You are on page 1of 34

AG ORA

© José Maria Pimentel


12
n ú m e r o
Janeiro 2007

Temas da Formação
Info- Ágora - inclui o Plano de Formação para 2007

UNIÃO EUROPEIA

Revista do Centro de Formação Ágora Fundo Social Europeu


índice
EDITORIAL

OPINIÃO

Lamento... 4
Ana Paula Duarte

À volta do Ranking ou de como tornar útil a sua inutilidade 5


José Vieira Lourenço

ACTIVIDADES DE ESCOLA

Bullying, os senhores da escola, um medo de morte... 9


Mª da Glória Rodrigues

Nótulas breves sobre Leitura... 11


Graça Trindade

José Maria Pimentel: fotógrafo 13

Breves 14

Avaliar competências 15
Madalena Neves Relvão

FORMAÇÃO

Escrito à mão, Stôra?!!! 17


M.ª Margarida Campos

Do novo modelo de Formação de Professores em TIC - algumas reflexões 18


Isabel M. Pedrosa

Desafios no ensino da Matemática 21


Ana Rodrigues

O outro lado da personagem: a (re)criação de Blimunda 23


Ana Paula Arnaut

Automatização do catálogo na Biblioteca Escolar 29


Isabel Bernardo

Comunicação e relações interpessoais 33


índice

Graça Trindade e Madalena Relvão

2
Editorial

Porque não nasci no mundo


Revista que trago em mim?
ÁGORA n.º 12 E estou para aqui
deitado de costas,
Director coberto de musgo,
João Paulo Janicas a olhar para o céu
azul e burocrático
Conselho Editorial como papel selado?
Antero Maia José Gomes Ferreira, Poema do Mundo Perdido, 1937
António Gomes Ferreira
Elvira Braga
Francisco Paz
João Maria André A democracia é o pior sistema de governo
José António Franco com excepção de todos os outros.
Winston Churchill
Equipa Redactorial
Fernanda Campos
João Paulo Janicas
 João Paulo Janicas (*)
Colaboração neste número
Ana Paula Arnaut
Ana Paula Duarte
Ana Rodrigues
Graça Trindade

É
Isabel Bernardo
Isabel M. Pedrosa
José Maria Pimentel preciso escrever um texto de afirmação e de confiança.
José Vieira Lourenço
Rodeados de incertezas, inseguranças, agressões mesmo,
M.ª Margarida Campos
M.ª da Glória Rodrigues precisamos de apostar no que fazemos melhor, em fazer
Madalena Neves Relvão melhor o que fazemos, apostar no que qualifica a Escola e
no papel de cada um de nós nela.
Fotografias
José Maria Pimentel
Tal como a Democracia, com a qual se foi desenvolvendo
Design de comunicação e imagem como alicerce estruturante, a instituição Escola está longe
Pedro Vicente
da perfeição, mas não temos outro sistema que possa
Propriedade levar-nos mais próximo dos ideais de igualdade, justiça e
Centro de Formação Ágora dignidade humanas que perseguimos.
Apt 5007
Escola Secundária D. Duarte
Rua António Augusto Gonçalves É certo que todos os dias olhamos para realidades que o
Santa Clara desmentem. É verdade que a cegueira de uns e a incom-
3041-901 Coimbra
petência de outros o parecem liquidar a todo o instante.
Tel. 239 810 235 É certo que pensamos, a horas-mortas-da-arrumação-da-
Fax. 239 810 237 -pasta-para-o-dia-seguinte, se não valerá mais desistir,
E-mail: cfagora@gmail.com
Pág. web: http:\\www.cfagora.net emigrar, ser domésticos…
Impressão
Tipografia Damasceno Entre o conformismo e a negação, há projectos e trabalho.
Fazer bem o que se faz é uma das melhores formas de com-
editorial

Tiragem
1 500 exemplares bater quem nos quer anular ou denegrir.

Dep. Legal N.º


199598/03 Fazer uma Escola que responda ao mundo. Sem parar.
Assim escrevemos também esta revista.

Os artigos assinados (*) Director do CF Ágora


não expressam necessariamente
3
o ponto de vista da direcção Professor de Filosofia
LAMENTO…
 Ana Paula Duarte (*)

mas sucessivas, inacabadas e, consequentemente,


não avaliadas que instalam o caos e o desnorteio
nas Escolas - e das externas - sobretudo daquelas
que desconhecem, em absoluto, esta profissão, criti-
cando, irracional e injustamente, os seus agentes, ou
seja, os professores, enquanto a “noite” se adensa e
o “Tejo” vai correndo, não para o mar, como devia
ser, mas para um charco de água estagnada, de onde
desapareceu o aroma fresco a “maresia”, e que seca
lentamente ao calor impiedoso do sol, deixando, no
© José Maria Pimentel

lugar em que estivera, a marca indelével e sem prés-


timo da sua existência.
E assim se aprofunda o “desejo absurdo de
sofrer” nos bons professores que escolheram sê-lo por
acreditar que valia a pena seguir a “bola colorida”,
símbolo dos “sonhos” dos jovens do nosso país…
assim se aprofunda o “desejo absurdo de sofrer” nos
Nas nossas ruas, ao anoitecer
bons professores que sempre pautaram o seu traba-
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia lho pela qualidade, e que vêem agora que qualidade
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer. deixou de ser sinónimo de mais e melhor formação
para passar a ser um vão modismo de linguagem igual
Cesário Verde, O Sentimento dum Ocidental a poupança, a igualização de todos os profissionais,
independentemente das suas diferenças e, em última
instância, a obtenção de resultados falseados, uma
Perdoe-me o grande Cesário esta humilde intro- vez que o que importa é que as estatísticas finais
missão num dos mais perfeitos poemas da Língua nos equiparem ao resto da Europa e do mundo dito
Portuguesa, mas, com a devida vénia, apeteceu-me civilizado, à custa da simplificação do saber.
acrescentar ao título a palavra “Professor” - O
Sentimento dum Professor Ocidental - e substituir, Batem carros de aluguer, ao fundo
na quadra acima textualizada, a palavra “ruas” por Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
“Escolas” para poder, enfim, dissertar sobre o peso
das amarguras diariamente carregadas por todos os “Felizes” são, para Cesário, os que se vão, os
que um dia acreditaram que “o sonho comanda a que se evadem da cidade sombria e soturna, mas,
vida. / Que sempre que um homem sonha / o mundo para nós, os bons professores, a solução não pode
pula e avança / como bola colorida / entre as mãos passar, obviamente, por sair das nossas Escolas,
de uma criança”. abandonando o sonho inicial. A solução passa, pois,
Sabiam, contudo, que a “bola colorida” não por continuar a lutar contra os que “não sabem, nem
seria fácil de seguir, porque “Eles não sabem, nem sonham / que o sonho comanda a vida”, contra os
sonham /que o sonho comanda a vida”, porque estes que provocam em nós o “desejo absurdo de sofrer”,
são aqueles que parece carregarem consigo a tarefa de forma a que o rio possa, enfim, retomar o seu
de personificar o espírito que presidiu aos antigos curso normal para o Mar, Mar de sonho sonhado,
deuses que, por inveja ou ciúme, castigavam o herói Mar de sonho vivido e alcançado!...
opinião

que se atrevia a desafiar o poder divino, através de


actos inalcançáveis pelo engenho humano.
Dissertemos, então!
Parece, de facto, que, nas nossas Escolas, “ao (*) Professora de Português
anoitecer”, pairam as “sombras” de um futuro incer- Assessora do Conselho Executivo
to, paira o “bulício”, que começa a ser estridente, das da Escola Secundária de D. Duarte
4 vozes internas - que se não conformam com as refor-
À volta do Ranking +
ou de como tornar útil a sua inutilidade

 J. Vieira Lourenço (*)

Quando escolhi o título deste artigo - À volta do

© José Maria Pimentel


Ranking ou de como tornar útil a sua inutilidade - fi-lo con-
victo de que não estava apenas a jogar com as palavras
e que qualquer um facilmente adivinharia a tese que
pretendo defender. Atrevo-me a enunciá-la de forma
sumária: Na sua forma actual, considerando a met-
odologia escolhida, os rankings são trabalho inútil. rente - capacidades de primeiro plano? Todos sabemos
No entanto, é possível transformar esta inutilidade que sim. Mas se os rankings trabalham apenas a partir
em algo útil. dos resultados dos exames nacionais, como é que se
Vou dividir este artigo em três pontos. Num avaliam estas capacidades? Ou colocando a questão de
primeiro ponto procurarei demonstrar que os rank- outra forma, diremos que os rankings, verdadeiramente
ings, tendo em conta a metodologia escolhida, são algo falando, nos dão uma classificação bastante deformada
inútil, e que concordo com muitos dos argumentos das escolas! O que nós precisamos e defendemos é
apresentados, nos últimos anos, na praça pública ped- uma avaliação séria, rigorosa das escolas, o que forçosa-
agógica, que concluem precisamente que temos mais mente implicará muitos outros parâmetros de análise
argumentos contra do que argumentos a favor. Num que os rankings não medem.
segundo ponto vou procurar apresentar alguns argu- Um segundo argumento que também colhe
mentos a favor dos rankings, escudando-me, mais facilmente muitos adeptos é aquele que critica o ranking
uma vez, em alguns que já foram também apresenta- enquanto exercício estatístico, em si mesmo. De facto,
dos publicamente. Finalmente concluirei com algu- muitos perguntaram, e é legítimo continuar a perguntar,
mas interrogações, que, provavelmente, nos poderão que credibilidade, enquanto exercício estatístico nos
deixar ainda mais inquietos, e quem sabe, talvez ainda pode merecer um trabalho que compara dados incom-
mais cheios de dúvidas do que de certezas! Mas, adi- paráveis, que mete no mesmo saco (se nos é permitida
anto desde já, que me parece que tal estado de espírito a expressão!) escolas com mais de mil alunos e peque-
é infinitamente mais rico, mais crítico e, sobretudo, nas escolas com “meia dúzia”, que coloca em primeiro
muito diferente e muito contrastante com o daqueles ou em último lugar uma escola numa dada disciplina
que detêm certezas absolutas em matéria de educação! que teve apenas um reduzido número de candidatos a
exame, que coloca em pé de igualdade escolas que min-
1. Argumentos contra istram cursos tecnológicos e escolas que não têm cursos
Penso que ninguém tem dúvidas: no universo tecnológicos, escolas que só realizam exames a alunos ou
de análise das questões educativas, continuam a gritar alunas internos e escolas em que os candidatos a exame
mais alto as vozes críticas de todos aqueles que são são internos e externos (e às vezes estes até podem ser a
contra os rankings das escolas. Os argumentos apresen- maioria!), que mistura os resultados dos aluno(a)s inter-
tados são muito variados e não tenho a pretensão de nos com os resultados dos aluno(a)s externos, etc. De
os enunciar todos. Mas apontarei, no entanto, os que facto, como muitos defendem, o ranking não avalia esco-
me parecem mais relevantes e declaro, desde já, que me las e diz muito pouco do empenhamento e do esforço
parece serem merecedores de alguma consideração. que em cada escola desenvolvem os docentes, os não
O primeiro argumento contra pode enunciar-se docentes e os alunos e alunas. Parece-me até legítimo
sumariamente assim: os rankings avaliam apenas produ- perguntar, como já perguntaram outros -, o que é que é
tos; ora, o mais importante seria avaliar os processos. mais louvável: os 18 valores numa escola de uma zona
Penso que estamos perante um argumento de peso e nobre duma cidade, onde os aluno(a)s têm explicador
creio também que cada um de nós pode perguntar se nas disciplinas consideradas mais difíceis (e por vezes
os exames nacionais - normalmente tão exaltados como a todas as disciplinas!) ou os 12 valores do filho(a) de
instrumentos objectivos e fiáveis para medir o que é um desempregado(a) que luta pela sobrevivência da sua
apreendido pelos alunos e alunas - avaliam a capaci- família? E o que será mais louvável: as médias elevadas
dade de um aluno ou aluna se relacionar com os outros, das escolas que seleccionam os seus aluno(a)s e que,
a capacidade de ser solidário, a capacidade de coopera- em contrapartida, atiram os repetentes e o(a)s que
opinião

ção, a capacidade de ser autónomo, ser honesto, a capa- qualificam como indesejáveis para outras escolas? A
cidade de criticar, de ser civicamente responsável, e ou- média elevada de alguns estabelecimentos onde os pais
tras que me dispenso de referir e que todos conhecem. pagam mensalidades acima do salário mínimo nacional?
Estas são ou não finalidades educativas que encontra- Ou será a média mais baixa de algumas escolas onde a
mos nos mais diversos documentos legais que regulam inclusão é uma realidade e por isso integram os alunos
a vida das Escolas e dos seus alunos e alunas? São ou com necessidades educativas especiais?
não para nós - que somos pais ou somos educadores Será possível pesar na mesma balança as altas
e estamos desejosos de construir uma sociedade dife- médias dos aluno(a)s que vivem ao lado da escola e que 5
têm apoio pedagógico significativo das famílias e as funções é informar os cidadãos!2 Um dos maiores
médias mais baixas de tanto(a)s que não têm qualquer defensores desta posição, António Barreto, escreveu
apoio pedagógico caseiro e se levantam às 6 da manhã, no jornal Público: “A publicação das notas dos exames
e até mais cedo, e viajam 30 ou mais quilómetros para do 12º ano é, em Portugal, facto inédito. Sobretudo
chegar à escola, como acontece em tantos concelhos se publicadas sob a forma de classificação (vulgo rank-
do nosso país? “Metendo tudo na mesma molhada”, ings) das escolas devidamente identificadas. Representa
embora os responsáveis digam que não, os ranking que uma vitória de todos (pessoas, jornais e instituições)
nos têm cabido em sorte não respeitam as diferentes quantos têm vindo, há anos, a defender a necessidade
assimetrias sociais e económicas e até pedagógicas da sua divulgação. E uma derrota dos que persistem
(basta pensar na importância da estabilidade do corpo nas políticas de secretismo e de recusa de avaliação,
docente!). Por isso mesmo, pais, docentes, não docentes por parte da sociedade, do desempenho dos serviços
e discentes mereciam ser tratados com mais respeito. públicos.” (Público, 27/8/01).
Por isso estou tentado a dar razão a todos aqueles Outro entusiasta, David Justino, por sinal um
que pensam que em toda esta história, a credibilidade ex-Ministro da Educação, declarou em tempos, na
do Ministério da Educação sai mais afectada do que Assembleia da República, que: “a ocultação dos resul-
a credibilidade das escolas mal classificadas! E nesta tados nivela pelo silêncio, favorecendo os que pouco
mesma linha de ideias muitos defendem que o rank- trabalham e os incompetentes, desvalorizando e des-
ing afectou, negativa ou positivamente, a imagem das motivando os que se empenham”.
escolas, mas que o mais importante não é avaliar os Muitos outros cantaram igualmente no mesmo
resultados e sim encontrar formas que permitam alterar tom, a ponto tal que as suas cantorias deram origem a
tais resultados1. vários argumentos favoráveis e a vários tipos de lógica
Um terceiro argumento contra que podemos que podemos caricaturar assim:
aqui considerar é o que defende que, efectivamente, Em primeiro, a chamada lógica do ingé-
a avaliação nacional das escolas, neste tipo de ranking nuo. Um bom exemplo desta lógica encontramo-lo
não serve rigorosamente para nada, uma vez que se num fórum educativo, desses que povoam as páginas
limita a concluir o que já todos sabiam! De facto, o da Internet, onde alguém escreveu: “Ainda não com-
que é que tem de espantoso verificar ou concluir que preendi a polémica à volta dos rankings! Se os crité-
as escolas frequentadas por alunos e alunas perten- rios são as notas dos alunos, os rankings apresentam
centes a estratos económico sociais mais elevados e as escolas com melhores resultados no conjunto das
mais favorecidos e, portanto, com expectativas mais diversas disciplinas! É alguma coisa de outro mundo?
À volta do Ranking ou de como tornar útil a sua inutilidade

altas, fiquem nos primeiros lugares e, inversamente, as Para quê ver todos como iguais se de facto não são? Há
escolas frequentadas por alunos e alunas pertencentes melhores e piores, toda a gente sabe isso... A polémica
aos estratos mais desfavorecidos fiquem nos últimos é absurda.”
lugares? Nada! Isso é algo que todos já sabemos há Podemos também falar da lógica do eufóri-
muito tempo! E é por isso que alguns perguntam legi- co. Encontramos um bom exemplo dessa lógica nas
timamente: as escolas que estão no fim da lista, em teses do editorial do jornal Público: “Tudo isto vai poder
algumas circunstâncias, não terão feito muito mais agora discutir-se não apenas com base em conjecturas
pelo ensino em Portugal do que as que estão no topo? ou em preconceitos, mas sobre uma base ampla de
Não será tempo de fazer justiça a algumas dessas evidência empírica e estatística. Os dados para per-
escolas do fim da lista, uma vez que, por vezes, são mitir a avaliação das escolas estão agora acessíveis
frequentadas por outro tipo de alunos, isto é, alunos a todos - o que representa, num país habituado ao
e alunas com carências básicas e até alunos e alunas secretismo, às capelinhas e aos compadrios, um salto
que muitas vezes são rejeitados por outras escolas civilizacional.”(José Manuel Fernandes, 27-8-01)
mais elitistas? Podemos também falar da lógica do opti-
Um quarto tipo de argumento, complementar mista. E aqui mais uma vez o cronista António Barreto
de argumentos anteriores, é o daqueles que defendem nos serve de modelo: “As classificações hoje publicadas
que não adiantará nada divulgar dados que são isola- estão longe da perfeição e dão um retrato parcial da
dos de factores fundamentais determinantes da vida da situação. Mas o que dizem é valioso. De futuro, a
escola e do sucesso ou insucesso dos discentes. É que, análise será mais sofisticada. Poder-se-ão incluir cál-
acrescentam, tal divulgação não consegue por qualquer culos mais reveladores, assim como outras variáveis.
magia fazer aumentar a qualidade educativa das esco- Deveríamos ter informação sobre a natureza pública ou
las públicas ou privadas. privada das escolas, religiosa ou laica, de área predomi-
nantemente rural ou urbana, etc. Seria igualmente útil
2. Argumentos a favor ter elementos sobre a dimensão humana e o género das
Um dos argumentos a favor mais entusias- escolas (feminina, masculina ou mista), assim como
ticamente defendidos foi o seguinte: o estado deve sobre as idades dos alunos. E, com o tempo, outras
divulgar o ranking das escolas porque uma das suas variáveis poderiam ser incluídas, como a existência de

