguma coisa por ele. Mas, havia sentido por
quantos mais? Ele, definitivamente, não deveria ser alguém especial em sua vida. Além disso,
Miguel tinha sido bem claro desde o princípio. Não queria amarras. E, mesmo assim, ele nem sequer
era o único com quem ela frequentava aquele motel. Se um dia ele se unisse a alguém, não seria com
ela.
- Todos são iguais. Por que sempre sou usada?
Miguel suspirou. Não quis responder. Isso não cabia a ele responder, mas a ela.
Seguiram o trajeto em silêncio. Antes de descer da camionete, ela fez um anúncio triunfal.
- Miguel, quero muito você.
O homem se endireitou no encosto de seu assento e alargou um sorriso, desses que poderia ser
qualificado como zombaria. Virouse para ela.
- Não, Ana, você não me quer. Você acredita que me quer, e isso é muito diferente.
Ana lhe deu uma bofetada.
- Você é um cretino. Alguém já lhe disse isso?
Miguel sorriu de novo.
- Sou um cretino, mas sou bom no que faço. Não?
Ele observou a decepção da moça, e fez todo o possível para não se descompor, para não se
sentir mal, por não mostrar que, realmente, apenas desejava se desculpar.
Ninguém merecia aquele tratamento. Mas era o único que ele podia dar.
- Vou me assegurar de não alimentar ilusões com você.
Miguel assentiu. Era melhor assim. Deixou-a na frente da casa dela, rumando para a fazenda.
Ao passar pela praça, percebeu que a festa ainda estava no seu apogeu. Apertou ainda mais o pedal
do acelerador.
Tradução Lauren Moon
Apenas uma palavra chegava a sua mente.
Ilusões… Ilusões…
*
Miguel a desejava como jamais havia desejado mulher alguma. Ele a imaginava nua,
imaginava Olivia debaixo dele, retorcendo-se de prazer.
E os encontros não o ajudavam a sentir menos desejo.
Ele pensava que poderia se controlar se mudassem os encontros para um ambiente mais público,
mas naquele lugar ermo, essas reuniões furtivas eram uma tentação muito forte para um homem com a
experiência dele.
Olivia continuava fechada em relação a sua família, e ele não tinha tempo de ficar investigando.
Em duas semanas voltaria a se apresentar em seu trabalho e nem ao menos tinha seu número de
telefone. Não pode mais aguentar. Pensar em sua realidade o obrigou a tomar uma decisão.
Ele a acariciou e a encurralou contra a primeira árvore que encontrou. Ele a observava em
silêncio, acariciando seus cabelos longos que chegava quase à cintura, e que brilhavam com matizes
que iam desde o caramelo ao café, que se bebiam todas as manhãs.
Aproximou seu rosto do dela. Inalou seu hálito e fechou seus olhos. Olivia imitou seu ato e o deixou
fazer.
Deus, como queria devorá-la! Nunca antes havia sentido esta inquietação, esse desejo de
pertencer a alguém tão profundamente e, por sua vez, conquistar uma mulher com as armas que
fossem necessárias para que ela nunca mais saísse de sua vida. A grandeza do que sentia o assustou
um pouco, obrigando-o a se acalmar. Não conseguiu.
- Aposto que você nem imagina que me deixa louco. .
Ela o presenteou com um daqueles olhares ardentes e sagaz. Sentiu como a respiração dela ficou
mais forte.
Não queria assustá-la, mas seu desejo por ela estava incontrolável, como se entrasse em um
bosque encantado e a fada do lugar espalhasse sua magia nele e ao seu redor.
Sentia que seu corpo ordenava, não seu juízo.
Antes de esperar uma resposta por parte dela, que tremia como treme uma folha antes de voar
com o vento, capturou sua boca e introduziu sua língua.
Beijoua durante um longo período. Não parecia ter suficiente dela.
Naquele dia, ele não estava para contemplações apenas. Sem pensar duas vezes, levou as mãos
aos seios de Olivia, acariciando-a. ela não disse nada, só respirou forte.
Miguel sentiu como seus mamilos intumesceram ao toque de seus dedos. Ele abriu sua blusa
e tirou o sutiã. Observou seus seios maravilhado, como se fossem os primeiros que tinha visto em
sua vida, e lembrou das noites que passou sonhando com seu Tradução Lauren Moon corpo. Oh
Deus! Oh Deus! Que caralhos iria fazer com aquilo que sentia? Com ela seminua diante dele, as
experiências anteriores desapareciam, porque se sentia como um adolescente em seu primeiro
encontro. Um único sorriso dela o deixava de joelhos.
- Você não sabe como eu imaginei isso. . Não sabe o que faz comigo.
Levou seus lábios a um dos seios, acariciando o outro com a mão. Sugava sem querer soltar, ao
ritmo da respiração agitada de Olivia, deleitando-se com um e outro gemido.
- Não sei o que está acontecendo comigo. . Miguel. . - ela sussurrou com a voz quebrada.
- Você está ardendo, assim como eu ardo por você. . - ele respondeu com uma voz feroz e
afiada. Apenas havia desgrudado sua boca de um dos seios de Olivia, encorajado pela inocência
dela e ciente de que teria que parar, porque um minuto a mais e não conseguiria mais.
Queria tocá-la, cheirá-la, chupar cada pedacinho daquele corpo. Tinha certeza de ninguém
jamais havia tocado em Olivia, que ninguém havia chupado nem ao menos um dedo daquele corpo.
Tinha certeza de que essa moça seria sua mulher.
Ajoelhouse na frente dela, acariciando-a e beijando sua cintura até chegar ao seu umbigo, que
beijou com empenho de sua língua.
Recorreu ao seu autocontrole, levantando-se e separando-se dela lentamente. Observou-a com
detalhe, vendo seus lindos olhos que o contemplavam com ansiedade e medo.
Olivia estava enrubescida e tensa. Tinha os lábios inchados e a respiração entrecortada.
Era natural, porque ela era apenas uma jovenzinha. Ele se sentiu um verdadeiro cretino por
deseja-la da maneira que a desejava.
Em outras palavras, estava adorável, e ele era apenas um homem. Um homem.
Beijoua com fervor, com ternura. Surpreendeu-se pela rapidez com que se apaixonou, e tinha
certeza de que isso não acontecia com todo mundo. As novas sensações o confundiam, zombavam
dele. Seu cérebro tentava, em vão, encontrar uma razão lógica para o que sentia. Uma ardente
angústia o assolou ao perceber que muito em breve iria deixar de vê-la, que o tempo deles se
esgotava, e que, à medida que o tempo passava, era ainda mais difícil resistir a ela. Outro dia na
solidão daquele lugar e ele sabia, com certeza, que iria para o inferno e iria se encarregar das
consequências. Outro dia escutando suas risadas e seus gemidos, recebendo suas carícias, e ele a
tomaria sem piedade, apesar de ser tão jovem, com dezoito anos, não mais que isso.
Acalmou a respiração agitada. Vestiu seu sutiã no lugar e abotoou sua blusa.
- Em alguns dias volto ao Exército.
Ficou, também, de costas para a árvore. Pegou sua mão, e com os dedos da outra, começou a
retirar pedaços do córtex do tronco.
Tradução Lauren Moon
Olivia virou o rosto para ele, e quando falou, ainda estava com a voz quebrada.
- Eu sei.
- Olivia, isto é muito sério para mim. . Que continuar a vê-la quando você for estudar em
Bogotá.
Os olhos de Olivia se encheram de lágrimas.
- Eu também quero ver você – virouse, jogando-se em seus braços -. Significa que somos
namorados?
Miguel sorriu. A doçura inocente de Olivia o embargava de ternura, inclusive quando sentia
tanta paixão por ela.
- Sim, quero estar com você - ele a olhou à espera de compreensão por seu egoísmo e desejo de
possuí-la -. Estaremos separados por algum tempo, será difícil vir vê la. Você sabe, culpa desta
guerra tão absurda que vivemos em nosso país. Ou seja, se quiser estar comigo, deve pensar muito
bem.
- Não há o que pensar.
Olivia se afastou, dandolhe as costas, enquanto olhava para a lagoa, como se de imediato
tivesse importância para ela. Miguel a abraçou por trás.
- Tenho que conhecer sua família.
Sentiu como o corpo de Olivia ficava tenso, não quis assustá-la ainda mais, por isso, afastou-se
um pouco dela.
Olivia se virou e o olhou fixamente nos olhos. Ela nunca o olhou daquela maneira, tão decidida
e tão mulher.
- Não são meus pais, são meus tios. Mas antes que você vá embora, quero que você os conheça.
*
Teresa estava surpresa. Não caberia um pedaço a mais de torta no estômago de Pedro
Almarales. Mas ela conseguiu perceber que ele não podia evitar de se aproximar da pequena tenda,
atendida pelas mulheres, e a única maneira efetiva de fazê-lo seria comprar quantas sobremesas
existissem na barraca.
De vez em quando, ela espantava as abelhas e as moscas do local, embora na realidade, fosse a
encarregada de atender o público, juntamente com Elizabeth, enquanto Lucila recebia o dinheiro.
Teresa ficava um feixe de nervos cada vez que ele se aproximava. Pedro, ao contrário, era
implacável, assim ficou atendendo alguém e Elizabeth estava desocupada, por isso, ela esperava que
fosse ela que o atendesse.
- Ora, parece que você tem um admirador - apontou Matilde, a esposa do diretor do hospital.
- Nem em sonho…
- Tenha piedade do pobre homem. Ele está a ponto de sofrer uma indigestão. Tradução Lauren Moon
Elas riram baixinho, um riso suave e parecido com o riso das adolescentes.
- Não o obriguei!
- Tem razão. Deixe que ele acabe com todos eles - soltou Elizabeth -. Já que ele insiste em ter
uma indigestão.
Teresa não podia evitar de olhar aqueles olhos cinzentos que aceleravam suas pulsações e a
faziam gaguejar. Ela se sentia fatal, porque essas sensações não eram corretas.
- Só desejo ser seu amigo interrompeu Pedro. Nas mãos dele havia um pedaço de flan de
caramelo, que tremia como ela.
- Não precisa comer mais para se converter em um amigo - ela respondeu e o olhou com um
sorriso em seu doce rosto.
- Valeu a pena só para vê-la sorrir replicou tímido e emocionado.
Teresa se surpreendeu por sua resposta. Ele sempre se mostrava tão dono de si, tão valente, que
não o imaginava atordoado por coisa alguma. Saber que tinha o poder de atordoalo, deixou-a
satisfeita.
- Só por isso - insistiu - vou comprar a torta de chocolate.
- Matilde, esta noite seu marido vai ter trabalho no hospital - provocou Elizabeth.
- Não. Isso não é para mim esclareceu o homem -. É para aquelas crianças que estão sentadas
ali.
Teresa entregou-lhe a torta em uma pequena embalagem de plástico.
Pedro não ia deixar as coisas assim.
- Pode me passar os guardanapos, por favor?
Ao passar os guardanapos, reteve sua mão, fazendo-lhe uma pequena carícia no meio com o
polegar. Segurou seus finos dedos, aferrando-os com um gesto suave para evitar que ela retirasse.
O rosto de Teresa ficou colorido como uma paleta de cores primárias, secundárias e terciárias.
Pensou que até suas orelhas estivessem luzindo um tom avermelhado.
Pedro sorriu, deu meia volta e foi embora.
Teresa olhou para ele por uns segundos. Era tão bonito, com seu cabelo com matizes de cinza,
seu rosto bronzeado pelo sol, seu porte atraente, resultado de uma vida ativa!
E, assim como começou a fantasiar, ficou séria e jogou o lencinho, que usava para secar o rosto,
contra a mesa.
“Deixe de disparate!”
Tradução Lauren Moon
Capítulo VI
- Tenho medo, Olivia - informou a mulher.
Estavam em um jipe rumo à pequena propriedade que haviam devolvido à família. Esta era a
primeira que Olivia entregava desde sua chegada à cidade. Estava emocionada e ansiosa, e não se
importava com os sacolejos que o jipe dava. A estrada estava cheia de buracos e desníveis, em
estado não muito bom. As árvores que rodeavam o caminho faziam sombra, refrescando a calorosa
manhã.
- Não sei com quem vou encontrar.
Neste momento, Oscar, o motorista designado a Olivia, desviou de um pequeno animal que
cruzou o caminho.
Atrás deles vinha o caminhão com alguns utensílios para que a família iniciasse sua nova vida.
- É normal se sentir assim respondeu Olivia -, a terra está abandonada.
Ele, meu pai, só queria o terreno pelo poder, porque nunca fez nada com as terras. Está coberto
de mato, mas estamos trabalhando nisso.
- Enquanto que para todos nós, esta amada terra era nosso sustento, para ele não significou mais
que um terreno baldio. Que tristeza!
Rosa Santa Mejía regressava ao seu lar, depois de sete anos de exílio pela desapropriação
forçada. Tinha perdido seu marido e também sua filha mais velha.
Voltava com seus dois filhos menores e com Natalia, sua filha de dezoito anos, que estava
grávida e vinha acompanhada de seu noivo, que tinha mais pinta de rapper que de trabalhador.
- O exército já garantiu a segurança. Os especialistas em minas explosivas já vasculharam o
terreno, palmo a palmo, sem encontrar minas no local.
- O medo não me abandona - olhou para ela com seus enormes olhos castanhos repletos de dor
-. Tenho medo do futuro, e quero fazer as coisas direito. Sei que é uma grande oportunidade, mas e
não der certo? E se eu não for capaz de dar uma vida digna aos meus filhos e ao meu neto?
Olivia colocou sua mão sobre o joelho dela. Deu-lhe três suaves palmadinhas.
- Você é uma mulher muito valente. Vai conseguir.
A mulher sorriu.
- Você é honesta, mas não entende. E se eu não conseguir que meus filhos tenham paz? Quero
que eles cresçam sem ódio, nem ressentimentos.
- Fique tranquila, Rosa - pegou em uma de suas mãos em uma tentativa de dar-lhe ânimo -. O
fato de estar fazendo essas perguntas já é um bom começo.
- Suportamos maus tempos. Agora quero minha casa de volta.
Tradução Lauren Moon Olivia evitou perguntar como tiveram que sobreviver, ela sabia. Esta família
era o retrato de milhares de famílias colombianas no momento. De donos de suas próprias terras,
passaram a ampliar as favelas de uma cidade que tinha pouca compaixão por eles.
À vulnerabilidade da desapropriação somava-se a vulnerabilidade do tipo social, com altos
níveis de economia informal, pobreza e outras facetas daquele conflito.
Aproximaram-se da pequena propriedade. O caminho era rodeado de árvores que davam
sombra aos trabalhadores que voltavam da labuta do campo. A casa estava em uma colina pequena e
mostrava sinais de abandono em meio à grama e às ervas daninhas. O caminhão parou mais à frente.
Desceram as panelas, as louças, o pequeno fogão a gás, alguns colchonetes e outras tantas caixas.
Rosa ficou pálida ao observar o lugar, e não precisamente pelo estado em que se encontrava.
Olivia a observava, porque o medo da mulher era palpável, e ela sabia o que passava pela
mente dela. Sentiuse impotente ao imaginar as experiências que Rosa estava lembrando: a
desapropriação violenta a que tinham sido submetidos, à morte de seus entes queridos.
Ante o olhar de tristeza e as lágrimas nos olhos de Rosa, a impossibilidade de consolá-la
embargava Olivia. Ao aproximar-se da casa, e sem poder evitar, a mulher se jogou no chão, presa a
um pranto comovente.
Apesar de ter estudado muito, apesar de ter estudado os casos de trás para frente, apesar de
receber informações que a capacitava a resolver muitas situações, não estava preparada para isso. O
coração de Olivia batia com fúria, sentindo o vaivém até a cabeça. Um enjoo passeava em seu
estômago, ocasionando-lhe uma pequena náusea.
Deu uns passos para afastar-se da mulher e a deixou desafogar à vontade.
Naquele momento, ela não podia fazer nada, salvo deixala reencontrar-se com seu passado.
Rosa Maria Mejía se lembrou da fatídica noite em que perdeu seu marido e sua filha nas mãos
dos capangas de Ruiz.
- Não, não, não!
Assim eram seus gritos e seus ecos. A mulher batia no piso com os punhos, com sua dor em
carne viva, como o medo e a adrenalina percorrendo-a de cima a baixo, com sua vista alagada pelo
filme de suas lembranças. Seus filhos e o genro com pinta de rapper a olhavam sem saber o que fazer.
*
Naquela noite, alguns amigos tinham vindo da cidade para celebrar o aniversário de
Marisol. Rosa tinha lhe presenteado com uma gargantilha fina, com uma pedra azul. Levou meses
poupando para aquele presente, afinal, quinze anos se se completava uma vez. Haviam bebido um
bom número de cervejas e naquele momento as mulheres começavam a servir o arroz com frango
que já estava pronto, e assim poderiam continuar aquela farra até o amanhecer. Outras pessoas
sobreviventes da tragédia haviam contado a história. Ela não. Era a primeira vez em sete anos
que voltava a lembrar com requinte de detalhes a pior noite de sua existência.
Tradução Lauren Moon
De improviso, chegaram à festa duas camionetes Toyota com quase uma dúzia de homens
dentro dela, vestidos com roupas de camuflagem e armados até os dentes.
O primeiro a descer foi um homem com uns quarenta anos, um pouco acima do peso, com
cabelos de índio e oleoso, com um olhar frio e sem a menor piedade.
O homem era, com certeza, um dos tenentes de Ruiz.
Alguém desligou a música.
Fez-se um silêncio sepulcral no local, e só se ouvia o barulho das cigarras e a respiração
agitada de algumas pessoas.
O quarentão se aproximou do marido de Rosa.
- Que putaria estão celebrando?
- O aniversário de minha filha, senhor. Quinze anos.
- Ah - ele caminhou até ela, porque a viu entre as outras. Usava um vestido azul celeste e uma
tiara, combinando com o vestido.
Marisol começou a tremer; conhecia este homem muito bem, porque ele havia lhe feito algumas
propostas indecentes quando tinha ido a cidade, em algumas ocasiões. Ele lhe dava asco. Cada vez
que ele se aproximava, ele exalava cerveja e maldade, que saía dele em ondas expansivas.
O homem, apelidado de “El Indio”, se aproximou para felicita-la e roubarlhe um beijo, o qual
ela repudiou.
- Você repudia meus beijos porque não sou guerrilheiro - afirmou com um sorriso malcheiroso.
Seus companheiros encurralaram as pessoas -. Por que não ensinamos a esses filhos da puta o que
acontece quando se metem com quem não devem?
Agarrou a jovem pelo cabelo, obrigando-a a ficar de joelhos. Assim ele a arrastou até a
camionete. Marisol dava gritos envolvidos em pranto, e nem ao menos conseguia ver seus pais,
porque sua vista estava alagada. O marido de rosa tratou de alcança-la, mas um dos homens o
ameaçou em silêncio, somente colocando um revólver em sua cabeça.
“El Indio” apontava com um dedo às pessoas que deveriam dar um passo à frente; os outros as
obrigaram a deitarem-se de barriga para baixo, sobre a grama ou a terra.
O homem perverso se aproximou, desembainhou sua arma e disparou na cabeça de cada um dos
quatro homens deitados no chão. Um deles era o marido de Rosa. As demais pessoas observavam
horrorizadas, e foram proibidas de falar ou derramar uma única lágrima. Um menino não conseguiu
seguir as ordens. Não parou de chorar ao ver o corpo de seu pai encharcado de sangue.
- Alguém faça este filho da puta se calar ou eu vou fazê-lo dançar ao som de balas.
A mãe do garotinho tapou sua boca, enquanto aferrava seu corpinho junto dela. O menino gemia
e chorava, asfixiado por sua mão.
“El Indio” não prestou mais atenção naquele fato. Virouse para Marisol e gritou -: vê o que vai
acontecer, mamãe? Agora vou me encarregar de você.
Marisol olhava para ele aterrorizada, incapaz de dizer uma única palavra.
Tradução Lauren Moon
Ele a levou à caçamba da camionete e a jogou como se fosse um saco de adubo. Rasgou a
parte superior de seu vestido e os seios envolvidos em um sutiã chamaram sua atenção.
O perverso não perdeu tempo: arrancou o sutiã e atacou os seios com a boca, enquanto com as
mãos arrancava o vestido. Ela se debatia e o atacava com os pés e as mãos, enquanto os gritos e os
pedidos de Rosa se misturavam com as risadas de seus homens e os clamores de Marisol. “El Indio”
a esbofeteou para acalmá-la, já que ela começava a arranhar seu rosto. Rasgou sua calcinha. Ela
continuava lutando, e ele ria de suas tentativas.
- Assim que eu gosto, mamãezinha, quando mais brava, melhor.
Rosa correu até eles sem se importar com os homens que a ameaçavam com piadas. Ajoelhouse
diante daquele homem e suplicou que, por favor, ele não fizesse mal a sua filha.
- Tome a mim, por favor, pelo que lhe for mais querido. .
“El Indio” deu um chute em seu rosto.
- Não, velha, queremos carne fresca.
Um dos homens levantou Rosa, que nem mesmo caída no chão, com a boca cheia de sangue,
deixou de implorar por sua filha. Enquanto isso, “El Indio” abriu as pernas de Marisol, de forma
brusca e da maneira mais difícil, ele a imobilizou.
- Fique quieta, sua putinha, ou mato sua mãe e seus irmãos.
De imediato, ela ficou quieta.
O homem baixou as calças e aproximou o pênis na parte macia da jovem. Ele a penetrou sem
cuidado, com violência.
Um grito assustador saiu da garganta de Marisol, que sentiu perder o mundo de vista e o coração
parar antes da chegada da dor.
E o sangue.
- Quem poderia imaginar? Virgenzinha, é? - dizia o homem ao seu ouvido, em meio a
penetrações selvagens.
Rosa gritou e gritou até que um homem se aproximou e a esbofeteou. Os meninos e o restante
das pessoas apenas engoliam as lágrimas ante o olhar aterrador dos bandidos, que observavam a
façanha de seu chefe com olhares cheios de luxúria e sorrisos ardilosos.
Quando o homem acabou, se afastou da jovem que chorava lágrimas vivas.
- Mamãe, mamãe - chamou por Rosa entre gemidos.
Rosa quis se aproximar dela, pensando que tudo havia terminado. Quão equivocada estava!
- Vamos, rapazes - disse o homem aos demais uniformizados.
- Vocês têm até amanhã para abandonar a região. Se não o fizerem, a façanha desta noite será
pinto comparado ao que acontecerá com vocês.
- Marisol, venha com a mamãe sussurrou Rosa, que só conseguia falar. Isso não deveria acontecer
com sua filha, ou nenhuma mulher..
Tradução Lauren Moon
“El Indio” voltou até onde estava a mulher que ele considerou velha e a chutou no rosto
outra vez. Agarrou Marisol pelo cabelo e a fez ficar de joelhos novamente.
- Não, não. Esta puta vem comigo, porque ainda não acabei com ela.
Deu um beijo em sua bochecha e Marisol sentiu que sua alma escapava de seu corpo.
- Não. . Mamãe, ajude-me! Não me deixe! - estendia os braços.
Rosa se aproximou. Ficou de joelhos e seu pranto se mesclava com a terra.
- Por favor! Leve-me com você, não lhe faça mais mal, por favor!
- Não fode, velha! É uma doação para a causa e para ensinar aos filhos da puta desses
guerrilheiros que são uns capados, que são incapazes de proteger uma mulher.
- Meu marido nunca foi um guerrilheiro!
- Todos dizem isso. Vamos!
- Mamãe! Mamãe!
Marisol esperava um milagre, esperava a salvação.
O homem a obrigou, aos chutes, a entrar na camionete. Os outros homens seguiram seus passos.
Rosa viu como todos, entre risadas maquiavélicas, tocavam os seios maltratados de sua filha
indefesa.
“El Indio” ligou a camionete e a movimentou.
Rosa correu atrás da camionete até que ela se perdeu no caminho. Nunca deixou de gritar o
nome de sua filha.
Até hoje, ela jamais deixou de fazêlo.
Nunca mais voltou a vê-la.
*
Rosa voltou à realidade. Levantou o olhar para Olivia.
- Como esse homem pode fazer isso conosco? O que nós fizemos a ele?
disse a mulher de mal modo, afastando-se dela, como se temesse faltar com respeito de alguma
maneira.
A raiva e o desespero criaram feridas na alma de Rosa e sabia que Olivia percebia isso.
Ressentimento, sofrimento, raiva, ressentimento: era um círculo de eterno nunca acabar. Precisava
rompê-lo, por ela mesma e pela família que ainda ficava.
Lembrou-se das conversas com a psicóloga em Bogotá antes de voltar. Observou Olivia falar
com seus pequenos. Ela era uma moça muito jovem quando aquilo aconteceu; e mais, nem estava na
região naquela época. Não tinha culpa de nada, e mesmo assim…
Natalia observava a cena com angústia. O noivo, Héctor como se chamava, encarregou-se da
situação e entrou na casa com parte dos utensílios. As crianças, alheias ao que acontecia, corriam
pelo terreno, enquanto descobriam novos cantos para suas brincadeiras, perseguindo as iguanas e
lagartixas que dominavam o lugar. Olivia explicava os cuidados que eles deveriam ter ao brincar nos
morros, que Tradução Lauren Moon deveriam olhar bem por onde pisavam, não poderiam levantar
objetos de nenhum tipo e avisasse às autoridades se vissem algum artefato suspeito. Mesmo tendo
conversado a respeito, ela repetiu mais uma vez todos os cuidados que deveriam ter e seguir. O lugar
já tinha sido revistado, mas toda preocupação era pouca.
Minutos depois, Olivia se aproximou de Rosa em silêncio.
Olivia a observava sem saber o que dizer. Inclinouse por uma simples desculpa, que sabia que
não significaria nada, para a tragédia que havia acontecido naquele lugar.
Deus meu, me dê coragem para que eu não saia correndo! Conceda-me tolerância para as
palavras pejorativas que essa mulher desejava soltar! Tragalhe paz para que seja bem-vinda!
- Você não parece filha de seu pai! Os olhos de Olivia se encheram de lágrimas. Não, claro que não.
Olivia sabia que custaria muito trabalho e esforço para convencer Rosa de que ela não tinha
tido culpa. Faltava reconstruir sua história, viver este doloroso processo que seria a única coisa a
sarar as feridas, desaparecendo com seu sentimento de culpa.
Saber o porquê das coisas, permitiria que Rosa encontrasse certo sentido ao ocorrido. Teria,
por fim, a percepção de que a culpa nunca recai nas ações ou omissões das vítimas, mas deve recair
nos algozes. Quisera ela poder fazer o mesmo, deixando de se sentir como um inseto a cada vez que
alguém a olhava. Era tão difícil.
Alguma coisa no olhar e nas feições de Olivia a acalmou por magia.
- Bem - disse Rosa e se levantou, secando as lágrimas com a barra da blusa e assoou seu nariz -.
Temos muito trabalho para fazer e pouco tempo para lamentações.
Olivia e Oscar ajudaram na limpeza da casa. O motorista do caminhão se despediu assim que
descarregou as coisas para que essas pessoas iniciassem uma nova vida. Varreram toda a poeira,
lavaram o chão e colocaram uma panela com sopa. Com certeza, entre os deveres de Olivia não
estava ajudar a fazer faxina nas casas, mas era uma coisa que fazia com vontade, criando laços de
confiança.
Olivia saiu para passear pelos arredores. A tarde já avançava e a paisagem era bonita. Aquelas
árvores eram testemunhas mudas dos momentos vividos por essa família: os abraços e os beijos do
casal, a chegada e as brincadeiras das crianças, a tragédia e os atos violentos. Hoje, voltavam a ser
testemunhas de um momento feliz: a volta ao lar.
A mulher trouxe um caneco de café, agradecendo a Olivia por sua ajuda e sua perseverança.
- Pobre Héctor, acredito que nunca tenha visto tanto verde em sua vida Olivia apontou para o rapaz
que tratava de tirar as ervas daninhas ao redor da casa.
- Aprenderá - sentenciou Rosa -, por minha filha e pelo bebê, ele provará seu valor.
- Formam um belo casal - disse Olivia tempo depois, enquanto os observava abraçados ao pé
de uma árvore -. Amanhã de manhã cedo chegam a vaca e o bezerro, e virão dois rapazes para
preparar o que vocês desejarem semear.
Tradução Lauren Moon
Rosa não queria falar disso, mas de um assunto de maior importância.
- Quero fazer parte desta comissão da verdade da qual você mencionou outro dia no auditório
do colégio.
Olivia por pouco não deixou cair a xícara. Queimou um pouco os lábios.
“Não pode ser…”, pensou, mas agiu normalmente tão logo a surpresa lhe permitiu.
- Você deve se preparar, ir à psicóloga.
- Farei o que for necessário. Quero um futuro melhor para os meus filhos e meu neto. Quero a
verdade - soltou um suspiro -. Quero que esses homens olhem nos meus olhos e digam por que
mataram meu marido, quando o coitado nunca empunhou uma arma. Quero saber também onde estão
os restos mortais de minha filha - fez uma pausa e olhou com um olhar derrotado -. E quero algo
mais, Olivia.
Olivia não se atreveu a perguntar o que era, mas sabia que moveria céu e terra para agradá-la.
- Dignidade para meu marido assassinado. Quero que as pessoas de bem deixem de me olhar
como um estorvo ou como se tivesse feito algum mal.
Secou umas lágrimas que adornaram seu rosto. Seu olhar foi para sua terra e para a humilde
casa.
- Sabe? Aqui fui mulher pela primeira vez. Meu marido foi o único homem de minha vida. Aqui
nasceram meus filhos e construímos nossos sonhos, ilusões, tanto para nós mesmos como para eles.
- À base de coragem e com a solidariedade dos outros, tenho fé que você seguirá adiante.
- Você é muito corajosa. Tomara que você encontre um homem que lhe dê muito amor e filhos.
Olivia bebeu um gole de café. Não ia tocar neste assunto. Nem hoje e nem em nenhum outro dia.
- Venha, Natalia, o ensopado está chamando, e estou com fome - disse com firmeza e resolvida.
Olivia se levantou e sentiu uma fisgada na parte do membro que encostava em sua prótese. Mais
uma vez aquele ruído maldito.
Rosa pareceu não perceber nada.
Voltou para casa ao anoitecer. Estava cansada, e isso que só tinha ido à propriedade dos Mejía.
Como terão passado seus companheiros? Lavou o rosto e as mãos, depois puxou o celular do bolso.
Estava descarregado. Colocouo para carregar, atravessou o pátio e foi para a casa de sua tia.
Teresa a saudou, olhando-a de cima a baixo, percebendo-a tensa, pálida e triste.
Chamou Tránsito, que se apresentou em seguida. Pediu que servisse o jantar. A mulher inclinou
a cabeça e voltou para a cozinha.
Tradução Lauren Moon
- Como foi? - tentou Teresa outra vez, com a expressão preocupada.
Tirou os óculos e os deixou em uma mesinha de canto, junto com o livro que ocupava seu tempo
livre.
- Não posso me queixar - ficou pensativa -, ainda é muito duro, tia. Seus olhos marejaram e seus
lábios tremeram.
- Você fez o correto, foi para isso que você se preparou. Você quis tirar esta carga de seus
ombros, agora você tem que seguir adiante - pegou a mão de Olivia e deu uma palmadinha com
carinho -, custe o que custar.
Olivia sorriu com dificuldade. Tinha sido uma jornada intensa, mas havia cumprido seu dever. A
ansiedade assentada em seu estômago durante todo o dia começava a aflorar. Terminaria por se
acostumar, porque para isso havia se preparado.
- O que aconteceu com Miguel? Ele me perguntou se William era seu namorado.
Olivia abriu os olhos surpresa, não acreditando que importasse um cominho a este homem. As
duas vezes que ela o viu com Ana, teve vontade de agarrar aquela mulher pelos cabelos. Quem ela
achava que era para usar uma roupa tão justa e tão vulgar, para esfregar o traseiro e os seios em
Miguel nas duas ocasiões? Mais importante ainda: que caralhos ela lhe importava?
O problema era que importava e muito.
Aconteceu o que tinha acontecido, mas ela sentia que Miguel continuava sendo seu, mas apesar
disso, ainda a tratava como uma estranha. Ela nunca o esqueceu, mas pensou que seus sentimentos
haviam se diluído com o tempo e a distância. Seu encontro há meses no escritório do casal Preciado
tinha acendido seus alarmes. Não podia mentir: seus sentimentos por Miguel eram intensos e
indescritíveis. Sua veia possessiva e invejosa a impedia de ver com bons olhos as mulheres que se
aproximavam dele. Mulheres completas, mulheres com as duas pernas que poderiam dar a ele o que
ela já não podia. Queria seus sorrisos para ela, suas caricias e seus beijos somente para ela.
“Deus! Você é uma patética!”
Sabia que não teria nenhuma oportunidade com esse homem. Além de deficiente, Miguel apenas
a tolerava, e ainda que não existisse o desfiladeiro de ódio que os separava e se as circunstâncias
fossem diferentes, ela iria decepcioná-lo. Era melhor contar com seu rancor. Um desprezo da parte
dele acabaria com ela.
- Com certeza, foi simples curiosidade. Miguel me odeia - tratou de explicar, triste.
- É uma relação de amor e ódio que deve ser resolvida para evitar mais problemas. O que
aconteceria se ele voltasse a se apaixonar por você?
Olivia bufou.
- Acredite: isso não acontecerá. Sua animada aversão é mais forte.
- E se ele nunca deixou de amar você? - insistiu Teresa -. A linha entre amor e ódio é muito
tênue.
- Por favor, tia! Eu tenho certeza que durante todos esses anos, ele fez tudo que possamos
imaginar, exceto sofrer de amor por mim.
Tradução Lauren Moon
- Por que você não lhe conta sua versão? Por que não conta para ele tudo que aconteceu?
Olivia negou com a cabeça. Ela se levantou da poltrona e andou pela sala em círculos. Não
queria sua pena, preferia seu ódio. Preferia morrer a permitir que ele soubesse de tudo.
- Filha, você pode ajudar mil pessoas a arrumar suas vidas, mas se você evitar arrumar as
coisas com Miguel, estará perdendo seu tempo.
- Como pode me dizer uma coisa dessas? Amo meu trabalho, é tudo o que eu faço!
- Sim, um trabalho, porque foi para isso que você se formou. E de nada lhe servirá se você não
acertar as coisas com Miguel.
- Não acredito que eu seja capaz.
- Oh, sim! Você é capaz disso e muito mais. O medo que você tem é que ele nunca venha a
perdoar você.
Como ele iria perdoá-la? No final, ela tinha sido apenas um peão na mão de seu pai nessa triste
história. O tempo havia lhe ensinado muitas coisas, entre elas, que se seu pai soubesse que ela estava
apaixonada por Miguel, e em vez de fazer o que sempre fez, afastálo à base de ameaças, deixou que
ele ficasse, para assim concluir seus planos sem interferência.
Isso era uma coisa que Miguel jamais a perdoaria. Sabia que iria confrontá-lo, mas ela já havia
mentido uma vez para ele. E a essa altura, a quem iria importar tudo isso?
- Você era uma jovenzinha, Olivia.
- Miguel sempre me viu como uma mulher. E eu… eu só sabia que o amava. *
- Custa-me um monte separar-me de você - dizia Miguel com um brilho bobo em seus olhos -.
A cada dia fica mais difícil.
Ele a beijou, mordiscando seu lábio superior e acariciando suas costas. Desceu as mãos até as
nádegas dela, colando-a mais a ele.
Ele ia acabar com seus lábios se continuasse beijando-a daquela maneira, e por isso ele disse,
sem deixar de afastar sua boca.
- Quero leva-los comigo - ele a olhou com desejo de cima a baixo e acrescentou -: melhor
dizendo, quero o pacote inteiro.
Olivia sorriu, acariciando seu cabelo úmido. Era um homem muito bonito.
Suspirou ao olhar a linha sensual de sua mandíbula, o rastro de sua barba incipiente. Olivia
levou as mãos ao rosto dele, sempre com esse impulso louco de tocá-lo, passou seus lábios pela
bochecha e sussurrou sobre sua pele: Atrevido. .
Uniram-se em outro beijo.
Tradução Lauren Moon
- Quer uma piada para o caminho?
- Quero tudo que você quiser dividir comigo - ele a contemplou com carinho.
- Havia um presidente que ia em seu helicóptero e disse ao seu braço direito: “Sabe? Vou jogar
daqui de cima uma nota de cem dólares para fazer uma pessoa feliz. Não, melhor ainda. Vou jogar
duas notas de cinquenta e fazer duas pessoas felizes.
Não, olhe, melhor: vou jogar cinco notas de vinte para. .
- Olhe, melhor jogar você mesmo e fazer feliz todo o país.
Miguel soltou uma gargalhada.
Olivia percorreu o caminho, pensando no tempo que se acabava, que não poderia manter Miguel
distraído. Passou o resto da tarde com Fernanda e a convidou para dormir em sua casa. Mas o pai da
moça não permitiu.
Nesta noite, ela estava sozinha com Rosario, a velha empregada, mais surda que uma parede e
muito mal humorada. A essa altura, ela já havia se retirado para sua cama. Seus tios tinham viajado
para Bogotá, para o final de semana, e iam fazer uma surpresa a seus filhos que estudavam na capital.
Tocaram a campainha.
Olivia nem se incomodou em ver quem era. Havia colocado o pijama mais cedo que o habitual e
já estava acomodada, assistindo uma novela na televisão.
Tocaram a campainha da porta outra vez.
“Quem será a esta hora?” Seu pijama não era indecente, mas também não era para receber
visitas. Aproximouse do portão, correu a tranca para entreabrir a porta, mas não acontecer.
A porta foi aberta totalmente. E Olivia deu com o rosto de um dos capangas de seu pai.
- Olá, Olivia - disse suavemente.
- O que você quer? - perguntou Olivia.
Não queria que este homem a visitasse, não gostaria que a relacionassem com semelhante
sujeito, como também não gostava da forma como o tipinho a olhava.
- Seu pai manda que estará de olho em você agora que seus tios estão em Bogotá.
- Avise a este homem que sei cuidar de mim mesma, sozinha - fez um gesto para fechar a porta na
cara dele.
“Outra vez esse maldito olhar”, pensou Olivia ao ver como ele a percorria de cima a baixo.
Podia jurar que ele estava babando.
- Tenha cuidado, Olivia, você pode se arrepender. Está advertida - e sem mais, afastou-se pelo
caminho de entrada da casa.
Olivia bateu a porta com força. Estava farta. Desde quando seu pai podia trata-la como uma
posse? Não via a hora d deixar esta maldita cidade que só havia lhe trazido infelicidade.
Tradução Lauren Moon
Bem, também não podia ser tão injusta. Ali, havia conhecido o amor de sua vida. A família de
Miguel vivia na fazenda, seus tios viviam na cidade, então, ela não podia cortar os laços assim,
sem mais nem menos.
Quando seu pai soubesse. .
O coração de Olivia retumbava. Se seu pai soubesse, do que seria capaz?
“Pelo menos esse sujeito não vai ficar plantado na porta da casa”, pensou com ela mesma
quando ouviu o barulho do motor e o ruído do carro que se afastava, perdendo-se com o tempo. Foi
até a cozinha beber uma água.
Outra vez a campainha.
“Se for esse infeliz, ele vai se ver!”
Aproximouse furiosa da porta, abrindo-a de forma brusca, mas ficou sem palavras.
Olivia engoliu com força, sem se atrever a dizer alguma coisa ou agir.
- Olá - saudou Miguel nervoso. Trazia um enorme buquê de flores.
Tradução Lauren Moon Capítulo VII Olivia havia retirado o prato do café da manhã um pouco antes,
mas o cheiro do pão de queijo recém-saído do forno e do café inundava a sala de jantar. Não
conseguiria comer mais nada. Tránsito e sua tia eram peritas em preparar esses deliciosos pãezinhos,
e desse jeito, pesaria toneladas antes de deixar a cidade. Tinha consciência de que um aumento de
peso acabaria por lhe trazer problemas, por causa do uso da prótese. Sempre permanecia ativa, em
Bogotá ia à academia, mas aqui, tão ocupada como estava e com essa dieta… enfim, iria desfrutar
enquanto pudesse, porque logo chegaria a hora de fechar a boca. Ela se arrumou para sair. Estava na
cidade há três semanas, a restituição estava em seu ciclo final, faltavam duas propriedades a mais
para entregar e assim poderia iniciar a outra fase do projeto. Oscar estava atrasado mais de dez
minutos, por isso, faria a entrega das propriedades mais tarde nesse dia, deixando Olivia intranquila.
Enquanto ela caminhava impaciente de um lado para o outro no local, ouviu que sua tia a chamava.
- Um rapazinho trouxe este pacote ainda agora.
Ela lhe entregou um envelope pardo. Olivia olhou o pacote, e ao não encontrar remetente, franziu o
cenho. Rasgou o envelope sem demora.
Abriu os olhos, gritou e jogou o envelope meio aberto no chão. Não precisava abri-lo, porque
sabia o que havia lá dentro.
- O que hou…? – sua tia levou as mãos aos lábios.
No chão repousava um livro de condolência, com a capa de cor preta e o rosto de Olivia na
moldura. Era uma fotografia que, tinha certeza, havia sido tirada no dia da inauguração do projeto.
Olivia era incapaz de afastar os olhos do pacote. Abraçou a si mesma, tentando não desmoronar. Seu
coração batia disparado. À medida que os segundos se passavam, crescia a opressão em seu peito.
Fechou os olhos, contou até dez e expirou forte.
- Aproximouse do pacote.
- Melhor chamarmos a polícia, porque eles saberão o que fazer.
- Não! - contra argumentou a sobrinha.
Olivia levantou o pacote com as mãos trêmulas e observou com atenção. Ela abriu o cartão preto,
envolvido em tecido.
“Vá embora antes que seja tarde demais”, ameaçava o documento.
- Eles me tirariam do projeto hoje mesmo, se chegassem a saber desta ameaça - esclareceu -.
Peço, por favor, que fique em silêncio.
O olhar severo de sua tia estava longe de acalmá-la.
Tradução Lauren Moon - Olivia, por Deus! E se chegarem a fazer alguma maldade com você? Eu não
iria me perdoar nunca.
E ninguém poderia detê-los. Que se atrevessem! Ela era um osso duro de roer. Olivia rodeou Teresa
com o braço. Ela sorriu, tratando de tranquiliza-la.
- Vamos em frente, como se nada disso tivesse acontecido.
Teresa levantou as mãos.
- Não posso acreditar no que acabo de ouvir!
Antes que Olivia pudesse dizer mais alguma coisa, ouviram a buzina de um carro.
- Oscar já chegou. Venha, vou deixala perto da igreja.
*
Elizabeth percebeu que Teresa estava preocupada e distraída durante a conversa com o padre
Lorenzo, o pároco da região, que havia escolhido Teresa como voluntária para catequizar as crianças
de um distrito próximo. Depois de arrumar as coisas e oferecer-se para levar a merenda, Teresa se
despediu com a feição preocupada.
Elizabeth aproveitou que a caminhada já estava distante para fazer as perguntas de sempre. O
que houve? Enrique está bem? E Oliva?
Este foi um interrogatório padrão, mas viu como seus olhos marejaram.
- Nada… É que - começou a dizer, mas se lembrou que Miguel era expert em segurança. Tinha
trabalhado vários anos neste ramo, antes de voltar a San Antonio.
“Ai, Deus! Olivia nunca vai me perdoar!”
- Fale, você está me preocupando!
Teresa tomou sua decisão. Em primeiro lugar vinha a segurança de sua sobrinha, ainda que
Olivia não voltasse a falar com ela enquanto vivesse. Vivia com medo de que os desastres do
passado a alcançassem e começaria tudo outra vez. Sua sobrinha merecia uma vida boa, porque já
tinha tanto sofrimento à custa disso, tantas perdas e tantos desenganos. Deus meu, proteja-a! ela não
merece nada de mal, porque é uma boa mulher.
- É um assunto de vida ou morte e preciso da sua ajuda - sussurrou em tom de conspiração.
Elizabeth tratou de ficar calma. Olhou para sua direita, onde estava a imagem de Jesus Cristo, e
dali tirou forças.
- Para isso servem os amigos. Vamos tomar um café. Gosta do café da padaria de Humberto?
Teresa assentiu. Sim, com certeza. Qualquer café cairia bem, porque este não era momento para
luxos.
A padaria fica a meia hora do escritório da paroquia. Havia poucas pessoas no local que
naquele momento desprendia o aroma de rosquinhas, recheadas com doce de goiaba, que acabavam
de sair do forno.
Tradução Lauren Moon
Elizabeth pediu dois cafés e duas rosquinhas à funcionária atrás do balcão.
- Não, não. Eu não quero. Não estou com fome.
Elizabeth olhou com perplexidade à mulher que a acompanhava. Virouse para a funcionária e
mudou o pedido.
Não falaram nada até que Elizabeth recebeu o pedido e se sentaram à mesa. Tão logo Elizabeth
deu a primeira mordida, Teresa falou.
- Olivia recebeu uma ameaça esta manhã, - O que você disse? - gritou e tossiu. Tossiu e tossiu.
Bebeu um pouco de café, que queimou sua língua, mas que pelo menos conseguiu acalmá-la.
Teresa pediu que baixasse o tom de voz, explicou o que havia ocorrido pela manhã e a negativa
de Olivia em avisar às autoridades.
Não havia muito a pensar. Elizabeth respondeu de imediato.
- Vou contar para Miguel, mas ainda tenho que pensar como vou dizer isso a ele, porque só de
mencionar o nome de sua sobrinha ele salta da cadeira como se tivesse tacinhas no assento.
Essa era a única esperança de Teresa nesta situação tão difícil, mas se Miguel odiava Olivia,
não havia nada a ser feito. Também não deveria colocá-lo em um dilema.
- Miguel não iria ajudála. Olivia não é santo de sua devoção.
Elizabeth sorria, enquanto partia outro pedaço de pão. Teresa provou a bebida quente.
- Meu sobrinho não odeia Olivia, muito pelo contrário. Miguel é orgulhoso e cabeça dura como
seu pai, e nunca vai reconhecer isso, a menos que haja uma razão poderosa para fazê-lo.
- Quer que eu acompanhe você para falar com ele?
- Não - deu uma palmadinha em seu braço e acrescentou -: deixe comigo. *
Ao chegar à fazenda, Elizabeth perguntou por Miguel a um dos empregados que atravessava o
jardim. O jovem disse que Miguel estava em uma reunião com o zootecnólogo e alguns técnicos, e
que, portanto, demoraria uma hora, porque às onze horas, ele revisar o gado que iria ao matador.
“Diabos!”, pensou consigo mesma. Seu sobrinho estava ocupado e não poderia interrompê-lo
por isso.
Entrou na casa da fazenda. Observava com orgulho o que era de novo o lar dos Robles.
Felizmente, a casa tinha sofrido pouco durante a ausência da família.
Era uma casa ampla de arquitetura simples, branca com telhas vermelhas, de dois andares com
longos corredores rodeados de passamanarias de madeiras escuras.
Ao subir à varanda, sentou-se em uma das cadeiras de couro que havia ao longo daquele lugar.
Grandes samambaias caíam de uma grossa viga do teto. A vista era bonita: de perto, o jardim que ela
e Ligia cuidavam, e de longe, os amplos estábulos e celeiros.
Tradução Lauren Moon
Sem dúvida alguma, uma fazenda impressionante. No tempo de Santiago, ela era bem menor,
mas nas mãos de Miguel e seu sócio, tinha crescido em dobro, ou triplo, a criação de gado.
Uma tristeza tomou conta dela ao pensar em Jorge e no que ele sentiria tão longe de casa.
Caminhou para o interior da casa por um amplo corredor, atravessando a sala rodeada de sofás
e poltronas, passando pela sala de jantar com uma mesa de madeira refinada e grossa, cor de mogno
de dez lugares, onde agora apenas quatro pessoas se sentavam para comer. Rumou direto à cozinha.
Encarnación, a cozinheira, estava na mesa de centro da cozinha, descascando batata e brigando
com uma das mocinhas por paquerar com um dos peões.
Elizabeth resolveu interromper o começo da discussão.
- Encarnación, o que devo fazer para que as pessoas desta casa me ofereçam um café?
A empregada fez a saudação que destinada aos seus superiores.
- Eu sirvo, senhorita Elizabeth.
- Obrigada.
No escritório, decidiu rever a biblioteca, pois eram poucos os livros que haviam se salvado do
desastre. Os que foram conservados foram jogados em caixas no sótão. Tinham levado alguns dias
para colocar o escritório em ordem. Pegou o livro “Grandes Esperanças”, de Charles Dickens, que
desejava reler há algum tempo, porque descobriu que ao reler os livros que devorava em sua
juventude, analisava-os de outra maneira.
Miguel apareceu minutos depois no escritório. Percebeu que sua tia olhava seu correio
eletrônico com um livro ao seu lado.
Saudou-a com um beijo na bochecha.
- Fabio me disse que você estava me procurando.
- Sim, filho sim - desligou o computador e se levantou sem saber como abordá-lo. E se ele se
negasse a ajudar essa moça?
- Você vai ao cemitério? - ele perguntou, porque percebeu que ela vacilava para dizer o que
precisava.
Miguel se aproximou da mesa do escritório, acariciou o volume do livro e lembrou-se das
férias em que havia lido aquele exemplar. Depois, pegou a correspondência e foi para a janela.
- Não, agora não. De tarde, farei com que Pedro me acompanhe.
Miguel assentiu.
- Filho - levantou a vista, a voz quebrou e as mãos tremeram – falei com Teresa, a tia de Olivia
e…
Miguel levantou o olhar ante a menção do nome de Olivia. Seus olhos brilharam de raiva.
Soltou os papéis e lançou: - Fale. Que diabos aconteceu? Essa mulher lhe disse alguma coisa que a
preocupou? Porque se for assim, deixeme…
Tradução Lauren Moon
Elizabeth o interrompeu e começou a contar o ocorrido. Miguel tratou de disfarçar a
preocupação e demorou alguns segundos para se controlar. Anos de treinamento e de esconder suas
emoções o impediram de se lançar sobre sua tia, pedindo por notícias, enquanto um frio sinistro
invadia seu plexo solar. Quando Elizabeth contou que ela não queria nem comunicar o fato à polícia,
nem ao exército, Miguel bateu o punho na superfície da mesa, e foi assim que voou pelos ares o
pouco controle que ele tratava de manter.
Elizabeth pediu que ele se acalmasse com aquele mesmo tom de autoridade que fazia quando o
repreendia em menino.
- Como pode pedir que me acalme? Não quero que nada de mal aconteça com ela.
- Teresa quer saber se você pode ajudala de alguma maneira - esperou sua reação e como não
houve nenhuma, continuou -. Como você é expert em segurança… e trabalhou muitos anos nesse
campo…
- Mulher teimosa! Desde que a vi descer daquele transporte, eu sabia que só traria problemas.
Deu outro murro na mesa.
- O que está acontecendo, Miguel? Por que desde que ela chegou você age como se estivesse
com o diabo no corpo?
- Porque é isso mesmo, estou em um maldito inferno e a quero longe daqui.
- Eu não devia ter contado nada a você - concluiu Elizabeth.
Virouse e Miguel se aproximou, tocando em seu ombro, como sinal de que havia escutado o que
ela disse.
- Nem pense em me esconder alguma coisa sobre ela - soltou um suspiro cansado -. Se
acontecer alguma coisa com ela, será um retrocesso para essas pobres pessoas que desejam voltar
para casa. Além disso, minha mãe não tem por que sabe-lo.
- E para você, Miguel, o que ela significa?
- Nada… Absolutamente nada.
Teresa o conhecia muito bem e Miguel soube que ela percebeu sua mentira. Enrubesceu,
dandolhe as costas. Dispôs-se a olhar pela janela. Não queria se torturar com o campo que eram seus
sentimentos nesse momento.
- Onde ela está? – perguntou sem olhar para sua tia.
- Não sei. Teria que procura-la na prefeitura.
Escutou apenas o som de seus passos ao sair.
*
Miguel se dirigia à zona onde Olivia tinha ido nesse dia para entregar um terreno. Estava perto
dos limites da fazenda. A cada minuto, ficava mais preocupado.
Pegou a informação que precisava com Cláudia, que nunca deixou de olhá-lo fixamente, em uma
escancarada curiosidade. Sabia de que lugar ela falava. Foi imediatamente ao local, lembrando-se da
conversa com Cláudia.
Tradução Lauren Moon
- Senhor Robles, permita-me um minuto - a moça havia dito. Falava com uma sinceridade tão
evidente que era impossível ignorá-la -. Se você vai se aproximar de Olivia, espero que seja com
boas intenções.
- Acredita que vou machucá-la? questionou em tom de voz alta, embora não tivesse gritado,
desde que passou pelo umbral da porta. “Por que as pessoas pensam que eu faria mal a Olivia?”
- Eu o observei, senhor Robles. Percebi a maneira com que olha para ela. A surpresa invadiu seu
olhar. Deu uma risada afogada.
- Você não me conhece.
Miguel preferiu ignorar o surto de indignação diante das palavras da mulher.
- Tem razão, mas conheço muitas pessoas como o senhor, pessoas que travam uma luta interior e
mesmo assim não decide quem será o vencedor desta batalha.
Só espero que não seja seu ressentimento que o leve a se aproximar de Olivia. Ela já sofreu
muito e não vou tolerar que você a machuque. Se fizer isso, vou procuralo e acertarei contas com
você.
Sorriu e não disse mais nada. Saiu daquele local mais sereno, ao perceber que Olivia tinha
pessoas ao seu redor que se preocupavam com ela, ainda que para dizer a verdade, seria necessário
mais que palavras para intimidá-lo. Então, ocorreu-lhe que talvez fosse desnecessário participação
no assunto. Meditou por uns segundos.
Não podia.
Não queria pensar no nó de angústia que se formou em seu estômago ao saber da infeliz ameaça.
Assim começavam os finais tristes: primeiro as ameaças, depois a ação.
Entendia perfeitamente por que Olivia queria evitar que alguém soubesse da mensagem.
Tinha certeza de que seu chefe iria manda-la imediatamente de volta a Bogotá. Esta era a melhor
solução. Podia falar com ele, e fazer com que ela fosse embora dali. Não voltar a vê-la, não ter que
caminhar pela cidade ciente de que poderia topar com ela ao dobrar qualquer esquina.
Queria sua vida de volta, sem grandes preocupações e sem essa inquietação de que não o
deixava nem trabalhar, nem viver em paz.
E então, lembrou-se de algo mais, e seu coração encolheu ao pensar no que ela sentiria longe
daquilo pelo qual ela havia lutado com tanto afinco.
Entrou na tal zona. Freou de imediato e duzentos metros antes de avistar a pequena casa, desceu
da camionete. Caminhou de um ado ao outro, pensando na melhor maneira de abordála. Essa mulher
tinha o poder de deixa-lo nervoso.
Muito, muito nervoso.
Desejou ter um cigarro naquele momento, mesmo tendo deixado de fumar há anos. Tinha
sucumbido ao vício quando seu pai morreu, mas deixou de fumar quando começou a trabalhar como
escolta.
Voltou à camionete e deu partida. Tradução Lauren Moon
*
Olivia não podia começar seu dia de maneira pior, depois da ameaça, a família Rojas era para
ela sair correndo. Mas ela era uma massa dura, feita à base de tensão e desejo de reparar e servir.
Dos membros da família, a avó Clementina era a mais desagradável.
- Nunca pensei que uma Ruiz estivesse em minha casa fazendo a limpeza - soltou a mulher com
um sorriso de desagrado.
Olivia não se importou. Revestida de paciência, respondeu à mulher que não se incomodava
nem um pouco em ajudala.
A avó sorriu.
- Não? Então aproveite e faça-me um café – ordenou de mau modo, enquanto caminhava ao
redor da casa, como se procurasse por alguma coisa. Maria, sua filha, e dois rapazes estavam no
campo. Tinham a tarefa de reconhecer o terreno para decidir o que fariam naquele lugar.
Olivia se aproximou do fogão e preparou o café em uma panela, coou e despejou em uma caneca
para a idosa, que escavava com uma pá alguns montes de terra.
- Posso saber o que tanto a senhora procura?
- Nada que lhe interesse - a idosa voltou para casa e se sentou na varanda traseira para beber seu
café.
- Está horrível - murmurou à distância -. Se você for tão má cozinheira, nunca arranjará um
marido.
Olivia se aproximou. Não queria ter uma discussão com a avó e que os outros soubessem.
- Não me interesso por casamento. Deve saber!
A avó entrecerrou os olhos e fez uma careta com os lábios.
- Isso é o que diz a maioria das mulheres, mas quando sentem o calor entre as pernas, as coisas
mudam.
Olivia não pode evitar e soltou uma gargalhada.
A anciã pediu que a ajudasse a caminhar até a entrada e Olivia não pode evitar insinuar que
momentos antes caminhava maravilhosamente bem.
- Mas agora não! - foi a resposta que recebeu.
Olivia ajudou-a a se levantar, mais para evitar um aborrecimento que por servir de bengala.
Olivia viu quando ela desceu da camionete sem se queixar, mas quando puseram o pé naquela casa,
foi outra história. Sentou-se em uma velha cadeira de balanço e se aproveitou da presença de Olivia.
Seriam assim todas as idosas?
Somente demonstrou agilidade quando começou a escavar a terra. Quanto mais paciência Olivia
demonstrava, mais desagradável ficava a anciã. E os filhos de Maria, ou seja, os netos de
Clementina, sem comentários. Era um par de adolescentes com quatorze e quinze anos, nada
satisfeitos, pelo que Olivia pôde perceber, por terem deixado suas vidas na cidade. Faziam
comentários imprudentes, até que sua mãe os calou com um cascudo na cabeça de cada um.
Tradução Lauren Moon
- Essa juventude de hoje em dia não serve para nada - disse a anciã -.
Tem que fechar as galinhas ou as raposas e os gaviões farão a festa, e amanhã só restarão os
ossos.
Olivia a deixou sozinha com seus resmungos, colocando as galinhas em um improvisado
galinheiro e caminhou à procura de Maria e dos rapazes. Escutou a freada de uma camionete e, presa
mais à curiosidade que aos bons modos, aproximouse para saudar quem chegava. As borboletas
voaram em sua barriga ao ver quem dirigia o veículo. Tinha que aprender a controlar esses impulsos.
Fingiu uma valentia e aproximouse para enfrentá0lo.
Miguel desceu da camionete como a ira de Deus: bonito, arrogante e raivoso. Sua presença ofuscou
tudo ao redor. Existem coisas na vida que nunca, nunca!, mudam.
- O que você quer Miguel?
- Temos que conversar - pegou-a pelo braço, levando-a longe dos ouvidos e dos olhares da avó
-. O que você pretende?
- Pretendo com o quê?
A confusão tomou conta de suas palavras e de seu olhar.
E esses, precisamente, eram seus olhares que o matavam. Quando quisesse, Olivia poderia tê-lo
comendo na palma de sua mão.
Nem pensar!
- Você precisa ir embora daqui sussurrou enquanto se aproximavam de uma pequena clareira
com árvores que lhes dava mais privacidade.
- Não farei isso, Miguel - sorriu -. Está perdendo seu tempo.
- Você é teimosa e vai acabar morta.
Não precisou dizer mais nenhuma palavra. Olivia sempre foi uma pessoa preparada. Talvez,
esta tenha sido a única característica herdada de seu pai: a astúcia.
- Minha tia - moveu a cabeça com uma expressão de decepção.
Empurrou um pouco Miguel, que a soltara, e ficou quieta.
- Ela se preocupa com você, não pode culpa-la - ele assegurou, com o olhar fixado na anciã que
se balançava na cadeira de balanço.
- Meta-se com seus próprios assuntos, Miguel.
Deu meia volta com a intenção de ir embora, mas ele a impediu. Pegou-a novamente pelo braço
e adentrou um pouco mais na clareira.
Ela permitiu. Essa era a desvantagem de estar tão perto de um ser tão dominante como ele.
- Mulher teimosa, você vai me ouvir mesmo que não queira - as abas de seu nariz se dilataram
levemente, quando ela, em um gesto brusco, voltou a si e se virou de novo.
- Está bem! Está bem! Você quer conversar comigo? - fez uma pequena pausa e afirmou -: Você
não tolera o fato de eu ter voltado a San Antonio, porque ainda me acha culpada por tudo que
aconteceu.
Tradução Lauren Moon
Miguel mudou de expressão. Seu semblante ficou pálido, seu olhar a atravessou e com uma
contração de amargura na boca, respondeu: - E não é?
- assobiou com violência.
- A única coisa da qual sou culpada foi ter mentido para você sobre quem eram os meus pais.
Miguel carecia do maldito dom das palavras, sempre tinha sido assim e quanto mais coisas
guardava em seu peito, mais sucumbia ao mutismo. Mesmo assim, as palavras de Olivia avivaram
seu rancor e ele expulsou seus sentimentos de maneira indevida.
- Isso que você está dizendo é pura merda. Quem sabe? No mínimo, você deve ter confabulado
com ele para me manter distraído. Você era uma mentirosa, Olivia! E sempre será!
Olivia pôs as mãos em seu peito.
- Eu nãos sabia de nada, juro para você! Escute-me! Entenda-me, por favor!
Miguel fechou os punhos e os apertou, com raiva, mas mais que isso, abalado como um
adolescente diante daquela ligeira carícia. Não queria se aprofundar no que o toque das mãos dela
provocava nele. Afastouse dela.
- Não se atreva, Olivia! Não se atreva a se justificar! Você teve mil oportunidades de e dizer a
verdade. Mas nunca disse!
Olivia o seguiu e se apressou em deixar que mais palavras saíssem.
- Que verdade você queria que dissesse, Miguel? Que meu pai era um assassino e que minha
mãe era uma puta? Ora! Eu não sabia que este era um assunto agradável para conversar comigo.
Miguel se virou e deu um sorriso cheio de amargura.
Depois ficou sério. Tão sério que quando falou sentiu que as palavras saíam de seu peito com o
ar que expelia.
- Eu era seu namorado, Olivia disse suavemente -. O estupido idiota que queria se casar com
você.
Olivia percebeu que, quando a voz de Miguel se quebrou, seu nariz já estava vermelho.
Não conseguiu suportar.
Virou o pescoço de lado e deixou que uma lágrima caísse.
A antiga desilusão pairou sobre eles como se fosse uma nuvem de sonhos quebrados, de
sentimentos rasgados, de dor.
- Suas origens teriam me importado um nada - concluiu.
Olivia suspirou e deixou cair outra lágrima.
“Deus! Envia-me qualquer dor, menos esta!”
Miguel a tomou em seus braços outra vez. Ela não tinha forças nem para fazer o gesto mal
educado de impedi-lo.
- Você me amava?
Tradução Lauren Moon Olivia respondeu com um murmúrio, olhando para as árvores, para o céu,
para a lama e para a água.
- Mais que a minha própria vida.
Miguel levou a mão ao peito, como se com esse gesto, pudesse aliviar a opressão que o impedia
de respirar com tranquilidade.
- Nunca quis fazer mal a você - ela continuou -. Não pensei que meu pai fosse agir assim. Sei
que cometi erros…
- Erros? - ele a interrompeu -. Não, senhorita, não foi um erro. Foi uma vil e descarada traição.
Olivia encontrou forças e se soltou de uma vez.
Colocou suas mãos no rosto de Miguel, como se assim pudesse fazê-lo ver a razão… que
acreditasse nela…
- Sinto muito, sinto muito, sinto muito…
Ele não queria isso. Tirou as mãos que invadiam seu rosto.
- Não posso perdoar você, Olivia. Se eu tivesse sabido, eu estaria preparado, teria protegido
minha família, Olivia! Minha família! - ele a olhou com o rancor encrustado em sua alma, incapaz de
guardar suas emoções -. Por quê? Por que você fez isso?
Ela gritou e não se importou se a anciã na cadeira de balanço escutasse suas confissões.
- Porque não queria perder você! Maldito seja! Não queria perdê-lo!
Miguel olhou para o céu. Não deixaria cair uma lágrima a mais por esta mulher. Nem uma única.
- No final, foi isso que aconteceu. É melhor que você volte para Bogotá, de uma vez por todas.
Não conseguirá nada mais de mim.
Soube que Olivia sentiu seu mundo cair.
Outra vez.
O pânico o golpeou, porque reconheceu que deveria se conter para não abraçala por vê-la assim
tão vulnerável, tão frágil.
Olivia percebeu em seu olhar um rastro de compaixão. Não, não. Ela não queria isso, preferia o
rancor, aquele ressentimento com que ele a olhava na maioria das vezes, aquela pitada de vergonha
que manteve na camionete e que largou com ele.
- Se for isso que você deseja, então terá que me aguentar. Não vou sair daqui!
- a raiva que sentia brilhou em seus olhos
-. Pouco me importa o que você sente.
Miguel conhecia seu estado de ânimo. Aquela intensidade que brilhava em seus olhos devia-se a
uma das duas coisas: ou estava excitada, ou estava furiosa. E
ele sabia que neste momento estava furiosa. Muito furiosa.
Mas para o seu corpo deu no mesmo. A reação foi imediata.
- Você não tem nem ideia do que sua presença me provoca.
Afastouse dela, sem perceber. Tradução Lauren Moon Com a respiração agitada, deu-lhe as costas.
Caminhou de um lado para o outro com as mãos na cintura.
- Apenas vá embora e finja que eu não existo.
Miguel sorriu e emitiu aquele som peculiar que às vezes fazia quando sorria.
- Acredite-me Olivia, é o que eu mais desejo.
O silêncio os dominou. Só se ouvia o som dos pássaros e das cigarras, a temperatura tinha
aumentado combinando com o calor do meio-dia.
E não era exatamente pelo sol que brilhava.
- Posso falar com as autoridades, fazer com que tirem você da cidade.
Basta apenas que eu avise ao seu chefe, e hoje de tarde você não estará mais aqui.
Olivia abriu a boca.
Falou com a voz quebrada, em um tom baixo, como se só ela pudesse ouvir.
- Você faria isso comigo?
Miguel se aproximou e apertou o queixo.
- Não quero mortos na minha consciência. Você deve se cuidar.
Olivia soube que deveria dizer a verdade. Esse era o momento. Afastouse dela e deu a volta.
Miguel estava ferido com suas palavras, tão ferido quanto ela.
Olivia escutou um suspiro profundo. Não havia duas pessoas que se conhecessem mais neste
mundo que aqueles dois.
- Quero compensar parte do mal que fiz a você – colocou a mão em seus ombros -. Essa é uma
das razões palas quais eu estou aqui.
Miguel ficou tenso. Um surpreendente ataque de luxúria o embargou ante o pedido e a sensação
de suas mãos nessa parte tão sensível de sua pele, ainda que um pedaço de tecido separasse ambas as
peles.
Ele se virou e se colou em Olivia. Ela retrocedeu. Deram quatro passos e se chocaram contra o
tronco de uma árvore.
Miguel aprisionou com as mãos o rosto de Olivia. “Oh, Deus! Que maravilha era tocá-la, sentir
o calor e a suavidade de sua pele. Inalar seu aroma de flores, de sol, de limpeza!”
Ela lançou um olhar confuso para ele. Um olhar de confusão. Aproximou seu corpo ao dela,
para que sentisse, para que soubesse.
- Você disse que deseja me recompensar? Pois… não me parece má ideia.
Todas as palavras fugiram de Olivia.
Miguel levou seus lábios ao ouvido dela. Diante do contato com seu hálito, Olivia enrubesceu e
sentiu que o mundo começou a girar. A respiração da moça se agitou e Miguel sentiu um calafrio
percorrer suas costas. Pegou-a pelo cabelo e jogou sua cabeça para trás. Aproximou seus lábios do
pescoço dela e disse: Tradução Lauren Moon
- Dizem que de onde havia fogo, cinzas ficaram.
Deu um beijo em sua pele.
Olivia fechou os olhos, enredou seus dedos no cabelo de Miguel e puxou-o mais para ela,
fazendo com que ele apertasse ainda mais os lábios em seu pescoço.
- E? - ela perguntou em um murmúrio, sem perceber, porque tinha ambos os pés em um sonho.
Miguel afastou os lábios de sua pele. Sustentou o olhar que Olivia tanto sentiu falta, aquele
olhar em que só existia paixão e luxúria.
- Vamos comprovar se isso é verdade - sussurrou no mesmo tom que ela.
Baixou suas mãos, agarrando-a pela cintura. A mulher ficou rígida e tensa, e Miguel não queria
esperar mais. Aproximou seu rosto do dela, e como não houve reação, beijou-a com um desespero
que, segundos depois, recebeu de volta.
Foi um beijo selvagem, de necessidade, que falava de feridas abertas e de ausências, de
ressentimentos, desejos e possessões.
Os sentidos de Miguel se intensificaram e ele ficou consciente de tudo: de cada gesto, de cada
gemido frágil que ela dava, de que ambos ficaram sem ar, da suavidade da pele de sua Olivia ao
cariciar seus braços, do som dos pássaros, do cheiro de fumaça e de fogão à lenha, do sol que se
infiltrava e que havia umedecido sua camisa, a menos que… a menos que fosse seu calor interior que
ameaçava incendiá-lo até deixa-lo em cinzas…
Tudo… tudo por um simples beijo. Olivia imprimiu ternura em seu gesto. Queria consolá-lo. Queria
curá-lo. Suas mãos se aferraram em suas costas e ele soltou um gemido.
Nesse instante, Miguel percebeu o que ela pretendia: enganá-lo outra vez.
Quis tirá-la de cima dele, mas ao invés disso, ele a devorou com mais vontade, com mais
frenesi, com mais desespero. Esqueceu-se de tudo: do ódio e do que os separava.
Perdeu-se em um mar de sensações que o fez tremer, como havia feito em outras tantas ocasiões.
Olivia gemia sem controle, aferrando-se cada vez mais a esse beijo, como se fosse sua salvação
e sua única lembrança. Queria que o mundo deixasse de existir e que esse momento não acabasse
nunca, porque apenas começava a se atrever a sonhar.
Queria ficar naquela boca, não queria colocar fim àquele beijo, uma pura e física adição.
Necessitava desse beijo com urgência. Deixou-se ir e entrelaçou os braços ao redor do pescoço
de Miguel.
As mãos do homem fizeram o caminho até as nádegas da mulher, que apertou e apertou, ainda
que o tecido grosso do jeans impedisse aprofundar aquela carícia.
- Que ficar com você, Olivia, quero que você me sinta - ele sussurrava entre beijos e ofegos.
Olivia se jogou para trás. “Não, isso não pode acontecer”.
- Solte-me! - ela pediu.
Como se o gesto e fizesse despertar de um transe, Miguel se afastou do abraço.
Tradução Lauren Moon
Capítulo VIII
Quando voltou à realidade, sentiuse furioso e excitado. Péssima combinação. Olivia retomou a
palavra.
- Não volte a se aproximar de mim. Não volte a me tocar.
- Como se eu precisasse. Mulheres como você é o que não me falta - um ar estranho grudou em
seu peito e sentiu frio. De qualquer maneira, ele era um homem que quase nunca se corrigia. Por isso,
não pediu desculpas.
- Mulheres como eu? A que você se refere? Você me odeia tanto!
Miguel voltou a se aproximar. Falou em um tom de voz sensual, relaxado.
- Talvez, mas nossos corpos não parecem se importar com isso. No mínimo, posso dar-lhe
alguma coisa a mais do que você recebe dos outros. Notei que você está muito tensa, Olivia esperou
uma resposta da mulher, e como não teve nenhuma, continuou falando -. Você deve deixar se levar
pelo impulso e pecar como Deus manda. Éramos muito bons na cama, lembra-se?
Olhou-a dos pés à cabeça, com aquele ar possessivo de quem conhece intimamente o corpo que
observava.
Olivia enrubesceu.
- Você veio para isso? Para me convencer a me enfiar em sua cama? Ele baixou a cabeça.
- Desculpeme, sei que não tenho nenhum direito. Independentemente do que você acredite, não
desejo que nada de mal aconteça com você.
A mulher o interrompeu: - Fique tranquilo, porque eu sei cuidar de mim mesma.
Miguel deu um chute suave nas folhas. Voltou a olhá-la nos olhos, talvez assim a entendesse.
- Você não deve andar sozinha. E andar com Oscar é como estar sozinha, porque ele não será de
muita ajuda se lhe atacarem.
Olivia sorriu. Pousou uma mão em seu ombro.
- Ninguém, exceto você, vai me atacar.
Miguel deu uns passos para trás, tão encolerizado como quando havia chegado. Usou um tom de
voz alto. Não se importou se suas palavras chegassem um pouco mais além dos ouvidos de Olivia.
- Mas, em que mundo você vive? Você acredita que depois de ter feito tudo o que você fez as
pessoas vão se esquecer? Não, claro que não. Vou lhe explicar Tradução Lauren Moon uma coisa,
querida. Sei sobre o livro de condolências, então sei que existem pessoas com pensamentos ruins. E,
por mais que você tente se manter à margem, você sempre chega até mim. Seja como for, e tenha você
feito você o que fez, você não merece uma morte atroz como estão planejando para você. Se você
não deseja que eu fale nada com as autoridades, não vou falar. Mas tenha em mente que serei eu a me
encarregar de sua segurança, enquanto você estiver por aqui.
Olivia abriu a boca para dizer alguma coisa, mas Miguel não permitiu.
- O trabalho na fazenda não vai me impedir. Tenho colaboradores. Sou expert em segurança e
sei o que faço.
Olivia apenas escutou o final. Tinha tentado ir embora ante as palavras que ela considerou com
loucura.
Miguel caminhou atrás dela, tentando normalizar o ritmo cardíaco, uma tarefa difícil porque não
podia deixar de prestar atenção no traseiro enfiado naqueles jeans justos. Lembrar de como anos
atrás ele o percorria com as mãos e a boca fez com que ele franzisse o cenho.
Foi a chegada da anciã que o fez abandonar aquela distração.
- Ora, ora… quem diria? Um Robles e uma Ruiz.
Antes que ela pudesse insinuar algo mais, Miguel a surpreendeu.
- Eu só vim ajudar. Sou o novo encarregado da segurança. Vejo algumas ervas daninhas atrás da
casa e o galinheiro parece piada, é melhor eu começar a trabalhar. A senhora tem ferramentas? Malha
de arame ou plástico?
Olivia não encontrava o que fazer ou dizer. A anciã, que de sabida tinha muito, pegou a mão de
Miguel e o levou com ela até um casebre de madeira, que ficava perto, e que servia para guardar
ferramentas de semeadura e serviços externos. Abriu a porta sem fechaduras e apontou para uma
caixa com martelos e chaves de fendas.
Miguel xeretou entre as coisas até que encontrou um par de ferramentas, malha de metal
enroladas e algum arame fino.
Sem mais que falar ou censurar, cada um trabalhou a sua parte.
*
A temperatura havia aumentado. Já passava do meio dia e a anciã havia levado limonada para
eles. O copo de Miguel estava pela metade, Olivia não tinha bebido nem um gole do seu. Em um
dado momento, Miguel tirou a camiseta e, sem deixar de olhar para Olivia, jogou-a de lado.
A visão daquele dorso nu, tão familiar e tão estranho, a deixou atônita.
Ele elevou a comissura de seus lábios, com a amargura de um sorriso irônico antes de se virar e
continuar seu trabalho.
Olivia ficou surpresa com a faísca de puro desejo carnal que a assaltou.
Lembrou de tudo dele. Sua estocada dentro dela, o ardente prazer, a união dos dois.
Culpou-se pela maneira com que ele a encurralou, pelo beijo compartilhado e pela expressão
vulnerável que percebeu e que derrubou suas defesas antes de capturar sua boca. Sem aquele sinal,
ela o teria afugentado sem cerimônia, mas a expressão frágil de seus olhos fez com que lhe entregasse
o que fosse possível com aquele beijo.
Tradução Lauren Moon
Miguel tinha mudado com os anos, estava mais encorpado, seus músculos estavam talhados à base de
disciplina e exercícios. Obrigou-se a voltar aos seus afazeres. A última coisa que ela queria era que
ele a pegasse babando por ele como se fosse uma adolescente.
*
Horas mais tarde, iam a caminho da casa de Olivia. Ambos guardavam silêncio. Não tinham
emitido nem um gesto de cordialidade desde a chegada da anciã.
Quando chegaram à porta de sua casa, ele falou sem olhar para ela.
Informou que iria buscala ao amanhecer. Ela quis protestar, mas o gesto de Miguel evitou
qualquer discussão.
Olivia, então, assentiu com a cabeça. Também não olhou para ele. Desceu da camionete.
Aborrecido com ele mesmo, Miguel retornou à fazenda.
“Não volte a se aproximar de mim. Não volte a me tocar.” As palavras de Olivia faziam eco em
sua cabeça. Uma e outra vez, ali estavam elas, repetindo-se.
“Não posso culpa-la”, ele pensou depois de dar um tapa no volante. Ele havia demonstrado que
tinha a delicadeza de um trator. Que merda estava acontecendo com ele? Apenas por tê-la por perto,
se inflamava com um combustível pesado, se iluminava como uma fodida árvore de natal que entrava
em curto circuito e se incendiava porque a voltagem elétrica era muito alta. Soltou uma gargalhada
irônica.
“Merda. Merda. Merda”
Tinha caído como um verdadeiro imbecil.
Culpa do aroma e do toque dessa mulher que o levaria à loucura se não a tirasse de vez de sua
vida.
Ele havia chegado até ela para oferecer proteção, para persuadi-la a ir embora antes de sair
machucada, não para fazer qualquer proposta desonesta, enfiar a língua em sua garganta e passar a
mão nela por capricho. Mas assim que a teve diante dele, a história foi outra. Ficou no cio como um
potro selvagem e tudo isso por conta de uma simples carícia e um olhar. Se pudesse chutaria a si
mesmo, rolaria ladeira abaixo até a praça do povoado.
Haviam mil razões para evitar aproximar-se dela, mas maldita fosse!, no instante do beijo, as
razoes de nada serviram. Estava cansado de resistir. Se quisesse, poderia consegui-la. Que vingança
perfeita seria isso! Tê-la em sua cama outra vez, mostrar que ele era o único que a fazia arder, e
depois despachá-la de sua vida, enganada!
A vingança prometia ser doce. Mas, e se estivesse errado? E se fosse ele a sair chamuscado?
Porque, depois de tudo, ainda possuía lampejos de integridade. Não sabia o que o incomodava
mais: se perder o controle da maneira que perdia quando estava na frente dela ou a reação dela aos
seus beijos e carícias.
- Diabos! - bramou, furioso.
Tradução Lauren Moon Lembrou-se da noite em que a fez sua pela primeira vez, da noite na qual ele
disse que a amava mais que qualquer outra pessoa no mundo, que sem ela não poderia viver…
Jamais.
*
Queria surpreendê-la, por isso a seguiu até sua casa depois de seu último encontro. Não
entendia o silêncio e os mistérios que fazia sobre sua família: morava em um bom lugar, perto da
praça, com seus tios. Então, qual era o problema? Bem, em horas ficaria sabendo.
Foi a uma joalheria que ficava na diagonal da igreja. Escolheu um anel com um pequeno
diamante, tratando de adivinhar a medida do dedo dela. Não quis dizer nada a sua família. Nesta
noite, ele se vestiu de maneira formal, comprou um buquê de flores na floricultura local e foi à casa
de Olivia.
- Miguel? - foram as palavras que ela soltou quando abriu a porta.
Estava adorável. Miguel reparou em várias coisas, como por exemplo, que seu cabelo tinha um
brilho sobrenatural, não soube se por um jogo de luzes na sala, ou porque estava com a boca pintada
de framboesa, que deixava sua pele mais pálida. Usava um pijama com detalhes de morangos que
dava vontade de tirá-lo imediatamente.
“Controle-se, você veio aqui por outros motivos”, disse a si mesmo.
- Posso entrar?
Olivia olhou de um lado ao outro da rua. Abriu mais a porta e fez um gesto para que entrasse.
- Vim falar com seus tios sobre nós dois. Pode chama-los?
Olivia baixou a cabeça. Explicou que eles não estavam em casa e que voltariam em três dias.
Estava acompanhada apenas pela empregada da casa, que já tinha ido dormir.
Em sua inocência, ela sabia que suas palavras tinham outro efeito além de dar informação a
Miguel.
“Oh, meu Deus! Por que me dá semelhante provação?”, pensava ele enquanto escutava o que ela
dizia.
Já era suficiente vê-la com aquele pijama, superando as fantasias eróticas que imaginava com
ela. Saber que ela estava sozinha, acessível, era uma tentação difícil de ignorar.
- Acredito que seja melhor eu ir embora – disse, com um tom de voz rouco e nada convencido.
Morris de vontade de acaricia-la, toda ela, começando pelas pernas e depois subindo até. .
Suas narinas alargaram e começou a respirara de forma agitada.
Deu meia volta e tratou de fugir. Olivia o impediu.
- Fique comigo esta noite.
Miguel quis dizer alguma coisa, qualquer coisa!, distrairse daquela imagem que ocupava sua
mente: tê-la em seus braços. Debateu consigo mesmo durante uns Tradução Lauren Moon
segundos, mas sabia que era uma batalha perdida, então o desejo e a ânsia assumiram o comando.
Quando fez a pergunta, olhos nos olhos dela.
- Você acha que isso é certo? Olivia sorriu, com aquele sorriso lindo, que tranquiliza e traz paz com
ele.
- Nada seria mais certo. Quero fazer amor com o homem que eu amo.
O olhar confiante e valente de Olivia a fez parecer mais velha que seus dezoito anos. Ele se
aproximou e a abraçou. Saboreou sua doce boca, acariciando seu cabelo. Nada importava mais que
ser aquele que iria ensiná-la os prazeres. Iria fazê-la sua naquela noite e em todas as outras pelo
resto de sua vida.
Entre beijos e mordiscos, sussurrou que a amava. Que a amava tanto que ela nem mesmo
imaginava o quanto ele a amava.
Queria que ela entendesse que eles fariam uma coisa que não haveria caminho de volta, e que
por isso, poderiam parar quando ela quisesse.
Não, ela não queria. Estava decidida.
Não havia nada a pensar e lamentar.
Não haveria nenhum outro homem para ela.
Miguel havia fantasiado em estreitá-la em seu quarto, em vê-la excitada por ele, em enchê-la de
carícias, mas definitivamente, a realidade superava as expectativas.
Olivia o pegou pela mão e o levou ao seu quarto, que tinha sido pintado em tons de pêssego.
“Este é seu espaço, seu lugar”, esse pensamento o deixou emocionado e cheio de ternura. Observou a
colcha que cobria a cama, as almofadas em forma de coração.
Era um quarto que transbordava feminilidade. Sentiuse um depravado em meio a tanta
delicadeza.
Olivia caminhou até o outro extremo do quarto e deixou seu perfume flutuando no ar. Miguel
respirou esse aroma que tanto o encantava. Viu quando ela fechou as cortinas. Na parede onde as
janelas encostavam, descobriu um cartaz.
- Quer dizer que você gosta de Juanes6 - levantou uma sobrancelha.
- É meu cantor favorito - apagou a luz e acendeu a lâmpada sobre a mesa de cabeceira -. Acho que
ele se parece com você.
Miguel riu suavemente.
- Não acredito.
Olivia andou até ele. Sentia que sua pele explodia em sensações, batimentos fortes daqui e dali,
humidade, nervosismo.
- Acredite. Vocês têm os mesmos olhos, mesmo sorriso e quase o mesmo tom de voz.
Miguel deixou de sorrir. Ficou nervoso, tentando não pensar na reação de seu corpo, tentando
não pensar na dor que lhe causaria e que ele nem percebia.
Ela, tão inocente.
6 Cantor e guitarrista Colombiano (N. da Tradutora) Tradução Lauren Moon Tão bela.
Tão mulher.
- Só por isso vou deixar que você o conserve - conseguiu sussurrar.
Ela se aproximou e levou um dedo aos lábios dele.
- Não diga mais nada.
O amor e o profundo desejo guiaram os passos do homem.
Queria ir devagar e, também, ser o mais delicado possível. Beijou seus olhos com ternura, a
testa, a ponta do nariz. Depois capturou sua boca, primeiro com um beijo suave, silencioso, que
falava de reverência de amor, de ternura.
Depois. . depois explodiu a paixão entre os dois.
Percorreu as costas de Olivia com as mãos, depois ele se atreveu a baixalas ainda mais.
Acaricioua, preso em verdadeiro deleite.
Ainda sem provar seu corpo, a jovem que logo converteria em mulher o fazia tremer. Era a
primeira vez que o faziam tremer.
Ela agitou seu cabelo, que caiu em seu ombro como um veludo escuro; o aroma do xampu o
inflamou. Ele a descobria sem pestanejar: o brilho de seus olhos, a traquinagem de seus cílios, a
linha de seus lábios avermelhada pelos beijos. Era tão involuntariamente sensual.
Olivia escolheu aquele momento para tirar a parte de cima de seu pijama.
Pegou as mãos de Miguel e as levou aos seus seios.
Miguel estava atordoado. Eram tão suaves, tão cheios! Tirou suas roupas como pode, sem
deixar de beijá-la, até que só ficou sobre ele a cueca boxer. Baixou a calça do pijama, até que ficou
quase nua para ele.
Permaneceu quieto por um tempo, contemplando a seminudez.
Murmurou que ela era linda, a mais bonita que já tinha visto na vida. Olivia enrubesceu. Deixou
escapar um sorriso e fechou os olhos.
Miguel aproximou seu corpo ainda mais ao dela.
Aproximouse tanto que entre beijos, gemidos e movimentos desajeitados chegaram à cama.
- Não sei nem por onde começar disse a si mesmo, mas ela também escutou.
Olivia o trouxe ainda mais para si, até que ele ficou por cima dela. Pegou uma de suas mãos de
Miguel e levou até seu sexo.
Voltou a beijá-lo.
Miguel só queria abrir passagem dentro dela até satisfazer-se por completo, até que não
restassem mais energias em seus corpos.
Mas, tinha que se controlar. Agora era mais para ela que para si mesmo. Tradução Lauren Moon
Deixou os beijos de Olivia e passou a explorar seu corpo. Passou a língua pelos seios de Olivia,
por sua barriga, pelo seu umbigo. Chegou às coxas de Olivia, e movimentou seus dedos entre as
pernas dela. Ela se apertou contra ele. “Que me faça sua!”, gritavam seus movimentos
descontrolados.
