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XEQUE-MATE: UNIVERSO
Autor
KURT MAHR
Tradução
S. PEREIRA MAGALHÃES
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
A batalha espacial na zona de superposição —
Um novo golpe da sagacidade terrana.
Julian Tifflor tinha certeza de que jamais vira estes dois homens antes. Eram jovens,
vestidos de maneira mais do que simples, cada um deles com uma pistola de raios
térmicos na mão, apontando-lhe para o peito.
Num relance de vista, Tifflor percebeu que, nestas circunstâncias, não podia fazer
outra coisa do que obedecer aos dois rapazes, por absurdas que fossem suas pretensões.
Não estava, porém, com medo. Encontrava-se mais ou menos no centro da metrópole
Terrânia.
É verdade que a rua, onde se localizava o restaurante em que acabara de jantar, não
tinha mais movimento. Já era tarde demais para se ver gente andando pelas ruas. Dois
carros disparavam nas faixas de alta velocidade, mas já iam longe, para seus ocupantes
poderem notar o que dois assaltantes faziam com um senhor uniformizado, à beira da
calçada.
Neste sentido, a situação era mesmo muito desfavorável para Tifflor. O restaurante,
a esta hora, também estava quase vazio e certamente ainda levaria muito tempo até que
mais um freguês saísse.
A princípio, julgou se tratar de simples raptores. Queriam apenas dinheiro e
acreditavam que nas imediações de um restaurante de categoria podiam consegui-lo. No
dia seguinte, pela manhã, quando se espalhasse a notícia do desaparecimento do Coronel
Julian Tifflor, da Frota Espacial Terrana, o mecanismo gigantesco da polícia se poria em
movimento e os dois coitados, com medo das conseqüências, o haveriam de soltar, caso
ele mesmo, até lá, não arranjasse outra solução para o caso.
Quando um dos dois lhe perguntou se o belo carro cinza, estacionado ao longo do
meio-fio, lhe pertencia, respondeu bem-humorado:
— É meu, sim. É um grande carro, não?
Mas o outro assaltante parecia não gostar de conversa fiada:
—- Abra-o e entre — disse o segundo rapaz, fazendo o gesto com a arma na mão. —
Sente-se atrás.
Tifflor não se intimidou. De pé, diante da porta, olhou para os dois, dizendo:
— Sou coronel, talvez os senhores sejam mais do que isto, para me darem ordens.
Não se preocupou muito com o que os dois iriam fazer. Porém um deles deu uns
passos à frente e desferiu-lhe uma forte pancada na cabeça. Cambaleou e quase caiu. No
último instante, mãos fortes o pegaram por baixo dos braços e o seguraram.
Ouviu então uma voz, que lhe parecia vir de muito longe:
— Não podemos perder tempo com piadas bobas. O senhor vai fazer o que lhe
mandarmos.
Tifflor não teve mais dúvida. Como poderia ele se defender, se, de antemão, eles já o
deixaram quase desacordado com um soco? Liberou-se dos braços que o apoiavam e foi
para o carro. Com a chave-segredo destravou as portas e o contato para a ignição. Entrou
pela porta de trás e se sentou no segundo banco. Sentiu-se melhor quando sentou-se. O
soco fora forte e exigia repouso.
Um deles colocou-se a seu lado, enquanto o outro, ao volante, já tinha posto o carro
em marcha. Quando a pequena tela do interceptador de microondas, que servia para
rastrear as pistas de alta velocidade, isto é, para indicar se estavam ou não livres, lhe
indicou que a pista estava vazia, o carro disparou numa delas, bem no centro da estrada,
ficando entregue a si mesmo. O fato de o assaltante ter escolhido uma faixa interna
convenceu Tifflor de que o objetivo de seus algozes não ficava muito próximo.