1) Chamamos a atenção de que a própria maioria dos membros do Conselho Nacional de Educação (CNE), quando foi publicado o primeiro ranking em
2001, discordou da sua elaboração porque ele era, em particular, baseado nas notas de exame e em classificações internas. Segundo a presidente do CNE,
“ um ranking é uma forma de hierarquizar as escolas e pode levar a conclusões contrárias ao processo de melhoria que se quer para os estabelecimentos
de ensino”. (Diário de Notícias, 31.08-01).
2) “É verdade que de nada adianta divulgar dados isolados que apenas conduzem a visões simplistas de problemas complexos. Também é certo que a
mera divulgação de resultados de desempenho de instituições educativas públicas não as melhora, por magia. Mas também é verdade que o Ministério da
Educação, ao fechar-se sobre si próprio, escondendo os 'rankings' e os dados mais ou menos elaborados que possui, não cumpre a sua função social de
6 informar os cidadãos, que (...) pagam integralmente o funcionamento do sistema.” (Joaquim Azevedo, ex-secretário de Estado da Educação).
cantinas, salas de artes, música e desporto, laboratórios
tecnológicos, etc. (Público, 27/8/01)
Podemos falar também da lógica do exigente
da exigência e da disciplina, ou duma lógica do
saudoso do passado, bem presente neste naco de
prosa jornalística: “Então, quais as causas do grau
de excelência do Colégio X? Em declarações às tele-
visões, os seus directores atribuem os resultados que
lhes deram o primeiro lugar ao nível de exigência e
disciplina praticado na escola de que são responsáveis.
Exigência e disciplina que anda pelas ruas da amargura

© José Maria Pimentel


no Ensino Secundário e não só. Exigência e discip-
lina que muitas famílias desconhecem nas suas casas.
Exigência e disciplina que põe em pânico professores
e responsáveis sociais. Exigência e disciplina, palavras
malditas na sociedade de hoje mas que, no passado,
formaram sábios e santos, heróis e cientistas. E que,
como se vê no caso vertente, continua a ser o segredo do futebol. A ser assim qualquer dia ainda transfor-
do sucesso escolar. A ideia do sucesso fácil, sem esforço mamos as nossas Escolas Secundárias em laboratórios
e sem sacrifícios, na escola ou na empresa, não passa de treinos para o desempate por penaltys e a retórica
de um mito. E de uma deseducação para os jovens, destes senhores e senhoras ainda nos convence que
homens de amanhã. Sem exigência e sem disciplina, o tudo isto é como no futebol, onde não podem ficar
ensino do Básico ou do Secundário e do Superior está todos em primeiro lugar e onde é forçoso que uns
simplesmente condenado ao fracasso.”3 sejam campeões, que outros entrem nas competições
Finalmente podemos falar da lógica do viva europeias e que outros, forçosamente, desçam de
o ranking, viva o fatalismo, viva a selecção social! divisão!
E um exemplo muito claro desta concepção foi dado E quanto ao argumento de que os rankings
pela jornalista Clara Ferreira Alves, que em tempos, devem ser publicados porque é função do estado
no Diário Digital, nos brindou com este significativo informar a sua clientela de cidadãos, ficamos todos na
escrito: “Quem vem de um meio social humilde terá expectativa de novos rankings! Nem queremos imaginar
sempre menos possibilidade do que quem vem de um a lista de rankings que aí vem!
meio social culto e educado, com meios. O sistema, pre- Um outro argumento aduzido para provar a
tendendo igualdade de condições, apenas esconde uma importância dos rankings é o que defende que ainda
realidade: o falhanço da educação em Portugal, que é cedo para se conseguirem os verdadeiros efeitos
depende mais da excepção, a boa escola, o bom aluno, desta medida mas que estamos no bom caminho e
do que do método de ensino em geral e da qualidade de lá chegaremos, mais tarde ou mais cedo! Alguma vez
alunos e professores. O ranking das escolas secundárias tínhamos de começar! E os seus defensores esperam
vem dizer o que todos sabemos: que algumas escolas ansiosamente que “pousada a poeira” os ânimos mais
praticam a exigência e outras não, e que existem escolas vivos se calem e que as consequências positivas desta
públicas tão boas como as privadas, o que é saudado divulgação comecem a surgir. Estão convictos, inclu-
como um sinal excepcional, quando devia, apenas, sive, de que, dentro de poucos anos, se farão melhores
ser a regra. (...) O ranking serve apenas de indicador e, e mais completas classificações e que outras entidades
nesse sentido, é bom que exista. De resto é bom que independentes poderão analisar com mais rigor estas
existam listas, rankings, avaliações e competições. (...) bases de dados. Além disso, acrescentam que, a curto
Num mundo extraordinariamente competitivo em que prazo, o efeito já se pode fazer sentir porque as escolas
vivemos, com a mobilidade de trabalho que substituiu com melhores resultados se sentirão orgulhosas e ten-
o trabalho vitalício, o aluno deve ser educado para tarão não perder os louros, enquanto as descontentes,
competir e conseguir, e não para se manter em jogo passada a vergonha, se irão esforçar por fugir dos maus
. O 'chumbo', instituição quase desaparecida, era um lugares ocupados agora.4
crivo e funcionava. Os chumbos, como os rankings, Os defensores deste tipo de argumentos acres-
funcionam sempre. Toda a gente gosta de saber quem centam ainda que o ranking é um bom instrumento
se distinguiu e quem falhou”. para os pais, porque lhes fornece dados objectivos
Qualquer um de nós apresentará facilmente que poderão ajudá-los a fazer pressão sobre as escolas,
meia dúzia de argumentos contra estes tipos de lógica. sobre as autarquias e sobre o ministério, no sentido
Considerando por exemplo este último exemplo - as de melhorar a formação dada aos seus filhos. E tais
teses de Clara Ferreira Alves - é fácil demonstrar que defensores pensam também que as próprias universi-
se passa da justificação do ranking para a justificação da dades e as empresas vão estar mais atentas às condições
selecção social. E se, como a autora defende, os discen- institucionais dos candidatos a futuros estudantes ou
opinião

tes devem ser educados para competir e não para se empregados. (Creio que na primeira parte do artigo
manterem em jogo, seja permitido recorrer à metáfora já apresentei dados suficientes para provar a falta de

3) A citação anterior é retirada de um artigo inserido num Jornal Mensal editado numa capital do interior de Portugal e foi citada num forum da Internet.
A propósito daquilo que se passa no Ensino Particular há algumas notas curiosas que não resistimos a citar aqui. Assim, por exemplo, alguns colégios
substituem duas horas de Educação Física por duas horas suplementares de Matemática ou Química, outros atribuem uma hora suplementar às disciplinas
de Matemática, Física e Química e outros implementam aulas práticas de preparação para os exames nacionais desde Outubro. Estes e muitos outros
exemplos são noticiados desde 2001. 7
objectividade e de rigor deste tipo de rankings!) ras. Tal como pode ser defensável publicar rankings de
Uma outra posição defende que os professores resultados não poderá também ser defensável publicar
e as suas organizações de classe, a partir dos rankings, rankings de condições de trabalho em termos de sala de
terão instrumentos de argumentação, junto do minis- aula, de salas de apoio, em termos de espaços verdes,
tério, cada vez que os seus defeitos sejam resultado de em termos de recreios, de bibliotecas, de refeitórios,
deficiências materiais e que o próprio ministério terá de cantinas, de pavilhões gimnodesportivos, ou outros
mais meios de análise e avaliação, porque o ministro espaços hoje fundamentais na escola?
fica a saber que nós sabemos pelo menos parte do que Como em tempos afirmou a Fenprof, enquanto
se passa nas escolas. E, concluem os defensores desta não alterarmos este estado de coisas teremos rankings
tese, todos teremos um pouco mais de informação que correm o risco de transformar o sistema educativo
sobre o estado do ensino no nosso país.5 português numa espécie de campeonato de futebol de
primeira, segunda e terceira divisões. Mas tal seriação
3. Mais interrogações do que respostas não tem qualquer interesse uma vez que nada nos diz
sobre as condições e sobre o trabalho real desenvolvido
Mas é tempo de entrar na terceira parte do nas escolas. E obviamente que tal seriação acaba até
nosso artigo, onde vamos deixar, provavelmente, mais por ser injusta, acaba por ser uma aberração e um acto
interrogações do que respostas. criminoso, uma irresponsabilidade total, como opinou
Poderão os rankings, com todos os defeitos que também a FNE. Também a ex-secretária de Estado
apontei e com outros que têm sido sobejamente denun- da Educação, Ana Benavente, declarou que este tipo
ciados, ajudar a tirar ilações sobre a forma de avaliar de rankings é a forma mais pobre de olharmos para as
seriamente as escolas? escolas uma vez que as consideramos todas segundo a
Não poderá toda esta polémica à volta do tema mesma bitola.
conduzir a um maior empenho e a um maior envolvi- Tal como ela, estou em crer que existem formas
mento da comunidade educativa no sentido de serem mais inteligentes de conhecer e de avaliar o sistema
encontrados mecanismos rigorosos de avaliação das educativo. Mas que educação estaremos nós a fomen-
nossas escolas? tar se for instaurada a ideia de que o objectivo número
Terão razão aqueles que defendem, como por um de cada escola é estar no topo do ranking? Como é
exemplo o ex-ministro da educação, Marçal Grilo, a que, por exemplo, podemos conciliar isto com o con-
vantagem de publicar a lista das 100 ou 500 escolas ceito de escola integradora e de escola inclusiva?
que apresentam os melhores resultados para que se Muito mal caminhará o sistema educativo
À volta do Ranking ou de como tornar útil a sua inutilidade

procure perceber quais são as causas do bom desem- português se continuar a publicar rankings que são
penho dessas escolas? apenas a satisfação voraz duma imprensa pouco
Contribuirá tal publicação para algum benefício escrupulosa e desejosa de sensacionalismo barato e
por causa dos efeitos da demonstração? que permite depois, a qualquer iluminado ou ilumi-
Ou será que a vertigem dos rankings se pode nada, teorizar sobre as questões da educação com o
virar contra quem os criou, uma vez que alunos e alu- mesmo à-vontade com que os teóricos da bica discu-
nas não são ratos de laboratório que melhoram os seus tem à mesa de café as grandes tácticas futebolísticas
desempenhos consoante as recompensas e punições? que permitirão às suas cores desportivas esmagar
qualquer adversário!
Não tenho qualquer problema em reconhecer Não me parece que seja difícil aceitar, pelo
que pode haver vantagens em publicar on-line bases de menos, que o ranking teve o mérito de pôr os pais e os
dados que nos possam fornecer elementos fundamen- docentes e alguns responsáveis políticos a discutir mais
tais relativos a cada escola. Mas é importante que tais acalorada e empenhadamente, nestes últimos anos,
bases incluam as diversas variáveis caracterizadoras as dificuldades das nossas escolas. Mas espero que
de cada estabelecimento. Que tais bases permitam tal discussão sirva para tirar ilações sobre a forma de
saber, por exemplo, os resultados dos últimos 5 anos, o avaliar seriamente as escolas. Espero que permita ainda
número rigoroso de alunos, o número de alunos e alu- listar os erros cometidos e as limitações verificadas e
nas autoproposto(a)s a exame, o número de aluno(a)s que faça sentir que um processo rigoroso de avaliação
do recorrente, o número de docentes de cada escola das escolas só pode ser feito com seriedade, quando
e a composição do seu quadro de professores, a com- dermos voz a todos os intervenientes fundamentais do
posição do seu quadro de pessoal não docente, a média tecido educativo.
de alunos por turma, as respostas de cada escola em Que estes tão polémicos rankings dos últimos
termos de acção social escolar, em termos de apoios anos tenham pelo menos o mérito de nos fazer suspirar
pedagógicos, em termos de salas de estudo, em termos por resultados futuros mais fidedignos que nos permi-
de projecto pedagógico, em termos de projecto de for- tam uma avaliação mais credível da(s) escola(s).
mação para docentes e não docentes, etc.
Ninguém pode ter dúvidas que seremos me-
lhores se nos tratarem com respeito. Mas se calhar é (*) Presidente da Assembleia
isso que tem faltado na relação da escola com os seus da Escola Secundária Quinta das Flores
alunos e alunas e com os seus professores e professo-

4) Veja-se, a este propósito, a posição do sociólogo João Carlos Espada: “ a criação de um sistema nacional de avaliação só pode ser bem-vinda. Ele
permitirá certamente mostrar que há escolas públicas bem geridas e com bons resultados. Criará um clima geral de emulação entre as escolas públicas
(...) aumentará o poder de influência das famílias sobre as escolas - públicas e privadas.”
5) António Barreto, por exemplo, declara: “Estas vantagens e outras são infinitamente superiores aos eventuais inconvenientes. O que é realmente difícil
8 de compreender é a razão pela qual isto não se faz há mais tempo.” (Público, 27/8/01)
Bullying, os senhores da escola, um medo de morte…

 Mª da Glória Rodrigues (**)

Todos os dias, alunos no mundo sofrem com


um tipo de violência que vem mascarada na forma de
“brincadeira”. Estudos recentes revelam que esse compor-
tamento, que até há bem pouco tempo era considerado
inofensivo e que recebe o nome de bullying, pode acar-
retar sérias consequências ao desenvolvimento psíquico
dos alunos, gerando desde a queda da auto-estima até,
em casos mais extremos, o suicídio e outras tragédias.
Diogo Dreyer

“Livre, livre. Os meus olhos seguirão apesar

© José Maria Pimentel


dos meus pés ficarem parados para sempre.” Foi o
que Jokin Zeberio, de catorze nos, escreveu antes
de se lançar no abismo, em Hondarribia, País Basco,
montado na sua bicicleta.
Punha fim a anos de humilhações e maus tra-
tos infligidos na escola por colegas.
Jovens adolescentes protagonizam, cada vez esconder? Mas a alcunha agarra-se a eles como uma
com mais frequência, actos de violência cujo alvo são segunda pele, persegue-os ao longo de anos ou mesmo
alunos e professores. da vida, sendo utilizada até pela própria família. São
O caso de Columbine chegou mesmo ao cin- os caixa de óculos, os fuinhas, os bolas de banha, os
ema. Bowling for Columbine, documentário realizado pernas de alicate, os ratos ou roedores, os gaguinhos,
por Michael Moore, em 2002, recebeu o Óscar da os porcos-espinhos, os patos, os ratos de biblioteca,
Academia e o César do Festival do cinema Francês. os marrões, os graxistas, os orelhas de abano, entre
Em Columbine, dois jovens, após prolonga- muitos outros.
da preparação, atacaram a escola que frequentavam Estas alcunhas nem sempre vêm sós. São
e, disparando, causaram a morte a treze alunos, acompanhadas de agressões, empurrões, gritos, risos,
suicidando-se em seguida. Era o culminar do abuso humilhações, envergonhando a vítima cujo desejo é
do poder sobre os mais fracos, a morte era o castigo não ser vista, coser-se com as paredes e manter-se em
mais duro a infligir às vítimas habituais e previa- silêncio. Anseia por não dar nas vistas. Impossível!
mente seleccionadas. Ela é um alvo fácil, perfeito para servir de bobo, para
No Brasil, em 2003, Edimar, adolescente, garantir a satisfação dos mais fortes, dos agressores,
feriu os colegas, a directora da escola, suicidando-se mais ainda para fortalecer a sua afirmação, o seu
em seguida. Foi esta a forma que escolheu para pôr poder, a sua imagem.
fim a onze anos de sofrimento e humilhações. Estamos perante o bullying. Termo que de-
actividades de escola

Os casos são incontáveis e Portugal também signa a prática de atitudes agressivas, repetidas,
tem os seus. frequentes, sem qualquer razão aparente, dos mais
A desculpabilizadora crueldade infantil e juvenil, fortes sobre os mais fracos e que tem como lugar pri-
impiedosa para com os colegas fracos, tímidos, porta- vilegiado a escola.
dores de deficiência, passou a ser questionada. A complexidade do bullying não permite uma
Alunos violentos, alunos humilhados afinal tradução para língua portuguesa, já que ele vai muito
podiam seguir o mesmo caminho - o homicídio e o para além da humilhação, da agressão, da intimida-
suicídio. ção, da exclusão, da marginalização, da discrimina-
Os adultos perdiam a ingenuidade. O que ção, da desigualdade de força entre os carrascos e
se passava nas escolas? Que silêncio era esse que se as vítimas. Bullying é tudo isto e tudo o mais que se
transformava, tragicamente, em ruído ensurdecedor? prolonga, se instala para dar forma à vida futura de
Quem não conhece as alcunhas postas nas agressores e agredidos.
escolas a certos alunos e que identificam um defeito, Quando o bullying se instala numa escola,
uma particularidade que querem a todo o custo todos os alunos sofrem os seus efeitos. 9
Agressores, vítimas e testemunhas. A maioria dos alunos portugueses sofre
Aumenta o número de agressores quando se agressões nos recreios (72,3%), nos corredores
verifica que nada lhes acontece, aumenta o número (31,6%), na sala de aula (29,4%), bem como nas
dos deprimidos, aterrorizados que, sendo apenas casas de banho ou noutros locais.
testemunhas, receiam que qualquer atitude os trans- Entre o tipo de atitudes de bullying levadas
forme em vítimas. a cabo nas escolas portuguesas, as mais frequentes
Estamos perante um fenómeno de graves con- são o insulto, a humilhação, seguindo-se a mentira
sequências na vida escolar e na vida futura. e o boato, sendo menos praticadas a agressão e a
Os alunos sistematicamente sujeitos ao bullying discriminação racista e religiosa. (Carlos Neto, Os
e que são por natureza mais fracos, mais tímidos, comportamentos de bullying no recreio escolar, 2004, in
sem qualquer assertividade, vêem a sua auto-estima Visão, 20/11/2004).
diminuir, sofrem depressões, vivem em constante Se as “brincadeiras sem importância” ou “a
stress, querem mudar de escola, têm um baixo natural crueldade da criança” tomou proporções tão
aproveitamento escolar, faltam sistematicamente às complexas e tão graves, há que encontrar soluções,
aulas. dar respostas.
Sofrem, pelas mesmas razões, perturbações São muitos os países que desenvolvem acções
físicas, nem sempre compreendidas pela família que, num contexto educativo e de integração, têm
(fobias, vómitos, golpes de febre). É que o silêncio é o como finalidade conduzir à criação de um ambiente
denominador comum a quase todos os agredidos. escolar saudável e facilitador da aprendizagem e do
Quando adulto, o agredido tende à depressão, bem-estar da comunidade escolar.
ao isolamento, à associalização no ambiente de trab- São acções que implicam as famílias, a escola
alho, atitudes que contribuem para a solidão, a troça e os ministérios da educação.
dos colegas, os risinhos sempre que chega ou passa, Para quebrar a Lei do Silêncio que dá cobe-
não sendo raros os casos de suicídio na idade adulta. rtura ao bullying, é necessária a acção concertada
Quanto aos agressores, também eles transpor- de todos os responsáveis pelo futuro das crianças e
tam para a vida adulta os comportamentos da infân- jovens.
cia e da adolescência. Aos pais cumpre estar atentos aos comporta-
Continuarão a agredir, humilhar, intimidar os mentos dos filhos, a mudanças de atitude, de forma
que o rodeiam, tanto na vida familiar - responsáveis a criar um ambiente familiar de colaboração e com-
pela violência doméstica - como nos locais de traba- preensão.
lho. Na escola este fenómeno deve ser divulgado
Outros percorrerão os caminhos da delinquên- nas suas manifestações e nas suas consequências para
cia, mantendo sempre o seu estatuto de dominadores, prevenir e detectar a sua instalação.
por vezes implacáveis. Compete à escola investir em actividades a
Estudos recentes mostram que os bullies são desenvolver pelos alunos que, por um lado, aumentem
também crianças e adolescentes sujeitos a modelos a auto-estima das vítimas e, por outro, desenvolvam
educativos e contextos familiares predominantemente o respeito e a solidariedade junto de agressores e da
violentos, agressivos, onde impera o abuso do poder, maioria silenciosa que são as testemunhas.
Bullying na escola

a violência doméstica contínua, a falta de exigência, A escola deve constituir um espaço educativo
de responsabilização ou disciplina, replicando, na de tolerância, de defesa da paz, de respeito pela dife-
escola e mais tarde na vida, o ambiente em que as rença.
suas personalidades se foram estruturando. E, se mais um esforço é pedido à escola, é
Em Portugal também se percorre este fenó- possível que, com esse esforço, os “donos do recreio”
meno em toda a sua extensão. dêem lugar a um recreio de todos.
A comunicação social informa, mostra report-
agens, publica artigos de fundo, faz investigação.
Um estudo feito em Portugal concluiu que, (*) Professora na Escola Secundária de D. Duarte
dos 7.000 alunos entrevistados, um em cada cinco
10 (22%) fora vítima de violência moral na escola.
Nótulas breves sobre Leitura…