Miguel substituiu seus dedos pelos seus lábios.
Que cheiro mais requintado, que fazia seu desejo entrar em erupção.
Desejava se conter, mas à medida que ia descobrindo as maravilhas que sua Olivia lhe
brindava, ficava cada vez mais difícil cumprir sua missão. E somente se escutavam os gemidos
femininos.
- Miguel, por favor..
Olivia levou as mãos aos cabelos de Miguel. O homem a beijou com mais afinco, com mais
força, com mais fervor.
- Sinta, Olivia, sinta. .
Embriagou-se de sua essência até que sentiu as contrações do orgasmo de Olivia.
Desejou ser delicado, mas ele a desejava com desespero. Desejou ser o homem adequando para
ela e poder presenteá-la com uma noite de amor que não esqueceriam jamais, mas os gemidos e as
reações de Olivia acabaram com o Miguel delicado.
Tirou a cueca boxer e se deitou sobre ela. Puxou-a pelo cabelo e a obrigou a sustentar seu olhar.
- Quero que você se lembre disso para sempre.
Com os lábios, sugou sua boca. Com os dentes, mordiscou seu pescoço e ombros. Preso naquele
delírio, entrou em uma bruma até agora desconhecida para ele.
Tinha chegado o momento que ele tanto esperava.
Olivia abriu mais as pernas.
- Assim?
Miguel sorriu. Sim, assim.
Agarrou suas coxas, abrindo-as um pouco mais. Empurrou uns centímetros, tentando se
controlar; outros mais. O suor marcava sua testa e seus músculos estavam tensos. Olivia era tão
estreita, que se ele não entrasse nela por completo, morreria ali mesmo. Um empurrão, outro mais e a
penetrou como tanto ansiava. Ele mal teve consciência da barreira que atravessou seu caminho,
levando o último rastro de sua inocência.
Ele permaneceu parado em seus movimentos. Deteve-se Com o semblante sério, ele a
contemplou e, com uma mansidão que nunca havia usado com qualquer outra mulher, perguntou: Você
está bem?
Percebeu que ela sentia dor, nas feições de seu rosto e em como ela mordia seu lábio inferior
para não gritar.
- Meu amor, preciso tanto de você sussurrou Miguel, inundado de amor e de angústia pelo
sofrimento dela.
Tradução Lauren Moon
Olivia abriu os olhos, franziu o cenho e acariciou seu rosto para tranquiliza-lo.
- Eu amo você, Miguel. Você está aqui - apontou com o punho para o coração -. E assim será,
para sempre.
Miguel teve um pressentimento do que deveria ser o céu, e ao mesmo tempo, o calor devorador
do inferno, do intenso gozo e da deliciosa sensação de estar dentro dela.
Depois de semanas, desejando-a como louco, gemeu e chegou a um turbulento orgasmo,
parecido com uma colisão de trens, que jamais havia experimentado na vida.
Quando voltou à realidade, olhou todo confuso ao redor, como se acabasse de despertar de um
sonho. Observou Olivia, e viu que havia rastros de lágrimas em sua bochecha.
- Meu amor, me perdoa. Por favor!
- ele implorou, enquanto pegava em seu rosto, obrigando-a a olhá-lo. Ela sorriu para ele entre
lágrimas.
Miguel saiu de dentro dela com lentidão e muito cuidado. Pela primeira vez, não havia usado
camisinha. Não soube se ficava feliz ou se lamentava aquela distração.
Foi até o banheiro do quarto e retornou com uma toalha úmida. Encontrou Olivia de lado, com
os olhos fechados.
- Olhe para mim, por favor, meu amor - ele implorou -. Deixa eu limpar você.
Ela deixou que ele o fizesse. Miguel fez o trabalho com delicadeza. Deu um beijo efêmero no
local que realizava a tarefa e dirigiu seus lábios à ligeira curva do ventre, que cobriu de beijos.
Venerou a mulher que havia acabado de fazê-la sua, até que causou um leve estremecimento nela.
Tempos depois, acariciavam-se abraçados, sem querer se separarem. Ele a olhava com
adoração, atordoado. O prazer tinha sido tão intenso que sabia estar arruinado.
Aquilo que ele viveu naquele quarto, jamais voltaria a viver com outra pessoa. Acariciou o
contorno de sua cintura e uniu-a ainda mais a ele.
- Nunca terei o suficiente de você. Isso me assusta muito.
Olivia beijou sua bochecha.
- Vamos estar juntos, sempre. Miguel sorriu.
- Amo você como nunca pensei que amaria alguém. Não tinha ideia de que isso existisse, de que
fosse possível. Pressinto que não posso viver sem você ele exclamou com o olhar vulnerável.
Então, aproximou sua mão de sua calça, que estava jogada aos pés da cama, e tirou o estojo. Ao
abri-lo, um lindo anel apareceu no centro. O quarto se vestiu de silêncio, antecipando a importância
do momento que iam viver. A vista de Olivia ficou turva e um nó formou em sua garganta. Insegura,
ela pegou a joia.
- Você me permite? - perguntou Miguel com uma pitada de emoção.
Ele colocou o anel no dedo de Olivia. Ficou perfeito. Ao levantar o olhar para olhar nos
olhos de sua Olivia, notou que o rosto dela estava embargado por um sem fim de emoções.
- Eu também amo você.
Tradução Lauren Moon
Prometeu que sempre o levaria consigo.
Miguel foi embora quase ao amanhecer. Antes de cruzar a porta, cobriu-a com lençol e deu um
beijo em sua testa.
- Prometo fazê-la feliz.
Ela, entre sonhos, sorriu.
Tradução Lauren Moon
Capítulo IX
Olivia trabalhava com empenho e verdadeira vocação ao serviço, isso foi uma coisa que Miguel
percebeu com o passar dos dias e o deixou pouco contente.
Esperava encontrar defeitos, deseja ver alguma atitude mesquinha para assim reforçar sua raiva.
Mas não encontrava nada. Não tinha asco de nenhuma atividade. Ajudava às pessoas, desde
brindando-as com palavras de consolo precisas até oferecendolhes um prato de preparado por ela.
O mais importante de tudo era que acreditava cegamente em todos. Vivia consciente de seus
pedidos e suas necessidades. Miguel a acompanhou no primeiro dia.
Depois, mandou um par de homens de confiança para que fosse vigiada a cada momento.
Talvez pelo tempo compartilhado com ela e pela sua maneira de ser, as pessoas caiam como
moscas por ela. Miguel não queria que ela atravessasse sus defesas.
Não queria se render ao seu doce olhar, que nem mesmo havia perdido com o passar dos anos,
com seu sorriso que ganhava a vontade do mais duro. Com seus gestos e suas palavras, as pessoas se
esqueciam de quem ela era filha. Olivia ansiava por uma cura verdadeira e profunda para essas
pessoas. As palavras proferidas no auditório tempos atrás vieram a sua mente, não era apenas pela
terra e pelo dinheiro que ela estava ali.
Agora ele entendia isso, e desejava prestar-lhes atenção, devolvendo-lhes a dignidade e o
orgulho.
- Acho que você está exagerando disse Cláudia um dia, enquanto saíam da prefeitura.
Miguel as seguiu, e elas não perceberam sua presença. Tinhamse passado algumas semanas
desde o aparecimento do infeliz livro de condolências. Não havia recebido mais ameaças, mas
também não estava disposto a baixar a guarda. Por que ele fazia isso? Ele era incapaz de encontrar
uma resposta.
- Ela não tem avós ou tias que possam se encarregar?
- Ela está sozinha, é a avó de três crianças, e a mãe delas foi morta por um desses homens. A
cooperativa pagará o curso e todos os gastos.
- E eu imagino que você se ofereceu encantada - concluiu, antes que Miguel pudesse ser visto.
Miguel já tinha percebido que ela gostava de crianças. Quando ela chegava em algum lugar,
depois de cinco minutos já estava na companhia de alguma criança. Por que não havia se casado? Por
que não tinha filhos? Haviam muitas interrogações em sua vida que, sem querer, o intrigavam.
Era uma mulher dona de si mesma, com ar de eficiência e olhar de princesa. Ela podia beber
uma cerveja sentada em cima de um pacote de fertilizante ou de qualquer outra coisa. Também podia
limpar um estábulo, retirar ervas daninhas ou fazer em um fogão uma panela de sopa e até conversar
com altas autoridades do governo sem se deixar abater e com elegância.
Tradução Lauren Moon
Foram à casa de Teresa, quando exteriorizaram a pergunta que tanto dava voltas em sua cabeça.
- Por que você não se casou? Por que não tem um par de crianças rodando ao seu redor?
- Não tenho planos de me casar.
- Mas você gosta de crianças lançou-lhe um olhar esporádico, voltando a focar seu caminho -.
Já sei, você quer encontrar o homem ideal.
- Entre outras coisas - sorriu um pouco.
Olivia ignorava o que suas atitudes faziam na alma atormentada de Miguel. Todos esses anos,
ele a imaginou levando uma vida diferente, cheia de luxos, desfrutando do dinheiro de seu pai e
casada, ou como amante de algum malandro amigo dele.
Seu pai… Era um assunto que ainda nãos queria tocar com ela, mas morria de curiosidade de
saber o que a havia levado a fazer tudo isso. Graças a Deus, ela não havia recebido mais ameaças.
Sem o consentimento dela, tinha levado seu caso ao comandante da polícia e seu amigo pessoal.
Pediu total discrição, pois se ela soubesse, enterraria nele a primeira pá que encontrasse.
E quando o homem encarregado por sua segurança chegava, ele o interrogava de forma
exaustiva, ante o deleite ou o olhar de zombaria de sua tia Elizabeth. Ambos haviam tratado de
manter Ligia na ignorância.
Tinha dias em que ele não se aguentava, e sentia vergonha de si mesmo, mas o sentimento
durava pouco tempo. Madrugava para adiantar o trabalho e, então, era ele quem ia buscala.
Impunha regras a si mesmo quando estava longe dela. Não olhar muito para ela, não roçá-la, e
falar com ela apenas o necessário. E quando a via aparecer, quando tocava a buzina na porta de sua
casa, deixava uma a uma de lado, com total sem-vergonhice. A primeira coisa que ele fazia quando
ela fechava a porta do carro era deslizar-se no estofamento e estirar o braço para alcançar o cinto de
segurança. Seu perfume flutuava dentro do espaço fechado do veículo. De maneira manhosa, gastava
seu tempo tratando de ajustar o cinto. Podia perceber a respiração de Olivia com sinais de
ansiedade. Ficava a poucos centímetros de sua adorável boca. Escutava sua respiração e, quando a
olhava nos olhos, percebia reserva e ansiedade.
Ao vê-la com aquele sorriso bonito, era invadido pelo desejo, pela ânsia e pela necessidade de
tocá-la. Ao sentar ao seu lado, ele a olhava de soslaio. Prestava atenção em sua boa e em seu decote,
onde pendia uma corrente que se perdia em seus seios. Ainda não tinha visto se era uma medalha ou
qualquer outra pedra. Deleitava-se ao observar aquele pequeno oco na base do pescoço, ali onde se
unia à clavícula.
Lembrou-se do momento de paixão, com ele a saboreando entre suas pernas, doce e viciante.
Podia se lembrar de cada um dos seus poucos encontros do passado com requinte de detalhes.
Aproximava-se dela sob qualquer pretexto. Aspirava o cheiro de limpeza e de sol de sua pele.
Embriagava-se com seu aroma e morreria por beijá-la. Apertava as mãos sobre o volante. Às vezes,
quando trabalhavam juntos, e um botão de sua blusa se Tradução Lauren Moon soltava, tinha uma
visão perfeita de seus seios, presos em um delicado sutiã de seda.
Nesses dias, acreditava ter alcançado o céu.
Deus! Estava doente.
Doente por ela.
*
Olivia desfrutava cada minuto na companhia de Miguel, mesmo que ele fosse petulante com ela.
Já não sentia angústia ou inquietação, nem mesmo quando a coisa entre eles estava longe de ser
solucionada, porque pelo menos havia uma aproximação. E esses olhares… Deus meu! Esses olhares
a deixavam à beira de uma combustão espontânea.
Como será que ele reagiria ao vê-la sem roupa agora? Com pena? Com asco? Nunca iria
averiguar, disso tinha certeza. Era melhor ter os dois pés fixados sobre a terra. Mas isso não a
impedia de sonhar com ele, com seus beijos, suas carícias e aquele corpaço que havia amadurecido
tão bem.
Hoje, mulher adulta, analisava o que em sua adolescência só havia percebido. A bonita postura
de homem, que amava mais que a vida. A maneira de tratar as pessoas, ainda que para ela sempre
havia um tratamento mal humorado. Com as outras pessoas, ele era amável e comedido, oferecendo
ajuda e conhecimento a quem necessitasse. Era forte e tenaz. Além disso, tinha uma veia protetora e
um sentido de integridade que superavam qualquer provação.
- Amiga, aterrisse de sua viagem astral, que isso é importante - sussurrou Cláudia, ao vê-la
envolvida na reunião que haviam planejado com o restante da equipe.
- Desculpeme - concentrou-se nos pontos a tratar.
Ivan mostrou sua complacência com os profissionais. Já que quinze famílias estavam de volta a
suas terras, estavam em dia com suas agendas. Os agrônomos contratados haviam cumprido com as
metas propostas e estava satisfeito com os resultados obtidos até o momento. Alguns inconvenientes
tinham aparecido, mas nada que não pudesse ser solucionado. As pessoas tinham sido bem receptivas
a eles, talvez porque desejassem o progresso de suas terras e estavam ávidos em aprender.
- Pode me explicar o que faz um sujeito como esse atrás de você a cada dia? Ele está lhe
ajudando em alguma coisa? - perguntou William a Olivia. Ela percebeu muito rápido as rugas em seu
cenho e o tom cortante de sua voz.
Olivia organizou seus papéis dentro de uma pasta. Precisava desses segundos para respirar
fundo e não gritar com o homem que tanto a incomodava.
- Esse sujeito é Miguel Robles, filho de uma pessoa que foi muito importante para a região.
Aproximouse de mim com o intuito de colaborar.
- Pelo visto ele não deseja apenas colaborar - gaguejou William em uma atitude que Olivia não
conhecia.
Ivan intercedeu. Para isso serviam os amigos, não?
- O que quer que ele tenha com Olivia é problema deles.
Tradução Lauren Moon - Entre eu e Miguel não existe nada soltou Olivia, mortificada, enquanto
enroscava uma mecha de seu cabelo entre os dedos -. Seu pai morreu nas mãos dos capangas de meu
pai.
- Percebe o que você está fazendo? perguntou Cláudia a William.
- Desculpeme - respondeu William -. É que eu me vejo incomodado em ver como esse sujeito
passeia com você como se você fosse sua propriedade.
“Eu sou”, pensou Olivia, mais mortificada ainda. Interrompeu o gesto com o cabelo.
Ivan os repreendeu, e pediu que eles não se afastassem dos pontos a serem tratados na reunião,
pedindo que as outras quinze famílias se instalassem no término de duas semanas. Também lembrou-
lhes que deveriam ter a documentação em dia, porque em três dias receberiam auditoria de Bogotá.
Ivan mudou de assunto e pigarreou incomodado.
- José Zambrano vai depor em uma versão gratuita na Promotoria em Bogotá em uma audiência
que acontecerá em seis semanas, mas que ainda não determinaram a data. O homem deseja contar
tudo o que sabe para ganhar os benefícios da Lei da Justiça e Paz - Ivan esperou uma reação por
parte de Olivia.
Quando conseguiu, a mulher não afastou o olhar do laptop que estava a sua frente.
- Parece bom. Ainda assim, não deve ter sido fácil reunir as vítimas desse bandido. As pessoas
temem represálias e não desejam arriscar perder aquilo que já tiveram de volta.
- Pois você tem três semanas para fazer isso. E como você é a responsável por esta parte, no dia
da audiência, não quero curiosos. Quere apenas as pessoas que tenham algo a ver com as palavras
que esse tipo vai dizer.
Ivan explicou que nesse processo, Zambrano dirá a verdade e nada mais que a verdade, como
determina a lei. Juízes, fiscais e procuradores vão guia-lo para estabelecer a verdade que o levariam
a juízo e poderia aproveitar os benefícios jurídicos estabelecidos. Ivan sabia que esse passo seria o
mais duro para a mulher que tinha a sua frente. Insistiu que o ato deveria ser desenvolvido por um
número reduzido de pessoas.
Lembrou que eles deveriam observar, e que não poderiam dar nenhuma opinião na audiência.
Cláudia retomou a palavra.
- Esperamos que eles possam se conter, porque são seus entes queridos, que estarão na boca
desse homem no dia da diligência.
- Isso é o que todos nós esperamos concluiu Ivan.
- Já chegaram os papéis da casa que vou doar para o meu projeto.
A propriedade tinha sido de seu pai. Ele havia deixado em testamento para ela, quando
terminasse a universidade. Tinha pertencido à família Ruiz por gerações. Nunca tinha sido parte de
negócios ilícitos e, atualmente, pertencia a Olivia em todos os sentidos da palavra. Quando seu pai
lhe ofereceu, ela recusou aceita-la, e os papéis da casa ficaram sem a sua assinatura por vários anos.
Tradução Lauren Moon
Ao entrar em cheio no programa de reparação, e depois de uma visita a Irlanda em uma casa de
paz, pensou de imediato em fazer alguma coisa parecida em sua região.
Depois da reconciliação que pôs fim ao conflito que devastou a Irlanda do Norte por séculos,
onde estiveram divididos de forma radical católicos e protestantes, a casa de paz era um espaço
neutro que nasceu do compromisso da cidade com a promoção e a educação dos direitos humanos.
Também seria um espaço em que as vítimas relatassem suas memórias em um ambiente de respeito.
Olivia sabia que seriam necessárias mais de quatro paredes para a realização do projeto, mas
que ela o faria, sim, iria fazê-lo. Estendeu-se em seus planos: a casa teria uma biblioteca, salão de
conferências e estudos, consultório de psicologia.
Contou que havia convidado possíveis doadores para o projeto, quando os planos estivessem
concluídos.
- E quem serão esses doadores? Ivan levava uma xicara de café aos lábios.
- O casal Preciado.
William assobiou baixinho.
- Você dá passos grandes.
- Não é assim - com um gesto nas mãos, quis deixar claro o óbvio: que trabalhava vinte e quatro
horas por dia.
- Marisa de Preciado é uma grande impulsora das causas sociais
manifestou Cláudia.
- Parece que depois do sequestro, Gabriel Preciado tem sua cruzada particular - concluiu
Alejandra.
Todos lembraram daquele momento, do sequestro do industrial, de seus dois anos de cativeiro e
de como depois foi libertado, decidindo trabalhar com o grupo de desmobilizados que o havia retido.
Ofereceu-lhes capacitação e trabalho para que pudessem deixar para trás suas vidas de violência.
- Então, eles são bem-vindos - o sorriso de Ivan pôs um ponto final à questão.
Naquela tarde, foi William quem acompanhou Olivia até sua casa.
Miguel não havia dado sinal de vida e ela não estava disposta a esperar mais tempo.
Decidiu aceitar a companhia de William, e fizeram o caminho a pé até a casa de sua tia Teresa.
Havia escurecido muito rápido, mas puderam ver alguns rostos de pessoas conhecidas, porque
aquela era a hora em que gostavam de sentar nas cadeiras de balanço à porta de suas casas.
- Quero convidar você para jantar.
Essa foi a única coisa que o homem disse durante todo o trajeto. Olivia, mesmo com fome,
queria chegar em casa. Mas também não queria dar asas a este homem. Por isso, deu uma negativa.
Além disso, estava preocupada. José Zambrano era o homem mais sanguinário de todos que
haviam acompanhado seu pai em seu desastre. Ele conhecia todos os segredos, mas o que Olivia
mais temia seria o momento de revelar onde estavam todos os corpos. Isso era uma coisa que ela
ainda não digeria, mas que Tradução Lauren Moon dificilmente deixava de pensar. Espantou suas
dúvidas e seus temores. Concentrou-se no trabalho que a esperava ao cruzar a porta de sua casa.
William passou o braço por seus ombros. Já na frente da casa, pigarreou incomodado e coçou o
queixo com os dedos - Olivia, quero que você me dê uma oportunidade. Sei que posso fazê-la feliz.
Ela levantou a vista. Não estava com ânimo para declarações. Se alguma vez ela pensou que
poderia dar uma oportunidade a William, voltar a San Antonio havia tirado a venda de seus olhos.
William era um homem bonito que conhecia a história de sua vida, por isso, não haveria surpresas.
Iria aceita-la como ela era. Então, por que não conseguia corresponde-lo?
Porque não era Miguel.
Ele ficou calado, tenso, com as mãos em seus ombros, olhando fixamente para aquela mulher.
- William, eu sinto muito, eu… - já estavam na frente da casa.
- É por causa dele, não é?
- Não… não é por ele.
Quis parecer convincente, mas nem ela e nem o homem ao seu lado ficaram convencidos.
Ele se aproximou com suavidade, inclinouse para frente e a beijou na boca, apesar do cansaço e
da confusão, Olivia não rechaçou o beijo.
“Por que não posso sentir a mesma coisa que senti quando Miguel me beijou? Como esse beijo
é diferente.”
William gostava dela e era paciente. Talvez por isso Olivia fosse incapaz de enganá-lo. Não
poderia amá-lo, e ele merecia uma boa mulher, e não alguém com tantos problemas.
Afastouse do homem, chegando até a porta de casa.
- Eu não lhe convenho, esqueça-me.
Duas sombras se aproximaram de Olivia. A primeira era de Miguel, que tinha ido ali com a
intenção de vê-la, porque ainda que tivesse se decidido a ficar à margem para ver com quem ela saía,
não pôde evitar segui-la. Teve que recorrer ao seu autocontrole para não interrompê-los, mas quando
o sujeito passou o braço pelos ombros de Olivia e se jogou para beijá-la, seu interior gritou de
ciúmes e de impotência.
Quis dar meia volta e ir embora, mas precisava saber se ele permitiria que ele entrasse em sua
casa. O fato de Olivia ter deixado aquele maldito beijá-la, tirou o pior de dentro dele. Com a agonia
e a raiva atingindo níveis demenciais, estava longe de se acalmar. Quis seguir o sujeito e enfrenta-lo,
mas para quê? Olivia não era sua, então, que caralhos importava quem ela deixava acaricia-la?
As rodas da camionete rangeram sobre o asfalto e ele saiu disparado pela rua principal da
cidade. O ruído do motor se igualava à ira de Miguel. Acelerou fundo na solidão da estrada, porque
estava raivoso, cego, exaltado de ciúmes por uma mulher que não o merecia. Merda! Deu uma curva
com violência e a poucos metros freou de imediato, quase a ponto de estatelar-se contra uma árvore.
Tradução Lauren Moon
“Neste ritmo, vou me matar!”
Por quê? Por quê? Por que ela causava esse desastre nele? Batia no volante com raiva? Que
tipo de poder ela possuía para descontrolá-lo da forma que ela fazia? Se tivesse voltado a sentir por
outra mulher o mesmo que sentia por ela, quão diferente seria sua vida! Miguel deixou cair o rosto
entre suas mãos e suplicou por força.
Força para não intimidá-la por ter deixado que outro a tocasse.
Força para conter a si mesmo e não tocá-la.
Força para tirá-la da cidade, para não ter que com este surpreendente emaranhado de emoções
que não lhe permitiam viver em paz.
*
A outra sombra se aproximou de Olivia cruzando a rua, repetindo para si: Maldita! Maldita! Por
que você ficou viva e minha filha não? Mas você terá o que merece. Puta! Tê-la ameaçado tinha sido
péssima ideia, mas logo, logo, ela saberia quem ele era. Tinha seus passos bem fiscalizados.
Tinha sido uma falta de sorte que Robles tenha ficado atrás dela o dia todo, mas o pobre sujeito
não podia evitar, porque andava atrás dela como um cachorro no cio. Pobre diabo! Não sabia que
estava atrás de uma puta, como a mãe dela, podia ver só de olhar para ela. Você vai pagar, juro que
pagará.
A sombra se afastou rua abaixo. *
Miguel trabalhava com afinco no conserto de uma cera a poucos metros da casa. Tinha
empregados que poderiam fazer este trabalho, mas precisava de alívio físico.
Hoje, ele pensava em adiantar o serviço do escritório que estava atrasado por andar atrás de
Olivia nos dias anteriores. Ela estaria em casa ou na praza da cidade com as crianças que ela havia
se oferecido para cuidar. Enviou um de seus homens que a vigiava com discrição.
Não queria abusar de Pedro, por isso ele o havia dispensado para divertirse na cidade, ainda
que por esses dias, sua ideia de diversão era algo bem diferente do que estava acostumado. Sorriu
com deleite. Seu pobre amigo havia caído como um coco, e estava enrabichado pela tia de Olivia.
Enfim, ele tinha problemas mais graves e que vinham envolvidos em um corpo espetacular e
delicioso, com uns olhos… Deus! Que olhos! Parecidos com a cor das árvores que ele via à
distância, uns olhos que o olhavam com ânsia, disso ele tinha certeza. Lembrou-se da cena da noite
anterior e a ira o sublevou outra vez. Olivia tinha todo o direito de estar com quem tivesse vontade.
Não, não, não.
Merda!
Tradução Lauren Moon
Ele cortou o dedo com um arame e soltou um toco junto com a braçadeira.
A melhor coisa que tinha afazer era deitar com umas das mulheres que sempre estavam
disponíveis para ele. Limpou-se como pode e continuou trabalhando.
Diabos! Nem sequer isso era uma tentação para ele.
Desejava a pequena bruxinha de olhos verdes e nem mesmo pensar na culpa que ele lhe atribuía,
pelo que aconteceu com sua família, baixava seu ardor.
Ainda se lembrava do que sentia ao estar com ela. Nunca mais havia voltado a sentir o mesmo
com nenhuma das mulheres que povoou sua vida esses anos todos. Essa sensação de se perder em um
intenso prazer que só ela lhe proporcionava, esse sentimento de posse e, ao mesmo tempo, de
ternura…
Não, nunca mais voltou a se sentir assim com ninguém, só com ela.
Queria jogar-se contra as paredes. Por que não podia enrabichar-se por uma mulher de boa
família? Por uma dessas mulheres dóceis, daquelas que vão à igreja aos domingos, que preparam
bolos e tortas e têm sempre um sorriso no rosto?
Não, seu capricho era essa maldita mulher, que andava pelos caminhos da cercania como cabras
no morro, que o enfrentava com apenas um de seus olhares, que não atendia à razão.
De longe, viu sua mãe se aproximar com uma garrafa térmica que, como de costume, estaria
cheia de limonada gelada. Ele enxugou o suor de sua testa com um lenço. Percebia-se que ela estava
chateada.
- Oi, filho - serviu o líquido em um copo plástico.
Miguel respondeu, saudando-a, mas a olhou inquisitivo, porque sabia que não demoraria a
soltar seu discurso, como efetivamente o fez.
- Até quando você pensa em me esconder isso?
- Esconder o quê? - perguntou, mas sabia que não havia necessidade de fazêlo.
Miguel estava cansado das birras de sua mãe por causa de Olivia. Virou os olhos.
- Que você anda com essa prostituta para cima e para baixo!
A mulher, em seu aborrecimento, não percebeu que servia mais limonada que o corpo suportava.
Derramou o líquido na terra.
- Essa prostituta, como você a chama, é problema meu - com os dentes apertados, agarrou as
braçadeiras até sentir as juntas dos dedos brancas -. Não fale assim dela.
- E você a defende! Claro! Esqueceu muito rápido, Miguel.
Miguel levantou os olhos.
- Cuidado, mãe. Tudo tem limite.
O tom com que foram ditas essas palavras enrubesceu Miguel e enfureceu Ligia. O homem
soltou o alicate e, com as mãos na cintura, respirou profundamente enquanto negava com a cabeça.
Tradução Lauren Moon
- Por que demônios você teve que se fixar nela?
- Aqui não tem nada mamãe, pode ficar tranquila.
- Nada, ainda. É apenas uma questão de tempo.
Miguel pegou de novo o alicate e começou a trabalhar com movimentos violentos. Levantou o
olhar.
- Mamãe, vou lhe pedir para que fica fora disso.
- Isso será difícil, em especial quando os comentários me chegam por muitas bocas.
Miguel sorriu.
- Então, tape os ouvidos.
A mulher deu meia volta e começou a andar. À distância, ele escutou: Espero que o seu
sarcasmo sirva quando você estiver sofrendo por ela, outra vez.
*
Pedro Almarales se remexia incomodado na cadeira plástica em que estava sentado, enquanto
observava Teresa dar uma palestra do pescador a dez criancinhas. Os meninos prestavam mais
atenção à merenda que era servida no mesmo tempo em que ela falava. Eles estavam na aula de uma
escolinha em um distrito a vinte minutos de San Antonio, e Pedro tinha ido até ali apenas para vê-la.
O homem respeitava a religião, mas para ele era contraditória. Sua esposa havia morrido há
alguns anos, e por isso também, ele tinha uma visão meio fatalista.
“Espera a provisão de Deus”, a mulher costumava dizer, mas essa provisão nunca havia
chegado. Sua esposa tinha sido diagnosticada com câncer. As experiências que ele tinha vivido com
o resultado daquilo, não o fizeram se aproximar desse Ser Supremo, que manejava ao seu capricho
os destinos do mundo.
Ele observava Teresa da cabeça aos pés. Era evidente que ela estava indignada, porque a
tropeções, via Pedro invadir seu espaço. O homem sentia que em seu interior se remexia alguma
coisa que permaneceu anestesiado por muito tempo.
“Acostume-se, senhora”, sussurrou consigo mesmo.
Enquanto observava seus lindos olhos e o gesto suave de suas mãos, Pedro se perdeu em seus
pensamentos. Como se conquistava uma mulher que teve tudo na vida? Um bom casamento, bens
econômicos, filhos bem sucedidos, viagens…
Ela era a mulher que o atraía, que o derretia com cada um de seus furiosos olhares. Como
chegar até ela?
Estava ciente de que seria uma disputa dura, agressiva e sem indulgência.
Seria um assédio longo e difícil.
Teresa dividiu a merenda com os meninos, constituída de um iogurte de morango, um sanduiche
e um pacote de biscoito doce. Era uma tarde fresca, o céu estava claro, embora tivesse chovido mais
cedo, razão pela qual o ambiente estava fresco. Então, apareceu o padre Lorenzo.
Tradução Lauren Moon Pedro gostava dele. Era um homem jovem que vivia plenamente seu
ministério. Deveria ter uns trinta e cinco anos. Era alto, magro, de cabelos castanhos, nariz aquilino e
olhos inteligentes, de cor café.
Teresa fez as apresentações a contragosto.
- Toda ajuda é bem-vinda - disse o amável sacerdote.
Pedro retribuiu a saudação e, com prazer, se ofereceu para colaborar com o que o pároco
determinasse.
- Temos que fazer alguma atividade. Esses meninos precisam de, pelo menos, carteiras
escolares para iniciarem as aulas como Deus manda.
- Eu tenho umas carteiras assim em minha estância, padre. E com muito prazer, eu os presenteio.
Ele o olhou, estranhando e então perguntou: - Por que você tem carteiras escolares na sua
estância?
- Eram da minha filha. Ela dirigiu um pequeno colégio em Santa Rosa.
Alguns anos depois, ela se casou com um estrangeiro e se mudou para a Bélgica.
O sacerdote pediu a Teresa que o acompanhasse a sua estância, para dar uma olhada nas
carteiras, para verificar se seria necessário algum reparo. O incômodo da mulher aumentou ao ouvir
o pedido do padre, mas não ia deixar isso evidente na frente deles.
O sacerdote se despediu, afastou-se pelo caminho e saudou um casal de idosos que procuravam
sua ajuda. Pedro levantou uma mão para impedir os protestos que sabia que viriam. Teresa o ignorou,
porque seria necessário mais que esse gesto para calá-la.
- Nem sonhe que vou com você para qualquer lado - espetou ofendida -. Eu sei muito bem o que você
pretende.
- E o que eu pretendo? - perguntou com calma.
Caminharam até a área externa, onde estavam estacionados os carros de cada um deles.
- Você quer ter alguma coisa comigo e isso não acontecerá. Sou uma mulher casada e você
deveria me respeitar.
- Antes de mais nada, não é apenas alguma coisa que eu quero de você.
Você me ofende só de se expressar olhou-a com um brilho estranho nos olhos
-.
Quanto ao seu status social, nós dois sabemos muito bem como são as coisas.
Teresa levantou a mão. Ter-lhe-ia esbofeteado sem pena, mas lembrou-se de que esta não era
uma atitude cristã.
- Você é um atrevido! Você sabe exatamente onde ele está! O fato de ele estar ausente não
significa que devo aceitar seus galanteios.
- Quando foi a última vez que alguém fez alguma coisa por você?
- Que diabos você quer dizer com isso?
- Quando foi a última vez que você pôde apoiar-se em alguém, contar com alguém?
Tradução Lauren Moon
Teresa caminhou de um lado para o outro. Que homem mais insolente!
- Eu tenho família, senhor, tenho filhos!
- Sim, sei. Mas quando foi a última vez que alguém dispensou tempo a você, ou a considerou
como se fosse a única do mundo?
- Vá à merda!
Isso também não era cristão.
Ela entrou no carro, mas antes de fechar a porta, Pedro soltou: - Você vai comigo até a minha
estância para ver as carteiras, ou eu retiro a oferta - esperou pela reação dela -. Depende de você
que esses meninos possam iniciar o ano escolar. Eu passo para buscala amanhã às dez.
Ele também entrou em seu carro.
Pedro não tencionava soar tão déspota. Observou o outro carro desaparecer pelo caminho. Ele
ficaria surpreso se amanhã de manhã ela não o esperasse com um tiro de escopeta. Em seus lábios
cruzou a sombra de um sorriso.
Teresa parecia ainda mais bonita quando se enfurecia.
Sim, senhor, ainda tinha um longo caminho a percorrer.
*
Olivia passou a tarde reunida com o arquiteto Alberto Carbonell, um homem jovem e inquieto
com as ideias vanguardistas que estava encarregado da reforma da casa.
Juntos, percorreram cada cômodo de cada andar. Ele levou junto três criancinhas que havia se
oferecido para tomar conta. Os dois menores brincavam no jardim, que era amplo e tinha uma
pequena lagoa com larvas e peixes pequenos. Os meninos jogavam pedrinhas na lagoa, enquanto a
irmã, Aura, de uns doze anos os acompanhava.
Olivia deteve seu olhar na menina. Tão jovem e seus olhos já mostravam a maturidade de uma
mulher mais velha, e já estava encarregada de seus irmãos Nicolás e Fabián enquanto sua avó
trabalhava.
Alguns rapazes da cidade se aproximaram, pois gostavam de pescar no local. Em certo
momento, eles cercaram as três crianças. A menina pegou seus irmãos pelas mãos e os levou para
onde Olivia estava. Os rapazes disseram alguma coisa que Olivia não pôde entender, mas pelo triste
olhar da menina, pôde imaginar. Os dois meninos haviamse adiantado, e ela se virou, dando um
bofetão em um deles, que ficou olhando para ela como se tivesse recebido um castigo dos mais
injustos.
Olivia se desculpou com Alberto e saiu da casa.
- O que está acontecendo aqui? bramou assim que chegou ao lado de fora.
Os meninos se aproximaram e se agarraram ao seu quadril. A menina, em troca, caminhou e se
sentou muda no descanso das escadas. O menor deles foi quem respondeu: Tradução Lauren Moon -
Eles disseram que mataram minha mãe porque ela era má, porque era bandida.
Alberto apareceu no umbral. Os rapazes que haviam agredido verbalmente os meninos saíram
correndo do lugar ao notarem a presença de adultos.
Olivia se sentou com os meninos que ela estava cuidando nas escadas e estendeu a mão para o
menorzinho.
- Isso é mentira - Olivia começou a dizer -, nunca acreditem em nada do que dizem as pessoas.
No fundo de seus corações, vocês sabem o que foi que aconteceu.
- Minha avó fala pouco sobre isso. Só sabemos que um dia ela saiu e nunca mais voltou -
começou a chorar -. Eu quase não me lembro dela e não quero esquecê-la.
Olivia sentiu um aperto no coração.
Ela se lembrava muito bem do caso de Helena Cubillos, ativista da região pelos direitos da
mulher na época em que Rigoberto Montes, outro dos mandachuvas de seu pai, abusava de sua
autoridade. Enviaram à família a notícia de que ela havia morrido, mas seu corpo jamais apareceu.
Inventaram uma série de histórias sobre seu desaparecimento, que fez com que a família se mudasse
para outra região para ficarem fora de perigo.
Olivia se lembrou do último estudo a respeito desse assunto.
As mulheres nessa região do país, e em muitas outras, eram comumente tratadas como troféus de
guerra. As diferentes autoridades sabem que atacam às mulheres, que na maioria dos casos é a chefe
da casa, pelo fato da Colômbia ser um país de pais ausentes, por culpa da sempre presente violência,
destruindo a estrutura social da comunidade e rachando o ambiente físico e emocional.
Olivia observava as três crianças em silêncio, sentindo-se arrasada por sua impotência. Sua
mente e seu coração se digladiavam entre o que ela havia sentido quando aconteceu com sua mãe e
em como encarar esta nova situação. Ela sabia que não existiam palavras suficientes para drenar a
dor de uma perda, mas devia a esses meninos uma esperança. Por intermédio de sua dor, Olivia tinha
conseguido reconstruir uma parte de sua vida. Sabia que esses meninos seguiriam adiante, se
tivessem uma nova dimensão de sua dor. Isso tinha funcionado com ela, não?
Ela teria gostado que alguém tivesse dito palavras amáveis sobre sua mãe. Seus tios apenas
ficavam calados quando seu nome era pronunciado. Sabia muito bem pelo que esses três meninos
estavam passando.
- Sua mãe era uma boa mulher.
- Você a conhecia? - questionou Fabián.
- Não tive o prazer de conhece-la, mas me falaram dela.
- Quem? - quis saber Aura.
- Aquelas pessoas que ela ajudava Olivia pegou a mão de Nicolás.
- Mas todo mundo diz que ela era má - acrescentou o menino, soltando a mão, coçando um olho.
- Existem muitas pessoas malintencionadas que tentarão confundir vocês. São pessoas
invejosas, porque não possuem o coração bondoso que tinha sua Tradução Lauren Moon mãe.
Lembrem-se sempre que ela era uma alma tão boa que Papai do céu a quis do seu lado.
- Eu queria que ela tivesse ficado conosco!
Olivia percebeu a dúvida que ficou presente nos três semblantes. Ela tentou convencê-los.
- Vejam desta maneira: lá do céu, sua mãe pode velar por vocês e por sua avó. É por isso que
ela está ali, para fazer um trabalho melhor. Lembrem-se também de que ela vive no coração de
vocês.
- Não é fácil acreditar.
- Ela estará em seu casamento, Aura, e no nascimento de seu primeiro filho. Em qualquer
tristeza que venha nublar a vida de vocês, ela vai acompanhar todos vocês.
- Como um anjo? - perguntou Fabián.
- Sim, meu amor, como um anjo. Helena não gostaria de vê-los triste.
- Minha mãe é um anjo, minha mãe é um anjo - Nicolás levantou as mãos para o céu.
Olivia sorriu. As crianças se afastaram na direção da pequena lagoa e a mulher voltou para
casa. Ela os observou um pouco mais pela janela, até que se concentrou no que o arquiteto explicava.
- Acredito que a parte da frente pode ser derrubada sem pena. É horrível! E, além disso, podemos
aproveitar o espaço.
- Confio em você, Alberto, mas só quero preservar a arquitetura da cidade. O arquiteto,
decepcionado, suspirou.
- Vou apresentar várias ideias, algumas pouco comuns com a arquitetura da cidade. Você não
precisa se ater às normas que regem a praça.
- Vou levar em consideração qualquer sugestão - colocou uma mão em seu ombro, enquanto
olhava o terreno que havia ali atrás, cheio de ervas daninhas -. Não me lembro se este terreno está
dentro dos limites da propriedade.
- Posso averiguar no cartório de registro.
- Sim, faça isso, por favor. Se pertencer à propriedade, poderíamos aproveitá-lo. E quantos aos
planos, quando estarão prontos?
- Eu terei uma ideia mais clara quando o casal Preciado chegar. E quando você tomar uma
decisão, então, apresentarei os planos em uma ou duas semanas.
Pelo visto, dois meses seriam mais que suficientes. Mas, no fundo, ela sabia: o projeto duraria
anos. Poderia ir e vir, porque sua vida estava em Bogotá, assim como seu apartamento e suas coisas.
Quando ela decidiu voltar, sabia que não seria para sempre.
Depois de se despedir do arquiteto, ela levou as crianças para comerem uma pizza e, na
sequência, alugou um filme para eles.
Eles se acomodaram na sala de televisão da casa de sua tia Teresa. Levaram com eles uma enorme
bacia de pipoca.
Tradução Lauren Moon Olivia voltou a se encher de lembranças, enquanto as imagens chegavam à
tela da televisão.
*
Sua infância havia desaparecido, como se uma cortina de fumaça tivesse caído sobre sua
infância.
Nos braços de Miguel ela virava uma página de sua vida.
As emoções, o medo e a angústia se juntavam em um acúmulo de sensações enquanto ele, o
homem que havia escolhido como companheiro de sua vida, a levava pelos caminhos da paixão com
avidez e ternura.
- Você deve ficar muito bonito com seu uniforme - não o olhava com atenção porque tinha medo
de que ele percebesse sua adoração.
- Sim, digamos que sim - respondeu, com a cabeça baixa e um sorriso nos lábios.
Estavam na lagoa. Olivia tinha faltado aula naquele dia, tendo escapulido da vigilância dos
homens de seu pai. Ela havia levado comida e planejava passar a manhã toda na companhia de
Miguel. Dois dias tinhamse passado desde a noite que estiveram juntos, e o coração de Olivia não
cabia no peito. O medo a dominava, assim como o amor e uma estranha fatalidade que sussurrava que
ela não merecia nada daquilo que ela estava vivendo.
A pequena lagoa se iluminava com o sol do meio-dia. Miguel, acomodado de costas entre as
pernas dela, as acariciava do tornozelo ao quadril.
- Você tem umas pernas fabulosas.
- Qual é a parte do meu corpo que você mais gosta?
- Tenho mesmo que responder? Ela apenas deu um sorriso de lado com os olhos brilhantes.
Miguel se virou e começou a brincar com seu sexo por cima da calcinha do biquíni. O leve
toque fez com que ela se mexesse. Miguel foi até sua boca e a beijou, enquanto despojava as poucas
roupas que cobriam seu corpo. Ajoelhouse na água e colocou as pernas de Olivia em seus ombros.
Ele a abria, beijando a parte interna de suas coxas, então, deu uma mordidinha, deixando uma
pequena marca, até chegar às delicadas dobras que com os dedos, abriu-as. Beijoua.
- Miguel, eu…
- Shhh.. - voltou a beijá-la, mas ao nota-la tensa, levantou o rosto -. Confie em mim, não tenha
vergonha. Estamos sozinhos. Não aparecerá ninguém.
Ela sabia que os homens de seu pai imaginavam que ela estivesse no colégio, por isso podia
ficar tranquila.
Olivia, enrubescida, concedeu-lhe este pedido. Quem poderia negar alguma coisa, quando uma
paixão nua brilhava e passeava em seus olhos cor de café?
Quando Miguel começou a lamber suas dobras e seu sexo, perdeu-se em mil sensações e
começou a pedir por mais. Ele a devorava, molhava e escovava, levando-a a uma fantasia da qual ela
não podia voltar. Olivia o agarrou pelos cabelos e se juntou a ainda mais aos lábios deles.
Tradução Lauren Moon
- Miguel, meu amor..
O homem não conseguiu evitar um gemido e um sorriso. Ele a abriu ainda mais, deixando-a
exposta física e emocionalmente. O choramingo de Olivia substituíram o cantar dos pássaros. Ela se
derreteu em um sem-fim de sensações que percorreram seu corpo e a deixaram sem forças.
- Uau - foi o que ela conseguiu dizer depois de um tempo.
- Acho que isso responde sua pergunta.
- Então, qual é a segunda parte de mim que você mais gosta, tenente? - ela o olhava com olhos
provocantes.
- Poderia dizer que são os seus seios, mas eles estão fora de comparação ele os acariciou,
deixando-os mais duros do que já estavam -. Ou poderia dizer que são seus olhos ou suas nádegas -
ele as agarrou, apertando-as
-. Mas, para dizer a verdade, são suas pernas que me enlouquecem, ainda mais quando estão
enredadas em minha cintura - ele a levantou, fazendo com que ela o rodeasse -, e eu estou unido a
você dentro da minha parte predileta – disse com a voz rouca, investindo com força, enquanto sugava
seu seio.
Olivia gemeu com desespero para apressá-lo ao seu interior. Miguel capturou sua boca em um
beijo longo, profundo e apaixonado. Mergulhou seu nariz no pescoço dela, para depois beijá-lo e
mordê-lo.
- Você me encanta - repetia em sussurros com a voz ofegante.
Olivia apoiou uma mão no peito dele. Sentia os batimentos daquele coração como um tambor e
a descarga de prazer percorreu ambos os corpos. Ela adorava a expressão dele no momento do gozo.
Lembrou-se de suas palavras: “Nunca ninguém me deu tanto prazer. Nunca me senti assim em minha
vida”.
Miguel continuava penetrando em Olivia, acalmando sua ânsia, a profunda necessidade que
havia se instalado em suas entranhas, até que ambos chegaram ao tremor final.
0
- Do que você está rindo? Tenho cara de miquinho? - ela questionou antes de dar a primeira
mordida em um dos sanduiches que havia preparado.
- Se alguém nos seguisse, seus gemidos iriam nos entregar. Até os pássaros saíram voando.
Ela enrubesceu e se manifestou: Quer uma piada, Tenente?
- Você está mudando de assunto riu -. Minha linda Olivia e suas piadas, claro que sim - trouxe-a
até ele -. Mas nunca deixe de gemer, porque é outra das coisas que adoro em você.
- A esposa, ansiando pelo carinho de quando eram namorados, disse ao marido: Pepe, você já
percebeu que o vizinho beija sua mulher, todos os dias quando sai para trabalhar? Por que você não
faz o mesmo? Ele disse: De verdade? Você não se importa que eu beije a vizinha?
Miguel riu baixinho e a colocou em cima dele.
Tradução Lauren Moon - Poderíamos ficar aqui para sempre - murmurou Olivia, em tom de
brincadeira.
Ela o beijou no queixo e baixou para o peito dele, deitando o rosto nele.
Miguel acariciava sus nádegas e continuou com a brincadeira: - Sim, claro! Poderíamos ser
caçadores e colheríamos na mata.
- Eu poderia aprender a caçar. Sou boa aluna.
- Não tenho a menor dúvida disso beijou o lóbulo da orelha, disposto a amá-la uma vez mais.
Descobrir que ela era apaixonada e que se entregava livremente a ele não era uma coisa fácil de
Olivia assimilar. Tinha sofrido muito com a promiscuidade de sua mãe. Era uma sensação incômoda
saber que, em um instante, e por obra e graça das carícias de Miguel, sentia suas entranhas em fogo,
quando ele pousava as mãos nela. Seus pensamentos giravam em um torvelinho, e não podia acreditar
que o prazer fosse tão intenso e que a força de um orgasmo fosse tão implacável. Esse homem a
deixava atordoada, porque a crua sexualidade de Miguel a deixava muito vulnerável. Ele não fazia
mais que tocar em alguma parte de seu corpo, que este respondia como se o conhecesse a vida
inteira. Talvez porque ele não acariciasse apenas seu físico, mas além disso dava o carinho mais
profundo dele mesmo. Sua própria essência, e isso a assustava como nunca antes havia-se assustado.
Não entendia como alguém podia viver a sexualidade despreocupadamente, se isso era uma coisa tão
íntima, em que se dava tanto de si mesmo.
Ela sabia disso perfeitamente, porque havia se entregado a ele: por medo de perde-lo. Usou seu
corpo como uma forma de distraí-lo para que ele a deixasse em paz a respeito de suas origens, mas o
tiro saiu pela culatra.
Ela havia entregado sua alma a ele pelos motivos mais equivocados.
A felicidade não duraria para sempre, e em poucos dias ele estaria de volta ao seu batalhão, e
ela não teria outra escolha que contar a verdade para ele.
Desejava ficar naquele lugar para sempre.
Miguel acariciou seu rosto.
- Por que minha tagarela de repente está tão calada?
A resposta de Olivia foi um suspiro e nada mais. Miguel pensou que, no mínimo, ela teria medo
que ele a deixasse.
Não podia permitir que ela acreditasse em semelhante bobagem.
Sorriu.
- Amanhã à noite irei a sua casa. Temos que falar com seus tios e não pense que eu esqueci - ele deu
um beijo em sua testa.
Ela também sorriu, mas para si mesma. Amanhã, ela iria contar a verdade para ele. Amanhã. .
Tradução Lauren Moon
Capítulo X
Teresa se olhava no espelho, enquanto ajustava um cinto com contas douradas na cintura. Tinha
vestido um blusão lilás e uma calça branca. Sentia-se mais que ofendida, nem tanto por ter tido que
aceitar a coação desse homem para que as crianças tivessem onde se sentar quando as aulas
começassem, mas também por sentir-se da maneira com que se sentia, uma mistura de apreensão e
curiosidade, por saber qual seria o próximo passo deste homem.
Nem mesmo deveria ter um pensamento caridoso em relação a ele, mas aí estava ela, como uma
adolescente em seu primeiro encontro e insegura de sua aparência pessoal, pela primeira vez em
muitos anos.
Pensou em seu querido Enrique. Por que você tinha que ficar doente? Por que a esta altura da
vida uma coisa impensável estava acontecendo com ela? Secou uma lagrima que rolou por sua
bochecha. “Perdão, meu amor, você não tem culpa”, Teresa pensou e beijou a fotografia que estava
sobre a mesinha de cabeceira, em que ela estava com seu marido a bordo de um cruzeiro pelas
Bahamas.
Não foi capaz de aparecer lá naquele dia.
A voz de Tránsito a tirou de seus pensamentos. Com aquele timbre de alarme e consternação
com que às vezes lhe falava, perguntou-lhe o que estava acontecendo. Teresa a tranquilizou com um
gesto. Com um sorriso, ela comentou que Teresa estava muito bonita. Ela deu pouca importância ao
elogio.
- O senhor Pedro Almarales a espera na porta. Não o deixei entrar, segundo suas ordens.
Teresa assentiu. Olhou-se pela última vez, acariciou uma mecha de seu cabelo que estava em
seu lugar e saiu preparada para a guerra.
- Bom dia - ela o saudou com frieza ao passar pela porta. Sabia que tinha sido grosseira, mas
era o mínimo que este homem merecia por seu comportamento.
Pedro apenas correspondeu à saudação, quis dizer que ela estava bonita, mas resolveu não
tentar a sua sorte. Não o tinha recebido a vassouradas e só por isso deu graças ao céu. Se não
estivesse enganado, o olhar desafiante de Teresa lhe disse que o encontro não seria cereal com mel.
Ela se surpreendeu com a humildade de seu olhar, o brilho em seus olhos e a seriedade de sua
expressão.
Quis leva-la até a camionete e abrir a porta do assento do passageiro, mas ela rechaçou ambos
os gestos.
Pedro deu a volta e subiu de imediato na camionete.
- Minha estância fica a uma hora da cidade, por isso, espero que você esteja confortável.
Tradução Lauren Moon
- Sim, obrigada - percebeu o aroma de sua colônia, que por sua vez era suava e masculina, e
cheirava a madeira e sândalo. Vestia uma camisa branca de manga comprida e uma calça jeans preta
com botas bem arrumadas.
Ela seria uma idiota se engasse que aquele homem era atraente, e essa atração que sentia por ele
era como um punhal cravado em seu coração.
- Que música você deseja escutar?
Ela não respondeu. Não queria música, não queria estar naquela camionete e não queria sentir o
que estava sentindo.
Ele não a pressionou. Apenas apertou o botão do equipamento de som e uma canção de Roberto
Carlos encheu de música a camionete: ♫ Quando eu estou aqui Eu vivo esse momento lindo
Olhando pra você E as mesmas emoções sentindo ♫
Ela o observou com uma expressão fechada e desafiante. Pedro devolveu-lhe o olhar entre
confuso e inseguro. Quantos anos haviam se passado desde que uma mulher o fez sentir assim? Muito
mais anos do que ele podia se lembrar.
- Não gosta de Roberto Carlos? tentou impor um assunto à conversa -.
Se desejar, posso colocar outra coisa. Basta dizer o que você quer escutar.
- Eu gosto de Roberto Carlos.
O restante da viagem foi um cabo de guerra: Pedro com vontade de iniciar uma conversa, e ela
apenas respondendo em monossílabas.
Quando chegaram à estância, um homem os esperava no portão de entrada.
“Este é meu lugar favorito”, comentou o homem tão logo começaram a subir uma estrada bem
cuidada.
“Como se isso me importasse”, ela pensou, sem nem ao menos perceber quão puro era aquele lugar.
A indiferença durou pouco. Era um lugar muito bonito, tinha que reconhecer, e por ser uma
mulher sensível, não pôde passar por cima do cuidado e do carinho que via em cada trecho.
Um caminho de árvores e flores desembocava em uma casa no estilo colonial em perfeitas
condições, rodeada por um exuberante jardim.
- Há quanto tempo você tem esse lugar? - não pôde evitar perguntar com curiosidade, enquanto
observava a beleza dos arredores.
- Dez anos.
Ela enrubesceu diante do sorriso de complacência que apreciou nos olhos dele ao perceber a reação
dela por aquele lugar.
- É lindo - ela disse enquanto caminhava pelo jardim para observar as buganvilas, os hibiscos e
os tremoços que conviviam em uma harmonia de cores com as demais plantas do lugar -. Quem cuida
do seu jardim?
Tradução Lauren Moon
Ele enrubesceu.
- Eu.
Ela olhou para ele com ar de incredulidade.
- Não, impossível! Percebe-se que mãos experientes cuidam desse jardim.
- Acredite, Teresa. Victor, o rapaz do serviço geral, me ajuda quando não estou aqui, mas sou eu
quem cuido deste lugar – Teresa voltou os olhos às plantas e cobriu a boca com a mão -. Olhe essas
preciosidades, são margaridas africanas
– Pedro estendeu a mão e tocou na pétala com extremo cuidado.
- São lindas! Eu não as conhecia.
- Não tenho nada contra as margaridas comuns, mas essas são as minhas prediletas.
- Por quê?
- Porque são vivazes, agradecem o
cuidado com que lhes brindo, e porque as folhas têm a mesma cor dos seus olhos.
Teresa suspirou incrédula. Morria de curiosidade, mas preferia morrer a expressar o que sentia.
E ainda mais ver o olhar de seus enigmáticos olhos cinza que adivinhavam o que passava por sua
mente.
Sem dizer mais nada, deu uma corrida até a casa. Subiu três degraus até chegar a um pequeno
saguão, com umas poltronas bem cuidadas, forradas de couro e cadeiras de balanço no estilo
vienense. O piso, em lajota vermelha, parecia encerado e brilhante.
Saiu para recebe-los uma mulher de uns cinquenta anos.
- Lola, apresento-lhe a senhora Teresa Manrique.
- Muito prazer, senhora - a mulher sorridente estendeu a mão e Teresa a estreitou.
- Ela e seu marido Edgar cuidam da estância enquanto eu não estou. Eles têm uma casinha
abaixo da colina que está do outro lado. Victor é seu neto.
Nesse momento, apareceu Edgar, homem de meia estatura, calvície incipiente e olhar bonachão.
Teresa gostou do casal, eram cordiais e de olhar amável, com a benevolência das pessoas do campo,
que ainda não foram contaminadas com a violência ou o ressentimento. Eles se retiraram, deixando-
os outra vez sozinhos.
Eles entraram em uma sala na qual se impunha um majestoso sofá, duas poltronas de cor café e
uma mesinha de centro rústica. Atrás deles, a sala de jantar também no estilo rústico, muito em
ordem e com enfeite de mesa natural, atraentes à vista. Ao fundo, um grande janelão que dava para a
parte traseira da estância, uma paisagem sem igual.
Teresa não deixou de observar que o lugar era cuidado com muito esmero. Havia vasos de
flores pendurados na galeria e percebia-se o carinho de seu dono em todos os detalhes da casa.
Lola se aproximou com dois copos de suco de laranja.
Tradução Lauren Moon Pedro convidou Teresa para se sentar na galeria. Como não podia ser mal-
educada, aceitou o convite e o copo trazido por Lola. Bebeu um gole, estava delicioso!
- Desde quando você trabalha com os Robles?
- O pai de Miguel era muito amigo meu - a afirmação sombreou seu olhar -. Conheço Miguel
desde que era um menino de fralda.
- Sinto muito sua perda.
Pedro bebeu um gole.
- A morte de Santiago foi um golpe duro para a família. Eu senti como se tivesse perdido um
irmão.
- Foi uma época muito ruim para a região.
- Eu me ofereci para ajudar Miguel e levar El Álamo adiante, por Santiago e porque Miguel
merece recuperar parte do que perdeu.
Teresa se movia ao ritmo da cadeira de balanço. Enquanto ele o escutava, ouviu o trinar dos
pássaros e um para de cachorros que latiam à distância. A casa cheirava à colina, cavalos, flores e
um inconfundível aroma de essência de óleo de limão, que com certeza teria polido a madeira e os
móveis.
- Não preciso deste trabalho - ele continuou -, porque tenho meios mais que suficientes para
viver dedicado à estância, mas eles são como minha família.
Teresa percebeu que estava diante de um grande problema, pois sua fascinação por ele esteve
eclipsada por um homem cheio de defeitos, mas este homem era bom, leal, que gostava de ajudar.
Além disso, gostava de jardinagem quase tanto quanto ela. Sem contar que ambos tinham gostos
musicais semelhantes!
Mas, pensando bem, Pedro tinha alguns defeitos, e não precisava se enganar. Era um homem
dominante e sempre queria sair-se com uma das suas.
- Conteme um pouco de você, Teresa.
Pedro fixou o olhar nela.
- O que você quer saber? – continuou apreciando a paisagem que se estendia pela enorme
janela.
- Absolutamente tudo, quero conhece-la melhor.
Teresa deixou de olhar a paisagem. Fixou o olhar no homem sentado no sofá ao seu lado.
- Mais? O que você sabe de mim?
- Muitas coisas… Que franze o cenho quando alguma coisa a incomoda, que enrubesce com
facilidade, que tem bom caráter e bom coração. Embora deva admitir que não tenha sido beneficiado
por este caráter.
Teresa baixou a cabeça e bebeu mais suco.
- Isso não é conhecer alguém. Pedro sorriu.
- Você é uma mulher leal e abnegada no cuidado de seu marido.
Tradução Lauren Moon Teresa sentiu um ardor no peito e, se não fechasse os olhos e pensasse em
algo mais, devolveria os poucos goles do suco ao copo.
- Não fale dele, por favor.
- Desculpeme - Pedro deduziu ter afligido a alma da mulher, por isso decidiu reparar um pouco
o dano. Pôs-se de pé e estendeu sua mão -. Venha, vou lhe mostrar os estábulos e as carteiras
escolares. Tenho quatro cavalos e seis vacas.
Os cavalos eram o orgulho de Pedro. Teresa percebeu assim que chegaram ao estábulo. Foi
delatado pela forma com que falava deles e acariciava seus lombos.
Quando chegaram ao espaço onde as carteiras estavam guardadas, pela primeira vez Teresa
sentiu reconhecimento e gratidão por aquele homem. Estavam em ótimo estado e não precisariam de
reparos.
Lola apareceu em menos de cinco minutos, e informou que a comida estava na mesa. Pedro, ao
invés de leva-la à sala de jantar, onde havia imaginado que iriam almoçar, ele a levou a uma parte da
galeria de onde se avistava a savana.
Haviam colocado uma mesa média com uma toalha na cor bege, sobre ela havia flores e talheres
finos. O centro da mesa tinha um arranjo de margaridas, dessas que cresciam em seu pátio.
Ele puxou a cadeira para ela se sentar.
Teresa agradeceu os detalhes.
- De nada - ele murmurou, próximo ao ouvido da mulher, que estremeceu com o calafrio.
Lola apareceu com dois aperitivos de frutas banhadas em mel.
- Deliciosos - foi a única coisa que conseguiu pronunciar. O nó em sua garganta ameaçava não
permitir engolir mais nada.
No meio do almoço, Victor com um violão fez soar as cordas até que começou a cantar uma
velha canção de Roberto Carlos:
♫ Eu quero ser sua canção Eu quero ser seu tom ♫
A mulher pensou que fosse uma artimanha de Pedro para conquista-la. Levantou a guarda.
- Como sabe que eu gosto de Roberto Carlos?
- Não sabia, é o meu cantor favorito.
- Por Deus! – deixou cair o garfo no prato.
Pedro se surpreendeu pela reação, mas já tinha pronto o comentário, que veio acompanhado de
um sorriso: - Você se incomoda de eu gostar? Ou você pensa que só você pode gostar deste cantor?
Tradução Lauren Moon
- Sim! - sua voz saiu estridente como a das adolescentes, e logo sentiu vergonha de sua reação -.
Sinto muito.
Pedro voltou a sorrir, um sorriso mais amplo que o anterior.
- Não tem problema. Victor, você pode tocar alguma de suas músicas? O rapaz assentiu e começou a
tocar uma melodia sem letra.
Enquanto isso, Lola servia o prato principal: um filé fino na brasa, com batatas gratinadas e
vegetais verdes, crocantes. O prato cheirava deliciosamente bem.
Eles almoçaram em relativa paz. Teresa sentia nitidamente o peso da distância que seu receio
colocava entre ela e Pedro. Tinha sentido encurtar essa distância quando falavam de flores e outros
cuidados, mas estava outra vez latente à mesa. Teresa não observada e levava algumas garfadas à
boca. Enquanto Pedro tratava de falar de amenidades, ela só se fixava na cor de seus olhos, na
textura de sua pele e no gesto que fazia ao levar o copo à boca. E quanto mais o contemplava, mais
pensava nas muitas razoes pelas quais deveria ficar longe dele. Seu lado de mulher romântica e
sonhadora sussurrava que se lançasse, que lhe desse uma oportunidade. Seu outro lado, de mulher
racional e cheia de moralidades, esse lado que havia regido sua vida, rechaçava esta ideia de
imediato.
- Não devia se incomodar tanto afastou o prato sem terminar de comer.
- Para mim, é sempre um grande prazer agradá-la nas pequenas coisas. Ela permaneceu em silêncio.
E quando não falou mais, nem mesmo quando ele falou com ela, Pedro também abandonou a
comida. Ele pediu que se dirigissem à outra parte da galeria.
Sentaram-se em outras cadeiras de balanço. Lola levou café forte para eles.
Café que nada fez ao corpo de Teresa, que em poucos minutos foi vencida pelo sono, fosse pela
força da temperatura, ou pela comida, ou pelo trinar dos pássaros. Ela foi invadida por uma paz que
a fez fechar os olhos e fazer a sesta, que há anos não fazia, porque em sua casa era impossível:
sempre tinha que fazer alguma coisa para Enrique, dar-lhe um doce, um remédio, trocá-lo de posição
a cada quatro horas para não afetar sua circulação…
Ela acordou, de repente, depois de vinte minutos.
Olhou para Pedro, que com um sorriso se mexia ao seu lado, com a vista fixa para fora.
- Por que me deixou dormir?
- E por que não? - o homem
transbordava tranquilidade, uma paz imensa.
- Não é correto - disse entredentes.
- Em nossa idade, existem mais coisas incorretas que podemos nos dar ao luxo de fazer.
Acredite-me, nós dois ganhamos. Percebe-se que você precisava deste descanso.
O rosto de Teresa enrubesceu de raiva, perguntou onde era o banheiro, porque precisava se
refrescar.
Tradução Lauren Moon
Ao olhar-se no espelho, seus olhos marejaram. Desde quando alguém se preocupava por ela não
fazer a sesta? Desde quando alguém não doava seu tempo sem pressão, nem anseios?
Primeiro tinha sido a criação de seus filhos, as exigências de seu marido, a reabilitação de
Olivia e depois, quando já dispunha de tempo para ela, a doença de seu marido.
Agora, estava ocupada com as atividades da igreja e com os cuidados de seu marido. Não podia
culpar seus filhos. Tinham feito suas vidas na capital e já tinham lhe dado netos. Às vezes, viajava à
cidade para vê-los ou eles vinham nos finais de semana ou no período de festas. Mas isso não era
suficiente nesta etapa de sua vida.
Sempre havia trabalhado para os outros, sem arrumar um tempo para ela, e agora vinha este
homem para abrir seus olhos para suas necessidades, que estiveram enterradas no fundo de seu
coração durante tantos anos.
“Que caralhos ia fazer?”
Era uma mulher responsável e não podia deixar sua vida jogada, ao primeiro que dissesse que
tinha olhos lindos. Era uma mulher madura, com obrigações.
O que ela havia pensado na mesa com ele, não podia pensar. Deveria lembrar bem disso.
Já um pouco mais tranquila, dirigiuse até o local em que Pedro esperava por ela. Pediu que ele
a levasse para sua casa.
Percebeu alguma coisa no olhar daquele home, como se um brilho tivesse se apagado.
“Isso não é problema meu”, disse a si mesma.
*
Olivia e Cláudia havia trabalhado durante a manhã sobre os passos a seguir com o restante das
famílias que esperava a reintegração. Cláudia havia comentado que no dia anterior esteve reunida
com o grupo da memória histórica, que em dois dias voltariam a Bogotá, com parte dos testemunhos.
- Alguns deles é para deixar de cabelo em pé.
Olivia levantou o olhar diante do comentário de Cláudia.
- Perder um ente querido em circunstâncias violentas não é qualquer coisa - respondeu Olivia
com um ardor na boca do estômago.
- Há relatos de abusos, em especial contra as mulheres, mas pressinto que não nos contam tudo.
- As pessoas relatam com mais facilidade os fatos violentos que ocorreram com seus entes
queridos, do que as histórias que viveram na própria carne, como torturas, violações ou mutilações -
acrescentou Olivia.
Elas trocaram olhares em silêncio, porque ambas sabiam que este era o caso de Olivia.
- Eu sei, eu sei, Cláudia, o que você tenta me dizer. Mas, para mim, é difícil mostrar o que
aconteceu comigo.
Tradução Lauren Moon
- Para esses homens e mulheres que se atreveram a contar suas histórias também e, mesmo
assim, eles foram mais valentes que você - Cláudia deixou de falar sobre o assunto ante a expressão
de desolação no rosto de Olivia -. Apresentaram o informe na data estipulada.
Olivia assentiu. Nesse momento, desejou que sua vida fosse outra, que fosse uma pessoa
comum, que tivesse uma carreira e que fosse de outra região.
- Em menos de uma semana é nossa reunião com o casal Preciado
informou Olivia.
- Sim, o planejamento está de vento em popa e eles vão se hospedar em El Álamo.
Olivia já sabia disso, haviam enviado seu protocolo de segurança um pouco mais cedo, segundo
William havia informado, porque Miguel não havia dito nada. Claro, não tinha por que fazê-lo. A
duras penas falava com ela, e nos últimos dias só o tinha visto em duas ocasiões na saída da
prefeitura. Encontraram-se por casualidade, e nem ao menos teve a gentileza de acompanhala até a
entrada de sua casa. E ainda assim, diante de qualquer comentário dela, ele grunhia.
Olivia deixou de pensar em Miguel e em suas tolas razões para não se comunicar. Pegou seu
livro de anotações e a caneta.
Cláudia a pegou pelo braço, ela não podia ir embora. Contou que o chefe de segurança do casal
Preciado havia chegado antes do tempo e estava reunido com William e Ivan.
- Eu não sabia.
- Você anda o dia inteiro com este maldito homem e ele não disse nada?
De que caralhos falam vocês dois? Olivia baixou a cabeça.
- Falamos muito pouco.
- Então? - levantou uma sobrancelha.
- Não é fácil explicar, Cláudia. Metade do tempo eu sei que ele deseja um contato comigo, mas
na outra metade eu acredito que ele queira apenas torcer meu pescoço.
Cláudia soltou uma gargalhada.
- Esse super drama de vocês dois é enredo para uma novela de televisão.
Pela maneira com que ele olha para você, sei qual é o tipo de contato que ele deseja com você.
Cuidado com o curtocircuito.
Olivia também riu, batendo com o livreto em seu braço.
- Deixe de dizer bobagens.
Quando ainda ficava um rastro de sorriso, Cláudia respirou fundo e ficou séria.
Insistiu.
- Tenha cuidado!
Tradução Lauren Moon Capítulo XI Olivia saiu da prefeitura e Miguel, assim que a viu
aparecer, levantou do para-lama da camionete em que estava apoiado, e a presenteou com um sorriso
que fez o pulso dela acelerar. Neste dia, ele estava muito bonito. Vestido de preto, com calça de
brim, camisa polo e botas texanas. O aroma de sua loção picante e masculino, com um toque
amadeirado, chegou até ela.
- Olá - ele a saudou e se virou para abrir-lhe a porta do veículo.
Olivia devolveu a saudação.
Quando se acomodaram, Miguel tratou de fazer o mesmo de sempre, colocando seu cinto de
segurança, mas ela se adiantou e o fez sem ajuda. Ele voltou de má vontade ao seu lugar. Olivia, que
havia ganhado um pouco de seu controle e não mais sentia o coração na garganta, decidiu entabular
uma conversa.
- Desde quando você é amigo de Melisa e Gabriel?
- Fui escolta de Gabriel por quatro anos. Agora eles são os meus melhores amigos - ele
respondeu, reticente em falar sobre eles.
Ela percebeu seu desconforto e decidiu ficar calada. Meditava sobre a melhor maneira de
abordar o assunto de Zambrano e a viagem a Bogotá. Miguel colocou uma música e o veículo foi
invadido por uma canção de Marc Anthony.
Olivia tinha certeza de que Zambrano era testemunha-chave no caso de Jorge Robles, o irmão
mais velho de Miguel, que tinha sido acusado por um crime grave, e que cumpria pena por uma longa
condenação. Muitos sabiam que não era mais que uma armadilha de Orlando Ruiz, com a
cumplicidade de Zambrano, para terminar de destruir a família Robles, sem cometer outro
assassinato. Era uma ação maquiavélica para desmembrar a família Robles. Sem dar mais voltas no
assunto, procurou por sua voz, pigarreando para limpar a garganta antes de falar.
- Miguel, você deveria vir comigo a Bogotá, no mês que vem.
Ela falou em tom suave porque não queria deixa-lo inquieto.
- Para quê? - perguntou curioso, franzindo o cenho.
- José Zambrano vai apresentar seu depoimento sobre os fatos.
Ela percebeu que ele ficou tenso e que uma expressão amarga apareceu em sua boca.
- Não me interessa.
Negou com um gesto de cabeça.
- Haverá um grupo de pessoas vítimas desse homem, que estará na audiência.
Miguel quis lhe perguntar se quando ela pronunciava a palavra vítima, ela sabia o que isso
significava. Não era fácil ser vítima neste país, e essas pessoas Tradução Lauren Moon donas de
perdas, abandono e tristeza incomodavam, estorvavam. Eram uma mosca no leite.
Lembrou-se da maneira com que sua família foi despojada de dignidade.
Mataram Santiago Robles porque, no mínimo, era o que ele merecia. Era a frase que mais ele
havia escutado em todo esse tempo. Como se a culpa de têlo matado tenha sido dele e não de quem
puxou o gatilho. Puseram uma formação de juízo sobre a reputação de seu pai e o que mais lhe doía
era que os que mais falavam dele tinham sido os que mais ele havia ajudado.
- Você não sabe o que é ser vítima.
Miguel não queria deixar sair suas emoções, devia aprender a controlar o que sentia. Era o
mínimo que devia à mulher que estava sentada ao seu lado e que, pelo menos, desejava reparar os
fatos. Era tão fodidamente difícil! Desligou a música e graduou a temperatura do ar condicionado.
Levantou a palma da mão para onde saía o ar, verificando a intensidade do frio. Estava com calor.
Olivia continuava em silêncio.
- Eu tenho uma prestação de contas pendente com este homem, e não vou me prestar a me
humilhar em público com um monte de gente diante desse sujeito que arruinou minha vida. A hora
dele vai chegar.
A expressão de Olivia era de preocupação. Mas decidiu não perguntar mais nada, porque ainda
havia tempo para a infeliz audiência, e ela iria convencê-lo de uma maneira ou de outra.
Quando Olivia ia descer do carro, Miguel pediu uns minutos para fazer alguns comentários,
entre eles, disse que não poderia contar com a companhia do seu pessoal, que todos estariam
ocupados em cuidar da segurança de Gabriel Preciado e sua família. Pediu que para o seu próprio
bem, que suas atividades do dia seguinte fossem adiadas para depois. Ele a convidou para um
almoço, que aconteceria na fazenda, em homenagem ao casal. Seus companheiros e várias
autoridades da cidade estavam convidadas.
Ela mordeu seu lábio, e isso o exasperou.
- Sua mãe…
- Ela reservará os comentários na presença de Gabriel e Melisa. Não se preocupe. Traga sua
tia.
- Obrigada. Miguel, eu… - pegou sua mão.
- Não faça isso.
- Desculpeme – ela disse, enrubescendo.
- Também não faça isso.
Ela o olhou confusa.
“Por que quando você me toca ou quando me olha, como está me olhando agora, ou quando você
se enrubesce, você me dá sinais que não posso ignorar?
Por que me dá a sensação de que deseja ser beijada e acariciada? Seus lábios me deixam
louco…”, ele meditava, enquanto imaginava que a acuava e devorava sua boca.
Olivia desceu do carro e foi cumprir alguns recados de última hora. Foi ao mercado à procura
de alguns produtos, à confeitaria das irmãs Rueda para pagar a Tradução Lauren Moon fatura das
sobremesas que serviriam no almoço e realizou algumas diligências de forma mecânica. Sua mente
estava em Olivia.
Ligia ficou imensamente desgostosa ao saber que ela estaria presente no almoço. Miguel não
podia fazer nada. Melisa desejava vê-la com os demais gestores do projeto, e ele não desejava que
seus amigos percebessem quão tensa estava aquela relação. Melisa era muito perspicaz e com
certeza perceberia a ausência de Olivia.
Como se sentiria perdoando? E se ela tivesse razão e a resposta para a liberdade de seu irmão
estivesse nas mãos desse sujeito? Por Jorge, ele seria capaz de engolir a bile amarga e confrontá-lo.
Ser capaz de confrontá-lo sem pular em cima dele e derrubá-lo com suas próprias mãos.
Seu irmão. Quanta falta sentia dele! Cada vez que podia, ele ia visita-lo. Uma nuvem de tristeza o
invadiu de repente.
Jorge era apenas uma sombra do homem que tinha sido uma vez. O
cárcere havia acabado com ele. O
temperamento forte e a segurança diante do que o aguardava no futuro ficaram mutilados desde
que ele entrou naquele lugar. Miguel nem conseguia imaginar como seria seu dia-a-dia, encarcerado
entre quatro paredes, quando antes havia sido tão livre, quando sempre sentiu alegria pela vida,
paixão pelas mulheres…
*
- Miguel, você acompanha à cidade? Tenho que buscar uns insumos que mandei trazer - disse
Jorge que subiu na camionete e colocou um pé no acelerador.
- Sim, mas não posso demorar aquele seria o dia em que Miguel conheceria a família de Olivia
-. Além disso, não quero que você me deixe sozinho, outra vez, para ira atrás do rabo de saia de não
sei qual mulher.
Um sorriso lento se desenhou em seu semblante.
- Irmãozinho - disse enquanto arrancavam e se perdiam pelo caminho rumo à cidade -. Não farei
isso se puder evitar, mas se a mulher da minha vida cruzar pelo meu caminho, não poderei ignorar
seu chamado.
Para Jorge, todas as mulheres eram a mulher de sua vida, e se apaixonava a cada oito dias. Ele
dizia que para isso elas estavam ali. Como um raminho de margaridas, procurando quem as
desfolhasse.
- Você nunca vai mudar, meu irmão. Quem é a bola da vez desta semana?
- Ela se chama Mariela e é como um bombom.
- Algum dia você vai pagar por isso.
Jorge desviou o olhar da rota e olhou para Miguel de canto de olho com curiosidade e malícia
estampadas em sua expressão.
- Conteme de seus passeios durante as tardes. A mim, você não engana.
- É tão evidente? - perguntou Miguel com um brilho especial nos olhos.
Jorge por pouco tira o carro da estrada.
- Está apaixonado! Já experimentou a moça?
Tradução Lauren Moon
Miguel sorriu.
- Estou apaixonado até os ossos, meu irmão. E se eu já a experimentei ou não, isso não é
problema seu.
- Ui, ui, ui. Você já provou a moça e ficou encantado, está repetindo e quer uma indigestão.
Riu divertidamente ao ver a expressão de estupefação no rosto de seu irmão.
- Não seja vulgar. Ela é muito mais que isso.
Eles desceram da camionete. Jorge havia estacionado em uma esquina da praça da praça.
- E quem é a felizarda? - ele perguntou preocupado -. Espero que ela não tenha saído comigo
antes de você.
- Você é um bastardo - ele respondeu -. Você não a conhece.
Naquele momento, ele a viu. Ela estava com uma moça da mesma idade. Uma amiga, ele
deduziu, pela maneira com que elas conversavam.
Era tão bonita, e ele a desejava tanto. Um grande amor por ela o embargava.
Desejou tê-la em sua vida todos os dias. O calor que inundava a tarde, o ruído dos carros e das
pessoas, a risada das crianças que andavam de triciclo ou patinete ao redor da praça, o cheiro de
doce e de pão fresco, desapareceram de repente. Só ela existia.
Deleitava-se com um picolé de cor vermelha e brilhava no meio de toda aquela gente. Em um
gesto, recolheu seu cabelo de lado. Observou quando ela fechou os olhos e deu uma última mordida
no sorvete. Tinha os lábios avermelhados pela coloração do picolé.
Ele a adorou naquele momento em que a via tão ela mesma e em uma atividade tão diferente
daquela que ele conhecia.
Jorge, que estranhou o silêncio de seu irmão, dirigiu seu olhar para onde Miguel estava olhando
e seu rosto se transfigurou.
- Venha conhece-la - disse Miguel a Jorge.
- Miguel, o que você fez! - disse enquanto se aproximavam por trás das duas moças.
- Quero que você conheça a mulher que me deixou louco - respondeu sem perceber a sombra de
angústia que nublava os olhos de seu irmão.
- Diga-me pelo que você mais ama que não se deitou com ela.
- Mas o que está acontecendo com você? - Miguel olhou para ele com a confusão pintada em seu
rosto -. Isso não é pergunta que se faça, meu irmão.
- Diga-me que é a que está de jeans e não a que está de vestido amarelo.
Enquanto Miguel respondia que era exatamente a de vestido amarelo, aproximouse por trás e
cobriu os olhos de Olivia.
- Advinha quem é? – falou Miguel ao ouvido da moça em um tom rouco e mordiscando o lóbulo
de sua orelha.
Seu irmão o olhava assombrado, e só conseguiu sussurrar: Tradução Lauren Moon
- Que diabos você fez?
Miguel percebeu que Olivia tinha ficado tensa e era incapaz de pronunciar uma palavra. Ela
olhava para ele aterrorizada. A amiga olhava para ele como se ele fosse um extraterrestre.
- O que está acontecendo? perguntou Miguel, começando a se enfurecer.
Jorge era incapaz de afastar os olhos de Olivia, que havia ficado branca como papel.
- Você sabe quem ela é? perguntou Jorge a seu irmão, sem desgrudar de Olivia nem por um
segundo.
- Claro, ela é minha mulher respondeu com uma segurança que começava a fraquejar ao ver o
olhar de todos os presentes e a angústia nos olhos de Olivia.
- Não seja tão estúpido. Você sabe quem são seus pais? – com um olhar de rancor, virouse para
Olivia -. Você acaba de condenar minha família.
Não fez mais que falar e se dirigir à camionete.
Olivia guardou um longo silêncio. Seus olhos se encheram de lágrimas. Miguel a pegou pelo
queixo e obrigou-a a olhar para ele. Estava fria. Ela reagiu àquele gesto.
- Meu pai se chama Orlando Ruiz e minha mãe é Rosalía Manrique.
Miguel ficou pálido imediatamente. 0
Da camionete, Jorge o chamava tocando a buzina. Para Miguel, não havia mais remédio que
despedir-se rapidamente e dizer a Olivia que naquela noite eles iriam conversar.
- Que merda está acontecendo com você? - Miguel explodiu assim que subiu no veículo.
Jorge arrancou como se sua alma levasse o diabo, sem dizer mais nada. Em poucos minutos,
eles chegaram à saída da cidade, então, ele freou de imediato.
- Desça do carro! - ordenou Jorge, furioso.
- Por quê? - ele perguntou também furioso.
- Porque eu estou dizendo, merda! bramou Jorge irado, ao sair da camionete. Começou a andar
de um lado para o outro com as mãos na cintura.
Miguel desceu para enfrentar seu irmão que o recebeu com uma ameaça.
- Se você tocou nesta moça, você vai terminar com seu testículo na boca, jogado em uma vala.
Miguel tratou de diminuir a raiva de seu irmão. Falou pausadamente.
- Eu vou me casar com ela.
- Ah, vai? - perguntou debochadamente -. Antes ou depois do infeliz do Orlando Ruiz castrar
você?
Miguel sorriu.
- Não seja imbecil, não acredito que chegue a tanto.
Tradução Lauren Moon - Você não viveu aqui todos esses anos. Essas são suas primeiras férias, em
quanto? Três anos? Pois eu vou lhe contar uma história e depois você vai me dizer se você está ou
não com problemas, idiota!
Quando Olivia completou dezesseis anos se converteu em uma linda mulher.
Tinha deixado a cidade quando era uma menina e voltou quando sua mãe morreu. Os homens
começaram a rondála. Eles a convidavam para ir ao parque, para dançar nas festas. Um dia, na festa
de San Antonio, um rapaz a convidou para dançar e ela aceitou. Naquele momento, apareceu José
Zambrano. Jorge percebeu o olhar de desgosto de Miguel e continuou explicando que Zambrano era
um dos capangas de Ruiz, que condenou o menino à morte, a menos que deixasse Olivia em paz.
Miguel assentiu e perguntou o que havia acontecido ao rapaz. Percebeu que a irritação de seu irmão
havia diminuído um pouco, mas não de tudo.
Jorge contou que o rapaz descumpriu as ordens, e que desde aquela noite sua família não voltou
a vê-lo. Disse que muitos tinham sido os desaparecidos. Essas pessoas os abordavam e depois
ninguém mais voltava a saber deles. As novas autoridades que chegaram à cidade tratavam de fazer
alguma coisa. Mas pouco durava suas tentativas e não demoravam a se render diante dele: seja
porque ignoravam o que acontecia ou vendendo-se por dinheiro.
- As coisas têm que mudar, ou será como ter que viver de joelhos diante dessas pessoas.
- Você saiu daqui muito jovem, quando tudo estava apenas no começo e eu estava na
universidade. O velho tornou tudo muito difícil.
- Sou um oficial do exército, ele não poderá me tocar.
Miguel percebeu que tinha sido um erro manter sua família na ignorância.
Ainda não acreditava que Ruiz chegasse a tanto, sabendo que suas intenções eram honradas.
Mas com esse tipo de gente não podia ter certeza de nada. Como reagiriam seus superiores ao
saberem que ele pretendia casar-se com a filha de um dos líderes mais temíveis da região?
Foi então que Miguel se preocupou. Sabia como era a vida no exército. Por mais que ele
escondesse isso, esta notícia viria à tona, impedindo-o de progredir na carreira. Tudo isso sem
contar nos desplantes que Olivia sofreria se fosse sua esposa, porque ninguém iria querer se
relacionar com ela.
Eles subiram de novo na camionete, mais calmos, e chegaram à fazenda com o ânimo sombrio.
Ligia saiu para encontrar com eles. Miguel queria desaparecer dali em seguida e disse que iria lavar-
se para o jantar. Saudou sua mãe, abraçando-a e perguntou: - Onde está papai?
- No escritório, atendendo a uma ligação de seu advogado de Bogotá. Jantaremos em dez minutos,
estejam prontos.
Ligia se afastou pela galeria na direção da cozinha para os últimos detalhes do jantar.
Para sua mãe, o jantar era a coisa mais importante do dia. Em razão dos horários, da longa
jornadas de trabalho e da ordenha, não lhes restava outro momento para sentarem juntos para comer.
Todas as noites, ela arrumava a mesa com gosto, mantendo o linho e um arranjo de flores frescas de
seu jardim. Santiago agradecia e elogiava os detalhes de sua esposa.
Ao se aproximar do corredor minutos depois, Miguel observou seus pais atrás da porta de vidro
colorido que separava a sala de jantar do saguão.
Tradução Lauren Moon
Percebeu a maneira como seu pai acuava sua mãe perto da mesa e a beijava no pescoço,
sussurrando coisas em seu ouvido. Ligia sorria encantada, enquanto tratava, em vão, de escapulir.
- Você não tem jeito - ela disse.
Foi salva pela entrada de uma das empregadas domésticas com uma bandeja de comida e um
pigarro de Miguel, que na sequência ocupou seu lugar à mesa.
Nesse momento, e mais que nunca, ficou evidente para ele, o forte sentimento que seus pais
professavam um ao outro. Estava certo de que seu pai entenderia seu amor por Olivia. Santiago
simplesmente piscou um olho para ele e se sentou para esperar os outros membros da família.
- Por que vocês estão com essas caras? - perguntou Ângela.
Ela era a filha mais nova dos Robles e a adoração de seu pai. Acabava de completar catorze
anos, e já vislumbrava ser uma beleza de cabelos e olhos pretos, em uma pele branca e suave.
- Não está acontecendo nada, querida - respondeu Jorge.
- Filhos, falei com meu escritório de advogados em Bogotá.
Santiago contou-lhes que esteve arrumando alguns assuntos legais sobre o apartamento que a
família tinha em Bogotá.
Miguel sabia que seu pai precisava de dinheiro para seu projeto de cooperativa com alguns
pequenos agricultores da região. Mais ainda, estavam esperando uma ajuda do governo para levar o
plano em ação. Estava há três semanas ouvindo seu pai e seu irmão falarem sobre o mesmo assunto.