Tentou fazer perguntas ao homem a seu lado. Começou com perguntas diretas, e
quando notou que ele não respondia, passou a soltar indiretas provocativas. Mas o seu
companheiro de banco estava bem escolado, não abria a boca. Não respondeu uma
palavra, nem mostrou a menor reação.
Depois disso, passou pela cabeça de Tifflor a idéia de, com muito jeito, sem que o
rapaz reparasse, pegar a arma num coldre sob seu uniforme.
Tentou meter a mão no bolso do casaco, onde havia um furo no enchimento que ia
dar no coldre.
De repente, o rapaz deu uma rápida virada, pôs o cano de sua pistola bem rente ao
rosto de Tifflor e disse com calma:
— Coloque as mãos na posição normal, em cima das pernas. Mister, sabemos muito
bem como os uniformes da Frota Espacial são feitos. Não perca tempo com bobagens.
Tifflor acabou desistindo. Teve, então, tempo para pensar com mais calma em outras
coisas, principalmente nas primeiras impressões que os dois rapazes lhe causaram.
Da maneira como agiram, deixaram supor que sabiam muito bem o que queriam. O
posto hierárquico de Tifflor e suas ponderações de que, no mais tardar, dentro de cinco
horas toda a polícia secreta estaria em seu encalço, nada disso os impressionou.
Tifflor já não tinha muita certeza se eram assaltantes comuns. Lembrou-se da
inquietação que se apoderou de toda a Terra, quando, há poucas semanas, correu o boato
de que Perry Rhodan tinha morrido. Quando Perry Rhodan apareceu de novo em público,
demonstrando à Humanidade que não havia nenhum motivo de preocupação, os boatos
foram se dissipando, até desaparecerem completamente.
Chamou a atenção de todos para não darem ouvidos aos “pescadores de águas
turvas”, que aproveitavam toda oportunidade para seus fins egoístas.
Será que ele teria caído em mãos de gente assim?
O pensamento lhe parecia absurdo. Ele era coronel, alta patente, é verdade, mas nem
por isso se podia esperar que Perry Rhodan e o Conselho Supremo Solar haveriam de
mudar suas determinações, só pelo fato de os adversários políticos terem tomado como
refém um coronel da Frota Espacial.
A situação não deixava de ser confusa e desagradável. Já era um pouco tarde para
isso, mas Tifflor chegou à conclusão de que, há minutos atrás, quando ainda estava na
rodovia de Goshun, devia ter provocado algum “barulho”. Tinha impressão de que, daí
para frente, não teria mais oportunidade de dar sinais que avisassem alguém de seu
seqüestro.
***
Julian Tifflor tivera as aventuras mais emocionantes de sua vida nas profundezas da
imensidão galáctica. Ainda não havia enfrentado os bandidos da Terra. Imaginava que a
viagem que os seqüestradores faziam no seu carro particular fosse terminar na solidão da
estepe, numa casa em ruínas, constantemente batida pelos ventos.
Mas a casa que servia de esconderijo não correspondia muito à imaginação de
Tifflor. Parecia mais um abrigo, construído há quatro séculos, para uso de bandos de
nômades, geralmente assaltantes. Mas Tifflor sabia muito bem que, há pouco menos de
setenta anos, não existia nenhuma casa nesta região. Porém tal fato não alterou esta
singular impressão.
Quando entrou e se deparou com um moderno hospital, sua surpresa aumentou. Os
corredores reluziam de tanta limpeza, e a iluminação era simplesmente exuberante. O
salão para onde foi levado estava equipado com os instrumentos mais sofisticados que a
psicofísica moderna podia oferecer.
A finalidade de todos aqueles aparelhos não passou despercebida a Julian Tifflor.
Compreendeu que tinha de agir imediatamente, caso quisesse recuperar a liberdade.
Depois de ser submetido ao tratamento em um daqueles aparelhos, seria tarde. Não teria
mais o domínio de sua vontade e passaria a fazer tudo que lhe fosse exigido, pois estaria
sob forte influência hipnótica.