 Graça Trindade(*)

A leitura não deve “distrair-nos”, mas antes “concentrar-nos”;


não deve fazer-nos esquecer uma vida sem sentido
e aturdir-nos com uma ilusória consolação,
mas, pelo contrário,
deve concorrer para dar à nossa vida
um significado sempre mais alto e mais pleno.
Hermann Hesse

© José Maria Pimentel


Falha a sua missão o professor que impõe
a sua leitura como padrão irrevogável.
Jacinto Prado Coelho

A leitura atenta dos novos programas das dis-


ciplinas do Ensino Secundário (Matemática, Física,
Química,…) mostra definitivamente, se ainda exis- 206).3
tiam dúvidas, a necessidade de os alunos dominarem O ensino e a aprendizagem dos procedimentos
diferentes estratégias de leitura.. metodológicos do processo de leitura dependem das
A competência de leitura é fundamental na concepções dos professores que nem sempre parece
formação do pensamento e do espírito crítico do indi- registarem alterações significativas, tendo em conta
víduo, pois sem ela torna-se impossível a aquisição os diversos estudos efectuados na última década.
de outras competências, nomeadamente a da escrita. Com efeito, ao longo da compreensão da lei-
Porém, constatamos que os nossos alunos manifes- tura, as operações de descodificação, identificação,
tam, de uma maneira geral, pouca apetência para os mobilização, relação, inferência, classificação e jus-
livros e enormes dificuldades na compreensão da lei- tificação continuam a ser as, preferencialmente, uti-
tura, o que chega a comprometer o sucesso escolar. lizadas e, tendo por referência a estética da recepção,
Deste modo, o ensino da compreensão da revelam-se fundamentais; por conseguinte, merecem
leitura não se pode cingir a uma leitura literal, cor- destaque nas actividades/estratégias desenvolvidas ao
rendo-se o risco de não se adquirirem as competên- longo da leitura. Aliás, as metodologias implicadas
cias fundamentais da comunicação que permitem ao nessas operações levam a concluir que os professores
indivíduo interagir com os outros, numa sociedade conferem importância e complexidade à competência
cada vez mais exigente e multicultural. da leitura.
Neste sentido, espera-se da escola, através Esta competência implica o domínio de pro-
dos seus agentes de ensino, o desempenho de um cedimentos variados, que envolvem o aluno/leitor
papel importante no desenvolvimento de estratégias activamente, de forma a que a aquisição de conheci-
que favoreçam a competência de leitura, em que a mentos (linguísticos, referenciais e culturais), propor-
compreensão registe vários níveis de proficiência: “a cionados pela leitura, contribua para a sua formação
apreensão do significado estrito do texto que envolve o como comunicador capaz de interagir com outros.
conhecimento do código linguístico, o funcionamento Contudo, essa complexidade acaba por não se fazer
actividades de escola

textual e intertextual” (M.E./D.E.S., 2002:22)1. sentir o quanto seria necessário e desejável no ensino
Em contexto pedagógico, a compreensão da dessa competência, quando os professores orientam
leitura/construção textual resulta da confrontação a “leitura” dos alunos segundo as suas concepções
“com representações da realidade social, do conheci- pessoais sobre o texto e acabam por valorizar, junto
mento, de relações humanas - as representações que destes, a ideia da leitura como produto, ao invés de
a escola acolhe e promove” (Sousa, 2000: 1075)2 . lhes abrirem horizontes para um entendimento da
Este processo ocorre não só durante a leitura, mas leitura como processo.
também em pequenos intervalos ao longo da leitura, Ao longo do processo de ensino-aprendizagem
depois da leitura ter começado até depois da lei- da competência de leitura, há que criar momentos
tura ter cessado pelo leitor (Duke e Pearson, 2002: que permitam ao aluno relacionar os elementos tex-

1) M.E./D.E.S. (2002). Programa de Língua Portuguesa - Ensino Secundário. Lisboa: Ministério da E.ducação.
2) SOUSA, M. L. (2000). “De Pequenino…Pelos Caminhos da Literatura”. In Didáctica da Língua e da Literatura. Coimbra: Almedina. Vol. II, pp. 1075-1086.
3) DUKE, N. K. e PEARSON, P.D. (2002). “Efective Practices for Developing Reading Comprehension” In A. E. Farstrup e S.J. Samuels (ed). What Research
Has to Say About Reading Instruction. USA: International Reading Association, pp. 205-238. 11
tuais com os seus conhecimentos prévios, de modo tunidade de manifestar a sua competência leitora,
a que eles próprios construam significados do texto, pela compreensão de leitura de diversos textos, pelo
a partir de sentidos explícitos e, especialmente, de reinvestimento dos conhecimentos adquiridos, pelo
sentidos implícitos. É evidente que a complexidade grau de reflexão empenhado e pela apreciação crítica
do processo de leitura se acentua nas operações de registada.
inferência, mas a competência de leitura exige a capa- É preciso ter em conta que todos os tipos de
cidade ao leitor de inferir; por conseguinte, no ensino textos (verbais, não verbais, informativos,…) e, em
da leitura, deve constituir uma prioridade a aquisição especial, o texto literário assumem especial relevância
de conhecimentos que permitam o desenvolvimento na formação do indivíduo e constituem o objecto
desta operação. Os conhecimentos prévios do leitor fundamental da aprendizagem da competência de
facilitam a realização de inferências durante a leitura, leitura.
por vezes, de forma inconsciente, mas é importante Neste sentido, as orientações do programa
que o leitor faça também inferências “conscientes”. de Língua Portuguesa para o Ensino Secundário
A aprendizagem da leitura deve incluir a apre- permitem concluir que estão reunidas as condições
ensão de estratégias de leitura pelos alunos, como para alterar profundamente o processo de ensino-
por exemplo o sublinhar de palavras-chave, a tomada aprendizagem do Português, pela presença, não só,
de notas e a elaboração de sínteses parciais ao longo explicitamente, de saberes processuais, como tam-
da leitura. O(s) objectivo(s) da leitura dos textos bém pelo facto de estes estarem colocados ao mesmo
deve(m) também ser sempre previamente definido(s) nível dos saberes declarativos, na medida em que as
pelo professor, o que facilitará, desde logo, a selecção finalidades e os objectivos do programa se orientam
da estratégia mais eficaz e adequada à sua concretiza- para “a aquisição de um corpo de conhecimentos e
ção, cuja orientação cabe ao docente, principalmente o desenvolvimento de competências” (M.E./D.E.S.,
nos níveis iniciais. 2002: 2), nomeadamente “a de comunicação e a
No caso da operacionalização de inferências, estratégica” em interacção (idem: 8).
o professor necessita de explicitar aos alunos os per- Há que formar os “alunos para uma cidadania
cursos possíveis e as estratégias disponíveis à sua rea- plena”, isto é, alunos que possuam “as competências
lização. Enquanto estes não tomarem conhecimento linguística, discursiva/textual, sociolinguística e estra-
explícito e reflectido do processo de operacionaliza- tégica”, que dominem “os saberes procedimentais e
ção do raciocínio inferencial, dificilmente poderão contextuais (saber como se faz, onde, quando e com
tirar partido da sua eficácia. que meios)” (ibidem).
Uma das actividades que pode facilitar a rea- Como professores de Língua Portuguesa, um
lização de inferências é a elaboração de previsões, dos nossos propósitos é formar leitores competentes,
de expectativas, sobre o referente ou o significado que saibam utilizar estratégias variadas de compreen-
de palavras, a partir de pistas do contexto, ou sobre são textual, de forma a que ler um texto constitua
os comportamentos das personagens, com base na um desafio satisfatório e produtivo. Este é um papel
experiência do leitor e de indícios textuais. Este tipo fundamental, não esquecendo que, antes de fornecer
de actividade proporciona um envolvimento maior conhecimentos sobre estruturas textuais e/ou aspec-
do leitor com o texto: o leitor mobiliza os seus co- tos estéticos, devem criar-se condições que motivem
nhecimentos, que o encorajam a enfrentar a leitura o aluno a ler o texto, pelo prazer que o texto lhe
e facilitam a compreensão das novas ideias do texto suscitará, sendo a sua leitura, primordialmente, uma
Nótulas breves sobre Leitura

(Duke e Pearson, 2002: 212-213), possibilitando a actividade criativa que não pode admitir interpreta-
modificação da compreensão anterior e a criação de ções impostas.
outras expectativas. Quando se detectam dificuldades nos alu-
Outra das operações fundamentais à com- nos, professor e discentes, em conjunto, através de
preensão da leitura prende-se com as relações inter- uma pedagogia de negociação e colaboração, devem
textuais que se estabelecem, em que os conhecimentos definir e adoptar metodologias adequadas e efica-
prévios do leitor e os conhecimentos posteriormente zes à sua superação, co-responsabilizando todos os
adquiridos, através das várias leituras, representam o intervenientes no processo. Com efeito, o feed-back
seu alargamento cultural e linguístico, que lhe per- da avaliação (diagnóstica, formativa/formadora) do
mitirá afirmar-se na sociedade. processo de ensino-aprendizagem permite equacio-
A intertextualidade assume um papel re- nar os objectivos do ensino da leitura, encontrar
levante ao longo de todo o processo de leitura; porém, procedimentos metodológicos, verificar problemas e
é na etapa da pós-leitura, através do estabelecimento perspectivar mudanças pedagógico-didácticas.
de relações intertextuais, que o aluno/leitor tem opor- É forçoso referir a importância que sentimos da

4) PRESSLEY, M. (2002). “Metacognition and Self-Regulated Comprehension “. In A. E. Farstrup e S. J. Samuels (ed). What Research Has to Say About
12 Reading Instruction. USA: International Reading Association, pp. 291-308.
prática sistemática e frequente de actividades de leitura

orientou no CF Ágora, em 2005, o Curso Vamos Fotografar melhor


para o desenvolvimento de competências de leitura,
de escrita, de compreensão e de expressão oral, com-
petências que são necessárias em todas as disciplinas.
Nessa medida, é evidente a necessidade de um efectivo

José Maria Pimentel


investimento nessa dimensão no espaço pedagógico
de outras disciplinas, a fim de que este contribua para
uma aprendizagem plena em todas as áreas.
Porque não queremos que resultados de estu-
dos sobre Literacia, nomeadamente do PISA 2000,
se repitam no que se refere aos nossos jovens, há que
envidar esforços para superar as dificuldades mani-
festadas pelos nossos alunos. Uma boa compreensão
textual, de acordo com Pressley, exige uma leitura flu-
ente, um vocabulário extenso, uma leitura selectiva, a
capacidade de responder ao texto e de fazer perguntas
sobre o conteúdo e a construção de imagens mentais,
que representem o significado do texto, parafraseando-
-o (2002: 297)4. Todas estas actividades dependem,
ainda, de um factor muito importante do ser humano:
a capacidade de sentir prazer com a leitura.
Queremos também destacar que o conheci-

© José Maria Pimentel


mento de saberes processuais permite ao aluno, numa
dimensão transversal ao currículo, o domínio de situa-
ções de aprendizagem, nomeadamente, a pesquisa,
a organização, o tratamento e a produção de “infor-
mação em função das necessidades, dos problemas a
resolver e dos contextos e situações”, o uso de “dife- José Maria Pimentel nasceu em Coja - Arganil,
rentes formas de comunicação verbal, adequando a a 26 de Agosto de 1953. Descobre, em 1970,
utilização do código linguístico aos contextos e às pelo acaso da compra de uma revista de fotografia, a
necessidades”, a identificação de “elementos consti- paixão por esta arte. Em 1972, vai para Paris estudar
tutivos das situações problemáticas” e a selecção e a fotografia no Centre d'Enseignement et Perfectionnement
aplicação de “estratégias de resolução” (M.E./D.E.B. Photographique Professionnel. O 25 de Abril de
- Documento de trabalho preparatório ao C.N.E.B., 1974 abre-lhe, como a muitos outros, o regresso a
2000: 5). Portugal. Até 1982, trabalha no cinema profissional
Uma conclusão, que não nos parece despicien- português como assistente de produção, assistente de
da, impõe-se a um nível muito pragmático: é urgente, realização e fotógrafo de cena. Simultaneamente, pinta,
é terapeuticamente urgente, proceder-se a profundas faz escultura e realiza algumas exposições. O Museu
alterações de visões do ensino da leitura de todos os Machado de Castro adquire-lhe a escultura em pedra de
tipos de texto. É urgente ensinar competências de Ançã “O Pensador”. Em 1982 integra o projecto de
leitura sempre com a clara consciência da importância uma cerâmica decorativa em Coja, assumindo a respon-
da aquisição de estratégias de leitura por parte dos sabilidade técnica e artística. Inicia, em 1999, uma
alunos. As consequências na prática dessas alterações foto-reportagem sobre a vida de Monsenhor Nunes
de visão, no ensino da leitura, nos mais variados con- Pereira, padre e artista, então com noventa e quatro
textos (Ensinos Básico, Secundário e Superior) hão-de
josé maria pimentel: fotógrafo
anos, ainda em plena actividade e que foi seu mestre
reflectir-se, sem dúvida, na ambição principal da edu- de gravura. Este trabalho é editado em Setembro de
cação na sociedade contemporânea: uma “educação 2001. De 1 de Maio de 2000 a 18 de Julho do
para a cidadania, para a cultura e para o multicultura- mesmo ano dá a volta ao mundo como navegador e
lismo” (M.E./D.E.S., 2002: 6). fotógrafo da única equipa portuguesa participante num
rali para carros clássicos, de que resultam as exposições
Bibliografia “Volta ao Mundo - Imagens de 80 Dias”, apresentadas
M.E./D.E.S. (2002). Programa de Língua Portuguesa - Ensino
Secundário. Lisboa: Ministério da E.ducação
em Portugal e diversos países europeus. É premiado
SOUSA, M. L. (2000). “De Pequenino…Pelos Caminhos da pela revista “Visão”, em 2002 e 2003. Em 2003,
Literatura”. In Didáctica da Língua e da Literatura. executa, sob encomenda da Coimbra Capital Nacional
Coimbra: Almedina. Vol. II, pp. 1075-1086. da Cultura, a exposição “Coimbra Fora d' Horas”, um
DUKE, N. K. e PEARSON, P.D. (2002). “Efective Practices for conjunto de 114 imagens apresentado em Novembro,
Developing Reading Comprehension” In A. E. Farstrup
e S.J. Samuels (ed). What Research Has to Say
no Museu Nacional de Machado de Castro.
About Reading Instruction. USA: International Reading O Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de
Association, pp. 205-238. Coimbra, em Maio de 2005, no âmbito das comemo-
PRESSLEY, M. (2002). “Metacognition and Self-Regulated rações sobre o escritor Miguel Torga, decora com foto-
Comprehension “. In A. E. Farstrup e S. J. Samuels (ed). grafias suas, inéditas, realizadas nos anos 70, um troley
What Research Has to Say About Reading Instruction.
USA: International Reading Association, pp. 291-308.
que circulará pela cidade durante um ano.
Tem diversos trabalhos publicados, como o livro
(*) Professora na Escola Secundária Quinta das Flores Monsenhor Nunes Pereira (Edições Minerva, Coimbra)
e Formadora no CF Ágora ou Coimbra Fora d' Horas (ELO Edições, Mafra). 13
II TORNEIO ORTOGRÁFICO
DA ESCOLA E. B. 2/3 DO POETA
MANUEL DA SILVA GAIO

© José Maria Pimentel


Os alunos dos 2º e 3º ciclos vão dis-
putar o II Torneio Ortográfico da Escola E. B.
2/3 do Poeta Manuel da Silva Gaio.
A edição deste ano, que envolve a
quase totalidade dos alunos desta escola, será
disputada de Janeiro a Abril.
Tal como o projecto inicial, que che-
gou a envolver sete escolas do concelho de
Coimbra (Colégio de S. José, Escola E. B. 2/3
Martim de Freitas, Escola E. B. 2/3 do Poeta
Manuel da Silva Gaio, Escola E. B. 2/3 de S.
Silvestre, Escola E. B. 2/3 de Taveiro, Instituto
Educativo de Lordemão e Instituto Educativo
de Souselas, com o número de participantes a
O Alvinho, jornal escolar publicado semestralmente rondar as seis centenas), o torneio consta de
no Agrupamento de Escolas de São Pedro de Alva, duas provas escritas eliminatórias para apurar
apresentou, em Dezembro último, o seu n.º 20. cinco finalistas por ciclo que competirão para
Como sempre atento, não só à realidade das escolas os primeiros lugares.
locais, com muitos trabalhos produzidos das escolas As primeiras eliminatórias (escritas)
e jardins do Agrupamento, mas a outros assuntos realizar-se-ão a 31 de Janeiro e 28 de Fevereiro
da comunidade educativa e do meio envolvente, e a final a 18 de Abril, pelas 15.45 horas.
destacam-se, desta vez, a entrevista ao Presidente da A final pode ser assistida por familiares
Junta de Freguesia de S. Pedro de Alva e a atenção à e amigos dos intervenientes, bem como pelo
indústria de cerâmica “Estrela de Alva”, fábrica fun- público, em geral.
dada em 1904, e ao lançamento do livro de Alfredo Os prémios resultam da adesão à ini-
Fonseca, “Pegadas dos meus pés”, que aborda o pa- ciativa de algumas conceituadas firmas e
trimónio histórico e cultural da freguesia e da região. instituições de Coimbra.
Dinamizado inicialmente pelo Clube
de Poesia da Escola E. B. 2/3 do Poeta Manuel
da Silva Gaio, este projecto envolve toda a
comunidade escolar e mantém-se fiel a um
dos objectivos mais importantes da primeira
edição: estender-se a todas as escolas da
cidade e ultrapassar mesmo as fronteiras do
concelho.
actividades de escola

Cartazes
Maillings
Revistas
Convites
e todo o tipo de impressões

TIPOGRAFIA DAMASCENO, LDA.