Sobre os agricultores, as reuniões, os cuidados que deveriam ter nas negociações com os
funcionários do governo, etc. Santiago disse que havia transferido o imóvel para o nome de Ligia,
assim como uns certificados de renda fixa e outros pequenos investimentos.
Continuou sua explicação. Santiago iria realizar um investimento na nova cooperativa. Haveria
auditorias com a ajuda do dinheiro do governo e o que investiria cada um dos associados. Como
fundador e principal gestor da empresa, desejava ter todos os assuntos em ordem.
Santiago era rigoroso e uma pessoa muito organizada. “Não havia nada de mal em querer
organizar sua família antes de arriscar-se em um projeto desta envergadura”, disse Miguel a si
mesmo, que só tinha conseguido comer pouca coisa.
- Papai, queremos falar com você sobre uma coisa importante – disse Miguel, enquanto levava
uma colher de sopa à boca, em um enorme esforço para comer alguma coisa.
- Falem - disse Santiago, olhandoos taciturno, enquanto se servia de salada de uma das
bandejas.
Jorge olhou para sua mãe e sua irmã e seu pai entendeu.
- Comam primeiro, depois iremos para o escritório.
- Por que tanto mistério. Se for pelo meu aniversário, não se preocupem. . – disse Ligia.
Mas a frase ficou sem terminar, porque naquele momento, ouviram o ruído de duas camionetes e
alguns tiros disparados para ao ar.
Tradução Lauren Moon
Capítulo XII Uma afronta. Para Ligia, era isso que significava aquele convite que Miguel havia feito
a Olivia para o almoço.
Ligia e Elizabeth haviam se sentado em um par de cadeiras de balanço que havia no corredor,
que dava para o jardim, exatamente em frente de onde haviam massacrado seu marido anos atrás.
- Você terá que disfarçar, querida disse Elizabeth enquanto bordava um caminho de mesa.
Ligia observava Elizabeth batalhando com fios, agulhas e tesouras diminutas. Seu rosto ovalado
e seus vivazes olhos de cor café, sempre tinham uma expressão curiosa. Era a feição de quem
contemplava a via interessada, atenta. Era uma mulher bondosa e firme, e honrava seu sobrenome.
Elizabeth tinha sido sua amiga antes mesmo de se converter em sua cunhada. Sempre teve habilidade
com as agulhas, desde que iam juntas ao colégio de freiras de La Presentacíon7. As rendas e os
bardados, ela os fazia pelas duas, já que Ligia era uma negação para a costura. Observou a
delicadeza de suas mãos, e apesar de sua idade, eram macias. Eram mãos para construir, consular e
curar.
Ligia estendeu suas palmas na frente dela, as articulações estavam deformadas e a dor, às vezes,
a impedia de segurar as rédeas de seu cavalo quando saía para montar. Miguel não tinha ideia de
qual doloroso era isso algumas vezes. Tinha certeza de que, se ele soubesse, iria proibi-la do único
prazer em sua vida neste momento.
“Ressentimentos e remorsos”, havia dito o médico especializado em bioenergética que havia
visitado na capital, meses atrás. “Quando curar o rancor, voltará a recuperar suas mãos”, havia
concluído o profissional.
- Deve fazê-lo pela família, mas mais ainda por ele - disse Elizabeth.
Ligia não contestou. Em troca, lembrou-se de todo o ocorrido naquele dia, e a injustiça que
havia cometido e que não a deixava em paz.
*
Uma ardente angústia passeava por seu peito, dificultando sua respiração. O
rancor e a pena batalhavam, deixando-a em carne viva. No escritório que tinha sido de seu
marido, tratava de entender tudo que Rodolfo Martínez, o advogado encarregado dos negócios de seu
esposo, lhe explicava.
- Você deveria chamar Jorge. Ele está mais inteirado dos negócios de seu marido.
7 Tradicional colégio na Colômbia (N. da Tradutora) Tradução Lauren Moon - Eu entendo seu pesar,
Ligia. Não sabe o quanto eu sinto - disse o profissional e amigo de seu marido, um homem de fala
pausada, por volta dos cinquenta anos, com algum sobrepeso e uma calvície insipiente. Suava
litros pela mudança de clima.
Havia chegado há poucas horas de Bogotá.
- Ainda não entendo como pôde acontecer - disse Ligia olhando para o vazio, com o choro
preso na garganta -. Meu marido era um homem bom, honrado e trabalhador.
Por um instante surgiu diante de seus olhos a visão sinistra de seu marido abatido no chão.
- Isso, nós que os conhecemos, sabemos bem. Há alguns dias, ele me enviou uma documentação
e entre esses papéis há uma carta para você.
Ligia estremeceu e, com um olhar confuso, observou como o advogado tirava várias pastas e
envelopes e os deixava sobre a mesa do escritório.
- Por quê?
- Santiago recebeu ameaças há três meses, por conta do projeto de cultivo de palma8 que ia
implantar na região. Era um projeto de grande envergadura. Santiago tinha esperança de que
melhorando a vida das pessoas da região, o conflito acabaria.
- Oh, Deus meu! - Ligia levou a mão à boca e chorou compulsivamente -. Eu insisti para que ele
se retirasse, disse para que ele se dedicasse apenas a esta terra. . Mas ele nunca me ouviu.
- Ele queria uma vida digna para as pessoas da região. Não pode culpa-lo por querer melhorar
seu entorno. Ele tentava permanecer neutro neste conflito, as pessoas o respeitavam.
- Mas veja no que deu. Ele me deixou sozinha!
- Sinto muito, Ligia. Sei que é um golpe duro para você e para os rapazes, mas você deve se
sobrepor - ele entregou o envelope lacrado, com o nome dela na caligrafia de seu marido.
Lembrou-se das cartas de amor que Elizabeth lhe entregava todos os dias ao chegar no colégio.
Chorou um pouco mais, tirou um lencinho, secou seu nariz e se dispôs a abrir o envelope: Meu amor,
Se você estiver lendo esta carta, é porque o destino se encarregou de nos separar. Perdoeme por
romper nossa promessa de envelhecermos juntos, sentados na cadeira de balanço do saguão e vendo
nossos netos brincarem pelo jardim. Você foi a melhor companheira para passar o resto de minha
vida. Obrigado por tanto amor, por sua profunda dedicação, pelo lar que você me brindou, pelos
filhos que você me deu.
8 Da palma se extrai o dendê, dentre outras coisas. (N. da Tradutora) Tradução Lauren Moon Eu
amo você e sei que de onde eu estiver continuarei amando. De coração, espero que sua alma
permaneça livre de ódios e ressentimentos. O
mesmo peço aos meus filhos, porque eles merecem viver uma vida de plenitudes, não se esqueça
disso.
Os homens que hoje ceifaram minha vida não serão eternos e a vida vai se encarregar deles.
Aos meus filhos, diga-lhes que sempre tive orgulho deles e que forma os meus maiores tesouros.
Orlando Ruiz me ameaçou durante meses e, hoje, ele cumpriu sua promessa. Ele acabou com
minha vida, mas espero que essas balas não terminem a vida de minha família. Deixo isso em suas
mãos, meu amor. Rodolfo vai lhe explicar as providências que tomei para você e os meninos.
Despeço-me reiterando novamente todo meu amor e minha gratidão pelos anos que
compartilhamos.
Seu, para sempre.
Santiago Seu soluço de angústia era doloroso. Ressoou pelo ambiente como o lamento de uma
alma em sofrimento. O advogado baixou a cabeça, ao saber que não teria uma resposta. Uns
segundos depois, ela acrescentou: - Ele sabia que iam mata-lo!
- Ele era um homem de palavra, e se ele se retirasse deste projeto..
- Importa-me uma merda este maldito projeto - ela o olhou com seus olhos tingidos de raiva -. O
dever dele era comigo! Ele trocou sua família por essa corja de pessoas que ele nem conhecia!
- Mas Ligia. .
Ela estremeceu mas não abrandou sua raiva.
- E este infeliz sempre fazendo das suas - de imediato, ela levantou a vista surpresa -. Agora eu
entendo as palavras de Miguel há um tempo atrás no meio de um delírio: apaixonou-se por esta
prostituta que com certeza é igual à mãe dela.
- Você deve se acalmar.. - o advogado a olhava totalmente surpreso
-. Sua dor é muito forte neste momento.
- Eu me entendo, não se preocupe! ela olhava furiosa para a carta, até que finalmente a jogou no
chão e acrescentou -: prefiro a morte a deixar que esta mulher ponha um pé nesta casa. Nem uma
palavra disso aos rapazes, Rodolfo.
Ligia saiu batendo a porta para enfrentar Miguel.
Tradução Lauren Moon
O advogado pegou a carta e a colocou em um dos livros da biblioteca. “Grandes Esperanças”, de
Charles Dickens.
Ligia voltou ao quarto de seu filho. Sentou-se na poltrona e o observou dormir. Seria tão fácil
dar-lhe uma absolvição com apenas uma palavra sua. .
Mas não o faria.
A partir deste momento, sua família odiaria o sobrenome Ruiz, ainda que para isso tivesse que
sacrificar o recémestreado coração de seu filho.
Miguel se remexeu inquieto em seus sonhos. Abriu os olhos com a lentidão que os fazem
aqueles que recémacordam.
- Mamãe - sussurrou, enquanto a olhava com remorso.
Ela iria se encarregar de manter vivo esse sentimento enquanto ela vivesse.
“Você se equivocou, Santiago”, pensou consigo mesma. “Você não deveria deixar uma missão
que sou incapaz de cumprir. Este é o seu castigo por me deixar sozinha”.
- Temos que conversar, filho. *
Ela estremeceu diante daquela lembrança e apertou o dorso de suas mãos sobre seus olhos. Já
não havia lágrimas neles, como se o fluxo tivesse secado com o passar do tempo.
Havia momentos em que a culpa pesava mais que os ressentimentos por todos que tivessem o
sobrenome Ruiz. Ela sofria ao ver o rosto atormentado de seu filho quando ele chegava, depois de ter
visto Olivia. Sabia que bastaria uma palavra daquela mulher para que pusesse seu filho de joelhos
diante dela.
- Olivia não teve nada a ver com a morte de Santiago.
Já estava dito, mesmo que fosse para sua cunhada, sentiu um certo alívio.
- O que você quer dizer com isso?
- Haviam ameaçado Santiago seis meses antes de Miguel e essa mulher se conhecerem. Ele
deixou isso avisado em uma carta para mim, que deixou com seu advogado.
A outra mulher virou os olhos.
- Isso eu já sabia, porque encontrei a carta, há algumas semanas. Fico feliz que você tenha tido a
coragem de me contar a verdade.
Ligia pareceu incrédula, mas impressionada contra sua vontade. Ficou em silêncio por uns
segundos e se balançou com novo ímpeto.
- Por que você não contou essa história a Miguel?
- Vou dar a você um tempo para fazer o que for correto. Acredito que com a visita do casal
Preciado e com tudo que Olivia fez. É questão de dias para você encontrar razões. Eu sempre soube
que havia alguma coisa a mais. Essa menina é muito boa para ter participado de uma artimanha
articulada por aquele homem.
- Eu proíbo você de dizer alguma coisa.
Tradução Lauren Moon
Elizabeth negou com a cabeça e seus lábios se curvaram com uma familiar linha autoritária.
- Por Deus Ligia, você não tem nenhum direito de me proibir alguma coisa.
- Se você desejar continuar vivendo nesta casa, terá que manter a boca fechada.
Elizabeth olhou para suas mãos com pena.
- Veja a que ponto chegou seu rancor. Eu não preciso de você, nem estou aqui por caridade,
trabalho mais que qualquer um.
Ligia pediu que ela devolvesse a carta, mas Elizabeth se negou.
- Você não entende nada.
- Então, por que você não me explica? Não, não responda. Você precisa aliviar sua culpa. Você
me dá pena, Ligia.
Elizabeth voltou ao seu bordado e não abriu mais a boca.
*
Olivia estava sentada ao lado de seu tio Enrique, à sombra de um pé de manga. A manhã estava
agradável e o trinar dos pássaros alegrava o ambiente. Em um pequeno gravador, ela escutava os
últimos sucessos de Shakira. Olivia lhe presenteava com palavras enquanto acariciava seus braços e
dava outro beijo em sua bochecha.
Ele apenas se limitava a olhá-la com um brilho pícaro nos olhos.
Seu tio Enrique havia sofrido tantas mudanças desde a última vez que o viu. Ao contemplá-lo ali
em sua cadeira de rodas, ninguém imaginaria que ele tinha sido um dos homens mais bonitos da
região. Pouco ficava de sua grande estatura, de seus vivos olhos negros e de seu sorriso. Seu corpo
havia se convertido em um monte de músculos secos e ossos encolhidos.
Olivia o adorava. Para todos os efeitos, ele tinha sido seu pai. Havia acompanhado Olivia por
toda sua vida, aceitando-a em volta dele, ao lado de seus filhos, com verdadeiro carinho.
Nunca teria como pagá-lo, pelo que ele fez por ela quando ela mais precisou. E isso era uma
coisa que Olivia agradecia com a alma.
Ela pegou a cadeira de rodas, a passos lentos, e o levou para o quarto, antes que o solo
incomodasse.
O quarto era cômodo e Teresa o decorou. Tinha uma janela ampla que dava para o jardim que
haviam compartilhado momentos antes. Havia fotos de seu filhos e netos, e algumas de Olivia
também, assim como flores frescas em uma mesa de esquina. A cama hospitalar tinha sido enviada
por mais velho, de Bogotá.
- Olá, meu amor - Teresa entrou com um copo de suco de morangos e a culpa estampada em seu
rosto.
O idoso estava concentrado em Olivia. Sorria para qualquer palavra que a jovem matracava.
Tradução Lauren Moon
- Para mim, você não tem o mesmo sorriso, espertinho? - disse Teresa.
Aproximouse, colocou seu babador, e começou a dar-lhe um suco, que o idoso sorvia por um
canudo.
Olivia contou seus planos para a região e com La Casa de Paz, como se estivesse expondo suas
ideias a alguém realmente interessado. Enquanto isso, acariciava o dorso de suas mãos. Ela havia
lido em algum lugar, que este simples gesto despertava a atenção para o sofrimento naquela dura
doença.
Ele apenas sorriu.
- Sei que você estaria orgulhoso de mim - ela olhou para ele com os olhos cheios de lágrimas.
Olivia se despediu do idoso, enquanto lhe enchia de beijos.
Teresa ficou sozinha com seu marido, terminando de dar o suco e limpando sua boca com um
pano.
Aproximouse do armário, tirou o pente de uma caixa e o pote de creme de amêndoas. Ela o
penteou, hidratou sua pele do rosto, os braços, as pernas, em um ritual que se repetia a cada manhã.
Ela o olhou com atenção. Depois, fechou a porta do quarto e se sentou ao seu lado.
- Sei que estou pedindo muito, mas eu preciso que você me abrace - ele apenas a olhou com
algo parecido como curiosidade -. Por favor - ela voltou a insistir desconsolada, e baixou a cabeça
em seu colo, com suas lágrimas molhando a calça do pijama -. Perdoeme, meu amor.
Ele pousou uma de suas mãos com o punho fechado sobre a cabeça dela.
Foi uma débil tentativa de carícia que fez com que o pranto de Teresa ficasse cada vez mais
forte.
- Eu amo tanto você.
“Eu sei”, pareciam dizer os olhos de seu marido.
Uma sensação estranhamente familiar caiu sobre Teresa, e nesses doces momentos, pôde jurar
que se comunicava com seu marido por meio de seus sentimentos.
Seus lábios tremeram em uma tentativa de aflorar um sorriso. Teresa engoliu a saliva para
desfazer o nó em sua garganta.
- Sinto como se estivesse traindo você.
“No está fazendo isso. Todos nós precisamos de amor”.
- Oh, Enrique - voltou com o choro
-. Esta comunhão que nós temos é a única que me sustenta. Eu preciso tanto dela!
“O amor é o mais importante. Tenha isso sempre presente”. “Em algum momento eu partirei”.
Teresa limpava os olhos pesarosamente ao perceber que seu marido começava a ir aos pouquinhos.
Já saía de seu quarto, quando Olivia entrou naquele momento, porque havia esquecido as chaves
na mesinha de cabeceira.
- Tia, o que você tem? - aproximouse, preocupada.
Tradução Lauren Moon - Nada, filha. Só estava lembrando dos velhos tempos, e a nostalgia me
invadiu. Não se preocupe – espantou as lágrimas e recuperou a compostura.
*
Miguel estava no pequeno aeroporto de Santa Rosa, a quarenta minutos de San Antonio, para
receber seus amigos Melisa e Gabriel Preciado.
Observou a aeronave, em que o casal e sua escolta de confiança chegariam, planar pelo local.
Nos dias anteriores, haviam chegado os outros e a fazenda já era um perímetro resguardado pela
equipe de segurança de Gabriel.
O casal desceu do avião. Melisa levava Valentina, a filha pequena do casal que estava com seis
meses, nos braços. A babá caminhava logo atrás com uma bolsa de bebê no ombro. Miguel observou
que Melisa estava mais bonita que nunca.
Sua personalidade marcante, o tom de sua pele, o cabelo preto, longo e liso, e seus incríveis
olhos azul como águamarinha, haviam enfeitiçado seu amigo há mais de ter anos.
Gabriel Preciado tinha o mesmo sorriso apaixonado desde que a conheceu. Tinha aumentado um
pouco de peso e seus olhos verdes já não tinham mais a expressão de encurralado, aquela que ele
apresentou na época do sequestro, quando ficou quase dois anos em cativeiro nas mãos da guerrilha.
- Olá, Miguel - Melisa o saudou com carinho, abraçando-o -. Como a vida tem tratado você?
- Não tão bem quanto a vocês dois, mas aqui vamos nós. - concentrou seu olhar na pequena -.
Deixeme cumprimentar esta belezinha. - Miguel levantou a bebê, que o olhava com curiosidade e
com um sorriso em seu rosto.
Valentina tinha os olhos do pai e as feições da mãe. Era uma criança risonha e inquieta, que
observava o mundo e seus habitantes como se estivesse em uma constante festa.
- Bem-vinda, Valentina. Você é muito bonita e vai fazer um estrago em alguns anos. Vou adorar
ver como seu pai vai espantar seus admiradores.
- Nem me fale! - disse Gabriel Preciado, enquanto o abraçava e mudava de assunto -. Li os
últimos relatórios financeiros e está tudo muito bem.
Miguel acomodou a pequena em seu braço. O grupo se dirigiu até a camionete, estacionada a
poucos metros de onde havia aterrissado a aeronave.
- Nesse aspecto está tudo muito bem. E mais, quero comentar com você que podemos comprar
mais gado Santa Gertrudes com um preço excelente. Eu estava revendo o rebanho na semana passada.
A exportação do último rebanho de Zebu está quase pronta, e só aguardamos a aprovação dos
técnicos.
Quando devolveram as terras a Miguel, Gabriel lhe emprestou uma ajuda financeira e assessoria
para investir na fazenda com um projeto de criação de gado muito bem estruturado. Gabriel Preciado
era seu sócio e um dos empresários mais bem sucedidos do país. Tinha acreditado em Miguel e, hoje,
contavam com um número respeitável de cabeças de gado, que exportavam para países vizinhos. Sua
amizade datava da época em que ele virou chefe da equipe de segurança do jovem empresário, e
Tradução Lauren Moon testemunhou a paixão de Gabriel e Melisa, do sequestro e de tudo que eles
viverem depois disso.
Quando Miguel ia continuar com sua exposição, Melisa os interrompeu para perguntar se ele
tinha ido ao congresso de Olivia.
“Como o inferno”, ele pensou sem poder disfarçar sua perturbação diante da abrupta pergunta.
Algo no semblante de Miguel alertou Gabriel de imediato, que mudou sua expressão com
curiosidade. Não foi ao acaso que ele tinha sido seu guardacostas e amigo durante tanto tempo.
- Algumas vezes - ele respondeu sem sustentar seu olhar.
- Você se deu a oportunidade de conhece-la de novo?
“Não preciso fazer isso. Eu a conheço muito bem, desde a ponta de seus cabelos até a ponta dos
seus pés.
- Melisa, na verdade eu…
Seu amigo saiu em seu socorro: Meu amor, amanhã você vai conversar com ela. Com certeza,
Miguel ainda não teve a oportunidade. Ele está bem ocupado e pelos relatórios que temos lido de
Olivia, ela não veio aqui de férias ou você tem estado perto dela? - levantou a sobrancelha e fez um
gesto irônico com os lábios.
“Perto demais, eu diria. Ainda tenho seu aroma impregnado no meu nariz”.
Naquele momento, lembrou-se da intimidade que haviam compartilhado anos atrás, os
encontros, os beijos, as carícias. Miguel decidiu não responder, porque tentava dissimular seu
envolvimento.
- É muito louvável o que ela quer fazer e, também, muito difícil. Isso significa um problema
para você, meu velho amigo? – insistiu Melisa.
“A cada maldito segundo, desde que voltou a este lugar”.
- Não, nenhum.
Gabriel que o olhava cético, decidiu falar antes que Melisa continuasse com aquele
interrogatório, que claramente o incomodava.
- Vamos, meu amor, deixe de incomodar Miguel, depois você terá tempo de sobra para fazê-lo -
disse Gabriel, dandolhe um intenso beijo na boca.
O grupo de guardacostas que havia chegado com o jovem casal havia recuado do local. Alguns
conheciam Miguel da sua época de escolta em Bogotá.
Miguel sabia que cedo ou tarde, Melisa iria se intrometer em suas coisas, porque pelo apreço
que se percebia que ela tinha por Olivia seria inevitável. Abriu aporta da camionete, convidandoos a
entrar.
- Venham, porque minha mãe e minha tia estão ansiosas pela chegada de vocês. Já fizeram todos
os preparativos para receberem a princesa Valentina na fazenda.
*
Tradução Lauren Moon Olivia chegava à pequena propriedade da família Rojas. Queria convidar a
avó Clementina para uma atividade que realizariam na tarde do sábado seguinte, no centro
comunitário. Percebeu que o comportamento duro que a idosa escondia devia-se a uma boa dose de
medo em criar novos vínculos, por temor de perder, de novo, os laços afetivos que poderia formar.
Decidiu convencer a idosa, não com pedidos, mas com o contrário.
Ela encontrou a idosa em sua eterna procura. “Que diabos ela tanto procura?”, perguntou-se
Olivia ao vê-la cavando dentro da casa, ao lado da pequena sala de jantar. A idosa parecia
preocupada.
- Olá, Clementina, como vai? Olivia passou direto para a cozinha e colocou uma panela com
água para ferver e fazer um café -. Posso ajudala com alguma coisa?
- Ninguém pode.
- Diga-me o que você procura e eu a ajudarei com prazer.
Ela a olhou assustada.
- É uma coisa delicada e está perdida por aí - disse, suspirando -. Devo encontra-lo ou jamais
haverá paz ou descanso para os nossos mortos.
Olivia sentiu um calafrio e deixou de insistir. A idosa mudou de assunto e Olivia a seguiu.
- Pensei que você já tivesse nos esquecido - mencionou com alguma reprovação.
- Não é assim - ela respondeu sorrindo -. É que eu estive ocupada, entregando outras
propriedades desde a última vez que nos vimos.
- Sim, e também se envolvendo com o jovem Robles por aí.
Olivia se surpreendeu com o comentário da idosa. Não tinha percebido que as pessoas falavam
deles.
- Ele apenas me acompanha.
- Conte essa história para quem acredite nela, jovenzinha. Eu também já fui jovem. “O homem é
fogo, a mulher é o pavio, vem o diabo e assopra”, é assim que reza o ditado.
Olivia soltou uma gargalhada. Que verdade continham essas palavras.
- Sábado à tarde haverá uma atividade no centro comunitário - disse Olivia suavemente,
olhando distraidamente para o horizonte -. Suas vizinhas estão organizando o evento.
- E que diabos me importa?
- Exatamente - respondeu Olivia, olhando-a com uma falsa inocência -. Foi isso que eu disse
para elas.
Ela ficou satisfeita em observar um breve constrangimento na idosa.
- Eu avisei que de maneira alguma a senhora estaria interessada e que a deixassem em paz,
porque a senhora não precisa de ninguém.
Tradução Lauren Moon
Levantou-se em seguida, disposta a preparar o café, enquanto deixava a idosa digerir o que ela
acabava de dizer. Deixou que o líquido se assentasse, coando-o e depois servindo em três xicaras,
uma das quais já estava lascada. Adicionou a cada uma, duas colheres de açúcar que havia em um
pote tão fechado que ela quase não conseguiu abrir.
- É por causa das formigas informou a idosa, diante das maldições de Olivia pela dificuldade de
abrir o frasco.
Ela deixou a cozinha com duas xícaras em uma bandeja, entregando uma a Clementina e a outra,
ela levou próxima ao jipe onde Oscar, sentado em uma pedra, a esperava. O homem recebeu a bebida
e agradeceu a gentileza com um sorriso. Voltou para a cozinha, pegou sua xícara e se sentou ao lado
da idosa, que rapidamente perguntou: - E que atividade seria esta?
“Bem”, pensou Olivia satisfeita. Dissimulou, como pôde, o sorriso que teimava em sair. A avó
era muito perspicaz.
- Oh, nada especial - sorveu um pouco de café, que estava um pouco forte
-. Um bingo, lanche, música ao vivo e o melhor…
- O quê? - perguntou a idosa sem conseguir mais esconder seu interesse pelo que Olivia
contava.
- Todas as suas vizinhas estarão ali.
A idosa começou a se balançar na cadeira de balanço em um ritmo rápido. Sua luta interior era
visível e Olivia não pôde evitar sentir compaixão pela humilde mulher. Desejou abraçá-la e dizer
que nunca mais estaria sozinha, que se fosse preciso, ela estaria do seu lado. Mas seria uma
irresponsabilidade se ela fizesse isso, pois era questão de meses e ela voltaria para Bogotá, ainda
que seu trabalho na cidade fosse uma tarefa maior do que ela havia imaginado.
- Está bem eu irei. Seria o cúmulo que falassem de mim e pensassem que me tornei antipática
por ter vivido todo este tempo na cidade.
Olivia escondeu um sorriso atrás da xícara de café.
- Não se faça de sabichona comigo disse a mulher em um tom diferente do que havia usado com
ela durante todo o tempo em que se conheciam -. Tenha cuidado com o jovem Robles.
- Por que diz isso?
Era a primeira pessoa que se atrevia a dizer alguma coisa. Apensa seus companheiros de
trabalho e sua tia falavam sobre o assunto, que não deixavam de adverti-la para que contasse tudo.
- As pessoas fortes e temidas, como esse rapaz, sofrem muito mais. Ele tem uma dor profunda.
Você deverá vestir uma couraça se não quiser sair magoada.
“Eu já estou magoada”.
Esta dor havia explodido dentro dela anos atrás e de uma maneira terrível, terrível…
Tradução Lauren Moon
*
Angustiada depois de seu encontro com Miguel, Olivia esmiuçou como louca cada canto da
praça, onde sabia que ficavam os homens de seu pai, seguindo cada um de seus passos. Fernanda,
que a olhava preocupada, pedia para que ela se acalmasse. Olivia estava desesperada para falar
com ele antes que acontecesse uma barbaridade.
Trêmula, e chorando lágrimas vivas, avistou um dos capangas de Ruiz. O
homem estava fazendo uma ligação em seu celular. Ela quase correu ao seu encontro.
- Você tem que me levar até ele falou Olivia desesperada.
- Esta é uma tarefa muito difícil respondeu o homem de forma grosseira
-.
O patrão não está nas redondezas neste momento. Eu a levarei amanhã para falar com ele.
Volte para sua casa.
O homem lhe deu as costas, subiu em uma camionete e se perdeu por uma das ruas sem dar
tempo a Olivia em insistir.
Olivia olhava de um lado para o outro, angustiada. Que diabos ia fazer?
Fernanda pediu pela enésima vez que ela se acalmasse. Na melhor das hipóteses, se seu pai não
soubesse de nada, não havia razão para ela se preocupar. A única esperança de Olivia era que
Miguel fosse falar com seus tios naquela noite.
Quando Olivia chegou em casa, teve trabalho para esconder de sua tia o que havia acontecido.
Debulhada em lágrima, confessou seu romance com Miguel e o que havia acontecido na praça da
cidade.
- Tia, se alguma coisa acontecer com Miguel, eu vou morrer - concluiu desolada.
Teresa não ficou surpresa com a notícia, porque por anos conheceu o ir e vir de seus filhos e de
sua sobrinha, então já tinha conhecimento dessas questões. Ela apenas a recriminou por não ter
confiado nela e ficou bastante triste quando Olivia confessou que havia escondido sua identidade.
Tentou consolá-la, enquanto a levava ao seu quarto.
Teresa pediu à empregada um chá de melissa.
- Vamos esperar para conversar com ele esta noite e tomaremos uma decisão - disse, por fim,
cética.
As horas se assaram e ele nunca chegou. Enrique estava chateado com Olivia por ter mantido
seu relacionamento em segredo, repreendeua por isso e desejava dizer mais alguma coisa, mas o
olhar de sua esposa o acalmou de repente.
Às dez horas, todos foram dormir.
Olivia rolava na cama, até que o barulho do toque do telefone a sacudiu de imediato. Levantou-
se, dirigindo-se até o quarto de seus tios. Ela ouviu a conversa atrás da porta. Não desejava
incomodá-los.
Era umas dez e meia. Enrique respondeu: - Não pode ser!
- O que houve? - quis saber sua tia. Silêncio.
Tradução Lauren Moon - Como foi? - perguntou ao seu interlocutor. Depois de uma longa pausa,
acrescentou -: Entendo. Obrigado por avisar.
Depois de desligar o telefone, enrique anunciou: - Mataram Santiago Robles algumas horas
atrás.
- Oh, meu Deus! Pobre deles! Como foi? - Olivia ouviu sua tia perguntar.
- Chegaram em sua fazenda e o mataram com um tiro na cabeça, na frente dos rapazes.
Sua tia se lamentou pela triste notícia e comentou sua preocupação com Olivia.
- O que acontecerá quando ela souber? - perguntou ao seu marido.
- Ela vai se sentir culpada pelo que aconteceu, é claro - disse em um tom cansado -. Ainda não
posso acreditar que esse infeliz tenha se metido com esta família.
- Já estava havendo rumores.
- Eram armações de Orlando, tenho certeza.
- E agora a menina estará no meio do furacão. O que vamos fazer?
- Deixeme pensar.
- Que cruz tão amarga para minha pobre sobrinha.
Olivia se retirou antes que percebessem sua presença. Não queria angustiá los ainda mais.
“Mataram o pai dele, mataram o pai dele”. Queria sair para o pátio e gritar até ficar sem voz.
O que foi que eu fiz? Meu Deus, o que foi que eu fiz? Mexia-se para frente e para trás, com os
braços cruzados sobre o abdômen. Presa a uma emoção desoladora, pegou alguns travesseiros e
grudou-os em seu rosto para evitar soltar um grito.
Ela conseguiu dormir apenas de madrugada, cansada de tanto chorar.
Sonhou imediatamente com corvos pretos que tratavam de se aproximar dela. Ela estava sentada
embaixo de uma árvore, perto da lagoa. Ela os espantava, mas eles retornavam, aproximando-se cada
vez mais, até que dois deles começaram a bicar suas pernas.
Naquela noite, levantou-se suando, com lágrimas nos olhos, a garganta apertada e com uma
premonição sinistra no coração. Em que momento sua felicidade havia ficado em farrapos?
Tradução Lauren Moon Capítulo XIII Olivia olhava com o cenho franzido o interior de sua
xícara de café. Ela tratava de afastar as lembranças que às vezes irrompiam em sua cabeça.
“A profundidade de seu desprezo”.
Ela já havia conhecido há anos. Havia conhecido em um mesmo homem seu grande amor e seu
profundo desprezo.
A idosa a olhava com algo parecido como compreensão.
- Casa de ferreiro, espeto de pau ela disse.
Olivia não respondeu, limitando-se a olhar o horizonte. Era uma tarde ensolarada e as árvores
faziam sombra na casa. À distância, escutou o latido de um cachorro que em seguida, apareceu pela
trilha, indicando que a família já retornava do trabalho no campo.
Olivia se despediu, deixando a avó na cadeira de balanço, acompanhada de seus entes e
satisfeita por tê-la convencido de ir no sábado à atividade programada.
- Oscar?
- Sim, diga - respondeu o humilde homem ao pegar a direção do jipe que os levaria de volta à
cidade.
- Nem uma palavra desta saída a Miguel - ela o advertiu, enquanto sustentava seu olhar.
- Como quiser, senhorita - evitou seu olhar.
Olivia consultou seu relógio. Eram duas e meia. “A esta hora, o casal Preciado já deve star na
fazenda de Miguel. O que eles estarão fazendo?”
Eles estavam a cinco minutos na estrada quando Oscar deu uma guinada na direção, que a jogou
contra a porta do jipe, tirando-a de seus pensamentos. Um tiro, que bateu no aro dianteiro esquerdo,
os fez perder o controle do veículo.
- Abaixe-se, senhorita - bramou Oscar em seguida e esforçou-se para manter a direção do carro,
mas observou curioso a sombra que havia disparado neles e que se perdia pela colina acima. O jipe
derrapou morro abaixo.
Apenas a perícia do homem permitiu que eles continuassem rodando e esquivandose das
árvores e pequenos montes pelo meio do campo. Freou de repente, quando se estatelaram contra uma
cerca.
Olivia se desprendeu do assento, mas graças ao cinto de segurança, que Miguel havia mandado
instalar das atrás, salvou-se de atravessar o para-brisa com a cabeça.
Preocupada, perguntou pelo bemestar do motorista. Ela o olhava de cima a baixo e levava a
mão ao rosto, onde uma lágrima era palpável. Oscar não tinha sofrido dano algum.
Tradução Lauren Moon
Olivia tinha apenas um pequeno ferimento na parte superior da testa, quase perto do couro cabeludo,
mas que já começava a sangrar.
- Você está sangrando, menina Olivia - avisou o homem, preocupado.
- É apenas um arranhão, fique calmo. E agora, como sairemos daqui?
Desceram do jipe. À distância, dois cavalos se aproximaram. À curta distância deles, mais dois
cavalos o seguiam.
Como em uma miragem, os dois homens mais bonitos do mundo apareceram na frente dela. Um
deles era alto, branco e com profundos olhos verdes. O
outro… era aquele que lhe tirava o sono e que a olhava com vontade de estrangulá-la.
- Que merda está acontecendo aqui?
- perguntou uma voz que Olivia conhecia muito bem.
*
Melisa caminhava pela sala de estar da fazenda, com sua filha nos braços, enquanto desfrutava
daquela paisagem. Um par de gatos brincava ao pé da varanda e na outra ponta, um cachorro
labrador, de cor areia, fazia sua sesta, indiferente ao movimento dos animais de estimação. Valentina
se remexia de um lado ao outro sem perder nenhum detalhe da brincadeira dos animais. Melisa lhe
ensinava o nome de cada gato e a criança balbuciava entusiasmada.
- Este lugar é lindo - inspirou o ar com deleite -. Não consigo imaginar o que você sofreu ao
ficar longe de toda esta beleza.
Elizabeth se aproximou de uma mesa que, em uma bandeja, continha uma jarra de cristal com
suco e copos ao lado. Ela ofereceu um copo com suco de graviola a Melisa.
- O que você acha do trabalho de Olivia Ruiz? - perguntou Melisa, de repente, a Ligia, querendo
conhecer a opinião dela. Observava as atrofias em suas mãos.
“Devem doer muito”, pensou.
Elizabeth, que havia se aproximado dela para receber a menina, disse; - Por Deus, Melisa, você
não sabe o que acaba de perguntar - e, com um sorriso exultante, olhou para sua cunhada -. Vamos
ver, qual sua opinião?
O semblante de Ligia ficou sombrio.
- Que essa mulher jamais deveria ter posto os pés novamente neste lugar!
- Você não concorda, então, com o que ela está fazendo? - Melisa lhe lançou um olhar de
reprovação -. Por acaso essas pessoas não mereciam recuperar o que foi deles e de suas famílias?
Melisa tinha um bom conceito da mãe de Miguel, mas desde sua chagada, há poucas horas, ela a
notava belicosa e amarga.
- Sim, eles têm todo o direito, não me interprete mal - desculpou-se com o olhar -. O que eu não
consigo entender é por que teve que ser pelas mãos desta mulher.
Naquele momento saiu pelo corredor a babá de Valentina. Ela trazia uma papinha de fruta e
outra empregada trazia uma cadeira especial para crianças, dessas que Tradução Lauren Moon se
usam para alimentação. Elizabeth colocou a bebê no cadeirão e Melisa pegou o prato, disposta a
alimentá-la. A babá colocava um babador na criança.
- É um trabalho delicado que Olivia jogou sobre seus ombros. Todos nós devemos apoiá-la -
disse Melisa.
Limpou a boca de sua filha com o babador. Ficaram em silêncio pelo resto do tempo que durou
para alimentar a pequena, que comia com a mesma vontade que observava o mundo.
- Ela me cai bem, e como profissional é muito capaz, inclusive o pouco que pude conhecer de
sua forma de ser, muito me agradou. Espero que Miguel tenha superado esse gosto tão amargo -
insistiu Melisa.
- Não, ele não superou! E esta família é culpada de muitas coisas! respondeu Ligia irada.
Melisa, surpresa por aquele rompante, levantou a sobrancelha.
- Do que ela tem culpa? - perguntou preocupada.
Ligia não respondeu. Melisa tirou a menina do cadeirão e sentou com ela em uma das cadeiras
de balanço.
- Filha, acreditou-se que Santiago foi assassinado porque Miguel se apaixonou por Olivia -
informou Elizabeth.
Melisa percebeu que Elizabeth ficou envergonhada pelo ataque de sua cunhada. Então, ela se
aproximou de Ligia, pegou sua mão e disse: - Desculpeme. Não tinha a intenção de incomodá-la.
- Não, não Melisa. Sou eu que devo me desculpar.
Melisa decidiu mudar de assunto e um comentário sobre o jardim, provocou uma animada
conversa sobre as plantas e seus cuidados. A babá pegou Valentina de seus braços e começou a
balançala e a cantarolar uma canção de ninar.
Depois de alimentada, era evidente seu cansaço, mas as emoções e o descobrimento de um novo
lugar a impediam de fechar os olhos.
Naquele momento, avistaram um cavalo com dois cavaleiros e mais atrás, o cavalo que era
montado por Gabriel. Ao se aproximarem do caminho da casa, as mulheres perceberam que Miguel
trazia Olivia na frente dele e que pressionava sua testa com um pano branco.
Melisa desceu logo os três degraus com uma expressão inquieta. Correu até seu marido que
havia desmontado com agilidade de seu cavalo e que já entregava as rédeas a um dos peões.
Miguel desmontou do garanhão a toda pressa, disposto a pegar Olivia nos braços.
- Miguel, você não tem que fazer isso - ela lhe disse constrangida, sem descer do animal. Não
queria que ele percebesse sua prótese, e menos mal que ela havia colocado a de uso diário, que
funcionava como uma bota e era suficientemente acolchoada -. Posso ir para a cidade.
- Caralho, Olivia!
- Vou embora para a cidade.
Tradução Lauren Moon
- Você não vai a lugar nenhum! - ele gritou ainda mais furioso.
- Pelo menos deixe-a descer do cavalo - disse Elizabeth que seguia as atitudes de Miguel com o
olhar. Não lembrava de tê-lo visto tão cego por alguma coisa.
Assim que Miguel a ajudou a desmontar, pegou-a nos braços para levala a um dos quartos e
chamar um médico.
Mortificada, Olivia observou como se fosse um sonho a bonita mulher que descia as escadas,
precipitadamente. Lembrou-se das reuniões em Bogotá e das conversas com ela.
- O que aconteceu? - perguntou a Miguel, mas passou reto até seu marido.
- Olivia sofreu um atentado em uma encruzilhada perto daqui - foi a lacônica resposta de
Miguel.
- Boa tarde a todos - sussurrou envergonhada.
- Filha, venha comigo - saudou Elizabeth.
Ligia se manteve tão dura como uma estátua diante daquela cena, tentou dizer alguma coisa, mas
o olhar de Miguel a silenciou de imediato.
- Vou leva-la a um dos quartos para que você descanse.
Elizabeth os seguiu pela casa.
- De verdade, não é necessário respondeu Olivia, tentando descer dos braços de Miguel.
Observou Ligia de canto de olho, que retribuiu seu olhar.
Miguel se mante firme e assobiou com os dentes apertados -: Você vai descansar, nem que para
isso eu precise amarrá-la. Pelo que eu entendi, você prometeu ficar hoje na cidade. Você não é muito
boa em cumprir suas promessas.
- Solte-me, você não tem nenhum direito - ela soltou, furiosa -. Nunca lhe prometi nada. Aliás,
quem não cumpre suas promessas é outra pessoa.
- Do que você está falando? - ele perguntou com um olhar irado.
- Esqueça isso.
Gabriel e Melisa os observavam surpresos. Eles foram se afastando para dentro de casa, sem
prestar atenção nos outros e discutindo em voz baixa. Elizabeth os guiava com um sorriso de orelha a
orelha.
*
- Uau! - soltou Gabriel, assobiando suavemente -. Isso responde todas as suas perguntas.
- Olivia é uma mulher de temperamento forte - falou Melisa suavemente -. Miguel se preocupa
com ela.
Ligia tocou as juntas dos dedos, tentando aliviar a dor. Sem dizer uma única palavra, dirigiuse
ao interior da casa.
- Você acredita que Miguel ainda a ame? - perguntou Gabriel quando caminhava com sua esposa
para o quarto de Valentina.
Tradução Lauren Moon
Melisa assentiu.
Eles olhavam para sua filha que, por fim, estava adormecida. Melisa tirou sua chupeta e disse
para a babá descansar um pouco.
Melisa, como pessoa alheia ao conflito da região, achava incrível que culpassem Olivia pelo
acontecido. Alguma coisa a mais deve ter acontecido para que ocorresse o que aconteceu.
Ela devia ser muito jovem naquela época. Além disso, percebia nos relatórios que havia
recebido dela que era uma mulher boa. Vítima das circunstâncias como muitas daquelas pessoas na
região, mas suas ações não eram nada egoístas, mas desinteressadas e crivadas de culpa. Por que o
cabeça dura de seu amigo não percebia isso? Então, pensou…
Elizabeth tinha dito “acreditou-se que Santiago foi assassinado”. Mas não usou o verbo no
presente. Não disse “acreditamos”.
Tinha alguma coisa a mais ali.
Lembrou-se de sua conversa anos atrás com Miguel em Nova York, quando Gabriel estava
sequestrado e ela fazia uma especialização em literatura infantil na universidade de Columbia. Ela
perguntou a Miguel se alguma vez ele tinha estado apaixonado por alguém. A mudança em seu
semblante disse tudo. Em todos esses anos de conhecimento tinhamse tornado muito amigos, e ela
havia conhecido algumas de suas mulheres, mas a nenhuma delas ele olhou como havia olhado para
Olivia, nem quando a levava para dentro de casa, nem em seu escritório meses atrás, antes do
nascimento de Valentina. A maneira de trata-la e de como ele havia tentado convencer Gabriela, e ela
mesma, para que eles lhe recusassem qualquer ajuda. Deixou de pensar quando Gabriel começou a
acaricia-la.
- As sestas no campo são proveitosas - ele baixou a alça de sua camiseta e abriu seu sutiã. À
vista ficou um de seus espetaculares seios. Ele delineou seu mamilo com a ponta do dedo.
Melisa se chegou um pouco mais perto de seu homem.
- Você se aproveita de qualquer circunstância.
Sorriu.
*
Olivia agradeceu a presença de Elizabeth, enquanto ela cuidava de sua ferida. Soltou um gemido
em razão da pressão do desinfetante. Miguel insistia em chamar um médico, a cada gesto de dor que
ela fazia. Elizabeth concordava com Olivia e afirmou que era só um arranhão.
- Está doendo, querida? - perguntou Elizabeth quando guardava as coisas em uma pequena
caixinha de medicamentos.
- Eu estou bem - respondeu Olivia, mas não era verdade. Tinha pontadas em todo o corpo. A
prótese repuxava o coto da perna. O que ela mais desejava era poder tirá-la e tomar um bom banho.
Ela acreditava cheirar como o inferno, mas agora tinha problemas mais sérios na casa de Miguel.
Tradução Lauren Moon
- Qualquer coisa que você precisar, me avise - Elizabeth olhou para Miguel e disse -: não a
incomode agora, deixe-a descansar.
Miguel baixou a cabeça.
- Concordo, tia. Obrigado.
Elizabeth saiu e um incômodo silêncio tomou conta do recinto.
Olivia passou seu olhar ao redor. Era um quarto grande e cômodo, ainda que austero em sua
decoração. De paredes brancas com uma cama grande ampla de madeira grossa de cor escura,
coberta com um edredom de cor laranja, uma mesinha de cabeceira ao lado e um abajur com cúpula
de cor bege. Na frente, uma espécie de penteadeira estava localizada ao lado de uma porta que
presumiu ser o banheiro. Um crucifixo e um par de quadros com a paisagem da região enfeitavam as
paredes.
Olivia o olhou apreensiva.
- O quê? - ela perguntou, pondo-se em guarda.
- Você é teimosa - fez um gesto, como se pedisse que o deixasse terminar de falar -. Por que é
tão difícil para você aceitar um conselho, uma recomendação?
- Eu sempre tive problemas em seguir as regras, Miguel. Você sabe disso melhor que ninguém.
Eu lamento se isso o aborrece.
Se ele soubesse até que ponto as regras trouxeram problemas para ela, iria considera-la um caso
perdido.
- Não estou aborrecido.
- É claro que está. Você está apertando seus punhos e está falando comigo entre os dentes. Se
você continuar apertando-os tanto assim, vai acabar comendo apenas purê.
- Você acredita que com suas piadas tudo acabará bem?
- Você se tornou muito amargo - ela respondeu com petulância, erguendo ainda mais suas
defesas.
Miguel ignorou seu comentário.
- O que teria acontecido se esse tiro tivesse acertado o alvo?
- Bem, neste exato momento eu seria comida para vermes.
- Você não entende nada! - ele se aproximou e a sacudiu com raiva como se quisesse sacudir os
sombrios pensamentos que a assolavam -. Será que você não dá valor a sua vida?
- Que vida, Miguel? Eu sou uma mulher que há anos vive pela metade. Posso morrer aqui ou em
qualquer lugar, que para mim tanto faz.
- Não diga isso! - lançou desesperado -. Se você não fizer isso por você, faça pelas pessoas que
você está ajudando e que… maldita, seja você! ele a soltou, deixando-a na cama -. Seu egoísmo,
como sempre. Essas pessoas que bem ou mal colocaram suas esperanças em você.
Ela baixou o olhar. Estava envergonhada. Na verdade, ela não pensava naquilo que ela dizia a
Miguel, mas sua frustração pela situação que tinha com ele, a fazia especular e falar bobagens.
Tradução Lauren Moon
Em parte era verdade, porque vivia pela metade, com a alma cheia de sombras. Ela queria ver
alguma coisa de aprovação no semblante dele, ela precisava disso.
Era uma estupida por pensar assim. Sabia que não deveria buscar a aprovação de homem algum.
Estava escrito no manual da mulher moderna. Mas, por Deus! Ela o havia magoado tanto! Ele havia
sofrido tanto. Ela desejava demonstrar quão equivocado ele estava. Naquele momento, ela quis se
aproximar dele e alisar aquele cenho. Acariciar seus lábios até fazêlos estender um sorriso. Ela o
desejava com desespero.
- Perdão, Miguel, isso não voltará a acontecer.
- Perdão, perdão, perdão… Você só sabe dizer isso, mas volta e meia e você só faz o que tem
vontade - ele disse em voz baixa, mais frustrado que incomodado -. Você mergulha de cabeça nos
problemas sem se importar quem está arrastando pela frente. Lembrese de que eu lhe conheço muito
bem.
- Não, não me conhece.
Olivia desviou seu olhar até a janela, tratando de esconder seus sentimentos. Miguel se
aproximou e a levantou pelo queixo, examinando a ferida por uns instantes e olhando fixamente em
seus olhos. Olivia se afastou deste gesto com delicadeza. Miguel se negou a pedir desculpas por sua
explosão e dirigiuse até a porta.
Colocou a mão na maçaneta.
- Você vai ficar aqui, até que eu averigue uma coisa.
Olivia jogou a cabeça para trás e arregalou os olhos.
- Nem pense nisso! Como pode colocar sua mãe neste dilema? Ela me odeia.
- Do que você tem medo? Que ela faça alguma coisa com você? Que envenene sua comida? - os
lábios de Miguel se estreitaram com um sorriso sarcástico.
Abriu a porta -. Por acaso você se importa? Não dá no mesmo o que quer que venha acontecer
com você? concluiu em tom de zombaria?
- Você é um cínico.
- Vou enviar Pedro com uma mensagem a sua casa. Escreva em um papel aquilo que você vai
precisar com mais urgência. Mandarei buscar algumas de suas coisas.
O coração de Olivia deu marteladas em seu peito.
- Não faça isso – além da franca rejeição de Ligia, para ela seria terrível se alguém soubesse
que ela usava prótese -. Não vou dar a mínima para o que você quer, e assim que você der as costas
eu vou embora. Você está louco se pensa que pode me manter aqui à força.
Miguel fechou a porta novamente, encostando-se nela com as mãos para trás.
- Posso e farei - sorriu com sarcasmo e com o olhar fixo em Olivia observou -. Você vai ficar
aqui, caso contrário vou avisar às autoridades e ao seu chefe.
E tem mais, falarei até com o bobalhão que fica babando por você. Tradução Lauren Moon Ela o
olhou confusa. De quem ele estava falando? Segundos depois, ela percebeu.
- É William e ele não é nenhum bobalhão. É uma pessoa boa e gosta de mim.
- Tenho certeza disso - disse com um olhar sombrio -. Você escolhe.
- Está bem! Não será nada agradável viver comigo! - mudou o tom de voz ao perceber, em
seguida, seu olhar inescrutável -. Você pode se arrepender, Miguel.
Por favor, me leve para minha casa. É uma situação muito incômoda para mim.
Olivia sabia que havia procurado por esta situação, expondo-se daquela maneira. Deveria
agradecer a ajuda que Miguel lhe oferecia, porque nem todas as pessoas se ofereciam a sacrificar seu
tempo e pessoas por sua segurança. Mas as maneiras que Miguel tinha de fazer reluzir suas
tendências alfa, o impediram de abrir a boca.
Miguel, ao ver a aquiescência de Olivia e por estar mais tranquilo por têla em seus domínios,
permitiu-se ser amável.
Olivia tinha um monte de coisas para fazer, como acabar o relatório do projeto para apresentar
ao casal Preciado, acertar os últimos detalhes da visita ao terreno, falar com o arquiteto… fez com
que Miguel soubesse de suas tarefas.
- Nós vamos arrumar tudo isso de alguma maneira. Quer comer alguma coisa? Está bem
acomodada? Peça-me o que quiser, por favor.
Ela se surpreendeu. Esses eram os contrastes que a deixavam na corda bamba. Em um momento
ele era duro e irritante, em outro, era amável e atencioso. Mas, quando ele percebia que tinha feito
um gesto amável por ela, fechava-se novamente em si mesmo.
Miguel saiu dos aposentos e fechou a porta sem fazer barulho.
“E agora, que caralhos eu vou fazer?”, perguntou-se angustiada. Não queria que ninguém
soubesse de sua condição. Entrou uma das empregadas com papel, lápis e uma jarra de limonada.
Olivia começou a escrever um bilhete para sua tia, explicando o que havia acontecido e pedindo que
ela enviasse uma maleta com os produtos de limpeza da prótese. Pediu um envelope e fechou a nota.
Tinha que descansar sem a prótese, mas não se atrevia. Se Elizabeth ou Miguel se atrevessem a
entrar e a vissem assim, ficaria literalmente morta.
“Sim, antes morta”, pensou com orgulho. A última coisa que ela tinha imaginado era que
terminaria seu dia na fazenda de Miguel. Enquanto acariciava o anel que pendia em sua corrente,
lembrou-se de sua visita naquele lugar, anos atrás…
*
A tarde parecia que seria eterna. Viu como as horas passavam lentamente em seu relógio.
Assim como avançava o dia, também aumentava sua angústia. Tinha alouca esperança de que ele
procuraria por ela.
Não o faria. Não mais.
Só rezava a Deus para que Miguel pudesse perdoá-la de alguma maneira. Tradução Lauren Moon
Comeu apenas três garfadas do jantar e a comida continuava atravessada em sua garganta.
Despediuse de seus tios sem falar grandes coisas. Teresa ficou mais tranquila quando ela disse
que desejava dormir.
Era uma noite sem lua, e percebeu isso ao aproximar-se da janela. A escuridão iria ajudala em
seu propósito. Com o ouvido aguçado ao menor ruído, esperou que a empregada se recolhesse.
Atravessou ao pequeno pátio até chegar ao apartamento. Rezou para que sua tia não tivesse
passado o cadeado. Mas não, a porta estava aberta.
Atravessou o apartamento e saiu pela porta que dava para a rua. Uma quadra mais para cima e
Fernanda a esperava.
Naquela tarde, ela havia conversado com ela e havia pedido que ela a acompanhasse, porque
precisava falar com Miguel. Fernanda dirigia o veículo de seu pai. A moça havia aceitado ao ver a
angústia de Olivia e ao perceber sua reação ao contar-lhe que Miguel estava ferido.
Olivia agradeceu a Fernanda por acompanhala naquela noite. Fernanda, querendo tirar a ferro a
terrível situação de Olivia, contou algumas piadas. Olivia apenas prestava atenção nela, porque suas
mãos suavam e ela estava com um nó no estômago.
Seu coração bateu a mil por hora quando avistou o pórtico da fazenda.
Havia luzes na entrada e de cada lado do caminho haviam carros estacionados. Com certeza, as
pessoas da cidade estariam fazendo-lhes companhia.
- Pare aqui. Não quero que ninguém me veja.
- Então, como você pretende falar com ele?
- Você entra e. .
Fernanda balançou a cabeça e a olhou como se sua amiga tivesse perdido o juízo. Olivia
implorou, desesperada, dizendo que não poderia entrar naquela casa sem que a expulsassem aos
pontapés. Fernanda concordou a contragosto. Olivia torcia suas mãos e pediu que ela se aproximasse
de Miguel e que o convencesse de sua necessidade de falar com ele.
- Se eu não voltar em meia hora, é porque mataram o mensageiro.
- Só você é capaz de fazer uma piada em uma hora dessas.
- Ou melhor, eu poderia dizer “Ave César, os que vão morrer lhe saúdam”.
- Esta frase fica melhor para mim ela a empurrou para fora do carro antes de perder a pouca
coragem que lhe restava -. Vou espera-la aqui. Obrigada, amiga. Você é uma pessoa muito boa.
Fernanda se afastou pelo caminho como se fosse realizar a missão de sua vida. Aqueles minutos
foram eternos. A cada minuto ela se repetia: “Deus, faça com que me perdoe. Por favor, serei uma
pessoa melhor de agora em diante”.
Ela estava com os olhos tão fechados que não percebeu a sombra que avançou sobre o carro, e
que, como uma assombração, abriu a porta e a tirou dali com grosseria.
- O que você está fazendo aqui? tronou a voz de Miguel, enquanto a arrastava para trás de uma
árvore bem grossa.
Tradução Lauren Moon
- Como você pode me perguntar isso? - ela respondeu com a voz quebrada e lágrimas nos
olhos.
- Guarde suas lágrimas para outro!
- assobiou com ressentimento e um sentimento tão sombrio, que Olivia se recusava a nomear.
Ela ficou petrificada. Nunca, durante o tempo em que se conheceram, tinha visto aquele olhar.
Miguel tinha o semblante pálido e desfigurado, com o queixo sombreado.
Vestia seu uniforme de gala da força militar a que pertencia.
Seus instintos estavam certos, ele jamais a perdoaria. Ela o soube com certeza. Abatida, Olivia
baixou o olhar.
- Veio fazer mais algum mal? Quer me ver derrotado? É isso?
- Não! Como você pode pensar uma coisa dessas? - ela objetou, percebendo a tipoia no braço
dele -. Seu ombro. . disse e fez menção de se aproximar dele.
Ele a sacudiu de imediato.
- Nunca mais volte a se aproximar de mim.
Doeu aquele rechaço tão contundente.
- Meu amor, perdoe-me.
Ele olhou para ela com um desprezo selvagem.
- Você é muito cínica - bramou com raiva -. Nunca fiz mal a mulher alguma em minha vida, mas
tenha certeza de que posso começar a partir de agora.
- Você está sendo injusto..
Miguel se aproximou e falou perto do rosto dela.
- Não me venha com essa.
Olivia pensou que ele iria bater nela e, ao dar um passo para trás, tropeçou em uma pedra e
caiu, machucando seu tornozelo.
Olivia tentava entender a dor dele, mas diante de sua grosseria, o orgulho veio à tona.
- Você não tem o direito de me tratar assim - ela se defendeu enquanto tentava ficar de pé.
- As atitudes de seu pai me dão todos os direitos. Se eu quisesse, neste exato momento, eu
poderia fazer com você o que tivesse vontade.
Ele lhe deu as costas, disposto a ir embora. Sem olhar para ela, ele gritou:
- Aqui não é o seu lugar! - inspirou profundamente e suspirou tentando se acalmar, e continuou -: Por
você, eu teria ido até o fim do mundo. Por você, eu teria renunciado a tudo. Agora eu percebo o quão
imbecil eu fui.
- Cale-se! - ela explodiu. Foi caminhando até o carro de sua amiga.
Uma onda de náuseas fez com que estivesse a ponto de vomitar. Suas palavras a atingiram em
cheio, não, atingiram não, elas a rasgaram como se sua carne fosse aberta por um bisturi, começando
a se separar e ao invés de sangue brotasse uma profunda infelicidade, que nublava tudo a sua volta.
Tradução Lauren Moon
Ela continuou caminhando com passos de dignidade. Quando ela lia algum romance ou ouvia
sua mãe dizer que tinha o coração partido, pensava que falavam em sentido figurado. Mas, não.
Naquele momento, ela sentiu seu coração partido em vários pedaços. Ela sentia todos eles. Era
como se os pedaços pressionassem suas costelas. Foi invadida por uma dor tão grande que teve
que se abaixar um momento e se acalmar até voltar a conseguir respirar com alguma
normalidade.
*
Melisa deixou seu marido fazendo a sesta no quarto e saiu em busca de Valentina. A pequena
acabava de acordar e estava no colo da babá.
- Rosario - dirigiuse à babá -, traga uma água morna. Vou dar um banho nela. Meia hora depois, uma
Valentina fresquinha e alimentada saiu para dar uma volta na companhia de seu pai.
Melisa desejava saudar Olivia, mas Elizabeth saiu para encontrá-la e pediu que ela a
acompanhasse ao seu escritório.
- Você tem grande consideração pelo meu sobrinho, não é?
- Sim, ele é meu melhor amigo.
- Então, você será de grande ajuda.
Elizabeth começou a contar o que havia acontecido, as discussões com Ligia, a existência da
carta que falava por si só da inocência de Olivia. Melisa se surpreendeu. Só precisava estar um
pouco acima da nuvem de ressentimento para poder perceber a essência da pessoa. Perguntou a
Elizabeth por que ela não havia entregue a carta a Miguel e ela lhe respondeu que fazia isso por
Ligia, que estava lhe dando uns dias para que ela reconsiderasse. Melisa duvidava que a redenção de
Olivia estivesse nas mãos de Ligia. Se Elizabeth não desejava mostrar-lhe a carta, então, porque
contava isso para ela? Para que ela não tivesse uma imagem ruim de Olivia, foi a resposta de
Elizabeth. Melisa disse que isso não era necessário, porque ela conhecia Olivia. Mas tinha que falar
com Miguel. “E como falar com Miguel sobre isso?”, pensou Melisa.
Seria vista como uma intrometida, mas também não podia permitir que Olivia continuasse
suportando o mau humor dele. Notava-se que Miguel ainda sentia alguma coisa por ela e que ainda
saltavam faíscas entre eles.
Ela teria que pedir a ajuda de seu marido. Ela os encontrou no jardim, e Gabriel procurava os
gatos que haviam se escondido sabe Deus onde. A bebê balbuciava sem deixar de olhar para seu pai
e com sua mãozinha batia em seu peito.
Gabriel sorria para ela, abobalhado. Ela se aproximou e os abraçou.
- Gabriel, o que aconteceria se você tivesse que dizer alguma coisa importante a um amigo,
sabendo que esta coisa afetaria sua vida de alguma maneira e a de alguém muito próximo a ele?
- Para o bem ou para o mal?
- Acredito que para o bem entre eles, mas também envolverá alguns problemas familiares.
Tradução Lauren Moon
Gabriel deixou de sorrir para sua filha e voltou o olhar sério para sua esposa.
- O que está acontecendo, Melisa? Melisa baixou a cabeça e, depois de um suspiro profundo, contou-
lhe tudo.
- É um assunto muito delicado, porque da mesma forma que você arrumaria uma situação, você
estragaria outra. Não sabemos o quanto Miguel sabe.
- Ele é seu amigo, seu dever é ajudalo.
Gabriel soltou um suspiro resignado.
-Bem, bem, encontraremos um momento oportuno.
*
Pedro Almarales tocou a campainha da porta da casa de Teresa. Estava nervoso. Há algumas
semanas, ela tinha ido a sua estância. Ele não havia esquecido, e a cada dia ele enviava um ramalhete
de margaridas ou uma sobremesa da confeitaria das irmãs Rueda, que eram as amis famosas da
região e ele sabia que eram sua perdição.
A empregada abriu a porta.
- Boa tarde, a senhora Teresa está? e antes que a mulher fosse negar com a cabeça, que ele tinha
certeza que o faria, ele disse -: Trago notícias de sua sobrinha Olivia.
A mulher o olhou com a curiosidade instalada em seu semblante e fez com que Pedro a seguisse
até a sala, oferecendolhe para que se sentasse e saiu para procurar a dona da casa. Pedro estava
muito nervoso para se sentar, e pôs-se a andar pela sala com as mãos atrás das costas.
Alegrou-se ao ver as margaridas, que havia enviado naquela manhã, arrumadas em uma jarra de
cristal sobre a mesa da sala. O aroma das flores inundava o ambiente. Suspirou com deleite.
- Boa tarde. O que aconteceu com Olivia? - perguntou Teresa ao entrar na sala.
Pedro se virou. “Deus meu! Era tão bonita!”, pensou oprimido.
Teresa não sabia como reagir. A preocupação por Olivia juntou-se ao choque de voltar a vê-lo.
Ela estava fazendo exercícios, e havia colocado uma calça preta de fazer ginástica, tênis e uma
camiseta rosada. Diante da informação da empregada, nem pensou em trocar de roupa. Estava
arrependia por não tê-lo feito pela olhada que Pedro lhe destinou.
- Responda-me, por favor.
- Desculpeme - ele respondeu com a voz rouca e começou a explicar o ocorrido. Ele a
tranquilizou e explicou que, por segurança, ela ficaria uns dias em El Álamo e que, por isso, ele
estava ali para buscar suas coisas.
Pedro entregou o envelope fechado e Teresa o olhou confusa.
Tradução Lauren Moon - Obrigada - indicou-lhe a poltrona e abriu o lacre de maneira brusca.
Começou a ler a carta de sua sobrinha. Ela sabia como Olivia deveria estar se sentindo neste
momento. Mas, de repente, se deteve para perguntar: - Tem certeza de que ela está bem?
- Sim, não se preocupe. Foi apenas um arranhão.
Tia, Espero que você não se assuste com as notícias que vai receber. Estou bem, embora um
pouco preocupada, e você logo verá o porquê. Preciso que envie meus equipamentos e a roupa
para a reunião de amanhã. Deixei separada em um portavestido bege.
Miguel insiste em não me deixar sair da fazenda até averiguar quem deseja me fazer mal.
Teresa interrompeu a carta.
- Você me disse que foi um acidente e, aqui, minha sobrinha relata que foi um atentado.
- Uma bala perdida bateu contra a um dos pneus do jipe. Desculpeme se não lhe disse nada, mas
pensei que ele avisaria na carta.
- Oh, meu Deus! Pobre da minha sobrinha, até quando? - Teresa continuou a leitura sem olhar
para Pedro.
Tia, quero que se preocupe comigo. Amanhã, espero por você para o almoço em homenagem a
Melisa e Gabriel Preciado.
Um beijo e um abraço, Olivia
Teresa suspirou e fechou a carta. Deixou o homem sozinho. Saiu para providenciar o pedido de
sua sobrinha.
Pedro admirou o balançar de seu quadril, enquanto ela se afastava pelo pátio da casa. Apesar de
ser uma mulher um pouco gordinha, tinha um corpo harmonioso que o hipnotizava. Ele a desejava
como há muitos anos não desejava uma mulher. Mas não desejava apenas seu corpo, desejava seu
coração e a bondade que existia em seu interior. Ignorava o momento em que esses sentimentos
haviam aflorado, foi assim que aconteceu. Uma decepção a esta altura da vida seria de dar risadas,
mas parecia que seu coração não tinha idade, pois sentia os mesmos rompantes da adolescência.
Sorriu para si mesmo. Depois de vinte minutos, apareceram Teresa e a empregada com uma
maleta e um portavestido. A primeira das mulheres havia se trocado e tomado banho em tempo
recorde.
- Deseja beber alguma coisa? Não ia rechaçar a oportunidade de falar com ela por um tempinho.
Tradução Lauren Moon
- Sim, claro que sim, um copo de suco viria bem.
A empregada se afastou para cumprir a ordem.
- Vejo que você gostou das flores.
- Sim… obrigada.
- E das sobremesas?
Teresa suspirou.
- Elas são as responsáveis por eu ter aumentado o tempo de exercício em minha esteira.
- Mas você está bem assim - disse ele com olhar ávido e apreciativo. A empregada entrou naquele
momento com a bebida.
- Eu não diria a mesma coisa se você continuar outra semana a mais enviando-me essas delícias
de sobremesas - sorriu para ele -. Você é impossível, sabia?
- Sim, eu já imaginava - de imediato, e a olhou com mais seriedade -. E me alegro que você tenha
gostado.
- Se fosse você quem carregasse esses quilos, pensaria diferente.
Pedro mudou de assunto. Nunca chegariam a um acordo.
- Você irá amanhã ao almoço?
- Sim, estarei ali.
- Pela tarde haverá música e dança. Desde já, peço-lhe que reserve uma para mim - ele pediu
com a certeza de que não seria rechaçado.
- Dá muita coisa por certo, senhor Almarales. Eu nem mesmo disse que vou dançar.
Ele se levantou da poltrona, caminhou até a porta e com uma piscada de olho respondeu: - Oh,
sim, minha querida senhora. Claro que o fará.
Se Teresa tivesse podido jogar-lhe o jarro com as flores, ela teria feito, mas seria uma
imaturidade. Ela não era Scarlett O’Hara e esse homem estava longe de ser Rhett Buttler9.
9 Uma referência ao romance E o vento levou… (N. da Tradutora) Tradução Lauren Moon
Capítulo XIV
Olivia encontrou o casal Preciado sentado ao redor de uma das mesas que seria utilizada no
almoço do dia seguinte. Gabriel tinha começado a trabalhar em seu laptop há pouco tempo. Melisa
observava o bonito entardecer, Valentina descansava em seu quarto. Ela os cumprimentou, enquanto
eles a convidavam a se juntar a eles.
- Como você está? - perguntou Gabriel, sem deixar de olhar para a pequena ferida coberta por
um curativo.
- Infinitamente melhor, obrigada. Desejava que nosso encontro tivesse ocorrido em melhores
circunstâncias.
- Não se preocupe por isso - disse logo Melisa, a fim de tranquiliza-la -. O importante é que você
está bem. Olivia sorriu em sinal de agradecimento.
- Conteme, como vão as coisas? O relatório que você nos enviou é muito completo, mas prefiro
escutar de você.
Olivia gostaria de ter estado mais preparada para aquela conversa, ter seu laptop com ela,
embora soubesse o relatório de cabeça.
- Como tínhamos falado, os planos para La Casa de Paz estarão prontos em alguns dias. A
visita com o arquiteto, para conhecer o terreno, será feita depois de amanhã. O grupo da Memória
Histórica entregará um relatório com o testemunho dos sobreviventes.
Miguel se aproximou deles. Olivia não escutou seus passos.
Secretamente, ele se sentou atrás dela. Não deixava de observá-la enquanto ela conversava com
seus amigos e eles a escutavam com interesse genuíno.
Era alucinante e incômodo tê-la em sua casa, passeando pelo jardim, desfrutando da companhia
de seus amigos. Essas pequenas ações criavamlhe uma sensação agridoce no peito, que ele não
queria nomear.
Ele percebeu que ela estava um pouco nervosa enquanto falava, mas seu tom de voz reunia todos
os tipos de emoções, enquanto contava as experiências vividas.
Era nesses momentos em que ele quase se convencia que ela não tinha nada a ver com a morte
de seu pai e seus sentimentos voltavam com diferente humor.
Seus cabelos brilhavam tão bonitos quanto antes, embora um pouco mais curtos que na época da
ravina. Eles estavam presos com uma fivela que apenas os detinha, porque alguns fios enrolavam em
sua nuca. Desejou colocar atrás da orelha a mecha que havia se soltado. Por que caralhos queria
fazer isso? Ele bufou irritado e lembrou como ela tirou a mão dele quando ele pegou em seu queixo.
Ela o rechaçava, e enviava uma quantidade de sinais contraditórios que o deixava à beira de um
desfiladeiro.
- Como pensa fazer as coisas? perguntou Gabriel sem deixar de olhar atrás dela.
Tradução Lauren Moon
- Existem líderes muito valiosos na região com comprovada vocação para o serviço.
Miguel observava enfeitiçado o movimento que as mãos de Olivia faziam à medida que ia
explicando sua exposição. Lembrava de cada uma de suas carícias e o intenso prazer quando suas
mãos rodeavam seu…
Eu sou um estúpido! Surpreendeu-se ao olhar com o rabo de olho para Gabriel e notar que seu
amigo o olhava com sarcasmo. Claro! O bastardo tinha adivinhado aquilo que ele pensava! Olivia,
sem perceber o que acontecia, continuava sua conversa.
- Acho que, além da biblioteca, o espaço para reuniões e o parque para os meninos, poderíamos
destinar um ambiente para aulas de ginástica. Já tenho comigo os currículos da psicóloga e da
assistente social que cuidaram da casa.
- É um projeto de grande envergadura que demandará uma boa fatia de dinheiro - disse Gabriel.
- Sim - continuou Olivia -. É um trabalho de integração. Tem que ser criada uma rede social bem
compacta para evitar que a história se repita.
Gabriel pegou a mão de sua esposa, fazendo sinais para sua esposa, que se sentou em seu colo.
- Até quando vocês vão ficar em San Antonio? - perguntou Olivia.
- Vamos ficar por três dias respondeu Gabriel, que logo lhe perguntou -: Você vai ficar até que o
projeto comece?
- Sim, claro, depois eles terão minha assessoria. O projeto para a região é um projeto-piloto,
que se tiver êxito, será implementado nas demais zonas do país, que venham a solicitá-lo.
- Então, você não vai ficar? perguntou Miguel. Sentiu que Olivia ficou tensa e sua raiva se
avivou. Queria que ela se sentisse à vontade com ele, mas parecia um trabalho titânico. Com seus
amigos, ela era todo um sorriso, com ele, era como se ela tivesse medo.
- Virei sempre que houver necessidade. Minha vida está em Bogotá.
Será que ela teria algum homem esperando por ela na capital? Ele se perguntou enquanto a
observava conversar, porque obviamente alguma coisa a incomodava desde que ela percebeu sua
presença. Pensou na pergunta, precisava saber.
Mas ele abria a boca com a intenção de tentar interromper a conversa e voltava a fechá la. E se
ela dissesse que sim? Melhor mesmo não saber, mas a curiosidade falou mais alto.
- Tem algum homem esperando por você na capital?
- Miguel! - exclamou Melisa -. Não seja impertinente.
- Meus interesses são bem distintos ela respondeu com dignidade.
- Por que? Agora você prefere as mulheres? - soltou Miguel, surpreso por seu próprio
comentário, que sabia ser mesquinho e de mal gosto, mas não retrocedeu.
Observou a fagulha de raiva nos olhos dela, totalmente satisfeito. Estava cansado de ser o único
a perder o domínio de si mesmo.
Ela se levantou furiosa e disse: Tradução Lauren Moon
- Você é um deturpado…
- Sou consciente disso - e também da grosseria que havia cometido.
- Miguel, deixe de dizer disparates disse Melisa com preocupação.
- Desculpem-me - disse Miguel, por fim.
Olivia percebeu que as desculpas foram mais para Melisa que para ela e se sentiu ainda mais
aborrecida do que jamais imaginou se sentir em sua vida. Como ele se atrevia? Sentiu que o sangue
subia a sua cabeça e que seu rosto queimava. Queria esbofeteá-lo, mas percebeu, por uma estranha
razão, que ele estava feliz por vê-la aborrecida. Além do que, não queria demonstrar o ciúme que
sentia desta mulher tão boa.
A maneira que Miguel a olhava, quase com reverência, e seu sorriso eram apenas para Melisa.
Em compensação, quando voltou a olhar para ela, seus olhos lançavam faíscas e parecia querer vê-la
pendurada na árvore mais alta que houvesse.
Ela sentiu inveja do carinho que Miguel demonstrava por sua amiga.
Inveja de suas duas pernas, inveja do amor que seu marido lhe professava, inveja do bebê que
eles tinham.
Olivia se sentiu mesquinha, miserável e uma pessoa muito má.
- Você não respondeu minha pergunta.
- Minha vida privada é minha vida privada, Miguel.
- Você vai sair correndo quando tudo estiver em andamento. Eu sabia.
- Você não tem nem ideia. Não deveria dar nada como certo, absolutamente - respondeu com
uma pontada nas mãos de tanta vontade que tinha de plantar a palma de sua mão no rosto dele -. Além
disso, não é isso que você quer?
Miguel disse a si mesmo que devia se controlar por ela, mas cima de tudo por seus amigos. Eles
tinham uma imagem dele, que parecia ficar borrada a cada minuto passado na presença de Olivia.
Então, seu orgulho apareceu e isso ofuscou seu desejo de importuná-la.
Melisa observava o bate-e-rebate como se estivesse vendo uma partida de tênis.
- Perdoem por me intrometer - disse Gabriel em tom de brincadeira para seu amigo -. Mas se
vocês continuarem assim, não terei outra opção de me candidatar a árbitro.
- Desculpem-me - Olivia se levantou totalmente descomposta -. De verdade, eu sinto muito.
- Não se preocupe, eu vou puxar as orelhas dele - interrompeu Melisa e sustentou o olhar de seu
amigo, surpresa.
Olivia ficou de pé e caminhou em direção à casa, rogando ao céu que ninguém percebesse o
ruído que sua prótese fazia.
Quando eles ficaram sozinhos, o silêncio tomou conta do ambiente. Miguel se sentia envergonhado a
cada minuto que se passava.
- Miguel, eu desconheço você Melisa se aproximou dele -. Nunca vi você se comportar assim
com ninguém.
Tradução Lauren Moon
O Miguel que ela conhecia era amável, atencioso e protetor. Sempre cortês com as mulheres sem se
importar se alguma delas lhe parecesse antipática. Mais que isso, porque quanto menos simpatia ele
sentia por uma mulher, mais atenção ele se obrigava a dar. Mas este homem era um desconhecido
para ela. Parecia uma fera enjaulada e ferida.
- Você não o conhece bem, querida aventurou Gabriel com cautela, e com uma aparente
indiferença, registrou -: Quase me levantei para pegar a mangueira que está atrás de você. Parece que
ambos precisam de uma ducha fria. Bem fria.
Miguel encontrou o olhar de seu amigo e se controlou para não soltar um palavrão.
- Porque se você se perguntar o que está acontecendo com nosso querido amigo, Melisa,
deixeme lhe informar que está apaixonado até o topete, mas está tão cego que não consegue enxergar
continuou Gabriel, inclinando-se para frente em atitude de fazer uma confidência, mas seu tom de voz
o contradisse, intencionalmente -.
Mas não diga nada disso a ele que é capaz de nos expulsar daqui.
- Você está louco - Miguel se levantou de forma brusca e se afastou sem se despedir.
- Que temperamento! - Gabriel pegou uma mecha do cabelo de sua esposa, colocando-o atrás da
orelha.
Um sorriso bailou no semblante de Melisa.
- Olivia está com ciúmes.
- Por que você diz isso?
- Reconheço uma mulher com ciúmes quando vejo uma. Está ressentida pela atenção que Miguel
está nos dispensando.
- Parece que com esta moça ele foi pouco amável.
*
Miguel se dirigiu aos estábulos com o coração na boca. “Não quero que ela vá embora outra
vez”, era a única coisa em que ele podia pensar.
“Como pude ser tão cretino?”, reconsiderou, consternado, indo de lá para cá.
Esse projeto era importante para ela, e o que ele fazia? Comportava-se como o pirralho caipira
que quer atenção.
Ainda sentia o coração na garganta desde que a viu, ferida, perto da cerca. Estava despenteada,
com o rosto manchado de sangue, um olhar de medo em seus lindos olhos de cor verde, enquanto
mancava até se aproximar. Mas para ele, mesmo naquele estado, ela era a mulher mais bonita na face
da terra. “E alguém quer fazer mal a ela”.
Era a única coisa na qual ele podia pensar. Enquanto se lembrava da cena, ficava arrepiado até
os pelos da nuca. O que teria acontecido se tivesse ocorrido alguma coisa com ela? Merda! Fechou
as pálpebras e pressionou o maxilar. A explosão Tradução Lauren Moon assustou duas vacas e um
burro. O cachorro era o único que não se intimidava com os rompantes de Miguel.
Sim, Olivia estava em grandes problemas. Alguém queria feri-la, e no pior dos casos, matá-la.
E pensar em quanto se sentia atraído por ela não iria ajudar de forma alguma.
“Este não é precisamente um sentimento de ódio por uma pessoa”, pensou irônico. Ódio,
ressentimento e raiva se misturavam em seu agitado coração com um forte sentimento que se negava a
dar um nome, anseio e experiências vividas com ela, que tanto ele entesourava.
A esta altura, não sabia como manejar seus sentimentos por essa mulher: ressentimento, medo de
tê-la, medo de não tê-la. Era desesperador. Para seu orgulho, não era nada lisonjeiro saber que ela
poderia tê-lo de joelhos outra vez.
Ainda assim, ao vê-la em perigo, a única coisa que desejou foi protegê-la. Ah! E também matar o
filho da puta que queria fazer-lhe mal.
Deveria começar a melhorar seu comportamento com ela. Ele iria se desculpar quando estivesse
mais calmo.
Aquele ar de independência e de defesa que a rodeava o deixava incomodado. Às vezes, tinha
vontade de sacudi-la até que seus dentes batessem, em outras, queria beijá-la até deixala sem fôlego.
Precisava saber o que ela sentia… O que será que ela sentia quando rechaçava cada uma de
suas obstinadas carícias? Será que ela ainda o considerava atraente?
Lembrava-se muito bem de como ela o olhava na época da ravina. Agora, ela o olhava com
culpa, e ele não queria mais isso. Mais que isso, nem sabia o que ele mesmo queria.
Ele sentia que precisava dela, e desejava tê-la por perto mesmo que fosse para importuná-la. A
presença dela tinha um efeito poderoso sobre ele. Como caralhos ele poderia deixala partir, sem que
sua alma fosse ainda mais destroçada?
Tinha que admitir: o ser humano belicoso e amargo que ele era atualmente, era incapaz de não
sentir a profundidade de uma emoção indescritível e responsável por não ter podido entregar seu
coração a outra mulher no decorrer dos anos seguintes.
Lembrou-se do olhar de reprovação em seus olhos. Esses olhos que ficaram marcados para
sempre em seu coração e que nunca o abandonaram.
O olhar de Olivia o perseguiu por anos.
*
Quando Miguel se afastou pelo caminho, teve que fazer um esforço muito grande para não
voltar atrás e pegar Olivia nos braços, dizer que se esquecesse de tudo, que não queria magoá-la,
que talvez ela não tivesse nada a ver com a morte de seu pai.
Mas não fez isso.
Tradução Lauren Moon Ele continuou se afastando em direção à casa, com a vida partida em mil
pedaços por uma dor que o embargava pela morte de seu pai e pela perda do amor de sua vida.
Além disso, nunca havia matado um homem, apesar de estar há anos no exército. Mas agora. .
- Tenha coragem - diziam alguns.
- Compartilho a sua dor - alguns se manifestavam.
- Força, filho, força - comentavam outros.
“Vocês não têm nem a puta ideia do que falam”, pensava Miguel. Agora caminhava para sua
nova vida. Depois de despachar o amor de sua vida de forma tão cruel, não aguentou mais. Sentou-se
aos pés de uma árvore e derramou todas as lágrimas que estavam entaladas desde o início daquela
tragédia.
Como ia fazer para odiá-la? Como ia fazer para esquecê-la? Porque nesse momento, ele sentia
como se não pudesse viver sem ela. Ela havia ocupado um lugar importante em sua vida. Ela era a
mulher que um dia o levou ao céu, para logo em seguida lança-lo em um dos círculos do inferno.
Levantou-se desanimado do pé daquela árvore para enfrentar um futuro sem ela.
Ele tinha muitas coisas que deveria fazer. O exército havia enviado um oficial como emissário
para acompanhar Miguel ao enterro. Já deviam saber que era verdade o rumor sobre a morte de um
dos capangas.
Tinha sido em legítima defesa, uma vida por outra. E não havia titubeado, mais que isso, tinha
consciência de que se tivesse podido, com prazer teria carregado mais alguns, e ele teria morrido na
tentativa.
Angélica e sua mãe estavam inconsoláveis. Jorge só tinha ódio no olhar, recusando-se a
abandonar o legado pelo qual seu pai havia lutado.
Eles haviam tomado uma decisão: não partiriam de El Álamo. Aguentariam até o final.
Três dias depois da morte de Santiago, Miguel percebeu o poder que esse homem tinha sobre a
região e seus habitantes. Seu irmão Jorge foi preso pelo suposto assassinato de dois homens no
caminho de “La Loma”. Acreditavam que fossem auxiliares da guerrilha. Tinham preparado uma boa
armadilha.
Jorge tinha ido à cidade e bebido em um dos bares ao redor da praça, quando uns homens
chegaram e disseram que havia uns camponeses falando mal de seu pai.
Com a dor e o rancor em carne viva, Jorge se aproximou da mesa onde estavam os sujeitos
bebendo aguardente. Então, ele os repreendeu da maneira errada. Em seguida, eles se levantaram e
prepararam os punhos, mas a luta não foi grande coisa. Um nariz ou outro quebrado, um lábio
partido, alguns hematomas e nada demais.
Jorge estava embriagado e dirigiu até a fazenda. Não se lembra de como chegou.
Não se lembrou de mais nada. No dia seguinte, havia uma ordem de prisão pela morte de dois
camponeses.
A família Robles não teve que somar dois mais dois para saber quem era o mentor de
tamanha injustiça. Miguel reclamou, pediu ajuda às autoridades, mas nada pôde Tradução Lauren
Moon ser feito. Jorge foi acusado formalmente pelo duplo assassinato e levado formalmente à
penitenciária da capital.
Miguel recebeu algumas ameaças a mais que envolviam Ligia e Angélica. Decidiu que o melhor para
sua família era sair daquela região.
Devido às circunstâncias da morte de seu pai e à prisão de seu irmão, o general da brigada
pediu que ele se retirasse da instituição antes de dar baixa nele. Outro golpe na cadeia de
acontecimentos infelizes para sua família. Outro golpe no coração de Miguel.
Eles abandonaram a região poucos dias depois de terem enterrado seu pai e marido. Em Bogotá,
e com as disposições que Santiago havia determinado, eles se instalaram em um apartamento no norte
da cidade.
Angélica, afastada de seus amigos e de tudo que tinha conhecido, ficou retraía e agressiva no
trato com seus familiares. Ela também carregava a dor pela morte de seu pai e o encarceramento de
seu irmão mais velho.
A defesa de Jorge custou caro e os advogados levaram boa parte do dinheiro que Santiago havia
poupado por anos.
- O que você vai fazer, Miguel? sua mãe lhe perguntou um dia.
- Vou procurar um trabalho. Um coronel, amigo meu, me indicou a uma empresa de petróleo.
Tenho uma entrevista com o diretor de segurança amanhã de manhã.
- Nós precisamos de você, Miguel.
- Eu sei mamãe - ele a olhou com brio -. Não que que se preocupe com nada.
- Mas, filho. .
Aproximou-a dele e, pegando seu rosto em suas mãos, insistiu: - OK?
- Sinto uma dor imensa por tanta responsabilidade sobre seus ombros.
- Pois eu não. Estou preparado para isso - espetou com dureza -. Mãe, preciso que seja forte.
Jorge precisa disse e Angélica também.
- Eu sei - ela admitiu, desabando em choro -, mas não posso, essa dor me impede de respirar.
- Precisa se esforçar!
No dia seguinte, Miguel se apresentou na empresa de petróleo. Graças à indicação de seu
amigo, ele conseguiu o emprego. Trabalhou ali durante uns dois anos.
Enquanto isso, o caso de seu irmão caminhava em ritmo lento. Sempre que estavam chegando ao
fim, surgiam novas provas que reabriam o processo. Depois de três anos de estar acautelado, o
julgamento foi marcado. Foi quando lhe caiu o peso da lei em uma condenação de trinta anos. Miguel
soube que jamais perdoaria Ruiz. Tampouco perdoaria Olivia. O crime de seu pai estava impune e a
condenação de Jorge começou a partir daquele momento.
*
- Miguel, quero falar com você disse Ligia ao vê-lo entrar em casa. Tradução Lauren Moon
Miguel vinha do estábulo e estava um pouco mais calmo.
- O que você quer, mamãe?
“Continua com ódio de Olivia”, pensou Miguel ao observar a tensão em seu maxilar e o olhar
penetrante de Ligia.
- Não quero que esta mulher fique aqui.
- E, por que não? Ela sofreu um atentado, mãe. Eu seria um irresponsável ao deixala livre a sua
própria sorte.
