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mente atual e podia ser percebida pelos sentidos como uma experiência de

vigília. Temos aqui a característicapsicológica mais geral e mais notável do


processode
-- - -- --
sonhar: um pensamento, geralmente um pensamento sobre algo
desejado, objetiva-Se
.. no sonho, é representado como uma cena, ou, segundo
nos parece, é-vivenciadõ.
Tendo agora rechaçado as objeções levantadas contra nós, ou tendo pelo Como então explicar essa peculiaridade característica do trabalho do
menos indicado onde se acham nossas armas defensivas, não mais devemos sonho, ou, para formular a pergunta em termos mais modestos, como desco-
adiar a tarefa de abordar as investigaçõespsicológicas para as quais nos vimos brir um lugar para ele na trama dos processos psíquicos?
preparando há tanto tempo. Resumamos os principais resultados de nossa Se examinarmos o assunto mais de perto, observaremos que dois aspec-
investigação até onde ela nos levou. Os sonhos são atos psíquicos tão tos quase independentes ressaltam como característicos da forma assumida
importantes quanto quaisquer outros; sua força propulsora é, na totalidade por esse sonho. Um deles é o fato de o pensamento ser representado como
dos casos, um desejo que busca realizar-se; o fato de não serem reconhecíveis uma situação imediata em que o "talvez" é omitido, e o outro é o fato de que
como desejos, bem como suas múltiplas peculiaridades e absurdos, devem-se o pensamento se transforma em imagens visuais e em fala.
à influência da censura psíquica a que foram submetidos durante o processo Nesse sonho específico, a modificação feita nos pensamentos pela
de sua formação; à parte a necessidade de fugir a essa censura, outros fatores colocação da expectativa por eles expressa no presente do indicativo talvez
que contribuíram para sua formação foram a exigência de condensação de não pareça particularmente notável. Isso se deve ao que só se pode descrever
seu material psíquico, a consideração a sua representabilidade em imagens como o papel inusitadamente secundário desempenhado nesse sonho pela
sensoriais e -embora não invariavelmente-a demanda de que a estrutura realização de desejo. Consideremos, em vez dele, um outro em que o desejo
do sonho possua uma fachada racional e inteligível. Cada uma dessas onírico não se tenha distanciado dos pensamentos de vigília transportados
proposições abre caminho para novas especulações e postulados psicológi- para o sono -o sonho da injeção da Irma, por exemplo [pág. 140 e segs.].
cos; a relação recíproca entre o desejo que é a força propulsora do sonho e as Neste, o pensamento onírico representado estava no optativo.* "Oxalá Otto
quatro condições a que está sujeita sua formação, bem como as inter-relações fosse responsável pela doença de Irma!" O sonho recalcou o optativo e o
entre essas condições, precisam ser investigadas; e cabe assinalar o lugar dos substituiu por um presente direto: "Sim, Otto é responsável pela doença de
sonhos na concatenação da vida anímica. Irma". Esta, portanto, é a primeira das transformações promovidas nos
Foi com vistas a nos relembrar os problemas ainda por solucionar que pensamentos oníricos até mesmo por um sonho isento de distorções. Não
iniciei este capítulo com o relato de um sonho. Não houve dificuldade em precisamos estender-nos nessa primeira peculiaridade dos sonhos. Podemos
interpretá-lo - o sonho da criança que se estava queimando -, muito abordá-la chamando a atenção para as fantasias conscientes -os devaneios
embora sua interpretação não fosse dada integralmente segundo nosso senti- -que tratam seu conteúdo de representações exatamente do mesmo modo.
do. Levantei a questão do motivo por que o sonhador o produzira, em vez de Enquanto o Sr. Joyeuse, de Daudet,' vagava sem trabalho pelas ruas de Paris
acordar, e reconheci que um de seus motivos fora o desejo de representar o (embora suas filhas acreditassem que ele tinha um emprego e estava sentado
filho como ainda vivo. Nossas discussões ulteriores mostrarão que um outro em seu escritório), sonhava com acontecimentos que pudessem trazer-lhe
desejo também teve participação nisso. [Ver adiante, pág. 599.1 Assim, em algum auxílio influente e levá-lo a encontrar emprego - e sonhava no
primeiro lugar, foi em nome da realização de um desejo que o processo de presente do indicativo. Assim, os sonhos se valem do presente da mesma
pensamento durante o sono transformou-se num sonho.