RUA DE MONTARROIO, 45-B
Publicidade

Tel./Fax 239 822 210 - 3000-287 Coimbra


14
Avaliar competências
 Madalena Neves Relvão (*)

No ensino expositivo, o professor procura verificar ensino, o uso que temos vindo a fazer da avaliação.
como os saberes que transmitiu são dominados pelos alu- Toda a avaliação é um processo formativo, sob pena
nos (…) Na pedagogia por objectivos, o professor pro- de ser apenas crítica destrutiva ou prémio para alguns
cura apurar as capacidades que os alunos desenvolvem no dotados que chegam à escola já vocacionados para o
decorrer de determinado período de tempo. (…) Mas, sucesso académico.
na pedagogia das competências, o professor não pre- Neste processo formativo, o aluno assume um
tende avaliar nem os saberes nem as capacidades, mas algo papel preponderante, com intervenções reflexivas em
de diferente, algo de novo. Com efeito, procura avaliar vários e variados momentos da sua aprendizagem: é
como os adquiridos (saberes, capacidades, automatismos,
ele que deve julgar o seu trabalho e, depois, confrontar
etc.) são mobilizados na resolução de problemas.
dialogicamente o seu juízo com o do professor. Este
Aníbal Barreira e Mendes Moreira,
Pedagogia das Competências, Ed. Asa, 2004 conceito vem no seguimento das teorias de Piaget
que afirmam que a construção do conhecimento é
A avaliação é, provavelmente, o acto mais um processo de reestruturação e reconstrução dos
angustiante da vida de um professor. Particularmente conhecimentos prévios do sujeito e que a actividade
nesta fase de reformulação dos princípios conceptuais cognitiva do aluno é imprescindível para produzir
e dos paradigmas da educação. conhecimento, pois sem as necessidades internas do
Como afirmam Barreira e Moreira (2004), sujeito em construção a aprendizagem não se efectua.
“De acordo com Cardinet, a avaliação desempenha Na esteira de Habermas, o acto educativo deixa de
uma tríplice função - orientar, regular e certificar as ser pensado em termos de professor-transmissor que
aprendizagens”. forma o aluno-receptor, retirando-o da sua ignorân-
Enquanto informante orientador, a avaliação cia; professor e aluno são membros de uma comuni-
apura o domínio que os alunos têm dos pré-requisitos dade sócio-culturalmente diversa que podem aprender
para avançar na aprendizagem; a nível da regulação, através da criação de situações de diálogo, contributo
através de diálogo constante entre aluno e professor, a e participação.
avaliação corrige e ajusta continuamente o processo de É evidente, pois, que o aluno precisa de estar
aprendizagem em curso; e, como elemento certificador, na posse de critérios para ajuizar sobre o seu trabalho
a avaliação classifica, de forma a atribuir um valor e, se bem que a isso obrigue a legislação, a maior parte
aceite social e institucionalmente. das vezes os critérios entregues por disciplina no início
É sobretudo no âmbito da função reguladora do ano são tão vagos que serviriam para qualquer ano
que, a nosso ver, a posição do professor carece de ser e para qualquer aluno.
revista. Há dias, surgiu-me uma conversa interessante Este é o primeiro aspecto que deve ser revisto
no decurso de uma entrevista que, como Directora de na prática da avaliação das competências. Cada tarefa,
Turma, estava a efectuar com a Joana, aluna de um cada sequência, cada unidade didáctica deve ser apre-
curso das Novas Oportunidades (Curso de Educação sentada ao aluno com as competências que ele deve
e Formação), no sentido de a demover do abandono desenvolver e apresentar no final do processo.
escolar para que se sentia inclinada: argumentava a Isto leva-nos a repensar os critérios das dis-
actividades de escola

Joana que tinha tido um teste na véspera e lhe cor- ciplinas, com obrigação de aprovação em Conselho
rera francamente mal; questionei-a sobre a razão que Pedagógico: pela nossa presença em Conselhos de
encontrava para tal e ela respondeu que não tinha Turma e pela experiência de formação de professores,
estudado porque não sabia como estudar aquela maté- tem-nos sido dado observar ainda que esses critérios se
ria; tentei mostrar-lhe que, dado o perfil destes novos traduzem frequentemente pela atribuição de um peso
cursos, lhe seria facultada outra avaliação sobre os percentual para os domínios cognitivo, sócio-afectivo e
mesmos assuntos e/ou competências e ela teria então atitudinal, chegando mesmo alguns a distribuir esses
oportunidade de alcançar sucesso; a Joana concluiu, pesos por fichas, trabalhos de casa, testes e, mais
de imediato, que então nestes cursos era diferente, recentemente, ainda pelo portefólio e pelo diário de
porque, até então, quando ela percebia o que devia bordo. O principal reparo que fazemos a esta distri-
saber para o teste, já o teste estava feito e corrigido e a buição é quanto à confusão entre critérios, domínios
situação era irreversível. e instrumentos.
Efectivamente, é urgente revermos, não só para Quanto aos critérios, convém dizer que eles
os cursos das Novas Oportunidades, mas para todo o não são apenas referentes ao peso; devem incluir por- 15
diário de bordo e portefólio, trata-se obviamente de
instrumentos e, por conseguinte, não podem ter peso
nos critérios; eles são formas de colher a informação,
entre tantas outras, com especial ênfase para a real-
ização de tarefas que convoquem competências e,
num nível mais avançado, com maior ou menor grau
de dificuldade, a realização de trabalhos de projecto
(a nível disciplinar ou pluridisciplinar). Por tudo isto,
cada instrumento de avaliação deve ser entregue ao
© José Maria Pimentel

aluno juntamente com as competências que ele avalia


e os critérios que nele serão avaliados.
Salientamos ainda que, pelo que lemos nos tex-
tos dos programas de várias disciplinas - aquando da
realização do Curso de Formação “Pensar em Português
- a Transversalidade da Língua Materna”, no Centro de
menores sobre os traços e os graus de consecução das Formação de Professores Ágora - a Língua Portuguesa
competências visadas. é um critério transversal ao currículo e, portanto, deve
Relativamente aos domínios, e retomando o ter um peso e uma cotação atribuída em todos os
texto que apresentamos em epígrafe, o paradigma ac- instrumentos em que o aluno revele a sua competência
tual de ensino-aprendizagem avalia “como os adquiri- linguística enquanto factor de comunicação.
dos (…) são mobilizados na resolução de problemas”, Entendida assim como factor regulador da apre-
i.e., os “testes”, tal como os entendemos ainda, têm os ndizagem, torna-se claro que a avaliação, como a apren-
dias contados; o professor deve colocar ao aluno tarefas, dizagem, é um processo, ou melhor, ambas fazem parte
problemas que facilitem a convocação das competências do mesmo processo; deste modo, a cada momento de
que determinada sequência pretende desenvolver - “o avaliação deve seguir-se a remediação, o melhoramento
aluno deverá ser colocado perante uma situação saída e o enriquecimento, mesmo que tal ocorra em tarefas
da família de situações que definem a competência e diferentes que visem as mesmas competências.
resolver problemas inseridos em determinados contex- Outra questão que devemos ter em conta, no
tos. Esses problemas serão de âmbito variado - questões processo de avaliação, é que não vale a pena assinalar
de resposta breve ou que implicam investigação - tais a um aluno um grande número de incorrecções no seu
como concluir uma banda desenhada ou uma biografia, trabalho; o objecto da avaliação está pré-determinado
elaborar um programa de actividades, um inquérito ou pelos critérios e esse é o fulcro desse momento; porém,
um texto literário, efectuar um trabalho de laboratório, se o aluno apresentar carências fora desse âmbito,
um trabalho de investigação num arquivo ou um tra- poderá sempre ser ajudado a superá-las, desde que
balho de projecto. Em todos os casos, o aluno terá de não se perca de vista a ideia de que mais do que três
recorrer aos seus adquiridos ou a trabalhos comple- deficiências a ultrapassar é de mais para uma recupe-
mentares de pesquisa para resolver um determinado ração sustentada - mais vale estabelecer metas curtas e
problema” (Barreira e Moreira, 2004). vencê-las do que querer chegar à lua e não tirar os pés
Além disso, o aluno deve estar na posse dos cri- do chão.
térios que configuram essa competência, pois são eles Por fim, no que diz respeito à função certifi-
também os critérios que ele e o seu professor usarão cadora, é certo que cabe à escola o poder de selecção
para avaliar. conducente à vida activa, mas não podemos esquecer
Alguns poderão achar que esta avaliação não que a avaliação formativa é a mais justa e que só se a
prepara os alunos para os exames; porém, se ela for praticarmos devidamente ela se tornará humanista, na
realizada correctamente, qualquer aluno detentor das medida em que dará a todos as oportunidades diferen-
competências visadas nos programas das disciplinas tes para poderem ser iguais. Na escola e na vida.
Avaliar por competcências

estará à altura de exames que as testem. Para além de Sem esquecer, como afirma Charles L. Thomas
que avaliação interna e avaliação externa têm índoles e (APP, 1999), que a melhoria do ensino e da aprendiza-
finalidades diferentes e cada uma tem a sua função. A gem deve ser o objectivo principal da avaliação.
preparação para os exames que costumava praticar-se Bibliografia
formatava examinandos, mas não era por si só garan- Bonniol, Jean-Jacques e Vial, Michel, Les modeles de Lévaluation
(Bruxelas, 1997)
tia de cidadãos activos, conscientes e capazes nem de Bosman, Christiane et al., Quel avenir pour les compétences?
futuros alunos brilhantes no ensino superior. (Bruxelas, 2000)
Note-se que os domínios entendidos como Perrenoud, Philippe, Avaliação. Da excelência à regulação das apre-
ndizagens. Entre duas lógicas (Porto Alegre, 1999)
sócio-afectivo e atitudinal fazem parte da competên-
Idem, Construir as competências desde a escola (Porto Alegre, 1999)
cia de cidadania transversal ao currículo e, como tal, UNESCO, Educação, um tesouro a descobrir (Relatório para a
não podem ser avaliados intuitiva ou holisticamente UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para
- devem também ter critérios definidos e momentos em o século XXI (Porto, 1996)
que estão particularmente em observação. (*) Professora na Escola Secundária D. Duarte
16 No que diz respeito a fichas de trabalho, testes, e Formadora no CF Ágora
Escrito à mão, Stôra?!!!

 Mª Margarida Campos (*)

É verdade! Ainda há professores que escrevem as

© José Maria Pimentel


fichas e testes à mão.
O que tem isso de especial se durante décadas
assim se fez?, comentarão alguns.
A diferença, a grande diferença, é que estamos
no século XXI, que carrega consigo toda uma panóplia
de Novas Tecnologias que se aplicam em quase tudo.
Mesmo sem nos apercebermos, usufruímos dos seus cias básicas em Informática e lançou-se, desde logo, na
benefícios, que resultam num facilitar de tarefas e na formação de professores visando a criação de recursos
oferta de um outro estilo de lazer. para serem colocados on-line numa plataforma de ensi-
Ora, é justamente neste contexto que nasceram no à distância chamada Moodle. Este LMS (Learning
os jovens que hoje frequentam as escolas. Nunca co- Management System) permite desenvolver um con-
nheceram outra realidade, ao contrário de nós, profes- ceito novo nas escolas - o b-learning (blended learning)
sores, que tivemos de nos adaptar aos novos tempos… - mistura de ensino presencial (sala de aula) com ensino
A massificação do ensino, após o 25 de Abril, à distância. As plataformas LMS permitem que o pro-
abriu as portas das escolas a uma mole enorme de cri- fessor coloque on-line todo o tipo de recursos que quiser
anças e jovens com aptidões e saberes muito díspares. (fichas, resumos, tópicos, mapas de conceitos, ligações
Por outro lado, as últimas décadas formataram a socie- para páginas web, testes avaliados imediatamente, tra-
dade com um carácter cada vez mais hedonista que se balhos de grupo…) e actividades diversas - fóruns de
sobrepõe, com frequência, à necessidade de autodiscip- discussão em que alunos e professores discutem, anali-
lina, substituindo facilmente o dever pelo prazer. sam, pedem ajuda, transmitem informação, referendos,
Neste ambiente paradoxal e conflituoso, as chats e várias outras.
nossas escolas enchem-se de alunos cada vez menos A grande vantagem do b-learning é que ele segue
disponíveis para ouvirem as prelecções dos professores uma filosofia de aprendizagem baseada numa pedago-
e menos ainda, para em casa, ao final do dia, abrirem gia socioconstrucionista, cujo principal objectivo é criar
um livro para estudar o que quer que seja. (A minha espaços de aprendizagem colaborativa. Através desta
homenagem aos muitos que assim não procedem). plataforma, o aluno pode aprender ao seu ritmo, apro-
É neste contexto escolar que as TIC têm um fundar os conhecimentos no conforto da sua casa e à
papel relevante a desempenhar. Mesmo o aluno menos hora que quiser. Por sua vez, o professor encontra aqui
interessado sente outra disponibilidade para a apren- uma forma de complementar o trabalho das aulas. O
dizagem, quando sentado à frente de um computador: papel do professor transforma-se, passando a ser media-
maneja o rato, abre e fecha janelas, dá respostas que dor das interacções e da aprendizagem, fomentando a
formação em TIC/Moodle

apaga e corrige, procura outras páginas, encontra cooperação e colaboração entre os alunos.
soluções… sente que tem o poder na mão! A satisfação Tem inconvenientes? Claro, como tudo na vida.
com que “joga” no computador o jogo que o profes- Quem não dispõe de Internet em casa, fica mais lim-
sor preparou, leva-o a adquirir outra postura face ao itado; mas compete às escolas criarem espaços para que
conhecimento: foi ele, sob orientação do professor, que as NTI não se transformem num elemento de exclusão,
descobriu, que aprendeu. Afinal, conseguiu encontrar antes de inclusão.
prazer no estudo! As Oficinas de Formação que tenho orientado,
Há cerca de duas décadas que o ME tem vindo neste âmbito, têm despertado enorme entusiasmo por
a tentar “convencer” os professores a aderirem a mais parte de todos, e grande parte dos participantes pas-
esta ferramenta que pode ajudar a mudar a face do saram já a incluir o Moodle nas suas actividades com
ensino/aprendizagem. Foi o Projecto Minerva, foi o alunos. É uma outra forma de ensinar e aprender.
Projecto IVA, foi o Projecto “Internet na Escola”, foram O Professor não pode perder mais esta opor-
muitos milhares de horas de formação por este país tunidade em favor duma qualidade de ensino que todos
fora. Em 2006 chegou a Missão CRIE (Computadores, desejamos. Não podemos continuar a dar aulas como
Redes e Internet nas Escolas). nos deram a nós…
A CRIE partiu do princípio de que, nesta altura, (*) Professora na EB 2,3 Poeta Manuel da Silva Gaio
todos os professores já tinham adquirido as competên- Formadora em TIC 17
Do novo modelo de Formação de Professores em TIC
- algumas reflexões

 Isabel M. Pedrosa (*)


professor, prevendo a utilização das actividades de
Resumo formação na escola; prever a criação de produtos e
O balanço de um ano de trabalho de acordo publicação on-line resultantes do trabalho concreto
com o novo modelo de formação de professores em TIC dos alunos com TIC (portfolios); incluir momentos de
impõe-se: novas abordagens, novos conteúdos, novos auto-formação e proporcionar formação inter-pares
paradigmas, novos desafios e, espera-se, outros resulta- (peer-coaching); realizar-se em modalidades activas
dos. Que “arestas limar” para que os resultados vão ao de formação (oficina, projecto, círculo de estudos)
encontro dos pressupostos definidos? Como podem as acreditadas pelo Conselho Científico e Pedagógico
escolas, os professores, os alunos, os centros de forma- da Formação Contínua de Professores; enquadrar-se
ção e os formadores unir-se para que a aprendizagem em no projecto educativo das escolas a que os profes-
regime de b-learning possa ser uma realidade sustentável sores/formandos pertencerem, nomeadamente na sua
a curto prazo? Apresentam-se algumas reflexões em torno componente TIC; apoiar iniciativas nacionais, na
destas questões decorrentes da experiência, quer no novo área das TIC, nomeadamente, Concursos de Projec-
contexto quer no anterior, em papéis de formadora e tos, assim como os Planos TIC das escolas e agrupa-
consultora especialista de formação. mentos; prever a avaliação do processo e do impacto
da formação”.
Introdução As TIC passam, assim, a estar profundamente
O CRIE, Grupo de Missão Computadores, enraizadas no funcionamento da escola, intimamente
Redes e Internet na Escola definiu, no final de 2005, ligadas com os seus projectos e estrategicamente
o novo modelo de formação em TIC, Tecnologias da vocacionadas para funcionarem como elo de ligação
Informação e Comunicação. Este modelo pretende de toda a comunidade.
representar, quer uma profunda reestruturação ao A formação dos professores em TIC passa a
nível das acções nesta área, quer uma mudança de ocorrer na modalidade Oficina e em regime de blen-
paradigma de aprendizagem: antes, a formação cen- ded-learning (mistura entre sessões de formação pre-
trava-se nas aplicações a abordar; agora, na forma sencial e à distância) o que dita um envolvimento
como podem as tecnologias ser colocadas ao serviço muito maior de todos os actores: ao prever momentos
dos alunos e dos projectos das escolas. de auto-formação para além das sessões presenciais,
A formação de professores em regime de e- exige que os formandos se entreguem aos projectos
-learning não é novidade: o projecto Prof2000 já vinha de uma forma mais intensa e que se revejam neles;
oferecendo formação nesse regime, desde 1997. Após ao ser dinamizada de acordo com um espaçamento
10 anos deste projecto e outros de formação de pro- temporal de alguns meses, obriga a que o impacto
fessores em TIC segundo o modelo anterior, verifica- possa ir sendo avaliado; ao estar associada ao projec-
-se que muito há ainda a fazer para que as tecnologias to da escola e ao ter um carácter centrado no aluno,
entrem a 100% nas escolas por via dos professores: se conduz a que o trabalho desenvolvido seja colocado
o confronto com o novo modelo provocou “arrepios” em prática com os alunos/comunidade durante o
a alguns, a certeza de que agora é mesmo necessário momento da formação ou que fique preparado para
dominar as tecnologias parece ser uma mensagem que tal possa acontecer num futuro muito próximo.
que passou definitivamente. Do choque inicial - “O
formação em TIC/Moodle

que é o Moodle?” - até ao processo de assimilação A utilização de uma nova plataforma LMS:
não passou sequer um ano. o Moodle
O balanço deste ano de 2006 far-se-á, neces-
sariamente, a dois tempos: uma primeira etapa até A plataforma Moodle, especialmente des-
Julho e um segundo momento a partir de Setembro. tinada a aprendizagem à distância disponível em
regime de open source, congrega toda uma comunidade
Novo Modelo de formação em TIC de utilizadores (Comunidade Moodle Portuguesa
- Quadro de Referência - http://web.educom.pt/moodlept/, Comunidade
De acordo com o Quadro de Referência1 Internacional - www.moodle.org) cujo arranque ocor-
para a formação contínua de professores na área das reu através de um projecto australiano, em 1999. O
TIC, a formação em TIC deve ter, “como primeiro crescimento exponencial, quer em registos de uti-
objectivo a utilização das TIC pelos alunos nas esco- lizadores pessoais e de disciplinas, quer em número
las; integrar modalidades mistas (blended), com uma de servidores Moodle, é quase suficiente para de-
componente presencial e outra à distância e com o monstrar o sucesso. A versão 1.7 foi lançada em
apoio de plataformas de aprendizagem online (LMS); Novembro de 2006.
estar contextualizada com o trabalho quotidiano do