Limitou-se a observa-la atentamente e com uma seriedade que avivou ainda mais o humor de
Ligia.
- Isso é uma coisa que não lhe diz respeito! - gritou. Mas imediatamente, incomodada por sua
explosão, acrescentou em tom de voz mais calmo -: A coisa mais certa a fazer é enviá-la de volta à
casa dela.
- Mãe, a senhora não se cansa de odiar?
- E você? Por Deus! Sabe que ela não deveria estar aqui!
- Ela vai ficar porque assim eu determinei - acrescentou e elevou o tom de voz -. Já é hora de
virarmos a página, de imediato.
- Você é um idiota. Pelo visto, ela já amoleceu seus miolos outra vez.
- Basta! - bramou Miguel com desgosto -. Mamãe, meu pai disse uma vez que não desejava que
enchêssemos nossas vidas com ódios nem rancores. Isso não é suficiente?
- Miguel, por favor, eu imploro…
- Implore o quanto quiser, mamãe, mas Olivia fica aqui - afastou-se pelo corredor.
Reuniram-se na sala de jantar às sete. Havia anoitecido mais cedo que o normal. Pelas janelas
do casarão chegava o canto das cigarras e o aroma das flores e das árvores. Era uma noite fresa e a
mesa estava arrumada com bom gosto: uma toalha de mesa bordada por Elizabeth e um vaso de flores
frescas e perfumadas, como nos tempos de seu pai.
- E Olivia? - foi a primeira coisa que Miguel perguntou ao notar sua ausência à mesa.
Melisa cruzou um olhar risonho com Gabriel.
- Ela está se sentindo um pouco indisposta, coitada - aduziu Elizabeth -.
Enviou suas desculpas e com muito prazer continuará a conversa com vocês amanhã.
- Está bem - Melisa foi a única a responder.
De entrada, havia frutas frescas polvilhadas com melado de canela.
- Ela disse algo que não entendi novamente, Elizabeth levantou o tom de voz.
Miguel interrompeu no meio do caminho a iguaria que levava à boca.
- O que ela disse? - perguntou. Tradução Lauren Moon - Que continuaria a conversa com Melisa e
Gabriel, sem que asnos a interrompessem.
Gabriel se engasgou com o vinho. Melisa soltou uma gargalhada. Miguel, ao contrário, ficou
sério, soltou seu garfo no prato e olhou para o copo de vinho.
Levantou-o e bebeu de um só gole.
- O que será que ela quis dizer com isso? Tinha algum burro solto pelo jardim? Aqui na fazenda
só existem dois e apenas se movem no lugar atrás do estábulo.
- Este era um burro jovem respondeu Gabriel, em tom de brincadeira -.
E bem burro, mas minha esposa já puxou suas orelhas.
O casal Preciado se olhou de canto de olho e riram ao mesmo tempo.
Elizabeth soltou uma risada quando compreendeu o significado das palavras de Olivia.
- Gosto muita dessa moça, Olivia respondeu Elizabeth, risonha.
De prato principal havia lombo de vaca e salada verde, com arroz ao curry. De sobremesa,
sorvete de pistache.
- Eu também - disse Melisa -. Tanto quanto este jantar. Tudo cheira deliciosamente bem!
Até aquele momento, Ligia tinha permanecido calada e com o olhar ausente.
- Essa mulher é uma impertinente disse finalmente, enquanto se servia de uma porção de salada
e carne.
Melisa e Gabriel afastaram o olhar, voltando-se para a comida, e não fizeram comentário algum
ao comentário de Ligia.
- Mamãe, por favor, eu merecia isso
- respondeu Miguel sem aborrecimento, mas bem envergonhado.
Ligia não desejava ter problemas diante dos amigos de Miguel.
- Você vai ver o que está fazendo…
- A posição de Olivia é muito delicada - insistiu Melisa, disposta a terminar com o assunto.
- É preciso muita coragem para mostrar a cara em uma cidade em que seu pai fez tanto mal -
continuou Gabriel.
- Até o momento, ela fez tudo muito bem - disse Miguel.
- Gabriel e eu decidimos apoiá-la em tudo - Melisa levou um pedaço de carne à boca, limpou as
comissuras com o guardanapo que descansava em seu colo e momentos depois continuou -: Tenho
instinto apurado para as pessoas e esta mulher tem alguma coisa de especial
- dirigiu seu olhar a Miguel -. Não tem?
- Não tenho nada com isso concluiu Miguel.
Miguel abaixou o olhar. Pressionou seus olhos com o polegar e o dedo indicador. “Quer dizer
que agora eu sou um burro”, sorriu quase sem querer. Terminou de jantar, compartilhou dois copos a
mais de vinho com seus amigos e se despediu, desejando-lhes boa noite.
Seus passos o levaram até o quarto onde Olivia estava acomodada. Tinha que vê-la, certificar-
se de que ela estava bem ou, no mínimo, desculpar-se pelas patadas.
Tradução Lauren Moon
Bateu à porta suavemente.
- Olivia… Abra, por favor, desejo falar com você.
Ela não respondeu. Pegou na maçaneta, mas a porta estava trancada. Voltou a bater suavemente…
Nada.
Ficou preocupado. No mínimo, ela já devia estar dormindo. Aqui, ninguém, iria se atrever a
fazer-lhe qualquer mal, menos ainda com os guardacostas de Gabriel vigiando todo o perímetro da
casa. E se ela tivesse escapulido?
Ele tinha que ter certeza de que ela estava onde deveria estar.
Abriu a porta com a chave que abria todas as portas dos quartos.
Entrou.
Ela não estava na cama.
A luz do quarto era tênue. Ela havia acendido uma vela com cheiro de baunilha que agora
impregnava o quarto com seu aroma. Detalhe de sua tia Elizabeth, ele imaginou.
A porta do banheiro estava entreaberta. O vapor dominava o pequeno lugar. Escutou um
pequeno sussurro e o salpicar da água na banheira.
Observou uma pequena maleta que repousava em cima de uma poltrona, e a roupa que ela havia
tirado estava em cima de sua cama. Pegou a camiseta verde menta que ela usou naquela tarde e, como
um patético imbecil, aproximou-a de seu nariz, inalando seu perfume. Fechou os olhos e abraçou a
roupa enquanto ouvia o salpicar de Olivia na água.
Ele permaneceu assim durante um tempo, e não soube se por minutos ou segundos.
“Estou em um maldito inferno. Tão perto e tão distante”.
Devia ir embora, simplesmente dar a volta e sair. Era o mais decente a se fazer. Mas com
Olivia, parecia que havia se esquecido da decência.
Aproximouse da porta com passos imperceptíveis. Abriu a porta suavemente e se apoiou no
próprio marco. E então ele a viu. Teve que se agarrar à porta para não cair de joelhos.
Ela estava ali, com sua pele enrubescida e os olhos fechados. Tinha o cabelo recolhido em um
coque frouxo que havia deixado escapulir várias mexas em sua nuca e seu rosto. Tinha uma perna
levantada e o dedão do pé brincava com a torneira da banheira, em um jogo erótico que mais uma vez
fez com que seus joelhos fraquejassem.
A outra perna estava coberta por uma espuma e não deixava ver mais que isso. Não precisava,
pensou de forma possessiva, porque conhecia aquele corpo do direito e do revés.
Olivia escutava música em seu iPod. Por isso não tinha ouvido quando ele entrou.
Observou tolamente a linha de seu pescoço, a delicadeza de suas orelhas… Seus seios
escolheram esse momento para subir à superfície da água. Pareciam montes entre as espumas.
Tradução Lauren Moon
Percebeu, então, o que ela escondia ao final da corrente. Era o anel de compromisso que ele
dado anos atrás. Ela o acariciava entre seus dedos com muita ternura.
O mundo desabou sobre sua cabeça.
De todas as coisas que ele imaginou estarem penduradas naquela corrente, jamais imaginou que
fosse aquele anel. E o que significava todo isso?
Miguel ficou petrificado. Não pelo corpo nu de Olivia, não. “Ela sempre levou o anel com ela”,
meditou mais que surpreso.
Um nó apertado oprimiu sua garganta e cortou sua respiração.
Com os olhos desfocados e ardendo, observou como ela soltava o pingente e levava sua mão a
um dos seus seios. Viu a maneira suave e lenta com que ela o acariciou, abarcando-o em sua
totalidade. Com o polegar e o indicador da outra mão pegou um de seus mamilos, deixando-o bem
duro.
Olivia suspirou.
Uma de suas mãos abandonou seu seio e se dirigiu lentamente pelo seu ventre. Acariciou levemente
seu umbigo e continuou seu passeio até que pousou em sua feminilidade.
Miguel começou a tremer de desejo. Um suor frio percorreu sua coluna.
Seus lábios se separaram na tentativa de pegar mais ar, mas parecia que o infeliz oxigênio havia
desaparecido da atmosfera. Desejou ser ele quem a acariciasse e lhe desse o prazer que ela tanto
procurava. Desejou confessar seus sentimentos. Não aqueles com os quais ele a insultava quase que
diariamente, mas aqueles que ele escondia. Desejou se aproximar, entrar naquela mesma banheira
com ela, cobri-la de beijos e carícias da cabeça aos pés, esfregando-se nela e…
O auge do seu desejo veio no momento em que ela começou a ofegar e pronunciou seu nome.
- Miguel, Miguel - dizia entre suspiros -, assim, toque-me assim…
Era delirante: tê-la ali assim e não poder alcança-la. O ressentimento havia voado pela janela.
Neste momento, só havia lugar para a paixão, pelo desejo e pela felicidade.
Ele era adulto, tinha que se controlar, mas enquanto fechava os olhos, tentava respirar.
Com todo o esforço do mundo, Miguel se retirou.
“Que cena, meu Deus!”. Aquilo tinha sido por e para ele. Soltou uma risada nervosa. Eu queria
voltar e dar o que ela realmente precisava. Preferiu não fazê
lo.
Naquele momento, desejou sair para o jardim e uivar para a lua, ação que demonstraria quão
pouco cavaleiro ele era. Se Olivia soubesse que ele havia invadido sua intimidade, ela com certeza
iria mata-lo. “Um grande asno, era assim que eu deveria ser chamado daqui em diante”.
Então, ela o desejava… Bem, já era hora de fazer alguma coisa.
Ele quase tropeçou em uma cadeira. Esteve a ponto de soltar um palavras, mas se conteve a
tempo.
Tradução Lauren Moon
Saiu do casarão como alma que leva o diabo.
Tradução Lauren Moon
Capítulo XV
Quando saiu de seu quarto e chegou à mesa para o café da manhã, Olivia percebeu que a casa
estava repleta de pessoas. Ao que parece, o almoço que aconteceria em homenagem a Gabriel e
Melisa seria um grande acontecimento.
Aproximouse da varanda da sala de estar. O céu estava ligeiramente nublado e o clima estava
fresco. “Tomara que não chova”, pensou enquanto observava as atividades. Alguns peões arrumavam
as tendas, mesas, cadeiras e um pequeno tablado. À distância, a segurança do casal vasculhava o
perímetro. Elizabeth arrumava uns floreiros. Quis se aproximar para cumprimentala e oferecer sua
ajuda em alguma coisa, mas não se atreveu. Não era sua casa, nem sua festa.
- Olivia! - exclamou Miguel a poucos metros dela e sem perde-la de vista. Seu tom de voz,
profundo e sensual, gerou correntes elétricas no corpo de Olivia.
- Bom dia - ela gaguejou, enrubescida como uma adolescente.
- Bom dia, você dormiu bem? pigarreou incomodado -. Queria pedir desculpa pelo meu
comportamento de ontem à tarde - enrubesceu ao passar por sua cabeça a cena da banheira e,
mentalmente, pediu desculpas por isso também -, não deve se indispor na frente de Gabriel e Melisa.
Ela respondeu com um gesto afirmativo de cabeça, sem falar, talvez porque o homem parou ao
seu lado e estivesse lindíssimo, sem contar que cheirava maravilhosamente bem. O brilho em seus
olhos, o tênue sorriso em sua boca, a força e o vigor que irradiava de sua postura fez com que Olivia
meditasse sobre a maneira com que ele a carregou no dia anterior, como se ela não pesasse nada.
Miguel continuou.
- Todas suas necessidades estão satisfeitas?
- Perdão?
O rosto de Miguel resplandecia quando sorria. Olivia desejava ser a razão daquela expressão.
Queria escutar suas gargalhadas outra vez por alguma piada que ela contasse. Mas, Miguel apenas a
tolerava.
- Por que você está sorrindo para mim? - ela perguntou -. Você nunca faz isso.
- Porque hoje eu quero fazê-lo - e voltou a deslumbrá-la com um de seus sorrisos.
Quis jogar-se em seus braços e beijá-lo como louca, saborear seus lábios, seu queixo e deixar
um rastro de beijos até sua orelha. “Deixe de pensar tolices”, disse a si mesma.
- Ora, pelo visto sua amiga Melisa é uma boa influência.
- Está com ciúme? - entortou uma sobrancelha.
Tradução Lauren Moon
Olivia soltou um suspiro e virou os olhos.
- Em seus sonhos.
- Você tem o tom e a atitude de uma mulher ciumenta - insistiu Miguel, sorrindo para ela.
- Continue sonhando…
- Você se esconde debaixo de sua aparência de durona. Mas lembre-se de que eu conheço você -
aproximouse e sussurrou em seu ouvido -, muito bem. Seu tom de voz era rápido, mas
Olivia percebeu certa tensão subjacente.
Ia responder alguma coisa, mas ficou com as palavras na boca quando Melisa e Gabriel os
interromperam.
- Bom dia - cumprimentaram com jovialidade.
“São tão atraentes”, pensou Olivia. Melisa usava um simples vestido de cor azul. Gabriel vestia
jeans e uma camisa polo de marca estrangeira. Estavam descansados, apaixonados e felizes.
Tal como deveriam ser ela e Miguel se tivessem se casado dez anos atrás.
Imediatamente percebeu que o olhar de Miguel a incomodava. Era um olhar avido, possessivo.
O que a incomodava era saber por que razão a olhava assim na frente de seus amigos.
- Vamos tomar café da manhã - disse Miguel e pegou Olivia pela cintura.
Um calafrio a percorreu ao perceber o calor de suas mãos sobre o tecido da blusa. De canto de
olho, observou que Miguel sorria como se tivesse uma antena e pudesse capturar cada um de seus
pensamentos.
Sentaram-se à mesa e mais tarde chegou Elizabeth.
- E sua mãe, onde está? - perguntou Olivia, porque não queria causar inconvenientes.
- Minha mãe toma café da manhã assim que se levanta - respondeu Miguel, servindo-se de uma
grande porção de ovos com presunto -. Muitas vezes, antes do amanhecer.
- Ela monta a cavalo todos os dias confirmou Elizabeth.
- Que ótimo. É uma coisa que sinto muita falta na cidade.
- Pode fazê-lo aqui - comentou Miguel. Partia um pedaço de pão -. Se desejar, mando preparar
uma égua para você.
Olivia se refugiou em sua xícara de chocolate quente. Ela e Miguel eram o centro das atenções
dos olhares de seus acompanhantes.
- Vou pensar, porque faz anos que não monto a cavalo.
Este foi o preludio para começarem a falar de animais, verduras e frutas.
Olivia se surpreendeu ao perceber que Melisa conhecia de cor os gostos de Miguel. Não sabia
que morango era sua fruta preferida. Sentiu ciúmes. Ciúmes de vê-los sorrir e conversar sobre coisas
que ela desconhecia. “Não deveria ser assim”, repreendeu-se com pesar, “mas não posso evitar”.
Queria que fosse ela que conhecesse cada um de seus gostos, ela que lembrasse vivências de sua
vida, ela que lhe contasse piadas. Queria Tradução Lauren Moon ter sido ela a fazê-lo se apaixonar
por morangos em suas sobremesas, e não a mãe de Melisa com seus cheesecakes da fruta. Queria ter
sido ela que lhe desse o que desejasse na vida.
Ela e ninguém mais.
Sentiu o coração repleto de amor e fúria. Na mesa, Miguel apenas reparava nela, e foi como se
os sorrisos compartilhados na sala de estar tivessem sido uma ilusão. Ele só sorria para Melisa,
passava a manteiga para ela, oferecia-lhe mais suco, falavam de sua vida em Bogotá… E Olivia,
completamente deixada de lado.
Olivia levou um morango à boca e este foi o único momento em que Miguel prestou alguma
atenção, com um olhar que quase a queimou. Em um gesto alheio ao que na verdade sentia, passou o
prato a Miguel.
- Quer um?
- Não, obrigado.
Ele a rechaçou. Melisa a olhou com um pouco de pena e então lançou um olhar furioso em
Miguel. Olivia se levantou imediatamente da cadeira, envergonhada.
- Com licença, tenho algumas coisas para fazer.
Disse a si mesma que neste dia abandonaria este lugar, mesmo que Miguel dissesse a toda
cidade o que havia acontecido. Não aguentava mais suas atitudes. Ela acabaria louca se tentasse
entende-lo. Era um grosseiro e queria gritar isso diante de todos. De sua família, dos Preciado, da
cidade inteira. Não podia voltar a baixar a guarda. Em um momento se sentia relaxada e, no seguinte,
cada coisa parecia voar pelos ares diante de qualquer atitude dele.
Miguel a observou afastar-se e, com um sorriso, também se desculpou com seus convidados e a
seguiu. Ela a alcançou na sala de estar, quando se dirigia ao seu quarto. Ele a pegou pelo braço, mas
ela se virou e se soltou com um movimento brusco.
- Você não tem direito a ser tão grosseiro. Se sua amiga Melisa tivesse lhe oferecido um
morango, você teria se empanturrado com os que tivessem no prato
disse e, de imediato, se arrependeu de seu ataque.
Ele simplesmente sorriu. Então, ele voltou a pegar em seu braço. Em silêncio, segurou-a pela
cintura e a colou em seu corpo, olhando-a fixamente. Prendeu seu rosto com as duas mãos e com os
polegares acariciou sua pele. Levou seus lábios aos de Olivia.
Beijoua por poucos segundos.
- Eu queria os morangos assim, na sua boca - sussurrou -. São deliciosos.
Obrigado por me presentear com eles - aproximouse ainda mais, chupando seus lábios com
deleite.
Seus beijos e suas palavras operaram o milagre de Olivia superar sua raiva e seus ciúmes.
- Eu não podia fazer isso na mesa. Bendita seja você por se levantar.
Ébrio de sua boca, monopolizou-a outra vez como se nunca pudesse ter o suficiente dela, como
se alguém fosse arrebata-la naquele mesmo instante.
- Você me deixa louco. Sinto que o tempo não passou.
Tradução Lauren Moon
Olivia se estreitou ainda mais a ele, em um gesto desinibido totalmente alheio a ela. Acariciou seu
cabelo, passou a mão em sua nuca, acariciou suas maçãs do rosto e seu queixo. Miguel gemeu pelos
seus toques.
As sensações mudaram, e ela não se importou. Olivia o queria para ela, não desejava nada
mais. O que fazer, meu Deus? O que fazer?
Miguel sussurrou sobre seus lábios, sem se separar um centímetro sequer: Quero que tenhamos
uma oport…
Um pigarro os obrigou a se separar. Olivia abaixou a cabeça e Miguel enfrentou quem os
interrompia tão descaradamente.
- Perdão por interrompê-los - disse Ligia, com botas de montaria e um chicote na mão -, mas
existem pessoas por perto.
- Desculpe-nos… - respondeu Olivia, mas Miguel não a deixou terminar.
- Volte para a sala de jantar, Olivia – sussurrou, sem admitir réplica.
Olivia, sem saber se realmente queria ir para lá, para o quarto ou de volta a sua casa, só deu a
volta e fez o que ele mandou.
- Fale, mãe, tenho coisas a fazer.
- Como o quê? Como reatar seu romance com esta mulher?
Miguel esteve a ponto de cair na gargalhada diante da expressão de sua mãe, mas não ia
desafiá-la. Sentia-se como um dessas novelas que sua mãe e sua tia assistiam na parte da tarde.
- E se eu dissesse que sim, o que você faria?
Ligia suspirou e disse: - Não poderia fazer nada, você sabe bem disso. Simplesmente sentiria
muita pena.
- Pois comece a sentir essa pena foi tudo que ele disse antes de dar meia volta e deixala
sozinha.
“Não tenho direito de me intrometer em sua vida”, pensava Ligia ao Vêlo caminhar em direção à sala
de jantar. A chegada desta moça tinha sido uma dura prova para ela. Ligia a observou furtivamente e
não havia nada que a reprovasse. Bem sim, havia apenas uma única coisa. Em todos esses anos, não
tinha visto seu filho tão vivo como desde que essa moça havia aparecido de novo em sua vida. É
claro que seu temperamento mostrava outra coisa, mas era orgulho, o fato de não poder tê-la e o
reconhecimento de que precisava desta mulher para respirar.
De imediato, não desejou sentir mais ódio ou pena. Queria descansar e ver seu filho Jorge em
liberdade. A paz viria como somatório.
Desejava passar uma temporada com Angélica, arrumar as coisas entre elas. Deus! Estava
ficando velha e caprichosa. Afugentou imediatamente seus pensamentos. Seu coração estava
começando a se abrandar. E tudo isso por causa dos olhares que seu filho dava a esta mulher.
*
Tradução Lauren Moon Quando terminaram o café da manhã, os homens se retiraram. Ligia não havia
aparecido na sala de jantar e Elizabeth tinha ido organizar a posição que teriam as mesas no evento.
Melisa e Olivia ficaram sozinhas.
- Vamos caminhar um pouquinho. Gabriel está com Valentina nos estábulos. Ele insiste para que
a bebê conheça os animais na fazenda.
Juntas, percorreram um caminho rodeado de árvores e flores. Os diversos empregados
perambulavam pelo local seguindo as ordens de Ligia e de Elizabeth.
Voltaram ao assunto de La Casa de Paz e, depois, Melisa, meio que curiosa, perguntou pelo
passado comum entre Olivia e Miguel. Olivia não entrou em detalhes e a conversa mudou para outros
assuntos.
- Desejo lhe pedir um favor muito especial - pegou a mão de Melisa e a olhou com
preocupação.
- O que você quiser.
- Preciso que Miguel vá a Bogotá no próximo mês. Um dos homens de meu pai vai depor e é
importante que Miguel o confronte. Tenho certeza de que Jorge não teve nada a ver com esses
assassinatos.
- Vou convencê-lo, não se preocupe
- Melisa a pegou pelo braço e continuaram a caminhada.
*
De volta ao quarto, Olivia preparou a roupa que usaria para o almoço.
Abriu o zíper do portavestido e tirou a roupa, estendendo-a na cama, enquanto meditava nos
acontecimentos da manhã. Ficou estática ao observar a roupa que vestiria na reunião.
E, imediatamente, sorriu.
Aquele beijo tinha sido diferente daquele outro trocado dias atrás, na propriedade da avó
Clementina. Esse beijo mostrava algo que não tinha visto em Miguel, desde que havia voltado à
cidade: confiança, como se não tivesse acontecido coisa alguma e fossem apenas um casal como
outro qualquer, explorando sentimentos.
Olivia tocou no material suave da roupa. Nesse dia, ela iria se dar ao luxo de vestir uma saia
longa no meio da panturrilha, e era de um suave algodão de cor bege.
Tinha mandado buscar uma prótese que simulava uma perna e na mesma tonalidade de sua pele.
Era sua aquisição mais recente e ela havia encomendado em uma empresa americana, que havia lhe
custado as economias de vários anos. A blusa era do mesmo tom da saia, com os ombros abertos e
uma acentuada e pequena abertura na parte da frente. Na parte posterior havia dois pequenos botões
na parte superior das costas.
Sandálias de tiras e um pequeno salto. A diferença entre a pele e a prótese era coberta com uma
bandagem grossa. Deixaria seu cabelo solto, escovado e faria uma maquiagem suave. Satisfeita com
sua aparência, ela saiu para se juntar aos outros.
Surpreendeu-se ao ver a quantidade de pessoas que havia ali. Ela imaginava um almoço para
vinte ou trinta pessoas, mas ali havia mais que o dobro dessa quantidade. Ali estavam o prefeito,
seus colaboradores, o diretor do hospital, os dois padres, os gerentes de banco e os donos dos
negócios mais prósperos, alguns criadores Tradução Lauren Moon de gado importantes da região e
seus companheiros de trabalho. As decorações das mesas inspiravam um verdadeiro ambiente de
festa.
Elizabeth e Ligia haviam brilhado com a arrumação do lugar. No pequeno tablado dois rapazes
afinavam os instrumentos, e mais à frente havia um console com diferentes tira-gostos e bebidas.
À distância, a equipe de segurança do casal Preciado caminhava de um lado para o outro sem
ignorar ninguém, comunicando-se entre si com aparelhos em seus ouvidos.
Quando William a avistou, aproximouse para saudá-la. Não estava com uma cara muito boa.
Sem rodeios, perguntou-lhe: - Que diabos é isso de você estar morando aqui?
Mais do que furioso, Olivia percebeu que ele estava magoado.
- Eu tive um acidente e estou aqui temporariamente. O mais tardar amanhã estarei de volta à
casa de minha tia. Prometo que conto tudo depois para você.
Não quero que Ivan fique sabendo disso, por favor.
- Se for uma coisa tão grave, você deveria comunicar às autoridades.
- Você sabe que seu eu fizer isso, eles vão me transferir imediatamente.
Claudia interrompeu a conversa, abraçando-a e olhando para ela com preocupação.
- Olá, amiga! - e, colocando-se ao lado dela, sussurrou -: Sortuda!
Guardou tudo em silêncio.
- Não é o que você está pensando mas não fez mais que falar, porque ao lembrar o beijo daquela
manhã, Olivia sorriu.
William franziu o cenho imediatamente.
E como uma aparição, Miguel chegou até onde ela estava. Estava lindíssimo, com certeza, com
uma calça clara e uma blusa de manga comprida. Um rastro de seu aroma chegou a Olivia, e o
perfume que ele usava neste momento, contraiu seu estômago.
Miguel saudou seus companheiros com cortesia, embora a William tenha dirigido um olhar duro
e a olhada à mão de Olivia, que naquele momento descansava no braço de William, borrou seu
sorriso.
- Espero que estejam sendo bem servidos - falou, mas seu olhar estava apenas em Olivia.
- Sim, muito obrigada - respondeu Claudia com um sorriso debochado nos lábios.
- Preciso cumprimentar outras pessoas - desculpou-se e logo se dirigiu a Olivia -. Mais tarde
virei buscar você. Quero apresenta-la a umas pessoas.
Claudia se afastou ao avistar um dos médicos do hospital com quem estava saindo. William e
Olivia também caminharam, saudando com as mãos algumas pessoas que conheciam.
- Você o ama - comentou William, de repente. Era uma afirmação.
Tradução Lauren Moon Olivia observou a aura de fragilidade com que William segurava o copo de
beida, como se precisasse se agarrar a alguma coisa, como se soubesse o que ela iria dizer. Percebeu
que ele ficou tenso e triste como se a quisesse longe dali naquele momento.
- Mais que a minha vida… murmurou.
- Ele sabe tudo sobre você?
- Não… ainda não fui capaz de contar para ele.
“Mas vou fazer”, pensou decidida. Até ontem, ela não havia considerado esta possibilidade,
mas agora… agora as coisas eram diferentes.
- Não quero que ninguém magoe você.
Olivia se sentiu penalizada por ele, mas não podia continuar dandolhe esperanças quando estava
até o topo com sentimentos profundos por outro homem.
- Sinto muito, William, por não poder lhe corresponder como você merece. Porém, eu considero
você um grande amigo.
- Eu entendo - envolvido em um torvelinho de ciúmes, deu uma olhada para Miguel -. O
bastardo tem muita sorte. Tomara que saiba valorizar você.
Ela se limitou a sorrir.
Teresa chegou um pouco mais tarde. A boa mulher parecia muito angustiada e insistia que ela
deveria voltar para a capital. Para Olivia, seus conselhos entravam por um ouvido e saíam pelo
outro.
Pedro Almarales caminhou até elas. Olivia estranhou que sua tia enrubescesse até a raiz dos
cabelos. Diante da forte saudação do homem, Teresa gaguejou como uma adolescente. Percebeu
também que o homem estava tenso.
“Mas, que raios está acontecendo aqui?”, perguntou-se Olivia com um meio sorriso.
- Senhora - Pedro se dirigiu a Teresa de maneira circunspecta -, permita-me acompanhala à
mesa de doces? Há uma variedade deles que tenho certeza irão encantá-la.
- Oh, senhor Almarales, o senhor vai acabar com minha silhueta se continuar me tentando dessa
maneira.
Olivia sentiu que ficou quase em ar. Abriu as pálpebras um pouco mais.
Era evidente a atração que havia entre eles dois. Saberia esse homem em que apuros se metia?
Quais seriam suas intenções? Ficou preocupada, mas não quis dizer nada.
- Conversamos mais tarde, tia – disse Olivia, como se desse permissão a sua tia. Chegou até
onde Claudia estava, que a recebeu com dois copos de vinho e uma pergunta: - Bem, agora sim,
conteme. O que está acontecendo?
Olivia contou tudo, desde o que tinha acontecido no dia anterior até o porquê de se hospedar na
fazenda.
- Você se meteu em uma grande confusão, amiga. Mas não vou repetir o que você já deve saber.
Você já é grandinha o suficiente para tomar suas próprias decisões. Mas você deveria alertar as
autoridades.
Tradução Lauren Moon
- Eu vou fazer isso, assim que resolver algumas coisas.
- O homem tem todo um cuidado por você. Você deve ser muito importante para ele tomar tantas
precauções.
- Não sei. Às vezes, eu penso que sim. Às vezes, tenho medo de que esteja planejando algum
tipo de vingança.
- Não seja tão pessimista. Com certeza. Você já falou com ele sobre sua perna?
- Você também está me perguntando isso? O que você acha?
- Que não - bebeu vinho -. E quando pensa em fazer isso? Quando estiver tirando a roupa?
Olivia suspirou.
- Às vezes, eu queria que ele nunca soubesse, mas isso evitaria, você já sabe…
Claudia bebeu mais.
- Você quer estar com ele, mas não quer que ele saiba da prótese Claudia a olhou de cima a baixo e
depois acrescentou -. Isso seria impossível, amiga.
Cedo ou tarde, ele vai acabar sabendo, mas pode tentar manter em segredo para algum encontro
furtivo. É só questão de usar a imaginação. A escuridão e mantêlo distraído em outras partes de seu
corpo pode funcionar.
Desta vez, foi Olivia quem bebeu.
- Por que está me dizendo isso?
- Apenas você tem a capacidade de fazer da vida um iogurte sem açúcar.
Você merece uma boa sessão de sexo. Confie em mim. Você vai ver que vai conseguir.
Você está sempre preocupada com os outros, já é hora de dar uma parada e pensar um pouco em
suas necessidades. Lembro das palavras dessa extraordinária mulher Aimme Mullins10, já falei dela
para você, e em uma de suas conversas, ela disse: “Pamela Anderson11 tem mais próteses do que eu
e ninguém a chama de inválida”.
Olivia soltou uma gargalhada. Só Claudia seria capaz de colocar o dedo na ferida. Ninguém
jamais se atreveria. Ela continuou.
- Você é uma mulher de êxito, líder naquilo que faz, naquilo que você se propõe, você leva
adiante. É uma mulher bonita e boa, não entendo por que você se fecha ao amor. Além disso - este
último, ela disse quando se afastava com seu copo de vinho -, você tem um maravilhoso par de tetas.
Olivia com um gesto a despachou.
Claudia era uma mulher livre, sexy e inteligente. Neste dia, ela usava um vestido próximo ao
tornozelo, com sandálias de salto branco. Seu cabelo curto, ao estilo Halle Berry, dava-lhe um porte
elegante. Enfim, era uma mulher atraente e segura de seus encantos.
10 A americana Aimee Mullins, 33 anos tornou-se modelo e campeã de atletismo. Em 1996,
quebrou o recorde nas modalidades de 100, 200 metros e salto em distância. Deu o que falar nos
jogos paraolímpicos de Atlanta. Aimee nasceu com um problema raro na formação óssea das pernas,
tendo que amputá-las logo abaixo do joelho quando tinha apenas 1 ano. (N. da Tradutora) 11 Faz uma
alusão à quantidade de próteses de silicone que a atriz possui (N. da Tradutora) Tradução Lauren
Moon Com outros copos de vinho, entendeu e aceitou as palavras de Claudia. A verdade é que não
sabia até que ponto merecia estar outra vez com Miguel, mas queria tanto tentar…
Por que não? Ela faria isso sem pensar duas vezes se fosse mais valente e atrevida, mas em seu
interior sabia que era uma covarde renomada. Voltar a estar com ele. Só de pensar ficava arrepiada.
Sentiuse outra vez como aquela jovenzinha loucamente apaixonada e entorpecida pela
sexualidade de Miguel: desejava pertencer outra vez ao homem que escondia seus sentimentos
debaixo de uma máscara inescrutável.
Observou que ele estava sentado em uma das mesas, com Gabriel ao seu lado. Ele acariciava a
beirada do copo de uísque com o dedo indicador e olhava para ela sem prestar atenção nas palavras
de seu amigo.
Olivia se distraiu no momento em que Melisa a chamou, e a acompanhou durante quase todo o
almoço. Quando se reuniam com as pessoas que ali estavam, Melisa realçava o trabalho que Olivia
realizava, o que fazia com que Olivia se sentisse mortificada por ter tido ciúmes dela.
Serviram o almoço: um delicioso churrasco com diferentes carnes suculentas e macias. Olivia
almoçou na companhia de Gabriel e Melisa, o prefeito e parte da sua equipe de trabalho. Miguel
estava com sua família, o coronel do batalhão e o direito do hospital.
- Acho que é louvável o trabalho de Olivia e sua equipe para começar o caminho da
reconciliação - Melisa disse o padre Lorenzo.
- Estamos satisfeitos com o trabalho de Olivia - comentou Enrique, o prefeito que estava à mesa
com eles.
- Conteme, Ivan. Como está a segurança dos deslocados naquela região?
- perguntou Gabriel.
- É um assunto espinhoso, não posso negar.
- Por quê?
- Até o momento não temos tido problemas nem queixas por parte das pessoas que retornaram a
suas terras.
“Não haveria necessidade de ir muito longe para ver que a segurança pode estar ameaçada”,
pareceu dizer Gabriel a Olivia com um olhar, que lhe respondeu com um enrubescimento e um olhar
angustiado.
- Então?
- Não desejamos que a força de segurança baixe a guarda. O mapa de risco é baixo, mas as
coisas podem mudar se algumas frentes forem negligenciadas – respondeu Ivan.
- Eu acho que a segurança das pessoas deslocadas, que regressam para suas terras deve ser um
dos pilares deste projeto - insistiu Gabriel -. O cuidado por essas vítimas deve ser preventivo, não
reacionário. E pelo que eu li até agora, é exatamente ao contrário.
Enrique interrompeu meio incomodado.
Tradução Lauren Moon - Ninguém disse que as coisas seriam perfeitas. Vocês da cidade vivem à
margem do que acontece nas aldeias e nos distritos. Limitam-se a lamentar qualquer acontecimento
terrível e dar graças a Deus por “viverem na civilização”.
- Não discuto isso. “Nós da cidade”
- responde Gabriel com certa ênfase , temos uma grande dívida com as pessoas do campo.
- Quando chegamos nas cidades percebemos que o conflito tem muitas frentes - apontou Ivan -.
E não apenas aqueles que tínhamos pensado, quando estávamos em alguns restaurantes na Zona
Nobre, almoçando o prato da última moda.
- Nós não somos culpados por termos sido criados e feito nossas vidas na cidade. Continue, por
favor - pediu Gabriel, que desejava escutar até onde chegava o pensamento daquele homem.
- As pessoas têm medo.
Ivan explicou que a desapropriação e a violência haviam fraturado comunidades e famílias
inteiras. A ignorância a respeito do campo tornava as coisas mais difíceis para os funcionários
públicos. O fazendeiro era vulnerável. Enquanto a sua segurança não fosse uma prioridade, pouco
progresso poderia ser feito - Não estou julgando o seu trabalho, era o que faltava. Tudo o que eles
têm feito até agora é muito bem planejado. Tudo o que eu estou dizendo é que não devemos perder o
norte. Eles são a razão para o qual temos trabalhado nos últimos anos.
- Sim - opinou Melisa -, meu marido tem razão. Devemos tomar cuidado para que o projeto não
seja um fracasso. Eu acho que as coisas vão começar a ser resolvidas, quando para o governo for
mais importante a segurança do seu povo do que suas terras.
- As forças de segurança contribuem na medida do possível – respondeu Enrique, pegando um
copo de bebida que oferecia um dos garçons que perambulava pelo local.
- É para isso que eles servem. Temos de exigir que se mantenham vigilantes.
*
Em outro canto do lugar, a conversa era bem diferente, mais suportável e menos pesada.
- Senhor Almarales - aproximouse Teresa.
- Pedro, meu nome é Pedro. Lembrese sempre.
Ela sorriu: - Pedro, você não tem mais nada a fazer?
- Não, minha senhora. Apenas contemplá-la e estar com você.
- As pessoas começarão a falar. Eu não gosto de fofoca.
Ele a olhou ansiosamente, deixou o copo de bebida em uma mesa.
- Isso é tudo com o que você se importa?
- Entre outras coisas, sim - a mulher evitou o olhar do homem.
Tradução Lauren Moon - Diga meu nome outra vez - ele insistiu, olhando seus lábios.
Teresa olhou para cima. Havia algo em seus olhos que não conseguia decifrar e que a
impulsionava a sair correndo.
- Só se você prometer ir cumprimentar outras pessoas. Eu não quero que pensem que eu o estou
monopolizando. - Pedro sorriu e ela sentiu uma batida no peito.
- Tudo bem, eu prometo - um brilho malicioso estava em seus olhos.
- Pedro …
- Meu nome soa tão bem em sua voz. Dance comigo, por favor.
Ele a pegou em ambas as mãos e a levou para a pequena pista montada.
- Mas você disse que se dissesse seu nome, você iria embora.
- É claro que eu farei isso, mas não sem antes de dançar.
- Você é um néscio.
- Sim, é verdade, eu sou o quarto néscio na história.
Ela riu.
- E quem são os outros três?
- Simon Bolivar disse que ele era o terceiro néscio.
- Sim? E os outros dois? - ela perguntou quando chegaram à pista de dança e ficaram um de
frente para o outro. Pedro colocou a mão na cintura da mulher.
- Jesus Cristo e Don Quixote.
Ambos caíram na gargalhada. Era uma melodia suave, lenta e se encaixaram à perfeição.
- Toda você é deliciosa, seu perfume, sua risada - ele disse em um momento em sua orelha,
pegando-a cada vez mais junto a ele.
- Por Deus! - ela se queixou -. Eu não sou uma jovenzinha, seus elogios não vão funcionar
comigo.
- Mas você os aprecia, minha senhora. Claro que os aprecia.
*
E, finalmente, em outro canto do lugar: pensamentos sinistros em uma mente sombria.
“Vai pagar por isso”.
Um olhar perigoso perseguia Olivia de um lado para outro, sem perde-la de vista em um
momento algum, observandoa conviver com a nata da região.
“É tão injusto! Por sua causa quem eu mais amo está debaixo da terra, quando deveria estar aqui
comigo. Vai pagar por isso, sua puta. Em algum momento vão baixar a guarda em relação a você e
não haverá quem lhe proteja. Então, estaremos cara-a-cara: você e eu. “
A pessoa que seguia os passos de Olivia com tamanho ódio, deu as costas e se perdeu no mar de
convidados.
Tradução Lauren Moon
Tradução Lauren Moon
Capítulo XVI A tarde avançava e as conversas diminuíam. A pequena orquestra tocava em intervalos
música típica da região. Alguns tinham dançado na pista improvisada.
Miguel se aproximou do pequeno grupo e falou brevemente com um dos cantores.
Depois de harmonizar vários acordes, começou a tocar uma melodia bonita, La foto de los
dos12, tema recente de Carlos Vives. Então Miguel se aproximou de Olivia, pegou sua mão e a levou
para a pista de dança.
♫ E eu me lembro que seu amor comigo não conhecia a distância E o beijo que tanto nos
damos foram como água ♫
Eles se envolveram nos passos e no corpo um do outro como se a proximidade e dança fosse a
coisa mais natural do mundo, como se Olivia não tivesse em mente as palavras de Claudia. Quatro
copos de vinhos fazendo das suas. Um arrepio passou a percorreu inteira ao perceber que Miguel
colocava as mãos abaixo de sua cintura, quase em suas nádegas, e se lembrou da dança na boate
semanas atrás, porque era assim que ele dançava com Ana. E mais uma vez, um sentimento de ciúme
abriu passagem entre suas emoções. Olivia queria seu amor, sua lealdade, sua confiança. Ela estava
se iludindo.
♫ E escolher os meus passos E começar de novo ♫
Miguel sorriu no cabelo de Olivia, respirando-a, inalando seu aroma de mulher que despertava
seus instintos mais profundos. Ele gostava de tirá-la do sério, pelo menos ainda tinha o poder de
causar-lhe calafrios, sorrisos nervosos e enrubescimentos. Lembrou-se da noite anterior, a imagem
dela na banheira, que estava gravada em suas retinas.
Ele a estreitou contra o seu peito, e sentiu seus mamilos. Afastou um pouco seu rosto e seus
olhos encontraram o verde daquele olhar. Segundos depois, sincronizados os olhares, viajou até seus
lábios e teve que fazer um grande esforço para não devorá-la diante de todos. Ele se sentiu perdido.
*
Ligia seguia Olivia com o olhar, franziu os lábios ao ver como Melisa a tratou durante o dia e
Miguel… Miguel vibrava ao redor dela, observandoa dessa forma tão… gananciosa. Quanto lhe doía
e quanto lhe custou vê-los na pista de dança!
12 A foto de nós dois (N. da Tradutora) Tradução Lauren Moon - Não pode fazer nada para impedir
que aqueles dois fiquem juntos novamente
- disse Elizabeth e ficou ao lado de Ligia. Ela recostou o corpo sobre o parapeito da varanda.
Contrária à expectativa de Elizabeth, Ligia respondeu: - Talvez seja a hora para as coisas sejam
diferentes.
- Com a forma como você olha para eles, eu não penso assim.
Ligia não podia fazer nada e ela sabia disso. O assunto de Olivia e Miguel iria se resolver da
maneira que Miguel desejasse. Imaginou-se dividindo a casa com aquela mulher, e disse a si mesma
que não poderia fazê-lo. Para ela, caberia sair dali imediatamente.
- Eu acredito que meu filho mereça o melhor, mas, obviamente, ele não pensa da mesma
maneira.
- É hora de você perceber que pelo caminho do ódio, você não conseguirá nada - Ligia apenas a
olhou com ceticismo -. Vamos, Ligia, você pode começar a viver novamente.
- Eu não sei como fazer sem ele - foi tudo o que ela disse, sem tirar os olhos dos casais que
dançavam, mas com o foco em um, em particular.
*
Ela o subjugava, Miguel sabia que só ela tinha o poder de subjuga-lo apenas com sua mera
proximidade. A doçura de jasmim chegou a suas narinas com o golpe de um componente cítrico, que
misturado com a essência de seu corpo, aqueceu o sangue de suas veias. Suas mãos subiam pelas de
costas e cintura de Olivia, acariciando-a de cima para baixo sem dizer nada.
Eles não precisam de palavras, parecia que suas almas se encontravam, se reconheciam. A de
Miguel lutava para sair do buraco da dor e agonia em que seu coração havia caído por longos dez
anos.
Olivia quebrou o contato de seus olhos e pressionou o rosto em seu peito.
Miguel levantou o olhar e deu em cheio com o olhar de Ligia, que transmitiu a sua insatisfação
com a situação. “Jorge” foi a palavra muda que Ligia lhe presenteou e que lhe caiu como um balde de
água fria. Naquele momento, seus olhos caíram sobre o lugar onde seu pai tinha sido morto. Isso o
levou em outra direção. O
medo e a traição misturaram-se com confusão e exaustão. Ele caiu mais uma vez naquele lugar
escondido em que também vivia seu desespero.
A escuridão ofuscou seus olhos e conteve a respiração pela dura batalha que travava dentro
dele. Ele acabou a dança como pôde, ele a olhou pesaroso e se afastou.
- Desculpeme.
Olivia ficou petrificada no meio da pista. Desconcertada, percebeu a súbita mudança. Ela foi
até o bar, porque precisava de algo mais forte que vinho. Ela pediu um conhaque duplo e bebeu de
uma só vez, sentindo o calor da bebida queimando seu esôfago até chegar em seu estômago. Não se
importou. Aquele calorzinho a consolou.
Tradução Lauren Moon
- Se você tiver alguma dignidade, afaste-se dele - disse Ligia, que se aproximou fazendo pouco
barulho com seus saltos. Também pediu um conhaque ao barman.
- Eu não o procuro, senhora. Que a senhora o obrigue a me deixar em paz respondeu com toda a
dignidade que conseguiu reunir.
- Você tem coragem - respondeu com olhar especulativo -. Você sabe que meu filho merece alguém
melhor do que você.
O rosto de Olivia ficou vermelho como se tivesse levado uma bofetada.
“Que merda o que todo mundo pensa! Bem, fodam-se”. Bebeu outro conhaque e, olhando-a de
maneira desafiadora, ela disse: - Ninguém é melhor do que ninguém, senhora. Tomara que não tenha
que engolir suas palavras.
Afastouse, tentando caminhar direito, mas sua prótese a incomodava e a bebida ingerida não
ajudava muito. Ele iria embora com sua tia Teresa. Ele não podia obrigá-la a ficar naquele lugar.
Olivia sentiu pena de Melisa e Gabriel. Ela os observou na pista de dança, e ambos se olhavam
em seus olhos. Naquele momento, ela sussurrou alguma coisa em seu ouvido e Gabriel sorriu. Então,
ele beijou seu pescoço. Ela os invejava.
Eles tinham que ela nunca teria. O amor, o sentimento de pertencer a alguém, os laços de
confiança.
Ela odiava o sorriso falso no rosto, seus músculos faciais doíam com o esforço. Ela cruzou uma
breve saudação com um dos gerentes de um banco conhecido na região. Olivia lembrou que tinham
sido colegas de classe.
Ela queria ficar sozinha e chorar suas mágoas. Por um caminho, dirigiuse a um pequeno mirante
que havia observado pela manhã, quando passeava com Melisa. Subiu as escadas. “Que será este
lugar vazio”, pensou enquanto chegava à parte mais alta.
Estava um pouco às escuras, e em um minuto anoiteceria e poderia observar o pôr do sol. O
mirante era uma salinha de estar com sofá, algumas cadeiras e duas mesas. Havia algumas
samambaias penduradas que davam privacidade ao ambiente. Olivia foi até a varanda e apoiou o
cotovelo na superfície do beiral enquanto balançava o quadril.
A vista era espetacular. O vale podia ser visto e, se prestasse atenção, poderia ver o caminho
para a ravina nas sombras. “Entre o vale e as sombras”, foi o que ela pensou, não só porque via que
a paisagem se estendia diante de seus olhos, mas também porque, de repente, sentiu que este era o
seu relacionamento com Miguel. O
vale era o passado, as lembranças e o pouco que restava desse amor e que, por vezes, se colava
para o tempo presente. As sombras… As sombras eram todo o resto. Era a realidade. A analogia foi
perfeita. Ela suspirou em êxtase, o cheiro das flores a inebriava e o pôr do sol era espetacular.
- Você está me seguindo? - perguntou uma voz.
Miguel saiu das sombras. Olivia ficou surpresa, e seu coração começou a bater com grande
ímpeto, como sempre.
- Não, muito pelo contrário. Queria não vê-lo em cada esquina.
Tradução Lauren Moon - Sim, você tem razão, isso tem que parar. Eu não sou cão de estimação de
ninguém.
Olivia sorriu, pois ele tinha a aparência de tudo, menos de um cãozinho de estimação. Mas não
ia inflar ainda mais o seu ego.
- Eu vou voltar com a minha tia Teresa. Já está bom, porque estar perto de você é como estar em
uma montanha russa.
Miguel franziu a testa e apertou os lábios. Olivia percebeu que ele não gostou nem um pouco
que ela fosse embora. Ele lhe deu as costas, e voltou a se perder na paisagem. A tensão vibrava no ar
como se uma tempestade elétrica passasse pelo lugar. Por um momento, nenhum dos dois falou até
que Olivia quebrou o silêncio.
- O que você quer, Miguel? O que você deseja? Você quer vingança?
Você quer me machucar?
Miguel a observou confuso.
- Se eu quisesse me vingar ou magoá-la, eu já teria feito isso.
Olivia não respondeu, ela tentou se concentrar no horizonte e não na proximidade de Miguel.
Observou como o pôr do sol deu lugar à noite.
- Não respondeu minha pergunta. O que você quer?
Os pensamentos de Miguel giravam como um tornado. A integridade e um desejo profundo
estavam em conflito. O desejo e excitação estavam vencendo a batalha, e as semanas de tensão
caíram de imediato e canalizaram para o que ele realmente queria: introduzir-se seu calor.
Todos os caminhos íngremes o levavam à linda mulher que estava diante dele. Aproximouse
dela por trás e a prendeu com seu corpo.
- Você sabe o que eu quero - levou sua boca Olivia ao começo de seu ombro e beijou com
ternura a pele estremecida -. Eu não quero mais resistir.
“Sua pele, meu Deus, sua pele!”, repetiu como um possuído. Ele sentiu seu desejo pelo calor
que assaltou sua pele em contato com sua boca. A julgar pela cena que viu na noite anterior, sabia
que seria bem-vindo, tinha certeza disso.
Ela tentou se virar, mas ele não permitiu.
- Eu sei que você me deseja, eu sei disse ele asperamente, beijando seu pescoço e inalando seu
aroma.
Olivia começou a acariciar sua garganta e seguiu o contorno do seu rosto, com carícias lentas e
delicadas. Ela explorou seu queixo e ponta de seu nariz. Ele foi invadido por uma saudade tão aguda
e tão profunda que quase o fez chorar, e ao voltar seu rosto, Miguel pegou sua boca em um beijo
quente e furioso, como se quisesse invadir sua alma. Ele chupou seus lábios até mantêlos
inteiramente em sua boca, saboreando-os com vontade. Então, perdido naquele beijo, mordeu seu
lábio inferior, tentador, seduzindo-a, lambendo, como se não fosse obter o suficiente dela. Acariciou
suas costas de cima a baixo, introduziu suas mãos pela parte da frente da blusa, percebeu a suavidade
da pele de seu abdómen e, lentamente, tomou o caminho dos seios. Ele desabotoou seu sutiã e gemeu
de prazer quando ele roçou um de seus mamilos com os polegares, uma e outra vez até que capturou
seus seios com as duas mãos. “Tão lindos e mais cheios do que eu me lembrava.”
Tradução Lauren Moon
Suas carícias tornaram-se mais intensa. Ele não queria machucá-la, mas a fome que sentia por
ela o fez ser rude. Ele massageava suas nádegas e sentiu que ela ficou tensa quando ele levantou sua
saia. Ao deslizar a mão pela perna, Miguel notou a presença de uma bandagem acima do joelho.
-O que é isso? Você se machucou? ele tentou agarrá-la com a mão, mas Olivia foi mais rápida.
Ele se virou e puxou sua saia imediatamente.
- Não é nada, apenas uma lesão no joelho.
- Eu sabia que, deixeme dar uma olhada. Eu sabia que ontem você tinha se machucado - insistiu
em levantar sua saia.
Olivia tentou ficar de lado e sair correndo. Tinha sido uma tola em pensar que eu poderia estar
com ele sem que ele percebesse.
- Não há nada a ver. Acredite em mim, é uma antiga lesão esportiva suspirou tentando se
acalmar -. Isso
é loucura, talvez eu …
Miguel não a deixou terminar, ele a tomou em seus braços novamente, sem perceber o tom de
pânico na voz de Olivia e novamente sugou boca com habilidade. Notava-se que ele não a deixaria
ir. Totalmente cativo, fez daquele beijo mais intenso. Ela não pôde resistir. Eles se emaranharam em
sensações tão viciantes que Olivia ficou sem forças no corpo, enquanto que a ele a fraqueza o
percorria ao perceber que nunca tinha sentido nada parecido, nem remotamente, com as mulheres que
estiveram em seu colchão. Ele se esfregava nela, aumentando, assim, o calor do beijo.
Ele gemeu novamente quando suas mãos foram para as nádegas por entre a saia.
Livrou-se da roupa íntima, rasgando-a. O assalto a seus sentidos era esmagador, foi uma
experiência sobrenatural. Ele tinha certeza de que iria morrer quando a acariciou entre as pernas.
- Miguel…
- Estou aqui, estou aqui…
Ele arquejava e gemia desesperado. Ele a excitava com deleite, introduzindo um dedo dentro
dela, empapando-se de sua umidade e seu calor enquanto gemia em sua boca. Ele a virou. Ela se
rebelou, não queria perder a recém-encontrada aproximação, mas ele insistiu: - Eu quero dessa
maneira.
- Miguel… - disse.
Ele já a esmagava contra o parapeito da varanda. Com suas pernas, abriu as penas de Olivia e a
acariciou sem descanso.
- Não quero assim. Eu… – suas palavras foram substituídas por gemidos. Ela estava mais do que
pronta para recebe-lo.
Miguel sabia o que ela queria, mas seu estado de espírito naquele momento não era para
contemplações.
- Assim será - sua voz áspera transmitiu a urgência que sentia para mergulhar em seu interior.
Ele escolheu aquele momento para liberar seu membro. O
sangue rugiu em sua cabeça, mas ainda assim se debatia -. Assim, assim dizia com os pulmões a
ponto de estourar.
Tradução Lauren Moon
- Basta se lembrar de como era quando você me amava - ela respondeu entre arquejos e, assim
de costas para ele, acariciou o contorno de seu rosto.
Miguel, que com seu membro tratava de abrir espaço dentro dela, afastou-a da cerca. Com um
braço, ele aferrava sua pélvis e com o outro, pegava-a pelo seu pescoço.
- Era diferente - respondeu Miguel entre arquejos. Ele não falava nada e temia que uma palavra
a mais roubasse aquele milagre. Ele escolheu aquele momento para investir com força.
Olivia deu um pequeno grito, pois seu sexo estava muito estreito.
- Eu machuquei você? - sua voz soava rouca e estrangulada.
- Não…
Miguel penetrou em Olivia, com o coração enlouquecido, saboreando cada segundo, morrendo
aos poucos por esses sentimentos tão intensos, até que ficou completamente enterrado em sua
feminilidade. Ele ficou duro com a sensação, a ponto de cair de joelhos. Ele precisou se segurar com
as duas mãos no corrimão da varanda.
Aos poucos, ele se recuperou da emoção de estar dentro dela novamente.
Ele escolheu esse momento para murmurar palavras ininteligíveis por cima de seu ombro,
enquanto entrava e saía dela em um ritmo frenético. Caiu sobre seu corpo sem nem mesmo deixála
respirar. A cada investida, queria atravessá-la inteiramente e abri-la em dois. A cada impulso que
fazia dentro dela morria de prazer. Arremetia feliz em sentir sua pele e sua estreiteza novamente.
Suas mãos agarraram seus quadris com ferocidade. Ele só queria se perder na inconsciência e no
desespero da lembrança.
Olivia seguia seu ritmo, igualmente excitada e desesperada. Miguel podia senti-la, porque ele
saía ao seu encontro uma e outra vez, gemendo e com a respiração entrecortada. Sentiu sua explosão
de prazer entre suas estocadas. Ele soltou um grito de agonia e ele notou lágrimas em suas bochechas,
que em um gesto de ternura, varreu com beijos suaves. Os estremecimentos de Olivia não diminuíam
e voltavam as sensações, uma e outra vez, enquanto Miguel arremetia sem se conter.
Nas duas últimas investidas, jogou a cabeça para trás, tencionou todo seu corpo e deixou-se
varrer por um orgasmo de cima a baixo em um prazer devastador.
Gemeu e gritou desesperado, perdido na inconsciência que só Olivia lhe proporcionava, até que
sua mente esteve limpa de qualquer pensamento racional.
Miguel ficou sem fôlego e tremendo como ficam os meninos. Em meio ao êxtase, percebia os
gemidos de Olivia, que tinham sido afogados por seus grunhidos roucos. Sentia um prazer imenso e
alucinante, mas murmurou Deus, Olivia! - disse com a pulsação a mil e os sentimentos
completamente bagunçados.
Sem realmente querer fazê-lo, ele saiu suavemente de dentro da mulher. Ele tentou normalizar sua
respiração.
Ele virou Olivia para ele, que já havia baixado sua saia. Ele a pegou pelos ombros e a beijou
com ternura, juntando sua testa à dela.
- O que você faz comigo? Juro que eu desejaria deixar de sentir isso que sinto.
- O bom ou o mal?
Tradução Lauren Moon - Não vou lhe dizer - porque nem sonhando iria lhe dar mais poder do que ela
já tinha.
- Eu vou descer. E irei para o meu quarto fazer as malas - disse Olivia, separando-se dele e
procurando o que restava de sua calcinha. Lembrou-se da pontada de dor aguda, quando a tira de sua
calcinha cravou em sua pele antes de se rasgar, da audácia que havia esgrimido ao se entregar a ele,
do desejo feroz de chegar ao homem amoroso e complacente que tinha conhecido anos atrás. Sentia
suas coxas pegajosas e um leve ardor no lugar onde antes ele havia se acomodado.
Ela viu a peça jogada em um canto, completamente destruída. Inclinouse para pegá-la, mas ele se
adiantou.
- Eu faço isso - disse ele e pegou a peça nas mãos -. Se qualquer maneira, já não serve para
mais nada.
- Devolva-me, por favor - disse Olivia -. É minha.
Ele negou com um gesto de cabeça. Ela tratou de se aproximar dele, mas percebeu que era isso
que ele queria. Seria uma idiota se entrasse no jogo dele. Ela estava com as emoções à flor da pele
pelo encontro e aquele homem já queria enlouquece-la novamente.
- Fique com ela como lembrança de uma coisa que não voltará a acontecer disse furiosa
enquanto se dirigia às escadas.
- Eu não estaria tão seguro.
- Não posso oferecer nada mais, Miguel.
Ela se virou e desceu com passos rápidos.
Não era assim que desejava que tudo tivesse acontecido. Segurou o choro, mas não conseguiu
dominar a pontada de dor em seu coração. Tropeçou em um dos degraus. Diabos! Era o que faltava!
Cair estatelada e sem calcinha.
Soltou uma gargalhada histérica. *
Como pôde, chegou ao seu quarto.
Ela se lavou rapidamente e se trocou enquanto se lembrava de seu encontro sexual. Não
conhecia a mulher selvagem que tinha sido naquela varanda, riu de nervoso, a sensatez havia saído
para dar uma longa caminhada, porque por alguns minutos apenas se deixou levar pelo prazer. Ela
tinha sido ousada. De maneira patética havia enfrentado um de seus maiores medos depois de perder
a perna. Como tinha vivido sem isso? Sem ele? Mas, teria que continuar fazendo isso. Miguel era um
homem confuso e ferido. Olivia sentiu nele a necessidade de trair o ódio que o perseguia
implacavelmente. Ela se enchia de compaixão ante o esforço que ele fazia para tentar silenciar seus
demônios.
Agia com ela como um encantador de serpentes. Seus gestos, carícias …
tudo agia para que ela entrasse em um estado hipnótico! Ele tinha o poder de controlá-la à
vontade, apenas tocando-a e beijando-a. Ela sempre criticou a fraqueza de algumas mulheres diante
dos homens, e ela estava na mesma posição, feita em um mar de incertezas como se fosse uma fodida
adolescente. Pois teria que ficar esperta. Com Miguel sairia mais ferida do que já estava.
Tradução Lauren Moon
Ao sair com sua mala, esbarrou com Melisa. Os últimos convidados estavam indo embora.
- Olivia, o que você está fazendo? Aonde você vai a esta hora?
O olhar severo de Melisa não parecia deixar-lhe a menor escapatória, então ele respondeu: -
Perdoeme, mas eu não posso ficar neste lugar nem mais um segundo.
- O que fizeram com você? - olhou de um lado ao outro -. Vai se ver comigo. Onde está?
- Acalme-se, Melisa. Realmente, não tem importância.
- Eu não gosto das situações injustas, e isso tem que acabar.
Olivia queria aparentar uma calma que estava longe de sentir, realmente a única coisa ela queria
era ir para casa e trancar-se para a vida, ou pelo menos até que fosse uma anciã.
- A única coisa que eu quero é ir para casa.
- Mas sua tia saiu há um tempo atrás.
- Eu vou, nem que seja a pé.
- Isso não será necessário - chamou um dos homens que protegia e lhe deu algumas ordens.
Em menos de cinco minutos estava instalada em uma camionete indo para casa.
Melisa precisava falar com Miguel. Precisava não, ela tinha que falar com ele. Seu
comportamento era inaceitável. Um dos empregados disse ele onde estava.
Ela pediu que Gabriel a acompanhasse. Quando chegaram ao mirante, estava completamente
escuro.
Melisa acendeu uma das luzes que iluminava o caminho da escada.
*
Miguel a observou ir embora e uma sensação de culpa invadiu suas entranhas. Ele se sentou em
uma poltrona com a cabeça baixa e as mãos em seu rosto. O
cheiro dela tomou conta dele, colocando-o duro novamente. Seu aroma levou-o para o ao
momento da posse. Ele sempre exercia um rigoroso controle com as mulheres, sempre consciente de
suas ações e reações, brilhava em suas atividades amorosas; mas neste encontro ele foi
completamente dominado. Ele nunca tinha experimentado tanta necessidade de tomar e estar íntimo
de alguém.
Ele estava envergonhado pelos sentimentos de homem das cavernas que o assaltou. Ela escondia
alguma coisa, ele podia ver, e era algo grave, tão grave que ele não poderia obter o segredo com ele
entre as pernas. Ele precisava dela para lhe dizer. E
se fosse alguma coisa a mais sobre a morte de seu pai? Ou algo sobre Jorge?
“Maldita seja, Olivia, por tudo o que você me provoca!” O desejo, dor, a desconfiança, a fome
voraz de acordar em seu corpo, o desejo de preservá-la de qualquer coisa que a fizesse sofrer. Um
gesto irônico povoou seu rosto. Ele sabia muito bem que o cretino que a estava fazendo sofrer era
ele.
Tradução Lauren Moon
Ela não era mais a garota que ele havia amado, mas como mulher adulta era mais perigosa para
o seu coração. Ele não tinha nenhuma dúvida, apesar de tudo o que tinha acontecido no passado,
Olivia era o seu destino, o seu desejo mais profundo.
Ele riu amargamente. Ele a precisava além da razão e estava dividido entre ir buscala para
prendê-la completamente a sua vida ou correr para o outro estremo do mundo, onde ele poderia fazer
um esforço para esquecê-la.
Quantos homens ela tinha tido?
Ele não queria nem imaginar, ficaria doente só de imaginar qualquer outra pessoa entrando em
seu corpo assim como ele tinha feito. Mas o que ele esperava?
Ela era jovem, bonita e mulher apaixonada. Ele não poderia pedir o impossível. Se houvesse
mais homens em sua vida, deveria aceitar tão bem quanto ela deveria aceitar que houve mulheres em
sua vida.
De imediato, uma pergunta inquietante o assaltou: será que ela tomaria precauções contra uma
gravidez? Ele nunca deixava de usar preservativo. Mas com essa mulher… Deus meu! Essa mulher
fritava seus miolos.
Naquele momento, ele a imaginou grávida. Uma sensação primitiva de posse o invadiu. Mas, de
repente, a luz da vigia acendeu e ofuscou sua visão, tirando-o de seu devaneio.
- Miguel… - Melisa estava diante dele e olhou para ele com óbvia irritação
-. Precisamos conversar.
Miguel olhou intrigado, deixou a bruma de pensamentos que o açoitavam. Gabriel foi para a
varanda, deixando Melisa à frente do que estava indo revelar.
- O que quer? - ele guardou discretamente a roupa íntima de Olivia em um de seus bolsos.
- É intolerável como você trata Olivia. O que você fez para ela sair em disparada aqui?
- Perdoeme, Melisa, mas acho que o que acontece entre mim e ela não é problema seu.
- Cuidado, Miguel - soltou Gabriel tenso e sem olhar para ele.
Melisa não deu importância ao seu último comentário e sentou ao lado dele. Seu amigo sofria
quase tanto, ou mais, que Olivia. Miguel tinha o olhar atormentado, o mesmo que havia percebido em
Olivia, minutos atrás.
- Isso tem que acabar.
- Não discuto isso - ele respondeu.
Melisa sentiu que ele estava muito vulnerável e ansioso para sair. Foi assim que ela tomou a
decisão, por mais abrupta que fosse. Ela respirou fundo e se preparou para dar a notícia: - Miguel,
não sei como você vai receber o que eu vou dizer.
- O que houve? Aconteceu alguma coisa com Olivia? - Miguel interrompeu, porque se sentiu
empalidecer. Ele olhou um e outro. Gabriel sacudiu a cabeça de um lado para o outro, como se
pedisse a Melisa que não desse com a língua nos dentes. A mulher falou sem rodeios: Tradução
Lauren Moon
- Olivia não teve nada a ver com a morte de seu pai.
Miguel sentiu que sobre ele caiu uma cascata de água fria. Uma nuvem cinza nublou seus
pensamentos e uma forte agonia atravessou seu coração. Ele sentiu que estava perdendo o ar, que sua
voz e sua alma estavam fugindo dele. Ele ouviu as palavras de Melisa como se ouvisse ecos. Ele
tapou os ouvidos e fechou os olhos. “Mas o que você está dizendo? O que é isso que estou sentindo?

- Como pode estar tão certa disso? levou as mãos ao rosto. Gabriel se afastou de sua esposa e
de seu amigo. À distância, começou a andar em círculos.
- Existem provas. Seu pai deixou uma carta, sua tia Elizabeth me disse Então, Miguel começou a
rir.
- Oh, Melisa, são essas as provas? Ignore minha tia. Só para fazer coisas assim, ela é capaz de
jurar em vão.
Melisa teve vontade de dar-lhe um tapa por sua teimosia.
- Você acha que uma mulher como Olivia, tão pedinte de que seja feita justiça, que os
deslocados de suas terras recuperem-nas e tenham La Casa de Paz, iria se prestar à traição e
desentendimentos?
Miguel permaneceu em silêncio, sem dar o braço a torcer. Era um traço que Melisa conhecia
muito bem. Pois bem, ela era igualmente teimosa.
- Não sei nem por que eu conto isso a você. Você não a merece.
- Eu sei – sussurrou.
Melisa cruzou os braços, olhou para Gabriel, que não mais caminhava e apenas a observava, e
se virou para Miguel.
- Sua tia está com a carta.
E sem dizer mais nada, pegou seu marido pelo braço e o deixou sozinho. *
Em menos de uma hora, Miguel apareceu na biblioteca da fazenda, onde sua tia costumava ler.
Tinha que enfrentala. Tinha que saber por que ela mentia… ou por que havia lhe escondido a
verdade.
- Tia, tem alguma coisa que deseja me mostrar? - perguntou assim que abriu a porta e enquanto
caminhava. Elizabeth que havia escutado a conversa de Melisa com Miguel sobre Oliva, esperava
por esse momento. Deixou o livro que lia sobre uma mesa de canto e se levantou do banco.
Aproximouse da mesa do escritório e seu olhar caiu sobre o livro “Grandes Esperanças”.
Miguel também fixou o olhar naquele livro e se lembrou da primeira vez que havia tentado lê-lo,
quando ainda era pequeno, olhando as ilustrações com fascinação. Talvez tivesse uns sete anos.
Durante uns segundos, deixou-se levar pelas lembranças.
Sua tia tirou um papel envelhecido e estendeu para ele. Miguel pegou o papel em suas mãos,
enrugou o cenho e um ligeiro estremecimento o percorreu ao reconhecer a letra de seu pai no pedaço
amarelado. “Será que isso é possível?”
Tradução Lauren Moon
Ele estava completamente agitado com o que estava prestes a ser revelado. Começou a ler a
carta com uma lentidão deliberada. À mediada que ele lia, ficava tão branco como papel.
- O que significa isto? - perguntou sem acreditar no que tinha acabado de ler. Começou a reler
uma e outra vez até que ele ficou convencido da realidade que seus olhos liam. Essa era a prova de
que Olivia não tinha tido nada a ver com a morte de seu pai.
Santiago Robles havia sido condenado por este homem antes mesmo que ele e ela se
conhecessem.
O silêncio se fez interminável. A tensão no rosto de Miguel era palpável.
Ele se sentou em uma cadeira. Abria e fechava as mãos sobre os joelhos de novo e de novo, e
olhava atormentado um ponto distante.
- Por que ela não me contou? - ele perguntou, com a voz embargada.
- Porque ela não sabia - Elizabeth baixou a cabeça e disse -: Você deve liberá-la de sua culpa.
- Como se fosse tão fácil.
- Você a ama?
Ele se levantou de imediato. Suava profusamente. Ele caminhou de canto a canto da sala,
tentando reconstruir a confusão de sua mente e seu coração. As palavras de seu pai dançavam diante
de seus olhos e a pergunta de sua tia zumbia em seus ouvidos, fazendo abalar o pouco autocontrole
que ele ainda possuía e sem saber em que diabos acreditar.
Ele olhou para sua tia com certa vulnerabilidade. Era difícil ver as coisas de forma diferente.
Ele não podia responder e, como se ela entendesse, ela perguntou novamente: - O que você vai fazer?
Meu Deus! A ideia que conheceu como certa por dez anos não era verdade. Estava assustado.
Seu ódio e seu ressentimento haviam-no sustentado até então. Agora, o que iria mantêlo de pé?
Se tudo isso não era verdade, então …
Havia odiado por nada.
E não fazia nem meia hora que ele havia se comportado como o maior ignorante da face da
terra.
O remorso o embargou.
E a emoção que havia brotado timidamente com a volta de Olivia invadiu sua alma sem
contenção e reavivou a esperança morta há dez anos.
Sua mãe … Por que o havia submetido a este inferno?
- Que diabos eu vou fazer? - disse ele, falando mais para si mesmo do que para sua tia. Ela,
mulher sábia, finalmente encontrou as palavras certas.
- Honre as últimas palavras de seu pai e corrija seu relacionamento com Olivia. Uma vez você
disse que o perdão não é fácil, ele nunca é. No entanto, Ligia é sua mãe. Fale com ela.
Tradução Lauren Moon
Miguel começou a pensar no casal Preciado, graças a eles tinha descoberto a verdade. Em um
ataque de sinceridade disse a si mesmo que pouco importava o aparecimento da carta, porque seu
caminho já tinha sido traçado, mesmo que fosse pela metade ou com relutância: teria voltado para ela
mesmo que não tivesse aparecido a prova que a exonerava. Seu ressentimento teria duelado por mais
um tempo, mas ele sabia que sua necessidade por ela teria terminado com esse sofrimento. Isto lhe
deu mais tempo, antes de Olivia fugir.
Melisa e Gabriel estavam escondidos atrás da parede que havia entre a biblioteca e o salão.
Escutaram a conversa. Gabriel acariciou o cabelo da sua esposa e beijou sua orelha, em sinal de
admiração e respeito. Melisa sorriu: Cedo ou tarde, ele tinha que descobrir ela suspirou -. Embora
eu deva confessar que pensei que seria mais difícil.
- Eu também, o que demonstra que você sempre tem razão. Miguel é louco por Olivia.
Gabriel se sentou no chão, feliz, e com uma das mãos puxou sua esposa para acomodá-la em
seus joelhos.
*
Miguel não foi dormir nessa noite. Sentia-se vivo demais pela expectativa. Tomou banho, trocou
de roupa, mas negou-se a fazer a barba. Mais tarde, caminhou de um lado a outro na varanda da casa
como um animal enjaulado. Como madrugada deu lugar a noite intensa; refletiu sobre a maneira como
Olivia tinha se tornado a se ligar em sua vida, em sua alma, ou melhor dizendo, como ela nunca havia
partido. Ele tinha esse sentimento tão enterrado que só o fato de trazê-lo à luz causava-lhe uma dor
profunda e uma ligeira esperança, não sabia qual dos dois sentimentos prevaleceriam, porque só
queria que ela, com sua alma curadora, se encarregasse da sua própria alma para preencher de
alegrias o seu pesar.
Ao amanhecer, ele entrou no quarto de sua mãe com passos imperceptíveis, e sentou-se na velha
poltrona que sempre a acompanhava. O que havia acontecido com sua mãe para responsabilizar
Olivia pelo que aconteceu?
Entendia sua dor e seu pesar, ainda hoje sem superar, mas ela nunca tinha sido injusta. Pegou um
dos portaretratos de uma mesinha lateral que ficava ao lado da poltrona que agora ele ocupava. Era
uma foto de seu pai e sua mãe abraçado debaixo de uma das árvores do jardim. A expressão de seu
pai era séria, severa. Ele nunca foi muito adepto à fotografias. No outro portaretratos havia uma foto
dos três filhos adolescentes em um passeio em um parque de Bogotá. Ligia se remexeu inquieta em
seus sonhos. O
despertador tocou e Miguel observou como ela estendia sua mão para desliga-lo. Ao abrir os
olhos, a mulher se assustou com uma presença estranha.
- Por que você fez isso, mãe?
- Fazer o quê? Não estou entendendo - ela respondeu enquanto emitia um bocejo. Miguel colocou a
carta na frente dela. O sono desapareceu da mulher.
- Por que você me fez acreditar que Olivia era a responsável pela morte de papai?
Ligia se levantou da cama em silêncio, pegou um velho roupão aos pés da cama, vestiu-o e deu
um nó na cintura.
Tradução Lauren Moon
- Como você conseguiu isso? Eu a procuro há anos - aproximouse para pegá-la, mas Miguel
tirou a mão.
- Ainda não me respondeu.
- Você acredita mesmo que depois da maneira como eles assassinaram seu pai eu permitir esta
mulher nesta casa? soltou com a voz tingida de raiva.
- Ela não tinha culpa. Como você pôde, mãe?
- Você acha que eu iria permitir que você tivesse filhos com ela? Estas criaturas teriam nascido
amaldiçoadas!
- Chega, mãe.
Ele não levantou a voz, mas o tom com que as palavras foram pronunciadas, fizeram-na se calar
imediatamente. Ligia começou a andar pelo quarto.
- Santiago era o amor da minha vida, mas ele me trocou por essa corja de camponeses. Deu
preferência a eles e sua feliz cooperativa. Assim que ele recebeu ameaças, ele devia ter feito alguma
coisa. Mas não, ele foi morto por aquele bastardo e me deixou sozinha.
- E você descontou em nós dois.
- Em você não, mas naquela mulher. Se você a odiasse, eu estaria vingada.
- Oh, mãe, e no que isso beneficiou você? Ficou satisfeita ou feliz ao me ver todos esses anos
vivendo pela metade pelo amor que senti perdido?
A mulher baixou o olhar.
- Naquele momento, eu acreditei que fosse melhor… Agora já não estou tão certa - respondeu
sem poder sustentar seu olhar. Miguel soltou uma gargalhada amarga.
- Tente fazer melhor, mãe, porque nem você acredita nisso - levantou o dedo e começou a falar
com ela como se ele fosse o pai e ela a filha, porque estava muito aborrecido e queria que ela
entendesse que já não tinha poder algum sobre ele -.
Vou ganhar o amor de Olivia. Eu vou me arrastar se for necessário. Fui um completo idiota com
ela.
- Seu pai vai se remexer no túmulo interrompeu Ligia.
- Não acredito. A senhora será a única a se remoer no fel do ódio.
- Cuidado, Miguel. Sou sua mãe, não se esqueça disso.
Naquele momento, observou seu cabelo grisalho e o rosto sulcado de rugas, a expressão de dor
e o ressentimento que sempre lhe causavam pena.
Miguel se aproximou dela e pegou suas duas mãos. Com o polegar acariciou as articulações
deformadas pela artrite. Ela teve a intenção de se afastar, como se ele tivesse tocado sua dor mais
profunda. Ele não iria deixála.
- Mãe, eu morro por ela - disse com uma voz rouca -. Mais cedo ou mais tarde você deve
aceitar que ela é a única mulher que eu quero, aquela com quem compartilhar a vida, ter filhos e
envelhecer. Eu não vou aceitar descortesia em relação a ela. Qualquer comentário fora de hora ou
uma maldade que a senhora pense em fazer, guarde consigo.
Tradução Lauren Moon
- Você não pode me pedir isso.
- Sim, sim, eu posso. E já fiz.
E ele saiu do quarto. Na fazenda, o som do estrondo de uma porta batendo foi ouvido.
Tradução Lauren Moon Capítulo XVII Olivia deu voltas na cama durante toda a noite. Ela
chorou por alguns minutos e depois se repreendeu por tão estúpida e ainda acreditar, apesar de tudo,
em contos de fadas. A promessa que fez a si mesma era para não ser pisoteada por ninguém, nunca
mais. Terminaria seu trabalho rapidamente e voltaria para Bogotá.
Ela não se arrependia de ter-se entregado a ele, isso nunca, mas o que a incomodava era
perceber que Miguel nunca pularia o abismo que os separava; que a esperança com a qual ela havia
voltado tinha muito a ver com consertar as coisas com ele, que suas expectativas eram pouco
realistas. Tinha que deixar o passado para trás, já era o suficiente.
Deus! Ela havia dado seu coração a ele naqueles poucos minutos que tinham compartilhado, e
tudo isso para quê? “Até agora Olivia, até hoje.”
Além disso, se Miguel não tinha percebido o que havia acontecido com sua perna, tanto melhor.
Olivia tinha seu orgulho e o que ela menos desejava era despertar sentimentos de piedade … isso,
ela não poderia suportar.
No entanto, já era tempo para deixar sua dor ir embora. Ela tinha certeza de que isso ria elevar
sua autoestima e evitaria dar passos em falso. Ela, que exortava as vítimas de violência a
enfrentarem seus medos mais profundos e seus sofrimentos, teria que admitir que era incapaz de fazer
a mesma coisa consigo mesma, e isso tinha que mudar. Ela reajustou suas defesas para enfrentar o seu
dia.
Sua determinação durou dez minutos, quando Tránsito bateu em sua porta com um enorme buquê
de flores, que ela reconheceu serem do jardim da fazenda de Miguel.
- Senhorita, trouxeram isso para você - disse a jovem a uma Olivia bem surpresa.
Era o buquê mais diferente que já tinha visto em sua vida, com flores mal cortadas, com
buganvílias que já começavam a murchar, margaridas e jacintos.
- Quem trouxe isso? - levou a mão ao envelope que acompanha o pitoresco buquê.
- Um dos trabalhadores de El Álamo.
Com o coração quase sem bater, ela enfiou a mão no envelope e tirou o pequeno papel, que
abriu imediatamente.
- Eu vou colocá-las em água, Tránsito.
A moça se retirou e ela se dispôs a ler o conteúdo da carta.
Olivia: Esta manhã me lembrei de como você admirou o jardim da minha casa e me dispus a
fazer chegar até você um pedacinho dele, para Tradução Lauren Moon o desespero da minha tia
Elizabeth, que me repreendeu como uma criança ao ver a bagunça que fazia com suas flores,
tentando escolher as mais bonitas.
Um sorriso sulcou seus lábios.
Não me importa. Eu só queria que você soubesse que eu pensei em você a noite toda, e eu
quero vê-la novamente. Eu sei que eu fui tudo, menos o homem que há anos se apaixonou por você,
mas eu quero que você me dê outra chance. Perdoeme pelas palavras que eu disse. Não é o que eu
realmente sinto. Você voltou para a ravina? Eu nunca mais voltei naquele lugar, mas hoje eu quero
voltar. Encontre-se como antes, quando só o nosso amor importava.
Espero por você depois de sua reunião com Melisa e Gabriel.
Em relação à pergunta que você me fez alguns dias atrás, a minha resposta é: Sim, sim, sim, de
coração.
Seu, Miguel.
O coração retumbava em seu peito. E agora, que bicho havia-lhe picado?
Ela voltou seu olhar para as flores com novas expectativas, definitivamente quando se tratava de
seus sentimentos por Miguel Robles estava perdendo a batalha. Um buquê simples e mais uma vez já
estava iludida, e o melhor seria revestir sua alma de força, não havia outra maneira. Ela o colocou
em uma jarra cheia de água da torneira máquina de lavar louça. Levou-o para sua mesa de cabeceira.
As flores eram bonitas e ele mesmo havia cortado. Sim, Olivia, o mesmo homem que tinha à
beira de um precipício com suas atitudes, sua consciência sussurrou em seu ouvido. “Miguel vai
acabar me enlouquecendo.”
Não poderia ir à ravina. Nunca havia retornado para aquele lugar. Sabia que ele iria tirá-la da
cabeça e não deixaria isso acontecer novamente, nunca mais.
Arrumou-se para seu encontro com o casal Preciado e foi para a prefeitura, onde seus
companheiros a esperavam.
Gabriel e Melisa chegaram dez minutos depois. Cumprimentaram Claudia e William que, junto
com dois profissionais da Memória Histórica, conduziram o casal à área da Ação Social para
mostrar o progresso neste tema.
Olivia percebeu que Melisa a olhava com alguma inquietação e se envergonhou por tudo aquilo
que ela teve que presenciar. Olivia era uma perfeccionista e a incomodava muito que as coisas
dessem errado. Melisa e Gabriel chegaram a perceber os problemas que existiam entre ela e Miguel,
e isso a magoava porque não queria deixar que todos os seus esforços se perdessem pelas birras de
Miguel.
Ao chegarem à Ação Social, umas sete mulheres estavam reunidas em uma conversa oferecendo
seus testemunhos. O jovem casal não permitiu que interrompessem a sessão daquele dia por causa
deles.
Tradução Lauren Moon
- Diga-me, Claudia, que atividades realiza a equipe da Memória Histórica? Gabriel perguntou,
enquanto observava o grupo curioso de mulheres em um círculo, com novelos de lã de cores
diferentes estendidos entre elas.
- Eu poderia responder isso, mas eu vou deixar que Luz Inés Ospina, a antropóloga responsável,
possa lhes explicar.
Eles fizeram as apresentações e Luz Inés, uma moça de cerca de vinte e cinco, de óculos e olhar
inteligente que Gabriel estava certo desempenhava um papel importante na habilidade de resolução
de conflitos, começou a explicar o processo pelo qual a Memória Histórica se reconstruiu.
-Nós fazemos parte da equipe da Memória Histórica da Comissão Nacional de Reparação e
Reconciliação.
A jovem profissional mostrou-lhes a difícil tarefa, que era tentar curar as feridas individuais e
coletivas das vítimas de violência. Enquanto ela falava, levou-os para um escritório onde eles se
sentaram para ouvir. Ela explicou a maneira que propiciavam o reconhecimento e à dignidade dos
testemunhos de pessoas que viram suas vidas abaladas pelo conflito.
- O direito à memória é um direito inalienável das vítimas e da sociedade concluiu Claudia.
- Algo difícil com a violência ainda galopante no nosso país - aduziu Gabriel.
- Nós reconhecemos que o país ainda está atolado em uma guerra sangrenta e que processos de
paz atravessam tensões. No entanto, acreditamos que, apesar de suas limitações, este processo é uma
das poucas esperanças de uma paz duradoura.
- É algo complicado que as pessoas colaborem - Melisa continuou -. Em muitos casos, as
pessoas querem esquecer.
Luz Inés explicou que dentro do grupo de deslocados muitas pessoas que queriam falar sobre o
que aconteceu, mas tinham medo de que se falassem, o conflito acontecesse novamente. Também
percebeu nessas pessoas o medo de abrir uma ferida que eles acreditavam estar curada. Por isso,
trabalhavam para alcançar esquecimento elaborado.
Trabalhavam com exercícios para dar um testemunho individual do fato violento. Eles são
ensinados a trabalhar a dor, a reconhecer seus sentimentos de raiva, tristeza e culpa, ao tempo em que
se construía um documento histórico para a comunidade.
- Tem acontecido algum conflito? Nem sempre as pessoas reagem positivamente. O impacto da
lembrança pode levar à perda de controlo - Melisa interrompeu.
- Sim, às vezes acontece, mas os gestores de memória são treinados para compreender o mundo
emocional que aqui se apresenta. Eles têm habilidades que lhes permite trabalhar com a dor, o
silêncio, a tristeza e a raiva. Estes processos de reconstrução são de grande ajuda às vítimas e à
sociedade. Eles não se sentem tão sozinhos.
Olivia voltou a falar: Tradução Lauren Moon - Identifica-se os responsáveis pelos fatos. As perdas
econômicas são calculadas. A vida e a dignidade das pessoas que morreram são recuperados.
- É um trabalho excelente, mas não é fácil - disse Gabriel.
- Tem razão, Sr. Preciado - aduziu Claudia -, é difícil. Mas temos conseguido muito em um curto
período de tempo.
- Ao reviver a história do que aconteceu há um aumento nos conflitos familiares ou com a
comunidade? Gabriel perguntou, enquanto desviou seu olhar para umas crianças que jogavam bola
em um pátio.
- Há que fazêlos ver - continuou Olivia -, que é exatamente o objetivo das pessoas que os
atacaram: desmembrar e dividir famílias e vizinhos, e que a culpa é sempre dos agressores, nunca
das vítimas.
- Além do testemunho de que outras atividades são realizadas?
perguntou Melisa.
- Os mapas mentais - Olivia disse.
Diante do olhar de expectativa do casal, Olivia continuou a exposição e narrado como o grupo
identifica uma marca, um parque, um canto, uma estátua, algo que localize com suas memórias no
lugar. Depois, falou de mapas de ambiente onde os lugares de violência, locais históricos, locais de
resistência estão localizados. Passeios onde as coisas ocorreram, relacionando os fatos e, portanto,
sendo capaz de reconstruir de forma oral e visual os acontecimentos.
- É preciso ser muito corajoso para enfrentar algo assim - Melisa opinou.
- A que atividade pertencem desenhos que eu vi em um dos salões?
Gabriel se referia a um grupo de diferentes cenas, incluindo desenhos de paisagens de
montanhas azuis e pequenas montanhas cheias de cruzes. Outro era uma casa, algumas galinhas e o
que parecia ser um burro. E, em um canto, aparecia com uma metralhadora.