Se eliminarmos a realização de desejo, veremos que resta apenas um * [Optativo: o modo subjuntivo, usado nas fiases ou orações que expressam o desejo. (N. da
aspecto para distinguir as duas formas de ocorrênciapsíquica. O pensamento Rev. Geral.)]
onírico teria sido: "Vejo um clarão vindo do quarto onde jaz o cadáver. I Em Le Nabab (cf. pág. 524). Um lapso cometido por Freud com este nome em seu primeiro
Talvez uma vela tenha caído e meu filho esteja ardendo!" O sonho reproduziu rascunho dessa frase é discutido por ele em Sobre a Psicopatologio da Vida Cotidiana
i (1901b), Capítulo VII, já ao final da Seção A.]
essas reflexões inalteradas, mas representou-as numa situação que era real-
maneira e com o mesmo direito que os devaneios. O presente é o tempo em estamos aqui interessados é-nos também conhecido sob a forma de uma
que os desejos se representam como realizados. preparação anatômica, e evitarei cuidadosamente a tentação de determinar
. Mas os sonhos diferem dos devaneios em sua segunda característica, ou essa localização psíquica como se fosse anatômica. Permanecerei no campo
I
seja, no fato de seu conteúdo de representações transmudar-se de pensamen- psicológico, e proponho simplesmente seguir a sugestão de visualizarmos o
- tos em imagens sensoriais a que se dá crédito e que parecem ser vivenciadas. instrumento que executa nossas funções anímicas como semelhante a um
Devo acrescentar desde já que nem todos os sonhos apresentam essa trans- microscópio composto,um aparelho fotográficoou algo desse tipo. Com base
formação da representação em imagem sensorial. Há sonhos que consistem nisso, a localização psíquica corresponderá a um ponto no interior do apare-
apenas em pensamentos, mas aos quais não se pode, por causa disso, negar lho em que se produz umdos estágios preliminares da imagem. No micros-
a natureza essencial de sonhos. Meu sonho do "Autodidasker" -a fantasia cópio e no telescópio, como sabemos, estes ocorrem, em parte, em pontos
diurna com o Professor N. [pág. 324 e segs.] -foi um desses; incluiu poucos ideais, em regiões em que não se situa nenhum componente tangível do
elementos sensoriais a mais do que se eu tivesse pensado seu conteúdo aparelho. Não vejo necessidade de me desculpar pelas imperfeições desta ou
durante o dia. E em todo sonho razoavelmente longo há elementos que, de qualquer imagem semelhante. Essas analogias visam apenas a nos assistir
diversamente dos demais, não recebem forma sensorial, mas são simples- em nossa tentativa de tomar inteligíveis as complicações do funcionamento

h mente pensados ou sabidos, tal como estamos acostumados a pensar ou saber


as coisas na vida de vigília. Cabe também lembrar aqui que não é apenas nos
sonhos que ocorrem essas transformações das representações em imagens
psíquico, dissecando essa função e atribuindo suas operações singulares aos
diversos componentes do aparelho. Ao que me consta, não se fez até hoje a
experiência de utilizar esse método de dissecação com o fito de investigar a
sensoriais: elas são também encontradasnas alucinações e visões, que podem maneira como se compõe o instrumento anímico e não vejo nele mal algum.
aparecer como entidades independentes, por assim dizer, na saúde, ou como A meu ver, é lícito darmos livre curso a nossas especulações, desde que
sintomas nas psiconeuroses. Em suma, a relação que estamos agora exami- preservemos a frieza de nossojuízo e não tomemos os andaimes pelo edifício.
-- nando não é, de modo algum, uma relação exclusiva. Não obstante, persiste E uma vez que, em nossa primeira abordagem de algo desconhecido, tudo de
o fato de que essa característica dos sonhos, quando presente, aparece-nos que precisamos é o auxílio de algumas representações provisórias, darei
como a mais notável, a tal ponto que nos seria impossível imaginar o mundo preferência, inicialmente, às hipóteses de caráter mais tosco e mais concreto.
onírico sem ela. Para chegarmos a entendê-la, porém, temos de embarcar
numa discussão que nos levará a extensas divagações. Por conseguinte, retrataremos o aparelho psíquico como um instrumento
composto a cujos componentes daremos o nome de "instâncias",' ou (em
Como ponto de partida de nossa investigação, gostaria de destacar uma prol deuma clareza maior) "sistemas". Pode-se prever, em seguida, que esses
dentre as muitas observações feitas sobre a teoria do sonhar por aqueles que sistemas talvez mantenham entre si uma relação espacial constante, do
escrevem sobre o assunto. No curso de um breve exame do tema dos sonhos, mesmo modo que os vários sistemas de lentes de um telescópio se dispõem
o grande Fechner (1 889,2,520- 1) expressa a idéia de que a cena de ação dos uns atrás dos outros. A rigor, não há necessidade da hipótese de que os
sonhos é diferente da cena da vida representacional de vigília. [Cf. pág. 84.1 sistemas.psíquicos realmente se disponham numa ordem espacial. Bastaria
Esta é a única hipótese que toma inteligíveis as particularidades especiais da que uma ordem fixa fosse estabelecida pelo fato de, num determinado
vida onírica.' processo psíquico, a excitação atravessar os sistemas numa dada sequência
O que nos é apresentado com essas palavras é a idéia de uma localização temporal. Em outros processos, a sequência talvez seja diferente, e essa é
psíquica. Desprezarei por completo o fato de que o aparelho anímico em que uma possibilidade que deixaremos em aberto. Para sermos breves, doravante
nos referiremos aos componentes do aparelho como "sistemas-v" .