18 1) Quadro de Referência da Formação de Professores em TIC, http://www.crie.min-edu.pt/files/@crie/1165843420_form2007_quadro_referencia.pdf, Set. 2006


Figura 1: Exemplo de disciplina no Moodle - apoio à acção de
formação B da turma 6 - Centro de Formação Ágora

A nível mundial existem2 (dados de Dez. A visibilidade dos conteúdos alojados nos
2006): servidores Moodle varia de uma comunidade redu-
zida de utilizadores (os conhecedores da chave de
Sites registados: 19.913 inscrição numa disciplina), até uma visibilidade glo-
N.º de países: 169
bal - no caso das disciplinas que admitem visitantes.
Cursos: 796.640
Utilizadores: 8.106.713 Todavia, para os professores, mudar da visibilidade da
Professores: 1.353.284 turma para a visibilidade da escola, em primeiro lugar,
Posts em Fóruns: 8.985.217 e, hipotética e posteriormente, para uma abrangência
Recursos: 5.095.071 mais global, causa ainda algum desconforto. Questões
como: “quem pode apropriar-se do meu trabalho,
Em Portugal existem 581 servidores Moodle dos meus dados e dos dos meus alunos?” é uma das
registados fazendo com que seja um dos países da perguntas que mais se ouve. Outras questões estão
Europa onde este valor é mais elevado, apenas ultra- mais vocacionadas para a especificidade do nível de
passado pela Alemanha (834), Espanha (1460) e ensino: “como podem os alunos/educadores do pré-
Reino Unido (1549). Austrália (611), Brasil (874) escolar e professores do 1.º ciclo tirar partido de uma
e Estados Unidos da América (3913) são valores plataforma deste tipo e com estas características?”
a considerar por estarem associados a importantes
comunidades de aprendizagem. Actores - formadores

O Moodle - um novo paradigma de visibilidade Neste novo modelo de formação, os for-


madores em TIC estiveram, pela primeira vez, em

Do novo modelo de Formação de Professores em TIC


O Moodle permite a definição de perfis de mais de uma década, num contexto de formação
utilizadores (professores/alunos), partilha de ficheiros, inter-pares: a obrigatoriedade de frequentarem uma
acesso a fóruns e chats, submissão de trabalhos e afixa- Oficina de Formação de Formadores, onde se com-
ção de resultados sob a forma de notas ou de comen- prometeriam a assegurar formação em TIC de acordo
tários, análise do percurso dos participantes, resposta com o modelo e pressupostos definidos pelo CRIE,
a inquéritos e dinamização de referendos, criação criou interessantes oportunidades de intercâmbio
de glossários e de Wikis. Contudo, se pretendermos de experiências e de partilha de dúvidas sobre a
explorar as vertentes mais associadas a formação à continuidade da formação neste cenário. O papel
distância, poderemos optar por complementar as do formador será diferente a partir deste momento:
disciplinas com lições, diários e mini-testes. É ainda passa, não apenas pelo acompanhamento presencial,
possível gerir um calendário de eventos da disciplina mas também por um papel de e-formador, o que é
ou do utilizador, ter acesso a um sistema de troca de novo para a maioria. Os pioneiros - os formandos-
mensagens e, saber quem são os utilizadores que se formadores que iniciaram a Oficina em Março - ini-
encontram online. Uma vantagem significativa das ciaram o seu percurso de formandos sem conhecerem
plataformas deste tipo é o envio automático de todos a fundo a nova realidade. Algumas turmas do novo
os posts dos fóruns como mensagens de correio elec- plano de formação foram iniciadas sem se conhecer
trónico, o que permite que os participantes estejam claramente a estratégia para a disponibilização de
a par dos acontecimentos da disciplina, mesmo pas- conteúdos: existiria uma área de disciplina para o
sando algum tempo sem a consultar. formador no servidor SoftCiências (no caso das tur-
19
2) Moodle Stats, http://moodle.org/stats/ , Janeiro de 2007
mas abrangidas por este Centro de Competência), muito próprias e para os quais a plataforma não serve
mas não necessariamente para as disciplinas dos for- para mais do que repositório de conteúdos.
mandos. Todavia, os Centros de Competências rapi- Todavia, pese embora as dificuldades eviden-
damente começaram a dar resposta às solicitações, ciadas, nota-se uma clara evolução das primeiras
criando disciplinas, disponibilizando áreas Moodle turmas, se comparadas com as que se iniciaram a
para as escolas, criando áreas específicas para apoio a partir de Setembro: nestas últimas, os formandos
formadores e, posteriormente, porque muitas escolas já conheciam a designação Moodle, mesmo sem ter
o requereram, dando também suporte à instalação de desenvolvido qualquer projecto na área; tinham con-
servidores Moodle. hecimento e curiosidade despertada por colegas já
a realizar trabalho interessante com os alunos neste
Actores - formandos domínio; a escola tinha projectos que se baseavam
No cenário descrito, e dados os pressupostos também no Moodle e que deviam ser assegurados
do quadro de referência anteriormente mencionado, (a iniciativa “Portáteis na Escola” é de referência
a reformulação do modelo de formação em TIC obrigatória pela dinâmica que gerou nas escolas).
ganha importância acrescida: é preciso garantir que Antes de um primeiro balanço, é importante
os professores estão aptos a trabalhar com platafor- que se dê tempo para desencadear acções de melhoria
mas de ensino à distância/trabalho colaborativo, para contínua, destinadas a melhorar os processos de apre-
além de fazerem o que neste momento já se consi- ndizagem e a adequação dos projectos a esta nova
dera elementar: gerir, de forma eficaz, a conta de dinâmica. Porém, crescem a cada dia as iniciativas em
correio electrónico, pesquisar informação na Internet, torno do Moodle e, numa era em que é colocado o
utilizar aplicativos Microsoft Office (ou OpenOffice) acento tónico na aprendizagem ao longo da vida e em
adequados a determinada tarefa. que os professores se encontram cada vez mais ocu-
A ênfase é colocada nos processos conducen- pados nas escolas, é fundamental que se tire partido
tes a uma aprendizagem mais eficaz, por parte dos das ferramentas que nos podem simplificar tarefas.
alunos usando as TIC, e muito menos centrados no
domínio das aplicações por parte dos professores. Conclusões
Não obstante, os obstáculos para o cum- Há aspectos muito positivos no novo mod-
primento dos pressupostos no modelo do CRIE elo desenvolvido pelo CRIE: a visibilidade dada aos
foram muitos: conteúdos desenvolvidos nas disciplinas Moodle; o
- falta de informação dos formandos relativa- encadeamento do Moodle com os projectos das esco-
mente às alterações na formação em TIC; las; a possibilidade de desenvolvimento em torno
- dificuldades temporais de acompanhamento dele de comunidades de aprendizagem e de partilha
das acções por um período muito longo (uma parte de recursos; o objectivo primeiro de estar vocacionada
significativa das turmas foi coincidente com épocas para os alunos. Porém, há que equipar devidamente as
de trabalho mais intenso nas escolas); escolas - esta não é ainda uma batalha ganha -, criar a
- falta de meios nas escolas e em casa que per- figura do Gestor Moodle na escola e prever essa tarefa
formação em TIC/Moodle

mitam acompanhamento do trabalho na plataforma, como algo integrável no horário do professor, antecipar
para além das sessões presenciais; respostas para os professores que se sintam info-excluí-
- fraco domínio dos requisitos mínimos de uti- dos (as escolas poderão ter iniciativas interessantes a
lização das TIC (há ainda um conjunto de professo- este nível) e definir como se avalia, efectivamente, o
res que não se iniciou no domínio das TIC e que não impacto da formação em TIC. Ainda assim, resta a
se revêem neste novo modelo que não prevê qualquer dúvida: são sustentáveis estas comunidades Moodle
resposta para este público); ou, como equipas que são, necessitam de motivação
- dificuldades de adequação da plataforma aos permanente sob pena de se perder o efeito positivo por
projectos das escolas: no ensino pré-escolar existem agora gerado? 2007 poderá trazer já algumas respostas.
muito poucos jardins de infância equipados com Aguardaremos.
computador e a maioria não se encontram ligados à
Internet. No 1.º CEB existem poucos equipamentos
(*) Docente da sub-área de Informática no Instituto Superior
e nas escolas do 2.º e 3.º CEB, situadas fora do perí-
de Contabilidade e Administração de Coimbra
metro urbano, a maioria dos alunos não tem com-
Formadora e especialista em Tecnologias Educativas
putador ou não tem ligação à Internet;
no Centro de Formação Ágora
- dificuldades na plataforma às disciplinas:
20
existem alguns grupos disciplinares com exigências
Desafios no ensino da Matemática

 Ana Rodrigues(*)

Como pode a Matemática ajudar os alunos


a enfrentar os desafios do futuro? Será que permite
o desenvolvimento de capacidades para continuar
a aprender ao longo da vida? Estas, entre muitas
outras, são questões que certamente muitos pais e

© José Maria Pimentel


responsáveis pelo ensino colocam continuamente.
É um facto que a matemática está directa-
mente relacionada com o conhecimento do mundo,
que é uma forma de pensar sobre este, de organizar
a experiência, de raciocinar, de resolver problemas e
comunicar. O Programa para a Avaliação Internacional
de Alunos - PISA (Programe for International Student ou uma tabela; tarefas de cunho exploratório, onde
Assesment), da OCDE, define literacia matemática se podem utilizar dados da vida real (por ventura
como a capacidade de um indivíduo identificar e recolhidos pelos alunos) e que, para que possam ser
compreender o papel que a matemática desempenha resolvidas, torna-se necessária a análise de dados, a
no mundo real, elaborar opiniões bem fundamen- tomada de decisões e a utilização de várias estraté-
tadas, e usar e envolver-se com a matemática, de gias, que criam a necessidade de colocar hipóteses,
maneira a satisfazer as necessidades da sua vida, testar conjecturas, argumentar com lógica, enfim,
enquanto cidadão construtivo, preocupado e reflexivo raciocinar e comunicar matematicamente.
(OCDE, 2003). Parece consensual a ideia de que as dificul-
Neste sentido, encontrar ferramentas que dades sentidas pela maioria dos alunos na resolução
fomentem no aluno um grande envolvimento com de problemas derivam da dificuldade que têm em
a matemática, de modo a ser capaz de mobilizar os mobilizar e aplicar os seus conhecimentos e capacid-

formação em matemática no ensino básico


seus saberes e destrezas matemáticas para resolver ades na resolução de novas situações. Mas há vários
problemas não só na sala de aula, mas também em factores que interferem nesta tarefa. Os aspectos
situações da vida real, constitui um enorme desafio afectivos apesar de, porventura, menos considerados
para pais e professores. No entanto, resolver prob- merecem especial atenção pela sua importância. As
lemas não é tarefa fácil! Nem na vida, nem na aula de experiências anteriores do aluno, que condicionam
matemática e, fora da escola, onde não há ninguém a sua auto-estima, o conhecimento das próprias
que possa confirmar que o problema “é de vezes” ou capacidades, as concepções enraizadas sobre resolver
“é de mais”, ou em que se exige uma equação e os problemas, como por exemplo, “os problemas têm
conhecimentos matemáticos, apesar de úteis, não se sempre uma solução e é única”, ou, “os problemas
apresentam, na maioria das vezes, familiares. têm de ser rapidamente resolvidos”, ou ainda, “existe
Conhecer modelos de resolução e estratégias um só caminho para chegar à solução do problema”,
de resolução de problemas poderá constituir uma têm uma enorme influência na capacidade de resolver
ajuda válida na organização do pensamento indivi- problemas.
dual e, consequentemente, na capacidade de procura Não menos importante é o interesse que o
de caminhos possíveis de resolução e exploração das aluno manifesta pelas tarefas que lhe são propostas.
situações propostas. Mas este conhecimento só se Neste ponto os cenários onde estas estão inseridas,
efectiva se, além dos conhecidos problemas de apli- o tipo de problema, e o modelo de ensino segundo
cação de conhecimentos, os alunos tiverem opor- o qual os alunos aprendem, têm também grande
tunidade de trabalhar com tarefas diversificadas. influência.
Problemas que não se resolvem pela aplicação directa Ausubel, (1978), citado por Moreira e
de um algoritmo e que exigem a utilização de dife- Buchweitz (1993) refere que aquilo que o aluno já
rentes estratégias, como descobrir um padrão, fazer sabe, i.e., o seu conhecimento prévio, parece ser o fac-
tentativas, trabalhar do fim para o princípio, usar tor isolado que mais influencia a aprendizagem subse-
dedução lógica, reduzir a um problema mais simples, quente. Piaget e Vygotsky referem a importância das
fazer uma simulação, um desenho, um diagrama, grá- interacções no processo de desenvolvimento pessoal
fico ou esquema, ou ainda fazer uma lista organizada, de um indivíduo. Quando se aprende sozinho, ou se 21
© José Maria Pimentel

trabalha isoladamente, estamos apenas a funcionar presente ano lectivo.


com os conceitos e significados por nós construídos… Foi proposto aos formandos que formulassem
ou seja, acabamos por não conhecer a panóplia de um problema que tinha obrigatoriamente de conter a
interpretações e de conexões realizadas por outros. pergunta - Quantos sapatos deverá colocar em cada
São vários os estudos científicos que referem a caixa para arrumar os sapatos todos?
importância da interacção entre alunos nas apren- Problema: Com a aproximação do Natal, a mãe
dizagens escolares. São também vários os modelos de do Francisco pediu-lhe para ele arrumar a sapateira lá de
ensino que têm por base a interacção entre alunos. casa. Ele pediu ajuda ao Pai Natal e ambos contaram 20
Atendendo à heterogeneidade dos aprendentes sa-patos, 6 pantufas e 8 sapatilhas.
de hoje, parece imperioso diversificar o modo como Decidiram arrumar tudo em caixas. Sabendo que
se ensina, e desenvolver estratégias de ensino que tinham 8 caixas e só poderiam arrumar os sapatos com o
permitam ao aluno desenvolver a sua capacidade de seu respectivo par, quantos sapatos deverão colocar em cada
comunicar matematicamente, de planear, de se auto- caixa para arrumar os sapatos todos?
avaliar, de raciocinar, enfim, de desenvolver as suas Trata-se de um problema com excesso de
capacidades de pensamento de ordem superior. As dados, que admite mais do que uma solução e que
opções são muitas. As diferentes famílias de modelos possibilita a utilização de várias estratégias para a
Desafios no ensino da Matemática

de ensino (Processamento de Informação, Interacção sua resolução.


Social, Pessoais) oferecem uma vasta gama de opções Este problema vai ao encontro das propostas
que, convenientemente adoptadas, certamente con- que pensamos serem uma mais valia na formação
tribuirão para promover práticas compreensivas uti- matemática dos nossos alunos.
lizáveis com segurança e autonomia. Sobretudo,
pretende-se que contribuam para responsabilizar os Bibliografia
alunos, cada vez mais, pelas suas próprias aprendiza-
gens, para que possam aprender a aprender e, por Moreira, M.; Buchweitz, B. (s.d.). Novas estratégias de ensino e
consequência, a aprender pela vida fora. aprendizagem. Lisboa. Plátano Edições Técnicas.
Joyce, B.; Weil, M. (1985) Modelos de Enseñanza. Madrid.
Serão estes alguns dos aspectos que podem Ediciones Anaya, S.A.
ajudar os “frequentadores da Escola” a aumentar a Rabelo, E.H.(2002). Textos Matemáticos, Editora Vozes,
capacidade de resposta aos desafios que a vida lhes Petrópolis.
OCDE 2004. (2005) O rendimento dos alunos em matemática.
traz? Lisboa: Santillana - Constância.
Terminamos esta reflexão com um problema
formulado por um grupo de três formandas, numa
sessão presencial da oficina de formação “Vamos (*) Formadora nas Acções “É com Letras que se faz Matemática”
22 resolver problemas?”, dinamizada no CF Ágora, no e “Vamos resolver problemas” (CF Ágora/2006)
O outro lado da personagem:
a (re)criação de Blimunda*

 Ana Paula Arnaut (*)

Eva não foi mais que Eva, disse Blimunda, Eva


continua a não ser mais que Eva, estou que a mulher é
uma só no mundo, só múltipla de aparência.