- São colchas de memória. Por este método, a memória é ativada a partir de imagens. Eles
apelam para o desenho, a pintura, a diferentes cores.
- Sim, eu trabalhei com esta técnica em Bogotá com crianças deslocadas comentou Melisa -. Foi uma
técnica utilizada pelas vítimas masculinas e femininas de violência na África durante a última
década.
- Sim, é como uma metáfora visual da memória coletiva e memórias individuais que marcam a
vida de um indivíduo ou de uma comunidade concluiu Olivia.
- Exatamente - Luz Inés respondeu -. Depois, há os mapas do corpo.
- Mapas Corpo? - Gabriel perguntou com as sobrancelhas levantadas -.
Eu não tinha ouvido falar sobre isso.
- Nos mapas do corpo utiliza-se marcadores, papel e pinturas para representar visualmente os
corpos, registrando os vestígios de sofrimento e violência.
- Com que finalidade? - perguntou Melisa.
- Aqui o assunto de experiências traumáticas que ameaçam o corpo humano é abordado.
Estupro, abuso sexual, tortura, mutilação … são as experiências mais difíceis de narrar.
Tradução Lauren Moon
Claudia olhava para Olivia com um olhar penetrante. Olivia se ruborizou.
- As vítimas preferem permanecer em silêncio. Métodos como este lhes permitem expressar o
inenarrável. As imagens construídas tornaram-se símbolos de experiência, as respostas e as emoções
do indivíduo e como eles vivem em seu corpo
concluiu Claudia.
- Ora, certamente essas pessoas viveram ao som de salvem-se quem puder
- Melisa respondeu.
- Eles aprenderam a terrível tarefa de lidar com a morte de diversas maneira
- concluiu Gabriel consternado e admirando a capacidade de lidar com tanta dor que tinha esse grupo
de profissionais.
Naquele momento, uma empregada veio e perguntou por Olivia.
- O arquiteto –está esperando por vocês na casa.
- Obrigada, Pilar, já vamos para lá.
- Eu receio que estamos com o tempo contado - aduziu Gabriel -. Vamos ver os planos.
Ele pegou a mão de sua esposa e ficou em silêncio. O arquiteto Alberto Carbonell estava
esperando na casa que iria reformar. Eles se reuniram em torno de uma mesa de madeira com
cadeiras ao redor para estudar uma série de desenhos que seria La Casa de Paz.
O primeiro desenho mostrava uma casa com uma grande entrada, fachada moderna, jardins, uma
lagoa um pouco ampliada e, ao fundo, um parque infantil.
Também contava com uma área de recepção, sala de espera, uma grande sala para uma
biblioteca, um escritório, uma sala para ginástica e outra à espera de algum treinamento, que Olivia
havia sugerido para aulas de bordado ou tecelagem que quisessem implementar no lugar. No fundo
era a área administrativa.
- Você averiguou sobre o terreno ao lado da casa? - perguntou Olivia ao arquiteto.
- Claro que sim, seu pai … - olhou para ela naquele momento lamentando por ter dito pai.
Olivia o tranquilizou com um gesto de mão -. Desculpeme, Olivia sussurrou o rapaz, envergonhado.
Ela ignorou o comentário e olhou para os desenhos.
Gabriel e Melisa olharam para ela com curiosidade.
-O antigo dono da casa anexou este terreno à propriedade há quinze anos.
- Perfeito - disse Olivia -. Gostaria de fazer ali um monumento em homenagem às vítimas.
O arquiteto mostrou o próximo desenho, enquanto uma empregada entrava com uma bandeja com
xícaras de café e biscoitos frescos da padaria.
Depois de quase uma hora, finalmente, eles se decidiram pela fachada do segundo desenho, que
era mais conservador; e no interior do primeiro. Eles falaram sobre um par de questões a mais e
Olivia os acompanhou até a entrada.
- Estamos surpresos -Melisa a olhava com admiração -. É um trabalho muito abrangente.
- Obrigada. Não teria sido possível sem essa equipe, é um esforço em conjunto.
Tradução Lauren Moon
- Mas eu imagino que você mover as cordas, embora pareça o contrário. Olivia sorriu.
- Amor, temos que ir - Gabriel estava impaciente. Melisa se afastou para uma cadeira onde
havia deixado sua mochila -. Deixamos Valentina com Ligia e Elizabeth, é quase hora de alimentá-la.
Olivia tem sido um verdadeiro prazer conhecê-la e quero felicitá-la, é uma grande obra - Gabriel
disse.
- O prazer foi meu. Espero que me desculpem pelo inconveniente.
Ele abraçou carinhosamente e sussurrou: - Tenha paciência. Ele é um homem ferido e um dos
melhores que eu conheço.
- Conte conosco para que o seu sonho e o de muitos se torne realidade disse Melisa, quando tirava os
óculos de sol de seu estojo -. Nós vamos dar o dinheiro para a sua casa de paz.
- La Casa de Paz será para aqueles que necessitarem. Obrigada, muito obrigada em meu nome e
das pessoas que tenho certeza que isso fará a diferença.
Melisa a afastou do grupo por um momento e caminhou de braço dado a uma das camionetes,
enquanto Gabriel se despedia do restante das pessoas.
- Prometa-me que vai ouvir Miguel.
- Por quê? O que ele tem para me dizer que já não tenha dito?
- Muitas coisas, Olivia, muitas coisas. Nada é o que parece. Você vai entender logo, não se
preocupe. Você promete?
-Eu prometo - ela disse, não muito certa de poder cumprir essa promessa. *
Quando as camionetes se afastaram pelo caminho, Olivia franziu a testa, lembrando-se do
emaranhado de conflitos que surgiram com seu retorno. Era a maior das farsantes. Era a maior dos
covardes. Estava envergonhada. Ela era como os vendedores que oferecem um produto e não são
capazes de usá-lo em casa, porque ele não era considerado de boa qualidade.
Conhecia processos do direito ao revés, mas não tinha participado deles como deveria. Não
queria sucumbir ao enorme peso de ser chamada de vítima, e é claro era isso que ela era: mutilada,
culpada, com o coração partido e autoestima baixa.
Quando Luz Inés explicou o que era feito ali, em sua volta, na cidade em que havia crescido e a
pouca distância de onde tudo havia acontecido, veio à tona a vulnerabilidade que sempre havia
escondido debaixo da máscara de eficiência. Ela queria pertencer a este grupo de mulheres que ele
viu em um dos salões, desejava seu consolo, precisava receber o abraço reconfortante de pessoas
que haviam caminhado na mão do sofrimento como ela. E queria fazê-lo não como uma assistente
social, mas como uma companheira de infortúnios. Ela realmente desejava isso. Ela estava cansada
de se fazer de durona e corajosa, quando o que ela precisava era de alguém para desabafar e dizer
que tudo ficaria bem. O único problema era o maldito pânico para confrontar a si mesma e tirar sua
dor.
Tradução Lauren Moon
“De jeito nenhum você vai se render ao medo”, ela disse a si mesma.
“Você é mais forte que isso.” *
Teresa saiu do supermercado com o carrinho de compra, quando viu Pedro encostado no para-
choque de seu carro. Quis sair correndo, porque na noite anterior não tinha dormido pensando em
tudo que aconteceu durante o almoço.
- Boa tarde, Teresa.
Surpresa ao vê-lo ali, e com as emoções confusas ao se lembrar do dia anterior, apenas
murmurou uma saudação.
Ela tinha dançado com ele duas vezes. Tinha rido e aceitado suas atenções. Deplorou o tempo
compartilhado, pois sabia ser perigoso para sua vida.
- Senhor Almarales, receio que esteja um pouco ocupada - murmurou sem olhar para ele e
abrindo o porta-malas para colocar suas sacolas de compras.
- Voltamos novamente a me chamar de senhor? Por Deus, Teresa, somos amigos. Será que você
esqueceu?
Teresa o olhava uma ou outra vez, enquanto ele se apoderava de alguns pacotes para colocar ao
lado dos que ela havia acabado de acomodar. Sentiuse ainda mais mortificada ao ver que nas mãos
de Pedro havia um grande pacote de fraldas para adultos.
- Não, eu não me esqueci, mas eu gostaria de manter distância.
- Você é assim com todos os seus amigos? Sempre distante?
- Você é impossível - disse enquanto acomodava outros dois pacotes, fazendo uma bagunça e
rasgando um dos sacos. O conteúdo derramou no chão ao lado do carro.
- Deixeme ajudála.
- Não! Não me ajude! Eu posso fazer isso sozinha - corou e pegou os itens. Os dois se
levantaram ao mesmo tempo e suas cabeças colidiram. Eles se desculparam.
- O que está acontecendo, Teresa? Eu lhe desagrado tanto assim?
Teresa poderia dizer que sim, e mantendo-o à distância. Mas isso não era verdade e ela não
gostava de mentir. No fundo de sua alma ela não queria que Pedro saísse de sua vida.
- Absolutamente - percebeu que ele respirou mais tranquilo e isso a incomodou -. Isto é errado,
isso não é certo.
- Por quê, Teresa? O que tem de mau?
- Nada, eu … sou uma mulher casada, com compromissos.
- Não me diga mais nada e vá almoçar comigo em Santa Rosa, no sábado. Eu quero ser seu
amigo, O que há de errado?
O incômodo aumentou ao perceber a vontade que tinha em aceitar.
Cansada, ela percebeu que Pedro a lia com uma facilidade impressionante. Será que ela
Tradução Lauren Moon era tão transparente assim? Teresa se lembrou que era o dia em que Enrique
fazia fisioterapia.
- Sinto muito, mas nesse dia vai a terapeuta e eu gostaria de estar ali.
- Você não pode deixar alguém responsável?
Teresa se incomodou por ele estar ciente de cada um de seus gestos. Ela poderia se ausentar,
com certeza, porque seu marido mal tinha conhecimento da sua presença, mas não parecia certo
saracotear com um homem atraente, enquanto o marido definhava ao lado do pé de manga no quintal.
- Deixeme ajudála. Aceite-me, Teresa, por favor – sussurrou -. Deixeme bloquear o caminho
para a dor que oprime.
Ela parecia atordoada, vulnerável e muito confusa.
- Eu não pedi que você faça isso.
- Não há necessidade. Eu sei o que você precisa. Deixeme entrar, por favor.
Teresa queria que a terra a engolisse, porque de repente ela percebeu que seu corpo a
empurrava a se refugiar em seus braços e esquecer tanta tristeza.
- Eu só quero que você ria, que deixe seus medos - ele se aproximou ainda mais. Ela saltou
como uma mola para a porta do carro.
- Tudo bem, eu vou com você - abriu a porta, sentou-se rapidamente e virou a chave de ignição
-. Você é um homem teimoso. Sabe disso, não?
- Sim, eu sei - ele conseguiu responder enquanto ela arrancava como uma alma que leva o
diabo.
Pedro ficou observando como desaparecia o carro ao longo do caminho. *
Miguel jogava pedrinhas na pequena lagoa.
Ela o deixou plantado. Não tinha aceitado o encontro.
Ele não poderia culpá-la.
Depois de se despedir de seus amigos, ele foi direto para o riacho. A beleza do lugar o golpeou.
Em todos aqueles anos, o lugar ia-se apagando em sua imaginação. Mas agora ele estava lá,
recuperando suas cores profundas e intensas, assim como os cheiros que acompanhavam seus sonhos.
A sucessão de lembranças causoulhe um sentimento de saudade agridoce que passeava sem
contenção peito.
“Você gostaria de uma piada, Tenente?”
Comoveu-se por cada pedra, cada penhasco, cada árvore. A primeira vez que ele a viu, o olhar
assustado que emitiram seus belos olhos.
O arrependimento acabava por miná-lo, porque havia se comportado como um idiota. Tinham
sido dez anos de amargo sofrimento, choro silencioso. Ele não desejava que a história se repetisse
mais uma vez.
Tradução Lauren Moon
Lembrava-se dela divertida, fazendo piadas e brincadeiras. Não tinha visto nada disso nessa nova
mulher que se apresentava para ele e Miguel a queria como ela era na época da ravina: inocente,
vulnerável e graciosa. Não a queria contida, série e introvertida. Embora amigável com todo mundo
sempre havia uma barreira entre ela e os outros, com certeza para se proteger de todos os ataques e
fazia bem. Mas o incomodava que essa barreira estivesse presente quando ele estava com ela. E o
que ele queria? Ele era o mais perigoso de toda essa corja de miseráveis, ele sabia disso.
Ele sabia o que tinha acontecido, sempre estaria ali; e nada o faria desaparecer. Era uma maldita
herança de sangue que teriam que lidar com isso.
Mas isso não o impediria de tê-la novamente. Faria o que fosse necessário, prometeria o
impossível, rogaria colocando sua vida em jogo, ajoelhar-seia sobre pedras quentes e andaria
estoico, submeter-se-ia ao que ela desejasse para voltar a ver o amor em seus olhos.
Precisava dela.
Era hora de criar novas experiências que ofuscassem o sofrimento. As lembranças da lagoa
eram bonitas, mas era hora de criar novas experiências.
Já estava anoitecendo. Ele voltou para a cidade, procurou por ela em sua casa, mas a empregada
disse a ele que Olivia estava na prefeitura.
Quando chegou à esquina do prédio, ele a viu sair acompanhada por William. Eles percorreram
o caminho para a casa dela. Miguel os seguiu a uma distância segura, com uma bola de fogo de ciúme
queimando seu estômago.
Deixava-o enfurecido ver como o rapaz a pegava pelo braço, enquanto caminhavam por uma
calçada e não fazia menção de soltála. Não, claro que não. Ele notou Olivia cansada e percebeu pela
primeira vez que ela andava de forma diferente de quando ele a conheceu.
Mais que isso, ele já havia percebido no dia anterior. E o dia em que ele a carregou, ela não
havia tirado a mão do joelho como se protegesse alguma coisa.
Quando fizeram sexo, ele confirmou. “Com certeza tem uma distensão ou entorse. Nada de
errado com essas caminhadas por essas terras”, pensou.
Ele a seguiu com passos lentos, mas determinado, enquanto eles caminhavam como se
estivessem dando o passeio de suas vidas à luz da lua. “Que romântico, esse bastardo.”
Não gostava daquele ridículo, por olhar para Olivia como ele olhava, por segui-la, por escolta-
la e por carregar a maleta com seu laptop e que só ele deveria carregar. Era ele quem deveria estar
ao seu lado, acompanhando-a.
Ele contraiu a barriga ao ouvi-la rir dos comentários de William. Com ele, no entanto, quase
nunca sorriu. Bem, ele também não lhe deu motivos.
E se agora ela o convidasse para acompanhala ao pequeno apartamento? Simplesmente, ele bateria à
porta, e iria tirá-lo a pontapés.
Graças a Deus, limitou-se apenas em acompanhala até a entrada. Ele se despediu com um beijo
na bochecha, o que fez Miguel ranger os dentes.
Atravessou a rua pronto para enfrentá-la e falar com ela, quando Oscar o chamou: Tradução
Lauren Moon - Senhor Robles, eu preciso falar com você - disse o homem que acompanhava Olivia
em suas incursões na região.
Ele era um homem de cerca de quarenta e cinco, de estatura mediana, rosto bem-humorado.
Miguel não conseguia parar de pensar no que tinha acontecido aos chefes de Olivia por não terem
colocado uma escolta melhor para ela, alguém mais preparado em segurança. Oscar desempenhava o
trabalho motorista muito bem, mas para proteger Olivia, faltava-lhe a preparação. Não tinha nada
contra o bom homem, mas Miguel pensava que Olivia precisava do seu lado de um homem com a
aparência de um doberman, não de um filhote de cachorro labrador.
- O que houve, Oscar? - perguntou Miguel, desejoso por se livrar dele e falar com Olivia. Mas,
o que o homem lhe disse a seguir deixou suas intenções para depois.
- Eu tenho notícias. Sei quem disparou no jipe – soltou o homem em um tom de voz tranquilo.
Miguel o agarrou pelo braço e perguntou quem tinha sido -. Fabio Gutiérrez.
- Miguel puxou o homem para o lado e pôs as mãos à boca.
- Enlouqueceu, Oscar? Fabio Gutierrez?
- Sim senhor.
- E de onde você tirou essa conclusão?
- Porque eu mesmo o vi. Observei a cor da camisa e no mesmo dia eu voltei a vê-lo, e ele usava
a mesma camisa. Quando ele me viu, virouse e desapareceu no final da rua.
- Isso não é possível, você deve estar enganado. Que razão poderia ter Gutierrez para atentar
contra a vida de Olivia?
- Eu não sei muito bem o que aconteceu durante esses anos, Sr. Robles, mas sei que ele culpa
Ruiz e Olivia pela morte de sua filha.
- Fernanda morreu? - perguntou, chocado com a notícia. Ele lembrou da moça em seus dois
encontros: o primeiro na praça da cidade, e o outro na fazenda no dia em que enterrou seu pai.
- Sim, ela morreu poucos dias depois de você deixar a cidade, mas as pessoas ficam em
silêncio, e ninguém fala das circunstâncias. Na verdade, acho que ninguém sabe ao certo o que
aconteceu.
- Por que ele culpa Olivia? O que é esta afirmação?
- A menina Olivia estava com Fernanda quando ela morreu.
Miguel estava atordoado. “Era um fodido mistério tudo aquilo que cercava aquela maldita
época”
- Não entendo absolutamente nada, Oscar.
- Quando conversar com o agressor, esclareceremos as coisas. Eu tenho o meu sobrinho
vigiando a casa e neste momento não há ninguém.
- Se ele suspeitar que você sabe, acredite em mim, não aparecerá facilmente.
- Talvez o senhor tenha razão.
- Avise-me pelo celular quando ele aparecer, não importa a hora. Vou mandar um dos meus homens
render seu sobrinho amanhã cedo.
- Muito bem, Senhor Robles.
- Quem mais você acha que pode saber o que aconteceu naquele dia?
- Bem, além da menina Olivia e sua família, os homens de Ruiz. Mas esses já não estão mais
aqui.
- Bem, obrigado por tudo, Oscar. Amanhã vamos conversar. Não baixe a guarda, por favor.
- Claro que não. Boa noite, Senhor Robles.
O homem desapareceu na distância. Era tarde demais para importunar Olivia, embora não se
importasse nem um pouco em se infiltrar em seu apartamento e em sua cama, onde ele provavelmente
já estaria descansando. Eu queria provála, beijá-la e amá-la como Deus planejou.
Soltou um suspiro de anseio ao imaginar, enquanto observava o pequeno apartamento. Amanhã
cedo viria buscala e conversariam. Sim, senhor, já era hora de descobrir o que diabos aconteceu
aqui.
“Até quando os mistérios e os segredos, Olivia? Até quando?
Capítulo XVIII
- Senhorita Olivia, o senhor Robles a procura. Ele está na sala.
Olivia estava dando uma compota de frutas para seu tio Enrique. O
ancião comia com apetite e sorriu no processo. Ela estava nervosa, mas atender seu tio a
acalmava. Meditou sobre o que tinha a intenção de fazer naquele dia. Não tinha certeza de conseguir
fazê-lo. Ante o anúncio de Tránsito, sua preocupação cresceu. Se não recebesse Miguel aqui, ele iria
importuná-la em outros lugares.
- Diga a ele que já vou atende-lo e ofereça um café.
Arrumou seu cabelo em um gesto nervoso. Tentou acalmar as batidas traiçoeiras de seu coração.
- Bem, bem, o jovem madrugou disse Teresa, que naquele momento entrava no quarto.
Olivia não respondeu e foi para a sala onde o homem estava a sua espera.
Miguel andava pela sala de um lado para o outro com flores parecidas com as do dia anterior,
sem realmente saber o que esperar, se eles iriam expulsá-lo a pontapés, se Olivia se negaria a vê-lo
e, com toda razão, ou simplesmente não aceitaria o que ele tinha a dizer. Ele arrumava seu cabelo e
ajustava sua calça com gestos estranhos a ele.
- Bom dia, Miguel.
Ele sorriu e entregou o buquê. Cumprimentou-a, aproximouse e beijou sua bochecha. Suas mãos
tremiam.
- Elas são lindas, vou colocá-las na água.
O buquê era de margaridas de cores diferentes acompanhadas de jacintos.
Tránsito chegou com um vaso de água, onde Olivia colocou as flores. Queria iniciar a conversa
com uma piada.
- Você teve problemas com sua tia pela poda hoje?
- Sim, alguns. Se eu fizer isso de novo, ela prometeu me expulsar a vassouradas.
Olivia sorriu. Ela não parou de olhar para ele, ao organizar as flores.
Alguma coisa havia mudado nele, ela podia sentir isso. Tinha detectado uma mudança de atitude
assim que o encontrou na sala. Era uma transformação profunda, evidente, como se já não tivesse
mais o peso do mundo sobre seus ombros. Miguel olhava para ela como a olhava na época em que
iam à ravina, com ternura e saudade.
Miguel sorriu, não como eu costumava fazer nos dias anteriores, zombando, arrogante,
ironicamente. Não. Esse era um sorriso diferente, sincero, humano, e com os olhos carregados de
emoção.
- Você descansou?
Tradução Lauren Moon
- Sim alguma coisa.
Miguel levou uma mecha de seu cabelo que se soltara do coque e a colocou atrás da orelha. Ela
se afastou.
- Esperei por você na ravina.
- Estava ocupada.
Como dizer que tinha sido incapaz de voltar, que morria por voltar a esse lugar?
- Temos que conversar, Olivia.
Miguel estudou o rosto que ele conhecia tão bem e que estava gravado a ferro no fundo de sua
alma. Desejou poder voltar no tempo e remover tudo o que tinha ferido a mulher bonita a sua frente.
Não apenas estudava suas feições e sensualidade, também assimilava sua aura, sua força, sua
generosidade e sua tristeza.
Dois dias eternos meditando sobre a melhor forma de abordar a questão da morte de seu pai
com ela. Dois dias de merda e ainda não conseguia encontrar as palavras certas. Queria que ela
soubesse que tudo estava diferente, não queria ver a expressão de cautela em seu rosto sempre que
ele se aproximava. Ele engoliu em seco e se apoiou na frase mais simples.
- Eu sei que você não teve nada a ver com a morte de meu pai.
Um sentimento se mexia e remexia no peito Olivia. Seu coração hesitou. Seus ouvidos zumbiam e ela
acreditou que não tinha ouvido direito.
- Desculpeme, mas o que você …?
- Que você não tem nada a ver com a morte de meu pai.
A indignação saía dela como baforadas de fumaça que procuravam sufoca-la.
- Miguel …
-Por favor - ele a silenciou levando um dedo a sua boca. Desenhou uma carícia pelo contorno
de seus lábios -. Perdoeme.
Ela quebrou o contato e recuou alguns passos. Um pedido de desculpas era a última coisa que
Olivia tinha esperado. Ele respondeu com um toque de um sorriso, incrédulo.
- Por que você está me pedindo desculpas? Por que não acreditou em mim? Por toda sua
grosseria? Quem pode me garantir que isso não é nada mais do que uma brincadeira de mal gosto de
vocês?
Era natural a confusão de Olivia. Miguel tentou deixar que isso não o abalasse. Era obvio que
não seria tão fácil fazer com que ela confiasse nele outra vez.
Ainda assim, era uma mulher generosa, que havia tratado de consolá-lo infinitas vezes.
Ele não a merecia. Precisava leva-la a um lugar de seus sentimentos onde pudesse esquecer o
passado. Um lugar onde seu amor funcionasse. Suas palavras fugiam, queria apenas consolá-la, mas
definitivamente era trabalho dela tratar com toda essa sensível porcaria.
- Preciso de você em minha vida. Precisamos um do outro.
Tradução Lauren Moon No rosto de Olivia passava um número ilimitado de emoções: inquietação,
dúvida, desejo. A indignação ainda estava presente, mas bastante atenuada ao ver, por fim, uma
amostra do Miguel de dez anos atrás. Não queria ter esperanças, mas…
Em sua vida, Olivia mostrava a faceta de mulher firme e capaz, que com ações deliberadas
forjava seu dia, mas no fundo estava essa outra mulher que precisava de amor e de aprovação, que
sempre a manteve em separado, para sua saúde mental, sempre colocando um pé após o outro.
Agora, nesta cidade e com essas pessoas que todos os dias ensinavam-lhe coisas novas, sentia
diminuir a distância entre essas duas mulheres e ainda mais com a proximidade de Miguel e suas
novas atitudes. De qualquer maneira, ela se debatia.
- Não confiamos um no outro. Nem se quer somos amigos.
Ele deu um passo para a frente, agarrou-a pelos dois braços e sussurrou com voz rouca: - Eu
quero ser seu amigo! Seu homem! Seu amante! A pessoa para ajudá
la em tudo! - ele a liberou e batendo no peito repetiu -: Eu e só eu!
- Desejo tanto acreditar nisso.
- Sinto muito, sinto muito, sinto muito… – e de imediato sentiu uma urgência de se arrepender
de todas suas ações, e eram tantas, que sabia que o tempo não seria suficiente para redimi-la e
redimir-se, mas ele iria tentar.
No pesado silêncio que se seguiu quis vestir-se de humildade e paciência para mudar seu olhar
incrédulo pelo olhar que ele amava, mas a angústia impetuosa de que não o perdoasse, misturada
com o desejo de sentir seu calor, de inalar seu cheiro, de sentir a pele dela, fez com que fechasse o
pequeno espaço entre eles.
Ele moveu uma de suas mãos para sua nuca, puxou-a para si e devorou seus lábios com um beijo
avassalador, cheio de paixão, promessas e ternura. Estremeceu dos pés à cabeça ante doce a
aceitação de Olivia.
Olivia beijou apaixonadamente aquela boca. Amava sua textura, seu cheiro de homem e a
firmeza das mãos que percorriam suas costas. E quando ele introduziu a língua em sua boca, ela a
abriu imediatamente ansiosa para recebêlo.
Miguel a capturou ainda mais. Seus lábios viciantes, além do aroma doce e picante tão dela,
deixaram-no louco. Levou as mãos ao traseiro de Olivia. Em seguida, subiu novamente a suas costas.
Ele não tinha a intenção de tocar em seus seios, mas alguns segundos depois, mandou seus temores
para o fundo de sua mente e levou suas mãos aos mamilos de Olivia.
- Miguel, detenha-se, por favor… sussurrou consternada ao ver que ele já desabotoava o botão.
Ele se separou do corpo da mulher. Apoiou sua testa na de Olivia, respirando com dificuldade,
rodeou o rosto entre suas mãos. Percebeu que seu amor por ela sempre tinha sido maior do que seu
ódio, e que nada e ninguém nunca apagaria esse sentimento.
- Não diga mais nada, Olivia. Vai ficar tudo bem, porque você e eu nos conhecemos muito bem.
É apenas questão de tempo.
Tradução Lauren Moon
Ele percebeu a desconfiança, o medo e o infeliz muro que sempre se levantava entre eles.
- É difícil de quebrar as barreiras que nos separaram todos esses anos.
- O que você está me escondendo, Olivia? O quê?
Ele não quer dizer nada ainda sobre o pai de Fernanda, antes de ter alguma certeza. Sem olhar
para ele, Olivia apenas disse: - Tenho que ir trabalhar.
Miguel decidiu deixála em paz. Ela havia aceitado suas flores, seus beijos, suas carícias. Não o
expulsou a pontapés, como ele merecia. Depois do seu comportamento na noite anterior deveria se
dar por satisfeito.
- Estou ocupado com uma exportação que devo preparar, nos próximos dias, mas você vai estar
acompanhada. Pedi a Gabriel para deixar alguns de seus homens. Vão acompanhala onde você for.
- Como você se atreve, Miguel?
- Sim, eu sei, eu sou abusivo, arrogante, dominante e blá blá blá … Mas a sua segurança não
está em discussão - olhou-a com um gesto presunçoso que fez brilhar os olhos de Olivia -. Até que eu
descubra quem deseja prejudicá-la, você deve evitar riscos - acariciou sua bochecha. Ele queria
perguntar sobre o pai de Fernanda, mas seu instinto não permitiu.
E sem dizer mais nada, deu-lhe um beijo suave na bochecha e disse: - Eu juro por Deus que
minhas intenções são sérias e eu juro que você voltará a ser minha, nada vai me impedir de amá-la –
aproximouse de seus lábios e fez menção de beijá-la, mas a soltou -. Até logo, minha Olivia.
Seria fácil para Olivia esquecer o passado e deixar tudo para trás. Mas como fazer isso? Como
voltar a confiar nele? E se fosse uma mentira?
Eu não sabia se ria ou se chorava.
Com a mente um pouco confusa, ela foi trabalhar. Ainda era cedo e já estava suando em bicas.
Ela olhou para o céu nublado, ia chover naquele dia. Enxugou o suor da testa com um lenço, comprou
uma garrafa de água em uma loja na esquina de sua casa e teve vontade de voltar para casa e trocar a
camisa, que já estava ligeiramente úmida de suor, mas pensou que não era prudente porque em pouco
tempo suaria ainda mais. Os guardas que a custodiavam estava a uma distância segura.
Ainda perplexa, passou em frente ao pequeno edifício onde estava a Ação Social, parou de
repente e entrou.
Como seria experimentar o sentimento de dizer a alguém sobre sua tragédia pessoal?
Pouquíssimas pessoas sabiam: sua família, Claudia e William. Como reagiria Miguel? Dias atrás,
nem mesmo teria levantado esta questão, mas agora …
Ela pressentia que era apenas uma questão de dias para ele descobrir.
“Devo ter coragem”, pensou enquanto observava o local pequeno e limpo.
Dirigiu seus passos ao local da reunião. Sua escolta a esperou na entrada. Ao chegar à porta da sala
estava paralisada de tanto nervoso. Sentiu seu coração na boca.
Tradução Lauren Moon Olivia permaneceu alguns segundos com a mão na maçaneta da porta,
disposta a entrar e enfrentar sua maior dor, mas não conseguiu. Simplesmente, decidiu ver o grupo
que trabalhava naquele dia em uma das várias atividades. Havia dez mulheres no salão de beleza.
Elas contavam suas vivências e experiências, ações que serviram para provar que não estavam
sozinhas e, assim, fortalecer os laços de amizade.
Ele voltou para a porta de entrada do edifício.
“Será em outro dia.”
*
Miguel tinha muito trabalho acumulado, e naquela noite ia atualizar a papelada da fazenda e
revisar os últimos números que havia deixado com o contador naquela tarde.
Seu celular tocou. Ele viu na tela quem estava chamando. “Bem”, ele pensou consigo mesmo
enquanto atendia a chamada.
- Jaime, o que há de novo lá?
- Ele está na casa, e chegou há dez minutos.
- Já vou para lá. Mantenha-o vigiado.
Ele desligou o computador e se levantou. Finalmente ele saberia os motivos do homem para
querer acabar com a vida de Olivia. A certeza de que nessa noite iria enfrentar um pedaço da
verdade acelerou seus batimentos cardíacos.
Ele foi para uma parte da biblioteca onde ele guardava suas armas. Abriu com a chave que
sempre levava com ele, e carregou uma pistola entre outras duas que estavam no compartimento. Era
um revólver calibre trinta e oito, nove milímetros, que era seu desde que ele era da escolta. Ele não a
usava há algum tempo, mas a sensação familiar de segurar, caminhou por suas mãos. Ele pegou
algumas balas da caixa de munição que estava ao lado das armas. Miguel era a favor d e que se
andasse com uma arma, ela sempre deveria estar carregada. A adrenalina o invadiu diante da ideia
de defender o que ele considerava seu.
Acomodou sua arma no cinto e saiu com passos sigilosos até o local onde estavam as
camionetes para evitar encontrar com algum empregado ou com sua mãe.
Em menos de dez minutos estava na porta da casa do homem. Era uma casa pequena, pintada de
branco com a porta em cor marrom.
Ela bateu com os nós dos dedos, abruptamente.
- Quem é? - perguntou uma voz de dentro da casa, e era essa voz que todos conheciam porque
era a voz do dono do maior do negócio de vestuário, que ficava em torno da praça.
- Não pergunte e abra a porta.
- Quem é?
- Miguel Robles. Abra a porta ou vou derrubá-la, você escolhe.
Percebeu que o homem destrancou uma espécie de tranca, então, finalmente, a fechadura e, por
fim, abriu a porta.
Tradução Lauren Moon
- O que traz você a minha casa a esta hora, Miguel? - perguntou a um homem magro, de estatura
mediana e cabelo preto ondulado.
- Você sabe melhor do que eu Miguel percebeu que o homem estava intimidado pela sua
presença e isso o enfureceu ainda mais. Ele era culpado, podia lê-lo como a um livro aberto -. Por
que disparou em Olivia?
O homem olhou para ele com os olhos febris, ele parecia exausto e pálido e tinha olheiras
profundas, como se não tivesse dormido em dias. Por persistir em seu silêncio, Miguel o encurralou
contra a parede e o agarrou o colarinho. Ele o balançou uns segundos a mais.
- E o que isso lhe importa?
Miguel sabia que este homem não iria falar tão facilmente. Ele pegou a arma e a deixou
engatilhada.
- Vai me responder mesmo que não queira. Fale!
A mão esquerda de Miguel segurava firmemente o revólver e imobilizava com mão direita na
garganta do homem sem exercer a força necessária para enforcálo.
O homem estava com medo, mas seus olhos tinham uma determinação fria. Miguel forçou
ligeiramente a pressão de sua mão. Nesse momento, o rosto do sujeito se contorceu, tingiu-se de
vermelho e todo o ódio e o ressentimento acumulados vieram à tona: - Essa prostituta é a culpada
pela morte de minha filha! - gritou para Miguel, que ficou surpreso com a explosão.
Miguel deu um soco na cara do homem ao ouvir chamar Olivia de prostituta: - Respeite-a, filho
da puta!
Fabio Gutiérrez levou a mão ao nariz que começava a sangrar: - Por culpa dela eu perdi tudo
que eu tinha. Minha filha pisou em uma mina. Ela a matou.
- Sinto muito o que aconteceu com sua filha, mas o que Olivia tem a ver com isso? - perguntou
sem afrouxar pressão do punho sobre a camisa do homem e ao mesmo tempo para baixo.
- Olivia estava lá!
- O que você quer dizer com isso?
- Tanto tempo desfilando ao redor dela e não percebeu?
O rosto de Miguel ficou confuso. Esses mistérios o incomodavam e nisso Olivia havia se
convertido: em um maldito enigma.
- Fale claro, infeliz! – aproximouse mais dele, cuspindo suas palavras e pressionando mais seu
pescoço.
- Não vou lhe dizer mais nada! Miguel estava furiosos porque não tiraria mais nada dele.
- Fale!
- Atire em mim, assim acabará com esta dor de uma maldita vez.
Tradução Lauren Moon
- Vontade não me falta.
- Minha vida acabou no momento em que eu perdi minha querida Fernanda.
- Mas isso não é desculpa para andar atrás de Olivia, tentando feri-la.
Os olhos do homem já não refletiam lembranças. Seu olhar voltou a tornar-se duro.
- Alguém tem que pagar pelo que aconteceu com a minha menina.
- Esse alguém não será Olivia.
- Você não sabe muitas coisas.
Miguel insultou entredentes percebendo que a teimosia do homem e que não ia tirar mais
nenhuma informação. Ele o levantou sem afrouxar a pressão de sua mão, o homem estava na ponta
dos pés. Com os olhos vidrados ele retrucou: - Volte a aproximar-se de Olivia, seu filho da puta, e eu
vou explodir sua cabeça - o homem empalideceu ante a intensidade de seu olhar e o tom baixo e
irritado em que foram proferidas as palavras “A menos que queira que eu acabe com a sua vida
bastardo”, ponderou Miguel para ver o rosto do homem diante de sua ameaça -. Ficou claro?
O homem não disse nada, mas Miguel não precisou emitir mais ameaças: cada linha de seu
corpo e a expressão de seus olhos eram uma ameaça em si.
“Que diabos aconteceu?”, se perguntou Miguel ansioso para ir e acordar Olivia. Eu queria
alertar às autoridades, mas desistiu. Iriam exilá-la da região e não a queria fora de sua vida tão cedo.
Ele iria se encarregar de lidar com a situação, manter um olho sobre este bastardo.
Miguel precisava descobrir as circunstâncias da morte Fernanda e como isso afetava Olivia e
porque este homem a culpava. Ele estava cansado de mistérios.
Com ele iria conseguiria mais nada, a única que poderia esclarecer os fatos era precisamente
ela, que também não queria para falar mais sobre o assunto. Ele iria tentar novamente no dia seguinte.
Tiraria a verdade como fosse necessário.
*
- Tia, o que está acontecendo com Pedro?
Olivia não deixou de perceber o rubor de sua tia e de como sua mão tremia um pouco ao
colocar a colher de açúcar em uma xícara de água aromatizada canela que repousava sobre um
pequeno prato.
- Não há nada de errado com aquele homem. Porque pergunta?
- Porque você fica nervosa quando ele está por perto.
Teresa riu.
- Bobagem.
Elas estavam sentadas à mesa na hora do café da manhã. Havia uma bebida de chocolate, frutas
picadas, torradas morenas recém-saídas da torradeira.
- Tem certeza?
Tradução Lauren Moon - Somos apenas amigos.
- Nada mais?
- Nada mais.
Ela não iria insistir, então, bebeu dois goles de chocolate e com um beijo se despediu de Teresa.
Ela não quer demonstrar suas suspeitas. Ela temia que esse homem brincasse com os sentimentos e
vulnerabilidade de sua tia. Não permitiria isso, já tinha sofrimento suficiente no reboque para que
uma ilusão amorosa acabasse com a pouca tranquilidade que dispunha.
- Você vem almoçar?
- Eu não sei ainda, mas eu aviso.
Quando ela se aproximou da sala de reunião das mulheres vítimas de violência, seu medo mais
profundo emergia para a superfície. Ontem, depois de correr às portas da reunião, abordou Laura
Morales, uma das psicólogas do projeto. Ela havia realizado uma entrevista preliminar e a
convidado para uma reunião a ser realizada no dia seguinte. Havia resolvido assistir quando a
madrugada a encontrou encharcada de incertezas e esperanças; o sol veio em meio a uma vigília
tranquila e deu-lhe forças para enfrentar o dia.
No entanto, na reunião a covardia tratava de ganhar seu espaço. Ela desejava fervorosamente
estar em outro lugar, e não ter que fazer o que era um dever moral para ela agora. Essas pessoas lhe
entregaram sua confiança, já era hora de ela pagar com a mesma moeda.
A psicóloga encarregada da sessão a recebeu um gesto amigável.
Estavam reunidos em uma pequena sala em que havia uma dúzia de mesas, uma placa e
diferentes artes e atividades das mulheres nas paredes. Na frente havia uma mesa com um gravador,
papel e lápis.
A psicóloga começou a falar.
- Meu nome é Laura Morales, e você são bem-vindas. Antes de mais nada, deixeme felicitá-las
por estarem aqui. Esta será uma grande experiência. Vocês vão deixar este lugar sentindo-se
diferentes.
As mulheres lançaram olhares curiosos a Olivia. Elas estavam longe de imaginar o que a tinha
levado naquele dia a se juntar a elas.
- É o que eu espero, doutora - disse uma mulher de cerca de trinta anos de idade e com olhos
marrons de olhar profundo.
A psicóloga sorriu enquanto entregava alguns novelos de lã de cores diferentes.
- Vocês são mulheres muito corajosas - ela continuou - fortes, empreendedoras e ousadas que
desejam superar o gosto amargo de suas vidas, esse evento que marcou o antes e depois.
As mulheres ali eram pessoas simples do campo que haviam feito um esforço para deixar seus
afazeres para estarem lá naquele local. Eram mulheres corajosas que queriam enfrentar os fantasmas
do passado por um futuro melhor para si e para seus futuros descendentes.
Tradução Lauren Moon
- Não precisamos silenciar nossas experiências. Quando isso acontecer não devemos considera-
los privados.
- Eu não quero que ninguém saiba o que aconteceu comigo - disse uma das mulheres.
- Haverá confidencialidade tanto de nossa parte como dos membros do encontro. Repito, suas
experiências estarão dentro do âmbito do inquérito e será feito um relatório delas, mas seus nomes
não serão divulgados. Ficou claro?
- Sim - responderam as mulheres em coro.
- Vamos começar a trabalhar. Algumas mulheres parecia um pouco temerosa.
- Ninguém disse que era fácil, e fazemos isso para nos curar.
Olivia concordou com cada uma das palavras da psicóloga. A mulher explicou que o processo
de construção da memória histórica era essencial reconhecer e divulgar as vozes daqueles que foram
afetados para evitar a impunidade e esquecimento. Estes encontros e processos seriam utilizadas
como ferramentas de construção. Tinham que mudar a esteira da pena, mudar a percepção de vítima
pela de sobrevivente. Afinal foram fatos que deixaram uma marca profunda na vida dos colombianos.
Naquele dia, Laura decidiu trabalhar com o sistema da teia de aranha e disselhes que era uma
atividade oficina para integrar as pessoas e criar um clima de confiança. A imagem visual da teia de
aranha facilita a construção da memória histórica como um processo compartilhado.
Laura Hanks distribuiu novelos amarelos, azuis e rosas entre duas mulheres e ela. Lançou o
novelo amarelo para uma mulher de vinte e cinco anos, de cabelo preto e olhos castanhos.
- Faça uma breve apresentação e segure firme a meada.
- Meu nome Nieves Cabrera e voltei para San Antonio após seis anos de ausência.
- Agora, faça do mesmo modo apontou para a mulher que estava ao seu lado.
- Meu nome Presentación González e vivo, na aldeia de La Chiquita.
Mataram meu menino de nove anos lançou o novelo para outra mulher.
- Meu nome é … isso é uma estupidez - disse a mulher e jogou o novelo no chão -. Cada vez que
eu fecho os olhos eu vejo o corpo do meu filho e do meu sobrinho. Não haverá tratamentos ou
terapias que possam me ajudar. Tenho a imagem de seus cadáveres impressos em minha memória -
observou Olivia de mal modo e deixou o local batendo a porta.
Laura agarrou o novelo imediatamente com a outra mão.
- Continuemos.
Olivia jogou o novelo para outra mulher e, em meio a fios tão entrelaçados de lã, assim como
estavam entrelaçadas as emoções contidas na sala, entre vermelho, laranja, verde, azul e amarelo,
percebeu que a vida lhe ensinou algo transcendental e que custava um trabalho enorme para decifrá-
lo. A própria vida teve Tradução Lauren Moon pena dela e trouxe uma série de percalços para
elucidar suas emoções. A vida lhe ensinou que ela nunca tinha tido tempo para pensar sobre seus
próprios sentimentos, que os havia coberto com uma camada de culpa e ressentimento bem
camuflada, sob o disfarce de mulher prática e eficiente, cheia de casos não resolvidos para evitar
pensar em suas próprias bagunças, quando na verdade ela se sentiu impotente e incompleta.
Envolveu seus sentimentos na teia de cores e reparou nos olhos da mulher que segurava o fio.
“Não me abandone, por favor”, seus olhos pareciam dizer.
Sim, era hora de liberar o sofrimento que havia capturado sua alma.
- Eu me chamo Olivia Ruiz foi vítima de … – sentiu que as palavras engasgavam. Não era nada
fácil compartilhar uma de suas maiores dores. Sua mente ficou em branco e sua língua se negou a
cooperar. Ela a sentia seca e grudada no céu da boca. Seu coração retumbava e acreditou que se
afogaria. Respirou fundo até que o ar voltou ao seu corpo -. Sou vítima do meu pai. Uma mina acabou
com a vida de minha melhor amiga e me deixou sem uma perna.
Tradução Lauren Moon
Capítulo XIX
Durante parte da manhã Miguel esteve reunido com técnicos veterinários e de zootecnia para
finalizar os detalhes da próxima exportação de gado. Acertou prazos de entrega, falou com
transportadores de gado e selecionou pessoal para acompanhar a carga, mas não conseguiu se
concentrar. Algo lhe escapava, uma ligeira inquietação povoava sua cabeça. Ele estava perdido em
pensamentos, lembrando-se das palavras do pai de Fernanda. Se Olivia tinha ido com sua amiga,
então alguma coisa tinha que ter acontecido sem contar o grande trauma e depressão que ainda a
oprimia. Um pequeno buraco de pesar instalou-se em seu peito.
Onde ela seria? Não podia vê-la em sua casa. Ia procurar por ela qualquer lugar, pensava,
enquanto um dos técnicos explanava um par de problemas. Lembrou-se de seu tempo no Exército e
como um dos soldados de patrulha pisou em uma dessas malditas minas. O pobre homem morreu
preso em poucas horas. Mas seu companheiro…
Três segundos depois, saiu como uma alma que leva o diabo, deixando todos com de boca
aberta. Sem prestar atenção ao que Pedro estava falando, subiu na camionete. A tensão era evidente
em seu rosto.
Ele coloca um pouco de música para tentar se acalmar e não pensar sobre a ideia de que tinha
começado a germinar em sua mente. As coincidências eram enormes.
Na prefeitura, informaram onde estava quem ele estava procurando. Foi à sede onde Olivia
estava reunida com um grupo de mulheres.
Passando por uma porta, claramente ele ouviu a voz de uma mulher: - Meu nome Engracia
Pachón - falou a mulher angustiada-. Eu não fui embora, então, eles puseram uma arma em cima de
mim com o que eu estava vestindo assim como os meus dois filhos. Toda vez que dizem deslocadas,
eu fico com raiva.
Deslocada é uma pessoa que vai de um lugar para outro. Eu era uma semterra. De mim,
arrancaram minhas raízes, meus sentimentos e parte da minha família. Isso não tem nada a ver com
um deslocamento.
- Bem, agora vamos observar a teia de aranha. O que ela nos mostra?
- Que estamos entrelaçadas - disse Presentación.
- O que mais?
- Que todos têm algo triste para contar.
- O que aconteceu aqui? Isso é o que desejam saber. Por que isso aconteceu comigo e não a
outra pessoa? - disse a psicóloga -. Por que deveríamos nos lembrar? Isso é o que nós encontramos
neste processo.
- Olivia, nós queremos ouvi-la. Tradução Lauren Moon Olivia se virou para enfrentar o seu medo,
levantou o rosto e começou sua história.
Miguel se apoiou em uma parede ao lado da porta. Com os olhos arregalados e coração
batendo, escorregou até o chão, juntou seu rosto em seus joelhos e escutou.
“Eu estava com muita raiva. Tantas coisas tinham acontecido em poucas semanas. A morte de
Santiago Robles nas mãos dos homens de meu pai, perder o amor de Miguel. No dia anterior eu
havia sabido que a família Robles tinha deixado a região. Toda vez que eu pensava nele e no que
havia acontecido, meu coração murchava como uma uva passa. Queria enfrentar meu pai,
reivindicar, dizer que eu o odiava. Decidi ir ao único lugar que conhecia e que pensava que
poderia estar. Era uma pequena fazenda a quatro quilômetros da cidade. Lembrava daquele lugar
perfeitamente, porque passávamos os finais de semana ali, quando era menina e meus pais ainda
estavam juntos.
Decidi pegar o caminho que rodeava o rio, eu não queria ir pela estrada porque às vezes os
homens de meus pais montavam barreiras e eu não queria que ele soubesse. Lembro-me que fazia
calor e a caminhada pela mata não era nada agradável.
Fernanda falava sem parar e desfrutava o que para ela era uma aventura. Eu tinha ido preparada
e levava água em um cantil e uma mochila com alguma comida. Seu pai não sabia nada de sua
escapada e quando soubesse, temíamos que o castigo fosse grande.
Olivia sorriu com uma saudade amarga.
Ela era minha melhor amiga. Graciosa e muito inteligente.
O olhar penetrante e angustiado de Olivia estava fixo em um ponto distante.
Ao chegar no limite da fazenda, lembro-me como se fosse hoje, a paisagem mudou, mas
naquele momento não dei importância. Estudos nesse tempo anos depois me ensinaram que o
lugar estava preparado, que estava semeado, ou melhor dizendo, que havia mais minas. Mas para
nós duas, apenas uma delas bastou. O silêncio mandava uma parada.
Não suspeitei de nada. Só me veio à cabeça a imagem de minha mãe, dizendo para eu tomar
cuidado.
O terreno estava escorregadio, por causa de um aguaceiro que havia caído na noite anterior.
Olivia ficou calada por uns minutos; lembrou-se do momento aterrorizante que havia mudado
sua vida.
Fernanda deu um pulo para escapar de uma poça d’água e alcançar uma das pedras, eu a
segui, quando de repente uma explosão que, senti como se fosse um forte tapa na cara, me fez voar
pelos ares. A explosão me deixou surda. Com um vazio imenso no estômago, sofri o golpe da queda
violenta e um impacto desta vez na parte posterior da cabeça.
- O que houve? - foi tudo que eu consegui perguntar.
Tradução Lauren Moon Para entre uma névoa de dor e ansiedade eu vi onde havia ficado o corpo
de Fernanda, destruído.
Havia lama misturada com sangue por toda parte. Ao olhar para a minha perna esquerda, de
onde vinham as dores, eu percebi que o pé estava destroçado.
Ela havia pisado em uma mina antipessoal13 ou popularmente chamado de mina quebra-perna.
Eu chamava Fernanda em meio a minha própria dor, minha amiga que, ainda estava consciente a
poucos metros de mim.
Eu só podia um gemido lamentoso.
Eu não perdi o sentido em nenhum momento. Padecia de uma grande angústia e uma sede
terrível e dor física que tinha chegado para não me deixar me abandonar por um bom tempo, e se
ninguém viesse em nosso socorro? Eu não sentia por mim, apenas por Fernanda que não merecia o
que acabava de acontecer. Eu a olhava e tentava me arrastar para o lado dela. Havia sangue por toda
parte e feridas em seu abdômen. Eu não podia ver suas pernas. Eu olhava para todos os lados e só
conseguia ver um destroço de sangue e ossos.
Eu não sabia se haviamse passado minutos ou horas. Uma camionete dos homens de meu pai
apareceu a poucos metros de onde estávamos. Com certeza, eles ouviram a explosão. Os homens
chegaram ao lugar onde eu tinha caído, eles me moveram com cautela. Surpresos, eles gritavam entre
eles ao saber quem era a vítima. Afastaram-se vários metros e fizeram várias chamadas pelo celular.
Em poucos minutos eles nos transportaram na caçamba da camionete. Eu estava com muita sede,
mas eles se recusaram a me dar água, disseram que poderia ser perigoso.
Eu não soube em quanto tempo o carro parou de repente na garagem da casa da fazenda. A
secura na boca era insuportável.
Sabia que eu tinha perdido muito sangue e tentava me manter consciente, mas a cada minuto que
passava era mais difícil.
Vi meu pai se aproximando. Uivou de angústia, dava ordens e pediu um helicóptero.
Enquanto isso, ele pegou na minha mão. Ele tentava me tranquilizar em meio aos gritos e o
corre-corre das pessoas.
Observei a culpa em cada uma das feições de meu pai.
- Este é o peso de suas ações. . se dá para você perceber - eu disse.
Ele pediu que eu me calasse. Perguntei por que ele havia feito aquilo, por que havia destruído
minha vida. Ele respondeu que eu jamais entenderia. Pediu que eu ficasse em silêncio, que guardasse
minhas forças, que eu descansasse.
Escutei a chegada do helicóptero, que aterrissou a poucos metros do local.
Um médico e um enfermeiro se aproximaram com duas macas e nos removeram rapidamente
para o equipamento. Colocaram o soro em nós duas, enquanto levantavam voo, para se dirigirem a
um dos hospitais da região.
13 Mina cuja função é destruir e cauterizar após a explosão, os membros inferiores dos
elementos atingidos aleijando-os, mas não matando-os (N. da tradutora) Tradução Lauren Moon -
Precisa avisar ao pai desta moça. Diga em que hospital estaremos - foi a última coisa que escutei
antes de cair na inconsciência.
Quando Miguel ouviu o que sentiu Olivia ao pisar naquela mina infeliz, afogou um gemido. Seus
pulmões se negavam a se expandirem, enquanto caía um dos principais mistérios que rodeavam a
vida da mulher que ele mais amava no mundo.
- Olivia, meu amor - sussurrava sem alento, enquanto batia sua cabeça contra seus joelhos.
Levantou-se lentamente, ele jurou que o chão se moveu, a voz de Olivia ecoou em sua cabeça. Não
queria pensar sobre o trauma que haviam sofrido ou enlouqueceria. Angustiava-se ao pensar na dor
que ela deve ter sentido pelo impacto com o explosivo e enquanto ele não fazia mais que refugiar-se
em seu ódio. Como ele tinha sido cego!
Como se estivesse em um túnel, ouviu o fim do relato de Olivia e, em seguida, uma outra
história, até que falaram das atividades seguintes e ouviu palavras que o devolveram à realidade:
“mapas do corpo”. Que diabos era isso?
A dor em alguns momentos ficava insuportável, e desejava irromper naquela sala, toma-la em
seus braços, tirá-la dali e dizer que a amava muito, com um amor insano, violento e possessivo que
fazia aparecer sua natureza primitiva. Que quando a via aparecer, seus batimentos se alteravam e
sentia a mesma ânsia de beijá-la que conheceu anos atrás. Queria dizer também que o fato de ela ter
perdido uma perna não mudava um ápice de seus sentimentos. Que ele daria sua própria vida para
vê-la feliz novamente.
Mas não era o momento. No momento em que percebeu que a sessão havia terminado e que se
dirigiam à porta, caminhou para a saída. Tropeçou enquanto buscava uma entrada de ar, quase
derrubou um casal que entrava no lugar. Ele murmurou um pedido de desculpas e rapidamente, foi até
a camionete.
As palavras de Olivia dançavam em sua mente. O conhecimento zombava dele impiedosamente,
zombando de dez anos de maus pensamentos e sentimentos. Com um grito que se ouviu em toda a
vizinhança, saiu em disparada pela rua principal da vila. Ele queria colocar a maior distância
possível entre a revelação e ele.
Era impossível.
As palavras estavam gravadas em seu coração.
Ele pisou no freio, apertou os olhos e travou os dentes para não desatar os gritos e o pranto.
Foi em vão.
As lágrimas brotaram sem controle de forma rápida e abundante. Ele descansou sua testa no
volante da camionete enquanto que batia no console com os punhos. A angústia que estava mantendo
à margem durante o relato explodiu de repente e sem compaixão para leva-lo a um desfiladeiro
profundo e escuro de dor.
“Minha Olivia, minha doce Olivia. Por que você, meu amor? Por que você? “
Ele se perdeu no tempo. Colocou a camionete novamente em movimento, que o levou pelo
caminho da ravina no piloto automático e sem pedir permissão. Ele Tradução Lauren Moon desceu e
chegou à entrada do bosque, invadindo o local até que ouviu o som da água.
Caminhou distraído até o lugar onde tinha visto Olivia pela primeira vez.
Ele se aproximou da árvore onde tantas vezes a encurralou, beijou e acariciou. Ele se
aproximou da beirada do barranco e, de cócoras, olhou para a lagoa onde ele a viu nadar e se
esconder dele.
Apoiou a testa nos joelhos, oprimindo seu rosto e, com os músculos tensos, resistiu à agonia que
apertava seu peito. Incapaz de se segurar, ele finalmente se rendeu e deu um rugido triste assustando
os animais locais. Ele chorou, impotente, com raiva, com essa vulnerabilidade com a qual as
crianças choram quando são privadas de um brinquedo.
Ele se levantou de repente e abruptamente, esfregou os olhos e se aproximou da árvore.
Começou a bater com os punhos, com raiva e amargura.
Era uma verdade assustadora. Ele não podia imaginar a magnitude dos sentimentos de Olivia
diante desta tragédia.
“Meu Deus! A dor que deve ter sentido! Que deve sentir! “
Com os punhos doloridos, a alma encurralada pela tristeza e a certeza de que uma vida não era
suficiente para reparar o dano que ele havia causado, foi embora para a fazenda.
Ele se trancou no escritório no final da tarde e com uma garrafa de uísque sucumbiu à
compulsão mais terrível que tinha enfrentado na vida.
Desejava ardentemente recuperar o amor de sua vida. Mas como? Seria muito difícil, ainda
mais sabendo o orgulho com que esta mulher era feita. Teria enganado todo mundo ou talvez só ele,
que por estar perdido na névoa de ódio e luxúria deixou escapar muitos detalhes?
Agora entendia por que usava jeans e botas, quando ela sempre teve orgulho de suas pernas.
Entendia por que às vezes mancava um pouco e esticava a perna, e por que tocava o joelho no dia do
ataque, quando ele a levou nos braços para entrar em casa. Entendia a confusão com a faixa no dia do
seu encontro. Se tivesse insistido em examinar seu joelho, o que teria acontecido? Tinha certeza de
que ela não teria permitido que ele a visse assim.
Era hora de parar de ignorar o homem que havia arruinado suas vidas.
Orlando Ruiz tinha culpa por tudo o que havia acontecido com Olivia, mas ele também tinha
culpa por deixala sozinha. Ela era apenas uma menina, por Deus!, tão vulnerável!, um cordeiro no
meio de feras.
Sua consciência o mordeu. Ele não tinha feito mais que magoá-la. Ele a tinha humilhado, ele a
fez sentir insignificante e a tinha usado, apenas pela raiva que o dominava por precisar dela, por
ansiá-la, por desejá-la.
Como havia sentido falta de seu amor por todos esses anos. Ele gemeu de angústia, lembrando-
se da maneira com que ele a tinha amado.
E, então, também se lembrou de como Olivia consolava as pessoas e aliviava a dor dos outros.
Lembrou-se de como ela tentou lhe dar conforto por ter perdido seu pai. Então ele se lembrou que
apenas ele tinha sido o grande caipira da história.
Tradução Lauren Moon
Enquanto ela era puro amor e fazia tanto pelos outros, quem dava conforto para ela? Quem a
ajudava consertar a sua alma ferida? Quem a consolava em sua dor?
“Perdoeme por ter quebrado seu coração tantas vezes …”
*
Amanheceu no escritório com uma forte dor de cabeça. Não foi à reunião matutina com os
técnicos veterinários. Esse dia seria para ele. Precisava de absolvição.
Qualquer absolvição, ainda que não fosse nem a dela e nem a sua.
Dirigiuse à cidade, assustado como nunca tinha estado em sua vida. Seus passos atormentados o
levaram à igreja. Fazia uma década que não visitava um templo.
A última vez que tinha ido até ali tinha sido para a missa no dia do enterro de seu pai.
O local era o mesmo, com a imagem de Cristo crucificado que tinha séculos de tão antigo. Ele
estava muito angustiado, é claro, mas o silêncio, o cheiro de incenso e de vela operaram o milagre da
calma.
Ele se ajoelhou em frente a um banco e fechou os olhos. Durante anos, ele tinha estado muito
ressentido com Deus. Não, ressentido era pouco. Ele havia ficado furioso com ele. Mas ele nunca
questionou sua existência.
Hoje, novamente com a alma angustiada procurava coragem e conforto. Ele abriu os olhos ao ouvir o
som de passos no lugar. Era o sacristão.
Ele observou como, com gestos tranquilos, colocava um par de velas em cada lado da imagem
da Virgem Maria. Seus gestos suaves e tranquilos terminaram por acalmá-lo.
Ele voltou seu olhar para a cruz.
- Senhor Jesus, aqui me tem, de volta a seus pés. Sei que não tenho sido benevolente com o
Senhor durante todos esses anos, e sei também que questionei cada uma de suas intenções. Mas aqui
me tem, Senhor, entregando minha vida e tudo que possuo para que minha Olivia seja feliz uma vez
mais. Por favor, Senhor, necessito seu amor, seu perdão e sua misericórdia. Sei que pouco mereço o
que peço, porque sou um pecador sem remédio, mas também sou seu filho.
Miguel elevou os olhos para cima, ainda de joelhos.
- Coloque sabedoria em minhas ações e palavras, eu Lhe rogo, eu Lhe rogo. Que dos meus
lábios só saiam palavras que ela necessite ouvir. Que os meus braços sejam seu refúgio e que minhas
mãos tenham a capacidade de presenteá-la com carícias que a curem. Ajude-me a dar-lhe todo amor
que ela precisa. Eu Lhe prometo que acatarei Seus desígnios sejam eles quais forem. Por ela, vou me
liberar dos ressentimentos e da raiva pela morte de meu pai pela condenação de Jorge. O Senhor
sabe o quão difícil tudo isso é para mim. Mas eu vou fazer, por ela que é tudo para mim, eu vou fazer,
Senhor. Tradução Lauren Moon
Capítulo XX
- Senhor Almarales - saudou Teresa um pouco perturbada.
- Esqueceu-se do convite para o almoço? Pedro perguntou, ansioso -. Ainda há tempo. Anime-se.
Mas Teresa não tinha muito ânimo. Não depois de uma manhã movimentada.
- O enfermeiro que cuida de meu marido não pôde vir hoje e a terapeuta cancelou a sessão.
Graças a Deus, a enfermeira da noite o deixou trocado, mas eu não posso passá-lo para a cadeira de
rodas. Olivia não está aqui ajudar. Ela saiu mais cedo.
Tránsito foi às compras. Ontem à noite eu lhe dei a manhã de folga.
Pedro observou a mulher em silêncio. Ela estava abatida e pálida, certamente não tinha dormido
bem à noite.
- Muita realidade para uma manhã de sábado que com certeza você tinha planejado de forma
diferente, certo? observou com a cabeça baixo.
- Eu não quero que você se preocupe com nada. Eu vou ajudala. Diga-me, onde fica o quarto de
seu marido?
Teresa ergueu a cabeça e abriu os olhos.
- Não! Era o que faltava, não posso pedirlhe algo assim.
Pedro colocou a mão em seu ombro.
- Noto algum cansaço, e para isso servem os amigos. Não importa, eu me encarrego disso - o
tom que ele usou foi daqueles que não admite réplica.
Convencida à duras penas, Teresa o levou por um corredor até uma sala iluminada e limpa onde
estava acamado um ancião que não tinha semelhança alguma com o homem que Pedro conheceu anos
antes. Pela primeira vez, ele podia sentir a magnitude da tragédia pessoal daquela boa mulher. Ele
observou o ancião cuidadosamente. Seu rosto, que outrora demonstrava autoridade, era agora como
uma criança inocente, enrolado em sua cama. “Este homem está longe do bem e do mal”, ele meditou
consternado. Teresa se aproximou e tocou seu rosto e braços, sussurrou palavras de carinho em seu
ouvido. O ancião apenas reparava nela. Pedro estava com ciúmes, turbulentos e sombrios, vendo a
maneira com que ela o tratava. Em suas palavras e ações havia carinho. Deveria desistir dela, era o
correto, o sensato, o decente, mas seu traço selvagem e possessivo o impediu. Ele a queria para ele e
porque ele a queria ele a teria, porque podia fazê-lo, porque desejava esse carinho e essa ternura
para ele. Porque tinha certeza de que poderia fazê-la feliz.
Ele foi até a cama do ancião. Ele o pegou e o sentou na cadeira de rodas.
- Obrigada, muito obrigada - ela disse, quando levava a cadeira até o pátio da casa. Meu marido
fica de mau humor se não receber sol e ar fresco pela manhã.
Tradução Lauren Moon
Pedro não conseguia entender como o ancião poderia estar de mau humor, se ele não reparava
nada a sua volta, mas se recusou a comentar. Ele queria dizer muitas coisas, ali em sua casa, com o
ancião enfermo ao seu lado. Ele queria fazê la rir, acabar com seus medos. Dizer-lhe que ela era
bonita, terna e boa. Queria suprir a sua falta de amor, dar-lhe força, que se refugiasse nele.
Pedro advertiu a reação de Teresa a seus pensamentos como se ele tivesse falado em voz alta,
porque ela imediatamente endureceu com indiferença estudada e se trancou em camadas de cautela.
Ela deixou o ancião na sombra colocando música em um pequeno gravador e se dirigiu para dentro
de casa. Pedro a seguiu.
- Espero que depois de ver isso, pense melhor e fique longe de mim. Ele apenas sorriu.
- Se fez isso com esta intenção, perdeu seu tempo. Agora vá e se arrume, ainda está de pé
convite para almoçar.
Teresa entrou na cozinha. Pedro ficou ao seu lado sem dizer nada.
Acrescentou algumas coisas à lista do mercado que estava na porta da geladeira. Tirou um bolo
do forno que já estava descansado, e inundou o lugar com o seu aroma, era uma mistura de baunilha e
laranja que lhe deu água na boca. Ele observou os movimentos ágeis Teresa que desenformava o
bolo. Então, ela partiu um pedaço, e colocou em um prato, dandolhe um pequeno garfo. Ela foi até a
geladeira e lhe serviu um chá gelado.
Pedro sentiu imenso desejo e anseio, queria tudo isso para ele. Ele a queria em sua casa, em sua
cozinha, em sua cama. Desejava que fosse o centro de sua existência. Queria que ela desenformasse
bolos para ele, que lhe presenteasse com carícias suaves e palavras carinhosas sussurradas em seu
ouvido.
Um nó apertou sua garganta e o impediu de engolir. Ele colocou o prato sobre a mesa da cozinha
e caminhou com ela para a sala. Teresa deu lugar à raiva e com os olhos turvos, rebateu: - Você não
entende nada!
- Teresa, diga que você não quer me ver de novo, que não sente nada quando me aproximo de
você. Vamos, diga!
Teresa não falou, mas olhou para ele com medo, e Pedro pôde verificar esse medo.
- Não pode! Porque é o mesmo que eu sinto por você - agarrou-a pelos braços e juntou seu rosto
ao dela -. Diga!
Mas ele nem sequer a deixou respirar. Capturou sua boca em um beijo carinhoso, um beijo tão
terno que ela lentamente abriu seus lábios e o beijou também.
Em seguida, ela se separou do homem.
Pedro parecia mortificado e arrependido por ter-se deixado levar por seus sentimentos naquela
fase da vida, e ainda mais com uma mulher que não era livre para corresponder-lhe.
- Esse foi um beijo culpado. Eu reconheço um beijo culpado. Quando você fizer isso de novo,
vai fazer de coração, sem remorso.
Teresa estava prestes a levantar a mão e dar-lhe um tapa.
Tradução Lauren Moon
- Você é um cretino, saia da minha casa.
- Tudo bem, mas vamos nos encontrar novamente. Lembrese de que me prometeu para ir a Santa
Rosa.
- Não lhe prometi nada.
*
Era tarde da noite quando Olivia saiu da prefeitura com William. Tinha dormido mal na noite
anterior, estava cansada e com as emoções à flor da pele. Apenas comeu durante o dia. Estava
enterrada no trabalho desde muito cedo e de forma frenética. A essa hora, queria apenas descansar.
Nesse dia, não havia recebido flores nem tinha ouvido falar de Miguel.
William já se dispunha a carregar sua maleta com o computador para acompanhala, quando uma
voz os fez deter seu andar.
- Boa noite.
Oliva observou como Miguel pegou a maleta com olhar assassino e a colocou no ombro ante a
expressão ressentida de William.
- Não se preocupe, William. Eu acompanho Olivia a sua casa.
- É ela quem tem que decidir argumentou o homem enquanto tentava se aproximar da maleta
outra vez.
- Nem tente - disse Miguel entre os dentes.
Olivia, mortificada, os repreendeu: Se vão se comportar como crianças, eu vou sozinha -
percebeu em Miguel alguma coisa diferente naquela noite. Além de sua aparência, era como se um
trator tivesse passado por cima dele, estava sem se barbear, com os olhos vermelhos e um olhar
atormentado. As roupas, no entanto, pareciam impecáveis. Ela se virou para William -. Não se
preocupe, vá descansar.
- Boa noite, então.
- Boa noite - eles responderam em coro, Miguel e Olivia.
- Onde está sua camionete?
- Eu a estacionei perto de sua casa. Eu queria caminhar estes quarteirões com você - ele a olhou
carrancudo -. Algum problema? Ou será que só o seu amigo tem esse direito?
- Que diabos está acontecendo com você?
- Eu não gosto de como esse ridículo ronda você. Entre outras coisas.
Eles andavam pelas ruas com os guardacostas a poucos passos. Olivia não pôde evitar um
arrepio em sua pele quando ele pegou seu braço para atravessar uma rua. Gostava de caminhar ao
lado dele, sua presença e seu físico transmitiam segurança.
Ela o observou de canto de olho, ele tinha uma barba de dois dias e um aspecto sombrio, mas
ainda era o homem mais bonito que tinha conhecido. Quando ele a cumprimentou com aquele tom de
voz, rouca e dominante, um calafrio tinha percorrido sua e atravessado seu corpo de imediato.
Tradução Lauren Moon
Algo o perturbava, ela podia sentir tão bem como percebia qualquer de suas emoções. Ao
passar pelo restaurante dos irmãos Martinez, ele perguntou: - Quer comer alguma?
O restaurante estava cheio de pessoas, cheiravam a carne grelhada e uma canção da moda
animava o lugar. Miguel acenou para um casal que comiam nas cadeiras do lado de fora.
- Não, obrigada, eu não estou com fome.
- Você tem que alimentar melhor, Olivia, ou você pode ficar doente.
- Não sou eu que tenho o rosto de doente.
- Não acredite, porque não tem uma cara muito boa.
Olivia riu, mas não disse mais nada. Eles continuaram andando em silêncio. Depois de algumas
ruas, silêncio se prolongou mais e mais. Olivia o olhava de lado, até que sob uma iluminação de rua,
ela parou de andar.
- Olha, eu não sei o que você quer, Miguel, mas eu …
Ela não falou mais nada, porque Miguel assim implorou com os olhos.
Miguel não a interrompeu nem lhe respondeu, talvez porque sentisse que se afogava. O
ar era denso, palpável, carregado de frenesi. Deixou sair um suspiro. Ele precisava de coragem
para o que enfrentaria esta noite. Ele a pegou novamente pelo braço e retomou o seu ritmo.
Eles chegaram à porta da casa e uma angústia oprimiu o peito de Olivia, latejando sua cabeça,
tinha que dizer a ele o que havia acontecido, assim como havia enfrentado suas companheiras de dor.
Miguel a olhava com vontade de dizer alguma coisa.
- O que está acontecendo?
- Precisamos conversar.
- Estamos conversando.
- É melhor entrarmos.
Como Olivia caminhou até a entrada da casa de sua tia, ele parou.
- A sós.
- Na sala de estar da minha tia estaremos a sós - ela respondeu, nervosa.
- Eu não quero sua tia rodando em torno de nós. Vamos ao seu apartamento.
- Não.
- Tem medo de mim? - era o primeiro sorriso que ele via desde que tinham saído juntos.
- Não tenho medo de você. Na sala podemos falar tranquilamente.
- Não. O que nós precisamos conversar precisa de privacidade. Vamos. Olivia não queria ficar
sozinha com ele. Por que insistia tanto?
Miguel sabia que não poderia forçála, então ele falou sem rodeios para que ela compreendesse
a natureza e a gravidade do assunto.
Tradução Lauren Moon
- O pai Fernanda foi a pessoa que lhe enviou o cartão de condolências e também quem atirou no
jipe.
Olivia empalideceu, conteve a respiração e um olhar aflito povoou seu rosto. As pulsações de
seu coração podiam ser sentidas em sua cabeça e um ligeiro tremor a invadiu de repente. Seus olhos
se encheram de lágrimas.
- Ei, calma.
Por entre a nuvem de lágrimas ela podia ver que Miguel se aproximou e a abraçou. As palavras
a abandonaram quando algo incorpóreo apertou sua garganta.
Como uma autômata, ela foi até a entrada do apartamento, pegou as chaves de sua bolsa, mas
devido ao tremor, era impossível abri-la. Também não soube em que momento Miguel tirou as chaves
de suas mãos e abriu a porta. Tampouco sabia em que momento eles entraram no pequeno
apartamento e se sentaram no sofá.
- Falou com ele? - Miguel apenas acenou com a cabeça -. Ele lhe contou tudo - sussurrou, uma
afirmação.
Miguel olhou para ela sem dizer nem sim nem não.
- Oh, meu Deus! - levou a mão à boca. O olhar de pânico em seu rosto fez com que Miguel
segurasse suas mãos, que tremiam descontroladamente. Rechaçou o gesto e se levantou do sofá. Pôde
perceber o ar liberado pela prótese. Ele caminhou ao seu lado.
- Não sinta pena de mim! - lançou com dureza.
- Acredite-me, neste momento a última coisa que sinto por você é pena.
- O que você quer dizer?
- Não posso negar que sinto tristeza, e você deve me deixar sentir, porque eu preciso disso -
disse ele com um tom rasgado e um olhar desfeito -. Você não percebe que você é a minha vida?
Quando eu ouvi você, eu me senti o pior homem da terra. Eu me senti morrer.
Miguel se aproximou dela e a abraçou.
Ela parecia confusa.
- Você me ouviu?
- Fui procurar você e Claudia me disse que você estava em uma reunião de Ação Social.
Quando cheguei lá eu ouvi sua voz.
- Ai, meu Deus - saiu de seu abraço.
- Permita-me, meu amor, por favor disse ele enquanto a tomava novamente em seus braços. Não
teve consciência da energia utilizada no abraço. Seu queixo tremeu e com um gesto de controle tratou
de manter as lágrimas à parte.
- Assim não, Miguel, assim não - ela disse, rasgada em lágrimas.
- Sim, eu quero você assim! sussurrou ele sobre seu cabelo. Ela escondeu o rosto em seu ombro
e chorou o desconsolo com que choram as crianças.
Imaginou-a sozinha, ferida na mata, tentando espantar as imagens, mas estas voltaram duramente.
Ele imaginou o sangue. Tanto sangue! Como teria se sentido ao despertar naquele inferno para
perceber que faltava uma parte do seu corpo? De que sua melhor Tradução Lauren Moon amiga não
estava viva? Desafogava sua angústia enquanto Olivia, que também chorava, acariciava seu cabelo e
suas costas.
Olivia se sentiu exposta e aterrorizada. Tinha tanto medo de dar sua confiança a um homem que
poderia aniquila-la com um único olhar de piedade ou desprezo.
- Eu sou uma mulher incompleta. Nada mais.
- Você é a mulher mais linda, com caráter e de bons sentimentos.
- Acredite-me, nem todos os meus sentimentos são nobres.
- Ninguém é perfeito.
O choro de Miguel, em vez de afastá-la, aproximou-a ainda mais a ele, porque percebeu o
quanto ele se importava. Ela sempre pensou que se Miguel a rejeitasse seria tão desastroso como as
demais que já havia recebido. “Mais cedo ou mais tarde terá que enfrentálo”, disse a si mesma,
tentando ganhar coragem. Como fazê-lo sem morrer de vergonha? Esse sentimento não era realmente
por causa de sua deficiência, era por tudo o que fazia parte de sua vida.
- Vergonha? - Aparentemente, a pergunta foi formulada em voz alta.
Miguel pegou o rosto dela com as duas mãos, limpou suas lágrimas com os polegares e a olhou
fixamente -. Você é a mulher que deve ter menos vergonha na face da terra.
- Você é um exagerado - disse ela com um meio sorriso. A expressão de dor e vulnerabilidade
que acompanhou partiu o coração de Miguel.
- Você é uma linda mulher corajosa, que neste momento precisa de conforto. Olivia o abraçou com
lágrimas renovadas, procurando por esse conforto.
Miguel continha o nó na garganta, mantidos à parte, mas que lutava para sair. O
sofrimento de Olivia iria acabar com ele, e se não o tivesse feito dez anos antes, iria fazê-lo
neste momento. Seus sentimentos eram uma maldita bomba prestes a explodir.
Só desejava que a alma de Olivia soubesse perdoar os erros que esse triste amor o levou a cometer.
Ele queria vir limpo com ela, em palavras ou gestos, deveria pedir desculpas.
- Se eu soubesse, eu teria agido de forma diferente - ele queria absorver sua dor, por isso
morreria tentando. Ele queria apagar até a última gota de sofrimento que tinha ofuscado aquele
sorriso -. Deixeme aliviar sua tristeza, Olivia - sussurrou no cabelo Olivia enquanto a segurava
gentilmente. Queria infectá-la com a sua energia, seu desejo, ansiava que a emoção que percebia nela
fosse o mesmo sentimento inegável e sufocante que o embargava.
Ele beijou sua cabeça, levantou o rosto e beijou seus olhos, suas bochechas molhadas de
lágrimas, e os cantos de sua boca. Eram beijos destinados a acalmar, a curar. Miguel precisava senti-
la quase tanto quanto precisava respirar. Ele precisava beijá-la loucamente, enterra-se nela, tomar
seu corpo e sua alma para fundir-se nela. Precisava abraçar a sua paixão, seu coração tão puro, seus
sentimentos e uni-los a sua alma entristecida e pecadora. Mas ele sabia que as coisas deveriam ir
devagar.
Por Deus! Ela estava vulnerável, e ali estava ele, pensando a que horas poderia levá-la para
cama.
Tradução Lauren Moon
Ao olhar para a beleza de suas feições, Miguel não se imaginava olhando para outra mulher, mas
como convencê-la disso?
Mergulhou ambas as mãos em seu cabelo e se apoderou de sua boca.
Deus! Era deliciosa. Suas mãos tremiam no processo. Não posso perder o controle, ele repetia a
si mesmo.
Aos poucos, ele morria em seu sabor, ele a beijava desesperadamente, como se alguém pudesse
separá-los. Ele a pegou pela cintura e a estreitou em si mesmo.
Olivia se remexeu quando sentiu sua ereção. Ele parou de beijá-la, mas não queria fazê
lo.
“Eu tenho que manter a porra do controle”, repetia para si mesmo.
- Vamos para o seu quarto.
- Eu estou com medo, Miguel. Muito medo. Estou morrendo de medo
sussurrou agarrada em seu peito sem olhar para ele.
- Está com medo de mim?
- Não - olhou em seus olhos e acariciou seu queixo -. Não de você.
- Eu também tenho medo de não ser bom o suficiente para você.
Ela começou a rir.
- Como você pode dizer isso? perguntou rendendo-se em seus braços -.
Miguel, eu acho que você e eu deveríamos ir devagar, eu não acredito que esteja preparada para

Ele a silenciou com outro beijo devastador e a tomou novamente em seus braços.
- Sim, você está.
Olivia tinha a garganta apertada pelo medo, por isso engoliu a saliva antes de falar.
- Não sei se sou capaz.
- Você é minha mulher corajosa sussurrou ternamente -. Você vai ver como consigo com você. Quero
pegar sua dor. Eu não quero que você fique triste.
- Isso vai ser difícil.
- Mas não impossível - respondeulhe de forma decidida.
Eles chegaram ao quarto e Miguel se aproximou da cama. Ela estava apavorada, o nervosismo
saltava à vista. Por favor, venha a mim, disse Miguel em seu pensamento e, como se tivesse ouvido,
Olivia caminhou os poucos passos que os separavam para ficar na frente dele.
- Receio que não haja escapatória, certo? - disse em tom leve.
- Não - ele a puxou pelo cós da calça e cobriu sua boca com a dele, engolindo seus medos e
inseguranças.
Ele a sentou na cama. Ela ficou novamente tensa. Ele se ajoelhou e começou a tirar suas botas.
O silêncio foi quebrado apenas pela respiração pesada dos dois.
Tradução Lauren Moon Olivia usava meia azul clara. Miguel iniciou-se com a meia do pé saudável,
em seguida, a outra. Ela se encolheu quando suas mãos tocaram a prótese. Era como se tivesse
sentido, e tinha sido um gesto nervoso, ele percebeu, consternado e com o peito apertado.
Queria gritar e desabar no choro novamente, mas sabia que isso era o que ela menos precisava
nesse momento. Acomodou seu pesar na parte inferior de seu coração e preparado para minimizar a
dor de Olivia. Abriu sua calça comprida com paciência, e viu que vestia uma calcinha branca de
renda. Era tão bonita! Teve que segurar suas mãos para enterrar os dedos nesse espaço que sempre
lhe ofereceu o paraíso. Acariciou suas pernas, olhando-as fixamente enquanto abaixava seu jeans.
Voltou a olhá-la em seus olhos, e viu que Olivia estava pálido e encolhia seu olhar.
- Fique tranquila, minha Olivia…
Ela mordeu os lábios sem dizer nada. Miguel terminou de remover sua calça comprida. Dedicou
uns minutos para observar sua prótese. Em seguida, ele acariciou a parte limite com o coto.
- Ajude-me - disse ele -. Diga-me como removê-la.
Ela a retirou com facilidade. Ia retirar a malha de proteção, mas ele a deteve.
- Deixeme …
- Miguel …
Ela estava tensa, dura, com um rosto distorcido. Miguel tirou a malha, revelando o coto dez
centímetros abaixo do joelho. Observou a cicatriz, acaricioua, e em seguida Olivia rompeu em
lágrimas.
- Não, não, não … Não chore consolou-a, ao mesmo tempo em que levava os lábios à cicatriz e
a beijava com ternura, segurando a vontade de chorar e gritar. Se o fizesse, ela iria se esconder dele
e não iria permitir. Suplicou forças a Deus
. Eu queria ter estado com você.
- Não faça isso - disse ela -. Não há necessidade - pegou sua cabeça e encarou seu olhar -. De
verdade.
- E por que não? É outra parte de você para eu amar.
- Como pode dizer isso?
- Porque é assim que eu me sinto.
- Então, veja direito. Com mais atenção. Talvez recupere sua sanidade e saia correndo.
- É difícil imaginar a dor … sussurrou com a voz entrecortada e ignorou seu último comentário.
- Não foi a melhor época da minha vida.
Ela a olhou com desânimo e com a voz trêmula respondeu: - É hora de entender o quanto eu
preciso de você - foi um sussurro doloroso que encheu o lugar para depois ficar em total silêncio. O
homem se levantou e começou a tirar a camisa. Desafivelou seu cinto e abriu o primeiro botão de seu
jeans.
Tradução Lauren Moon
Jogou suas botas em qualquer lugar. Aproximouse ainda mais de Olivia e tirou sua camiseta.
Miguel voltou a suspirar, tentando se controlar diante dos lindos seios envolvidos por um sutiã
que fazia jogo com sua calcinha. Pegou uma das mãos de Olivia e levou-a a sua ereção.
- Se você não acredita em mim, então, toque em mim - disse com a voz rouca.
Ela o acariciou e enrubesceu. Deixou escapar uma risada nervosa e sussurrou: - Não pode ser.
- Sim, é. Estou ardendo por você disse com um olhar penetrante em seus olhos brilhantes -.
Estou assim desde que você voltou.
Sentiuse mareado de excitação por voltar a tocar o contorno daquele corpo. Em apenas alguns
segundos, ela estava debaixo dele. Ele a acariciava, esfregava-se nela, era uma necessidade
premente porque nunca teria pele o suficiente para acariciar, nem Olivia o suficiente para penetrar.
Antes de chegar ao clímax, retirou-se como pôde, apoiando os braços de cada lado dela e obrigou-se
a abrandar sua respiração, mas os movimentos de sua Olivia não o ajudavam. A mulher gemia e se
agarrava a ele, desesperada, sem vergonha, sem feridas e sem nada que se interpusesse entre eles.
Devagar, com cuidado, usando uma delicadeza que estava longe de sentir, ele a acariciou. Seu
olhar assustado e excitado a seguia. Inclinouse outra vez sobre ela e tocou seus lábios com os dele.
Estavam frios. Ele a aqueceu com seus beijos, empurrou sua língua e aprofundou a carícia até que ela
fechou os olhos, pegou seu rosto em suas mãos, agarrando-se a ele. Era doce, um néctar tão doce que
o embebedou de desejo ainda mais.
Sua ereção o atormentava, sua cota de desejo era excessiva. Ele beijou seu pescoço, mordiscou
o lóbulo de sua orelha, até que a sentiu gemer de prazer. Abriu seu sutiã e quando seus seios
saltaram, ele se lembrou daquele dia na banheira. Conteve outra vez sua respiração quando baixou
sua calcinha. Ele se tornou cativo de Olivia.
Cativo de seu corpo, cativo de seu inesquecível aroma que pairava sobre ele, deixando-o ainda
mais excitado. “Controle-se!”, repreendeu-se pela enésima vez.
Tomou um mamilo em sua boca sem poder evitar um gemido de prazer e com os dedos,
acariciava o outro. Desprendeu-se deles e ainda ouvindo os gemidos de Olivia foi baixando por sua
barriga lisa e seu umbigo, onde esfregou seu queixo na suavidade de sua pele, durante vários
segundos, até senti-la estremecer.
Evitou o espaço entre suas pernas, que ficaria para o final. Acariciou suas coxas até chegar à
perna mutilada que mimou e beijou com vontade, sem se incomodar com os esforços que ela fazia
para afastar-se dele.
- Acostume-se - não deixou de beijar sua cicatriz.
- Mas Miguel…
Não deixou que ela terminasse, porque os silenciou voltando aos seus lábios. Desejou ter dez mãos e
dez bocas para saboreála, para degusta-la. Beijou outra vez os seios de Olivia, empurrou suas coxas,
afastando-as com o nariz. Olhou-a com os Tradução Lauren Moon olhos cheios de promessa e
mergulhou nela. Precisava saboreála mais do que precisava penetrá-la. Estava sedento de emoções,
ébrio de desejo e faminto dela toda.
- Você é tão linda - dizia com o tom de voz entre excitado e agitado.
Saboreava sua feminilidade com a língua. Olivia acariciava seu cabelo sem se atrever a pegá-lo
ainda mais a ela -. Cheira deliciosamente bem - chupava, mordiscava e gemia enlouquecido,
provocando-lhe calafrios em seu corpo. “É minha”, meditou em meio àquele fogo e com uma urgente
necessidade de possuí-la, “sempre foi, você me ignorava enquanto me matava de ciúmes, de angústia
e de raiva por sua indiferença”.
Parou seus agitados pensamentos, concentrando-se nos gemidos de Olivia. Queria estar perto,
mais perto ainda. Desejava estar em cima dela, dentro dela, juntos, pele com pele.
Precisava fundir-se em sua pele, senti-la em chamas. Queria devorá-la, como um animal no cio.
Mas desta vez, precisava ser melhor que do que foi durante seu último encontro.
Que diabos esta mulher fazia com ele? Ele era uma pessoa que aguentava longas sessões de
sexo e tinha tido boas experiências, mas todas empalideciam diante da maneira que o fazia sentir sua
Olivia, seu amor.
Levantou-se sobre ela. Observou a expressão de seus olhos e a beleza da sua pele. Doeu seu
coração. Em breve, muito em breve, estaria envolvido por ela e seria sua. Deu-lhe um último beijo
como se estivesse devorando sua boca.