I [Numa carta a Fliess, de 9 de fevereiro de 1898 (Freud, 1950a, Carta 83), Freud escreve que
essa passagem de Fechner é a Única observação sensata que ele encontrou na literatura sobre 1 ["Inslanzen", literalmente, "instância", num sentido semelhante ao dessa palavra quando
os sonhos.] ocorre na expressão "Tribunal de Primeira Instância." .]
A primeira coisa a nos saltar aos olhos é que esse aparelho, composto de fielmente as modificações de seus elementos e, apesar disso, permanecer
sistemas-v, tem um sentido ou direção. Toda a nossa atividade psíquica parte perpetuamente aberto a recepção de novas oportunidades de modificação.
de estímulos (internos ou externos) e termina em inervações.' Por conseguin- Assim, de acordo com o princípio que norteia nosso experimento, atribuire-
te, atribuiremos ao aparelho uma extremidade sensorial e uma extremidade mos essas duas funções a sistemas diferentes. Suporemos que um sistema
motora. Na extremidade sensorial, encontra-se um sistema que recebe as logo na parte frontal do aparelho recebe os estímulos perceptivos, mas não
percepções; na extremidademotora, outro, que abre as comportas da ativida- preserva nenhum traço deles, e portanto, não tem memória, enquanto, por
de motora. Os processos psíquicos, em geral, transcorrem da extremidade trás dele, há um segundo sistema que transforma as excitações momentâneas
perceptual para a extremidade motora. Portanto, o quadro esquemático mais do primeiro em traços permanentes. O quadro esquemáticode nosso aparelho
geral do aparelho psiquico pode ser assim representado (Fig. 1): psíquico seria então o seguinte (Fig. 2):

Fig. 2
Fig. 1
É fato conhecido que retemos permanentemente algo mais do que o
Isso, contudo, não faz mais do que atender a um requisito com que há
simples conteúdo das percepções que incidem sobre o sistema Pcpt. Nossas
muito estamos familiarizados, ou seja, que o aparelho psíquico deve cons-
percepções acham-se mutuamente ligadas em nossa memória - antes de
truir-se como um aparelho reflexo. Os processos reflexos continuam a ser o
mais nada, segundo a simultaneidadede sua ocorrência. Referimo-nos a esse
modelo de todas' as funções psíquicas.
fato como "associação". Assim, fica claro que, se o sistema Pcpt. não tem
A seguir, temos razões para introduzir uma primeira diferenciação na nenhuma memória, ele não pode reter nenhum traço associativo; os elemen-
extremidade sensorial. Em nosso aparelho psíquico, permanece um traço das tos isolados do Pcpt. ficariam intoleravelmente impedidos de desempenhar
percepções que incidem sobre ele. A este podemos descrever como "traços sua função se o remanescente de uma ligação anterior exercesse alguma
mnêmicos", e a função que com ele se relaciona damos o nome de "memó- influência nas novas percepções. Portanto, devemos presumir que a base da
ria". Se levamos a sério nosso projeto de ligar os processos psíquicos a associação está nos sistemas rnnêmicos. A associação consistiria, assim, no
sistemas, os traços mnêmicos só podem consistir em modificações perma- fato de que, em decorrência de uma diminuição das resistências e do estabe-
nentes dos elementos dos sistemas. Mas, como já foi assinalado em outro lecimento de vias de facilitação, a excitação é mais prontamente transmitida
texto: há dificuldadesóbvias em se supor que um mesmo sistema possa reter de um primeiro elemento Mnem. para um segundo do que para um terceiro.
Um exame mais detido nos indicará a necessidade de supormos a
1 ["Inewação" t um termo altamente ambíguo. É usado com muita freqcência num sentido existência não de um, mais de diversos elementos Mnem., nos quais uma
estrutural, para designar a distribuição anatômica dos nervos em algum organismo, ou região única excitação, transmitida pelos Pcpt., deixa fixada uma variedade de
corporal. Freud utiliza-omais amiúde (embora não invariavelmente)para cienotar a transmis-
são de energia para um sistema de nervos, ou (como neste caso) especificamente para um registros diferentes. O primeiro desses sistemasMnem. conterá, naturalmen-
sistema eferente -em outras palavras, para indicar um processo que tende à descarga.] te, o registro da associação por simultaneidade temporal, ao passo que o
2 [Por Breuer, numa nota de rodapé a Seção I de sua contribuição te6rica a Breuer e Freud, mesmo material perceptivo será disposto nos sistemas posteriores em função
1895, onde, entre outras coisas, ele escreve: "O espelho de um telescópio de reflexão não
pode ser, ao mesmo tempo, uma chapa fotográfica". Cf.Ed. Standard. Vol. 11, pág. 198nl, de outros tipos de coincidência, de maneira que um desses sistemas posterio-
onde são fornecidas outras referências.] res, por exemplo, registrará relações de similaridade, e assim por diante, no
aos sonhos ou As informações psicológicas que deles pudemos inferir. As
que concerne aos outros. Naturalmente, seria perda de tempo tentar pôr em
provas fornecidas pelos sonhos, contudo, hão de ajudar-nos a compreender
palavras a importância psíquica de um desses sistemas. Seu caráter residiria
outra parte do aparelho. Vimos [ver pág. 178 e segs.] que só nos foi possível
nos pormenores íntimos de suas relações com os diferentes elementos do explicar a formação dos sonhos arriscando a hipótese de existirem duas
material bmto da memória, isto é -se pudermos apontar para uma teoria de instâncias psíquicas, uma das quais submeteria a atividade da outra a uma
tipo mais radical -, nos graus de resistência de condução erguida contra a crítica que envolveria sua exclusão da consciência. A instânciri crítica,
passagem da excitação proveniente desses elementos. concluímos, tem uma relação mais (:streita com a con:sciência clo que a
Cabe-me intercalar aqui uma observação de natureza geral que talvez instância criticada, situando-se como uima tela entre esta última e a consciên-
tenha implicações importantes. É o sistema Pcpt., desprovido da capacidade cia. Ademais, encontramos razões [pág. 5221 para identificar a instância
de reter modificações,e, portanto, sem memória, que supre nossa consciência crítica com a instância que dirige nossa vida de vigília e determina nossas
de toda a multiplicidade das qualidades sensoriais. Por outro lado, nossas ações voluntárias e conscientes. Se, de acordo com nossas suposições,
lembranças -sem excetuar as que estão mais profundamente gravadas em substituirmos essas instâncias por sistemas, nossa última conclusão deverá
nossa psique -são inconscientes em si mesmas. Podem tomar-se conscien- levar-nos a situar o sistema crítico na extremidade motora do aparelho.