Memorial do Convento, p. 145

Entremos no domínio da ficção e acreditemos


que, de facto, como escreve Pilar del Rio, “houve um

© José Maria Pimentel


dia em que Blimunda quis conhecer o seu autor”
(1999: 12). Depois de o ver por dentro e por fora
quis saber mais dele, e também de si, perguntando-
-lhe por que a tinha escrito; por que a tinha feito
sábia; por que havia dito que o mundo se sustém na ad exemplum, que “As mulheres, como sabemos, são
sua órbita graças à conversa das mulheres; por que de ferro” (Saramago, 1986: 234); que “Deus, quando
era irmã de Lídia, de Maria Guavaira, de Maria de quer, não precisa de homens, embora não possa
Magdala e de tantas outras; por que havia escrito dispensar-se de mulheres” (Saramago, 1982: 17);
“homens honestos e sonhos de justiça”; por que os que “As vontades das mulheres resistem a separar-se
havia escolhido, a eles, “os pobres, como matéria do corpo” (ibidem: 143) ou que, “Além da conversa
das” suas histórias, dando-lhes “esta outra vida no das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo”
interior das pessoas” (ibidem: 13). A tudo isto terá (ibidem: 115).
Saramago respondido M., não por acaso inicial de Mulher ou de
com a paciência de um pai a falar ao filho pequeno, Maria (enquanto nome prototípico), ensaia, ainda,
[e] foi explicando enquanto a si mesmo se explicava: Escrevi-
o caminho a percorrer por esse leque de persona-
-te porque te levava dentro, sabia que o homem é capaz de
voar se estiverem juntos homem e mulher, se estão juntos gens que, de Manual ao mais recente Ensaio sobre a
os homens e as mulheres, com a sua soberana vontade de Lucidez, serão as grandes responsáveis (cada uma à
levantar-se do chão se levantam, soube que eras capaz de ver sua maneira) quer pelo desenvolvimento afectivo,
porque as mulheres sempre o fizeram, escrevi que susteis o intelectual e ideológico do protagonista masculino
mundo porque aprendi com a minha avó Josefa o que é suster
quer pela afirmação de valores que os tempos coe-
uma casa e torná-la habitável, não escrevi sobre os podero-
sos porque me bastou contar que ao teu homem o deixaram tâneos parecem ter esquecido ou, simplesmente,
manco numa guerra que eles declararam, um homem pode substituído. A saber: a solidariedade, a humanidade,
resumir todos os homens (…)” (ibidem: 13). a justiça ou a família. Ressalve-se, a propósito, que,
nos universos de saramaguiana lavra, o conceito de
E, da mesma forma, como se deixa claro na família não implica, apenas e necessariamente, os
epígrafe acima transcrita, uma mulher pode resumir canónicos laços de sangue. A família pode também
todas as mulheres. E esta - Maria, Joana, Sara, ser, sim, resultado de afinidades de diverso jaez. Por
Marta ou Blimunda -, encontra o seu enraizamento exemplo: as indignidades que os trabalhadores de
ficcional, segundo cremos, no romance (Ensaio de Levantado do Chão são obrigados a sofrer; os tormen-
romance na 1ª edição) Manual de Pintura e Caligrafia tos passados na construção do Convento de Mafra
(1977). ou o desejo de elevar nos céus o sonho quimérico de
Com efeito, como já referimos em outra Bartolomeu Lourenço de Gusmão.
Formação

ocasião (Arnaut, 2002: 174-175), a par de tantos Retornemos, porém, a Blimunda, pois dela
outros fios temáticos que desta migrarão para outras nos propusemos traçar o retrato. Contrariando o
obras saramaguianas, a figura feminina que aqui comentário expresso pelo narrador de História do
surge - M., também ela prolongamento de Eva, Cerco de Lisboa, quando afirma que “Um nome é
sem dúvida -, parece reunir, in germine, os aspectos nada” (Saramago, 1989: 286), a verdade é que, neste
viscerais, intrínsecos, que caracterizarão o universo caso concreto, se o nome não é tudo, é quase tudo. E
feminino do autor. Esses que o levarão a comentar, não nos referimos apenas ao facto de o nome próprio
23
* Este artigo foi inicialmente publicado em Figuras da Ficção, Carlos Reis (org.). CLP (FLUC) - Coimbra, 2006, pp. 39-53.
funcionar, em termos gerais (em conjunto com a ca- rando com Blimunda” (1982: 65). E deste modo, à
racterização e o discurso), como um dos importantes medida que nos perdemos, ou que nos encontramos,
“processos de manifestação que permitem locali- nos meandros do trânsito narrativo, vamos progres-
zar e identificar a personagem” (Reis, 1996: 316) sivamente conhecendo os excepcionais e complexos
enquanto categoria fundamental de uma narrativa. poderes da rapariga tornada mulher ao longo dos
Reportamo-nos, também, à importância de que se vinte e oito anos em que decorre a acção de Memorial
revestem (ou podem revestir-se) a arquitectura grá- do Convento1.
fica e fónica na configuração de uma “semântica da Curiosamente, apesar de sermos alertados
personagem” (ibidem: 316). com frequência para o fluir do tempo, a verdade é
Interrogando-se sobre o porquê da escolha que esta personagem parece não ser submetida a um
deste nome, José Saramago dá-nos conta de que processo sistemático de envelhecimento. Quase até
seria uma primeira razão a de ter procurado um ao fim do romance é-nos possível visualizar a mesma
nome estranho e raro para dá-lo a uma personagem que rapariga de “estranho ar, com aquele cabelo ruço,
é, em si mesma, estranha e rara. De facto, essa mulher a
injusta palavra, que a cor dele é a do mel” (ou, mais
quem chamei Blimunda, a par dos poderes mágicos que
transporta consigo e que por si só a separam do seu mundo, propriamente, “cor de mel sombrio”, p. 89). Quase
está constituída, enquanto pessoa configurada por uma per- sempre os mesmos “olhos excessivos” (p. 178), por
sonagem, de maneira tal que a tornaria inviável, não apenas diversos modos apontados - seja porque são capazes
no distante século XVIII em que a pus a viver, mas também de aliar o olhar ao ver, seja porque indefinidos na
no nosso próprio tempo. Ao ilogismo da personagem teria de
sua própria cor -: “olhos claros, verdes, cinzentos,
corresponder, necessariamente, o próprio ilogismo do nome
que lhe ia ser dado. Blimunda não tinha outro recurso que azuis quando lhes dava de frente a luz, e de repente
chamar-se Blimunda. escuríssimos, castanhos de terra, água parda, negros
Ou talvez não seja apenas assim. (…) posso observar se a sombra os cobria ou apenas aflorava” (p. 103).
como abundam os nomes de pessoas extraordinárias e extra- Quase sempre a mesma Blimunda em cujo regaço
-vagantes (…), e contudo não foi a nenhum deles que escolhi: Baltasar pousa a cabeça para que ela lhe possa catar
rareza e estranheza não seriam, afinal, condições suficientes
piolhos (p. 89); quase sempre aquela que, de forma
(1990b: 29).
jovial e quase infantil, se enfeita com brincos de
cerejas nas orelhas para se mostrar a Baltasar (p.
A derradeira condição, ou razão da escolha,
168). Quase sempre a mesma visionária capaz de
“acaso a mais secreta de todas, chama-se Música.
recolher as 2000 vontades de homens que farão voar
Terá sido, imagino”, continua o autor,
aquele som desgarrador de violoncelo que habita a máquina de Bartolomeu Lourenço.
o nome de Blimunda, profundo e longo, como se na própria Quase sempre…
alma humana se produzisse e manifestasse, que me levou, De facto, permitindo ilustrar e justificar a
sem nenhuma resistência (…), a recolhê-lo num simples livro metade que cada um é do outro (ideia facultada
(ibidem).
O outro lado da personagem: a (re)criação de Blimunda

pelo carácter circular das alcunhas que preenchem e


completam os seus nomes próprios, Sete-Sóis e Sete-
O nome gerúndio e excêntrico de Blimunda
-Luas), Blimunda só se nos mostra irremediavelmente
consubstancia, congrega e presentifica, por con-
envelhecida e humanamente enfraquecida no decur-
seguinte, a própria ex-centricidade da personagem
so dos nove anos em que procura Baltasar (p. 353).
(no duplo sentido de fora do comum e de fora, dis-
Assim se transformam o rosto e os olhos, tornando-se
tante, do centro). Uma ex-centricidade intemporal e
o primeiro “impenetrável” e os segundos “parados,
a-temporal que se traduz não apenas na caracteriza-
cujas pálpebras raramente batiam, e que a certas
ção física e psicológica a que é sujeita, mas também
horas e certa luz pareciam lagos onde flutuavam
nos actos que protagoniza. Não por acaso, aliás, é o
sombras de nuvens, as sombras que dentro passavam,
leitor advertido, quase no início do romance, para
não as comuns do ar” (p. 354). Sombras sem dúvida
o facto de que “voar é uma coisa simples compa-

1) Para além de muitas outras indicações temporais fornecidas ao longo do romance, sabemos que Blimunda conhece Baltasar aos dezanove anos (p. 57)
e Domenico Scarlatti aos vinte e oito (p. 170). Na página final, após o desaparecimento de Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, encontramo-la a percorrer um
iti-nerário de há vinte e oito anos atrás (referência ao primeiro encontro com Baltasar) (p. 357).
2) São dois os outros momentos em que Blimunda sucumbe ao choro. Em qualquer um deles, porém, as motivações são de jaez bem diferente, isto é,
menos susceptíveis de apontarem para um desânimo irremediável, ou quase irremediável. Referimo-nos ao momento em que, depois de ter visto a sua
mãe na procissão dos condenados os seus olhos choram “como duas fontes de água” (p. 55) e a esse outro em que sucumbe fisicamente, purgando
eventualmente os horrores que havia visto no interior das pessoas a quem havia recolhido as vontades (p. 185).
3) Para além de estar presente no nome dos protagonistas, o número sete aparece como indicador do número de vezes em que, após o desaparecimento
24 de Baltasar, Blimunda passa por Lisboa, repetindo um itinerário de há vinte e oito anos (sete x quatro) (pp. 356-357). Cf. Arnaut, 1996: 80-82.
provocadas pela ausência física do companheiro. Pelo contrário, introduzindo na História “pequenos
Referimo-nos a ausência física porque nos parece ser cartuchos” que fazem “explodir o que até então pare-
possível aceitar a ideia de que Baltasar está, apesar de cia indiscutível” (Saramago, 1990a: 19), Saramago
tudo, sempre virtualmente presente. (re)constrói um notável mundo feérico. Neste, a
Lembremos, a propósito, por um lado, que, máquina de voar do pioneiro da aviação ultrapassa
depois de sublimar em lágrimas a incapacidade de a fantasia mais prodigiosa, não se limitando a ser,
resolver o desamparo em que vive (p. 343)1 (talvez como afirmam os dados da época, um mero balão
porque, como sugere o narrador, as lágrimas não que, em 8 de Agosto de 1709, se eleva no Castelo
sejam mais do que o alívio de uma ofensa, p. 185), de S. Jorge para aterrar no Terreiro do Paço6. Para
Blimunda se defende da violação matando o frade que esta outra máquina-gémea de ave se levante no
com o espigão do companheiro (p. 345). Por outro ar, de acordo com os planos e com as palavras de
lado, em derradeira instância, Baltasar permanece Bartolomeu Lourenço,
entre nós. Morre o corpo, mas a sua vontade é reco- é preciso que o sol atraia o âmbar que há-de estar
lhida por Blimunda. Facto que, aliado ao significado preso nos arames do tecto, o qual, por sua vez, atrairá o
éter que teremos introduzido dentro das esferas, o qual,
cabalístico dos números sete e vinte e oito3, enquan-
por sua vez, atrairá os ímanes que estarão por baixo, os
to indicadores simbólicos de uma ideia de mudança, quais, por sua vez, atrairão as lamelas de ferro de que se
de renovação constante após o final de um ciclo, compõe o cavername da barca (p. 92)7.
derrogam eventuais leituras apocalípticas do final
do romance. Desta forma, ao recolher a vontade de É preciso, também, colocar todas as coisas na
Baltasar, o fabricante de asas (p. 178), Blimunda per- ordem justa (p. 119) e, principalmente, contar com
petua a semântica de uma vida pautada pelo desejo os agudos olhos de Blimunda. Estes, antes de viaja-
de mudança, pela ousadia, pela rebeldia perante as rem pelo interior das pessoas (recolhendo as vontades
normas e as crenças instituídas; até que, noutros necessárias), servirão para inspeccionar os materiais,
espaços e noutros tempos, um outro narrador - se não para “descobrir a fraqueza escondida do entrançado”
o mesmo - a fará reaparecer, ressuscitada por sonhos ou “a bolha de ar no interior do ferro” (p. 90) deste
de outras vidas também esquecidas por aqueles que Pássaro construído ao som da mágica música do
só dos grandes mantêm viva a memória4. cravo de Domenico Scarlatti (Escarlate para o casal
Decorre do exposto, como afirma José Sete-Sóis)8.
Saramago, que “Blimunda não tinha outro recurso Não parece difícil aceitar, pois, o enraizamento
que chamar-se Blimunda” (cf. supra). Além disso, não inteiramente ficcional desta personagem. Assim não
tinha também o autor outro recurso senão colocá- é, porém. Como já registámos em outro momento9,
-la a interagir com outras personagens que, embora é possível encontrar diversos registos/depoimentos
não sendo detentoras dos mesmos extraordinários e que corroboram a existência, também no reinado
sobre-humanos poderes, apresentam características e do Magnânimo D. João V, de uma mulher muito
evidenciam capacidades que, em todo o caso, as afas- semelhante a Blimunda. Os mesmos olhos de lince
tam do comum dos mortais, desse modo dando azo à e os mesmos, ou quase os mesmos, extraordinários
criação de laços de verosimilhança interna. poderes sublinham, por consequência, a ideia de que
Assim, ao relatar os pormenores da empresa a personagem de Saramago encontra as suas raízes no
que a trindade terrestre5 leva a cabo, o narrador/ limite de uma realidade contada por forasteiros que
autor não se limita a reproduzir os dados histori- viveram em Portugal entre 1720 e 1730. O próprio
camente oficiais sobre a construção da Passarola. autor se encarrega, pontualmente, muito pontual-

4) Vide, a propósito, Arnaut, 1996: 80-82.


5) “O padre veio para eles e abraçou-se também, subitamente perturbado por uma analogia, assim dissera o italiano, Deus ele próprio, Baltasar seu filho, Blimunda
Formação

o Espírito Santo” (p. 197).


6) De acordo com o que se pode ler na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Em Abril de 1709 pediu a D. João V o privilégio exclusivo, com proibição total
de outros se utilizarem, para um seu invento aerostático. Levantou-se logo uma onda de protesto contra o jovem inventor, o que não obstou que as experiências do
seu novo invento fossem realizadas no dia 8-VIII-1709. Haviam sido marcadas para o dia 24 de Junho anterior, mas tiveram de ser adiadas por motivo de doença
do rei. Assistiram, além dos soberanos, os infantes, o núncio cardeal Conti, o Marquês de Fontes e Abrantes e numerosa fidalguia”. As experiências tiveram lugar na
sala das embaixadas da Casa da Índia, no Castelo de S. Jorge, tendo aterrado no Terreiro do Paço o seu balão. Os documentos não assinalam novas experiências
que, por certo, Gusmão teria realizado (…)”. Cf. Memorial do Convento, p. 191.
7) Cf, também, pp. 67-68, 119, 123 (sobre o segredo do éter), 143-144 (sobre as vontades necessárias para fazer voar a máquina), 195 ss (para o voo da
Passarola).
8) Sobre a dupla identificação de personagens como o Padre Bartolomeu e o Músico Domenico, vide Arnaut, 1996: 53-58.
9) Vide ibidem: 63-70. 25
mente, devemos aduzir, de dar conta dessa linha de e muitas vezes fica indisposta por ver o corpo de pessoas
inspiração. Reportamo-nos a uma entrevista datada atacadas de doenças venéreas. Ela vê a formação do quilo,
sua distribuição e distingue a circulação do sangue. Nunca se
de 28 de Janeiro de 1983 onde ficamos a saber que,
engana, em mulheres grávidas de mais de sete meses, no sexo
“foi num livro de um autor francês sobre a cidade de do fruto que trazem no ventre. A sua vista penetra a terra no
Lisboa do século XVII que leu a descrição de uma lugar onde há nascentes que ela descobre a uma profundidade
mulher que tinha o estranho poder de ver o interior de trinta ou quarenta braças, sem recurso de vara; diz com
dos corpos” (Vale, 1983: 12). precisão o curso da água, a profundidade a que se encontra
Corrigimos o que consideramos um lapsus a nascente e distingue as cores e variedade das camadas de
terra que existem sob a superfície.
calami, a referência ao século XVII e não ao século
Este dom maravilhoso só o usufrui quando está em
XVIII, e acrescentamos que, em relação a essa mulher, jejum; contudo, já lhe aconteceu, depois da sesta, ter momen-
tem Blimunda de diferente o nome e a vida. Tal como tos de visão mais penetrante do que de manhã e então ter
acontece com as outras figuras históricas que povoam visto nos corpos através dos trajos o que ordinariamente
o romance, mantiveram-se os contornos facultados não descobria através da pele. Estes momentos felizes são,
porém, muito raros.
pelas fontes (oficiais e oficiosas) mas delineou-se um
Nas mudanças de quarto de lua, a sua visão é per-
diferente desenho da personagem. Este, útil à criação turbada por uma quantidade de pequenas partículas que
de um herói outro numa h(H)istória outra, dá bem lhe parecem amarelas e lhe causam uma tal turvação que
conta das intenções com que José Saramago aproveita, é obrigada a tapar os olhos. A seguir perde, durante algum
manipula e corrige a História. Uma correcção feita, tempo, a sua singular faculdade (apud Chaves, 1983: 47-48).
como afirma, não “no sentido de corrigir os factos da
História, pois essa nunca poderia ser tarefa de roman- Apesar de menos pormenorizado, a descrição
cista, mas sim de introduzir nela pequenos cartuchos levada a cabo por Charles Fréderic Merveilleux
que façam explodir o que até então parecia indiscutív- refere-se, com toda a certeza, à mesma mulher de
el: por outras palavras, substituir o que foi pelo que quem, agora, ficamos a saber o nome:
poderia ter sido” (Saramago, 1990a: 19). Vem aqui a ponto falar de Pedegache, mulher não só
extraordinária mas também muito sedutora. (...) Confesso
E a substituição a que alude está, sem dúvida,
que não me atrevo a explicar o dom que ela possuía de ver o
O outro lado da personagem: a (re)criação de Blimunda

directamente relacionada com a já conhecida apetên- corpo humano, bem como o dos animais, por dentro e outros-
cia de Saramago pelo aproveitamento de fontes sim o interior da terra a uma grande profundidade e creio bem
históricas consideradas marginais e, por isso, dei- que seriam vãos os esforços de todos os filósofos juntos
xadas de lado por aqueles a quem cumpre registar o para explicar este fenómeno. Eis alguns casos verídicos, aliás
geralmente conhecidos em Lisboa. Quando essa dama não
passado nacional. Estas que agora mais nos interes-
contava mais que cinco anos, estando à mesa em casa de
sam - e que, como acima referimos, se encontram, seu pai, viu um menino no ventre de uma criada que servia a
entre outros casos, em relatos de forasteiros que refeição. Esta, ofendida, com tal visão, sustentou que não
viveram no nosso país no reinado de D. João V -, dão, estava prenha, mas o que é certo é que pouco depois houve
de facto, conta de uma indesmentível semelhança de o parto, confirmando-se assim a visão da menina. (...) Algum
contornos entre as duas mulheres. Registamos, pois, tempo depois, passeando a menina por certo caminho parou
e disse que estava vendo um homem a trabalhar debaixo da
alguns excertos desses relatos, um de autor anóni-
terra a mais de sessenta palmos de profundidade, e veio a
mo10, outro de Charles Fréderic de Merveilleux11, averiguar-se a verdade da visão pois ali existia uma mina cujo
respectivamente: respiradouro media a profundidade indicada pela jovem. (…)
Terminarei esta descrição com a narrativa do dom Existe em Lisboa e nos arredores um grande número de poços
extraordinário que possui uma rapariga portuguesa que que foram abertos por indicação dessa mulher, que garantia
reside em Lisboa e está casada com um negociante francês, onde e a que profundidade se encontrava água abundante,
natural de Baiona. Esta rapariga, motivo de assombro para garantindo que seria bem empregado o trabalho que tives-
quem a conhece, nasceu com uns olhos que bem pode dizer- sem em captá-la - e sempre se verificou com exacta precisão
-se de lince; possui desde a mais tenra idade o dom de ver o qualquer das suas previsões. Não era possível duvidar da
interior do corpo humano bem como as entranhas da terra. faculdade maravilhosa desta mulher em descobrir as águas
Aparentemente os seus olhos são como os do comum dos subterrâneas (...). O mesmo direi em relação à faculdade que
mortais, apenas muito grandes e verdadeiramente belos. Ela tem esta senhora de ver no corpo humano as obstruções que
vê no corpo humano os abcessos e outras incomodidades se formam nas partes nobres ofendidas quando as pessoas

10) “Description de la Ville de Lisbonne où l'on traite de la Cour, de Portugal, de la Langue Portugaise, & des Mœurs des Habitants; du Gouvernement,
des Revenus du Roi, & de les Forces par Mer & par Terre; des Colonies Portugaises & du Commerce de cette Capitale” - A Paris - Chez Pierre Prault,
Quay de Gesfres, au Paradis - MDCCXXX (in Chaves, 1983: 35-127).
11) “Mémoires Instructifs pour un voyageur dans les divers États de l'Europe - Contenant des Anecdotes curieuses très propres à éclaircir l'Histoire du
Temps, avec des Remarques sur le Commerce et l'Histoire Naturelle” - Amsterdam, Chez H. du Sauzet - 1738 (in ibidem: 129-257; vide, ainda, Carvalho,
26 s.d.: 61-63, 71-73).
se desnudam na sua presença (...) (apud ibidem: 162-163).
Poderes estranhos e extraordinários que per-