Ele se afastou um pouco, e tirou uma caixa de preservativos de sua calça. Olivia sorriu.
- Você estava bem seguro de si - ela disse.
- Esperançoso - respondeu sério.
Ele abriu a caixa e tirou um preservativo, rasgando a embalagem, colocou-o rapidamente,
olhando para ela.
Seus instintos assumiram o comando. Ela abriu suas coxas e, tomando cuidado para não
machucar a perna ferida, empurrou dentro dela.
Ela acariciava seu peito e suas costas.
- Você é deliciosa…
Ele a tinha debaixo dele. Era seu amor, era seu sexo que o aprisionava, eram seus gemidos que o
enlouqueciam, pensava emocionado. Nunca em toda sua vida, nem mesmo nos encontros furtivos que
teve no passado, tinha estado tão excitado e tão desesperado para que a mulher sentisse o mesmo e se
fundisse nele no prazer.
Era sua mulher. Sempre tinha sido. Em meio ao seu desejo levou sua boca ao início de seu
pescoço. O perfume de seus cabelos e sua suavidade o afundou ainda mais, se isso fosse possível, no
poço de desejo.
Ele a mordeu e apreciou as contrações de seu orgasmo, a expressão em êxtase, o balanço
incontrolável de seu quadrls e seus gemidos roucos.
- Ah, sim, geme, por Deus!, geme mais. Esperei dez anos para ouvir seus gemidos, não fique em
silêncio agora, eu preciso deles - murmurou apaixonadamente como se ele mesmo não pudesse
acreditar.
Também chegou a ele uma turbulenta liberação, e com seu corpo contraído e trêmulo, gemia
como se sua vida dependesse disso.
Tradução Lauren Moon
Ficou prostrado em cima de Olivia, e vagamente teve consciência de tudo. “Foi como morrer e
nascer outra vez”, pensou surpreso enquanto tentava se acalmar.
Olivia o abraçava sem querer soltálo. Lágrimas rolavam por sua bochecha e tentava normalizar
sua respiração, perguntando-se o que havia acontecido ali.
A visão de suas mãos e de seus lábios acariciando sua cicatriz foi mais do que pôde suportar
seu maltratado coração e chorou como uma menina.
Seu olhar ardente, possessivo e amoroso havia operado milagres em sua alma, seus olhos não a
haviam abandonado em momento algum. Era impossível não perceber quão excitado estava Miguel,
da necessidade que viu em seu cru olhar. Ele havia aceitado a nova mulher, quando ela mesma tinha
sido incapaz de fazê-lo.
As janelas de seu coração e de sua mente se abriram para ele. As palavras de Miguel e suas
ações operaram o milagre de chegar-lhe ao coração.
Não se enganava. Não tinha sido uma sensação agradável. Era a lagarta transformando-se em
uma borboleta, chocante e assustador ao mesmo tempo. Ao expor sua vulnerabilidade, o medo
aderido como uma crosta a afogou. Mas pôde comprovar que, por fim, podia deixar para trás a dor,
os complexos, os preconceitos que por muitos anos tinha amargado sua vida.
Agradeceu a Deus por ter sido seu Miguel, o homem de sua vida, o homem que mais amava no
mundo, que tivesse operado este milagre.
Acariciava seu cabelo para trás, beijava-o na boca. Ele a olhava atordoado. Com a ponta da
colcha, limpou suas lágrimas. Ela o abraçou.
- Foi incrível - ela soltou, sem querer se afastar dele.
- Eu acho que nós temos um problema - disse ele, colocando-se de lado sem sair dela -. Tenho
tanta vontade de fazer tantas coisas … Quero saboreála aqui outra vez - levou a mão em sua
feminilidade -, mas não quero sair de você esta noite.
Ele teria que fazê-lo, deveria tirar o preservativo e colocar outro, só de pensar nisso, ficava
exasperado, não queria se mexer.
- De verdade? - perguntou com seu antigo sorriso, o sorriso da ravina e o mesmo que havia sido
vetado por todos esses anos.
Até então.
- Acho que passaremos a noite inteira tentando recuperar o tempo perdido.
Tradução Lauren Moon Capítulo XXI Olivia observava Miguel dormir. Para ela, era impossível
conciliar o sono com tantas emoções em aberto. Olivia não queria se mover, não quando a boca de
Miguel roçava seu ouvido, ou quando percebeu seu corpo musculoso e firme envolvido nela,
brindando-a com esse doce sentimento de segurança e posse. Sua alma queria gritar, pular e dançar.
Ela sorriu, lembrando de tudo que ele tinha feito com ela.
Entendeu que ele tinha ganhado experiência no tempo decorrido, mas não ficaria amargurada
por isso. Ele era um homem hábil e apaixonado, e a fez imensamente feliz.
Cochilou por um tempo e quando acordou, percebeu que Miguel a abraçava. Precisava se
levantar para usar o banheiro, mas não quis acordá-lo. Observou seu rosto e sua aparência relaxada.
Ela acariciou suas sobrancelhas, delineando-as com seu dedo; tocou seu cenho e levou seu dedo ao
queixo dele, observando quão escuro estava, mas não sem antes prestar atenção em seus longos
cílios.
Ela sorriu quando notou que o lábio inferior era mais grosso que o superior, embora o de cima
fosse perfeitamente delineado. “É lindo”, pensou ela, com um suspiro.
Lembrou-se de quão boba deve ter ficado quando ficou sem respirar, enquanto ele tirava a
camisa. Não era o Miguel franzino de antes. Ele tinha se tornado um homem cheio de músculos.
Percebia-se quanto trabalho físico ele fazia. Em seu braço notou uma pequena tatuagem. O Miguel
que conheceu anos atrás, recusava-se terminantemente a ter uma, além disso, sua formação militar
não lhe permitia. Ela o tocou com delicadeza, delineando a silhueta de um pássaro em pleno voo.
Suspirou novamente.
- Espero que suspiro seja porque você gosta do que está vendo - soltou com um tom de voz
rouca e lenta que imediatamente deixou os pelos de Olivia arrepiados. Ele a puxou ainda mais perto
dele, acariciou seu pescoço com o nariz e percorreu seu corpo com as mãos. Ele a beijou na boca -.
Que delícia acordar assim.
Olivia gemeu quando Miguel acariciou seus mamilos e passou a outra mão para a inferior de sua
barriga.
- Primeiro, deixeme dar-lhe algo para levar com você o dia todo - ele disse, já em cima dela,
olhando-a de forma possessiva.
Olivia se rendeu quando ele tomou sua boca.
- Quero que você me leve dentro de você durante todo o dia, que quando você andar lembre-se
do que aconteceu na noite passada e do que vai acontecer agora.
Olivia começou a rir.
- É a coisa mais dos homens das cavernas que já ouvi na minha vida.
- É assim que eu me sinto.
“Este homem vai me matar”, ela pensou, já perdida em seu desejo e deixando-se amar mais uma
vez.
Tradução Lauren Moon
Eles compartilharam o banho naquela manhã. Miguel deu banho nela desde os cabelos até o pé,
e se não tivesse sido por seu defeito, Olivia teria ficado em estado de prazer e deleite. Ainda assim,
percebeu que Miguel tratava o coto com delicadeza, inclusive, olhava esta parte de seu corpo de
modo especial, por isso seus olhos encheram de lágrimas.
- Ei - ele a repreendeu quando percebeu que ela estava chorando.
Depois da ducha, ele a secou. Então Olivia lambuzou o corpo com uma loção hidratante com
aroma de jasmim, que era preparado por uma amiga, perfumista de longas datas, de Bogotá. Olivia
gostava deste creme em especial, mas não podia aplicar em sua perna no local em que ficava a
prótese.
Miguel não perdia nenhum de seus gestos.
Aproveitou para verificar se o coto, dez centímetros abaixo do joelho, não estava avermelhado
ou irritado. Em seguida, sentada na cama, começou a limpar a prótese com o mesmo ritual de sempre.
Tirou os apetrechos de uma pequena bolsa.
Ela limpou a poeira de sua velha companheira, como ela a chamava, com um pano seco. Depois,
pegou um pano úmido com sabão, limpo por dentro e por fora, removendo qualquer vestígio de
poeira e suor. Miguel, sentado ao lado dela, interrompeu o trabalho e com a mão estava dela debaixo
da sua seguia todos seus movimentos com grande interesse, como que aprendendo a rotina.
Olivia tinha duas próteses: uma revestida em couro preto acolchoada, que parecia uma bota de
salto baixo, que ela usava diariamente, e outra para quando usava saia. Sua grande habilidade e
vaidade a faziam caminhar ereta e sem mancar. Com outro pano, retirou os restos de sabão.
Olivia secou sua prótese em uma toalha de linho. Estava mortificada, mas com Miguel, sua
mortificação não valia de nada, porque percebia que achava natural o que ela havia escondido
durante anos. Ele o fazia naturalmente, mas implacável.
- Pare de olhar para mim - ela disse, enquanto subia o zíper de uma das botas.
- Você não pode me pedir isso, Olivia. Fiquei anos sem olhar para você.
Ela tomou ambas as suas mãos e sorriu com o sol em seu rosto, essa mesma expressão de antes.
Ele também sorriu e este gesto, o que raramente havia visto nele, roubou seu fôlego.
Sentiu esse ardor em sua feminilidade, e como ele disse, iria acompanhala durante todo o dia.
Não podia acreditar que estivesse ali com ele. Tomou seu rosto em suas mãos para beijá-lo
novamente, mas não o fez, porque sua barba deu-lhe cócegas. “Meu Miguel precisa fazer a barba.
Você está com um aspecto de um fora da lei “.
Miguel quis o beijo. Com o coração transbordando, voltou a se aproximar dela e lhe deu um
beijo profundo. Olivia soube naquele instante. Ela o amava infinitamente, mas era incapaz de dizer.
Ela o amava com loucura, e iria amá-lo para sempre.
- Olivia - disse ele quando concluiu com o beijo -, nós precisamos conversar. Eu preciso saber
exatamente o que aconteceu.
- Oh, Miguel, não quero estragar o momento.
Tradução Lauren Moon
- Eu não quero mais segredos entre nós dois. Além disso, não tem que ser agora. Eu só quero que
você saiba que eu preciso saber.
Ela suspirou aliviada. Foi até a pequena cozinha com Miguel em sua sombra. Queria mudar de
assunto, queria falar sobre coisas fúteis. De que caralhos falavam as mulheres depois de passarem
uma noite como ela havia passado?
- Como não como aqui, eu não tenho muito a oferecer - Olivia abriu a geladeira e viu três ovos,
um pouco de leite, um ramo de aipo meio murcho, alface e um pedaço de queijo.
- Tem certeza de que não têm nada a me oferecer? - Miguel sussurrou, e se juntou a suas costas.
Ela se virou, disposta a continuar naquele jogo.
- Se você coloca nesses termos, eu poderia oferecer alguma coisa a mais acariciou seu peito.
- O que você tem a me oferecer? ele perguntou. Respirava sobre seu pescoço, ali onde ele havia
deixado sua marca.
- O que você quer?
- Tantas coisas … Mas primeiro teria que levar seu delicioso corpo de volta para a cama e não
sair dali nunca mais.
- Parece tentador.
- Mas temo que meus empregados vão me atacar se eu não cumprir minhas obrigações, como se
fosse Domingo. Eu vou me contentar com um frugal café da manhã.
- Não se preocupe, eu entendo.
Olivia preparou ovos mexidos e café. Miguel não perdia de vista nenhum de seus gestos.
- Eu prometo que vou comprar mais mantimentos. Nós passaremos mais fome.
- Ora - ele sorriu para ela, ladino -. É uma declaração de intenções?
Ela olhou para ele enrubescendo, mas ele colocou um dedo sobre seus lábios. Ele a levou para
a cadeira mais próxima e sentou-a sobre seus joelhos.
Acaricioua com ternura e confiança, esfregou seu pescoço com o nariz, agarrou seu rosto com
ambas as mãos. E com a voz solene, disse: - Nada vai me manter afastado de sua cama. Grave bem
isso, assim você pode encher esta geladeira. Minha fome não será saciada por muito, muito tempo.
*
Tinha bom porte, cabelos grisalhos, definitivamente era um homem muito interessante. Ao invés
das botas que ele estava sempre usava calçava sapatos marrons, uma camisa azul clara de marca
estrangeira e calça comprida que lhe davam aspecto jovem.
Ao vê-lo, tudo o que Teresa queria fazer era fugir, se perder na confusão de ruas vestidas de
festa antes de enfrentar uma realidade que não lhe era feliz.
Tradução Lauren Moon
- O que você acha de tomarmos sorvete? - Ele a pegou pelo braço e a levou a uma sorveteria
que ficava a poucos metros de onde estavam. Eles estavam em Santa Rosa. Era feriado ali, e Teresa
ele ainda não entendia como ele conseguiu convencê-la a passar o dia com ele.
Havia toldos com flores, frutas e um bazar com refeições inimagináveis.
Além da praça, havia um pequeno mercado de pulgas com artesanato pitorescos da região.
Era uma tarde ensolarada e quente, nada de anormal na região. Eles almoçaram em um
restaurante campestre, passeado ao redor do perímetro da praça e ouvido o coro da Academia de
Música, que era o orgulho da cidade. O ambiente cheirava a doces, biscoitos e aroma inconfundível
flores, tão abundante naquela localidade. A música era ouvida pelos vários autofalantes localizados
nas extremidades da praça, tudo isso misturado com o barulho feito por crianças e pessoas em torno
deles.
- Sim, claro, vamos - Teresa sacudiu seu leque de madrepérola e ajustou seus óculos de sol.
Não queria que ele evidenciasse em seus olhos o que perturbava sua alma.
Naquela manhã, ela tinha se despedido de seu marido com um beijo nos lábios. Tinha certeza de
que ele tinha correspondido, e seus olhos tinham um brilho que há muitos anos não via.
Só por isso quis renunciar ao seu dia com um homem que a visitava mesmo em sonhos, mas
venceu seu desejo de estar com ele, de sentir cócegas no estômago quando olhava para ele e os
batimentos acelerarem sempre que ele encostava nela. Então, estava ali, em Santa Rosa, com medo e
trêmula como uma adolescente em seu primeiro encontro.
Eles se aproximaram de uma mesa localizada em um canto da sorveteria, à sombra. Ele, todo
cavalheiro, puxou a cadeira para que ela pudesse se sentar.
Teresa murmurou um agradecimento, tirou os óculos e colocou-os em sua bolsa.
- Muito melhor assim. Eu amo a cor dos seus olhos, porque são como esmeraldas. Sei que
parece banal, mas você é muito bonita.
- Bah - respondeu com certa despreocupação -. Bobagem. Eu sei que há vinte anos atrás eu era
uma mulher bem afeiçoada. Embora … pensando bem, talvez tenha sido há dez anos concluiu.
- Por que você seria interessante há vinte anos e não agora?
- Quinze quilos a mais enterrado nesta beleza, Pedro.
- Claro - elevou os olhos para o céu e disse -: a maldita obsessão pela magreza e pelo
emagrecimento que querem nos vender hoje.
Ele pegou a mão dela. Ela não se esquivou de sua leve carícia.
- Vocês são os culpados. Tornaramse viciados em um estereótipo e nos forçam a querer ser
assim: jovens e magras.
- Eu não posso acreditar que, nesta altura da vida, Teresa, você engula isso. A beleza não está
nas medidas. Não, senhora, a beleza está em um rosto e um corpo que já viveu. É o que faz de você
uma pessoa fascinante.
Tradução Lauren Moon
O garçom anotou o pedido de duas taças de sorvete, uma de chocolate e outra de baunilha.
- Dizem que são os sorvetes mais gostosos da região.
- Sim, dizem por aí - ela disse distraidamente, observando a agitação da praça. Naquele momento,
havia um concurso de dança e o animador estava chamando o nome dos casais finalistas.
- Há dança em uma barraca, subindo pela outra quadra. Nós poderíamos ir ali por um tempo e
observar. Sei que não haverá tantas pessoas como aqui, e de repente você se anima a dançar.
Teresa hesitou.
- Eu não acho que é correto.
- O que tem de mau? Além disso, você dançou muito bem em El Álamo. Percebe-se que é uma
dançarina consumada.
Teresa respondeu com uma brincadeira.
- Mas enferrujada.
Teresa observou a Igreja de Nossa Senhora em cujas escadas haviam famílias que apreciavam
vários shows. Ela refletiu sobre sua vida. Ele passou um véu sobre suas perdas e agradeceu a Deus
pela fartura. Ela havia sido abençoada com uma boa casa e uma boa vida, tinha saúde e se
considerava inteligente.
Ainda assim, estava mudando. Ela já não era mais quem era antes, e não era apenas pelo que
sentia por Pedro. Não sabia nem em quem havia se tornado. E isso a aterrorizava.
- Vamos sair para ouvir música comentou repentinamente, depois de saborear a última colher de
sorvete.
Pedro assentiu. Eles caminharam por diferentes ruas até o local da dança.
Era uma casa improvisada para a ocasião, com uma pequena orquestra em um palco, mesas e
cadeiras. Eles se sentaram e pediram duas bebidas.
A atmosfera do lugar era tranquila, talvez pela hora. Teresa imaginou que durante a noite a
história seria diferente. Eles ouviram canções dos anos oitenta, alguns boleros e El Ángel de Peter
Manjarres.
Ele tinha um brilho peculiar nos olhos. Ela baixou o olhar. Sim, era inútil negar a atração que
ele lhe inspirava. Ele era um homem decente, embora estivesse louco por ter-se fixado nela. Teresa
pensou que depois de sua última visita não voltaria a vê-lo novamente, que ele iria recuperar sua
sanidade. Mas, nesse instante, seus olhos diziam outra coisa.
Quis soltar uma risada nervosa. Teresa Manrique estava a um nada para começar um caso com
um homem que não era seu marido. Ela suspirou. Que caralhos iriam fazer?
♫ Eu quero beijar seus lábios Eu quero beijar a sua boca, Porque você sempre me provoca
Quando passa ao meu lado. ♫
Tradução Lauren Moon
Pedro levantou a mão e começou a acariciar seu rosto. Teresa estava tensa.
- Isso não está certo - ouviu o que ela disse, mas não repudiou sua carícia.
♫ Você vai ser minha, porque eu quero, porque eu posso e vou conseguir você verá no final,
Você será para mim … ♫
- Eu não posso resistir a você, Teresa.
O coração Pedro queria sair do seu peito. Ele ternamente pegou o rosto dela, colocou sua boca
na dela e a beijou como queria beijá-la desde a primeira vez que a viu.
Ele a beijou suavemente e ela correspondeu. Ao aprofundar o beijo e tomar com sua língua o
interior de sua boca, percebeu o quão delicioso era, tão doce como algodão doce.
- Eu estou apaixonado por você afastou-se para olhá-la nos olhos.
Ela queria dizer que ele não estava apaixonado, que era apenas um capricho, que era uma
simples atração por uma pessoa que não poderia ter, ou não? Não era boba e sabia que ele iria usaria
seu arsenal de armas para chegar até ela, mas e depois? Quis dizer-lhe que ela não era uma pessoa
tão bondosa como ele acreditava, que sua alma se enchia de ressentimento ao ver o que sua vida
havia se tornado nos últimos anos. Sabia que ele seria condescendente e que a culparia por ser
apenas humana.
Teresa se levantou imediatamente da mesa. Pedro a seguiu.
- Nossa situação é difícil, eu sei.
- Não é difícil, eu diria que é impossível.
- E quanto a mim, Teresa? - ele perguntou, batendo no peito -. O que faço com meus sentimentos por
você?
Nesse momento, o celular do homem tocou. Ele não queria atender, mas ele tinha que fazer.
Precisava responder a esta pessoa. Atendeu.
- Aonde você está - perguntou Miguel com a voz angustiada -. Preciso de você aqui, agora!
- Estou no meu dia livre e além disso estou em Santa Ro…
- Como se você estivesse no puto do polo norte. Mova seu rabo para San Antonio. Já!
- O que houve?
- Eu imagino que você esteja com ela.
- Isso não é da…
Mas não terminou de completar a frase, porque Miguel Já falava.
- Enrique morreu. Veja o que vai fazer para estar aqui imediatamente. Pedro deixou cair o celular.
Tradução Lauren Moon Ele queria estar em outro lugar. Preferia mil vezes enfrentar um exército de
bandidos e não ter que dar tal notícia para a pobre mulher.
E não o fez. Não ali. Disse a ela apenas que havia uma emergência, e que eles deveriam sair
dali o quanto antes. Ele a pegou pela mão e a levou para a camionete.
O coração de Teresa estava na boca. Não fazia mais que olhar para Pedro, embora não soubesse
o que dizer ou pedir. E se fosse Olivia? Ou alguma outra mulher que ela desconhecia? Não, não
podia ser nada disso. O homem estava muito angustiado, muito nervoso. Suas mãos tremiam,
respirava com dificuldade, e suava.
E se não fosse homem, já teria chorado. Tinha os olhos marejados e o nariz avermelhado.
Pedro parou a camionete de imediato. Não podia mais suportar a agonia do silêncio. Não
poderia chegar à casa de Teresa sem avisá-la. Ele tomou coragem de onde não existia, talvez tenha
reunido toda a coragem armazenada em uma vida inteira para um momento assim. Para aquele
momento.
Teresa sabia que o homem estava no meio de uma encruzilhada. Colocou uma de suas mãos
sobre a dela.
Pedro olhou para ela. Falou com uma voz quase inaudível.
Teresa retirou a mão de onde tinha estado e transbordou em lágrimas. Jamais iria perdoá-lo.
Jamais iria perdoar a si mesma.
Quando chegaram à casa, Teresa desceu a toda velocidade e bateu a porta. Nesse momento,
Pedro soube que a tinha perdido para sempre.
Mas, se houvesse alguma dúvida, a mulher se virou e murmurou: - Eu não quero vê-lo
novamente.
*
Esta noite, só havia silêncio na casa de Teresa. Olivia queria contar-lhe como seu tio havia
falecido, mas Teresa não queria ouvir. Não queria ouvir nem ver ninguém. Não queria chamar os
parentes ou assumir o comando dos preparativos para o funeral. Só queria ficar sozinho, trancada em
seu quarto escuro, e chorar. Chorar e se arrepender.
Os filhos chegaram no início da manhã com suas esposas e filhos. Mario, o mais velho, médico
ortopedista, e sua esposa Janet, fisioterapeuta, com seus dois filhos com idades entre sete e quatro.
Jose Enrique, o segundo era um advogado criminal e casado com uma professora universitário. Eles
tinham uma menina cinco anos. Amanda, a filha mais nova, chegaria ao anoitecer. De repente, a casa
estava cheia de vozes.
Vozes que parecem insultos e vazios aos ouvidos de Teresa.
Saiu do seu estado de luto. Encontrou Olivia sentada no pátio com uma xícara de café na mão.
Era meio da manhã.
Ao ver sua tia, Olivia soltou várias lágrimas. Ela colocou a xícara de lado. Tradução Lauren Moon -
Ontem à noite eu me lembrei quando meu tio Enrique me levou ao jogo de vôlei no colégio. Mamãe
tinha acabado de morrer e eu não queria voltar para a escola. Meu tio me fez ir para o jogo, e me
disse que este mundo não é para covardes.
Se eu me escondesse naquele dia, ficaria me escondendo por todo a vida. Teresa se aproximou de sua
sobrinha, e acariciou seu cabelo.
- Ele adorava você - não poderia dizer mais, porque não só aprofundou em sua dor e a sensação
de culpa, mas também por seu marido, que também tinha passado períodos amargos na vida.
Lembrou-se, particularmente, do dia em que Olivia pisou na mina.
*
Enrique e Teresa chegaram ao Hospital Tobón Uribe, em Medellin, o hospital mais vítimas de
minas recebia no país.
O pai de Fernanda chegou minutos depois. O salão estava cheio de pessoas que iam de lá para
cá. Aproximaram-se da recepção e perguntaram pelas duas meninas.
- Familiares?
- Eu sou o pai de Fernanda Gutierrez.
- Nós somos os tios Olivia Ruiz Manrique.
- Um momento por favor.
- Senhor Gutiérrez, venha comigo por um momento.
Enrique e Teresa observavam como o pobre homem foi levado para um escritório. Em menos de
um minuto, um grito aterrorizante. Teresa não podia suportar a agonia. Não queria mais saber do
mundo ou dos horrores que escondia. Não iria pensar na dor dos outros. Ou na dela. Ela começou a
chorar no peito de seu marido até que um dos homens de Orlando Ruiz veio para onde eles estavam.
- Onde está Olivia? Que merda aconteceu? - Enrique berrou.
- Vão operá-la.
-O que aconteceu? Ninguém nos diz nada.
- Melhor falarem com o patrão retrucou, levando-os com ele.
Enrique bufou. Passaram por corredores e subiram no elevador lotado de estudantes e
enfermeiros. O cheiro do hospital deu náuseas em Teresa. Chegaram a uma sala de espera pequena,
que se comunicava com cuidados intensivos.
Nesse momento, Orlando Ruiz apareceu com uma expressão angustiada, algo raro em um homem
que dispunha da vida das pessoas à vontade.
“Ele envelheceu mal, o bastardo”, ponderou Teresa quando viu sua barriga proeminente, o
inchaço ao redor dos olhos e cabelos brancos. Claro, ele estava vestido com roupas jovens. Mas a
dureza em seus olhos não desmentia o tipo de homem que ele havia se tornado.
- O que aconteceu, Orlando? Enrique perguntou ao se aproximar dele.
Tradução Lauren Moon - As meninas pisaram em uma mina
- abaixou o olhar e acrescentou -: Olivia está estável. Mas Fernanda… Fernanda morreu. O
médico vai falar comigo em poucos minutos.
- Maldito! Tenho certeza de que você foi o culpado! - Enrique o pegou pelo colarinho da
camisa. Um homem com uma arma veio para separá-los, mas Orlando lhe deu a ordem para
permanecer em seu lugar.
Uma enfermeira chegou e disselhes que o especialista precisava falar com a família. Eles foram
para o consultório médico, que segundo diziam era o melhor ortopedista do país. Um homem alto, de
olhos escuros e profundos que parecia estar acostumado a lidar com a dor das famílias. No
consultório médico estava o raio x de Olivia.
- Olivia está estável, nós paramos a hemorragia e ela está recebendo uma forte dose de
antibióticos. Se quiserem que ela viva, vamos ter que amputar metade da perna.
Enrique se levantou como uma mola e caminhou de um lado a outro, contendo-se para não atacar
Orlando e moê-lo até a morte. Não conseguiu se conter. Deu-lhe um soco na boca.
- Pronto, já está feliz, filho da puta desgraçado!
Teresa dissipou o desentendimento entrepondo-se entre eles. Levou Enrique para uma cadeira.
- Por favor! Pensem na menina!
- Explique-se, doutor Enrique murmurou, sem olhar para ela.
O médico os observou severamente. Ele respirou fundo.
- Devemos fazer uma amputação transtibial.
- Que merda é isso? - Orlando perguntou ao médico, tirando sua arma e deixando sobre a mesa
do consultório. Não havia necessidade para mais essas coisas. Não naquele momento.
- Acalme-se, senhor Ruiz. Nós só queremos o melhor para Olivia.
- E a melhor coisa para você é cortar a perna dela.
- Não é cortar a perna, é tirar o pé e parte da tíbia abaixo do joelho.
- Dá no mesmo.
- Não senhor, não dá no mesmo - o homem levantou os olhos para o teto -.
Ao fazer a ruptura entre terço superior e o terço médio, vamos ganhar muito quando tiver que
colocar a prótese.
Orlando Ruiz pegou sua arma.
- Minha filha com prótese! É o cúmulo!
O médico pouco se importou com a arma apontada para ele.
- Neste caso é melhor, senhor Ruiz. Pelo menos ela está viva. Poucos têm essa sorte. Agora o
que importa é o sucesso da cirurgia. Vou tentar preservar a maior extensão possível para que haja um
bom resultado mais tarde.
Orlando acomodou a arma no cinto.
Tradução Lauren Moon - Se alguma coisa acontecer com ela, você vai estar morto antes que o dia
termine.
- Como se atreve a ameaçar o médico que irá salvar a vida de Olivia?
-
ineterpôs Enrique.
- É melhor sair daqui - concluiu Teresa -. Você já fez bastante dano. O médico falou novamente e
levantou a voz.
- Se vocês continuarem assim, eu receio que terei que pedir ajuda para que deixem o hospital.
Não posso pôr em perigo a vida dos meus outros pacientes. Será que posso continuar? - os três
presentes ficaram em silêncio. O médico respirou fundo e continuou -. O problema virá mais tarde. A
recuperação não será fácil, mas vamos cruzar essa ponte quando chegarmos a ela. Vamos tirar os
estilhaços que sempre acompanham essas lesões.
- Não se preocupe com dinheiro.
- Alegro-me em saber disso. Vão precisar.
Enrique e Teresa estavam entorpecidos.
*
Eles estavam reunidos na sala de espera, aguardando o resultado da cirurgia. Enrique
caminhava de um lado para o outro. Teresa rezava com os olhos fechados e um rosário na mão.
Orlando Ruiz estava sentado com os cotovelos sobre os joelhos, de cabeça baixa, com as mãos no
rosto.
- Você é uma vergonha para sua filha - sussurrou Enrique para Orlando
-.
Agora você sabe o que se sente ao arrebatar algo valioso. Não acredite que vamos aceitar o seu
maldito dinheiro para a recuperação de Olivia.
Orlando tirou as mãos do rosto e encarou o homem que o torturava com palavras.
- Isso quem decide não é você.
- Seu dinheiro - apontou com o dedo -, é um dinheiro maldito! E eu não o quero perto da minha
família! Esse dinheiro está manchado com sangue e trará mais sofrimento a minha menina.
- Se você não fosse quem é, eu daria um tiro em você agora mesmo.
- E como sempre eu ficaria impune, eu sei, mas, então, a menina estaria sozinha porque você não
serve como pai. Primeiro arrebatou seu coração e agora sua perna.
Tente arrebatar qualquer um de nós.
- Acalme-se, Enrique - Teresa levou uma mão ao ombro do marido.
- Não, Teresa, não vou me acalmar!
- olhou para Orlando com firmeza -. Se você ama sua filha, fique longe dela.
Orlando Ruiz tocou no próprio cinto. Cuspiu no chão e se afastou, para outra cadeira, longe de
Enrique e Teresa. Ninguém disse nada mais.
*
Tradução Lauren Moon O funeral de Enrique Herrera reuniu quase todas as pessoas da cidade ao
redor do caixão e de sua viúva. As pessoas gostavam dele, e cada um tinha uma lembrança de homem
forte e honesto que ele tinha sido.
Teresa estava vestida de luto, um preto sombrio. Com total controle de si mesma, recebeu as
condolências daqueles que dele se aproximavam.
Naquela noite, ela caminhou pelo quarto que Enrique usou. Alisou ainda mais a colcha da cama,
pensando que doaria para a casa de repouso a cadeira de rodas e alguns utensílios que foram úteis
durante sua doença.
Em seu coração habitavam sentimentos emaranhados. De um lado estava o luto pela morte do
amor de sua vida, e este sufocante sentimento de culpa por não ter estado lá. Por outro lado, também
sentiu uma sensação de alívio, porque o homem não sofria mais.
O homem que havia habitado aquelas quatro paredes era um ser doente e sem memória, e ela
estava certa de que seu marido tinha experimentado o calvário em que havia se convertido o
Alzheimer para a sua família e para si mesmo. Teria desejado não ter vivido tanto tempo.
Olivia voltou para o apartamento depois de confraternizar com seus primos. Miguel a esperava
no sofá. Ela correu para os seus braços, refugiando-se neles.
- Fico feliz por você estar aqui disse sobre seu peito.
- Não podia deixar você sozinha. Não chore mais - secou suas lágrimas com o polegar.
- Quisera não ter que chorar mais até o fim da minha vida - murmurou, mas esses desejos não se
realizam. Nunca.
Nessa noite, ao menos, Miguel a acompanhava. Sua companhia a tranquilizava e logo seu choro
terminaria.
Tradução Lauren Moon
Capítulo XXII Depois de uns dias, a vida voltou à normalidade. Os filhos de Teresa voltaram para a
capital. Amanda, a filha mais nova, ficou alguns dias. Olivia voltou ao seu trabalho e suas atividades
com o grupo de mulheres. Ela se reuniu com o arquiteto da obra e o engenheiro. A administradora
que lidava com os interesses do casal Preciado rubrica a quantidade de dinheiro para o início dos
trabalhos. O arquiteto comentou com Olivia que iria começar com as escavações no início da
próxima semana, tão logo chegassem as máquinas para realizar o trabalho. Olivia disse a ele que
estaria em Bogotá nesses dias. Em qualquer eventualidade usariam a comunicação por e-mail.
No final da tarde, Olivia foi até a propriedade da família Ochoa. Levoulhes um filhote de porco,
presente de um dos agricultores da região.
- Graças a Deus você veio com este animal. Estas crianças estavam me enlouquecendo desde o
amanhecer – disse Helena Ochoa. Eles o trancaram em um pequeno curral improvisado. As crianças
seguiam cada passo dado pelas mulheres.
- Podemos colocar um nome nele? perguntou Mateo, um menino de cerca de sete anos.
- Não seja ridículo - disse o irmão mais velho. Meu pai vai matá-la quando crescer e engordar -
ele encolheu os ombros -. Por que se preocupar?
O menino começou a chorar.
- Mas eu não quero que a matem.
- Você viu o que você fez, Felipe?
repreendeu sua mãe, disposta a dar-lhe um cascudo.
- Acalmem-se, família - expressou Olivia -. É uma porquinha, Mateo, e eu não acho que seu pai
vai matá-la quando você poderia obter uma boa criação com ela.
O irmão mais velho estava incrédulo, mas mais animado para afeiçoar-se ao animal.
- Vamos dar-lhe um nome, então concluiu a mãe.
- Margarita - arriscou um.
- Não, vamos colocar o mesmo nome da empregada que tínhamos em Bogotá e que me fez
chorar minha mãe estalou Philip -. Dioselina!
- Oh, não, não façamos esse mal à coitadinha - estalou Helena, sorrindo.
Olivia riu. Após uma extensa deliberação, eles puseram seu nome de Pacha. Nisso, chegou
Miguel e encontrou as crianças ao redor de sua Olivia, acariciando Pacha. Ficou surpreso com a
maneira com que ficava seu batimento cardíaco a cada sorriso dela, mesmo que estes não fossem
dirigidas a ele, mas ao grupo de crianças.
Tradução Lauren Moon
Era tão afortunadamente bonita: suas sobrancelhas bem delineadas, a cor de seus olhos que
variavam dependendo de seu humor, e essa boca voluptuosa, que tantos pensamentos sublimes e
pouco santos geravam nele. Olivia estava penteada com uma trança grossa da qual haviam escapado
algumas mechas.
- É o animal mais doce que eu já vi na vida - disse Miguel, assim que ela percebeu sua
presença. A porca, de repente, o atacou, mas por ser pequena não fez muito dano. Olivia acabou com
o traseiro na lama e rindo muito. As crianças riram juntas, enquanto apontavam para ela. As risadas
se converteram no som mais doce que Miguel havia ouvido em muito tempo. Aproximouse para
ajudála a se levantar e tirou o animal de cima dela.
- Não, deixe-a, estava assustada a pobrezinha - Olivia comentou, com um sorriso.
- Estragou sua calça comprida. Olivia se levantou com alguma dificuldade, e olhou seu traseiro.
- É apenas sujeira, nada que uma boa lavagem não resolva - olhou para ele com olhos
brilhantes.
Miguel se lembrou dos dias na ravina, aqueles em que ambos riam com as brincadeiras e piadas
que ela contava.
-Vamos sair daqui.
- Para onde? Eu ainda não terminei. Ele se aproximou e sussurrou em seu ouvido: - Se você não
quiser que eu tome você atrás daquela árvore, melhor vir comigo - e acompanhou as palavras com
uma leve mordida no lóbulo da orelha.
- Mas eu ainda ….
Ele capturou sua boca com um beijo feroz.
- Senhora, no domingo mandarei alguém para buscá-los, assim as crianças poderão montar a
cavalo - Miguel disse enquanto segurava Olivia pela mão para levá-la para à camionete.
- E isso por quê?
- Por nada, quero apenas colaborar ele a olhou com um sorriso brilhante -. Convide as crianças
que desejar para o próximo domingo. Vamos organizar alguma coisa.
- Ora - disse surpresa – muito obrigada.
Beijoua com mais afinco.
- Agora eu quero você só para mim estava ansioso para devorá-la.
- Se você coloca dessa forma …
- Ela o seguiu e disse adeus para a família com um cumprimento de mãos.
- Onde vamos? - perguntou quando a camionete deslizou pela estrada.
-Você já vai ver.
Tradução Lauren Moon
Não disseram mais nada até que Miguel pegou um caminho familiar.
- Oh, Miguel - disse em um sussurro.
- O quê? - Acariciou o contorno de sua bochecha.
- Não havia voltado a este lugar.
Miguel notou o olhar de nostalgia dela, e pensou que havia se precipitado em sua decisão de
quer passar a tarde com ela, no lugar onde ele a conheceu.
Mas a expressão em seus olhos mudou quando saiu do carro e percorreu o pequeno caminho,
observando cada árvore, cada pedra e a lagoa que brilhava à distância com o pôr do sol.
- É bonito. Não mudou nada.
Ele a abraçou por trás, enchendo seu pescoço com beijos. Ela quis afastálo.
- Miguel, estou suada e cheia de barro. Além disso, eu não tomei banho.
- Excita-me que você esteja assim … e que cheire assim.
Olivia se afastou dele finalmente, e deu uma risada suave.
- Não acredito.
- Quer uma prova? - Ele se aproximou outra vez e pegou a mão dela, que levou a sua virilha.
- Você está doente - de novo, rindo.
- Sim, você está certa, estou doente por você! Por seu riso, por suas carícias e por esse corpaço que
eu quero saborear agora.
Ele a abraçou, encurralando-a contra a árvore que lhes trazia tantas lembranças. Deslizou as
mãos pelos braços dela, deixando dezenas de sensações em seu rastro.
- Oh, Miguel.
Não a deixou dizer mais nada porque monopolizou sua boca em um beijo quente e úmido
destinado a seduzir. O beijo se aprofundou quando ela abriu a boca e sua língua fez diabruras com a
dela.
- Deus, Olivia - sussurrou entredentes -. Você é tão deliciosa! Ela o agarrou pelo cabelo e se afastou
um pouco.
- Insisto que eu deveria tomar um banho, estar melhor arrumada para você. Vestir algo bonito.
Mais apropriado para a ocasião.
Miguel a silenciou com um beijo e enfiou a mão em sua calça para tocar sua feminilidade e
evidenciar que já estava molhada e pronta para ele.
- Eu gosto da sua roupa interior e do perfume você usa - disse enquanto esfregava o queixo em
seu pescoço -. Mas o que eu gosto é que você está sempre quente para mim.
Ele puxou sua mão úmida de sua calça comprida. Em segundos ele abriu sua blusa, desabotoou
o sutiã e estava beijando seus mamilos.
- E se alguém nos vir?
Tradução Lauren Moon - Não me importo, Olivia. Neste momento pode estar a porra toda de cidade
do outro lado dos arbustos, que não me impediria de amá-la - argumentou embora soubesse que
estavam sozinhos. Não cometeria as mesmas loucuras do passado.
Ele havia vigiado bem o terreno e não havia adultos ou crianças na região. De qualquer
maneira, as pessoas não se aventuravam tão tarde nesses lugares.
Depois dos encontros anteriores, eles haviam conversado sobre o método contraceptivo a
seguir. Miguel disse que era saudável, ele tinha ido ao médico para exame de rotina e não tinha
nenhuma doença. Além disso, sempre tinha usado preservativo. Com todas. Menos com ela, há uma
década. Olivia não queria que ele soubesse de sua vida sexual inexistente, mas também disse que ele
era saudável e que tomava pílula para controlar seus períodos irregulares, uma condição que
apareceu após a idade adulta.
Olivia levou as mãos em seu peito e em seus braços. Ele puxou sua camisa de uma vez e ela
acariciou seus mamilos com a mesma intensidade que ele fazia com ela. Então, esfregou o rosto em
seu peito, e o beijou.
Ela o beijou e beijou …
- Isso, meu amor, toque-me, gosto de ser tocado.
Ela não precisou de mais encorajamento. Continuou acariciando e explorando com mão.
Acariciou Miguel sobre o jeans, depois se inclinou e beijou sua barriga. Ele tremia de excitação pelo
seu toque e seu olhar embriagado de desejo. Olivia se ajoelhou. Colocou a mão no botão do jeans,
desabotoando-o. Miguel soltou um gemido quase imperceptível e ajudou a tirar o cinto do jeans.
Olivia baixou sua calça e cueca boxer, acariciando suas nádegas. Seu pênis emergiu longo e
duro. Ela o acariciou para cima e para baixo, estendendo-o e o envolveu sua mão. Ele se balançou
para frente, levando o membro até o seu rosto. Ela o aproximou de seus lábios.
A boca de Olivia se moveu em torno da cabeça do pênis. Miguel a olhava atordoado. Virou a
cabeça para trás, querendo aproveitar segundo a segundo da sensação da língua de Olivia. Gemia
sem pena e sem poder acreditar no que ela queria fazer com ele. Desejava que elo o sugasse até o
fundo. Ele grunhiu baixinho.
A boca quente e úmida de sua Olivia o levou para Nirvana. Seu toque inexperiente o inflamou
ainda mais. A sensação de dor quando roçava em seus dentes misturou-se ao prazer quando o chupou
e acariciou com a língua. Lutou contra o desejo de mergulhar até o fundo daquela boca disposta a
abriga-lo. Não queria parar, e seu mundo se reduziu a este momento endiabrado. Ela olhou para ele e
o verde de seus olhos, assim como o olhar lascivo em seus olhos o fizeram clamar desesperado.
Cada sensação pedia que terminasse com ela, que continuasse desfrutando de sua boca. Não poderia
demorar muito mais. “Nem pensar”, disse a si mesmo.
Ele a pegou pelos ombros e afastando-a.
- Quero senti-la - removeu sua bota, o jeans e calcinha em tempo recorde.
Ele deixou a prótese. Ele a acariciou, beijou, mordiscou seus ombros. Ele a queria dominada
pela luxúria. Ele a queria enlouquecida pelo desejo, que ansiasse por ele, e ele cobiçava-lo. Ele
jogou com ele por um tempo, assim como ele a cobiçava. Brincou um pouco com ela, ainda que só
desejasse se enterrar nela. Ele abriu suas pernas e a acariciou, até que um som de súplica chegou aos
seus ouvidos.
Tradução Lauren Moon - Por favor, meu amor, por favor.
- O que você quer? Diga-me.
- Por favor - era a única coisa que ela sussurrava. Manteve seus olhos fechados. Seus dentes
mordiscavam seus lábios e suas mãos agarraram o quadril de Miguel.
- Diga-me - ronronava Miguel, enquanto que com suas carícias Olivia gemia em voz alta.
Miguel vivia para ouvi-la gemer. Olivia abriu os olhos e olhando de soslaio, arqueou-se contra ele e
disse: - Eu quero sentir você dentro de mim. Preciso de você.
Ele a agarrou pelo quadril e a levantou. Ela rodeou seu quadril com as pernas. Estava mais do
que pronta para recebe-lo, e ele a penetrou. Empurrou duro, cravando-a na árvore. Ele enfiou os
dedos em suas nádegas enquanto se fundia a ela em um ritmo selvagem, desesperado, como se não a
penetrasse o suficiente. Fricção, sons, ardor e o reconhecimento de que algo profundo e primitivo os
marcava levou-os a um orgasmo devastador.
- Olivia, meu amor - sussurrava Miguel, enquanto trazia sua boca para ele e lambia seus lábios,
entre gemidos que se misturavam a suas respirações. Como adorava o rubor de excitação nas
bochechas de Olivia, à iminência do orgasmo!
Após a libertação, eles permaneceram respirando com dificuldade, agarrados um ao corpo do
outro.
- Não quero sair de você.
- Não saia - ela murmurou e apertou sua boca no ombro do homem.
- Estar em você é como morrer um pouco e renascer. É assim que você me faz sentir - pegou seu
rosto e a encheu de beijos. Ele a levou para a beira da lagoa, e tirou sua prótese como se fizesse isso
há anos. Miguel se sentou na orla com água apenas para cobri-los e a sentou em seu colo.
Observaram o ambiente ao redor deles e notaram as poucas mudanças sofridas nos anos de
ausência. Olivia saiu do colo de seu Miguel. Flutuou na água, ficou de costas e nadou, afastando-se.
- Nem se atreva a fazer um de seus truques.
- Você não é capaz de me alcançar disse ela, dando algumas braçadas e afastando-se para o
centro da lagoa. Miguel a pegou rapidamente.
- Não me assuste.
- Não tenho por que assustá-lo. Eu sempre fui boa nadadora - olhou para ele interrogativamente
-. Oh, já entendi, você pensa que, porque eu perdi uma parte de mim é impossível que eu nade.
Parecia que Olivia o repreendia, mas era só uma brincadeira com ele. Sorria enquanto falava.
- Não quis dizer isso - disse Miguel, sentindo-se tolo.
- Reconheça. Não tenho nenhum problema com isso - Olivia o agarrou em suas costas e
prendeu-se a ele.
Tradução Lauren Moon
- Tudo bem, eu aceito. De repente, há coisas que eu não sei, mas você pode me ensinar.
Olivia beijou sua nuca, o que levou a pele de Miguel a se arrepiar. Ele a pegou por uma perna e,
sem soltála, se virou. Ele a abraçou, ela se agarrou a ele e descansou a cabeça no lado de seu ombro.
Sentia os batimentos de seu coração.
- Eu quero saber como foi sua recuperação.
- Como você acha?
- Espantosa - disse em voz baixa. Olivia baixou a cabeça.
- Bem, eu vou contar, mas apenas uma vez. Então, não vamos mais falar sobre isso.
Eles se aproximaram da orla, ele a aconchegou de volta em seus braços. Suas costas contra seu peito.
- Eu não quero que você se sinta mal por mim.
- Você não pode me pedir isso, Olivia. Eu sofro cada maldito dia por você.
E assim, com essa confissão, Olivia respirou fundo e começou seu relato. *
Eu sentia que estava caindo, lutando para abrir os olhos, mas o mundo tinha-se tornado
intangível. Ouvia vozes abafadas e quando finalmente consegui mover minhas pálpebras, uma luz
que me cegava fez com que elas se fechassem novamente. Uma voz feminina me acalmou com a sua
voz, dando-me um pouco conforto. Eu queria falar, mas da minha boca só saiam gemidos. A dor
era tão intensa. Não sabia o que tinha acontecido comigo, ou por quanto tempo mais eu teria que
permanecer entre a realidade e inconsciência. Parece que saltei da consciência aos sonhos em
várias ocasiões. Eu sentia dor e muita tristeza, em seguida, a fadiga. Até que a dor era a única
constante.
Eu ardia no calor, com certeza era pela febre, mas eu me sentia no inferno por culpa de minhas
mentiras. Não foi minha culpa! Por favor, me perdoe!, dizia em sonhos, em seguida, voltava o fogo e
o choro. Eu percebia uma carícia, um pano quente na testa, frescura e a fadiga abençoada.
Eu abri meus olhos com certeza para encontrar com pontos de luz à distância. Alguém me
curava. Tentei me mover, mas meu corpo doía. Qualquer esforço acarretava um gemido. Quando a
visão clareou e os pontos de luz desapareceram eu podia moldar as faces de minha tia e da
enfermeira, cuidando de mim. O rosto e os braços tinham arranhões e pequenas feridas que a
enfermeira curava. O cheiro de antisséptico me deixava tonta. A dor aguda na perna esquerda me fez
lembrar da Fernanda e da explosão.
Acho que foi esse pranto interior que veio em cima de mim como uma cachoeira. Eu não
conseguia deixar de ver aquelas imagens, nem de tremer, nem de sentir tristeza. Eu acreditava que
assim morreria, presa nesse torvelinho de horríveis lembranças e arrependimentos.
Tradução Lauren Moon
“Em algum momento uma luz ficou forte. E com essa luz vieram sons, movimentos, o toque de
outras pessoas. Onde estou? - Eu perguntei com dificuldade. Não reconheci o tom de voz grave
que saiu da minha garganta.
Ninguém respondeu. Eu apenas senti outra dormência. E cansado.
Quando voltava por quem sabe qual vez à consciência, ouvi à distância vozes de uma mulher
desconhecida e de minha tia, que não fiam mais que perguntar.
- Devem mantê-la enfaixada.
- E o dreno? -Teresa perguntou.
- Vamos retirá-lo dentro das próximas 48 horas e trocaremos o curativo três ou quatro vezes por
dia.
- Vai doer muito?
- Sim, mas para isso são os analgésicos.
Senti a mão de minha tia segurando a minha mão, dando-me conforto.
- Minha menina, minha menina repetia angustiada.
- Água, quero água - gaguejei em meio à neblina que havia se transformado meus pensamentos.
Desta vez não houve analgésicos ou fadiga. Minha tia me trouxe um copo com um canudo. Bebi
um pouco e tive mais ansiosa para falar.
- Meu pé esquerdo está doendo…
- Acalme-se - disse a outra mulher.
- Dói este seu pé? Enfermeira, o que a minha sobrinha quer dizer?
perguntou meu tio.
- Chama-se a dor fantasma - disse uma voz viril e forte, mais distante que os outros. Eu ouvi o som
de papéis e alguns passos se aproximando. Uma mão grande e áspera tocou meu pescoço, algo afiado
que estava incorporado no braço e o curativo -.
Deve-se ao fato de se pressionar um terminal nervoso produzindo um sinal ao longo do nervo
remanescente entre o coto e dedo. A sensação será como se fosse na ponta do dedo.
O cérebro não tem como saber que o membro não está mais lá.
Foi então que eu percebi que eu não estava mais entre o sono e a consciência, mas sim na
realidade.
Abri os olhos com medo, e detectei a expressão de angústia dos meus tios, eu vi o homem que
havia falado, um doutor de jaleco branco e cabelos brancos. Eu fiz uma varredura da sala com os
olhos. Prestei um cuidado especial a minha tia, que tinha olheiras profundas e olhos inchados de tanto
chorar. Meu tio estava atrás da mulher que deduzi ser a enfermeira. Em uma mesa havia um buquê de
rosas. Atrás, as cortinas abertas, por onde entrava o sol da manhã.
- Do que você está falando? Perguntei com algum pigarro.
- Eu não sabia que estava acordada, Senhorita Ruiz - o médico olhou para mim preocupado, mas
quis esconder a preocupação atrás de um meio-sorriso. Ele olhou para os meus tios -. Talvez eu não
tenha o tato para dizer isso. Melhor deixá-los sozinhos.
Tradução Lauren Moon
O médico e a enfermeira deixaram o quarto. Minha tia se desdobrou em soluços. Meu tio
colocou uma mão sobre meu ombro e outra na minha testa. Ele era um homem forte e de muitas
palavras. Coube a ele me dar a grande notícia. Ele se sentou ao meu lado na beirada do colchão.
Deu-me um beijo na bochecha.
- Você andava com Fernanda quando tiveram um acidente - começou dizendo, e eu sabia em
meus sonhos que não era apenas isso. Senti as lágrimas rolarem pelas minhas bochechas.
Eu não sei quais as palavras que ele usou, eu não sei quais estratégias usaram para me manter
viva após a notícia. Só sei o que ele disse. Minha melhor amiga estava morta e que eu tinha perdido
uma perna.
Lembro-me da angústia, dos gritos, de um coração partido.
Lembro-me que o médico veio com mais enfermeiros, e que injetou o conteúdo de uma seringa
dentro da bolsa do soro.
Então, nada. Apenas névoa, névoa e escuridão. As lágrimas secaram no meu rosto. Acabaram as
memórias daquele dia.
Quando eu acordei de novo não permiti que ninguém soubesse. Eu tinha tanto pesar que não
podia me mover ou chorar, eu mal podia respirar. Eu abri meus olhos e fiquei acordada, quem sabe,
por minutos ou horas, ouvindo o silêncio da partida de Fernanda e da minha perna, ouvindo a
conversa de outras pessoas. Memorizei cada palavra que dizia uma mulher, que mais tarde descobri
que era a psicóloga especializada em trauma, Patricia Arboleda, porque eram suas palavras que
dariam sentido à minha vida a partir dali, se é que alguma vez minha vida voltaria a ter semelhante
qualidade.
- Antes de qualquer terapia, Olivia deve assumir a sua perda, que o fará por meio de um
processo semelhante ao luto. Ela não só perdeu uma perna, mas perdeu quanto essa parte de seu
corpo significava para ela. Portanto, é tudo o que ela vai perder daqui por diante. Devem permitir
que ela viva sua dor, que assuma sentimento de tristeza, raiva e impotência. Devem, também, adaptar
novos papéis para reposicionar emocionalmente quanto se perdeu para que ela volte a ter vontade de
viver e seguir adiante.
- E a prótese? - interrompeu minha tia.
A reabilitação e a prótese constituem o tratamento ortopédico que melhor contribuirá à
readaptação de Olivia à vida normal. É um processo longo, que será melhor explicado pela equipe
de reabilitação, só sei que deve dessensibilizar o coto por meio da terapia de para se adaptar a
prótese, esse equipamento, vai permitir que ela recupere a mobilidade, a autonomia funcional e
independência. Além disso, ao ficar mais bem escondido os efeitos de amputação, ela vai ver
melhorada sua aparência física.
As lágrimas tinham deixado meus olhos. Eu fiz um som com o nariz que chamou a atenção dos
presentes. A mulher estranha acariciou meu cabelo que tinha aderido em minha fronte.
- Ei, Olivia.
Eu fiquei em silêncio e imóvel, sem olhar para eles. Por dias.
As próximas semanas foram um inferno. Durante esse tempo mostrei toda a rebeldia que não
tive na adolescência. Quando voltaram a falar da prótese, reagi com indiferença. Quando eu
estava sozinha, eu ficava olhando para o coto enfaixado, pensando que ninguém me entendia e
que, a partir daquele momento, esse asqueroso coto faria parte Tradução
Lauren Moon
de mim. Para sempre. Seria a testemunha muda da experiência mais dolorosa da minha
existência. Queria conceber um plano mestre para morrer.
Plano que nunca consegui.
Talvez porque eu só podia pensar nessa maldita dor, como se o pé ainda fosse parte da perna
que estava lá.
Uma manhã estendi a mão para coçar meu tornozelo. Quando eu lembrei que eu não tinha essa
parte do corpo, eu joguei que estava na mesa de cabeceira: copos, jarros, um livro.
Outras noites, eu me comportava grosseiramente com a psicóloga e enfermeiras. Eu os
expulsava do quarto com gritos e insultos. À noite, minhas lágrimas não bastavam e meu coração se
vestia de amargura pensando em todas as minhas perdas.
Pensava muito em você, é claro, e que você deveria estar me odiando. Eu não sabia que seria
minha vida até então. Eu estava em um labirinto escuro. A agonia que inundava meu peito era pior do
que a dor física pela perda da minha perna.
Depois de cinco dias chegou meu pai, em um momento em que eu estava sozinha. Eu o olhei
chocado e com ódio.
- O que você faz aqui? - perguntei com raiva.
- Eu gostaria de saber como você está, Olivia.
- Um pouco tarde para isso, não acha?
- Só quero que você esteja bem. Perdoeme, filha - esquivou seu olhar.
O que ele eachava acha? Eu joguei as ataduras que tinha na mão em seu rosto.
- Vá embora! Isso é culpa sua! O Senhor Ruiz se aproximou da cama, ajoelhou-se, pegou minhas
mãos.
- Eu vou fazer o que for preciso, Olivia. Você vai ter os melhores especialistas na Itália ..
Eu pedi que ele soltasse as minhas mãos.
- Eu não quero nada de você, escória Ruiz. Eu prefiro andar com uma perna de pau. Consegue
me entender? Eu disse com raiva -. Vá, basta ir! Eu não sou sua filha, eu vou negá-lo até eu morrer.
-Olivia ..
- Vá embora! Ou eu vou gritar até que tirem você daqui! Eu não quero vêlo nunca mais! Você
entendeu? Jamais!
Ele me obedeceu.
Naquela noite eu chorei por ele, pelo homem abominável que ele havia se tornado, pelo pai que
sempre sonhei ter e cujos sonhos inclusive eu perdi. Eu enterrei esse sentimento em uma parte do meu
coração, eu cobria o pequeno lugar com camadas de amargura.
Alguns dias mais tarde eu dei meus primeiros passos na companhia da fisioterapeuta. Eles me
ensinaram a andar de muletas, e semanas mais tarde eles me mostraram a prótese para simularia
minha perna e me deram os parabéns pela minha rápida Tradução Lauren Moon recuperação. Eu
não disse nada a ninguém, exceto minha tia, quando nós estávamos sozinhos: - É horrível, eu não
serei capaz de usá-la. Quem vai me querer assim?
Ela me abraçou.
- Minha filha, o homem que não enxergar mais além da sua deficiência, não merece você. O
homem que amar você, vai amá-la sobre todas as coisas e não dará importância ao seu sobrenome.
Agarrei-me ainda mais em seu peito.
- E se esse homem nunca chegar? Minha tia colocou uma mecha atrás da minha orelha.
- Você logo verá que sim.
- E se não?
- Então, você ficará sabendo.
Ao longo dos dias a dor foi-se dissipando, mas nunca desapareceu completamente. Eu terminei
a reabilitação, e em nove meses ensaiei a primeira prótese. Eu não voltei para San Antonio, recebi o
diploma pelo correio depois de fazer as provas pertinentes, e no ano seguinte entrei na universidade.
Meus tios arcaram com os gastos.
*
Quando Olivia terminou seu relato, Miguel secava suas lágrimas sem que ela percebesse.
- Quer uma piada agora, Tenente? Miguel sorriu, mas não sabia se era por pena dela ou
vergonha de si mesmo.
- Sempre que eu quero uma piada sua - respondeu num sussurro, sem levantar o olhar.
- Um padre está correndo, porque um leão o persegue. De repente, o padre se ajoelha e diz:
“Senhor, peço-lhe este leão se torne um cristão.” O leão se ajoelha e diz. “Senhor, abençoe este
alimento que vou comer”
Olivia esperava ouvir sua risada, mas ao notar o silêncio, virouse, levantou o rosto e o que viu
a deixou sem palavras. Miguel não apenas tinha seus olhos cheios de lágrimas, mas estas desciam
abundantemente. Ele tinha o nariz molhado e os lábios secos.
Ela o abraçou. Ela, Olivia, deu conforto ao seu homem.
- Fazia muito tempo que eu não contava piadas, mas não pensei que a próxima vez que eu
contasse faria você chorar tanto assim.
Miguel a abraçou ou se abraçou a ela, nunca soube qual das duas ações.
Só sabia que a estreitou forte e não queria voltar a sair nunca mais daquele abraço protetor.
- Eu deveria ter estado lá, Olivia. Eu fui tão estúpido … tão estúpido!
Tradução Lauren Moon
Olivia, então, não conseguiu segurar que seus olhos marejassem, mas não chorou. Não. Já havia
chorado o suficiente. E já tinha chorado inclusive por este momento, que tantas vezes imaginou.
- Não diga isso. Você teve muitos problemas. Não há nada a perdoar.
Além disso, isso aconteceu uma década atrás. Nós não podemos viver no passado. Você mesmo
disse isso, lembra?
Miguel concordou e sorriu levemente.
Sim, eles não podiam viver no passado. Isso era uma coisa tola.
Ele limpou as lágrimas.
A caminho de La Hacienda, Olivia se perguntou se ele iria com ela para Bogotá. Ele disse que sim,
claro. Que iria acompanhá-la até o fim do mundo, se possível. E ele estava disposto a fazer tudo o
que fosse necessário por seu irmão.
Comentou que havia falado com o advogado que cuidava do caso. Ele se encarregou de
apresentar a documentação. Há um ano eles cobiçavam a Lei de Justiça e Paz. Ele também afirmou
que tinha outra investigação pendente, mas que não falaria até que chegasse a hora. Olivia não
questionou. Ela entendia que havia momentos em que não se devia falar até chegar o momento.
Assim, limitou-se simplesmente a responder: - Parece perfeito.
Tradução Lauren Moon
Capítulo XXIII Olivia arrumava os últimos detalhes da viagem a Bogotá, que aconteceria nos
próximos dias. Claudia a olhou de canto de olho e voltou para o seu computador.
No momento em que ficaram sozinhas, exteriorizou: - Eu vejo que você está diferente, amiga.
Seus olhos brilham e você sorri sozinha. Até sua pele resplandece! Tenho certeza de que nada se
deve a este novo creme que você comprou.
Olivia pegou um caderno de notas, cobriu o rosto e começou a rir.
- Não! - Claudia gritou, surpresa -. Eu quero detalhes.
- Estou muito feliz. Por isso me sinto bonita e desejável.
- Uau!, pois deixeme dizer que você sempre foi bonita e desejada Claudia sorveu sua bebida -. Você
teve admiradores, todos que você possa imaginar.
Mas que você tenha decidido esperar como uma donzela do século XIX pelo único homem de
sua vida é outra história. Embora, pensando bem, eu entendo você; ele é um pedaço. Também é um
bom amante?
- Claudia!
- Não banque a hipócrita comigo. Ele deve ser excepcional, exceto que ele é melhor do que um
bolo com recheio de creme e coberto com chocolate.
- Ele é perfeito, e isso é tudo o que eu vou dizer.
- Estou feliz por você, amiga. Já era hora de você começar a viver.
Para Olivia foi uma surpresa saberse tão desejada como Miguel a desejava. Era um bálsamo
para sua autoestima e a fez se sentir mais segura em seu papel como mulher. A avidez com que ele a
olhava, o jeito que ele fazia amor, a expressão em seus olhos, o gesto de sua boca ao alcançar o
orgasmo, a forma com que ele a segurava junto dele como se quisesse fundir-se com ela … Ele a
tinha deixado em um mar de pensamentos indecentes!
Ela sorriu involuntariamente, recriando as cenas vividas.
Claudia tinha deixado de tentar obter mais informações. William tinha voltado do banheiro e
Ivan tinha terminado de falar no celular. Eles estavam todos reunidos em volta dela, concentrados em
suas atividades. Olivia digitou algo no computador e voltou aos seus pensamentos.
Miguel era o homem mais bonito e viril que ela conhecia. Não tinha certeza do porquê dele ter-
se fixado nela, quando ele poderia atrair as mulheres mais belas.
Sua alegria desceu alguns decibéis. Ela não estava acostumada à felicidade, e sentia que eu não
a merecia. Algo que poderia acontecer para levá-la toda ao poço e, então, onde ela ficaria?
Tradução Lauren Moon
Não tinha ideia.
Como superar o medo de ser feliz? “Eu sou uma tremenda candidata para a psicanálise”, deixou
escapar um outro sorriso.
Desfrutaria a companhia de Miguel sem pensar muito no futuro. A vida tinhalhe ensinado a não
fazer planos, porque a realidade, aquela senhora certinha e arrogante que você aguava a festa dos
sonhos, poderia fazer uma aparição no momento menos esperado.
- Apenas dez pessoas irão à audiência - apontou William, mostrando a lista de nomes.
- Pior nada - disse Claudia.
- Irão seis mulheres e quatro homens
- informou Ivan -. Apenas sete falarão com a psicóloga.
- Seu amigo Miguel está na lista ratificou William, não sem certa ironia.
- Sim, eu sei. Precisa de informações para o caso do irmão dele. Além disso, Zambrano foi quem
atirou em seu pai.
Sem levantar a vista de seu laptop, Claudia disse: - As formas já estão diligenciadas. Tudo está
pronto. As exigências probatórias estão documentadas, ou em outras palavras, as provas de que
houve um dano real por parte da pessoa que vai dar a versão livre
-. É incrível! Centenas de mortos e eu aposto que aquele bastardo não vai confessar nem a terça
parte.
- Como você está? - Ivan perguntou Olivia.
- Muito bem. Impaciente para ouvir o que este homem tem a dizer. Eu só espero que seja honesto
e não desperdice nosso tempo.
- Isso, todos nós esperamos William concluiu.
*
Ao chegar em casa, Olivia preparou uma maleta com algumas coisas: uma muda de roupa,
carteiras transbordando de documentos e equipamentos de sua prótese. Afinal, a roupa para tempo
frio ela a tinha em seu apartamento em Bogotá.
Ela parou o que estava fazendo e se sentou na cama para observar o vazio. Tudo se tornava mais
real à medida que avançavam os minutos. Fazia anos que não via Zambrano. Teria coragem para
enfrentálo? Porque ela o enfrentaria, isso ela tinha certeza. Ela precisava ver a justiça ser feita no
caso das pessoas que a acompanhavam e, é claro, Jorge. Nada daria mais satisfação que recuperar o
irmão de Miguel, e outras pessoas tinham o direito de saber por que desapareceram seus entes
queridos.
E os corpos?
Olivia soltou um gemido de angústia cobrindo o rosto com as mãos. Por que podia lidar com
tudo, menos com isso? Era algo que ela sempre quis saber, mas não tinha resposta. Apenas pedia a
Deus força suficiente para afrontá-lo quando a verdade aparecesse.
Miguel telefonou mais tarde: Tradução Lauren Moon
- Olá meu amor. Como vai?
- Bem. E a documentação está pronta. Quando sai o seu voo?
Miguel não podia viajar com ela, havia dito isso na parte da tarde.
- No dia da audiência, cedo. Eu tenho um outro problema para resolver antes de deixar os
assuntos da fazenda nas mãos de Pedro.
- Nenhum desses problemas é grave, certo? - perguntou enquanto colocava a bolsa de
cosméticos na mala.
- Não, nada sério. O que você está fazendo que ouço tanto barulho?
Olivia riu.
- Eu arrumando minha maleta de viagem.
Em tom de voz baixo e rouca, Miguel perguntou depois de um breve silêncio: - E … o que você
está vestindo?
Olivia deu outra risada, mais efêmera que a anterior.
- Você deveria vir ver.
Ele suspirou: - Eu adoraria, não sabe como eu sinto sua falta. Gostaria de vê-la, sentir seu
cheiro, gosto você … ai, ai, ai, fico duro só de pensar nisso.
- Miguel! - deu uma risada -. Isto está parecendo uma chamada para sexfone.
- Poderíamos fazê-lo por telefone, apenas diga que você quer colocar suas mãos bonitas em …
- Em seu corpo inteiro, e eu beijaria você e lamberia você todo - Olivia deixou a maleta de lado
e se deitou na cama. Levou as mãos ao seu sexo -. Quero que você faça comigo, Miguel. Agora.
O pequeno espaço que tinha como seu na casa de sua tia estava cheio de gemidos, suspiros e
conversas animada com descrições de corpos nus e atitudes de amantes.
Miguel rompeu o silêncio que os envolveu após o orgasmo. Sua voz já não tinha rastros de
luxúria, mas a seriedade e firmeza que a caracterizam.
- Prometa-me que vai se cuidar, minha Olivia. Eu vou buscá-la depois de amanhã de manhã
cedo para irmos juntos à bendita audiência.
- Eu vou ficar bem - depois de uma pausa, acrescentou -: Eu só quero que isso saia como
planejado e que o processo judicial seja útil.
- Eu também, Olivia. Eu também. Não vou prender você por mais tempo, você tem que dormir.
Doces sonhos.
*
Oliva chegou depois do meio-dia em Bogotá. Fazia um frio terrível e chuva banhava a cidade. O
céu estava nublado. Uma van da ONG estava esperando na Tradução Lauren Moon saída do
aeroporto. Acompanhou as pessoas que iriam à audiência judicial para acomodarem-se em um hotel
no centro da cidade, perto de onde as diligências aconteceriam. Olivia, Claudia e Teresa tinham feito
uma coleta na cidade para angariar roupas para o clima que teriam que enfrentar. Olivia podia
adivinhar os pensamentos que cruzavam as mentes dessas pessoas: apreensão, medo pelo que
aconteceria no dia seguinte e medo de voltar a uma cidade que tão duramente havia brincado com
eles durante o exílio. Um pouco mais tarde, ela passou nos escritórios da ONG, e à noite chegou ao
seu apartamento, localizado ao norte da cidade, no quinto andar de um prédio de doze andares.
Cruzou a porta do edifício, e rapidamente chegou à recepção.
- Senhorita Olivia: bem-aventurados os olhos que a veem - saudou-a o amável porteiro da noite.
- Olá Felipe, como você está?
- Bem, senhorita. Muito obrigado.
- O que há de novo?
- Milena hoje este por aqui - disse ele, referindo-se à empregada de Olivia que ia ao
apartamento duas vezes por semana -. Ela pegou sua correspondência.
- Obrigada, Felipe. Boa noite.
- Boa noite.
Ela pegou o elevador. Ao entrar em sua casa recebeu o perfume das flores que enfeitavam o
centro mesa da sala. Aproximouse e descobriu que eram lírios cor de laranja. Olivia gostava do
aroma que estas flores exalavam e sua empregada sabia.
O apartamento era pequeno e confortável, decorado de forma austera. A sala era decorada com
um sofá cor de areia, um pufe cor de café, uma cadeira estilo rainha Ana, da mesma cor do pufe e um
tapete espesso de cores vivas. Além disso, uma mesa de jantar de quatro lugares de madeira escura e
cadeiras estofadas na cor bege, e uma tela de pintura abstrata comprado em um mercado de pulgas
em Usaquén. A cozinha era separada da sala de jantar por uma bancada em mármore preto.
Olivia recolheu sua correspondência e foi para o quarto. Soltou sua maleta e se deitou em seu
colchão. Acendeu o abajur da mesa de cabeceira e foi revisando os diferentes envelopes de
correspondência.
A cama era de madeira escura, com uma colcha de retalhos de cores branca, marrom e amarela.
De um lado, havia o banheiro; do outro, uma cadeira elisabetana. Bem na frente havia uma televisão
de tela plana com uma prateleira onde descansavam alguns filmes.
Deixou a correspondência sobre a mesa e foi até o armário, onde ele tirou um pijama quente.
Em seguida, foi até a cozinha, onde colocou a chaleira no fogo.
Bebeu o chá e foi para a cama.
Que estranha parecia sua rotina solitária que a tinha acompanhado por uma década.
Não dormiu bem naquela noite. Às três horas da manhã, levantou-se para beber um copo de
água, em seguida, voltou para a cama, onde deu voltas até que a claridade encheu o pequeno cômodo.
Tradução Lauren Moon
Estava com medo das respostas; estava com medo de enfrentá-las, por mais que tivesse
dedicado dez anos de sua vida para encontrá-las. Com a alma repleta de maus presságios, levantou-
se para começar seu dia.
Bebeu um copo de suco e comeu torradas. Estava terminando de se arrumar quando o interfone
tocou. Ela atendeu rapidamente. Era o porteiro, anunciando a chegada de Miguel.
Terminou de pintar os lábios no espelho do banheiro, fez uma revisão em si mesma de cima para
baixo. Vestia uma calça cinza de boca larga e de cintura baixa, um blazer justo de cor preta e botas
fechadas. Completou com um casaco de lã de cor cinza e cachecol com cores vivas, que tinha
comprado em uma lojinha de hippie. Secou o cabelo liso, e decidiu por uma maquiagem de tons
pálidos e delicados.
Abriu a porta antes mesmo da campainha tocar. Envergonhou-se de sua reação, ainda mais
depois de ver Miguel, que parecia surpreso. Estava tão lindo, com uma calça comprida preta, uma
camisa branca com listras finas e uma jaqueta de couro preto curto; sapatos de camurça pretos com
cadarço e um óculos de sol Rayban Aviador. Olivia apertou sua mão na maçaneta da porta.
- Ora … - ele soltou, entrando no apartamento sem tirar os olhos dela. Sua beleza o
impressionava, causando-lhe uma confusão que ia da alma ao corpo, como se fosse um adolescente
qualquer com hormônios em desordem.
Estreitou-a em seus braços e fechou a porta com um pontapé. Em poucos segundos ela estava
sem vestígios de batom.
Ela se perdeu em seu beijo avassalador, penetrando-o com a língua até que ouviu um gemido
que vinha de sua garganta.
- Meu Deus, Olivia. Você está tão bonita - afastou-se para olhá-la. Tudo que ele queria era jogá-
la no chão, tirar sua calça, lambá-la até derreter e se enterrar nela.
Ela abriu os olhos e esboçou um sorriso tênue.
- Olá, você também está muito bonito.
- Temos tempo?
- Temo que não, deve estar em trinta minutos na promotoria.
Miguel grunhiu e afastou o peito dela.
- Vamos indo, então.
Saiu com ela do apartamento, segurando-a pela cintura. Estava nervoso, embora não quisesse
demonstrar. No elevador, ele a beijou de novo, como se tivessem todo o tempo do mundo e quando a
porta se abrisse uma cama esperasse por eles. Olivia ficou sem fôlego e lhe devolvia seu gosto de
hortelã.
As portas do elevador se abriram. Ele a pegou pela mão e a levou para a frente do prédio, onde
uma camionete os esperava.
- É sua?
- Sim, esta é a usada pela família quando estamos na cidade.
Miguel percebeu que Olivia não quis fazer o caminho até a promotoria em silêncio. Eles
falaram sobre o clima, o tráfego que era impossível naquela hora, a Tradução Lauren Moon viagem,
o tempo, mas a questão que ambos desejavam tocar estava ali, como um elefante na parte de trás do
carro.
Miguel queria perguntar se ela sabia sobre a acusação de que tinham feito contra seu irmão e
que tipo de assistência, se houvesse alguma, poderia ser fornecida ao bastardo que atirou seu pai e
partido sua vida ao meio.
Então, ele perguntou.
- Eu sei sobre ele, o mesmo que você sabe, Miguel. Ele só pediu para eu estar presente no
depoimento.
- Por quê?
- É algo que em breve saberemos.
Eles chegaram a um dos prédios da promotoria. Olivia se adiantou enquanto Miguel estacionava
a camionete. Claudia e William já esperavam no Tribunal Superior do Distrito, Sala de Justiça e Paz.
Nesse dia aconteceria, na verdade, a segunda sessão do processo. A primeira sessão, que
contou os membros de grupos ilegais protegidos pela lei, foi apenas para informar sobre seus
direitos e começar a questionar sobre suas origens na organização. Também solicitou-se uma relação
dos feitos que eles confessariam na segunda sessão, na presença das vítimas.
Vítimas e advogados estavam entrando na sala, juntamente com um psicóloga que acompanhava
o processo. Olivia cumprimentou os presentes e entrou na sala de audiências. Era uma sala com uma
parede com o logotipo do Ministério Público na frente e um televisor de tela plana com circuito
fechado de televisão, em que se mostrava outra sala com uma longa mesa onde havia três cadeiras
com microfones e, na extrema direita, a mesa do promotor e de uma secretária.
Finalmente, entraram alguns representantes do escritório dos direitos humanos e dois jornalistas
de uma das revistas de opinião mais importantes no país.
Acomodaram-se nas últimas cadeiras.
Um agente de polícia se aproximou do microfone e começou a falar: - Esta é audiência pública
da diligência de versão livre do senhor José Zambrano e do senhor Evaristo Morales.
Recomendamos a todos o bom decoro deste recinto, como o de guardar silêncio e de evitar qualquer
manifestação física diante das decisões tomadas pelas autoridades pertinentes.
Fez entra a promotora Beatriz Bonilla Rúgeles, uma mulher de uns quarenta anos, de cabelos
longos com mechas loiras e um penetrante olhar café. Ao seu lado ia o delegado da promotoria, um
homem jovem e magro.
Em poucos segundos os dois acusados apareceram com um par de advogados. Levantou-se um
breve murmúrio na sala. Olivia estava sentada entre Miguel e Rosa Santa Mejia. Ambos apertaram
sua mão.
O advogado dos Robles sentou-se atrás deles com computador aberto.
Sentiu o calafrio de Miguel e a tensão em seu corpo diante da aparição de Zambrano, que vestia
um colete à prova de balas.
“Os anos se encarregaram de cobrar seu preço em seu corpo e alma”, Olivia pensou quando
olhou para o par de bandidos com sua careca incipiente, um excesso de peso e bolsas sob os olhos.
Olhos duros e astutos.
Tradução Lauren Moon
Pediuse silêncio de novo e a diligência foi iniciada.
O promotor falou: - Bom dia a todos. Estamos aqui hoje porque queremos justiça, porque vocês
- apontou para os dois acusados -, têm o dever moral para com as vítimas e suas famílias. Ao
postularem a Lei da Justiça e Paz, estão cientes de que eles devem agir com a verdade. Esperamos de
vocês toda a colaboração possível para esclarecer os fatos e fechar este capítulo doloroso da
história do nosso país.
Eles deram a palavra a José Zambrano: - Antes tudo, eu quero pedir perdão por atos cometidos
na época em que eu era tenente de Orlando Ruiz. Eu sei que muitas atrocidades foram cometidas e
muitas famílias perderam tudo pelo que haviam lutado durante anos e vários de seus entes queridos.
Sei que por muito que discutamos não vamos ressuscitá-los.
- Se esse homem nos visse… sentenciou uma mulher assustada com o tom de voz, que
desencadeou uma série de memórias tristes e assustadoras.
- Não se preocupe, minha senhora. Ele está bem longe - respondeu a psicóloga, que se sentou ao
lado dela para tranquilizá-la.
Miguel percebeu que o homem estava lendo essas palavras de seu computador, que tinha em sua
capa a figura de um ceifador, o símbolo da morte. Notou também a soberba com que ele olhava para
as câmeras enquanto estava contando os acontecimentos, como se ele estivesse falando do clima.
“Grandessíssimo filho da puta”, pensou consigo mesmo. Queria explodir seu rosto e calá-lo a
socos, mas não iria isso, porque as vítimas, ainda que estivessem assustadas, compareceram e
queriam saber a verdade.
Zambrano justificou suas ações dizendo que deveriam limpar a área de guerrilha, causando
grande indignação nas pessoas presentes. Em menos de 20 minutos de diligência, Miguel observou
que era Zambrano quem dirigia a audiência.
- Eu seguia as ordens Ruiz. Ele me dizia quem era auxiliar da guerrilha e o que deveria fazer
com ele.
Miguel sentiu que Olivia ficava tensa em sua cadeira. Miguel colocou a mão em sua nuca e a
acariciou, em um gesto para tranquilizá-la.
- Nós limpamos a área - disse com orgulho.
- Não era o seu trabalho - respondeu a promotora, certamente cansada de sua arrogância.
- Eu também era uma vítima de alguns grupos e o Estado não estava lá quando deveria. Eu
também guardo ressentimentos com essa situação.
- Senhor - estalou a promotora, tomando rapidamente o controle do depoimento -. No caso de
existirem ressentimentos, aqueles com direito a senti-los são as vítimas de suas ações, não você.
A promotora voltou a pegar alguns documentos em suas mãos e leu: - O que tem a dizer sobre a
cooperativa Nuevos Horizontes?
- Isso era apenas uma fachada. Tradução Lauren Moon Nuevos Horizontes era a cooperativa fundada
pelo pai Miguel com os outros agricultores da região. O homem insistia em que estava infiltrada em
outros grupos.
- Filho da puta - Miguel voltou a sussurrou com os punhos cerrados. A promotora falou
novamente.
- De acordo com nossas investigações e do testemunho de membros desmobilizados de outros
grupos, isso não é verdade.
Zambrano sorriu ironicamente e ficou em silêncio.
- Por que ele matou Santiago Robles?
Desta vez, Zambrano respondeu muito rapidamente.
- Por meter-se onde não tinha sido chamado.
Miguel não pôde suportar a indignação com o que ouviu. Ele se levantou da cadeira e furioso e
saiu da sala. Olivia e advogado o alcançaram no corredor. Miguel caminhava de um lado para o
outro com as mãos cruzadas sobre a cabeça e o rosto abatido.
- É um cínico.
Olivia não se atreveu a falar.
- Miguel, estamos aqui por uma razão. Você precisa se acalmar! - disse seu advogado Rafael
Sinesterra, um homem jovem e alto, de cabelo loiro e os olhos castanhos. Era um dos melhores
advogados de defesa do país.
- Você o ouviu, por Deus! Você acha que aquele bastardo vai dizer algo que preste?
Olivia o pegou pelo braço e, com um ar abatido, tentou fazê-lo voltar para a sala de audiência.
Miguel, no entanto, estava longe de se acalmar.
- Vão vocês, eu preciso de um minuto sozinho - pediu, não sem perceber o rosto de Olivia.
- Miguel … - aproximouse e a abraçou -, como eu gostaria que tudo fosse diferente - disse com
o rosto pressionado contra sua jaqueta. Afastouse dele e voltou para a sala.
Miguel se sentiu um idiota, só pensava em sua dor, e ali estava sua mulher, com seu coração
destroçado. Não esperou o minuto que tinha pedido, mas chegou rapidamente ao local, e se sentou ao
lado de sua mulher. Colocou seu braço ao redor dela.
Ela olhou para ele com tanto amor que sentiu que junto dela poderia lidar com qualquer coisa.
Ela irradiava força, algo que a tornava especial. Ali, em meio a um ambiente hostil e povoado de
amargura, ela emitia luz e bondade, como essas boas bruxas dos contos de fadas com suas varinhas
podem resolver tudo. Sentiuse afortunado por ter o amor de uma mulher como ela. “Graças a Deus”,
pensou: “algo de bom veio disso tudo.”
Ele olhou para a câmera e assistiu Zambrano contar como ele tinha matado seu pai.
Tradução Lauren Moon
-O Chefe queria toda a terra do outro lado do rio e com essa feliz cooperativa não podia tê-la. Então,
decidimos começar a tirar as pessoas daquele lado da montanha …
Nas horas seguintes, as autoridades leram uma lista de pessoas que foram mortas entre 2002 e
2005. José Zambrano negou quase todos os assassinados e relatou com requinte de detalhes os
poucos que se imputou.
- Foi o que eu disse - falou Claudia. Olivia pediu silêncio com um gesto.
- Ele está negando seu envolvimento nessas execuções quando todos sabemos que participou de
todas elas - comentou um homem sentado, várias cadeiras além.
Ao meio-dia ele só tinha assumido a autoria de dois assassinatos, um deles o de Rosalía Correa,
uma mulher ativista da região. Miguel se surpreendeu pela maneira como narrou a morte da mulher.
Eles a esperaram no fim da estrada da cidade e a subiram na camionete. Um pouco mais tarde,
despejou seu corpo mutilado em uma vala. Ela foi uma das poucas pessoas que não desapareceu.
Queriam enviar uma mensagem, para assustar as pessoas. Miguel estava, por assim dizer,
particularmente impressionado com a ausência de culpa e remorso, como obedeciam às ordens sem
questionar, sem pensar em represálias ou nas consequências que derivavam de suas ações.
O homem relatou outro par de fatos igualmente violentos, com o que ficou concluída a diligência
da manhã. A promotora deu um recesso até as duas horas da tarde.
Já saíam da audiência quando o advogado de Zambrano interceptou Olivia. Claudia e outros
estavam prontos para levar as pessoas para o almoço em um restaurante próximo.
- Senhorita Ruiz?
- Sim, sou eu.
- Meu cliente quer ter uma palavra com você.
- Seu cliente não tem nada a dizer a ela - disse Miguel, segurando a mão de sua Olivia.
- Miguel, por favor - a mulher sussurrou.
- Ele disse que era importante disse o advogado, pouca se importando com a reação de Miguel.
Miguel se irritou mais ao ver a expressão de Olivia. Ele puxou seu braço e se afastou.
- Que diabos há de errado com você? Se você acha que eu vou deixar você chegar perto desse
tipo, está louca. Será que você não ouviu nada do que o sujeito falou lá?
- Aqui não acontecerá nada comigo. Não se preocupe tanto.
Miguel a estreitou junto dele, disposto a tirá-la dali mesmo se precisasse arrastá-la para fora,
mas Olivia era uma mulher de caráter.
Tradução Lauren Moon
- Você não tem nada a ver com isto, Miguel. É o meu trabalho e eu não quero que você
intervenha - e dizendo isso, deu meia volta e saiu com o advogado, que sorriu na despedida.
Miguel deu poucos passos e chegou até Claudia.
- Você viu o que ela fez? Não podemos deixála sozinha!
Claudia apontou com o dedo o par de guardas que custodiavam sua amiga.
- Ela tem proteção.
Claudia se aproximou de um dos guardas vigiava o corredor para lembrá los de que a vida de Olivia
dependia deles. Nesse momento, alguns funcionários pediram para que eles saíssem do edifício.
- Sinto muito - disse um dos guardas, o mais velho, Claudia e Miguel.
- Para que merda eu lhe pago? estalou para seu advogado -. Faça alguma coisa, eu não vou
deixála sozinha.
O advogado procurou papéis em sua pasta.
- Espere aqui.
Em questão de minutos, e graças aos contatos do advogado, eles foram colocados atrás de um
vidro de visão unilateral que dava para a sala destinada aos interrogatórios. Houve um equipamento
de escuta em um dos cantos. Um auxiliar do escritório o ligou.
Olivia caminhava de lado a lado com as mãos nos bolsos da jaqueta e olhar fixo no chão. Ela
estava pálida.
Tudo o que Miguel queria fazer era correr para o lado dela e apagar aos beijos a expressão de
desamparo e tristeza. Dizer-lhe que ele iria protegê-la com o seu amor, a sua vida, se necessário.
Apertava os punhos desesperado, enquanto um calafrio de impotência percorria seu corpo. Quando
Zambrano entrou na sala, seu autocontrole recebeu uma provação ao ver o olhar lascivo do homem
percorrendo Olivia de cima a baixo. O homem se sentou. Ele havia sido algemado.
- Isso não vai acabar bem exteriorizou Miguel, em um sussurro.
- Não prediga o que você não conhece - disse o advogado, olhando para a sala sem perder
nenhum detalhe.
Miguel se concentrou no que estava acontecendo dentro daquele espaço.
- Olá, Olivia - cumprimentou o homem -. Você ainda é bonita, apesar de seu problema -
demorou seu olhar na perna que tinha a prótese.
- O que você quer, Zambrano?
- Você não deveria tratar assim um velho amigo que você lembra de muitas maneiras.
- Vá direto ao ponto, eu não tenho tempo.
- Sabe? Ainda é tão boa como quando você era jovem e entrou naia até a ravina chafurdar com
jovem Robles. Devo confessar que eu tive grandes fantasias com você, se sabe a que me refiro -
Zambrano movida para cima e para baixo as mãos algemadas sobre o colo de sua calça.