O momento tinha de ser este. E Tifflor mostrou que era um homem de coragem,
quando começou a agir, mesmo sabendo que os dois seqüestradores não o perdiam de
vista. Assim que entraram na casa, ladearam-no.
Enquanto transpunham o andar térreo, pararam só uma vez, exatamente para tirar a
pistola de raios térmicos que Tifflor trazia sob o casaco. Teve de permiti-lo, sem opor
qualquer resistência.
Agora, continuavam andando ao lado dele. Já estavam penetrando no salão repleto
de instrumentos psicofísicos. Um deles o apanhou pelo ombro e continuou levando-o
através do salão. O outro ficou uns metros para trás, para trancar a porta.
Devia ser o momento decisivo.
Não interessava a Tifflor que o da frente o olhasse firme e desconfiado. Colocou o
pé direito atrás do esquerdo e fez como se tivesse tropeçado, levando o corpo
arqueadamente para frente, de tal modo que a mão do seqüestrador escapou de seu
ombro. Ergueu-se de novo e, aliás, com toda a força que a ira lhe podia fornecer. Não
precisou usar o punho. Só o choque violento de seu ombro atirou o rapaz ao chão.
Tifflor sabia do que precisava para sua garantia. Pulou para cima dele, levantou-o e
o colocou à sua frente, para cobrir-se do ataque do outro, que estava trancando a porta.
O homem usado como cobertura estava meio zonzo, mas não inconsciente. Ao
perceber o que acontecia, fez um esforço ingente para prejudicar Tifflor. Tentou livrar-se
da bem aplicada gravata que o prendia e aplicou uma canelada em seu adversário.
Tifflor foi mais ágil. Deu uma virada com ele e, com muita força, chocou sua cabeça
contra a base metálica do encefalógrafo. Ouviu-se o estalo da pancada; e o rapaz, ainda
preso ao braço de Tifflor, desmaiou.
Tifflor recuou um pouco. O braço que sustinha o rapaz inconsciente já lhe estava
doendo muito. Olhou para a porta e viu, surpreso, que o outro homem, que devia estar ali,
havia desaparecido. Olhou em volta, deixou cair o corpo do inconsciente e se agachou
entre dois grandes aparelhos, a fim de cobrir-se. Começou então a se preocupar com o
paradeiro do outro rapaz.
A única coisa que conseguia ouvir era sua respiração ofegante. Fez esforço para se
controlar, e passou a respirar pela boca, com a intenção de não provocar ruído. Mas ainda
lhe ficaram as fortes pulsações na fonte e as dores do soco. Seu maior desejo era arranjar
uma arma. Qualquer uma. Não precisava ser sua pistola de raios térmicos. Uma granada
de mão, um fuzil, ou qualquer outra coisa.
Devagar, para não fazer nenhum ruído, conseguiu se virar. O rapaz inconsciente
estava a dois metros dele e a mais dois metros se via a arma que deixara cair. Quatro
metros, portanto. Pôs-se em movimento. Tinha que sair da proteção daqueles aparelhos,
quase tão altos como ele, e passar ao lado do rapaz desmaiado. Fez tudo isto com
cuidado, olhando sempre em volta.
Onde estaria o segundo homem?
Julian Tifflor não conseguiu saber, nem teve mais tempo para isto. Quando já estava
quase pegando a arma, bastando-lhe apenas esticar o braço, sentiu um impacto violento,
que fez seu corpo estremecer de dores lancinantes. Ainda teve tempo de reconhecer que
aquele tipo de dor só podia provir de raios portadores de forte descarga elétrica. Logo
depois perdeu os sentidos.
Despencara num abismo tenebroso e profundo.
***
De repente, em plenas trevas, surgiu uma luz clara, porém, sem contornos visíveis.
Não era real.
Tinha dores terríveis nos olhos. Procurou mover as pálpebras, constatando, no
entanto, que os olhos estavam fechados. Não era, pois, uma luz comum. Também não
vinha de fora.