© José Maria Pimentel


passam pelas páginas de Memorial do Convento, na pes-
soa da mística e fascinante Blimunda saramaguiana:
Que poder é esse teu, Vejo o que está dentro dos
corpos, e às vezes o que está no interior da terra, vejo o
que está por baixo da pele, e às vezes mesmo por baixo das
roupas, mas só vejo quando estou em jejum, perco o dom
quando muda o quarto da lua, mas volta logo a seguir, quem o seu membro de homem apodrecido de venéreo, purgando
me dera que o não tivesse, Porquê, Porque o que a pele esconde como uma bica, enrolado em trapos (...), e ali vai um frade que
nunca é bom de ver se (...). Este é o dia de ver, não o de olhar leva nas tripas uma bicha solitária (...), e agora vê aqueles
(...), Blimunda vai à frente, Baltasar atrás (...). E isto lhe diz, homens e aquelas mulheres ajoelhados diante do nicho de S.
A mulher que está sentada no degrau daquela porta tem Crispim, o que tu podes ver são persignações (...) mas eu vejo
na barriga um filho varão, mas o menino leva duas voltas de sacos de excremento e de vermes, e ali uma nascida que vai
cordão enroladas ao pescoço, tanto pode viver como morrer, estrangular a garganta daquele homem (...), e agora te digo
a sabê-lo não chego, e este chão que pisamos tem por cima que começou a mudar o quarto da lua, porque sinto os olhos
barro encarnado, por baixo areia branca, depois areia preta, a arderem-me e vejo umas sombras amarelas a passar diante
depois pedra cascalha, pedra granita no mais fundo, e nela deles, são como piolhos caminhando, remexendo as patas,
há um grande buraco cheio de água com o esqueleto de um e são amarelos, mordem-me os olhos, pela salvação da tua
peixe maior que o meu tamanho, e este velho que passa está alma te peço, Baltasar, leva-me para casa e dá me de comer
como eu estou, de estômago vazio, mas vai-se-lhe a vista, é (...) (pp. 79-80).
o contrário de mim, e aquele homem novo que me olhou tem

12) “Conheceu o sujeito [autor de “Description de la Ville de Lisbonne”] uma senhora portugueza, casada com um negociante francez, de Bayonna. A tal
senhora via o que se passava no interior do corpo humano e nas entranhas da terra, não tendo nos olhos senão grande beldade. Incommodava-lhe a vista
quando divisava nos reconditos escaninhos da economia animal abscessos asquerosos. Via os phenomenos physiologicos da digestão, e dizia se o feto
materno era macho ou femea, aos sete mezes. Na profundidade de 30 ou 40 braças descobria mananciaes d'agua. Estas pregorrativas extraordinarias
só as gozava quando estivesse em jejum; algumas vezes, porém, á hora de sesta, refinava no condão de ver os rins de um homem gordo através do
capote. Os descobrimentos de agua, já para o rei já para os particulares, o voto dos sábios e dos ministros, em fim, os incontroversos prodígios d'esta
mulher grangearam-lhe a mercê regia do dom e o habito de Christo para seu marido. O padre Le Brun, no anno seguinte á publicação d'este livro, metteu
a riso a historia da lisboeta (…). Mas o cavaleiro de Oliveira que demorava então em Londres, onde publicava o seu Amusement périodique (…) impugna
a incre-dulidade do francez, com as seguintes razões. E note-se, primeiramente, que Francisco Xavier de Oliveira foi o portuguez mais incrédulo do seu
tempo; e, se não fugisse de Portugal, teria sido queimado como herege. Diz elle: “Eu não subscrevo ás suspeitas de impostura que o padre Le Brun irroga
á mulher portugueza, porque a conheci pessoalmente, tendo ella entre onze e doze anos. Vi-a, pela primeira vez, em Paço d'Arcos, na quinta de Jeronymo
Lobo Guimarães, onde fôra para indicar o ponto onde havia agua. Do primeiro lanço de olhos apontou o sitio. Lobo fez cavar no ponto indicado, e achou
agua abundantemente. Verdade é que ella marcava entre seis e sete braças; e a agua borbulhou na profundidade de oito. Também é certo que, estando
eu vestido, ella me disse positivamente os signaes todos que eu tinha na pelle, e o mesmo fez a cinco pessoas presentes. Afianço isto como testemunha
ocular. Que ella visse atravez da pelle, nunca ouvi dizer (…). Declarou esta menina que não podia entrar em igrejas e atravessar cemiterios, por causa
do horror que lhe faziam os cadaveres enterrados, que ella via podres debaixo das lapides. Todos os tribunaes, e maiormente o do santo officio, tomaram
conhecimento d'esta declaração. Abriu-se um tumulo como experiência, e achou-se o cadáver qual ella o descrevera, antes que levantassem uma grossa
lousa. Não sei que destino teve esta mulher: o que sei é que nem a inquisição nem algum tribunal a inquietou.””.
13) “O P.e Le Brun, depois de ter confutado a falsidade de fábulas que granjearam o crédito dos povos e embaraçaram os sábios, fala duma portuguesa
a quem, em 1725, se atribuía um poder de visão maravilhoso. Descobria objectos no fundo do mar e nas entranhas da terra, e enxergava nos corpos das
criaturas como através de uma vidraça cristalina. Levado por seu gosto do natural, o P.e Le Brun analisa e tenta demonstrar a inanidade do prodígio, no
que muitas pessoas se convenceram. Por minha vez, desejava também aderir às suas conclusões em matéria de verdade, tão suspeita de impostura e
má fé. Mas é que eu vi a portuguesa de que se trata e, francamente, se fui mistificado, ainda agora me pergunto como poderia tê-lo sido, vendo-a praticar
o mesmo feito vezes a fio (...) (p.39).
14) Il y a une jeune femme à Lisbonne qui a de vrais yeux de Lynx: ce n'est pas une exagération: elle a la vue si perçante, qu'elle découvre l'eau dans la
terre, à quelque profondeur que ce soit (…). Cette propriété qui lui est particulière, & qui tient du prodige, lui est aussi naturelle: ce n'est ni par la science,
ni par l'étude qu'elle l'a acquise. C'est dommage qu'elle ne sache pas de Médecine; car, voici ce qu'il y a de plus surprenant; car, dis-je, elle voit aussi dans
le corps humain: il est vrai que ce n'est qu'en de certain temps, & selon que les pores sont moins resserrés: elle voit le sang circuler, la digestion se faire,
le chyle se former, & enfin toutes les différentes parties qui composent & qui entretiennent la machine, & leurs diverses opérations. Elle découvre bien des
maladies qui échappent au savoir & à l'expérience des plus habiles Médecins, qu'à bon droit on peut nommer aveugles auprès d'elle: on l'a consulte aussi
Formação

plutôt qu'eux. Je le répète: c'est dommage qu'elle ne puisse guérir les maux qu'elle découvre. (…). Je suis persuadé que bien des personnes prendront ceci
pour une fable: du moins je ne l'ai pas inventée: tout ce que je puis dire là-dessus, c'est que je tiens la chose d'un François arrivé nouvellement de Portugal:
il m'en a fait un récit très circonstancié, que j'ai rapporté aussi fidèlement qu'il m'a été possible. Il m'a assuré qu'il avait vu cette miraculeuse femme, qu'il
lui avait parlé plusieurs fois, & que même il lui avait vu faire quelques expériences, étant intime ami du mari. A beau mentir qui vient de loin, dit le proverbe:
cela est vrai; mais quel intérêt aurait eu cet homme d'en imposer sur une semblable matière ? Et puis, comment se serait-il avisé d'inventer une pareille
fable? D'ailleurs il m'a montré des Lettres qu'il a reçues de Lisbonne depuis son arrivée en cette Ville, dans lesquelles on lui parle de cette femme. Quoi
qu'il en soit, j'ai cru devoir instruire le public d'une chose dont je ne crois pas qu'il y ait d'exemple dans l'antiquité. Fable ou non, je l'a donne comme je l'ai
reçue. (…) Cependant il est vrai que dans le cas présent je n'ai pas laissé de douter un peu de la sincérité de mon nouveau débarqué. Comme je ne suis
pas assez habile pour démêler le mensonge d'avec la vérité sur un pareil sujet, & que selon moi la chose peut être vrai, comme il se peut aussi qu'elle soit
fausse; je m'en rapporte aux Savants pour achever de me déterminer; & je leur demande s'il est possible qu'il y ait une pareille femme dans le monde? (…)
(Le Brun, 1750: 99-103). 27
Blimunda (...) percorreu os arredores usando o seu que les personnes à qui on attribue le rare talent de voir à
jejum e a sua vidência, e na noite seguinte, quando todos travers la terre, les habits & le corps humain, trouvassent le
dormiam, entrou na aldeia, e posta no meio da praça gritou secret de rendre transparent les corps opaques. Un tel secret
que em tal sítio e a tal profundidade corria um veio de água vaudrait bien celui de la pierre Philosophale.
(...) (p. 355). Cela m'a fait penser qu'il ne serait pas inutile de faire
Para além de dar a conhecer o carácter détromper le Publique sur ce qu'on a débite touchant la vue si
verídico dos extraordinários poderes de Pedegache, perçante de la femme Portugaise (ibidem: 108).
Merveilleux, sublinha, ainda, o facto de eles serem
bem conhecidos em Lisboa. Disso mesmo nos aper- Deixando de lado a razoabilidade com que cada
cebemos ao tomarmos conhecimento de textos de um se dispôs, ou se dispõe, a acreditar na existência de
outros autores que ora corroboram ora tentam pôr uma mulher detentora destes estranhos poderes, o que,
a ridículo os estranhos episódios protagonizados por na verdade, parece acontecer é que, como sublinhou
essa mulher portuguesa. No primeiro grupo incluímos João Aguiar, a propósito, porém, de outras matérias e
quer Camilo Castelo Branco (que dá conta de varia- de outro livro, “A realidade vai até ao início da ficção”
dos relatos sobre Pedegache) (1874: 29-3212), quer (1990: 8).
o Cavaleiro de Oliveira (que, entre outros aspectos, Em todo o caso, o facto de as semelhanças entre
confessa ter conhecido a pessoa em questão) (1922: as duas mulheres serem por demais evidentes não obsta
3913). No segundo grupo incluem-se os irónicos e a que a Blimunda de Saramago seja, tal como acontece
depreciativos comentários do Padre Pierre Le Brun, com muitas outras personagens históricas que percor-
tecidos em torno de uma “Lettre écrite aux Auteurs rem as páginas de Memorial do Convento, uma (re)criação
du Mercure de France sur la vue extraordinaire d'une bem sucedida do autor. Aproveitando os banais porm-
femme portugaise14” (datada de 27 de Agosto de enores e os misteriosos episódios deixados de lado pela
1725 e publicada em Setembro do mesmo ano). História Oficial, Saramago envereda por um registo
Dada a extensão do texto, limitamo-nos a registar histórico cujo didactismo reside, justamente, no facto
dois breves excertos: de o mundo possível que, em alternativa, se oferece,
Mais que dirons-nous de ceux qui ont publié en 1725 permitir que o leitor questione a tradicional e pacífica
qu'il y a actuellement à Lisbonne une femme dont les yeux sont aceitação e veneração de um passado oficialmente
si perçants. 1º Qu'elle voit l'eau dans la terre, à quelque pro-
O outro lado da personagem: a (re)criação de Blimunda

transmitido.
fondeur que ce soit. 2º Qu'elle aperçoit les différents couleurs Quanto àqueles que possam manifestar algum
de la terre depuis la surface. 3º Qu'elle voit aussi à travers les
cepticismo em relação a esta(s) nova(s) versão(ões),
habits & la peau les parties qui sont dans le corps humain, le
cœur, le foie, l'estomac, la digestion se faire, le chyle se former, lembramos que, como diz o narrador de Memorial do
& enfin toutes les différentes parties qui composent & qui Convento, “a verdade caminha sempre por seu próprio
entretiennent la machine pé na história, é só dar-lhe tempo, e um dia aparece e
(Le Brun, 175: 98-99). declara, Aqui estou, não temos outro remédio senão
On ne se flatterait pas apparemment de pouvoir faire acreditar nela, vem nua e sai do poço como a música
des yeux humains différents des nôtres; il faudrait seulement de Domenico Scarlatti” (p. 281).

BIBLIOGRAFIA
AGUIAR, João, “Explicar é trair a cumplicidade com o leitor”, in Jornal de Letras, 15 de Maio, 1990.
ARNAUT, Ana Paula, Memorial do Convento - História, ficção e ideologia. Coimbra: Fora do Texto, 1996.
ARNAUT, Ana Paula, Post-Modernismo no romance português contemporâneo. Fios de Ariadne-Máscaras de Proteu. Coimbra: Almedina,
2002.
CASTELO BRANCO, Camilo, Noites de insomnia, nº 3, Março, 1874.
CHAVES, Castelo Branco, O Portugal de D. João V visto por três forasteiros. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1983.
LE BRUN, Pierre, Histoire critique des pratiques superstitieuses. Tomo 1º, cap. VI. Paris: Guillaume Desprezg (1733), 1750, pp. 97-107.
CARVALHO, Ayres de, D. João V e a arte do seu tempo. As memórias d'el-rei D. João V pelo naturalista Merveilleux. I Volume. Edição
de autor, s.d.
OLIVEIRA, Cavaleiro de, Recreação Periódica (Pref. e trad. de Aquilino Ribeiro). Tomo II. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1922.
REIS, Carlos e LOPES Ana Cristina Macário, Dicionário de narratologia. 5ª ed., Coimbra: Almedina, 1996.
RIO, Pilar del, “José Saramago visto por quem o conhece”, in Atlantis - TAP Air Portugal, nº1, Janeiro-Fevereiro, 1999, pp.12-15.
SARAMAGO, Memorial do Convento. Lisboa: Caminho, 1982.
SARAMAGO, A Jangada de Pedra. Lisboa: Caminho, 1986.
SARAMAGO, José, História do Cerco de Lisboa. Lisboa: Caminho, 1989.
SARAMAGO, José, “História e ficção”, Jornal de Letras, 6 de Março, 1990a.
SARAMAGO, José, “Blimunda, nome com música”, in Jornal de Letras, 15 de Maio, 1990b.
VALE, Francisco, “José Saramago: 'O mundo é um enigma constantemente renovado'”, in O Jornal, 28.01.1983, pp.12-13.

28 (*) Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra


Automatização do catálogo na Biblioteca Escolar:
condições para o interesse da sua realização

 Isabel Bernardo(*)

às necessidades do trabalho na BE e da formação de


utilizadores, alunos e professores, que possibilite uma
real implementação das BEs nas escolas, em particu-
lar, nas práticas de ensino-aprendizagem.
É nosso entender que a alteração das práticas
de conselhos executivos, equipas das BEs, professores
e alunos só poderá ocorrer a partir de uma consciên-
© José Maria Pimentel

cia clara e crítica de quais são as funções específicas


das BEs, de modo a definirem-se objectivos e a imple-
mentarem-se estratégias eficazes que as concretizem.
As funções das BEs estão actualmente consagradas
nos documentos considerados fundadores, tal como
Sumário o Manifesto IFLA/UNESCO para as Bibliotecas
Temos vindo a assistir, nos últimos quatro anos a Escolares e a Declaração política da IASL sobre
uma tendência generalizada para se proceder à automa- Bibliotecas Escolares1. Apesar de serem conhecidos
tização do catálogo das Bibliotecas Escolares. Partindo há vários anos, são muitos os agentes educativos,
da questão “Porquê automatizar o catálogo da Biblioteca nomeadamente os professores, que desconhecem a
Escolar?” este texto pretende defender que a automatiza- sua existência, pelo que consideramos pertinente real-
ção do catálogo só se justifica se estiver subordinado à
izar uma citação mais extensa dos mesmos. Segundo
função informativa da Biblioteca Escolar e que, para atingir
a declaração política da IASL “a biblioteca escolar
essa meta, devem estar reunidas algumas condições que, a
nosso ver, estão longe de estar reunidas. funciona como um instrumento vital do processo
educativo, não como uma entidade isolada do pro-
Estamos a assistir, nos últimos anos, a um sig- grama escolar mas envolvida no processo de ensino-
nificativo movimento de transformação da realidade aprendizagem. As suas metas podem traduzir-se nas
das Bibliotecas Escolares (BEs) portuguesas. Graças a seguintes funções: informativa - fornecer informação
uma intervenção mais directa da Rede de Bibliotecas fiável, acesso rápido, recuperação e transferência de
Escolares e do Ministério de Educação, assim como a informação; a biblioteca escolar deverá integrar as
um maior apoio por parte dos conselhos executivos redes de informação regionais e nacionais; educativa
às equipas que, no terreno, se esforçam por imple- - assegurar a educação ao longo da vida, provendo
mentar e dar continuidade aos planos de acção das meios e equipamentos e um ambiente favorável à
BEs, um número crescente de escolas tem bibliotecas aprendizagem: orientação presencial, selecção e uso
a funcionar a tempo inteiro, com equipas constituídas de materiais formativos em competências de infor-
e um coordenador com formação e horas atribuídas, mação, sempre através da integração com o ensino
com mobiliário adequado, fundos documentais em na sala de aula; promoção da liberdade in-telectual,
renovação, instrumentos de trabalho, tais como ma- cultural - melhorar a qualidade de vida mediante
nuais de operações, políticas de desenvolvimento a apresentação e apoio a experiências de natureza
do-cumental, planos de acção já elaborados ou em estética, orientação na apreciação das artes, encora-
ela-boração. Este breve quadro não pretende ser jamento à criatividade e desenvolvimento de relações
demasiado optimista e muito menos defender que humanas positivas; recreativa - suportar e melhorar
está tudo bem no reino das BEs portuguesas. Pelo uma vida rica e equilibrada e encorajar uma ocupa-
contrário, trata-se apenas da constatação de que, nos ção útil dos tempos livres mediante o fornecimento
Formação

últimos quatro / cinco anos, muita coisa mudou, mas de informação recreativa, materiais e programas de
não há dúvida que há ainda muito a fazer, nomeada- valor recreativo e orientação na utilização dos tempos
mente ao nível da formação técnica das equipas, de livres.” De acordo com o Manifesto IFLA/UNESCO
um maior conhecimento e consideração por parte “a biblioteca escolar é parte integrante do processo
dos conselhos executivos do que se faz ou deve fazer educativo. Os objectivos seguintes são essenciais ao
numa BE e, consequentemente, de maior adequação desenvolvimento da literacia, das competências de
de espaços, horários, meios financeiros e humanos informação, do ensino-aprendizagem e da cultura e

1) Estes dois documentos estão acessíveis em http://www.rbe.min-edu.pt/ e em http://www.ifla.org/V/cdoc/policies.htm.