Tradução Lauren Moon
- Maldito filho da puta! - Miguel berrou, dando murros contra as paredes.
Dispôs-se a sair para entrar na cabine onde Olivia estava, mas um par de guardas o parou
imediatamente. O corredor era uma série de escoltas desse tipo. Não poderia se aproximar dele. Ele
voltou para a sala como um louco -. Bastardo! Eu deveria ter voado sua cabeça a tiros anos atrás -
gritou para o vidro.
Olivia, em sua ignorância e à distância, deu graças a Deus, porque Miguel não ouviu o que o
homem disse.
- Mas continua com a mesma soberba, olhando para mim como se eu fosse um monte de merda.
“É isso que você é,” Olivia desejou dizer-lhe, mas decidiu se acalmar. Havia muito em jogo.
- Você não foi sincero naquele tablado, Zambrano. Nós todos sabemos que você cometeu esses
assassinatos. Por que você está mentindo? Você sabe que perderá os benefícios da lei.
- Diga-me algo que eu não sei, menininha boba - sorriu. Olivia ficou com o rosto rígido. Falou
entredentes.
- O que você quer?
- Só queria preveni-la.
- De que?
- Isso ainda não acabou.
- Eu sei disso.
- Eu segui os seus passos e há algo que me deixou curioso.
-O quê? - sentia-se doente por ter estado na mira deste homem.
- Você faz o que for preciso para devolver essas terras, faz o que for preciso para desvendar
esses assassinatos, mas não faz nada para saber onde estão esses corpos.
Olivia empalideceu.
- Eu imagino que você dará essas informações - ela respondeu em um murmúrio e com as mãos
encolhidas.
- Ora, Ora, assim que a senhorita Ruiz não quer fedores ao seu redor - o homem deixou escapar
uma extensa risada -. Pois então, fuja, Olivia, estou avisando!
Aqueles corpos estão mais perto do que você pensa.
- Eu só quero justiça.
- Mentira! Tudo mentira!
Olivia sentiu que seus olhos lacrimejavam.
Não. Não daria esse gosto a ele.
- Aqui a única pessoa que mente é você. Por exemplo, você culpou Jorge Robles por um
assassinato que ele não cometeu.
- Bingo! Você tem algo que eu quero, e eu tenho algo que você quer.
Olivia cruzou os braços.
Tradução Lauren Moon - Fale de uma maldita vez, porque hoje eu não estou para brinacdeiras
idiotas.
Zambrano se inclinou para frente.
- Seu pai me humilhou, Olivia Ruiz. Eu fui como um cão de guarda para ele seus gestos
destilavam raiva – e o que ele fez? Ele me encurralou para fazer o que ele mandava, e agora não está
aqui para responder por isso, e pobres tolos de sempre respondem por seus crimes.
Olivia não interrompeu seu silêncio.
- Se você deseja liberar o irmão de seu amante, terá que me pedir - sorriu e se inclinou para a
parte de trás da cadeira -. Eu quero que você se ajoelhe diante de mim e peça misericórdia por Jorge
Robles. Pela primeira vez em sua vida, eu quero vê la aos meus pés, onde você pertence. *
Ver Olivia nas mãos daquele bastardo desestabilizava Miguel. De pé e com uma violência
acompanhada pelo insulto que pronunciou, descarregou seu punho sobre em um balcão preso ao
vidro. Não podia tolerar que ela a humilhasse ou que ela concordasse com o que ele queria. Miguel
voltou ao corredor, e mais uma vez impediram sua passagem.
-Façam alguma coisa! - vociferou -. Tirem-na de lá!
Mas ninguém fez nada. Miguel deu outro soco na parede e voltou para o escritório.
Seu advogado agarrou-o pela lapela do casaco - Pense em Jorge jogado naquela prisão. Isso
não é nada se comparado àquilo.
- Nada para você! E para ela? soltou-se de seu advogado. Eu não quero que ela sofra mais.
O advogado colocou um dedo sobre os lábios. Apontou para o vidro que estava diante deles.
- Apenas observe.
*
- Não se cansa de espalhar o mal?
Olivia podia detectar a maldade do homem. Sabia que ele era um homem corpulento e gordo,
mas em vez de se acovardar, deu-lhe forças para enfrentálo.
- Eu faço o que tenho vontade, menininha. Eu sempre fiz, e hoje eu quero me dar ao gosto. Uma
vez na vida quero quebrar seu maldito orgulho, quero cobrar toda sua grosseria.
Olivia não pensou mais. Ajoelhouse diante dele. Ninguém poderia humilhála, porque isso só ela
mesma poderia fazer, mas o homem na frente dela não tinha nem ideia. Estava longe de saber o que
era a bondade, os princípios e o sacrifício.
Tradução Lauren Moon
Quando ela falou, ela olhou em seus olhos.
- Por Favor, Zambrano, diga a verdade no caso de Jorge Robles. Diga que ele é inocente, por
favor.
Ela percebeu a cara de espanto Zambrano. Quando o viu franzir a testa, percebeu que a situação
não tinha saído como ele tinha planejado. A breve careta de satisfação que deixou ver ao vê-la a seus
pés ficou congelada em seu rosto.
Olivia olhou para ele sem um traço de medo com uma coragem, que por si só o desafiava.
Baixou o olhar assustada, para que ele não percebesse que ele era um livro aberto para ela. Porque
ao perceber o que estava acontecendo, percebendo que ele não poderia fazer mais danos, ainda que
quisesse, por mais que estivesse aos seus pés, ele poderia dar para trás e isso ela não iria permitir.
Tudo que ela queria era sair de lá com a promessa de que a justiça, no caso de Jorge, seria feita.
Um silêncio sinistro encheu a sala.
- Levante-se! - estalou rudemente.
- Por favor, confesse o que você sabe, não essas pessoas sofrerem ainda mais, que já perderam
tanto.
Pouco a pouco, Olivia se levantou.
- E então?
- Você ganha, por enquanto. Guardas! - levantou-se e saiu sem olhar para ela.
*
Olivia saiu da sala e foi envolvida em um forte abraço de Miguel. Entrou com ela no escritório
onde ele tinha visto tudo. Sem soltála e acariciando seus cabelos, ele disse: - Meu amor, meu amor,
minha guerreira Olivia. Estava tão preocupado!
Sua voz era um gemido, enquanto percebia o choro dela -. Você fez muito por mim e por essas
pessoas que precisam tanto de você como eu. Obrigado, obrigado, obrigado.
Eu sinto muito que você tenha tido que lidar com esse pedaço de maldade. Não quero que você
fique na frente desse tipo nunca mais. Prometa-me!
Olivia prometeu, separou-se um pouco dele e, em seguida, notou o grande vidro, e que através
dele via-se era a sala onde ela teve o encontro com Zambrano. Não queria que o orgulho de Miguel
ficasse manchado. Essa cena deve ter sido um duro teste para o seu autocontrole, ela tinha certeza
disso.
- Você viu tudo - asseverou angustiada. Limpou suas lágrimas. Ainda estava tremendo.
Miguel fez um gesto afirmativo com a cabeça. Percebeu que ela estava pálida e quebrada,
segurava-a sem querer soltála e em seu olhar além da devoção, havia respeito. E preocupação.
Tradução Lauren Moon Capítulo XXIV
Miguel se despediu de Olivia, comentando que tinha uma reunião de negócios no conglomerado
Preciado e que esta noite eles tinham sido convidados para uma reunião no apartamento de Gabriel e
Melisa, que assim que estivesse livre passaria para buscala. Ao sair do edifício, o frio bateu em seu
rosto. Ele não parecia não ver um monte de rostos desconhecidos. Tirou a camionete do
estacionamento.
Ele quase ignorou o trânsito caótico das diferentes ruas da capital enquanto se dirigia ao seu
destino. Era como se tivesse no automático. Suas mãos moviam o câmbio, mas sua mente estava na
cena que tinha presenciado minutos atrás.
Diversos sentimentos roíam sua alma ao se lembrar da cara do sujeito ao coagir Olivia. Ele
sorriu com amargura quando percebeu que só um tolo é tão ingênuo para acreditar que pudesse deixar
o passado para trás. Um filme passou na sua cabeça, e nitidamente recordou as imagens de seu pai no
momento em que ele foi assassinado. A amargura o invadiu quando percebeu que ele não podia
proteger Olivia das intenções do bandido.
“Filho da puta”, ele repetiu uma e outra vez. Tudo parecia irônico. Olivia não refletiu muito
antes de fazer o que o cara queria. Ele soltou uma risada que continha nenhum indício de humor. Os
sentimentos magnânimos de sua Olivia foram capazes de responder a todos aqueles que acolhia sob
sua asa protetora. Seu orgulho e honra voou no ar se o bemestar dos seus protegidos estivesse em
perigo.
Ele não era compassivo. Só se preocupa com quem fosse muito próximo.
Ajudava as pessoas, mas sem se envolver. Era egoísta, impaciente, cínico e com um sentimento
de posse profundamente enraizado. Queria Olivia só para ele, mas para a sua infelicidade e a dela,
teria que aprender a compartilhála com as pessoas a quem ela tanto valorava.
Ele chegou ao escritório de Gabriel Preciado, localizado em um edifício no centro financeiro ao
norte da capital. Depois de estacionar o carro, ele pegou o elevador para o piso indicado. Ele
cumprimentou a secretária e entrou no escritório.
Seu amigo estava na sala ao lado, em uma reunião. Era um grande escritório com uma grande
mesa de madeira escura, duas cadeiras na frente e um sofá de couro marrom no fundo. Um par de
pinturas decoravam as paredes, e um portaretrato de prata com uma fotografia de Melisa estava em
um dos cantos do ambiente de trabalho, além de outros portaretratos com a fotografia de Valentina.
Um abajur de pé enfeitava um canto, atrás da mesa. Havia dois computadores.
Miguel recostou-se em uma cadeira com as mãos cruzadas atrás da cabeça. Fixou seu olhar no
teto, voltando aos seus pensamentos.
Ele ouviu o som da porta da sala de reuniões e se endireitou.
- Oi, Miguel, estamos um pouco atrasados para esta reunião, mas podemos conversar um pouco
- saudou Gabriel, alheio aos pensamentos que o rodeavam. Tradução Lauren Moon
Miguel se levantou e abraçou seu amigo.
- Estou como se tivesse recebido um murro.
- Por quê? Tentei falar com você o dia inteiro, mas o telefone estava desligado.
Miguel tirou o aparelho do bolso da calça.
- Eu o desliguei quando entrei na sala de audiência - disse enquanto o ligava de novo e eu
guardava em seu bolso.
- Como foram as coisas?
- Como você acha?
Gabriel fez uma careta.
- Merda. Sinto muito, amigo.
Gabriel se acomodou com o traseiro encostado na beirada da mesa, com pernas estiradas e os
braços cruzados no peito.
- Zambrano disse algo que servisse à causa de Jorge?
Miguel olhou para ele abatido e contou o que aconteceu na audiência e após isso. Quando ele
terminou a história, a empregada entrou com uma bandeja onde estavam duas xícaras de café. Miguel
pegou a sua, adoçou e colocou-o sobre uma mesa de canto. Gabriel pegou a dele sem deixar de olhar
para seu amigo.
- Ora! - foi tudo o que conseguiu dizer.
Miguel se levantou e caminhou como um animal enjaulado pelo escritório.
- Você não sabe a vontade que eu tenho de torcer seu pescoço.
- De quem? De Olivia por não ouvir você ou de Zambrano por ser um filho da puta?
- Não estou para brincadeiras retrucou irritado.
- Nem eu - respondeu sério -. Pelo menos, o sujeito vai ajudar na causa de seu irmão.
- Isso é o que veremos, talvez só queria tirar proveito dela.
- Talvez não. Como disse Shakespeare, “Em nossa época de ódio e caos, será honrado aquele
que pedir desculpas ao ladrão. “
Gabriel observou seu amigo com atenção.
- Isso por ela é, não é verdade?
- O que você quer dizer?
- Que você está explodindo por não ter o controle absoluto da vida dela.
- Eu não sou tão homem das cavernas assim.
- Tem certeza? - levantou uma sobrancelha.
“Não, eu não tenho certeza de nada”, pensou exaltado. Ele a amava muito e estava com medo de
precisar tanto de alguém, irritado por não ser capaz de controlar a situação.
Tradução Lauren Moon
- Não, não é isso - mentiu, surpreso com a percepção de seu amigo.
- Não tenha vergonha, amigo. Bemvindo ao clube - disse Gabriel, olhando para a foto de sua
esposa.
- Eu preciso de algo mais forte.
Gabriel foi a um armário de parede embutido, abriu uma pequena porta e tirou uma garrafa de
uísque rótulo azul14. Ele derramou a bebida em dois copos. De um refrigerador direita ao lado
puxou algum gelo. Entregou a bebida a seu amigo.
- Irmão, tanto você como eu somos apaixonados por mulheres que estão fora do molde. Elas são
boas mulheres, desinteressadas, com um amor desordenado por qualquer criatura que precise de sua
ajuda.
- Diz isso para mim - disse Miguel, bebericando em seu copo.
- E por serem assim, elas são complexas. Não é fácil amá-las, especialmente para os homens
como nós: orgulhosos, possessivos e controladores.
- Foi difícil para você amar Melisa?
- A princípio sim, você sabe como as coisas aconteceram. Mas com o tempo, percebi que era
maior o meu amor e minha necessidade por ela que o desejo de muda-la. E você aprende a conviver
com isso - serviu outra bebida para Miguel que tinha bebido a sua de um só gole -. Por isso, prepare-
se, porque sempre haverá pessoas ao redor. Às vezes você terá que abrir espaço à força sorriu para
si mesmo -. Mas ao final do dia, ela vai lhe receber com um sorriso que será só seu. E então, suas
dúvidas desaparecerão.
Como Miguel poderia impedir Olivia de ser como era? Não poderia fazê lo. Ele respeitava essa
faceta dela, esse espírito feroz que saltava para defender o que queria e o que acreditava. O que ele
queria era cuidar de apagar cada uma das suas lágrimas e cada uma de suas penas.
Ele ficou em silêncio olhando para o espaço, não disse mais nada e seu amigo não acrescentou
mais nenhum comentário.
Quando se cansou do ruído desse silêncio, Gabriel disse: - Vamos para a sala de reuniões Já
estão por chegar as pessoas que eu gostaria de lhe apresentar.
*
Ele a havia ignorado pela terceira vez em uma semana. Teresa o observou afastar-se pelo lado
oposto, logo que ele a viu sair do supermercado. Ela voltou para sua casa mais deprimida do que
nunca e foi para o seu quarto às cinco da tarde, sem comer. Ressentia-se por não ter a paz absoluta
para lamentar a morte de seu marido, quando este amor impertinente esquentava sua alma.
Seu marido havia morrido há um mês e meio. Sentia falta dele, ela o amou profundamente, ela o
adorava na época em que ainda não tinha caído preso àquela doença. Nas duas primeiras semanas, a
primeira coisa que ela fazia era correr até o quarto dele, e quando percebia que ele tinha ido embora,
chorava como uma criança.
14 Em alusão ao Johnnie Walker Blue Label um dos uísques mais puros e mais caros,
mundialmente renomado e conhecido (N. da Tradutora) Tradução Lauren Moon Traçou um propósito,
lembrar-se dele como na época de felicidade, quando os meninos ainda estavam com eles. Na quarta
semana, já podia ver uma claridade em meio ao nevoeiro, mas à medida sua alma ficava esclarecida,
ela sabia que tinha que resolver um problema pendente.
Era impossível não pensar em Pedro.
Lembrou-se mortificada de sua última conversa. Ela estava ferida, ele deveria compreendê-la,
mas parecia que não queria vê-la. A primeira coisa que estranhou foram as flores diárias e depois,
quando seu apetite voltou, lembrou-se das sobremesas que ele a galanteava. Em seguida, ela se
repreendeu por ser tão tola. No mercado havia muitas flores. E para a sobremesa, havia a confeitaria
das irmãs Rueda, ao virar da esquina.
No dia seguinte, na saída da igreja, Elizabeth e ela estávamos falando quando ele as avistou. Em
vez de se aproximar para cumprimentar, ele fez um gesto para Elizabeth que iria esperar no carro.
Deulhes as costas imediatamente, sem olhar para Teresa.
“Que diabos acredita esse homem?” Ele pensou furiosamente, a caminho de casa.
Mais tarde encontrou-se cara a cara, atravessando da praça da cidade. Ela estava a caminho do
banco para pagar algumas contas. Ele estava caminhando com seu andar pausado. Teresa percebeu
que ele estava um pouco mais magro, e estava usando uma calça jeans e uma camisa xadrez. Seus
olhos de aço a avaliaram de cima a baixo e Teresa sentiu que seu coração queria sair do peito. Ela
corou de repente. Ia delinear um sorriso para saudá-lo quando ele virou uma esquina, sem lhe dar
tempo para falar. “Que homem tão rude! “
Naquela noite, mal conseguia dormir tamanha a fúria que sentia. Ficou assim por vários dias,
mas depois a tristeza a invadiu. Queria falar com ele, precisava de seus comentários irreverentes, do
seu jeito de olhar, das suas flores, da sua bajulação, de tudo!
Hoje, diante de sua mais recente afronta, dizia-se que tinha que fazer alguma coisa. Queria
correr atrás dele, pedirlhe que a ouvisse, mas o surgimento das fofocas mais assustadoras da cidade
a frearam de imediato e não foi possível alcança-lo.
Tinha que descobrir como abordá-lo para se explicar. Era algo que ela devia a ele e a si mesma.
Mas ele não conseguia pensar em uma maneira. Derrotada, ela voltou para casa.
*
Miguel se comunicou com Olivia e disse que estava um pouco atrasado na reunião, mas que
enviaria uma das escoltas de Gabriel para buscá-la.
A tarde não tinha sido muito diferente da manhã. Havia acompanhado as pessoas ao hotel e
retornado ao seu apartamento.
Melisa tinha telefonado mais cedo para perguntar sobre o desenrolar da ação e reiterou o
convite. Olivia foi até seu armário e tirou vestidos e calças. Não sabia que vestir. Um diabo interno
forçou-a a se vestir sexy. À exceção do dia do almoço na fazenda, não tinha voltado a usar saias.
Decidiu-se sobre uma saia preta estilizada que terminou em duas pontas, que cobria totalmente o
joelho, uma bota de camurça preta de Tradução Lauren Moon cano cheio nos saltos de camurça preta
de salto baixo e uma blusa de cor champanhe de ombro caído.
Decidiu usar o cabelo solto. Fez uma escova completamente lisa em um salão de beleza a uma
quadra de sua casa. Um casaco de tecido preto com lapela de cetim acompanhada debaixo do braço.
Ela chegou ao apartamento do casal Preciado quase às nove.
O elevador que a levou ao andar de Melisa e Gabriel abriu suas portas dando de frente a um
vestíbulo, onde a recebeu uma escultura elegante. O murmúrio de pessoas e música, dizia que a festa
estava em pleno andamento.
Impressionou-se com o luxo e a decoração que se estendeu diante dela.
Uma sala ampla com sofás enormes, mesas de vidro grosso, obras de arte nas paredes e
esculturas de artistas famosos nos cantos. Os garçons circulavam entre os convidados, e havia mais
de cinquenta pessoas reunidas no lugar.
- Olivia! Que alegria em vê-la Melisa deu-lhe um beijo na bochecha -.
Você está muito bonita. Nada como o clima de Bogotá para melhorar a pele e cabelo.
Você tem o cabelo lindo, na verdade. Liso assim reflete luzes avermelhadas.
- Obrigado, Melisa. Você também está muito bonita.
A esposa de Gabriel usava um conjunto azul-escuro de seda fria que ressaltava a tonalidade de
seus olhos e a brancura de sua pele.
Melisa a conduziu por diferentes grupos e a apresentou a alguns amigos. Os homens a devoravam
com o olhar.
- Mais tarde eu vou apresentá-la a um casal que está muito interessado em seu trabalho.
Mas Olivia não estava escutando. Ao fundo, havia avistado Miguel, que parecia ter ido embora
mais cedo que o premeditado e passava o tempo conversando com uma mulher. Ele riu de alguma
coisa ela lhe disse.
Olivia percebeu que ele estava mais bonito do que nunca, com calça e jaqueta cor de fumo e
uma camisa de seda branca. Nunca o viu vestido assim. Sentiu um ciúme furioso ao ver o olhar de
cobiça da mulher. “É meu”, meditou possessiva.
Caminhou devagar e sem deixar de olhar para ele. Quando seus olhos se encontraram Miguel
deixou a mulher com quem falava e focou seu olhar sobre ela.
Miguel ainda não havia se recuperado da impressão de vê-la aparecer tão bonita. Ele a
observou descaradamente. Seu cabelo estava diferente, brilhante e liso.
Nunca tinha visto ele assim. Sua pele, sua aparência, demonstravam que era uma mulher com um
forte apelo sexual e queria reivindicá-lo como sua.
Ele não conseguia tirar os olhos dela, desejava devorar a boca que naquele momento estava
pintada de um vermelho indecente. Podia adivinhar os pensamentos dos homens ao seu redor. O
balançar de seu quadril o hipnotizou.
Caminhou em silêncio, sem tirar os olhos dela. “Que poder tem esta mulher sobre mim?”,
pensou quando a viu chegar até ele. Pode reconhecer pelo menos três tons diferentes em seus cabelos
ao entrar em contato com a luz.
Gabriel e Álvaro se aproximaram. Tradução Lauren Moon - Que mulher bonita, quem é? perguntou
Álvaro, olhando-a de cima a baixo.
- Essa mulher é minha - advertiu Miguel, ofuscado pelas sensações que lhe causava a confusão
de sempre e que só se relacionavam a ela. Colocou o copo sobre uma mesa lateral.
- Eu lhe disse - ouviu que Gabriel dizia a Álvaro.
Ele passou a mão ao redor da cintura e se apoderou de seus lábios, beijando-a sem se importar
que estivessem olhando. Separou sua boca e parecia desconfortável por seu gesto a incomodar.
- Miguel - ela sorriu, esquecendo-se de que há alguns segundos ele ria da piada de outra.
E mesmo assim ali estava ele, derretido só de ouvir seu nome dele. Ele a olhou resignado e
disse: - Venha, deixeme mostrar-lhe algo - ele pegou sua mão e a levou para o escritório da casa. Ao
entrar no aposento, fechou a porta.
- O que você está fazendo?
Ele devorou seus lábios em um beijo apaixonado.
- Eu amo a sua boca e os lábios pintados … - sussurrou, junto ao seu hálito.
Olivia sorriu.
Ele caminhou até o canto de uma mesa e a acariciou desde o pescoço, passando pelos seios,
pela cintura e sua linha de seu quadril.
-Você é minha?
- Sim, eu sou sua, completamente olhou para ele subitamente séria -. Posso perguntar-lhe o mesmo?
Você é meu, Miguel?
Ele demorou a responder, olhava extasiado a curva de seu queixo, lambeuo e continuou por seu
pescoço.
- Sim, mulher, sim, eu sou seu. Ela o observou sem saber o que fazer. Como ela o amava! Ele
era um homem forte e orgulhoso, e sabia que os acontecimentos daquele dia tinham sido uma
provação para ele.
- Eu te amo Miguel. Por você, eu faria qualquer coisa.
Ele a beijou longamente, devagar e saboreando sua boca. Emaranhou sua língua com ele,
enquanto suas mãos acariciaram seu cabelo. Ele a separou brevemente.
Olivia sentiu que ele queria dizer alguma coisa. Começou a falar, mas ficou em silêncio de
imediato, até que se decidiu: - O que você fez hoje foi admirável Olivia - ele acariciou seu rosto
-. Eu amo você e a admiro com veemência. Quisera poder presenteá-la com o mundo. Eu sei que eu
não sou uma pessoa fácil, mas eu sou sincero nas minhas intenções.
O olhar de Olivia brilhava. A felicidade passeava por sua alma. Seu Miguel a amava. O que
sentia era pura felicidade. Foi talvez por este turbilhão de bons Tradução Lauren Moon sentimentos
que lhe veio um pensamento a mente e sentiu o desejo de contar-lhe algo que ela não tinha dito.
Acariciou seu peito e sussurrou: - Você deve saber de uma coisa, Miguel respirou fundo e afinou a
voz para de falar sem se quebrar -. Você foi o único homem na minha vida.
Ele parecia confuso. Olivia percebeu o toque de emoção em seu rosto e o brilho de satisfação
em seus olhos.
- Por quê? Você é linda, apaixonada e eu imagino odos esses anos você espantando os homens
como moscas. Foi por causa do que aconteceu com você?
- Passei por um monte de coisas, Miguel. Incluindo um coração partido. Ele não queria ninguém
mais.
Ela jogou os braços em volta do pescoço dele e o devorou com os lábios ardentes.
- Você me deixa louco - repetida como possuído, acariciando seus mamilos com intensidade. E
confessou: Devo tê-la agora.
- E se vier alguém? - ela perguntou perturbada.
- Eles estão distraídos - respondeu, enquanto suas hábeis mãos desciam por suas coxas.
Olivia viu como ele descia sua calcinha e um calafrio a invadiu. Queria rir, porque a situação
parecia desconfortável. Se há um mês alguém lhe dissesse que estaria no escritório do casal Preciado
com Miguel entre suas pernas, ela o teria chamado de louco ou de um sonho impossível.
Mas não, lá estava ela, olhando em êxtase enquanto ele acariciava seu monte de Vênus e se
apressava em beijá-la como sabia que desejava fazê-lo.
Ele puxou suas pernas até que as teve quase na beirada e se ajoelhou diante dela. A visão de
Miguel esfregando o rosto, lambendo e beijando sua feminilidade como se não tivesse o suficiente
dela, era mais do que podia suportar, e em um grito que silenciou com sua mão, chegou ao orgasmo
rápido demais.
Miguel repetia seu nome enquanto uma chuva de beijos sulcava seu rosto e pescoço.
“Por Deus, há trinta pessoas por trás daquela porta! E aqui estava ela, com as pernas abertas em
cima de uma mesa. E agora mesmo, não desejava estar em outro lugar. “
Precisava senti-lo sem a barreira de roupa que se tornava insuportável.
Ela tirou a camisa da calça e acariciou sua barriga. Beijou seu pescoço, o lóbulo de sua orelha.
Seu corpo a hipnotizava, seus braços, os pelos claros em seu peito.
- Você não sabe quão quente você me deixa. Eu olho e fico molhada …
sussurrou, enquanto ele chupava seus mamilos com tesão, ansioso para devorá-los.
O coração de Miguel batia como um tambor. Afetado por suas palavras, desabotoou sua calça
com rapidez, liberou seu membro e empurrou dentro dela incapaz de evitar um grunhido de
satisfação. Ele gentilmente levantou uma de suas pernas para colocar o calcanhar da bota na beirada
da mesa para fácil acesso.
Tradução Lauren Moon
Ele a penetrava em um ritmo louco. Agarrou-a pelo quadril, sem deixar de olhar para ela.
Pensou nas pessoas que estavam atrás da porta, e mais uma vez ficou impressionado com a sua falta
de controle quando de Olivia se tratava.
Parecia incrível, que em sua idade e com a sua experiência, estar loucamente apaixonada por
uma só mulher. A torrente de emoções em seu interior o fazia querer dobrar seus joelhos.
Ele flexionou suas costas, causando uma agitação nela. Miguel respirava como se tivesse
corrido cinco ou dez quilômetros. Seu pênis batia dentro dela. Seu rosto estava corado, seus ouvidos
zumbiam e tinha as narinas dilatadas. Olivia levou o punho à boca e em meio a infinitas contrações
atingiu um segundo orgasmo.
Miguel não poderia desprender os olhos de cada uma de suas reações.
Adorava seu gesto já familiar ante a iminência de sua satisfação e de imediato a seguiu.
Eu queria estender esse momento de êxtase tanto quanto pudesse. Olivia respirava agitada e o
acariciava de forma terna enquanto murmurava palavras de amor.
Ele caiu sobre ela. Tentou normalizar sua respiração. Não soube se fossem segundos ou minutos
quando ouviu seu sussurro: - Eu não acredito que seja capaz de sair daqui. Todo mundo vai perceber
o que estávamos fazendo.
- Não se preocupe, você está comigo
- disse ele, enquanto arrumava sua calça.
Olivia se lembrou de sua chegada à festa e da mulher que estava ao lado dele no momento em
que ele a viu. Olhou para ele com o semblante sério.
- Miguel, eu nunca deixei de amar você, mas eu sei que você não pode dizer o mesmo. Sei que
você já teve várias mulheres em sua vida.
Ele enrubesceu e a ajudou a se arrumar. Atraiu-a para si e sussurrou em seu ouvido: - Eu
trabalhei, eu viajei, eu vivi muitas situações. Eu estive com mulheres, é claro. Talvez mais do que
você possa prever - Olivia ficou tensa e seus olhos marejaram. Miguel acariciou seus cabelos -. Sim,
Olivia, eu tive mulheres. Mas nunca, nunca, ouça bem!, nunca arranquei meu coração. Eu juro pela
memória de meu pai.
Olivia se afastou. De qualquer forma, sem se importar com as palavras bonitas que Miguel
disse, sentia uma grande dor.
- Eu também sou muito ciumenta, Miguel. Eu não gostei de como aquela mulher tocava em seu
braço.
- Que mulher? Eu nem sequer percebi.
- Estou morrendo de ciúmes das mulheres que tiveram seus beijos, seu toque. Eu não vou
permitir outras mulheres em sua vida. Portanto, que fique bem claro que nunca, jamais, vou
compartilhar você com ninguém.
Miguel começou a rir.
- Depois disso que vivemos, do que eu disse a você, você acha que eu vou atrás de outra
mulher?
Ele lhe deu um beijo profundo e acariciou os contornos de seu rosto. Tradução Lauren Moon
- Eu sou todo seu, Olivia Ruiz segurava seu cabelo entre os dedos -.
Quero acompanhá-la em tudo, que fazer minha as suas preocupações, eu quero ser seu consolo
no final do dia, quero carregar a dor que você sentir cada vez que descobrir a selvageria de seu pai.
Olivia se abraçou a ele.
- Eu vou levar a dor que você traz por tudo que você já experimentou. Eu vou ajudála até com
seus protegidos.
Olivia sorriu.
- Eu acho que isso seria o que você mais custaria a cumprir.
- Sim, mas eu o faria porque eu amo você. Quero estar com você, para compartilhar seus
triunfos, suas derrotas. Só me dê um tempo, Olivia. Tempo e compreensão. Isto é tudo novo para
mim. Eu quero fazê-lo bem, e sei que não estou conseguindo.
Olivia beijou sua bochecha.
- Então, vamos para casa.
Miguel deu um meio sorriso. Ele não entendeu a proposta de sua Olivia.
- Você realmente não quer voltar para a festa?
- Não - acariciou seu peito com o dedo indicador. Desceu por seu abdômen até chegar ao seu
membro, que se mexeu dentro de sua calça -. Quero que a próxima vez que você estiver dentro de
mim possamos gritar o que nos dê vontade.
Eles saíram do estudo, ante os olhares curiosos de Gabriel e Álvaro, despediram-se de Melisa
às pressas e saíram pela porta de serviço.
*
Olivia estendia a massa para arepas 15 sobre um plástico no balcão da cozinha. Preparava o
café da manhã. Ela já tinha espremido algumas laranjas para suco e café recém-coado repousava na
cafeteira. Diante dela as cenas da noite anterior eram recriadas. Tinhamse amado até de madrugada, e
eles apenas dormiram em meio a conversas e promessas de amor. Sentia-se feliz, satisfeita e esse
sentimento tinha varrido o cansaço da noite anterior.
Suspirou extasiada.
- Espero que esse suspiro seja por mim.
Assim, recém-acordado, ele parecia tão bonito! A sombra de sua barba, os cabelos
desgrenhados, o peito nu … Ela baixou o olhar, concentrando-se em seu trabalho. Ele ficou atrás dela
e a abraçou por trás. Sentia que ele estava calmo e feliz.
Beijoua no ombro e acariciou seus mamilos, que já estavam duros, esperando por suas carícias.
- Você é tão bonita, nunca me canso de dizer isso. Como você está esta manhã?
15 A arepa é um prato de massa de pão feito com milho moído ou com farinha de milho pré-
cozido nas culinárias populares e tradicionais da Colômbia, também conhecido em alguns países
como tortillas (N. da Tradutora) Tradução Lauren Moon Na verdade, Olivia estava um pouco irritada
entre as pernas devido aos excessos da noite anterior, mas não diria nada a ele.
- Bem, muito bem. O café da manhã está quase pronto.
- Primeiro tomarei um café. A que horas devemos estar na promotoria?
- Às nove começa a audiência, mas pretendo chegar mais cedo.
- Preciso ir ao meu apartamento para me trocar, nós nos encontraremos lá.
Olivia assentiu. Virou as arepas e bateu os ovos. Serviu o café da manhã. Depois de terem comido,
chegou a despedida.
- Não demore - ela disse após o beijo -. Vá agasalhado, está frio.
*
Assim que Miguel deixou o edifício, discou o número de seu advogado: - Fez os arranjos?
- Sim, já está tudo pronto.
- Bem, assegure-se de que tudo corra bem. Não quero que Olivia saiba.
- Isso será difícil porque vocês vão estar no mesmo lugar.
- Veremos como você se sairá – desligou o celular.
*
Miguel e seu advogado entraram na promotoria às nove e meia. O lugar fervia de atividade
naquela hora: os policiais, funcionários, advogados e jovens estagiários circulavam ao redor.
Naquela manhã acontecia o interrogatório de Evaristo Morales. Ele não quer mostrar sua presença a
Olivia até falar com Zambrano.
Por uma série de corredores intermináveis, um guarda o levou a uma porta. Ele entrou em um
escritório pequeno, vigiado por dois guardas que deram passagem a Miguel.
- Mas que merda …? - O homem se levantou ao ver Miguel entrar.
Miguel avançou com o olhar fixo nele. Ele pegou a cadeira vazia, virou-a e se sentou ao
contrário, com os braços apoiados no respaldo da cadeira.
- Sente-se, Zambrano.
O homem estava com medo. Como muitos homens brutos, ele era um covarde. Ao contemplar os
olhos que o examinava do outro lado da mesa, teve a sensação de que, se não desse a Miguel Robles
o que ele precisava, as consequências seriam terríveis. Refugiouse em sua raiva e arrogância, mas o
medo venceu.
- O que você quer?
- Negociar.
Zambrano olhou para ele interrogativamente e ele deu de ombros.
- Já conversei com Olivia ontem. Tradução Lauren Moon
- Não me lembre, se não quiser ver seu rosto estampado na parede.
Zambrano sorriu com o sorriso de dentes podres.
- Não tenho medo de você.
Miguel ignorou a afirmação do homem.
- Primeiro, eu não quero que volte a se aproximar dela outra vez.
- Quem é você para me dar ordens?
- O calo no seu sapato, bastardo. Você vai testemunhar o que realmente aconteceu no caso do
meu irmão, assumirá os crimes que lhe eram imputados.
Houve um longo silêncio, e depois Zambrano sorriu novamente.
- Ora, quem diria que o moleque tem garras? Essas garras lhe faltaram no dia da morte de seu
pai.
Miguel falou em sussurros.
- Vai pagar por isso, você bastardo, nem que seja a última coisa que eu faça na vida.
Zambrano cuspiu, mas a saliva mal chegou aos seus próprios sapatos.
- Não me faça ameaças! Guardas!
- Não virão. Eu poderia torcer seu pescoço e ninguém saberia - era um blefe, mas ele não teria
por que fazê-lo -. Mas neste momento, eu você me serve mais vivo do que morto. Então, eu não vou
matá-lo, se você cooperar.
- Que merda que você quer?
- Eu já disse, e eu não gosto de ser repetitivo.
- E se eu não quiser?
Miguel jogou um envelope sobre a mesa. Depois de quase um ano, pagando por essas informações.
Havia sido uma grande quantidade de dinheiro. Mas Miguel não se importava. Ele só queria seu
irmão novamente livre.
Zambrano abriu o envelope e as fotos que viu transtornaram seu semblante.
- Como você as conseguiu?
- Como tudo neste mundo, com dinheiro.
As fotos eram dos dois filhos de Zambrano, que viviam na França na qualidade de refugiados.
- Filho da puta!
Desta vez, foi Miguel quem sorriu para ele.
- Estão felizes, certo? Seria lamentável se algo acontecesse com eles.
Zambrano enterrou o queixo no peito. Ele começou a suar, toda a bravata o abandonou de
imediato.
- Não se atreveria.
Tradução Lauren Moon
- Se você cooperar, eu não ousaria, e ninguém vai saber onde eles estão.
Se você não cooperar, eu sei que você tem inimigos e de bom grado pagariam felizes o que
fosse apenas para obter esta informação.
- Tudo bem, tudo bem. Eu vou fazer o que você quiser, mas eles não têm nada a ver com isso.
- Eles também são vítimas.
- Por favor, não lhes faça mal, eles são tudo o que eu tenho.
Miguel não sentiu pena. Aproximouse dele e cuspiu em sua cara.
Ficou de pé, e ao abrir a porta, disse: - Temos um trato?
Zambrano levantou o olhar até ele. A saliva de Miguel descia por sua pálpebra e cobria sua
bochecha.
- Temos um trato.
Tradução Lauren Moon
Capítulo XXV
Ao voltar para San Antonio de Padua, Olivia retomou sua rotina. Nas manhãs, depois de
acompanhar sua tia Teresa no café da manhã, visitava as famílias instaladas, tomando nota de seus
desenvolvimentos e suas queixas. Na parte da tarde, ela ia ao encontro de mulheres e passou um
tempo na obra. Ao anoitecer, chegava ao seu apartamento, tomava banho com sabonetes perfumados,
envolvia seu corpo com cremes perfumados e soltava seu cabelo e escovava até ficar brilhante.
Vestia-se em lingerie sexy, acomodava sua a prótese e usava roupas de ficar em casa.
A ânsia de ver Miguel a invadia à medida que se aproximava da hora do encontro, apesar de ter
falado com ele várias vezes durante o dia. Ele chegava por volta das oito da noite. Olivia o via
aparecer e ficava sem respiração. Miguel sorria ao ver a expressão dela, ele a abraçava e beijava,
enquanto fechava a porta com um pontapé.
“Felicidade” era a palavra para expressar o que sentia sempre que ela pensava nele durante o
dia. Quando ele chegava para a visita, os eventos do dia eram contados, as preocupações, os últimos
acontecimentos após os depoimentos de verão livre no inquérito.
Como prometido, Zambrano confessou seus crimes. Embora eles ainda estivessem longe de
alcançar a liberdade de Jorge e de ajudar outras vítimas a superarem a violência, era um bom
começo.
Evaristo Morales se responsabilizou pela morte de Marisol, a filha de Rosa Santa Mejia, além
de outros crimes, mas havia negado seu crime de violência sexual.
Ninguém tinha confessado nada sobre os corpos desaparecidos.
- Dentro de quinze dias estarão oferecendo as denúncias, você vai?
Olivia sugeriu. Eles estavam na cama, e ela descansava a cabeça em seu peito.
- Sim, desejo estar em cada audiência. Eu sei que vai ser um processo longo, mas é a única
esperança que ainda tenho para ver Jorge em liberdade.
Miguel acariciou o braço dela com o polegar. Em dado momento, ela quis montar sua perna em
cima da dele, e só mais tarde percebeu que era a perna mutilada. Olivia percebeu que Miguel notou
seu gesto, porque ele rapidamente agarrou sua perna e aprisionou-a, levando sua carícia do braço ao
coto.
Nenhum dos dois disse nada sobre isso, e continuaram falando sobre o negócio inacabado: -
Depois da denúncia virá a formalização de acusações. Vamos ver se este homem não volta atrás
nessa fase - disse Olivia, que não acreditava que o simples gesto dela mudaria as ações de um
homem tão ruim como Zambrano.
- Acredite em mim, ele não mudará.
- Você tem muita certeza disso sentenciou Olivia.
Tradução Lauren Moon - Sim.
Olivia fez uma careta. Também não disse nada sobre isso.
- O importante é a reparação às vítimas na próxima fase do processo.
- Ele o fará.
Olivia levantou a cabeça e o olhou com outra expressão de curiosidade.
- O que você está escondendo de mim, Miguel?
Miguel sorriu.
- Nada, exceto que, se ele deu sua versão livre, ele não pode voltar atrás.
- Vê-se que você não o conhece. Ele pode voltar atrás na imputação dos crimes apenas para
prolongar o processo, e assim impedir um alívio geral.
- Ele vai recompensar as vítimas concluiu seguro -. Eu não quero falar mais.
Olivia levantou a mão direita e coçou o queixo.
- Como você pode ter tanta certeza? Você tem uma bola de cristal?
Miguel pensou que esta era outra de suas piadas, então ele riu. Ele colocou seu braço ao redor
da cintura dela e a apertou.
- Eu tenho uma bola de cristal - caiu sobre ela e acariciou o contorno de seu corpo -. Mas eu
tenho um pênis de pedra que vai começar seu trabalho agora.
Olivia riu.
- Você é tão vulgar!
- E você adora. Vamos meu amor, seja boazinha e deixeme entrar - disse enquanto ele se
acomodava entre suas pernas.
- Não me respeita – disse, todavia entre gargalhadas.
- Toque meu amor, toque no tamanho do meu respeito - colocou a mão em seu pênis. Olivia o
agarrou e se dedicou a acariciá-lo para cima e para baixo.
Isso foi apenas o prelúdio.
O concerto durou até o amanhecer.
Miguel não ficava para dormir com ela, já que começava seu trabalho muito cedo. Com um
pouco de tristeza, ela o observava se vestir todas as madrugadas.
Depois de entrar no banho, pentearse e escovar os dentes, ia para a cozinha. Não o deixava sair
de casa sem que ele tomasse um café. Então, se despedia na porta com um longo beijo.
*
Nesse mesmo dia, Miguel a levou a um piquenique na ravina. Havia pedido à cozinheira da
fazenda para preparar uma cesta de mantimentos. No cesto tinha ensopado de frango e batatas
pequenas arepas, algumas frutas, dois refrigerantes e duas cervejas.
Tradução Lauren Moon
- Vamos tirar umas férias no fim do mês. Eu quero levá-lo para uma ilha.
Aruba, talvez? Que tal San Domingo? Vamos para um resort - Miguel anunciou com o olhar
cheio de ilusão, enquanto oferecia um prato de comida.
- Oh, Miguel, eu tenho muito trabalho!
Miguel pegou sua mão.
- Olivia, eu quero recuperar o tempo perdido: levá-lo para jantar, dançar, caminhar com você
em uma praia, amá-la na beira do mar, deleitar com você, comprar coisas e ter você só para mim por
alguns dias.
Olivia largou o prato com a comida que mal tinha tocado, aproximouse dele ainda mais, que
estava com as costas encostadas em uma árvore, e se sentou em seu colo.
- Eu também quero estar com você e fazer todas as coisas que você disse. Miguel deu-lhe mais
comida, escolheu os melhores pedaços para ela.
Olivia comeu com vontade já que Miguel a repreendeu porque ela não se alimentava bem.
O pôr do sol e a brisa fresca os abrigava. Já haviam recolhido o lanche.
Descansavam ao som do canto dos pássaros e o som da lagoa os havia envolvido em sua magia,
chamando-os a sonhar.
- Você nunca me disse o que foi que a fez chegar a isso. Por que você se envolveu neste
processo? - perguntou Miguel enquanto repousava com ela em seus braços.
Olivia ficou rígida.
- Você sabe que pode me dizer o que quiser.
- Eu sei - ela disse contra seu peito.
Olivia se lembrou da tarde, quando uma chamada tinha mudado o curso da sua vida.
*
- Senhorita Olivia Ruiz?
- Sim, é ela quem está falando Olivia estava no pequeno cubículo de seu escritório e deveria
estar em uma reunião na gerência em alguns minutos -. Maldita impressora Droga! exclamou com a
demora para imprimir um relatório para a bendita reunião.
- Desculpeme?
- Não é com você, me desculpe, eu estou um pouco ocupada.
- Não tomarei muito do seu tempo. Meu chefe, o advogado Julio de la Peña, quer falar com
você.
Olivia franziu a testa, mexeu-se na cadeira e começou a organizar o relatório em uma pasta,
enquanto segurava o telefone com o ombro.
- Não sei quem é.
Tradução Lauren Moon - Ele deseja conhecê-la e pede-lhe, por favor, que agende uma entrevista
esta tarde, às cinco e meia.
- Do que se trata?
- Algo pessoal.
Olivia suspirou.
- Diga a ele que pode vir ao meu escritório neste horário, e que será um prazer atende-lo.
- Receio que o advogado esteja um pouco ocupado. Poderia você vir até aqui, por favor?
Isso era o cúmulo. Levantou-se e fechou a pasta.
- Eu não costumo ir a lugares de pessoas que não conheço.
- O doutor Julio de la Peña é um advogado criminal eminente - disse a mulher indignada.
Olivia sentiu uma leve pontada de vergonha.
- Tudo bem, dê-me o endereço e eu estarei lá.
Ele rabiscou o endereço em um post-it amarelo e pregou na frente, na parede de sua mesa de
trabalho onde havia um pequeno quadro de cortiça.
Estava a menos de um mês em seu novo papel na ONG Um Nuevo Comienzo.
Corria o mês de Fevereiro de 2008. Havia terminado sua especialização no ano anterior.
O relatório a ser apresentado era uma restituição de terras na área das planícies. Várias famílias
abrangidas pela Lei da Justiça e Paz voltariam para casa em alguns dias. As autoridades judiciais e
governamentais estavam a favor desse pequeno grupo de famílias.
“Quem dera eu pudesse fazer algo assim em San Antonio”, ela suspirou, enquanto esperava o
elevador. “Poder fazer algo de bom, onde esse homem semeou tanta dor.”
Aquela chamada a deixou intrigada, fazendo com que se distraísse na reunião. Ela entregou o
relatório, mas estava apagada em suas avaliações.
Às cinco da tarde, ele entrou em um edifício de luxo ao norte da capital.
Aproximouse da jovem recepcionista, que depois de verificar seu nome em uma lista de seu
computador, informou o elevador e o andar, onde ela deveria ir. Olivia agradeceu.
Ela sabia que não estava em seu melhor. Usava uma calça jeans, botas pretas e uma blusa branca
com uma jaqueta xadrez em cinza e preto. Ela ficou perplexo ao entrar no escritório luxuoso.
Cumprimentou a secretária com quem tinha falado na parte da manhã. A mulher retribuiu a
saudação e a convidou a se sentar. Disse que o advogado a atenderia imediatamente.
Acomodou-se em uma poltrona de couro verde oliva e virouse para ver os grandes quadros que
povoavam as paredes. “Bem, parece que o advogado está indo muito bem.”
O interfone tocou.
Tradução Lauren Moon
- Entre, por favor - gesticulou a secretária, acompanhando-a até a porta.
Olivia entrou em um escritório imponente, revestido de madeira, com uma grande biblioteca
para um lado, uma mesa ampla e uma cadeira alta da qual se levantou um homem com cerca de
quarenta anos, de boa aparência, olhos verdes, com uma calvície insipiente, elegante e um pouco
mais alto do que ela.
-É um prazer conhece-la.
- O prazer é meu - deu-lhe a mão em uma breve saudação. Olivia sentiu o olhar de aparente
interesse masculino, mas ela o ignorou.
- Sente-se, Olivia - levou-a a uma sala com um grande sofá e duas poltronas na cor preta.
Parecia camurça, mas ela não tinha certeza.
- Estou intrigada, advogado, eu não sei por que estou aqui.
Mas ela já suspeitava sobre o que era a visita, porque não era estúpida e a certeza a fez
endurecer na cadeira.
- O propósito desta reunião é o seu pai.
“Eu sabia”.
Levantou-se rapidamente. Começou a andar de um lado para o lado.
- Você está perdendo seu tempo comigo. Faz anos que não sei dele. Eu só sei o que leio nos
jornais, quando leio.
O homem começou a subir e baixar as mãos, como se massageasse o ar, em uma tentativa de
pedir que ela se acalmasse.
- O que eu tenho a dizer é importante.
Olivia não estava nada calma.
- Não acredito.
O homem suspirou.
- Eu acho que sim. Seu pai precisa de você.
Olivia deu uma gargalhada. Então se lembrou que ele estava em uma reunião de negócios e se
acalmou um pouco.
- A mim? - Um sorriso cruzou sua boca. O homem estava sério.
- Vou direto ao assunto.
Olivia se sentou novamente disposta a ouvir os disparates que viria da boca desse homem.
- Por favor.
- Seu pai sabe o que você faz, tem seguido sua vida há anos. Você sabe muito bem que ele entrou
com a Lei Justiça e Paz há dois anos e quer que seja você a devolver as terras tomadas no momento
da paramilitar.
Olivia teve vontade de rir novamente.
De Descrença.
- Por que não faz isso com os filhos de seu casamento?
Tradução Lauren Moon - Ele não pode neste momento. Além disso, ele está na prisão. Ele teve
câncer de próstata que deu metástase óssea. Tem seus dias contados.
Olivia não sentiu pena. Não conseguia sentir. A única coisa que podia pensar era ali estava o
passado, arrastando-a novamente. O problema a afetava, não podia negar, era o que ela desejava
para região. Não queria mostrar ao homem o quanto ela estava interessada, não até ter falado com
seu pai e conhecer as suas verdadeiras intenções.
- Por que você não faz a restituição? - olhou para o lugar ironicamente. Para este trabalho,
poderia tomar uma grande quantidade do dinheiro de seu pai.
- Este trabalho eu não faria nem por todo o dinheiro do mundo. E eu não tenho tempo. Eu posso
dar conselhos, mas nada mais. Quanto aos seus outros filhos, eles não voltaram ao país nem mesmo
sabendo que ele vai morrer em breve.
- Onde está? - perguntou em um sussurro.
- No Instituto do Câncer.
Olivia sentiu medo do confronto e de tudo o que viria se aceitasse tão grande utopia.
- Eu acho que não vou poder. E então ela se lembrou de Santiago. E de seu Miguel.
- Tenho que falar com ele antes de tomar uma decisão.
- Não tem problema.
*
Entrou no Instituto do Câncer no dia seguinte bem cedo.
A recepcionista informou que o paciente Orlando Ruiz estava no quarto 502.
Ele deixou sua carteira de identidade e foi dado um crachá especial e um papel, porque ela
estava indo visitar um preso. Era horário de visitas, pegou o elevador, pedindo a Deus que da visita
saísse algo de bom. Ao chegar ao quarto de seu pai, notou o par de guardas que o custodiava.
- Bom dia, eu sou Olivia Ruiz. Eu vim visitar o meu pai.
Ele mostrou o crachá e papel.
- Vá em frente.
Orlando Ruiz estava sozinho e dormia.
Olivia parou na porta relutantes em entrar. Seu rosto denotava o progresso da doença. Seu
cabelo havia caído e parecia vinte anos mais velho do que ele, na verdade, era. O braço estava
ligado a uma bolsa de soro e a um dispositivo que media os seus sinais vitais.
Sentiu seu coração apertar pelo o que poderia ter sido, mas não foi. E se tivessem sido uma
família de verdade? Quando criança, sonhava com isso. Se seu pai tivesse sido uma boa pessoa?
Surpreendeu-se que de seus olhos caíam lágrimas.
Tradução Lauren Moon
Orlando Ruiz abriu os olhos: Rosalía?
- Não, eu não sou Rosalía. Sou Olivia, sua filha.
Olivia viu quando ele a reconheceu. Totalmente acordado, observou ambos os lados do quarto
e, em seguida, fixou os olhos nela novamente.
- Você é tão bonita quanto sua mãe. Ela permaneceu em silêncio.
- Estou feliz que você esteja aqui.
- Seu advogado entrou em contato comigo. O que você quer?
- Quero devolver as terras que arrebatei.
- Por que eu deveria ser a única a fazê-lo?
Seu pai pediu para ela subir na cabeceira da cama e, em seguida, pediu água.
Um leve tremor a atingiu quando se aproximou com um copo e um canudo. Sabia que ele tinha
percebido seu nervoso, porque ele deu um sorriso irônico.
- Eu poderia dizer que sinto muito, mas não é verdade. Eu vou morrer, e não quero uma disputa
de poder Morales entre Zambrano e que, em última análise prejudicará ainda mais a região.
Olivia soltou uma risada de escárnio.
- Estou surpreso, Senhor Ruiz. Desde quando você se preocupa com o que acontece na região?
- É a terra onde os meus filhos nasceram e enterrei minha esposa. Isso basta. Eu tenho mais
dinheiro do que eles meus descendentes poderiam gastar. E de que vale? Nenhum dos meus filhos
quer nada meu.
- Você não tem nada, Senhor Ruiz. Devolva esse dinheiro aos seus legítimos donos.
- Eu entendo a sua posição. Todo o dinheiro do mundo não vai me curar. Nem mesmo vai
devolver sua perna ou evitar as tragédias que sofreram meus outros filhos.
Preciso que seja você a devolver essas terras. Você está preparada, você é forte e completa. A
melhor da minha descendência.
- E sobre os assassinatos? - fez uma pausa e continuou com cautela -. E os corpos que estão
desaparecidos?
- Os mortos não vão voltar, mas também não vou me responsabilizar por mortes que não são
minhas. Morales Zambrano cometeram muitas atrocidades.
- Seguiram suas ordens - lançou Olivia furiosa -. Você tem que confessar esses assassinatos.
- Vou devolver as terras amaldiçoadas! Zambrano e Morales farão o resto.
Olivia não insistir mais.
- O que acontecerá com “El Álamo”? - referia-se à propriedade de Miguel.
Orlando Ruiz estalou a língua e desviou o olhar para o teto.
Tradução Lauren Moon
- Ainda está apaixonada por este tipo?
Evidentemente, Olivia não respondeu à pergunta.
- Se você quiser que eu me encarregue de tudo, a primeira coisa que vai fazer é devolver a
Miguel e sua família a terra que lhes pertence.
- Ele nunca se interessou por esta terra, menina. Ele é chefe de segurança de um milionário.
Olivia se surpreendeu por ele estar tão ciente da vida de Miguel Robles.
- Não me importa, devolverá para sua família. Se você fizer isso, eu vou cuidar de tudo.
O homem tratou de sorrir.
*
Olivia o visitou mais três vezes. Embora fossem visitas impessoais, continuou a perguntar por
ele a médicos e enfermeiros.
Em companhia do advogado advogado desencadeou o emaranhado legal que havia em torno de
propriedades que deveria devolver.
A última vez que foi visitá-lo, não a reconheceu. Mantinham-no fortemente drogado por causa
da intensidade da dor.
Apresentou um relatório detalhado para a ONG e foi bem recebido, pois suas ideias para
devolver as terras apresentavam um plano abrangente para o avanço da região.
A ONG a enviou três meses para estudar na Espanha e na Irlanda os processos de paz e de
memória histórica. Quando estava na Europa, recebeu a notícia da morte de seu pai. Nesse dia não
chorou, mas também não foi para a aula.
A aproximação com a comunidade não foi fácil. Além das ideias de seu pai para devolver a
terra, teve de lidar com agentes governamentais que, por vezes, paravam o processo por causa da
burocracia. Alguns líderes da região não acreditavam no trabalho de Olivia. Só o tempo e dedicação,
que colocou para fazer do projeto um sucesso, baixaram a guarda dos agricultores da região.
A ONG forneceu tanto assistência jurídica como psicológica a todas as vítimas. Foram dois
anos de trabalho duro.
O resto é história.
*
Miguel ficou em silêncio e a aconchegou em seu peito. Não quis dizer nada quando terminou de
ouvir sua história. Dedicou-se a contemplá-la, se ela soubesse o rosário de sentimentos que ela
despertava nele… O sentimento que passava em seu peito e que o inspirava a sair em combate contra
o mundo só por ela. Ele tinha certeza de que aquele sentimento não sentiria por qualquer outra
pessoa. Bem, isso não era verdade, os filhos que tivessem também seriam donos de tamanha
devoção. Ele sorriu com o pensamento. “Filhos, frutos do nosso amor.” Primeiro deveria pedi-la em
casamento, fazer as coisas direito dessa vez. Pegou em suas mãos o anel pendurado na Tradução
Lauren Moon corrente que sua Olivia nunca havia tirado e observou a joia simples. Sim,
definitivamente faria as coisas de forma diferente. Sua linda mulher valente merecia todas as joias
que ele pudesse dar, embora este único anel fosse o símbolo de seus sentimentos por ela, ele iria
comprar um anel com uma pedra maior e talvez cravejado de esmeraldas que tinha a mesma cor de
seus olhos. Tinha adormecido, acariciou sou a pele.
Ele cantarolava uma música que tinha ouvido naquela manhã no rádio da camionete, quando
voltava da fazenda. Era a canção de Fonseca, Te prometo:
♫ Prometo dar-te o sol todos os dias Prometo este idílio todos os dias ♫
Tentava lembrar a letra da canção, errava e recomeçava: ♫ e prometo que será meu amor eterno Te
prometo que será minha querida ♫
Olivia se remexeu, abriu os olhos e olhou para ele com essa expressão viu o amor que ela lhe
professava. Ela o amava com a mesma intensidade irracional que ele a ela. Sua Olivia pensava nele
desde o começo. Desde que decidiu voltar para consertar a bagunça que seu pai tinha feito. Ele
continuou com sua canção.
♫ te acompanho em cada passo de tua vida se me juras que não buscas uma saída ♫
- Miguel…
Reverenciou-a com um beijo, suave como o toque de uma seda. Queria dizer muitas coisas, mas
se dedicou a continuar cantando: ♫ …prometo um milhão de fantasias um rebanho em uma casa, ao
lado dos buritis prometo dar-te tempo nas manhãs e cantar-te enquanto dormes ao ouvido ♫
Seus olhos lhe disseram que ele a admirava como nunca havia admirado uma mulher, que desde
que havia voltado, encarava a vida e o mundo com outro espírito, que a adorava e queria fazê-la
feliz.
- Eu amo você, Miguel - disse emocionada com a letra da canção.
- Você é uma mulher valente. Minha mulher corajosa. Você merece mil serenatas - ela sorriu e
negou com a cabeça -. Só você foi capaz de dar a cara a tudo que aconteceu. Você nem mesmo era
filha de seu casamento. Por que eles não estão aqui?
- Eles têm os seus próprios demônios para combater.
- E você não? - perguntou Miguel ao recolher as coisas para guarda-los na camionete.
Tradução Lauren Moon
- Os filhos de seu casamento têm uma vida muito difícil. É uma longa história.
Miguel baixou a cabeça.
- A vida se encarrega de cobrar seu pedágio da pior maneira possível e faz isso com aqueles
que mais amamos.
Olivia o corrigiu.
- Se é que alguma vez nos quis de verdade. Mas, vamos mudar de assunto: você canta muito
bem; militar, chefe de segurança, fazendeiro e agora cantor.
Miguel começou a rir e de repente ela ficou séria.
- Adoro seu riso, sentia muita falta do seu riso, Miguel Robles.
- Só do meu riso?
Agora foi a vez dela rir.
*
Elizabeth olhou para sua amiga durante a reunião na igreja. As coisas não podiam continuar
assim. Ela acreditava que Pedro e Teresa mereciam a chance de serem felizes, mas ambos eram
cabeças duras. Praticamente não se podia citar o nome de Pedro, porque a deixava falando sozinha e
o olhar de Teresa a cada vez que ele a rejeitava era de lamentar. Ninguém negava que Teresa amava
seu marido e tinha sido uma esposa dedicada e leal. Não seria nada mal que ela voltasse a amar
novamente.
Como fazê-la entender que ela ainda estava viva, que havia um homem que mesmo que ela não
quisesse ouvir falar, morria por ela? Ela se aproximou ao final da reunião e convidoua para tomar um
chá com ela.
Elas se sentaram em um pequeno café a duas quadras da igreja. Era um lugar pequeno com
apenas cinco mesas. Uma jovem se aproximou e pediram dois chás que os trouxeram muito rápido.
- Quando você vai procurar o que você realmente quer?
- Eu não estou entendendo respondeu Teresa, adoçando sua bebida quente.
- Por favor, Teresa, não insulte minha inteligência. O que aconteceu com Pedro?
Apenas ao ouviu falar de Pedro e todo seu autocontrole saiu voando pela janela. Desejou poder
encolher as mãos. Em vez disso, ele voltou sua atenção para a toalha de mesa.
Falou em um sussurro suave como a brisa do vento da manhã.
- Nada, não quer voltar a saber de mim, ao que parece.
- Você já tentou conversar com ele sobre isso?
- Não! Eu disse coisas terríveis e estou envergonhada.
- Você sente alguma coisa por ele?
Teresa corou de repente. Constrangida, evitava o olhar de Elizabeth, suspirou e com ar de
resignação disse: Tradução Lauren Moon - Sim, seria tolice negar. Sinto algo por ele antes da morte
de Enrique e isso me exaspera muito. Por Deus! Meu marido ainda não esfriou na sepultura e aqui
estou, louca por outro homem. Como você acha que eu me sinto? Como meus filhos vão reagir
quando eles descobrirem?
- Não é a situação ideal - Elizabeth admitiu, mexendo mel e chá -. Mas é a vida e há apenas uma
vida, não se esqueça. Amava Enrique?
- Sim, com minha alma.
- Você o abandonou em algum momento? Descuidou de sua doença?
- Não, como você pode pensar isso?
Elizabeth veio para matar: - Ele se sentiu abandonado por você de alguma forma?
Teresa esfregou a mão sobre a toalha vermelha e branca da mesa.
Desviou seu olhar pra um casal de namorados que sussurravam palavras de amor três mesas à
frente.
- Não, acho que não. Seus olhos brilhavam quando eu entrava no quarto.
- O que você acha que Enrique iria querer para você?
- Eu não sei, mas com certeza não iria querer que eu me apaixonasse tão depressa.
- Ele nunca reprovaria se você voltasse a reconstruir sua vida. Você é a única que se reprova a
si mesma.
Teresa estava sem palavras.
- Eu sei.
- E se você sabe, por que você não
faz alguma coisa, sabendo que Pedro está indo embora?
Teresa abriu os olhos e sentiu uma dor aguda no peito.
- Pedro, o quê? Está indo? Para onde?
O rosto de Teresa mudou de cor e viu nos olhos de Elizabeth alguma compreensão ao vê-la tão
vulnerável. Ele não estava fazendo nada de incomum. Afinal, Pedro tinha que seguir com sua vida. O
que ela pensou? Que ele ficaria esperando por anos?
- Sua filha o convidou para passar um ano na Bélgica.
- Bélgica - Teresa repetiu e afogou sua dor em um gole de chá -. Bem, desejo-lhe boa viagem.
*
Alberto Carbonell explicava a Olivia sobre o reforço das fundações que já estavam feitas e
onde estavam localizadas as novas. O primeiro andar da La Casa de Paz seria concluído em quatro
semanas. Olivia olhou para o lugar onde ela pensava que ficaria bem monumento em memória dos
que se foram.
- Quando eles vão limpar esta área? Tradução Lauren Moon
- No início da próxima semana. Já falei com o engenheiro e gerente local. Você pensou em como será
o monumento?
Caminhavam pelos limites do terreno enquanto Olivia observava o andamento da obra. “Deus é
um fato “, suspirou emocionada ao ver os trabalhadores em suas diversas atividades. O local
fermentava em atividades, alguns até assobiavam quando a viram passar. Esquivou-se de um dos
funcionários que passava com um carrinho de mão cheio de mistura, outros organizavam o material
de um caminhão que tinha acabado de baixar areia e cascalho.
- Sim, eu vou fazer um concurso entre as crianças da cidade. Quero que sejam eles a escolher a
figura comemorativa. Depois de amanhã irei aos colégios e escolas, farei uma boa campanha, e
haverá primeiro e segundo lugares.
O advogado ergueu a sobrancelha.
- Parece bom. O que você vai fazer com a figura para ganhar o segundo lugar?
- Vou mandar fundir em bronze e colocá-lo na sala de recepção da casa.
Eu não vejo a hora de tudo está concluído. Você não sabe o quanto isso significa para mim.
- Mas posso imaginar - disse ele, sorrindo. A quem você vai encomendar a realização do
monumento?
- Não sei.
- Eu tenho um colega que é um escultor na Universidade Nacional. Ele vive em Bogotá. Talvez
ele possa ajudar.
Pela primeira vez, Olivia deu ao homem um sorriso de bondade.
- Obrigada.
Alberto a acompanhou até o jipe. Oscar correu para abrir a porta. Outra camionete com um dois
guardacostas a seguia, fez algumas compras e foi para o escritório. Ao descer do veículo para entrar
no escritório, encontrou-se com Clementina.
- Olá, Clementina, que alegria. Há dias que não a vejo.
- Você nos esqueceu - disse a velha em tom de brincadeira.
- Nunca. Por que você não vem ao meu escritório e tomamos um café?
- Eu não posso, porque vou à igreja devolver uma coisa que não é minha. A velha tinha nos braços
uma figura envolvida em um cobertor.
- Ora, não me diga que finalmente encontrou o que estava procurando.
- Sim - a velha sorriu maliciosamente.
- E posso saber o que é?
- É o filho de San Antonio de Padua que roubei da imagem, em um acesso de raiva alguns dias
depois que meu filho desapareceu.
Olivia se lembrou de algumas das crenças supersticiosas de longas datas, que tinham as pessoas
da região. Lembrou-se da que envolvia este santo. Exigia-se um milagre a San Antonio de Padua e
tiravam dele o menino Jesus até que se cumprisse. Se o santo não cumpria, eles o esconderiam.
Tradução Lauren Moon
Aparentemente, Clementina, por viver tantos anos longe de casa e pela perda da memória em
razão da idade, tinha esquecido onde ele estava escondido, e vendo que seu filho nunca apareceu,
não via mais razão para esconder a figura da criança.
- Clementina, sinto muito.
- Não se preocupe, eu vou devolver e me confessar. Vou pedir desculpas e sei que tudo vai ficar
bem. Os mortos vão aparecer para, por fim, descansarem em paz.
Um calafrio percorreu Olivia. *
Era uma segunda-feira movimentada. Olivia assinou e reviu os últimos relatórios a serem
enviados para a ONG, em Bogotá. Visitou escolas explicando seu novo projeto e os prazos para a
entrega dos trabalhos para aquelas crianças que queriam participar.
Não tinha ido almoçar em casa e ainda havia restos de um sanduíche e um refrigerante em cima
da mesa. Miguel havia telefonado mais cedo para combinar a data da viagem que fariam a San
Domingo em três semanas. Esticou o pescoço, precisava de um descanso, recarregar as baterias para
a fase final do projeto. Claudia lutava com algumas estatísticas e William organizava os itinerários e
as atividades a seguir.
Ivan veio como um furacão, seguido pelo prefeito. Eles ficaram mudos olhando para Olivia. O
celular de Claudia começou a tocar, o de William também.
- Olivia - falou Ivan com um forte pigarro.
Olivia levantou os olhos do computador e se surpreendeu com os rostos de seus companheiros.
Claudia, que atendeu o telefone, empalideceu e olhou para ela com pena. William virouse de costas,
enquanto sussurrava ao telefone.
- O que houve? Parece que viram um fantasma.
Olivia - disse Ivan -. Apareceu um poço com alguns corpos.
Os olhos de Olivia gritaram mais do que sua voz.
- O quê?!
“Meu Deus, meu Deus, me dê força,” a mulher sussurrou para si mesma.
Ela empalideceu de repente e sentiu lágrimas rolarem pelo seu rosto. Levantou-se e sentiu a
recorrente escapada de ar de sua prótese, mas nesse momento não se importou.
- Onde? - perguntou de forma quase inaudível. William a olhava consternado. Claudia se
aproximou, tentando abraçala, mas ela se soltou de imediato.
O prefeito respondeu: - No terreno que você mandou limpar ao lado da La
Casa de Paz.
“Senhor, me diga que isso não está acontecendo. Perdoeme, por ser uma egoísta da pior espécie,
mas eu não acho que possa suportar. “
- Não pode ser - foi até a porta enquanto esfregava as mãos, rejeitado o consolo de seus amigos
-. Esse local era sagrado para mim.
Tradução Lauren Moon
E vieram à mente as palavras de Zambrano: ” Aqueles corpos estão mais perto do que você
pensa.”
Pegou sua bolsa, que estava pendurado na parede ao lado da porta.
- Olivia, deixeme acompanhala Claudia insistiu, tentando alcançá-la. Olivia saiu tão apressada que
suas palavras mal foram ouvidas.
- Quero ficar sozinha.
Tradução Lauren Moon
Capítulo XXVI Álvaro Barragán era um dos supervisores da construção de La Casa de Paz. Naquela
manhã cedo ele já havia falado com o arquiteto Carbonell sobre a limpeza do terreno vizinho à
construção.
Com um grupo de três rapazes que carregavam suas respectivas pás tinham se preparado para
retirar a vegetação rasteira e examinar aquele pedaço de terra.
Estranhou o solo irregular e vegetação que parecia diferente.
Começou a escavar em uma das encostas, que precisava saber se era de terra ou pedra e se
precisariam de mais ajuda. À medida que se aprofundava, percebeu que era terra.
Descansou a pá na palma de uma mão, puxou o lenço do bolso, limpou o suor da testa e o
amarrou ao redor de sua cabeça. Sua camisa estava ensopada de suor, grudada no corpo, então ele a
tirou e atou à cintura, revelando seu abdômen proeminente.
Ele estava prestes a deixar o seu dia de trabalho, quando a pá bateu em algo duro. Pelos golpes
e pelo jeito que ele sentia que tinha, sabia que não era de pedra, mas também não era lama.
Com as mãos, começou a separar a terra pensando em um guaca16 ou algum tesouro esquecido
por Orlando Ruiz, pois para ninguém era segredo de quem tinha sido esta propriedade.
Ao limpar a peça e abrir o pequeno buraco encontrou o objeto de sua curiosidade.
- Não pode ser - disse horrorizado. Era o crânio de uma caveira.
Guardou em silêncio sobre a descoberta e foi buscar o arquiteto.
Quando voltou com ele e os seus homens tinham feito outra descoberta e estavam gritando.
- Silêncio! - Alberto berrou, e em tom firme e diligente lançou - Álvaro, chame a polícia
imediatamente. Nem uma palavra sobre isso com ninguém, que todos guardem silêncio.
- Sim senhor.
Aproximouse de outra descoberta: um corpo pequeno como uma criança e um adulto corpo.
Uma fria premonição o atacou. “Estes são os restos dos desaparecidos durante o regime Ruiz.
Merda. Isso não poderia acontecer em um momento mais inadequado”, pensou.
16 Conjunto de objetos précolombianos de alto valor que se encontram em sepulturas (N. da
Tradutora) Tradução Lauren Moon Quando a polícia chegou, ele explicou como ele tinha topado com
as ossadas e levou os guardas ao local onde os trabalhadores tinham descoberto os corpos.
Ao corroborar com a descoberta, as autoridades chamaram o exército e a promotoria.
Em uma hora, a notícia da aparição dos restos mortais tinha se espalhado como pólvora em San
Antonio.
*
Olivia chegou à construção em questão de minutos. As pessoas sussurravam entre si quando a
viram caminhar, mas ninguém falou com ela.
Alberto levou-a ao pequeno escritório improvisado da obra.
- Sinto muito, Olivia - disse o jovem, olhando para ela com pena.
- Mais cedo ou mais tarde tinham que aparecer - respondeu, com um olhar um pouco perdido.
Falou com as autoridades, mostrou documentos do terreno que havia sido doado por seu pai e
que apenas há três anos estavam em sua posse. Um dos investigadores da promotoria perguntou se ela
estava ciente do que havia no terreno. Ela respondeu beligerante: Como se atreve a me perguntar
isso? Eu não teria aceitado este terreno jamais. Além disso, estes corpos foram entregues às famílias,
assim que perceberam o ocorrido.
- Sinto muito, senhorita Ruiz, mas temos de fazer mais perguntas.
- Espero que não sejam perguntas estúpidas, senhor.
- Você não tem que responder coisa alguma - interrompeu Miguel da lá porta. Com uma raiva
aparente e uma preocupação em seu rosto, aproximouse dela. Ele a abraçou, dandolhe um beijo
rápido nos lábios -. Deixe que eles se entendam com o meu advogado.
-Eu não tenho nada a esconder! Todas as minhas ações têm sido de boafé!
- Fique calma, meu amor - sussurrou Miguel. Olivia sentiu que as lágrimas a traiam. Os demais
presentes deixaram a sala -. Você não tem culpa pelo que este desgraçado fez.
- É um desgraçado. Como pôde me dar uma casa que estava cheia de cadáveres? Eu me sinto tão
triste, tão envergonhada!
*
No meio da tarde chegaram os membros da Comissão de Justiça e Paz e os promotores. A
equipe era composta por um antropólogo, um dentista, dois biólogos e dois técnicos forenses.
Chegaram com suas equipes e armados.
- Por que as armas? - perguntou Alberto, que os recebeu em seu pequeno escritório.
Olivia ainda não dizia nada, olhava sem expressão, como se uma parte dela tivesse se fechado
para qualquer emoção.
Tradução Lauren Moon
- Você não pode imaginar os lugares que temos visitado, nem aqueles que temos que enfrentar.
Alberto ergueu as sobrancelhas e baixou a cabeça.
- Entendo.
- Vamos ver que verdades nos contam esses corpos - disse um antropólogo, um homem jovem e
magro, com cabelo escuro e olhar penetrante. Olivia percebeu que o profissional experiente não
havia se perdido, ainda, no cinismo de ter um dos trabalhos mais difíceis do país.
- Não é um pouco tarde para começar? - Olivia perguntou, pois já passava das quatro da tarde.
- Não, senhora, nós vamos trabalhar até haja luz - dirigiuse ao lugar -.
Essas pessoas - apontou para o grupo de parentes dos desaparecidos precisam de respostas.
O investigador do Ministério Público, Mario Duarte, foi até o túmulo com uma pasta debaixo do
braço. Nessa pasta, havia uma dúzia de fotos com retratos das vítimas desaparecidas.
Uma vez no lugar, os profissionais vestidos com traje branco e impermeável, óculos de
proteção, luvas e botas de borracha, esperavam a ordem do antropólogo Wilson Guevara para
começar o trabalho.
Olivia empalideceu quando viu a primeira descoberta e um tremor a invadiu ao ouvir os
comentários que o profissional fazia.
- Os trabalhadores encontraram três corpos, mas os montes podem indicar que há muitos outros.
Senhorita Ruiz, espere naquele canto, por favor. Apenas nós podemos permanecer aqui.
Olivia torceu as mãos sem perder nenhum detalhe. Miguel só a observava, ela percebeu a
vontade dele em tirá-la de lá. Não iria deixá-lo, e ali ficaria até que parassem de trabalhar.
- Todos em linha, pendentes de deformações ou de alguma vegetação diferente. Qualquer
descoberta, chamemme imediatamente.
- Sim, senhor - responderam os outros profissionais rastreando o terreno para encontrar mais
restos.
Enquanto isso Olivia tanto observava como o antropólogo, um dos biólogos e a dentista se
dirigiam aos cadáveres descobertos.
- Não são só estes três, são vários cadáveres - apontou o antropólogo e, em seguida, começou a
desenhar o terreno em um quadrado. Pouco a pouco foram aparecendo mais restos mortais, e a cada
descoberta uma dimensão dolorosa: “Crânio com dois buracos de bala”. “Este é um braço”. “Este é
um corpo de mulher desmembrado.” O investigador tirava fotografias até da menor descoberta.
Olivia, que conseguia ouvi-los, em certo momento foi para uma árvore próxima e vomitou.
Então ela começou a chorar. Era tanto pesar que desejou estar morta, que fossem seus ossos que
brotassem da terra. Miguel tentou se aproximar, mas ela o recusou. Enquanto limpava o rosto com um
lenço, sentia que tinham cravado uma faca em seu coração. Nada no terreno tinhalhe indicado que
isso pudesse acontecer.
Não podia acreditar que seu pai tivesse feito isso com ela.
Tradução Lauren Moon
- Por favor, me deixe em paz. Você deve ter coisas para fazer. Vá!
Deus, eu estava tão cansada. Uma onda de exaustão tomou conta dela. Olhou para suas mãos, que
tremiam e que não podia controlar.
Sim, estava chocada e não queria que ninguém mais soubesse.
- Não, Olivia, eu não vou embora. Não deixarei você sozinha murmurou o homem, e apertou-a contra
seu peito. Queria tirá-la de lá, confortá-la de alguma maneira, que sua presença e suas palavras a
trouxessem de volta para ele e que não fugisse em algum lugar de sua mente, onde ele tinha certeza de
que não o deixaria entrar, pois o fechamento emocional de Olivia era evidente. Ele desejou ter
Orlando Ruiz diante para destruir com ele todo o sofrimento causado.
Teresa tinha chegado um pouco mais cedo. Tentava de todos as maneiras confortar Olivia, mas
até o momento tinha tido o mesmo resultado que ele.
- Este é um par de sapatos femininos
- voltava com tudo carregar o profissional parado ao lado de um esqueleto sem cabeça. Tinha
desabotoado a metade superior do uniforme branco pendurado em ambos os lados do corpo por
causa do calor.
- Sim - disse uma das biólogas -. Encontrei este pedaço de colar.
Era um pequeno colar de contas azuis roídos por animais e sujo de terra.
Tiraram várias fotografias do objeto.
- Era jovem.
Eles continuavam trabalhando em silêncio. Miguel assistia quase sem piscar. Ele estava
atordoado pela constatação. “Esses mortos são contando a história de anos de horror e negligência
por parte do governo, um governo que está tentando reparar o que já está em pedaços.”
Como Orlando Ruiz tinha pensado em esconder os corpos em uma casa tão perto das pessoas?
Como é que ninguém notou o enterro dessas pessoas? Não tinha que ser conhecedor do assunto para
perceber que o terror tinha conseguido uma colheita abundante em todas as famílias de lá.
- Olham este antebraço é de outra mulher. Assista o relógio, marca uma hora - continuou falando
a entomologista biólogo.
- Olivia, vamos lá, você tem que descansar - Miguel a pegou pelo braço, convidando-a a se
afastar daquele espetáculo de horror.
- Não estou cansada.
- É melhor ir para casa, não há nada
que possa fazer. Claudia e seus colegas vão se encarregar.
Miguel apontou a distância precisa onde Claudia e outros trabalhadores acompanhavam os
familiares dos desaparecidos.
- Além disso, você não vai saber nada agora. Eles precisam levar os restos para Bogotá para
fazer os exames de DNA.
- As famílias sabem como as vítimas estavam vestidas naquele dia.
Qualquer descoberta desse tipo será uma boa notícia para eles.
- Olivia, ouça Miguel, você está pálida. Você mal comeu - sentenciou Teresa, que tinha chegado
nesse momento.
Tradução Lauren Moon
Olivia suspirou. Se algo podia fazer para sua tia, que tinha feito tanto por ela, era obedecê-la.
- Está bem, vamos.
Amparada entre Miguel e Teresa, mas com passo digno, afastou-se da obra. Ao chegar no local
onde as pessoas se encontravam, levou seu olhar até Rosa Santa Mejia, que chorava perante a câmera
que o investigador havia posto na sua frente, e que mostrava as últimas fotos tiradas.
- Sim, aquele colar era dela - ouviu Olivia de passagem, enquanto a mulher se abraçava a uma
senhora que a acompanhava e que, pela semelhança, possivelmente era sua mãe -. Eu tinha dado de
presente de aniversário, eu o comprei de um catálogo em uma revista. Meu Deus, minha menina!
Olivia olhou para ela querendo se aproximar, mas Miguel não a deixou.
- Não é um bom momento e você pode se machucar.
- Mais do que já sou? Que importância tem neste momento? - disse, sem perceber o jornalista
que se aproxima.
Miguel a agarrou pelo braço e a levou para a camionete, quando viu que também se aproximava
o jipe com o logotipo de uma famosa cadeia de televisão em uma das suas portas, e estacionou a
poucos metros de carros das autoridades. Não deixaria que este circo afetasse Olivia ainda mais.
- Eu não vou deixar ninguém machucar você.
Abriu a porta da camionete bruscamente, Olivia sentou e colocou o cinto de segurança. Teresa
havia chegado ali, também, por conta própria. Dentro do carro, a tensão era palpável. Miguel
observava o perfil de Olivia, que tremia e batia os dentes.
- Está bem? - imediatamente se arrependeu de ter perguntado tal disparate.
- Não, eu não estou bem. Como é que eu vou ficar bem?
- Por favor, Olivia, deixeme ajudála, não me deixe fora disso - pegou sua mão e em um sussurro,
ele disse -: eu sinto muito.
- Não tanto quanto eu lamento.
Em minutos, ele a levou para casa. Quando Miguel, fez menção de entrar no apartamento, Olivia
disse: - Eu vou ficar com a minha tia esta noite. Não se preocupe, vá para casa.
- Achei que você quisesse companhia.
- Eu estou bem, você deve ter outras coisas a fazer.
- Tem certeza? - incomodava-o que ela não quisesse seu consolo, que pensasse que ele só queria
levá-la para a cama. Mas nunca, nunca permitiria que Olivia visse em seu rosto o que estava
sentindo. Ela parecia tão vulnerável que se sentia impotente.
- Por favor, Miguel, conversamos amanhã.
Quando Olivia fez menção de entrar na casa, Miguel agarrou seu bíceps com força e juntou sua
testa na dela, tentando encontrar as palavras para amenizar o sofrimento de sua alma.
Tradução Lauren Moon Ele desejou de todo o coração que os culpados pagassem por isso, não com
penas mínimas ou perdões velados de impunidade. Não, desejou que fosse com todo o peso da lei
terrena e divina, de modo a trazer a paz à alma daquelas pessoas que tinham perdido os entes que
mais amavam … E para tirar a expressão de dor e de culpa dos olhos de sua mulher.
- Está bem, fique calma, só quero que você esteja bem. Descanse, coma algo - tomou seu rosto
com ambas as mãos. Ela encolheu seu olhar e quando ele a beijou, sentiu-a tenso. Ele não gostou da
maneira com que ela o estava tratando.
Quando Olivia entrou na casa, Teresa olhou para ele com algo parecido com pena.
- Ambos a conhecemos, você tem que se vestir de paciência. Está envergonhada.
- Não tem por quê!
- Por Deus, Miguel! Deixe-a ser humana! Ela se sente responsável, deixea que se senta culpada.
Isso vai aliviar sua dor. E em breve deixará de se sentir assim.
Desde que se jogou essa carga nos ombros é responsabilidade dela toda a dor dessas pessoas.
- Não é justo.
- Nada na vida é justo.
- Quero acompanhá-la. Eu quero carregar todo o seu sofrimento, que ela descanse de tanta dor.
Ela não merece isso.
- Não, você pode fazer isso. Deus a destinou para isso e Ele não dá uma cruz que não possamos
ser capazes de carregar.
- Cuide dela, por favor, por favor, cuide muito bem dela - beijou a mão da mulher.
- Fique tranquilo. Comigo ela sempre estará bem.
*
Três dias se passaram, como se em cada um fosse uma viagem ao inferno. A cada manhã ela se
apresenta na obra e não se movia de lá até tarde da noite.
Havia negligenciado seus outros trabalhos, mas Claudia agia como se fosse dela.
Quando pôde falar com ela dois dias atrás, ela tinha chorado em seus braços. Ela tentou
confortá-la com frases inúteis.
- Amiga, há males que vêm para o bem. Se você não tivesse pensado em fazer este monumento,
a verdade não seria conhecida.
Os profissionais da promotoria resgataram quarenta cadáveres daquele lugar. Eles foram
levados para Bogotá para estudos e para compará-los com fotos e inúmeros testes com as famílias.
Em seguida, haveria uma entrega formal dos restos mortais, seria um trabalho de meses, talvez anos.
Olivia tentou afastar Miguel, mas sem sucesso. Ele não se deixava intimar por ela. Então, optou
pela indiferença. Não quis mais noites com ele.
Tradução Lauren Moon
Miguel a tratava com uma paciência sacerdotal. Levava-a para trabalhar, acompanhando-a o
tempo que seu trabalho na fazenda permitia. Ele enviava comida, fruta, água, que Olivia não tocava.
À noite, ele se impunha e a tirava daquele lugar. Ela o dispensava na porta de sua casa. Miguel se
desesperava com a expressão nos olhos dela. Era como se ela estivesse lhe evitando, como se ela
tivesse erguido um muro tão alto que era impossível de se alcançar. Ele falou com Claudia, mas ela
estava tão confusa como ele.
*
Teresa ficou com o bocal do telefone na mão, sem saber o que fazer.
Elizabeth acabava de anunciar que Pedro tinha adiantado a viagem e viajaria para Bogotá no dia
seguinte, partindo para a Bélgica dois dias mais tarde.
“Agora o que diabos eu faço?” perguntou com a mão em sua testa.
Caminhou de um lado ao outro do quarto com o medo, o amor e a tristeza, indo e vindo como o
vaivém das palmeiras ao som da brisa do mar.
Poderia me despedir, pensou.
Percebeu que tinha colocado mal o bocal do telefone, depositou-o em seu lugar, alisou ainda
mais a colcha sobre sua cama, pensando que não gostava da cor e se repreendeu dizendo que, como
sempre ao enfrentar uma crise pessoal, começava a pensar bobagem. Não, não é estúpido. Sempre
colocava as necessidades dos outros à frente ou as superficiais dela mesma, e que não estava certo.
Primeiro vinha ela. Queria deixar para trás o cheiro da servidão que acompanhava as relações de sua
vida.
Elizabeth tinha dito que Pedro estava em sua fazenda, distribuindo ordens de última hora aos
empregados de confiança.
“O mais provável é que você me expulse a pontapés”, pensou. Saiu do quarto e, lentamente, foi
para o pátio. Observou a árvore de manga, caminhou até suas flores amadas, recolheu algumas folhas
mortas do chão e viu uma lesma emergindo da terra. Lembrou-se de que em dois dias o jardineiro
viria para fumigar o jardim.
“Tenho que pedir desculpas”, disse a si mesma.
Já era o começo da tarde. Voltou para o seu quarto, pegou sua bolsa e se dirigiu para a saída.
Tránsito a interceptou ao abrir a porta.
- Senhora, o que fazemos de comida?
- O que você quiser. Volto mais tarde.
- Mas minha senhora, ir com os sapatos …
Teresa olhou rapidamente para o seu calçado.