Ouviu então uma voz. Porém, não se via o dono da tal voz.
— Julian Tifflor — dizia — preste bem atenção!
Falava ridiculamente baixo e vagaroso. Era enorme a vontade que Tifflor sentia de
rir. Mas antes que começasse a rir, a voz continuou a falar. E quanto mais falava, mais
fascinado ficava com a solene lentidão e o tom cavernoso da voz. E não podia fazer outra
coisa a não ser ouvir, ouvir... Sugava as palavras como uma esponja absorve a água e
jamais se esqueceria de uma só delas. E além de tudo, o que a voz dizia era extremamente
desconcertante, para não dizer sensacional...
***
Franklin Lubkov era tenente da Frota Espacial Terrana, tinha vinte e sete anos e
estava com o queixo inchado, e agora, depois de ter executado a parte mais desagradável
de sua missão, mostrava o maior respeito por seu superior.
Quando Tifflor lhe ordenou que tirasse a mão do queixo e exibisse um semblante
mais alegre, obedeceu prontamente.
— O senhor sabe, isto dói bastante. Nunca pensei que o senhor tivesse um soco tão
firme assim.
Tifflor não deu maior importância a esta afirmação.
— Diga-me o que você sabe sobre todo este negócio.
Lubkov fez um gesto afirmativo.
— Não é tanta coisa assim. Deram a mim e ao sargento Fryberg a incumbência de
apanhá-lo na noite do dia dez de dezembro, após seu jantar no Restaurante Tai Wang e de
conduzi-lo para uma casa, cuja localização nos foi dada com todos os detalhes.
Instruíram-nos ainda que isto tinha que ser feito à maneira dos assaltos comuns.
Camuflaram-nos os traços fisionômicos e nos cederam roupas velhas, dizendo sempre
que era muito importante que tudo desse a impressão de verdadeiro.
— Sim — interrompeu Tifflor — mas quem foi que lhes deu estas ordens ou
instruções?
Lubkov sorriu desajeitado:
— Marechal Mercant, senhor, ele pessoalmente e com muitos detalhes.
Tifflor soprou por entre os dentes.
— Quer dizer, então, que não lhes restou nada, a não ser obedecer, não? Bem, mas
depois que vocês me trouxeram para cá, o que devia acontecer?
— Isto não seria mais nossa missão, senhor — respondeu Lubkov. — Devíamos
colocá-lo lá sobre a mesa, amarrá-lo bem e depois desaparecer. O Marechal Mercant nos
dissera que viria outra pessoa para cuidar do senhor.
— E nunca lhes passou pela cabeça a idéia de que o que vocês estavam fazendo era
uma coisa ilegal e, sob certas circunstâncias, poderiam prejudicar o Império Solar?
— Não, senhor. Para isto teríamos de supor que o Marechal Mercant estivesse
superembriagado. Além disso, enquanto ele nos dava as instruções, estava presente o
Marechal Freyt. Eu, pelo menos, estava certo do que fazia.
Tifflor se virou para o lado e começou a andar de um canto para o outro.
— E como vai continuar o negócio? — perguntou ele depois de algum tempo de
reflexão.
— Não sei, senhor. Disseram-me que receberíamos novas instruções do senhor
mesmo.
— Onde estão os outros?
— Lá embaixo, no porão, senhor, esperando pela ordem de partida.
Tifflor se virou para ele:
— Vá lá para baixo e diga-lhes que dentro de uma hora e meia estará tudo pronto.
Partimos às vinte e quarenta.
O Tenente Lubkov fez continência e foi embora. Agora, já de uniforme e sem as
pinturas de camuflagem, da noite anterior, em frente ao Restaurante Tai Wang, junto com
o sargento Fryberg, ele dava uma impressão muito mais simpática.