tes, mas não há dúvida de que produzem todos os seus efeitos quando em Introduziremos agora esses dois sistemas em nosso quadro esquemático e
estado inconsciente. O que descrevemos como nosso "caráter" baseia-se nos Ihes daremos nomes para expressar sua relação com a consciência (Fig. 3):
traços mnêmicos de nossas impressões;e além disso, as impressões que maior
efeito causaram em nOs -as de nossa primeira infancia -são precisamente
as que quase nunca se tomam conscientes.Mas, quando as lembranças voltam
a se tomar conscientes, não exibem nenhuma qualidade sensorial, ou mos-
tram uma qualidade sensorial ínfima se comparadas 6s percepções. Haveria
um esclarecimentoextremamentepromissor sobre as condições que regem a
excitação dos neurônios se fosse possivel confirmar que, nos sistemas-v, a
memória e a qualidade que caracteriza a consciência são mutuamente Fig. 3
exclusivas. ' Descreveremos o último dos sistemas situados na extremidade motora
Os pressupostos até aqui apresentados acerca da estruturação do apare- como o "pré-consciente", para indicar que os processos excitatórios nele
lho psíquico em sua extremidade sensorial foram formulados sem referência ocomdos podem penetrar na consciência sem maiores empecilhos, desde que
certas condições sejam satisfeitas: por exemplo, que eles atinjam certo grau
1 [Nota de rodapé acrescentada em 1925:l Sugeri posteriormente que, na realidade, a consciên- de intensidade, que a função que só se pode descrever como "atenção" esteja
cia surge em lugar do traço mnêmico. Ver minha "Nota sobre o 'Bloco Mágico' (1925~).
[Cf. também o Capitulo IV de Além do Principio do Prazer (1920g), onde se faz a mesma
distribuída de uma dada maneira [ver pág. 6191, etc. Este é, ao mesmo tempo,
afirmação. -A totalidade desta discussão sobre a memória toma-se mais inteligível através o sistema que detém a chave do movimento voluntário. Descreveremos o
do estudo desses dois trechos de trabalhos posteriores de Freud. Todavia, um esclarecimento sistema que está por trás dele como "o inconsciente", pois este não tem
ainda maior é-lhe trazido por algumas de suas primeiras reflexões sobre o assunto, reveladas
acesso à consciência senão através do pré-consciente, ao passar pelo qual
na correspondência com Fliess (Freud, 1950~).Ver, por exemplo, a Seção 3 da Parte I do
"Projeto para uma Psicologia Científica" (escrito no outono de 1895) e a Carta 52 (escrita seu processo excitatório é obrigado a submeter-se a modificações.'