- Não importa.
Tránsito engoliu em seco e abriu os olhos.
- Como quiser, senhora.
“Que não seja tarde, seu suplico, senhor. Que não seja tarde “, repetia para si mesmo enquanto
ele dar partida no carro. Queria reivindicá-lo como seu, porque era o único homem que foi capaz de
ver sua verdadeira natureza através da névoa de dor pela doença Enrique. E agora, por sua maldita
covardia, com certeza já o teria perdido.
Tradução Lauren Moon
Os pneus cantaram ao se afastar de casa. Havia amado Enrique. Havia amado e tinha sido leal a
ele, isso nunca ninguém poderia tirá-lo. Mas, quando Pedro começou a assediá-la, ela se trancou no
medo, atormentada pela culpa de querer corresponder a essa atração.
Antes de avistar a entrada da fazenda, percebeu que a direção do carro trepidava, o que fez com
que ela diminuísse a velocidade. Era o que estava faltando, um pneu furado.
Saiu do veículo e, de fato, vendo o pneu furado nem se deu ao trabalho de trocá-lo. Decidiu
começar a andar.
A poucos metros de distância, percebeu quão inadequado eram seus sapatos para essa
caminhada. As pedrinhas machucavam seus pés, mas não se importou.
Naquele momento percebeu a aparência que devia ter, com uma calça de moletom preta e uma
camisa branca. Não havia se maquiado, mas também lhe importava um caralho!
Avistou o belo jardim. De repente, havia anoitecido.
- Senhora … - cumprimentou Lola, a esposa do gerente da estância.
- Sim, eu sei. Eu sei que não é o momento para vir, mas eu preciso ver Pedro.
A mulher se surpreendeu com a resposta. Olhou de lado a lado.
- É claro, venha, por favor. Onde está seu carro?
- Ele está com um pneu furado e parou a poucos metros lá para baixo.
- Vou mandar Javier para trocá-lo.
- Obrigada - Teresa entregou as chaves e experimentou um desconforto pela maneira como Lola
a observava.
- Onde está?
- No estábulo, deixeme enviar um aviso.
- Não! - Teresa estava mortificada pelo sobressalto da mulher assustada, com o tom que usou -.
Sei onde é. Eu vou.
Rapidamente caminhou os poucos metros para o celeiro. Estava pouco iluminado.
Seu coração batia violentamente pelo esforço e pela agitação que sentia. Entrou no lugar sem fazer
barulho.
Pedro estava em um dos currais, de cócoras na companhia de um empregado. Estava
examinando uma vaca recémparida e seu filhote.
Teresa se impressionou com a firmeza de seu corpo, a prata de seu cabelo e a maneira com que
ele acariciava o bezerro. Não podia olhar em seus olhos, mas não precisava, conhecia a cor de
memória. Era um homem que cuidava com a alma o que queria. Quis correr para ele, acariciá-lo e tê-
lo em seus braços.
“Querido Deus, por favor, me dê outra oportunidade”, sussurrou para si mesma, com algum
desespero.
- Será um belo exemplar. Quando eu voltar, veremos o que fazer com ela disse Pedro enquanto
se levantava. Caminhou até um balde com água e higienizou suas mãos com sabão antibacteriano.
Tradução Lauren Moon
O peão concordou.
- Deixe todas as instruções para Edgar. Você estará no comando de tudo, espero que você e os
outros colaborarem.
Ele se virou e então a viu.
Deixou escapar o ar do peito.
Teresa percebeu que ele parecia mais magro.
- Ora, ora, olhe o que caiu na sopa apontou em um tom displicente e com a postura rígida.
- Boa noite, Pedro.
- O que deseja, Senhora de Herrera?
A alma de Teresa doeu ao chamá-la assim. Era a primeira vez que ele fazia isso.
- Eu quero falar com você.
- Está falando.
Teresa olhou para funcionário que estava com ele e não sabia bem o que fazer. Notou que o
homem corou ante a maneira tão rude com que Pedro a estava tratando.
- Você pode deixar, Martin, amanhã vamos nos falar antes de eu ir - disse sem afastar o olhar
frio como como gelo do rosto dela.
O jovem saiu rapidamente, fechando a porta do estábulo.
- Nós dois sabemos por que estou aqui - foi tudo o que Teresa pode dizer, antes de perder a
coragem para a fria recepção. Suas mãos estavam suando e raramente em sua vida tinha estado tão
assustada como nesse momento.
O homem cruzou os braços.
- Não, eu não sei.
- Não pensa tornar as coisas fáceis para mim, não é verdade?
Teresa quis sair correndo ante o silêncio dele. Observou suas olheiras, sua serenidade aparente
que não tinha conseguido enganá-la. Estava tão afetado quanto ela. Não conhecia este olhar, era duro
como uma pedra. Quão distante estavam os dias em que ele a olhava com ternura, com paixão!
Precisava daquele olhar em sua vida.
Outra vez.
Suas palavras meses atrás o feriram. Seu coração apertou ao se lembrar de como ele havia dito que a
amava e ela tinha jogado aquele amor em sua cara com suas palavras mortíferas.
Começaria com um pedido de desculpas.
- Pedro, eu … eu quero me desculpar com você pelo que eu disse no dia em que Enrique
morreu.
- Ele desculpada, Senhora de Herrera.
- Eu sei que foi muito injusta com você. Deixeme explicar.
Ele a silenciou com um gesto brusco.
Tradução Lauren Moon - Senhora, por favor, esqueça isso. Não desejo suas explicações, eu estava
errado. Você sempre esteve certa. “Não cobiçarás a mulher do teu próximo.” É
um dos mandamentos, ou estou errado?
- Sim, mas…
Pedro sentiu um impulso de continuar ferindo-a, mas o fato de estar ali tentando se reconciliar
com ele de repente o fez baixar suas armas. Não seria tão fácil.
- Fui um tolo, minha senhora, quem deveria pedir perdão sou eu. Você era uma mulher casada.
Não tinha direito de m e intrometer. Esqueça tudo.
-Mas eu…
- Amanhã vou de viagem e ainda tenho coisas para fazer.
“Está me despachando” pensou Teresa ofendida, “como um traste velho no último lugar do
sótão. Adeus, Senhora de Herrera, é o que está me dizendo, desculpe-me se eu a fiz cair de amor por
mim. “
Era um soberano bastardo. Como ele se atrevia?
- Então, eu acertei sobre aquilo que pensava de você no início.
Pedro franziu o cenho e baixou o queixo. Seu olhar a perfurou.
- Desculpeme?
- Que era um cretino.
- Mas eu estou pedindo desculpas!
- Não são suas desculpas que eu quero! - caminhou em direção à porta sem deixar de olhá-lo -.
Eu me apaixonei por você como uma tola. Era o que você queria, para depois vir e dizer: “Senhora
de Herrera, isso foi um erro” - fez um gesto de repúdio, imitando-o, que lhe arrebatou o primeiro
sorriso -. Não se atreva a rir de mim.
- Não o faço.
Teresa quis desaparecer, desejou ter algum poder mágico para transportála para outro local, ou pelo
menos que a fizesse invisível e não ter que suportar a rejeição de Pedro. Ela se virou. Pedro a
alcançou antes que ela conseguisse abrir a porta.
Ele a fechou com um golpe e a aprisionou contra madeira rústica, deixando apenas um espaço
para respirar.
- Oh, não, senhora, não me diga que depois de semelhante bomba vai sair correndo como uma
doninha - sussurrou em seu ouvido, e fez com que a pele de Teresa se arrepiasse.
- Que bomba? - perguntou com a mente em névoas. Só queria senti-lo assim, ligado a ela, e não
se soltasse jamais.
- Que me ama.
Ficou em silêncio por um breve instante, no qual repensava em dizer o que queria dizer.
- Sim … que eu o amo - sussurrou com um soluço atravessado na garganta e testa pressionada na
porta -. Você não sabe o quão mal eu tenho passado desde a tarde em que deixei de vê-lo. Mas era só
por medo. O amor por você me fez trair o meu casamento, votos jurei para manter e não podia. Este
amor me queimava por Tradução Lauren Moon
dentro, não estava tranquila.
Desejava vê-lo em cada esquina, esperava ansiosamente suas flores, suas sobremesas, suas
palavras irônicas, e isso não estava certo.
- Já passou - sorriu. Acariciou seu rosto e ação enviou uma corrente por seu corpo.
Ela se virou sem querer sair dos seus braços. Seus olhos verdes tinham o brilho de lágrimas.
- Eu não quero perdê-lo e, ao mesmo tempo, não queria estar perto de você. Quando Enrique
morreu nem sequer pude viver minha perda em paz, porque eu tinha você atravessando aqui - Teresa
apontou para o coração e olhou para ele -. É tarde demais para me perdoar?
- Eu te amo, Teresa, como não pensei jamais amar novamente. Sem você este tempo tem sido um
inferno - olhou-a de modo feroz e acrescentou -. Mas vamos consertar rapidamente.
Esmagou-a contra seu peito, passou as mãos pelo seu cabelo, despenteando-a. Ele a abraçou
sem querer soltála.
- Teresa, Teresa, Teresa - repetiu como um possuído.
- Eu o amo muito - Teresa tinha a voz engasgada. Pedro afagava os contornos de seu rosto de
forma um tanto abrupta, com ambas as mãos -. Eu precisava que você soubesse.
Pedro devorou os lábios em um beijo que não recebia desde a adolescência, um beijo cheio de
desejo, amor, fervor, que os deixou sem fôlego.
Com a respiração entrecortada, ele a levou para um celeiro desocupado. Ao ver que estendia um
cobertor no chão, Teresa abriu os olhos.
-O que você está fazendo?
- Preparo nossa cama para esta noite.
- Não, por favor, eu não estou pronto ainda! É tão … eu … devemos falar primeiro!
Teresa teria gostado de ter passado no salão, ter feito uma massagem, ter-se preparado para ele.
- Nós já conversamos bastante, mas se você quiser, pode fazê-lo enquanto faço amor com você -
sorriu.
E Teresa também.
Ele abriu sua blusa e olhou com avidez seus seios, que ela sabia estavam mais pesados do que
tinham sido na sua juventude. Ele começou a acariciá-la.
- Quando a toco e vejo, querida Teresa, me encanta. Gosto de você tal como você é, nunca se
esqueça disso.
Entre beijos chegaram ao chão. Ainda com medo, Teresa percebeu que Pedro não perecia se
importar se seus seios estavam caídos nem com seus pneuzinhos em torno da cintura. Tentou se
cobrir, fechando a blusa. Por seu olhar parecia que Pedro estava vendo uma deusa.
Ele se virou de lado, com uma mão segurando sua cabeça e com a outra mão acariciava seu
pescoço e seios. Ela sentiu um formigamento na pele. Com Tradução Lauren Moon movimentos
suaves, ele foi descendo por seu abdômen, e com a palma da mão acariciou sua barriga e o contorno
de sua cintura.
- Você é muito suave, tem uma pele sublime. Teresa, eu estou morrendo de vontade de saboreála.
- Sei que o tempo não tem sido benevolente para mim, não precisa me bajular.
- É melhor não dizer mais …
Ele se levantou de imediato com a agilidade de um jovem, desabotoou a camisa ante o olhar
atônito e de espanto de Teresa. Soltou o cinto de sua calça, tirou uma bota com um pé e a outra com o
outro pé.
O nó de medo Teresa foi desaparecendo para dar lugar ao desejo. E ela que acreditou que seu
lado sexual tinha morrido anos atrás. Pedro tirou a calça e a cueca boxer ao mesmo tempo, deixando
um magnifico corpo todo exposto.
Ele a olhou, desafiando-a a fazer um comentário. Ela não tirava os olhos de cima dele.
- Ora, ora, senhor Almarales se eu não posso dizer mais é porque você me deixou sem palavras.
- Eu gosto do tom que você usa quando diz “Senhor Almarales”.
Voltou a se deitar ao lado dela.
- Você não acha que tem muita roupa sobrando em você?
Teresa deixou seu ressentimento no último canto de sua mente e se dispôs a desfrutar o que a
vida tinha a oferecer naquele momento.
Despiu-se com gestos lentos e indecisos. De vez em quando ela o olhava para ver se cessava
seu entusiasmo a qualquer momento. Ele a olhava de forma intensa, séria, concentrada.
Ele a beijou e a acariciou com maestria, como um músico dedicado a seu violino. Ele enterrou o
rosto em seus seios e ela o abraçou para sentir o toque de sua boca.
Teresa se esqueceu de respirar, esqueceu-se de observá-lo e se perdeu nas carícias sensuais
com que mimava seu corpo.
-Tem forma curvilínea, cheia, feminina. Tenho certeza de que quando passa na rua, os homens
percebem em fração de segundo que ali há uma mulher de verdade.
Teresa duvidava disso, mas seria ela que o tiraria de seu erro, ainda mais ao vê-lo com a
respiração acelerada e o fogo do desejo em seus belos olhos cinzentos.
Pedro correu os lábios e língua todos os cantos do corpo da mulher, como sedento de encontrar
de imediato uma fonte de água, enquanto ele sussurrava palavras de admiração e amor.
Eles se acoplaram em um ritmo suave, delicioso e tão antigo quanto o início dos tempos.
Nenhum dos dois queria que acabasse. Eles não se importavam com o desconforto, o barulho dos
animais e palha que lhes picava suas nádegas e costas, Tradução Lauren Moon nada disso importava.
Eles eram como um casal de jovens camponeses brincando no feno.
Teresa levaria à morte os cheiros e sensações desse momento bonito em que voltava a encontrar
sua sexualidade. O ritmo tornou-se mais rápido. Teresa jogou a cabeça para trás, o que fez com que
Pedro lhe desse suaves mordidas no pescoço.
- Por fim, minha, minha.
No final, incapaz de aguentarem por mais tempo, explodiram em um orgasmo de luz, cor e som,
que os deixou perplexoses e feliz ao mesmo tempo.
O orgasmo foi uma verdadeira surpresa para ela. “Então é isso que eu perdi por tantos anos …”
À medida que voltava a si, voltaram também seus ressentimentos. Teresa se levantou e buscou
qualquer coisa para se cobrir. Não queria olhar para Pedro. Ele a deteve. Ele pegou sua mão e a
puxou para o chão novamente.
- Esta foi uma loucura …
- De louco, sim, porque seu corpo tem a forma de uma guitarra, e eu amo poder agarrar e morder
- Pedro acariciou suas nádegas -. Nem ouse se cobrir, eu gosto muito disso. Você tem um corpo que
deu a vida.
Ela suspirou. Como este homem fala!
- Você é uma mulher adulta, suave, delicado e forte ao mesmo tempo.
Você tem um grande coração e também gosto da sua maneira de fazer as coisas, sua dedicação
aos outros, a maneira como você se dá a todos. Eu respeito você e eu amo você. Quero estar ao seu
lado para sempre.
Teresa baixou a cabeça ligeiramente.
- Há coisas sobre mim que você desconhece.
- Eu vou sabe-las com o tempo. Ponha sua roupa e vamos para o meu quarto. Sou muito velho
para ficar saracoteando no estábulo.
Teresa riu e acariciou sua barba.
- Não vim aqui com esta intenção. Pedro lhe deu outro beijo.
- Como não? Se é a única coisa que eu tenho no meu pensamento desde a primeira vez que vi
você?
Saíram abraçados em direção à casa.
Tradução Lauren Moon Capítulo XXVII
- Tem certeza? Acho que você está se precipitando - disse Claudia com cara de poucos amigos.
Olivia sabia que ela queria balançala.
- Não olhe para mim como se tivesse brotado sapos na minha cabeça. Já tomei minha decisão,
eu preciso de você no comando.
Estava há uma semana planejando sair de San Antonio. Não queria ficar no lugar que tantas
dores lhe causava. “Dores e, também, felicidade”, sua voz interior sussurrou. Com o aparecimento
dos corpos, o passado se encarregava de fechar a porta na cara do futuro.
- E Miguel? Vai com você?
- Não.
Claudia cruzou os braços.
- Não? Então, amiga, não entendo.
Olivia baixou a cabeça e secou um par de lágrimas antes de voltar a falar: Claudia, eu não
posso amarrá-lo em mim. Ele é a coisa mais importante na minha vida. Eu o adoro, é o único homem
que tocou a minha alma. Mas eu não posso condena-lo a esse estigma, a tudo que nos rodeia -
enxugou seu rosto com as mãos, levantou-se e virouse de costas para a amiga -. É o melhor momento
para fazêlo, quando o escândalo cadáveres aparecidos ainda está fresco.
Claudia se levantou irritada, pegoua pelo braço e, finalmente a sacudiu.
- Que merda você tem a ver com isso? Fala como se tivesse sido você que os tivesse enterrado
e de repente fosse pega com uma pá na mão.
Olivia se soltou e se afastou uns passos, falou com uma calma que estava longe de sentir.
- Eu deveria investigar aquele terreno. Agora eu considero La Casa de Paz como uma
brincadeira.
- Você está errada, muito errada, Olivia, se você pensa assim. Você não percebeu que é o lugar
ideal para levantar o monumento? O que acontece é que você é uma malcriada que quer perfeição em
todas as facetas da sua vida e nunca vai encontrar isso. Não se conforme com isso que está
acontecendo com você, Dona perfeita. Esse é o verdadeiro problema.
- Se você não vai me ajudar, digame de uma maldita vez.
- Não estou de acordo com isto Claudia franziu a testa, vendo a desolação em Olivia, por isso,
abrandou seu gênio -, mas você pode contar comigo.
- Obrigada. Realmente, eu sinto muito, eu não queria que isso acabasse assim.
Tradução Lauren Moon
Esta não é uma questão de desculpas, Olivia, mas de seu orgulho. Você detesta a ideia de que
Miguel saiba que você não é um anjo do céu, toda a doçura, pureza e perfeição, mas que você é uma
mulher com um legado problemático. Estou errada?
- Ele merece a melhor mulher do mundo, merece alguém que não o envergonhe. Por Deus! Eu
sou a filha de um assassino da pior espécie e me envergonho - sentiu que seu coração encolhia -.
Para mim foi difícil aceitar a minha deficiência. De repente, ele veio e, de um momento para outro,
apagou dez anos de inibições.
- E você acha que ele não pode superar mais essa do seu pai?
- Não, isso é horrível demais para ser verdade. Eu digo que às vezes eu não acredito. Não quero
atá-lo a mim, não quero este estigma para os nossos filhos.
- É melhor voltar ao trabalho antes que eu volte a sacudi-la por esta estupidez.
Miguel entrou no estúdio da fazenda, fechou a porta e foi até o bar, onde derramou um copo de
uísque duplo.
Algo estava terrivelmente errado. Uma sensação estranha se mexia e surgia. “Maldito Orlando
Ruiz.” Olivia queria ficar longe dele, ele pressentia isso. A felicidade que ele pensou ter encontrado
estava à beira do abismo, à espera do último empurrão para se perder pelo penhasco como se nunca
estivesse ali. Ela fugia dele como da peste, não queria nada com ele.
Não poderia dizer que era rude, não, pelo contrário, era bondade pura, mas da boca para fora.
Não deixava que ele se aproximasse e ele precisava de seu amor, seu coração, seu corpo, e assim
como tinha certeza de que ela precisava dele. Queria ajudar, ambos estavam unidos neste transe.
Graças à sua Olivia tinha aprendido a perdoar e superar o ódio e ressentimento que tinha regido
suas vidas por anos. Fazia um buraco em seu estômago ao pensar no que perderia se ela o
abandonasse desta vez.
Queria devolver-lhe de alguma forma o que ela tinha feito por ele, mas ela apenas o deixara
aproximar. Ele caminhou até a janela de estúdio e observou a paisagem. Como chegar até ela?
Como? Pressionou a testa no vidro. Fez um balanço do que foi sua vida até o aparecimento de
Olivia: relações sem sentido, apenas buscando o alívio para o corpo. Ele nunca deu uma chance para
outra mulher, porque a sua alma já estava comprometida com outra. Deu um riso amargo, “e eu me
achava um Don Juan.”
Ia de uma mulher para outra procurando o que ele encontrado naquela tarde na ravina, mas não
conseguiu. À distância, chegaram os acordes de uma música que tinha uns trinta anos, ou assim ele
pensava. Era uma música de Charles Aznavour: She17.
17 She – Ela (N. da Tradutora) Ela.
Pode ser o rosto que não consigo esquecer O caminho para o prazer ou para o desgosto Pode ser
meu tesouro ou o preço que tenho que pagar Ela pode ser a música que o verão canta Pode ser o frio
que o outono traz Pode ser cem coisas diferentes No decorrer de um dia Ela Pode ser a bela ou a fera
Tradução Lauren Moon
♫ She. She may be the face I can’t forget.
A trace of pleasure or regret. May be my treasure or the price I have to pay.
She may be the song that summer sings.
May be the chill that autumn brings.
May be a hundred different things. Within the measure of a day. She may be the beauty or the
beast.

O tema foi escrito para ele.
♫ May be the famine or the feast. May turn each day into a heaven or a hell.
She may be the mirror of my dream, a smile reflected in a stream.
She may not be what she may seem. Inside her shell18. ♫
Ele se afastou da janela e tentou se distrair com o trabalho acumulado na mesa. Não podia se
concentrar, o rosto de dor de Oliva voltou até ele, uma e outra vez.
Não suportava essa expressão com que a imaginava. Queria que desaparecesse, que se afastasse
dela para sempre e enfeitasse seu rosto de alegria, amor e prazer. Queria vê-la feliz com sua vida,
com ele ao seu lado, todo o tempo.
Ele esperou até tarde da noite e foi para a casa de Teresa. Ficou surpreso quando a empregada
disse que Olivia estava no apartamento. Ele tomou um atalho através do pátio e entrou nos aposentos,
que não estava trancado.
Na sala havia um par de caixas com papéis e seu computador estava em cima da mesa da sala
de jantar. A luz do quarto o guiou até ela. Veio à mente a maneira como ele a amou em cada canto
daquele lugar.
Ele a encontrou colocando suas roupas em uma das malas.
- O que você está fazendo, Olivia? perguntou da porta da sala.
Olivia parou seus afazeres e se virou para ele.
- Oh, oi - sussurrou com o coração na garganta. Sentiu uma pontada em sua fronte. Estou
arrumando minhas coisas, eu retorno para Bogotá - balbuciou, sem olhar para ele e disse - eu
terminei o que vim fazer aqui. Claudia e William estarão no comando do pouco que falta.
- De que diabos você está falando? Como você está indo? - agarrou-a pelo braço e a puxou para
si.
18 Pode ser a fome ou a abundância Pode transformar cada dia em um paraíso ou em um inferno
Ela pode ser o espelho dos meus sonhos Um sorriso refletido em um rio Ela pode não ser o que ela
parece Dentro da sua concha
Tradução Lauren Moon
Olharam-se nos olhos. Olivia implorou a Deus para poder dissimular, fingir desapego,
indiferença, o que fosse!, para fechar essa porta de sua vida de uma vez por todas. Tinha uma das
roupas nas mãos para evitar tremer.
- Já lhe disse, terminei minhas tarefas aqui – sorriu -. Você não acreditou que eu ficaria aqui
para sempre.
- Pois, isso ficou subentendido. E quanto a nós dois? Por acaso você vai me deixar?
Olivia sentiu os nervos ao ponto de se romper. Ele a aprisionou em seus braços e ela quis
derreter-se ali com ele, refugiar-se para sempre no único lugar onde tinha sido feliz.
Havia ensaiado algumas poucas palavras de despedida para acelerar as coisas, mas diante da
intensidade de seus sentimentos sabia que iria soar falso. No entanto, decidiu tentar.
- Oh, Miguel, não esperava que depois de eu viver tantos anos na capital e viajar pelo mundo,
eu iria acabar aqui, não é?
- Eu fiz isso - disse com orgulho -, porque esta é a minha casa. O lugar ao qual eu pertenço.
- Minha carreira é muito importante para mim. Isso é tudo o que eu tive durante todos estes anos.
- Mas agora você tem a mim. Ela se obrigou a sorrir em um gesto que saiu como uma careta.
- Se você tivesse a oportunidade de ir, você iria?
- Não, porque tudo que eu quero está aqui. Mas se você não pode viver aqui, apenas me diga e
eu vou com você.
Ela evitou seus olhos e caminhou até a pequena janela. Suas palavras cravaram em seu peito.
Olhou para a paisagem sem realmente vê-la. Observou o quintal e jardim, recordando os momentos
de sua infância, adolescência e o desejo de deixar este lugar.
Mas agora era diferente. Daria o que tivesse para poder ficar ao lado de seu Miguel. Diante de
cada resposta dele sentiu o desespero crescer dentro dela.
- Miguel, você é muito importante para mim, mas não podemos ficar juntos disse a mulher, com
a voz apagada.
- Por quê? - o tom áspero de sua voz não escondeu a vulnerabilidade por trás dele.
Olivia queria jogar-se em um buraco e chorar amargamente.
- Muitas coisas nos separam - disse
-. O horror que meu pai causou, a morte do teu pai, o ódio que sua família tem por mim, tantas outras
coisas!
- Nada disso me importa, Olivia. Eu amo você!
Olivia sentiu que um peso saiu de cima dela.
- Eu sei, e eu não posso amar você da mesma maneira.
Tradução Lauren Moon
- Não me diga isso, Olivia, eu conheço você! Eu sei que você me ama.
Repito pela enésima vez, Olivia; não fixe sua vida no passado, é hora de virar a página, de dar
outra chance a si mesma.
- Não, Miguel, não. Você não entende nada.
- Sim, eu entendo, você insistir em arrumar da maneira mais difícil o que está errado. Você toma
os erros de seu pai como se você mesma os tivesse cometido.
- E o que mais eu posso fazer?
- Eu sei que a sua alma íntegra e boa não pode suportar tudo isso, eu sei quebrou sua voz -. Você não
sabe o que significou para mim ver você compartilhar a dor de todas essas pessoas, tomar como suas
as perdas deles. Eu estava com tanto medo de me aproximar de você, mas eu também queria o seu
conforto, esse que você dedica com as mãos cheias. Eu preciso de você na minha vida, Olivia.
Os olhos da mulher se arregalaram ao perceber que ele se aproximava e rodeava sua cintura.
Deu uns passos para trás.
- Não diga mais nada, Miguel, eu devo ir embora. Como você disse, há muitas pessoas no
mundo que precisam do meu consolo.
Miguel sentiu um vazio gelado no peito. Ele não podia perdê-la novamente. Não suportaria.
- Você sabe? Eu também tive uma prótese durante anos - disse e levou uma mão sobre o
coração.
- Mas o que você está dizendo?
- Uma prótese feita de raiva, incompreensão e ressentimento. Mas assim que você voltou, o
coração voltou a ocupar seu lugar - acariciou o rosto de Olivia, no qual uma lágrima rolou
inadvertidamente -. Você não pode imaginar a luta que diariamente travei dentro de mim e, mesmo
assim, você ganhou porque você sempre esteve aqui.
Bateu no peito várias vezes.
- Eu não posso, Miguel. Sinto muito.
A perturbação de Olivia era evidente e Miguel não soube convencê-la. De todas as formas, continuou
implorando-lhe.
- Não faça isso, meu amor. Eu odeio o homem que eu sou quando você não está aqui. Pelo
menos você tem sua prótese que faz você andar de pé, mas para isso que eu sinto que não há prótese
que valha.
- Bem, você tem que aprender a viver com ela, porque eu aprendo todos os dias em como viver com
a minha.
- Droga, Olivia!
Ele a balançou como a uma boneca de pano. Isso fez com que ela permanecesse inflexível.
- É melhor você ir. Isso nunca teve futuro.
Pensou na falta de sua perna e no conforto que ele havia levado a sua vida. A amargura a
invadiu. Queria acabar com isso mais cedo ante que não pudesse Tradução Lauren Moon mais
dissimular. Esse sentimento se encarregou de esfriar os outros: a culpa, a dor e a confusão.
- Você me diz isso agora?
- Não é tarde, você merece refazer sua vida com uma mulher … -ia dizer “com uma mulher
completa”, mas se conteve a tempo -, uma mulher que mereça você.
- Esta foi sua ideia desde o início, não foi? Vejo que essa corja de filhos da puta e seu pai
conseguiram roubar sua alegria de viver. Não foi só essa maldita mina - ele falava fora de si.
Olivia empalideceu.
- Você não sabe o que você está falando.
- Sim, acredite em mim, eu sei. Você é uma covarde.
Tinha que ignorar suas palavras. Tinha que fazê-lo por ele e por ela.
- Eu aprecio que você tenha me ajudado - disse e voltou para sua mala.
Continuou arrumando suas roupas de qualquer maneira -. E eu estou feliz que você deixe bem
claro.
- Vá para o inferno! - gritou Miguel, e deixou a vida de Olivia batendo a porta.
Olivia deixou o que estava fazendo diante da iminência do que sentia. Aquela dor era como um velho
companheiro que tinha viajado e de repente retornava.
Ela a reconheceu imediatamente.
Com raiva, jogou a mala no chão. Jogou-se na cama e chorou com uns lamentos que
atravessaram o pátio e chegaram até a cozinha, onde Tránsito preparava o jantar. A dor a atravessava
como lança, tudo havia terminado. Nada mais valia a pena, sem Miguel ao seu dela.
*
Miguel sobrevivia.
Haviamse passado duas semanas desde que Oliva abandonou San Antonio Olivia, e abandonou
a ele. Trabalhava, comia e falava porque tinha que fazer.
Não tinha paciência para tolices. Segurava-se na raiva tingida pelo desespero.
Ele imaginou a vida de Olivia longe dele.
Embora agora, ela apenas saísse, era uma questão de tempo para voltar às reuniões e aos
passeios. Poderia se apaixonar outra vez, e já superados seus traumas, iria dormir com outro. E,
claro, que homem perderia essa oportunidade?
Olivia nunca tinhalhe pertencido. Ele teria que superar isso a qualquer custo. Mas como poderia
esquecer o que tinham vivido? Como tirar do seu peito e de sua cabeça, se pequenos detalhes do
cotidiano não faziam mais que obriga-lo a se lembrar dela? Sua maneira de falar, de rir, a seriedade
com que o escutava, as simples carícias que o acalmavam.
“Quer uma piada, tenente?”
“Mais Miguel, ame-me mais.” Tradução Lauren Moon
“Como você ousa colocar dois guardas me seguindo o tempo todo?”
Veio a sua mente a cor de seus olhos e a forma como eles escureciam quando chegava ao
orgasmo. Sua pele, seu …
“Merda”, disse ele, “assim não vou conseguir superá-la.”
Saiu a passos rápidos de sua casa sem olhar nem para Ligia nem para Elizabeth, que estavam no
salão tomando uma limonada gelada. Foi para o celeiro, onde selou um de seus cavalos.
Recusou a ajuda de um de seus peões, montou em seu cavalo e saiu a galope rápido. Quase
atropelou um de seus empregados.
- Saía da frente!
Ele foi até o bosque com o vento acariciando as têmporas como se perseguido por uma horda de
bandidos.
- Vai acabar se matando - suspirou Elizabeth ao retomar o livro que estava em seu colo.
- Eu sabia que terminaria assim sentenciou Ligia enquanto observava o horizonte, por onde mal
podia ver seu filho.
- Você não sabe o que aconteceu.
- Só que o meu filho está sofrendo.
Elizabeth levantou uma sobrancelha:
- E a você que entende? Você deveria estar feliz, afinal você não tolerava Olivia.
Esse era o problema, que Olivia tinha conseguido romper as barreiras de Ligia quando Miguel
lhe contou o que ela tinha feito, para que seu outro filho saísse da cadeia.
- É a mulher meu filho ama.
- Não me diga! - Elizabeth riu e
perguntou com um sorriso -: Você mudou de opinião?
- Não brinque - sussurrou -. Eu sei que meu filho merece alguém melhor, mas se é ela que o faz
feliz, então que assim seja.
- Que um senso de oportunidade o seu. Se não fosse pelo que aconteceu com Zambrano, você
continuaria pensando como antes.
- Olha, Elizabeth, eu não sou nenhum anjo. Eu sou uma mulher de carne e osso com defeitos
como todos os outros, mas reconheço quando eu estraguei tudo. E
dessa vez eu cheguei ao fundo.
Elizabeth levou um gole de limonada à boca.
- Deveria falar com ela.
Ligia bebeu, como se assim afogasse seu pesar.
- Você acredita que sirva de algo?
- Não sei - olhou para ela atentamente -. Fico feliz de ver seu bom coração de volta.
Tradução Lauren Moon
- Oh, Elizabeth, eu tenho tanto a repor. Como é La Casa de Paz? Eu gostaria de ajudar.
- Olivia deveria estar aqui no dia da inauguração. A cidade e as pessoas têm uma grande dívida
para com ela.
Ligia sorriu, um sorriso de muita felicidade para a ocasião.
- Vou acompanhar Miguel a Bogotá. Vou ver Jorge e tentar falar com Olivia.
Elizabeth entendeu e sorriu.
*
Nesta noite, enquanto jantavam na sala de jantar da fazenda, Ligia falou com Miguel sobre seu
desejo em acompanhálo a Bogotá.
- Como quiser, mãe. Tenho um compromisso com os advogados de Jorge depois de amanhã de
manhã, e depois várias reuniões de trabalho e com a federação de agricultores.
- Não se preocupe, vou aproveitar a oportunidade para fazer algumas compras e outras providências.
Nesse momento, tocou o celular de Miguel: - Se me derem licença, tenho que atender - levantou-
se da mesa.
- Sim?
Do outro lado da linha: - Ei, chefe.
- Onde estão? - disse ele com a mão pressionada ao aparelho, sentindo a opressão que já tinha
se acostumado no estômago e no coração.
- Parados, fora de sua casa.
Miguel sabia que cedo ou tarde teria que terminar o monitoramento sobre Olivia. Não havia
plano para lidar com eles. Além disso, Gabriel tinha chamado sua atenção pela utilização de duas
escoltas em Bogotá. Mas Miguel não queria correr riscos e precisava saber dela, participar de sua
vida mesmo que fosse de longe e por meio de outras pessoas. Era obsceno, pronunciou uma maldição
e voltou à mesa. Acabaria com essas chamadas amanhã mesmo.
-Tudo bem?
- Sim, mamãe, tranquilo.
Deixou-as com seu discurso de mudança de cortinas e foi para o estúdio.
Na solidão, dedicou-se a chafurdar na sua dor. Por que não quis continuar ao seu lado?
Se de uma coisa ele tinha certeza era que ela o amava. Afinal, ele tinha sido o único homem em
sua vida.
E se não fosse assim, pouco importava. Olivia era uma mulher excepcional, era mais do que
bonita para que um único defeito em seu corpo ou um pai perverso o mantivesse afastado dela.
Tradução Lauren Moon
Ainda se surpreendia e o desconcertava seus sentimentos por ela. Só de imaginá-la, sua
pulsação acelerava e aquele instinto primitivo de posse o exacerbava.
Atordoava-se a maneira que dela necessitava.
Talvez devesse encontrá-la e convencê-la. Não, não, não! Era ela que teria que voltar. Se ele
tivesse a certeza de que com algumas palavras iria convencê-la, ele o faria sem hesitar. Mas Olivia
era Olivia, puro granito quando lhe convinha. A decisão tinha que ser dela.
Vivia na solidão, pensou novamente enternecido. Era algo que ele percebeu tão logo as escoltas
lhe informaram de todos os seus movimentos. Com exceção de um par de convites de Melisa -
bendita fosse - vivia de casa para o trabalho.
William ainda estava na cidade, mas não demoraria a ir para Bogotá.
Ficava doente que um tipo como esse tivesse pretensões por sua mulher. Bem, não apenas ele,
qualquer outro que se atrevesse.
- É minha, toda minha - sussurrou entre dentes.
*
Olivia sabia que estava errada.
Estava arrependida de ter saído correndo de San Antonio, fazia uma vida que nada tinha algum
charme para ela. Faltava-lhe coragem e sobrava-lhe lamentos e lágrimas. Dormia chorando. Como
ela o havia machucado!
Só vinha a sua mente a expressão nos olhos de Miguel quando ela lhe deu a punhalada. Era o
homem de sua vida, tinha beijado cada uma de suas cicatrizes, e não falava propriamente das feridas
da perna. E o que ela fez? Saiu correndo como se a vida dependesse disso. Miguel estava certo, ela
era uma covarde. Precisava de sua gente. Quando Claudia falava dos progressos em La Casa de Paz
e nos outros projetos, preocupava-a se sentir excluída. Para seu orgulho não havia satisfação. Era ela
quem deveria estar ali, escolhendo os acabamentos da casa e quem seria o jovem vencedor do
projeto da escultura. Sabia quais eram as intenções de Claudia, queria fazê-la regressar.
Agora eu entendia na própria carne o que se sentia diante do desenraizamento, o que sentiu essa
pobre gente ao ter que abandonar sua terra, sabendo que não voltaria a ver suas casas, seus rios,
montanhas e os túmulos onde estavam seus mortos.
A primeira vez que ela deixou San Antonio, sua rebeldia a sustentou. Mas agora era diferente.
Havia construído coisas, tinha se envolvido com as pessoas: Rosa Santa, Clementina e as outras
mulheres. Sentia saudade delas. Seus passados crivados de dor e perda uniu-as, criando redes por
cima da amizade. Elas tinham muito em comum!
Em suma, eu queria voltar para casa e não sabia como.
Pensava na melhor maneira de resolver as coisas com Miguel. Sentia-se envergonhada, porque
sabia que sua decisão o fez sofrer.
Deixaria seu orgulho de lado, mesmo correndo o risco de se tornar vulnerável a um homem que
com uma só palavra ou gesto poderia demoli-la e que, além disso, estaria justificadamente com raiva
dela.
Tradução Lauren Moon
Tinha que admitir que não era perfeita em qualquer aspecto de sua vida, que tinha falhas, como
todo mundo. Isso seria o seu tributo a ele, livrar-se da máscara de perfeição construída à base da
tenacidade, culpa e mentiras. Sim, para uma mulher bonita como ela era difícil saber que havia uma
parte de si que a envergonhava e que precisava se esconder.
E não precisamente se referia à perna que faltava.
O interfone tocou. Olivia ficou surpresa ao ouvir o nome da pessoa que queria conversar com
ela.
- Sim, diga para subir.
Recolheu um par de revistas jogadas no chão e lenços Kllenex que havia em cima da mesa da
sala, perguntando-se o que desejaria essa senhora.
Ao segundo toque, respirou fundo e abriu a porta.
- Boa tarde, Olivia.
Olivia fez um gesto para que Ligia entrasse. Ela cruzou o limiar, colocou a bolsa em uma das
cadeiras e se dedicou a olhar o ambiente.
Muito bonito seu apartamento - disse ao voltar o olhar para Olivia.
Acomodou-se em uma poltrona. Olivia ainda estava de pé, um pouco surpresa -. Você deve estar
se perguntando por que estou aqui.
- Na verdade, não.
- Ora, quanta sinceridade - a mulher cruzou os dedos das mãos e colocou-os sobre os joelhos.
Olivia decidiu manter a calma. Observou-a com cuidado. Era uma mulher que tinha a
melancolia estampada em seu rosto. Seu ar soberbo e belicoso estava ausente.
- Para mim, é difícil abrir-me para outra pessoa e, acredite, tinha sérias dúvidas sobre vir vê-la.
Mas estou cansada de ver os meus filhos sofrerem.
Olivia notou o gesto apagado da mulher e do trabalho que lhe custava estar ali na frente dela.
Sentiu pena. Baixou os braços e sentou-se na frente dela.
- Santiago foi o amor da minha vida. Quando ele morreu, eu estava cheia de amargura. Foi ainda
pior quando prenderam Jorge - depois de uma breve pausa, acrescentou -: Em algum lugar no
caminho eu me perdi.
- Não me deve explicações, senhora.
- Ao contrário, sim, eu as devo. Estou aqui por Miguel. Quando mataram meu marido -
gesticulou com a mão como se não quisesse se lembrar -, Miguel perdeu sua vida, ele perdeu você,
seu exército, seu pai e seu irmão. E ao chegar em casa a cada noite era recebido por uma mãe
amargurada e belicosa. Às vezes acho que ele aceitava esses trabalhos no exterior para fugir de mim,
dos problemas e tentar esquecer você.
Olivia sentiu seu coração encolher de tanta pena.
- Não se sinta triste, não é sua culpa
- observou uma foto de Rosalía em um pequeno console que continha portaretratos de sua família -.
Sabe? Eu conheci sua mãe.
Tradução Lauren Moon
Olivia levantou a sobrancelha pronta para saltar diante de qualquer comentário sobre ela.
- Não se ponha na defensiva, eu não vou ofender sua memória. Ela era uma mulher bonita.
- E?
- Rosalía era uma mulher apaixonada pelo amor e pela imagem que os homens tinham dela. Ela
acreditava que era disso que precisava para ser feliz.
- Onde a senhora quer chegar?
- Parece que você tem a mesma ideia equivocada do que você precisa. Olivia riu e se levantou rumo
à cozinha: - Não sou leviana.
- Eu sei. Eu não estaria aqui se você fosse.
- Não lhe entendo.
Olivia pôs a cafeteria para funcionar e voltou à sala.
- Às vezes nós procuramos a felicidade tentando nos acomodar às situações ao nosso capricho,
forçando o destino para mudar o curso das coisas. Mas depois vem a vida, dá-nos um pontapé à outra
extremidade e temos que recomeçar …
com a alma despedaçada.
Olivia exalou.
- Agradeço sua psicanálise, mas a senhora não me conhece.
- Olivia, você não é o seu pai, nunca poderá ser como ele. Você não tem o poder para consertar
as coisas que ele fez de errado.
- É o que eu tentei fazer todo esse tempo e não vou pedir desculpas por isso.
- Você pode ajudar a quem lhe agrada, mas enquanto não perdoar a si mesma e perdoar o fato de
ser filha de quem você é, não poderá respirar em liberdade.
- Por que me diz isso?
- Eu lhe disse, por Miguel. Ele voltou à vida quando você voltou.
- Olhe, senhora, seu filho pode escolher qualquer mulher que ele quiser.
- E ele escolheu você.
- Sou teimosa e orgulhosa.
- Eu vou ter netos de caráter. Não é
algo que eu não possa suportar, se eu tenho um temperamento ruim.
- A senhora não entende nada Olivia levantou a calça esportiva que vestia esporte que se
levantou, tirou a sapatilha e baixou a meia, deixando exposta sua prótese. Acusou o olhar de Ligia -.
Não lhe convenho! Seu filho terá que enfrentar isso todos os dias de sua existência.
Um lampejo de compreensão povoou o olhar de Ligia.
- Guarde sua lástima.
Tradução Lauren Moon - Não sinto pena de você. Eu não sabia que o que você tinha para oferecer ao
meu filho estava do seu joelho para baixo.
- A senhora é impossível - disse Olivia em voz alta, mas conteve um sorriso.
- Faça de conta que sou a prótese Miguel. Você vai ter que me suportar todos os dias até eu
morrer.
Olharam-se com novos olhos e começaram a rir. Em seguida, mantiveram-se em silêncio. O
ruído da cafeteira quebrou o silêncio.
- Eu poderia aceitar uma xícara de café, fez um frio terrível.
- Está bem, mas eu tenho certeza que minha prótese não incomoda muito. Olivia se afastou e
aproximouse com duas xícaras de líquido fumegante.
Tomaram café falando sobre questões menos importantes, como a vez em que Ligia caiu na lama
enquanto repreendia um dos peões por ociosidade.
- Voltará? - questionou Ligia antes de sair.
Olivia não respondeu. Nem mesmo sabia como encontrar o caminho de volta.
Tradução Lauren Moon Capítulo XXVIII Rafael Sinisterra explicava a Miguel o passo seguinte do
processo para a libertação de Jorge. Estavam reunidos no escritório do advogado a oeste da capital.
O
escritório do advogado estava ladeado por uma imagem de Santander, O homem das leis, e uma
enorme biblioteca com centenas de livros, que certamente faria a alegria de todos os advogados
aspirantes que visitassem o local.
- A Corte Suprema não tem outra escolha a não ser revogar a decisão diante das provas
apresentadas - o advogado disse que mostrava os documentos.
Miguel lia avidamente que finalmente justiça seria feita no caso de seu irmão.
- Não sabe como estou feliz de finalmente fechar este capítulo.
- Ah, ah! Não se apresse, seu irmão não estará livre amanhã.
Miguel olhou para cima dos papéis.
- Então quando?
- Não quero ser irresponsável em meus pontos de vista, mas dentro de três meses estará fora.
- Sim! - Miguel deu um tapa em seu joelho, satisfeito. Afinal, ele tinha gasto muito tempo e
dinheiro para recolher provas e fotografias que serviram como evidência para fazer justiça.
Lembrou-se de Olivia, e esta simples lembrança desatou muitas emoções que borbulhavam em
seu interior. Teve vontade de buscá-la. Queria vê-la, mesmo que à distância.
- Outra coisa, sobre o que você me pediu para descobrir … suas intuições estavam certas -
disse o jurista remexendo alguns papéis -. Orlando Ruiz não sabia onde seus homens enterravam os
cadáveres. Quer dizer, ele não sabia que eles estavam nas instalações de La Casa de Paz.
- Eu imaginava isso, mas isso não o faz menos culpado.
*
Uma hora mais tarde, atravessava os portões da prisão para dar a boa notícia ao seu irmão.
Trazia sua pizza favorita, cogumelos com frango.
Miguel chegou até um dos pátios, onde seu irmão o esperava. Eles se abraçaram e Miguel deu
um beijo em sua bochecha. Foram para uma das mesas vazias, das que ficavam próxima à esquina.
Caía uma chuva fina. O presidio ficava, na periferia da capital em um terreno acidentado e frio.
Alguns prisioneiros estavam jogando uma partida de futebol, enquanto outros jogavam cartas em uma
das poucas mesas abrigadas da fina chuva.
Tradução Lauren Moon
- Que alegria ver você!
“Oito anos em uma prisão mudam o físico e alma de qualquer um”, pensou Miguel, com tristeza
como sempre que o visitava. Já tinha notado em visitas anteriores, que algum cinza pontilhava seu
cabelo preto, e que se mantinha em forma devido a um algum esporte que ele praticava. Seu irmão se
dedicou à pintura, um talento escondido que veio à tona e que o livrou de ter-se suicidado naquele
lugar horrível.
Nesse dia, não queria pensar em nada disso, porque era tempo para celebrações. Ele deixou a
caixa na mesa e o cheiro de queijo com frango começou a saturar o espaço. Jorge foi rápido em abrir
a caixa e pegou um pedaço em suas mãos.
- Não volte a me beijar, eu tenho uma reputação a zelar - anunciou com uma sombra de seu
velho sorriso.
- Ao caralho todos eles. Eu trago notícias, irmão.
- Fale - meteu um pedaço de pizza em sua boca.
Era uma visita diferente, porque a culpa e impotência não o acompanhavam. Esses sentimentos
tinham sido substituídos pela esperança, fé e otimismo.
- Você será solto em cerca de três meses.
Jorge bebia refrigerante em um copo. Ao ouvir as palavras de seu irmão, se engasgou e
começou a tossir alto. Jorge soltou a comida e o copo. Pigarreou desconfortável. Não sabia o que
dizer. Ficou uns alguns segundos olhando ao redor.
- É sério?
Miguel sorriu o sorriso que passou anos praticando.
- Sim, claro que sim. Eu nunca brincaria com isso.
Jorge levantou a manga do suéter que usava. De seu antebraço saiu uma tatuagem de um pássaro
em pleno voo. Era a mesma tatuagem que Miguel tinha em seu braço.
- Você cumpriu a promessa murmurou com a emoção e os olhos lacrimejantes. Miguel se
aproximou de seu irmão e o abraçou. Sentiu uma pontada no peito. A expressão de felicidade em
Jorge era a recompensa que levava.
- Demorou bastante, queria ter feito isso há anos.
- Obrigado, irmão. Mamãe já sabe?
- Sim, ela virá ver você amanhã.
- Finalmente! - gritou sem se importar que o ouvissem. Alguns assobios foram a resposta para aquela
explosão.
Baixaram a voz, e Miguel começou a explicar que tinha mandado seguir a família de Zambrano.
E então contou sobre Olivia.
Contou tudo, desde a sua chegada em San Antonio à cena com Zambrano e, finalmente o fim do
relacionamento. Jorge assobiou baixinho.
- Ora … Essa mulher marcou sua vida e criou a sua história. O que pretende fazer?
Tradução Lauren Moon
- Ainda não sei. Ela não quer nem me ver.
- Não parece uma mulher de sentimentos levianos. É diferente de sua mãe.
- Você se lembra Rosalía?
- Só me lembro que era uma mulher bonita, e isso basta.
Jorge recolheu a caixa de pizza e acendeu um cigarro. Estava perdido em pensamentos.
- Quero que assim que você esteja livre, volte para a fazenda. Preciso de ajuda com os animais
e no trabalho com a terra. O que você me diz? Anima-se?
- Só de imaginar as catástrofes que você deve ter feito … - disse em tom de brincadeira, e com
um toque de ternura -, sim! Se quero! É o meu maior desejo! E eu vou trabalhar com você até o fim
dos meus dias.
- Isso não tenho a menor dúvida. *
Quando Miguel a viu atravessar a grossa porta de vidro do edifício onde ela trabalhava, se
conteve para não descer da camionete.
Observou a hora, eram seis horas. Ia atravessar a rua, mas o sinal ficou verde. Tentou
normalizar a respiração e, com os antebraços apoiados no volante, inclinouse para observa-la.
Dedicou-se a amá-la e deseja-la com o olhar.
“Quanta falta você me faz, minha vida ficou cinza desde que você partiu.
Por favor, volte para mim “, sussurrou para si mesmo. Percebeu que ela estava mais magra.
Vestia um jeans que ficava um pouco justo, botas e uma camisa de lã com arabescos coloridos e
cabelo em uma trança. Percebeu que seu olhar carecia do brilho e da alegria que ele se lembrava.
Bem, para dizer a verdade, certamente ele não parecia muito melhor. Apenas dormia, não encontrava
paz em lugar nenhum ou nem em qualquer atividade.
Pensar em esquecê-la era uma afronta. Ela era parte vital de sua existência: o seu amor, a
metade de seu coração.
Olivia andava ereto com um breve coxear para que só quem soubesse o que tinha acontecido
poderia perceber. Seus olhos lacrimejaram e seu queixo tremeu. Se ele não a tivesse pressionado, a
esta altura do campeonato iria ignorar a perda de sua perna. Atormentava-se imaginá-la acordando
sozinha em um hospital e sem um membro. Seu coração se apertou ainda mais ao se lembrar a forma
com que a tinha magoado, de quão cego ele tinha sido. Como é que uma criatura tão linda por dentro
e por fora poderia sofrer tanto?
Ele sabia que de onde estava, Olivia não poderia vê-lo. O semáforo mudou, ela atravessou a rua
e pegou o primeiro táxi que parou. O par de escoltas a seguia. “Eu tenho que recuperá-lo algum dia.
Algum … “, disse a si mesmo, enquanto ligava o carro e desaparecia pelas ruas da cidade.
*
Tradução Lauren Moon Ao voltar a San Antonio, Miguel mergulhou de cabeça em seu trabalho,
saltando de uma atividade para outra para não pensar. Madrugava para se encontrar com os
veterinários e outros empregados, revisava o gado desde o amanhecer até o final da tarde e, em
seguida, se trancava em seu estúdio para pôr em dia os papéis que deixava seu novo administrador
para assinatura.
A compra do gado Santa Gertrudis tinha sido um sucesso. Os relatórios para Gabriel já estavam
na bandeja para postagem. Havia contratado um par de técnicos a mais. Jorge ficaria surpreso
quando ele voltasse. A propriedade tinha progredido muito. Pensar em seu irmão deu-lhe um impulso
para dar formas a outras ideias sobre o terreno perto da fazenda.
Algumas tardes, quando ele estava inquieto, saía para cavalgar e terminava na ravina.
Ele voltava de seu passeio em uma daquelas tardes, quando acidentalmente ouviu uma conversa
entre dois peões.
- A mulher do patrão voltou há dois dias.
Seu coração começou a galopar em um ritmo louco e tentou não fazer nenhum ruído para ouvir a
conversa. Havia retirado a escolta Olivia há cinco dias.
- O que você acha que o patrão vai dizer quando descobrir?
- No mínimo, vai mudar de humor e deixar de criticar tudo o que fazemos.
Miguel se sentiu mal. Não gosta de tratar mal as pessoas. Prometeu que iria compensá-los pelos
maus tratos que os havia feito passar.
Esteve a ponto de ir buscá-la, quando ele ouviu outra parte da história.
- Não acho, na noite passada ela foi vista jantando com o seu parceiro no restaurante do
Jimenez. Dizem que era jantar de negócios, mas eu não penso assim.
- O patrão não vai gostar disso nem um pouco.
Miguel tomou as rédeas do animal e o obrigou a galopar em direção dos peões, interrompendo a
conversa.
- O que é que eu não vou gostar nem um pouco? - perguntou com olhos brilhantes, um sinal de
que a raiva que ameaçava dominá-lo.
Os dois homens olharam para ele com bocas abertas. Como é possível que não tivessem
percebido sua presença?
- Patrão, eu …
- Fale!
- A senhorita Olivia voltou à cidade.
- Isso eu já ouvi. Quando voltou? Quando você descobriu? - berrou sem tirar os olhos do
homem.
- Dizem que voltou há poucos dias. Eu soube na noite passada. E hoje a cidade inteira já sabe.
Não quis perguntar mais, deu as costas e foi para casa.
Tradução Lauren Moon
*
Era uma grande covarde, não tinha ideia de como abordar Miguel.
Esperava encontra-lo por acaso na cidade, mas até agora não o tinha visto. Poderia ir para a
fazenda, mas quando estava pronta para sair, acabava se arrependendo.
Depois de três dias de estar na cidade e de reconhecer o progresso da La Casa de Paz, enterrou
seus medos e foi para a fazenda. Com o estômago encolhido em um punho e suando em bicas, como
se tivesse feito o caminho a pé, chegou até a entrada da casa de Miguel.
Despediuse de Oscar, que a trouxe no jipe da ONG. O local fervilhava de atividade, peões iam
e vinham. À distância, ouvia-se o mugido das vacas e um relinchar ocasional. Um par de empregados
passaram do lado dela e a olharam com curiosidade.
Ela entrou no vestíbulo da casa onde uma jovenzinha a convidou para se sentar, enquanto
avisava sobre sua presença. A jovem disse que Miguel não estava, mas avisaria às senhoras.
Olivia se sentou em uma das cadeiras de balanço. Observou o jardim que Miguel havia
assaltado na tentativa de reconquistá-la.
Viu de longe o mirante, onde eles voltaram a se amar. Uma enxurrada de lembranças povoava
sua mente e seu coração. Naquele momento, percebeu que a vida sem Miguel carecia de cores e
felicidade, e faria qualquer coisa para têlo de volta.
- Olivia? - disse Elizabeth, caminhando em direção a ela com passos rápidos. Olivia se
levantou e a abraçou como sempre tinha desejado fazê-lo. Se a mulher percebeu a pressão exercida
sobre ela e que parecia não estar disposta soltála, não disse uma palavra -. Quando você voltou?
- Há três dias.
Nesse momento, apareceu a empregada com um par de copos de limonada.
- Sentimos sua falta, menos mal que você voltou para casa.
Olivia ficou com lágrimas nos olhos e Elizabeth tomou uma de suas mãos, dandolhe conforto.
- Nunca pensei que fosse dizer isto, mas não posso ficar longe daqui.
- Eu sei, eu sei. E eu acho que não é um par de velhas que você procurar. Olivia sorriu nervosamente,
sem saber o que dizer.
- Onde ele está? Quero falar com ele.
- Todas as tardes, sela seu cavalo e sai como uma alma que leva o diabo, não sei para onde.
Você terá que espera-lo.
Olivia pegou com uma mão a limonada que lhe ofereciam e com a outra acomodou uma mecha
de cabelo atrás da orelha. Esta com os nervos à flor da pele. E se já não quisesse nada com ela? E se
considerava uma covarde? Embora doesse, Olivia sabia que Miguel tinha todo o direito de não
aceitá-la de volta.
- Como está?
Tradução Lauren Moon
- Miguel? Imagine!
- Acredita que vai querer falar comigo?
- Isso só você pode averiguar.
Olivia foi até a janela e bastou olhar um pouco fora, para se lembrar da ravina. Deixou o copo
sobre a mesa lateral.
- Já sei onde ele está. Vou procuralo.
*
Teresa estava sentada em uma das cadeiras de balanço na varanda da estância de Pedro.
Assistia ao entardecer e a Pedro, que estava debruçado sobre uma moita de flores plantadas no
jardim. Podava-a delicadamente. Teresa ainda se surpreendia que um homem do seu tamanho e
condição, cuidasse das flores da maneira como ele fazia. Sorriu. Da mesma forma que fazia com ela.
Nesse momento, Pedro levantou o olhar e sorriu satisfeito. Ao passar dos dias, descobriram outros
interesses.
Pedro gostava de cozinhar com ela. Embora a maior parte do tempo gastasse olhando para ela.
Teresa notava o gesto concentrada no trabalho que desempenhava naquele momento. E, em seguida,
como um adolescente, ele a encurralava em qualquer canto e a beijava.
- Eu amo o cheiro de açúcar e baunilha em seu cabelo - repetia quase que diariamente.
Eles estavam juntos durante todo o dia como um par de pombinhos.
Descobriram que gostavam de filmes nacionais. Falavam e até mesmo discutiam política.
“Ninguém deveria perder tempo discutindo sobre isso.”
Um dia Pedro chegou com o semblante preocupado para cumprimentala.
- O que houve?
Ele evita o olhar até que Teresa, em vista de seu silêncio, disse que ele voltasse outro dia
quando se sentisse mais animado. Então, Pedro falou.
- Perdoeme, Teresa, não foi minha intenção de incomodá-la. É que me incomoda que as pessoas
de da cidade falem de nós dois.
- O que dizem? - Teresa perguntou mais para curiosa.
Pedro pigarreou exasperado.
- Que não é decente para uma mulher viúva só há três meses ande saracoteando por aí.
Teresa começou a rir.
- Ai Pedro, - disse enxugando uma lágrima de riso -, à merda com todos eles! Já sou uma velha
e eu posso fazer com a minha vida o que me der vontade.
Pedro a abraçou.
- Teresa! Você é a melhor coisa que já me aconteceu na vida.
- É bom que seja mesmo.
Tradução Lauren Moon Olivia a apoiava. Para Teresa a única coisa que importava era a reação de
seus filhos, mas para ser honesta, isso também não a incomodava. Queria voltar a viver sua vida,
tinha ganhado esse direito.
Voltou ao presente quando Pedro veio e se sentou ao lado dela, pegou sua mão e a levou aos
lábios. No dia seguinte viajariam para a capital e, na sequência, ao exterior. Por quanto tempo? Nem
eles sabiam. Teresa se levantou, pegou seu rosto e o beijou. Sim, era muito feliz.
*
Olivia desceu a varanda, ignorando os protestos de Elizabeth, acenou como despedida e
começou a trilhar o caminho para o riacho. Lembrou-se de sua adolescência, quando ouvia
atentamente cada trinado, cada sussurro do ar através das folhagens. Admirava as poucas alterações
na vegetação, enquanto meditava sobre sua conversa com William no dia anterior.
O homem insistia em suas investidas e mais ainda ao ver a ausência de Miguel, mas Olivia tinha
sido clara e contundente em sua rejeição. Explicou que tinha vindo exatamente para consertar as
coisas com o fazendeiro. A surpresa de seu parceiro foi total ao contar que iria trabalhar com a ONG
até o final do mês e que ficaria em San Antonio para sempre.
Descobriu o cavalo de Miguel a poucos metros da entrada da ravina, amarrado a uma árvore.
Não queria alertá-lo, por isso, com passos imperceptíveis, com o coração palpitando e com um
ligeiro tremor caminhou até o lugar.
A primeira coisa que descobri foram as roupas de Miguel, que estavam em uma das rochas e
uma toalha branca ao lado. Levantou o olhar e o viu nadar em estilo livre. “É tão lindo”, pensou, e
como sempre ficou impressionada com a beleza daquele corpo. O sol da tarde atravessava a
folhagem, e entrando em contato com água, produzia flashes de luz em seu corpo. Observou o
flexionar dos músculos ao dar as braçadas e a harmonia de seus movimentos. Os músculos de suas
costas se contraíam e relaxavam ante cada movimento. Ao dar a volta, ele a viu. Ao olhar para os
olhos dele, ela soube: “Está furioso.”
Prestou atenção na maneira com que a água caía por seu cabelo e seu rosto, e em como eles
esmagava seu cabelo com ambas as mãos e, em seguida, as passou em seu rosto. Sacudiu-se e voltou
a olhála, como se não acreditasse que ela realmente estivesse lá.
Ela amava seu peito peludo e de músculos marcados pelo trabalho duro.
Ao sair da água, percebeu que não vestia calção de banho. Não pode evitar uma onda de desejo,
de calor. Ele sorriu, como se tivesse adivinhado sua condição.
- Nada que você não tenha visto antes.
Pegou a toalha e começou a secar sem tirar os olhos dela. Olivia queria arrancar a pano em suas
mãos e secá-lo ela mesma, mas ela sabia que seu gesto não seria bem recebido. Além disso, suava
muito e estava nervosa, mal conseguia falar. A saudação saiu como um coaxar.
- Olá.
Tradução Lauren Moon
Ele baixou o olhar para secar as pernas, sem responder a saudação.
-O que você está fazendo aqui?
- Eu vim para conversar com você.
- Sobre o quê? - perguntou irônico, mordaz. Ele olhou para os olhos agressivos.
- Queria ver você.
- Já está vendo - respondeu e jogou a toalha sobre a rocha de modo brusco.
- Sempre um cavalheiro.
- Se quiser cavalheirismo vá para onde está aquele ridículo - soltou com a voz endurecida.
Segundo ouvi, na noite passada estava muito feliz com ele.
Sim, definitivamente Miguel estava ferido, mas não tinha o direito de ser tão injusto.
- Que tipo de mulher você acha que eu sou?
- Ainda não tenho certeza, me ilumine.
Olivia se aproximou.
- A mulher que você ama.
Miguel fez uma careta.
- Ha! Mas bem pode ser a mulher que sai correndo como uma boa covarde Miguel viu quando
Olivia olhou a cabeça. Suspirou e suavizou o tom -. A que veio de verdade, Olivia?
Mas já era tarde demais. Olivia tinha se virado e se afastava.
Miguel não podia permitir que ela fosse embora de novo, de novo não. Ele a agarrou pelos braços e
a estreitou.
- Já sei - ronronou em seu ouvido. Só de perceber o movimento de seus lábios em sua pele foi o
suficiente para que os joelhos de Olivia amolecessem. Miguel sorriu maliciosamente -. Você sente
minha falta - anunciou, e se esfregou contra ela.
Olivia tentou se afastar.
- Não, eu não vim aqui para isso. Eu apenas pensei que nós poderíamos consertar as coisas.
- Ah sim? E por que você foi comer com aquele sujeito? - não permitiu que se afastasse dele um
centímetro -. Fico doente por você estar perto dele.
- Miguel, entre ele e eu não há nada. Simplesmente explicava sobre a minha renúncia à ONG.
Então, Miguel parou para pegar seu braço. Levou as mãos ao seu cabelo.
- O que você disse?
Olivia sentiu certa alegria ao vê-lo desconcertado. Miguel, com o rosto confuso, se afastou uns
passos.
- Renunciei à ONG e voltei para San Antonio. Quero estar com você.
Tradução Lauren Moon Miguel assistiu atordoado. Senti raiva, ciúmes, desejo … Mas acima de tudo,
estava este sentimento que imergia de seu coração e se expandia pelo corpo, causando-lhe infinitas
emoções, desejava abraçala e beijá-la, protegê-la, aferrá-la sua alma e seu corpo com todos os
rituais inventados pelo homem para que nunca pensasse em se afastar. Havia voltado. Sua Olivia
tinha retornado e nunca mais deixaria que fosse embora, porque o fato dela ter aparecido naquele
lugar que era tudo para eles, era uma declaração de intenções.
- Vamos nos casar - disse categoricamente -, mas antes de meditar dobre o tipo de passo que
você vai dar, você sabe o que significa ser minha esposa?
- Não, mas eu gostaria de saber - ela respondeu com um tremor emocionado na voz diante da
intenção de Miguel de querer passar sua vida com ela.
Seu Miguel, que parecia ser um homem duro era uma ovelha em pele de lobo. Sorriu.
- Não, você não sabe. Mas eu vou explicar.
Miguel estendeu a toalha tinha removido de uma das pedras e convidoua a se sentar.
“Não se engane, Olivia”, pensou ele, ao ver sua carinha com indícios de tranquilidade e a
sombra de um sorriso. Ele ainda estava zangado com ela.
- Minha esposa não deve, jamais!, sair correndo diante de um problema, dando-me a entender
que se importa um caralho!
- Miguel, eu …
Ele a interrompeu com um gesto.
- Minha esposa estará comigo todos os dias de sua vida, despertará comigo e confiará seus
problemas a mim. Aprenderá a conviver com o passado, estará sempre lá, com o presente que
construiremos no dia a dia e com o futuro que sonharemos para nossos descendentes. Viveremos
aqui, porque foi aí que nos coube nascer. E nós não vamos virar as costas as nossas pessoas ou a
nossa terra ou à herança de nossos filhos. Pelo contrário, nós vamos lutar para ser um lugar melhor.
Olhou para ela com a sombra de seu velho sorriso.
Olivia de bom grado aceitaria tudo isso, mas ainda o notava tenso, como se com essas
condições ela fosse sair correndo. Observou como Miguel pegou uma pedra e jogou na pequena
piscina que formava a lagoa. A pedra saltou várias vezes, até que se perdeu no fundo.
- Quero vários filhos. E se forem como a mãe, melhor … - disse, olhando de forma insistente a
lagoa -. Quero meninas com olhos verdes e que me deixem de cabelos grisalhos pelas diabruras que
farão. Quero meninos…
- Pelo visto, você não quer nem um ou nem dois - ela interrompeu à beira das lágrimas.
Com um nó na garganta, sem olhar para ela, Miguel disse a si mesmo: “O que há de errado em
sonhar? O que tem de errado em querer ver o ventre inchado da minha mulher do produto do nosso
amor? “, surpreendeu-se com o sentido primitivo e possessivo que o assaltava quando estava na
frente dela e, embora não fosse algo do qual pudesse se orgulhar, desejava ser assim. Imaginou-a
ninando seu filho, e seu Tradução Lauren Moon coração se encheu de anseio com a visão de uma
boquinha se alimentando naquele mamilo, dando vida.
- Não, Olivia - respondeu com o semblante sério -. Eu não quero apenas um ou dois, eu quero
encher minha casa de risos, gritos e choros de bebês. Ambos temos vivido na solidão e tristeza.
Olivia secou as lágrimas que rolavam por suas bochechas e se lançou sobre ele.
- Amo você! Amo tanto você! deslizou os dedos pelo queixo do homem, esfregando em seu
rosto. Adorava a textura de sua pele, que estava há pelo menos dois dias sem barbear e seu rosto
estava um pouco pálido.
- Se você não arrancar o medo de sua vida, receio que o amor não vai ser suficiente a mão que -
aprisionou a mão que o acariciava e sem contemplações ele disse -: Vamos falar sobre aquela cova e
seus sentimentos ao descobri-la. Por que saiu correndo? Quero uma resposta, não quero mais jogos -
exigia em voz baixa, mas firme.
O que responder, se ainda tinha pesadelos com isso? “Não me sinto digna a olhar em seus olhos.
Eu me envergonho tanto”, meditou e tentou se escapulir do colo do homem.
Ele não permitiu isso; pelo contrário, ele a abraçou.
“Deus, me ajude!”, implorou Olivia, incapaz de suportar os soluços que ameaçavam afoga-la.
Ali estava o homem que a amava, e a única coisa que ela conseguia pensar era em sua vergonha.
Começou a chorar desconsoladamente nos braços de Miguel, que a confortou como uma menina e
beijou seu cabelo.
Transcorreram vários segundos antes de dar-lhe uma resposta. Miguel não a apressou.
Tinha que mostrar que também deveria aprender a ser paciente.
- Estou morrendo de vergonha disse entre soluços -. É tanta que me mortifica tanto que eu pensei
que fosse o melhor para todos. Você entende que o meu passado é sórdido e escuro, e eu me
envergonho. Fico angustiada de pensar no que vamos dizer aos filhos que desejamos ter.
- Eles sempre sentirão orgulho, Olivia. Você é uma boa mulher, ninguém pode tirar isso …
Ela o interrompeu. Secou as lágrimas com as mãos, tirou um lenço do bolso de se jeans e assoou
o nariz.
- Tentei sentir-me digna fazendo tudo que estava em meu poder para que essas pessoas
novamente tivessem paz em suas vidas. Às vezes eu gosto de pensar que meu pai queria se redimir
por meu intermédio.
Miguel duvidou seriamente, mas não ia contrariá-la. Especialmente quando ela estava abrindo
seu coração.
- Olivia, nós dois também somos sobreviventes. Não se esqueça.
Aos prantos de sua Olivia, ele a estreitou em seus braços, como se alguém fosse tirá-la dele.
Ela também se agarrou a ele como se sua vida dependesse disso. Ele a acomodou em seu colo sem
deixar de abraçala.
- Eu daria tudo o que tenho para evitar o sofrimento que você carrega em sua alma - beijava o
cocuruto, a testa, as bochechas que misturava as lágrimas dos dois
Tradução Lauren Moon
. Embora eu não queira desculpá-lo, não foi o seu pai, quem ordenou que estes corpos fossem
enterrados ali.
- Como você sabe? - olhou para cima com lágrimas nos olhos.
Miguel suspirou. Agora era a sua vez de falar.
- Meu advogado teve uma última conversa com Zambrano. E ele confessou que essas
informações.
Olivia se manteve quieta qualquer quantidade de segundos, depois murmurou: - Isso não é
desculpa.
- Mas ajuda a transpor o fardo enterrou o rosto no cabelo dela e, sem soltála, murmurou -, eu
nunca vou deixála partir, você entende?
- Sim, sim, sim - disse enquanto levava a mão ao rosto e limpava suas lágrimas -. É o que eu
mais desejo. Quero que você não me deixe ir, nunca mais.
- Jure por mim! - jogou a cabeça para trás para que ele pudesse testemunhar suas palavras.
- Eu juro, eu juro …
Senti tanta a sua falta - disse Miguel, enquanto suas mãos acariciavam com vontade -. Você
sentiu minha falta? perguntou ansioso sem deixar de tocá-la.
Olivia só conseguiu acenar com a cabeça. Miguel juntou seus lábios aos dela em um beijo terno
e apaixonado que ela devolveu ansiosamente. Separou-se dela e viu seu rosto, o rosto ainda molhado
de lágrimas e olhos vermelhos e inchados.
- Você é tão linda.
Ela sorriu com a expressão de antes, com a alegria da época em que se conheceram.
- Você faz com que eu me veja bonita.
Entregou suas armas e seu coração para a única mulher que amou na vida. Entrelaçou os dedos
de sua mão, e a levou ao peito.
- Sinta meu coração, Olivia. É seu e não havia como voltar atrás.
Observou os olhos e a cor que entesourava em sua alma, e o que viu o comoveu ainda mais. Viu
tanta adoração naquele olhar que se sentiu humilde e disposto a trabalhar para fazê-la sentir orgulho
dele todos os dias de sua vida.
- Nunca mais quero ficar longe de você - sussurrou em seu ouvido. Você é a única pessoa que
entreguei minha alma e meu ser. Você tem sido meu amigo e meu amante. Curou minha alma
atormentada. Com seu toque apagou minhas cicatrizes e ainda com mais emoção, acrescentou -: eu
adoro você.
Eles sofreram muito, foram os sobreviventes de uma difícil jornada para as profundezas de suas
condições. Esse caminho, com certeza doloroso, de fato os levou a se livrar do ódio e ressentimento,
e juntos foram capazes de superar as experiências indescritíveis. A vida se encarregava de dar-lhes
outra oportunidade e mostrava que os desígnios de Deus eram insondáveis, porque eles eram o
verdadeiro exemplo para eles mesmos, para seus descendentes e para o mundo, de que a paz poderia
ser alcançada se houvesse verdadeira vontade e amor ao próximo para fazê-lo.
Tradução Lauren Moon
- Eu amo você - disse Miguel, que a voz rouca repetiu -, eu amo você, porque ao seu lado sou
uma pessoa melhor, porque com você eu sinto que posso fazer qualquer coisa. Você é o mais
importante na minha vida e todos os dias serei digno desse amor. Todas as promessas que fiz neste
lugar, eu vou cumpri-las, Olivia. Eu juro.
Incapaz de conter sua emoção, Olivia liberou sua alma, seus medos e seus ressentimentos, e saiu
ao encontro da alma de Miguel, até que fossem um só.
Finalmente, Olivia estava em casa, ao único lugar que pertencia.
Tradução Lauren Moon
Epílogo Estava nervoso, no dia anterior tinha viajado para Bogotá e voltou na manhã daquele dia.
Teria um encontro com Olivia na fazenda naquela noite para um jantar a dois. Sua mãe e sua tia
tinham se retirado mais cedo. Não sem Miguel avisar, que não queria ver seus rostos em volta do
lugar, até ao dia seguinte.
Sua Olivia chegou vestida de entardecer luminoso e promessas envoltas na cor do poder e da
paixão. Ele a viu caminhar em sua direção, exalando calor e beleza por cada um de seus poros.
Sorriu para ele com aquela expressão de amor radiante que há uma década o encantou e como laços
invisíveis ao coração aproximouse dela. Eles se abraçaram e beijaram como se fizessem semanas e
não de um dia e meio que estavam separados.
- Como foi a sua viagem?
- Bem, muito bem - respondeu enquanto a levava pela mão à sala de jantar.
O local foi decorado com velas e flores do jardim que Olivia tinha aprendido a amar e que
todos os dias, sem falhar, chegava um ramalhete a sua casa pela manhã.
A mesa, como sempre, impecável com arranjos de flores, talheres e um balde com uma garrafa
de champanhe. Miguel acionou um controle remoto e uma música suave invadiu o ambiente com seus
acordes.
- Está … linda.
- Você está muito bonito - respondeu sentindo-se desejada.
Miguel estava lindíssimo, com calças escuras e uma camisa de seda branca, cabelo penteado
para trás, e os seus movimentos eram fluidos e elásticos.
Miguel desenrolou o arame do champanhe e começou a abri-la, com tanta falta de sorte que a
rolha disparou e o líquido banhou o vestido de Olivia, que começou a rir.
- Sinto muito, meu amor - disse Miguel, escondendo uma risada que lutava para sair até que ele
não pôde aguentar mais -. Olhe para você - e continuava rindo, enquanto pegava um guardanapo para
limpá-la.
- Deixeme, amor - disse entre risos
– vou ao banheiro.
Olivia usava um vestido vermelho e os lábios da mesma cor. Saltos altos coroavam seus pés,
Miguel não entendia como não caía de bruços, mistérios femininos.
- Venha.
Miguel pegou sua mão e a levou para o seu quarto. Olivia nunca tinha ido lá, pois os oitos dias
que estavam juntos novamente, os encontros sempre tinham sido no apartamento de Olivia.
Era um quarto espaçoso com uma cama de casal de madeira escura, sofá pequeno, uma mesa de
canto, um closet e uma porta que imaginou ser o banheiro.
Tradução Lauren Moon
- Eu queria trazê-la aqui depois do jantar, mas receio que terei que inverter a programação.
Miguel foi ao banheiro e voltou segundos depois. Ele se aproximou dela por trás e depois de
abraçala abriu o zíper de seu vestido.
- Você tinha tudo planejado?
- Sim, cada detalhe.
Quando ficou parada diante dele com seu bendito saltos, com uma lingerie sexy de cor vermelha
e a faixa delicada no joelho, soube que nunca tinha tido em seus braços uma mulher tão bonita.
- Você tira meu fôlego Olivia. Ela deu um sorriso travesso, sexy.
- Essa é a ideia - Vamos tomar um banho na banheira.
- Agora?
- Sim agora. Tinha planejado pedirlhe mais tarde, mas …
- Está bem.
Caminhou na frente dele com elegância e ao chegar à porta do banheiro, surpreendeu-se.
- Miguel!
O banheiro era enorme, com paredes de pedra coloridas de cerâmica e uma banheira em que
perfeitamente caberiam três pessoas, com prateleiras e outros acessórios para combinar com a
decoração. Mas o que deixou-a surpresa é que em cada lugar tinha velas acesas. Em torno da
banheira e dentro dela, cobravam vida, pétalas de rosa. Miguel foi para a banheira, que estava meio
cheia e verificou a temperatura da água com a mão. Estava perfeita. Em um canto estavam umas velas
em forma de flores cor rosa. Olivia se despiu e se sentou na beirada da banheira, Miguel continuou o
trabalho de tirar a faixa e remover a prótese. Olivia prendeu cabelo em um coque alto, deu a volta e
se introduziu na banheira. Miguel se lembrou do que acontecido há alguns meses no quarto destinado
a Olivia, quando ele tinha entrado sem que ela percebesse, queria dizer-lhe que o fez, de novamente,
mas ela não sabia que ele sabia. Não era o momento, teve que ser controlar para … mais tarde. Ele
pegou a vela em forma de flores e acendeu. Olhou para ela.
- Feche os olhos e descanse.
O reflexo das chamas e as pétalas espalhadas, davam um aspecto romântico e antigo ao
banheiro. Ela fechou os olhos e suspirou. Miguel estava colocando velas flutuantes na água.
- Não sabe como eu precisava disso. Estou tão cansada. Eu preciso de umas férias - acariciou
seu braço em cima do tecido da camisa -. Tem muita roupa, eu quero meu homem nu, agora. Não era
minha ideia tomar um banho sozinha, quando você me propôs.
- Dê-me um minuto e eu acompanho você. Deixeme lembra-la. A viagem para San Domingo
permanece de pé.
Tradução Lauren Moon
Miguel acariciou seus ombros. Ela sorriu.
- Eu vou considerar a viagem.
- Abra os olhos, meu amor.
Ela ficou surpresa ao ver as velas acesas sobre a água, dançando perto dela. Três acesas e uma
apagada. Olhou com curiosamente para a vela apagada. Quando viu o que tinha dentro, sua visão
nublou e um nó veio a sua garganta.
Pegou o bonito anel. Era uma joia em ouro branco com um diamante no centro, engastado com
esmeraldas, que falava de uma joalheria de requinte e elegante.
Miguel pegou o anel e colocou em Olivia, que foi incapaz de pronunciar uma palavra, ante o
gesto de Miguel e da bela joia.
- Eu sei que você ama o anel que eu lhe dei da primeira vez. Mas este sua voz cortou -, eu quero
que você o use sempre. Este anel é a prova de que o meu amor por você vai existir para sempre, que
vou amar você até o último suspiro da minha vida e muito além. Este anel é prova de que há um
coração profundamente apaixonado por você. Agradeço tudo o que você trouxe para a minha vida. É
uma alegria constante e um orgulho pertencer a você, porque eu pertenço meu amor. De corpo e alma.
- Eu amo você - Olivia o abraçou sem se importar se molhava sua camisa, e então, agarrou seu
rosto com os dedos -. Não há nada nesta vida que eu não faria por você.
- O que você acha de nos casarmos no próximo domingo?
- O quêeeeee? Não, tenho que mandar fazer um vestido, e quero uma festa aqui, na fazenda, com
toda a cidade, e prepara-lo vai demorar meses.
- Um mês, Olivia - disse taxativamente -, nem um dia a mais, você terá toda a ajuda que quiser.
Ela o abraçou outra vez.
- Você é impossível.
- Olivia, tem uma coisa muito importante que quero lhe dizer…
- Sim?
- Há uns meses, no seu quarto, no dia do seu atentado e…
*
Miguel olhou para o relógio. Eram cinco da tarde. O céu estava um pouco nublado. Ainda
assim, a cerimônia aconteceria como previsto. A cidade inteira estava na inauguração de La Casa de
Paz.
O caminho de entrada para a casa estava rodeado por buganvílias e no centro do jardim haviam
palmeiras plantadas. Por uma pequena escada entrava-se no lugar.
No hall de entrada, descansava uma escultura de bronze de dois metros.
A figura era um casal crianças com uma pomba nas mãos que levantava voo. A escultura era a
segunda colocada na competição. Miguel se lembrou as atividades que Olivia tinha feito que levantar
o metal da escultura: chaves velhas, panelas, pesos de papel. Cada família na aldeia tinha doado
alguma coisa.
Tradução Lauren Moon
No fundo ficava a recepção, dois escritórios administrativos e uma sala de música. Na frente,
outra sala de reunião das mulheres para palestras ou cursos de diferentes tópicos. No segundo andar
havia uma biblioteca e outra sala.
Uma das saídas da casa dava vista para uma pequena estrada pavimentada e cercada por plantas
que conduziam a um parque infantil, doado pela família Robles. Por este mesmo caminho, se
alcançava o monumento principal da casa, rodeado de telha vermelha.
Este monumento foi erguido no lugar onde apareceram os mortos. Era a homenagem que lhe
rendiam suas famílias.
A escultura vencedora, realizada por um artista da capital e desenhada por um jovem do oitavo
grau, era uma coluna de sete metros de altura por dois metros de largura, que terminava em sua ponta
com a figura de um anjo que representa a paz.
Na coluna de tampa de mármore liase os nomes de todos os mortos e desaparecidos durante o
regime de Ruiz.
Em uma mesa na frente de pessoas que participavam da cerimônia estava o prefeito de San
Antonio e outras pessoas na região: o casal Preciado, delegados governamentais e outros associados.
Na última cadeira estava Olivia.
Havia falado com o prefeito, a delegada de mulheres na região e representantes do governo. O
coral da escola estava em sua terceira interpretação.
Miguel não tirava os olhos de quem havia se convertido em sua esposa.
“Senhora Robles”. Sorria orgulhosamente. Durante o dia várias pessoas que tinham a intimidada
de chama-la por Olivia, assim a chamaram.
E Olivia não tinha ideia de quanto significava para ele ouvir pronunciar o sobrenome Robles
quando se dirigiam a ela.
Eu estava cansada, ele notava em seu rosto. Havia sentido náuseas no período da manhã. Estava
com três meses de gravidez, mas era inútil pedirlhe para ficar em casa naquele dia. Após a
inauguração, a história ia mudar. Ele iria leva-la de férias para as Bahamas, em uma lua de mel
tardia.
Foram os seis meses mais felizes de sua vida, claro que com alguns ajustes. A liberdade de seu
irmão e a ajuda para que ele se reintegrasse novamente a sua vida não foi fácil. Felizmente, sua
Olivia tinha ajudado.
Quando o coro terminou a última música, o mestre de cerimônias anunciou que Olivia diria
algumas palavras. O público aplaudiu.
Olivia se levantou ignorando os sons que fazia a sua prótese. Já não estava mais interessada, e
era como se tivesse ficado em silêncio. Um pouco nervosa, pegou o microfone e se dirigiu ao seu
povo: “A alegria que sinto hoje é imensa. Estamos aqui para realizar este sonho: La Casa de Paz,
nasce hoje como um compromisso com San Antonio e um grupo de pessoas com a promoção, a
exaltação dos valores da paz, do respeito pelos direitos humanos, que é de todos vocês.
“Com este projeto nós acreditamos na paz, desejamos que seja um espaço único onde reina
respeito, comunicação, compreensão e civilidade. Aqui você pode vir a qualquer momento para
conversar com amigos, ler um livro, para oficinas ou cursos, para pedir ajuda aos profissionais que
ficarão felizes para servir cada um de vocês.
Tradução Lauren Moon
“Não posso me retirar sem uma palavra para as mulheres valentes que apostaram novamente na
região. Parabéns, senhoras. Percorremos um longo caminho cheio de perdas e dor para chegarmos
aqui hoje.
“Nós já não somos mais vítimas, são afetadas por uma experiência terrível que hoje não
desejamos lembrar, mas que também não queremos relegar para os confins do esquecimento.
“Agora não nos envergonhamos em saber que somos sobreviventes de uma parte sórdida e do
mal da nossa história. Eu só espero que algum dia se faça justiça para os nossos entes queridos, que
sempre estarão em nossos corações.
“Eu sei que, apesar das dificuldades, um dia este belo país terá paz e nós, compatriotas,
estaremos unidos como irmãos. E irmão não há espaço para o ódio, ressentimento ou medo.
“Obrigada.
As pessoas se levantaram e bateram palmas reiteradamente, uma salva de palmas em uníssono,
que se traduzia em admiração. “Graças a Deus!”. Olivia pensou enquanto voltava ao seu lugar, mas
não sem antes encontrar com o olhar de Miguel, que sorria com orgulho. “Você é uma valente. Eu
amo você”, disse palavras silenciosas, mas ela entendeu.
- Sua esposa ainda me oprime com o coração que possui - disse seu irmão Jorge.
- Não me olhe assim, sua hora chegará e não vou deixar de mexer com você por isso.
Miguel seguiu sua mulher com o olhar durante a realização da cerimônia da luz, em que os
participantes acenderam uma vela em honra dos mortos. O coro começou a cantar uma última canção.
Miguel se aproximou de Olivia, pegou a mão dela e, juntos, eles acenderam uma vela por eles,
por aqueles que já se foram e por aqueles que ainda viriam.
Tradução Lauren Moon Sobre a Autora
Isabel Cristina Acuña C.
Nasceu em Bogotá, Colômbia.
Estudo Bacteriologia, carreira que exerceu por mais de quinze anos.
Atualmente reside na cidade de Barranquilla, onde escreve seu próximo romance.
É uma apaixonada por leitura desde a idade de onze anos, quando recebeu seu primeiro romance
de presente: María, de Jorge Isaacs. Além de ler adora escrever. Sabe que é um caminho longo e de
muita aprendizagem. Participa da Oficina Literária José Félix Fuenmayor há dois anos.
Publicou seu romance DE VUELTA A TU AMOR na plataforma da Amazon, em 27 de janeiro de
2013, ocupando quase que imediatamente o primeiro lugar na categoria de Best Sellers em Romance
Contemporâneo e permanecendo no Top 100 no geral, nesta plataforma por mais de cento e quarenta
dias.
Participa ativamente em redes sociais e tem um blog que dá sua opinião sobre literatura
romântica.
Tradução Lauren Moon

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