29
correspondem a serviços básicos da biblioteca escolar: pretende perguntar é: “Em que funções e objectivos
apoiar e promover os objectivos educativos definidos da BE se enquadra a automatização do catálogo?”;
de acordo com as finalidades e currículo da escola; “A que orientações deve obedecer a automatização do
criar e manter nas crianças o hábito e o prazer da lei- catálogo para que, efectivamente, possa ser um dos
tura, da aprendizagem e da utilização das bibliotecas instrumentos de concretização dessas funções?”.
ao longo da vida; proporcionar oportunidades de uti- Tomemos apenas como ponto de partida a fun-
lização e produção de informação que possibilitem a ção informativa acima referida pela IASL. A BE deve,
aquisição de conhecimentos, a compreensão, o desen- voltemos a citar “fornecer informação fiável, acesso
volvimento da imaginação e o lazer; apoiar os alunos rápido, recuperação e transferência de informação; a
na aprendizagem e na prática de competências de biblioteca escolar deverá integrar as redes de infor-
avaliação e utilização da informação, independente- mação regionais e nacionais”. Pode a automatização
mente da natureza e do suporte, tendo em conta do catálogo ir ao encontro desta função? Certamente.
as formas de comunicação no seio da comunidade; Através da sua colecção, a BE disponibiliza aos seus
providenciar acesso aos recursos locais, regionais, utilizadores a informação de que necessitam para as
nacionais e globais e às oportunidades que confron- suas actividades escolares e pessoais. A colecção pode
tem os alunos com ideias, experiências e opiniões incluir múltiplos tipos de documentos em vários
diversificadas; organizar actividades que favoreçam suportes. Ela pode, inclusivamente, possuir documen-
a consciência e a sensibilização para as questões de tos que não estão à guarda física da BE, mas que farão
ordem cultural e social; trabalhar com alunos, profes- parte de uma colecção intangível, por exemplo, online.
sores, órgãos de gestão e pais, de modo a cumprir a Se sujeita a uma selecção criteriosa, a informação é,
missão da escola; defender a ideia de que a liberdade em princípio, fiável. O papel da auto-matização do
intelectual e o acesso à informação são essenciais à catálogo é o de permitir um acesso, recuperação e
construção de uma cidadania efectiva e responsável transferência eficazes e rápidos da informação. Com
e à participação na democracia; promover a leitura, um sistema que possibilite a colocação online do
os recursos e serviços da biblioteca escolar junto da OPAC (Open Access Public Catalogue) em acesso livre,
comunidade escolar e fora dela”. ou de modo mais restrito, através de uma plataforma
Como vemos, a simples leitura destas funções de e-learning, os utilizadores até poderão ter acesso à
e objectivos pode alterar e alargar significativamente informação disponível na BE a partir de suas casas,
a concepção que se tem da BE, do papel da equipa da saber se o documento pretendido existe, se está aces-
Automatização do catálogo na Biblioteca Escolar

BE e da necessária articulação entre esta, o professor sível ao empréstimo, se estiver se está disponível, fazer
de sala de aula e o currículo da escola. Sobre estes reservas e até, se o pretender e se for essa a política
tópicos uma ampla reflexão se deverá efectuar, nome- da BE, solicitar fotocópia de parte do documento.
adamente nas escolas. Não é, de todo, objectivo deste Consoante a aplicação informática utilizada para a
texto proceder a essa ampla reflexão, mas apenas automatização do catálogo, poderá inclusivamente ter
discutir a relação que existe entre a automatização do acesso a modos de pesquisa bastante sofisticados, a
catálogo e da gestão de informação na BE e a função listas bibliográficas elaboradas de acordo com os seus
informativa acima referida. interesses e fazer parte de listas de difusão da infor-
A questão de partida é: porquê automatizar mação que são distribuídas de acordo com o seu perfil
o catálogo da BE? A pergunta pode parecer retórica. de utilizador e a que confor-tavelmente pode aceder
Afinal, não é óbvio? Não é esse o caminho que todas através do seu e-mail. O utilizador pode ainda ter
as bibliotecas, públicas, universitárias e escolares acesso a informações complementares sobre autores,
estão a seguir? Sim, efectivamente é, e há excelentes títulos, assuntos, etc., através de dados que são inse-
exemplos de boas práticas neste campo, de que apenas ridos conjuntamente com a descrição catalográfica
citaremos duas: o Colcat e a Rede de Bibliotecas Escolares dos documentos e que am-pliam, assim, a informação
do Porto2. Porém, a questão é: porque devemos fazê- fornecida pela colecção.
lo? Quais os objectivos que se pretendem atingir? É Porém, para que todas estas possibilidades se
que a automatização do catálogo não é um fim em si, concretizem um amplo número de condições, deve
mas apenas um meio que se enquadra numa perspec- estar previamente satisfeito. Na lista que a seguir se
tiva mais ampla, definida pelas funções e pelos objec- apresenta, todos os factores são relevantes, pelo que a
tivos da BE. Assim, quando se questiona o porquê da ordem não é sinal de hierarquia.
automatização do catálogo, o que efectivamente se 1. A aplicação informática utilizada para
30 2) Acessíveis, respectivamente em http://cc.doc.ua.pt/ e http://www.cm-porto.pt/rbep/
a realização da automatização do catálogo deve pode aplicar às operações de classificação e de inde-
ser criteriosamente escolhida3. Deve obedecer aos xação. Quantas vezes um documento referenciado na
padrões técnicos internacionais de recolha e armaze- BN apresenta várias classificações? Deve ser a BE a
namento de dados. Deve permitir todas as operações determinar qual a que vai adoptar, em função do seu
de tratamento documental, segundo preceitos téc- público e dos seus interesses. Por sua vez, a indexa-
nicos internacionalmente sancionados, a pesquisa, o ção (um dos procedimentos menos concretizados nas
empréstimo, o acesso remoto ao catálogo, a recolha BEs, mas absolutamente fundamental para a recupe-
de indicadores para o estudo da colecção e sua uti- ração da informação) deve ser coerente, realizada
lização, etc. Deve possibilitar a ligação em rede do em coordenação com todas as potencialidades de
catálogo da BE a outros catálogos, de modo a fazer pesquisa proporcionadas pela aplicação informática
parte de uma rede mais alargada. e adequada às necessidades dos utilizadores, o que
2. Têm que estar garantidas condições depende, em larga medida, do currículo da escola.
mínimas relativas aos equipamentos informáti- Também se deve ter em conta que a utilização
cos, nos quais se vai utilizar a aplicação infor- de todas as possibilidades acima referidas, também
mática escolhida, os quais devem permitir uma implica a constituição de uma boa base de dados
li-gação online, estar ligados em rede dentro da escola, re-lativamente aos utilizadores, pelo que também se
ter um sistema operativo compatível com a aplicação devem tomar decisões e definir procedimentos sobre
informática, ter um hardware que permita o manusea- que dados recolher.
mento de grandes volumes de informação, etc. A fixação de todos os procedimentos referidos
3. A inserção dos dados que vão constituir em documentos escritos é ainda mais fundamental,
o catálogo deve ser precedida de um conjunto se pensarmos que a estabilidade das equipas das BEs
vasto de decisões que garantam a qualidade dos é um objectivo que está longe de ser alcançado. No
dados que vão ser utilizados para recuperar e entanto, os vários documentos a que se fez referência
gerir a informação. Deve ser definida uma política não têm de ser produzidos por cada uma das BEs. Tal
de catalogação, de indexação e de classificação. Estas como já está a ocorrer no terreno, sob orientação da
políticas, por sua vez, devem estar enquadradas por RBE, as políticas de tratamento documental e o ma-
um manual de operações, no qual também se esta- nual de operações devem ser elaborados, em colabo-
belecem outros procedimentos fundamentais do cir- ração, por várias equipas de BE, com o eventual apoio
cuito documental. Por outro lado, também este ma- dos bibliotecários das bibliotecas municipais4.
nual deve fazer parte do plano de acção mais alargado 4. As operações de recolha e inserção de
da BE. Poder-se-á objectar que, se a BE tiver acesso dados devem ser realizadas por profissionais com
em rede a catálogos já informatizados como os da bons conhecimentos técnicos, não apenas da apli-
Biblioteca Nacional (BN), a recolha de dados pode cação informática em causa, mas de todos os proce-
ser directa e que essa recolha garante que o trata- dimentos de catalogação, classificação, de indexação,
mento documental está correctamente efectuado. de elaboração de listas bibliográficas, etc. Assim, é
No entanto, nem todos os documentos da BE estão completamento desadequado pensar-se que qualquer
re-ferenciados na BN ou noutras bibliotecas que um pode fazer este trabalho, ou que se está apto
podem ser tidas como referência. Tal é especialmente para o fazer após umas horas de formação técnica
verdade para os segmentos do livro da colecção. Por no que diz respeito à aplicação informática a utilizar.
outro lado, o nível de descrição catalográfico encon- Para além dos conhecimentos técnicos necessários à
trado pode não ser adequado ao público específico utilização de todas as operações possibilitadas pela
da BE, pelo que terá de ser a BE a tomar decisões base de dados na qual se está a construir o catálogo
específicas. Além disso, um determinado título pode da colecção, é necessário cruzar-se as possibilidades
estar referenciado numa biblioteca, mas o documento proporcionadas pela aplicação informática com as
Formação

pode não ser exactamente o mesmo porque tem uma regras de tratamento documental, de modo a obter-
edição diferente, por exemplo. Há dados que têm de em-se dados fiáveis que, efectivamente, permitam o
ser apagados, substituídos, etc. e, para que a infor- acesso e recuperação pertinente e útil da informação.
mação seja coerente, devem existir procedimentos Mesmo existindo políticas de tratamento documen-
comuns para situações idênticas, os quais devem tal e um manual de operações, quem faz a inserção
estar, obviamente, definidos. O mesmo raciocínio se dos dados deve ter a formação técnica adequada

3) Ver na página da Rede de Bibliotecas Escolares acima referida informação sobre as diferentes aplicações informáticas disponíveis em Portugal.
4) Ver ainda outras experiências interessantes como as que se podem consultar em www.pnte.cfnavarra.es/recursos/bibli.htm. 31
em ambos os campos. Assim, três condições funda- Estarão estas condições reunidas num número
mentais para que a automatização do catálogo seja alargado de BEs portuguesas? Apesar dos aspectos
rea-lmente uma instrumento eficaz na realização da positivos enunciados no início deste artigo, a nossa
função informativa da BE são: a formação técnica experiência no terreno mostra-nos que ainda há um
da equipa da BE, a estabilidade dos seus membros e longo caminho a percorrer. Embora se reitere que
o tempo necessário para a realização de tarefas com todas as condições referidas são essenciais, não há
elevada complexidade técnica. dúvida de que a formação técnica das equipas da
5. Aos alunos deve ser dada formação BE, a sua estabilidade e consciência de que todas as
que os torne competentes na utilização do operações técnicas não são fins em si mesmos, mas
OPAC. Todos os aspectos acima referidos respeitam meios para concretizar as funções e objectivos da BE,
apenas ao acesso físico à informação. São condições são axiais.
necessárias, mas não suficientes para que o utiliza- Esta conclusão remete-nos para uma outra
dor faça realmente a recuperação fiável e pertinente problemática que não faz parte do âmbito delimitado
da informação. É ainda indispensável uma outra para este texto e que é a possível subordinação da fun-
condição que é a de garantir o acesso intelectual à ção informativa da BE à função educativa. Embora
informação. O acesso intelectual inclui variadíssimas não pretendamos trabalhar aqui esta questão, a sua
competências, entre as quais, o saber fazer pesquisa referência tem apenas como objectivo alertar para o
num catálogo automatizado, utilizando as opções facto de que, todas as condições acima referidas se
que estão disponíveis. Pelo modo como muitos podem ainda perspectivar num quadro mais amplo.
alunos fazem uso dos motores de busca disponíveis Ou seja, todas as decisões tomadas sobre o trata-
online, e apesar de já terem formação formal em mento documental e a automatização do catálogo
técnicas de pesquisa na disciplina de TIC, é possível devem ainda ser pensadas à luz das linhas de força
observar que a maior parte não domina técnicas que orientam a função educativa da BE.
eficazes de pesquisa e selecção de informação em (*) Formadora da Acção “Organização e gestão da Biblioteca
suportes automatizados que lhes permita o acesso, Escolar - aplicação de prorama informático” (CF Ágora/2006)
recuperação e transferência da informação. Professora na Esc Sec. de Cantanhede
Automatização do catálogo na Biblioteca Escolar

Publicidade

32
Comunicação e Relações Interpessoais:
uma reflexão

Foram objectivos desta acção: o desenvolvim-


 Graça Trindade e Madalena Relvão (*)
ento de capacidades para gerir obstáculos à comuni-
cação, para gerir a competência de compreensão de
A acção em epígrafe destinou-se a Auxiliares mensagens e, ainda, para gerir os conflitos decorren-
de Acção Educativa e decorreu no Centro de tes da deficiência dessas capacidades; a utilização de
Formação “Ágora”, em Setembro de 2006. A sua técnicas e de estilos de comunicação que promovam
frequência constitui uma condição para acesso à o desenvolvimento das relações interpessoais na
função de Assistente Educativo, cargo almejado comunidade escolar; o desenvolvimento reflectido
pelos elementos que integraram este grupo de apre- de atitudes facilitadoras da melhoria do processo de
ndizagem. comunicação; a adopção de princípios reguladores de
uma boa comunicação interpessoal.
© José Maria Pimentel

Formação de Pessoal Não Nocente

Uma vez que a língua materna é o principal foram abordadas várias áreas temáticas relacionadas
veículo da comunicação humana, a acção começou com os conceitos de cultura, aculturação, subcul-
por uma análise panorâmica da história da Língua turas, contraculturas e etnocentrismo.
Portuguesa e da sua expansão no mundo. Numa pers- Decorrendo destes conceitos, impôs-se uma
pectiva prática e lúdica, os formandos realizaram reflexão sobre os valores aceites na comunidade esco-
tarefas que envolviam textos de autores portugue- lar, constatando-se que eles se corporizam num con-
ses consagrados como marcos da nossa evolução junto de princípios, crenças e conhecimentos comuns
linguística, literária e cultural, nomeadamente Gil aos elementos dessa comunidade, conferindo-lhe
Vicente, Luís de Camões, Padre António Vieira, so-lidariedade e unidade, frequentemente traduzidas
Almeida Garrett, Eça de Queirós, Fernando Pessoa, em símbolos que contribuem para manter a ordem
Vergílio Ferreira, José Saramago e, como represent- social e promover a adesão a esses valores. Contudo,
antes da diáspora portuguesa, Fernando Sylvan, Rui verificou-se que os valores estão em constante e
Knopfli, Vasco Cabral, Luandino Vieira, Mia Couto, acelerada evolução, favorecida por factores como os
Alda Espírito Santo, Alda Lara, Caetano Veloso e José mass media e a evolução económico-social; actual-
Craveirinha. mente, multiplicam-se as relações interindividuais e
A partir destes exercícios, a língua interligou- interculturais, dada a enorme facilidade de difusão
33
-se com o conceito de cultura e, nessa sequência, do conhecimento recíproco dos diferentes sistemas
para além de vários exercícios de leitura (construção
de sentidos) de textos tipológica ou tematicamente
relacionados com os assuntos em análise.
Sempre que a tipologia textual o exigia, foram
abordados conteúdos de funcionamento da língua,
como os actos ilocutórios, os princípios de coope-
ração e de cortesia, as máximas conversacionais, o
uso da pontuação e da acentuação, as regras de trans-
lineação, as classes de palavras e sua flexão, a com-
posição e a derivação, a concordância das palavras na
frase, a relação entre as palavras e uma lista dos erros
frequentes a evitar.
A avaliação assumiu um carácter contínuo,
tendo em conta a participação e o empenho dos
formandos, a realização de várias tarefas e exercícios
durante a acção e um momento final em que os for-
mandos demonstraram os conhecimentos e as com-
© José Maria Pimentel

petências adquiridas ao longo desta formação.


Não podemos deixar de congratular-nos pelo
elevado grau de entrega e de desempenho de todos
os formandos que, sempre de forma espontânea e
alegre, corresponderam aos desafios que lhes foram
apresentados. O grupo assumiu, desde início, uma
postura de fruição no trabalho desenvolvido, a qual
de valores de todo o mundo, essa evolução não pode, contribuiu vivamente para a criação de um espaço de
porém, ser entendida como factor impeditivo da rela- partilha de saberes e de experiências.
ção interpessoal, mas antes como elo de união entre Relativamente ao módulo sobre a Gestão de
grupos sociais de variados ideais de vida.São esses Conflitos, a responsabilidade esteve a cargo da Dra.
valores que determinam as normas e os comporta- Rute Santos que sobre a pertinência desta formação
mentos que vão favorecer o processo de socialização escreveu já um artigo na Revista “Ágora”, nº 11, de
dos elementos da comunidade escolar (alunos, pro- Jan/Julho de 2006, para o qual se remete.
fessores, pessoal administrativo e auxiliar), ou seja, A nosso ver, esta formação é efectivamente
a sua integração plena nessa comunidade. O papel pertinente e adequada, se pretendermos, como se
do Assistente Educativo torna-se relevante neste pro- impõe, que o Assistente Educativo seja realmente
cesso, quer como preventivo de comportamentos des- um agente activo na comunidade escolar, quer como
viantes (quando se afastam sensivelmente da norma assistente do pessoal docente ou administrativo, quer
aceite nessa comunidade), quer como agente de con- como um agente formador do aluno, quando este se
trolo social (desde as sanções não formais às formais encontra fora das paredes da sala de aula, mas ainda
ou aos reforços positivos), uma vez que o Assistente integrado no espaço escolar, local onde também se
Educativo é o elemento mais próximo e intermediário opera o processo de crescimento sócio-afectivo e de
entre os vários agentes de educação. socialização numa perspectiva multicultural.
Comunicação e Relações interpessoais

Face às informações teóricas enunciadas, deu-


-se início a um enriquecimento a nível da consciência
comunicativa, através da análise do esquema da Bibliografia
comunicação, com ênfase na mensagem, nas vertentes Dália Dias et al., Em Português Claro, 2006, Porto Editora
verbal e não verbal, oral e escrita. Foram, ainda, iden- L. Oliveira e L. Sardinha, Saber Português Hoje, 2005, Didáctica
Ed.
tificadas as barreiras que surgem na comunicação
humana e as condições que a facilitam, tais como:
escutar as opiniões, dar atenção a novos pontos de
vista, saber criticar evitando a crítica destrutiva, ser
Agradecimento à Dra. Florbela Moura
cortês e evitar os preconceitos.
(E.S.Q.F.) e à Dra. Maria Antonieta Mendonça (E.
A partir deste momento, a acção assumiu
B. Alice Gouveia), por alguns materiais gentilmente
uma índole de oficina de língua, falada e escrita,
cedidos para consulta
visto que o uso incorrecto da língua compromete
frequentemente a comunicação, podendo mesmo
torná-la inviável. Assim, os formandos contactaram (*) Formadoras da Acção para o Pessoal Auxiliar
com carac-terísticas de textos descritivos, narrati- “Comunicação e Relações Interpessoais” (CF Ágora/2006)
vos, expositivos e argumentativos, tendo praticado Professoras na Escola Secundária Quinta das Flores
algumas tipologias textuais, como a Acta, o Aviso, o e na Escola Secundária D. Duarte
34 Relato de Ocorrências e o Atendimento Telefónico,

You might also like