em 6 de dezembro de 1896). Essa carta, aliás, contém o que evidentemente constitui uma
primeira versão do "quadro esquemático" acima apresentado, bem como o primeiro apare-
cimento das abreviações pelas quais os diversos sistemas são aqui distinguidos. Os símbolos 1 [Nota de rodapé acrescentada em 1919:] Se tentássemos ir mais adiante com este quadro
equivalentes explicam-se por si mesmos: "Cs." para o sistema "consciente", "Pcs." para o esquemático, no qual os sistemas se dispõem em sucessão linear, teríamos de nos haver com
" pré-consciente" , "Ics." para o "inconsciente", "Pcpt." para o sistema "perceptivo" e o fato de que o sistema seguinte ao Pcs. é aquele a que se deve atribuir a consciência, ou seja,
"Mnem." para o sistema "mnêmico".] que Pcpt. = Çr [Ver adiante, pág. 640 e segs.] Para uma discussão mais completa do assunto,
Em qual desses sistemas, portanto, devemos situar o impulso para a Essa regressão é pois, indubitavelmente,uma das características psico-
formação dos sonhos? Para simplificar, no sistema Zcs. É verdade que, no lógicas do processo onírico, mas devemos lembrar que ela não ocorre apenas
decorrer de nossas discussões posteriores, veremos que isso não é inteira- nos sonhos. A rememoração deliberada e outros processos constitutivos de
mente exato e que o processo de formação dos sonhos é obrigado a ligar-se nosso pensamento normal envolvem um movimento retrocedente do apare-
a pensamentos oníricos pertencentes ao sistema pré-consciente. [Pág. 591.] lho psíquico, retomando de um ato complexo de representação para a ,(
Entretanto, quando considerarmos o desejo onírico, descobriremos que a matéria-prima dos traços subjacentes. No estado de vigília, contudo, esse '
força propulsora da formação dos sonhos é fomecida pelo Ics. [pág. 5901 e, movimento retrocedente nunca se estende além das imagens mnêmicas; não
devido a este último fator, tomaremos o sistema inconsciente como ponto de consegue produzir uma revivescência alucinatória das imagensperceptivas.
partida da formação do sonho. Como todas as outras estruturas de pensamen- Por que as coisas se dão de outro modo nos sonhos? Quando consideramos
to, esse instigador do sonho se esforçará por avançar para o Pcs. e, a partir o trabalho de condensação nos sonhos, fomos levados a supor que as
daí, ganhar acesso à consciência.
A experiêncianos mostra que essavia que passa pelo pré-consciente para
intensidades ligadas às representações podem ser completamente transferidas
pelo trabalho do sonho de uma representação para outra [pág. 3551. Prova- '
,
chegar à consciênciaé barrada aos pensamentos oníricos durante o dia através velmente, é essa alteração do processo psíquico normal que torna possível a
da censura imposta pela resistência. Durante a noite, eles conseguem obter catexia do sistema Pcpt. na direção inversa, partindo dos pensamentos, até
acesso i consciência, mas surge a questão de determinar como o fazem e se atingir o nível de completa vividez sensorial.
graças a que modificação. Se o que permite aos pensamentos oníricos Não nos devemos iludi, exagerando a imporíância dessas considerações.
conseguir isso fosse o fato de haver durante a noite, uma diminuição da Não fizemos mais do que dar nome a um fenômeno inexplicável. Falamos
resistência que guarda a fronteira entre o inconsciente e o pré-consciente, em "regressão" quando, num sonho, uma representação é retransfoxmada na
teríamos sonhos que seriam da ordem das idéias e não possuiriam o caráter imagem sensorial de que originalmente derivou. Mas até mesmo esse passo
alucinatório em que ora estamos interessados. Assim, a diminuição da requer uma justificação. Qual é o sentido dessa nomenclatura, se não nos
censura entre os dois sistemas, Ics. e Pcs., só pode explicar sonhos formados ensina nada de novo? Creio que o nome "regressão" nos é útil na medida em)"
como o do "Autodidasker", e não sonhos como o do menino que estava que liga um fato que já nos era conhecido a nosso quadro esquemático, no
queimando, que tomamos como ponto de partida de nossas investigações. qual se deu ao aparelho psíquico um sentido ou direção. E é nesse ponto que
A única maneira pela qual podemos descrever o que acontece nos sonhos esse quadro começa a recompensar-nos por havê-lo construído. É que o
alucinatórios é dizendo que a excitação se move em direção retrocedente. Em exame dele, sem qualquer reflexão adicional, revela outra característica da
vez de se propagar para a extremidade motora do aparelho, ela se movimenta formação dos sonhos. Se encararmos o processo onírico como uma regressão
no sentido da extremidade sensorial e, por fim, atinge o sistema perceptivo. que ocorre em nosso hipotético aparelho anímico, chegaremos sem demora
Se descrevermos como "progressiva" a direção tomada pelos processos à explicação do fato empiricamente comprovado de que todas as relações
psíquicos que brotam do inconsciente durante a vida de vigília, poderemos lógicas pertencentes aos pensamentos oníricos desaparecem durante a ativi-
dizer que os sonhos têm um caráter "regressivo".' dade onírica, ou só conseguem expressar-se com dificuldade [pág. 337 e
segs.]. Segundo nosso quadro esquemático, essas relações não estão contidas ,
I,'
nos primeiros sistemas Mnem., mas em sistemas posteriores; e, havendo
ver Freud, 191 7d.- O "quadro esquemático" posterior do aparelho psíquico, inicialmente
apresentado por Freud em O Ego e o Id (1923b), Capitulo 11, e repetido (com algumas
modificações) nas Novas ConferênciasIntroduiórias (1 9334, Conferência XXXI, dá mais - Escreve Hobbes no Leviatã (1651, Parte I , Capítulo 2): "Em suma, nossos sonhos são o
ênfase i estrutura daque a função. reverso de nossas imaginações de vigília, começando o movimento, quando estamos acorda-
1 [Nota de rodiPé acrescenfuda" em 1914:] A primeira alusão ao fator da regressão j6 dos, por uma extremidade, equandosonhamos,pela outra." (CitadoporHavelock Ellis, 19 1 1 ,
encontrada em Alberto Magno [o escritor escolástico do século XIII]. A "imaginatio", 109.) - [Breuer, na Seção I do Capitulo 111 de Breuer e Freud, 1895, fala (em relação às
diz-nos ele, constrói sonhos a partir de imagens armazenadas dos objetos sensoriais, e esse alucinações) de uma excitação 'retrocedente',que emana do órgão da memória e alua sobre
processo é realizado em direção inversa à da vida de vigília. (Citado por Diepgen, 1912-14.) o aparelho perceptivo através de representações".]
regressão, elas perderiam necessariamente qualquer meio de expressar-se, tornam-se idiotas, não conseguem aprender nada na escola e morrem cedo.
\ exceto por imagens perceptivas. Na regressão, a trama dos pensamentos Meu pequeno pacientejá havia cumpridoparte dessa profecia, pois não estava
i\ oníricos decompõe-se em sua matéria-prima.
fazendo progressos na escola e, como mostrou seu relato dos pensamentos
Qual é a modificaçãoque possibilita uma regressão que não pode ocorrer involuntários que lhe ocomam, estava aterrorizado com a outra parte. Posso
' durante o dia? Quanto a esse ponto, temos de contentar-nos com algumas acrescentar que, ao cabo de pouco tempo, o tratamento resultou em ele poder
conjeturas. Sem dúvida, trata-se de alterações nas catexias de energia ligadas dormir, no desaparecimentode seu nervosismo e em seu recebimento de uma
aos diferentes sistemas, alterações estas que aumentam ou diminuem a menção honrosa ao término do ano letivo.
facilidade com que tais sistemas podem ,,ser atravessados pelo processo Nesse mesmo contexto, quero explicar uma visão que me foi descrita
excitatório. Mas, num aparelho desse tipo, efeitos idênticos da passagem das por outro paciente histérico (uma mulher de quarenta anos) como havendo
excitações poderiam ser produzidos por mais de um modo. Nossos primeiros acontecido antes de seu adoecimento. Certa manhã ela abriu os olhos e viu
pensamentos voltam-se, naturalmente, para o estado de sono e as mudanças seu irmão no quarto, embora, como sabia, ele estivesse de fato num manicô-
de catexia por ele promovidas na extremidade sensorial do aparelho. Durante mio. Seu filhinho dormia na cama ao lado dela. Para impedir que o menino
o dia, há uma corrente contínua que flui do sistema y das percepções em levasse um susto e entrasse em convulsões ao ver o tio, ela puxou o lençol
direção à atividade motora, mas essa corrente cessa à noite e não pode mais sobre o rosto dele, ao que a aparição se dissipou. Essa visão era uma versão
constituir obstáculo a uma corrente de excitação que flua em sentido oposto. modificada de uma lembrança da infância dessa senhora e, embora fosse
Aqui parecemos ter a "exclusão do mundo exterior" que algumas autoridades consciente, estava intimamente relacionada com todo o seu material incons-
encaram como a explicação teórica das características psicológicas dos ciente, Sua babá lhe contara que sua mãe (que morrera muito jovem, quando
sonhos. (Ver pág. 86 e segs.) minha paciente tinha apenas dezoito meses de idade) havia sofrido de
No entanto, ao explicar a regressão nos sonhos, devemos ter em mente convulsões epilépticas ou histéricas que remontavam a um susto que lhe
as regressões que também ocorrem nos estados patológicos de vigília, e, nesse causara seu irmão (o tio de minha paciente), ao aparecer-lhe fantasiado de
contexto, a explicação há pouco fornecida nos deixa em apuros. É que, nesses fantasma, com um lençol sobre a cabeça. Assim, a visão continha os mesmos
casos, a regressão ocorre a despeito de uma corrente sensorial que flui elementos da lembrança: o aparecimento do irmão, o lençol, o susto e seus
ininterrup@mente em direção progressiva. Minha explicação para as aluci- resultados. Entretanto, os elementos se haviam ordenado num contexto
<nações da histeria e da paranóia e para as visões nos sujeitos mentalmente diferente e foram transferidos para outras figuras. O motivo manifesto da
normais é que elas de fato constituem regressões - isto é, pensamentos visão, ou dos pensamentos que ela substituía, era a preocupação de que seu
transformados em imagens -, mas os únicos pensamentos a sofrerem essa filhinho viesse a seguir os passos do tio, com quem tinha grande semelhança
transformação são os que se ligam intimamente a lembranças que foram fisica.
suprimidas ou permaneceram inconscientes. Nenhum dos dois exemplos que citei é inteiramente desvinculado do
Por exemplo, um de meus pacientes histéricos mais jovens, um menino estado do sono e, por essa razão, talvez não sejam muito apropriados para
de doze anos, era impedido de adormecer por "rostos verdes com olhos comprovar o que pretendo. Desse modo, remeto o leitor a minha análise de

'
vermelhos", que o aterrorizavam. A fonte desse fenômeno era a lembrançã uma mulher que sofria de paranóia alucinatória (Freud, 1896d [Parte 1111) e
suprimida, embora consciente em certa época, de um menino que ele via com aos resultados de meus estudos ainda não publicados sobre a psicologia das
frequência quatro anos antes. Esse menino havia-lhe apresentado um quadro psiconeurosesl para que se comprove que, nesses casos de transformação
alarmante das conseqüências dos maus hábitos das crianças, inclusive o da regressiva dos pensamentos, não devemos desprezar a influência de lembran-
masturbação-hábito pelo qual meu paciente agora se censurava aposteriori I
I ças, principalmente infantis, que tenham sido suprimidas ou permanecido
[nachtraglich]. Sua mãe lhe assinalara, na ocasião, que esse menino malcom- inconscientes. Os pensamentos vinculados a esse tipo de lembrança, e cuja
portado tinha o rosto esverdeado e olhos vermelhos (isto é, avermelhados).
Era essa a origem de sua assombração, cujo único propósito, aliás, era
relembrar-lhe outra das predições de sua mãe - a de que esses meninos 1 1 [Nunca publicados com esse título.]
I
expressão é proibida pela censura, são, por assim dizer, atraídos pela lem- I do sonho até as qualidades sensoriais de impressões recentes ou bastante
brança para a regressão, como a forma de representação em que a própria recentes. Na pág. 496 e segs., registrei um sonho em que o azul escuro da
lembrança se inscreve. Posso também lembrar que um dos resultados a que água, o castanho da fumaça que saía das chaminés do navio e o marrom e
se chegou nos Estudos sobre a Histeria [Breuer e Freud, 1895 - p. ex., no vermelho escuros dos prédios deixaram em mim profunda impressão. Esse
primeiro caso clínico de Breuer] foi que, quando era possível trazer à sonho, pelo menos, deveria ter sua origem atribuída a algum estímulo visual.
t
consciência cenas infantis (quer fossem lembranças ou fantasias), elas eram O que teria levado meu órgão visual a esse estado de estimulação? Uma
vistas como alucinaçõese só perdiam essa característicano processo de serem impressão recente, que estava ligada a diversas outras mais antigas. As cores
comunicadas.Além disso, é comumente sabido que, mesmo nas pessoas cuja que vi eram, em primeiro lugar, as de um jogo de tijolos de armar com que,
memória não é normalmente do tipo visual, as recordações mais primitivas no dia anterior ao sonho, meus filhos haviam erguido um lindo prédio e o
da infância conservam até idade avançada o caráter de vividez sensorial. tinham exibido para minha admiração. Os tijolos grandes eram do mesmo
Se agora tivermos presente o enorme papel desempenhado nos pensa- vermelho escuro e os pequenos, dos mesmos tons azul e castanho. Isso estava
mentos oniricos pelas experiências infantis ou pelas fantasias nelas baseadas, associado com impressões cromáticas de minhas últimas viagens pela Itália:
a frequência com que os fragmentos delas ressurgem no conteúdo do sonho, o belo azul do Isonzo e das lagoas e o castanho do Carso.' A beleza das cores
e quão amiúde os próprios desejos oníricos derivam delas, não poderemos do sonho era apenas uma repetição de algo visto em minha lembrança.
descartar a probabilidade de que, também nos sonhos, a transformação dos
pensamentos em imagens visuais seja, em parte, resultante da atração que as Reunamos o que já descobrimos sobre a peculiar propensão dos sonhos
lembranças expressas sob forma visual e ávidas de uma revivescência exer- a refundir' seu conteúdo de representações em imagens sensoriais. Não
cem sobre os pensamentos desligados da consciência e que lutam por explicamos esse aspecto do trabalho do sonho e não fomos buscar sua origem
encontrar expressão. Desse ponto de vista, o sonho poderia ser descrito como em quaisquer leis psicológicas conhecidas, mas antes o destacamos como
substituto de uma cena injântil, rnod$cada por transferir-se para uma
algo que sugere implicações desconhecidas e o caracterizamos pela palavra
experiência recente. A cena infantil é incapaz de promover sua própria
"regressivo". Formulamos a concepção de que, com toda probabilidade, essa
revivescência e tem de se contentar em retomar como sonho.
regressão, onde quer que ocorra, é efeito da resistência que se opõe ao avanço
Essa indicação do modo como as cenas infantis (ou suas reproduções
de um pensamento para a consciência pela via normal, e de uma atração
como fantasias) funcionam, em certo sentido, como modelos para o conteúdo
simultânea exercida sobre o pensamento pela presença de lembranças dotadas
dos sonhos afasta a necessidade de uma das hipóteses formuladas por
de grande força ~ensorial.~ No caso dos sonhos, a regressão talvez seja ainda
Schemer e seus seguidores acerca das fontes internas de estimulação. Scher-
ner [I86 11 supõe que, quando os sonhos exibem elementos visuais particu- facilitada pela cessação da corrente progressiva que emana durante o dia dos
larmente vívidos ou particularmente abundantes, acha-se presente um estado órgãos dos sentidos; noutras formas de regressão, a ausência desse fator
de "estímulo visual", isto é, de excitação intema do órgão da visão [cf. pág. auxiliar precisa ser compensada por uma intensificação dos outros motivos
2551. Não precisamos contestar essa hipótese, e podemos contentar-nos em para ela. Tampouco devemos esquecer de observar que nesses casos patoló-
presumir que esse estado de excitação se aplique simplesmente ao sistema gicos de regressão, bem como nos sonhos, o processo de transferência de
energia deve diferir do que existe nas regressões que ocorrem na vida anímica
+ perceptivopsíquico do órgão visual: entretanto, podemos ainda assinalar que
o estado de excitação visual que foi criado por uma lembrança ue ele é uma
h
revivescêncio de uma excitação visual que foi originalmente imediata. Não
posso apresentar, de minha própria experiência, nenhum bom exemplo de I
1 [O planalto de rocha calcária situado atrás de Trieste.]
2 [Nota de rodapé acrescentada em 1914:] Em qualquer exposição da teoria do recalcamento,
caberia estabelecer que um pensamento se toma recalcado como efeito da influência combi-.
lembrança infantil produtora desse tipo de resultado. Meus sonhos, em geral, nada que sobre ele exercem dois fatores. Ele B empurrado de um lado (pela censura da Cs.)
são menos ricos de elementos sensoriais do que sou levado a supor que ocorra e puxado do outro (pelo Ics.), do mesmo modo como as pessoas são transportadas ao topo da
com outras pessoas. Todavia, no caso do mais vívido e belo sonho que tive Grande Pirâmide. [Acrescentado em 1919:] Cf. [as páginas iniciais de] meu artigo sobre o
nos últimos anos, pude facilmente rastrear a clareza alucinatória do conteúdo recalcamento (Freud, 19154.
,
/ normal, uma vez que, nos primeiros, esse processo possibilita uma completa I de destaque entre as ciências que se interessam pela reconstrução dos mais
catexia alucinatória dos sistemas perceptivos. O que descrevemos em nossa antigos e obscuros períodos dos primórdios da raça humana.
análise do trabalho do sonho como "consideração à representabilidade"
poderia ser vinculado à atração seletiva exercida pelas cenas visualmente É bem possível que esta primeira parte de nosso estudo psicológico dos
relembradas em que os pensamentos oníricos tocam. sonhos nos deixe um sentimento de insatisfação. Mas podemos consolar-nos
I
com a idéia de que fomos obrigados a construir nosso caminho nas trevas.
Convém ainda observar' que a regressão desempenha na teoria da Se não estamos inteiramente errados, outras linhas de abordagem hão de
formação dos sintomas neuróticos um papel não menos importante que na levar-nos aproximadamente a essa mesma região, e então poderá vir um
dos sonhos. Assim, cabe distinguir três tipos de regressão: (a) regressão tempo em que nos sintama rontade nela.
tópica, no sentido do quadro esquemático dos sistemas-iy que explicamos
atrás; (b) regressão temporal, na medida em que se trata de um retorno a
estruturas psíquicas mais antigas; e (c) regressãoformal, onde os métodos
primitivos de expressão e representação tomam o lugar dos métodos habi-
tuais. No fundo, porém, todos esses três tipos de regressão constituem um só
e, em geral, ocorrem juntos, pois o que é mais antigo no tempo é mais
primitivo na forma e, na tópica psíquica, fica mais perto da extremidade
perceptiva. [Cf. Freud, 1917d, onde essa frase recebe uma ressalva.]
Tampouco podemos abandonar o tema da regressão nos sonhos2 sem I
formular em palavras uma noção que já nos ocorreu repetidamente e que
ressurgirá com intensidade renovada quando tivermos penetrado mais a
fundo no estudo das psiconeuroses, a saber; que o sonhar é, em seu conjunto,
um exemplo de regressão à condição mais primitiva do sonhador, uma
I
revivescência de sua infância, das moções pulsionais que a dominaram e dos
métodos de expressão de que ele dispunha nessa época. Por trás dessa infãncia
do indivíduo é-nos prometida uma imagem da infância filogenética -uma
imagem do desenvolvimentoda raça humana, do qual o desenvolvimento do
indivíduo é, de fato, uma recapitulaçãoabreviada, influenciada pelas circuns-
tâncias fortuitas da vida. Podemos calcular quão apropriada é a asserção de
Nietzsche de que, nos sonhos, "acha-se em ação alguma primitiva relíquia
da humanidade que agorajá mal podemos alcançarpor via direta" ;e podemos
esperar que a análise dos sonhos nos conduza a um conhecimento da herança
arcaica do homem, daquilo que lhe é psiquicamente inato. Os sonhos e as
neuroses parecem ter preservado mais antiguidades anímicas do que imagi- o
naríamos possível, de modo que a psicanálise pode reclamar para si um lugar

1 [Esse parágrafo foi acrescentado em 1914.1


2 [Esse parágrafo foi acrescentadoem 19 19.1

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