Julian Tifflor sentou-se na beira da cama, onde durante muitas horas recebera o
tratamento psicofísico. Só olhar para a cama lhe despertava recordações desagradáveis,
mas no quarto todo não havia uma cadeira.
Tenente Lubkov, sargento Fryberg e mais doze homens seriam a tripulação com a
qual, dentro de hora e meia, obedecendo a ordens superiores, teria de partir para a
aventura mais arriscada de sua longa e gloriosa carreira.
Sabia como devia agir. Estava a par de sua situação e da de sua gente. Por estas
horas, em Terrânia, os jornais deviam estar circulando com notícias sensacionais sobre
quatorze homens que, sob o comando de um alto oficial da Frota Espacial — homem este
conhecido em toda a Terra — haviam se desgarrado da Humanidade e dos ideais políticos
de Perry Rhodan, tornando-se traidores. Acreditava-se, ou melhor, os jornais acreditavam
que os desertores já haviam se apossado de uma espaçonave para deixar a Terra. Apesar
disso, estavam sendo procurados por todos os cantos da Terra.
O Coronel Tifflor, portanto, não ignorava que qualquer policial terrano tinha o
direito de atirar nele, assim que o reconhecesse. Ele e os quatorze lá embaixo no porão já
estavam automaticamente condenados ao exílio.
Tudo foi tramado com muita inteligência. Quando os arcônidas pusessem sua gente
nas pegadas de Lubkov, chegariam certamente à seguinte conclusão: De início eram
somente quatorze homens que pretendiam renunciar à cidadania terrana: Lubkov, Fryberg
e doze outros. Precisavam de um líder e escolheram Tifflor. É claro que não passaria pela
cabeça de Tifflor trair seu mundo, a Terra e o Império Solar. Para este fim, Lubkov e sua
gente teriam de “condicioná-lo”. Seqüestraram-no e o arrastaram bem para fora da cidade
e o “prepararam” de tal maneira, que não lhe restava outra coisa senão aderir às idéias de
Lubkov.
Quando, alguns minutos após a partida, a casa fosse pelos ares, certamente haveriam
de sobrar alguns fragmentos da instalação que seriam suficientes para convencer os
melhores espiões de que Lubkov possuía um aparelhamento capaz de transformar o
homem mais fiel num reles traidor.
E tudo estava caminhando conforme o previsto. Julian Tifflor estava realmente
“condicionado”. Através de meios mecano-sugestivos, tinham-lhe inculcado todo o
plano, que era a base do empreendimento. Isto levou muitas horas. Mas agora, cada
detalhe do plano repousava tão firme na cabeça de Tifflor, como se desde sua infância
não tivesse pensado em outra coisa. De acordo com a própria opinião de Tifflor, o plano
era tão perfeito que nada nele podia dar errado.
Mesmo assim, nem tudo estava ao seu gosto, mas, o exemplar oficial terrano estava
habituado a obedecer. Compreendia que as coisas tinham de ser feitas assim e não de
outra maneira, para se atingir um grau de quase perfeição. Sentia falta apenas de algumas
palavras amigas de algum dos responsáveis, que haviam colocado em seus ombros uma
missão tão árdua.
Fazia mais de sessenta anos que Tifflor servia na Frota Espacial. Pertencia ao
número dos privilegiados que haviam recebido, no planeta Peregrino, a ducha celular
conservadora da juventude. Estava agora com oitenta anos, mas sua aparência, sua
elasticidade corporal e sua agilidade mental eram as de um jovem de trinta anos. O
processo de envelhecimento parou no ponto em que recebeu a primeira ducha celular.
Com oitenta anos, era um homem de larga experiência. Mas apesar de toda sua vivência,
gostaria que alguém lhe dissesse amigavelmente: “Não se preocupe, Tiff, nós estamos
acompanhando você!”
Deitou-se de costas e acendeu um cigarro. Pensativo, soprava a fumaça, olhando
para o teto.
Ouviu de repente uma voz estranha. Aliás, não era tão estranha assim. Já a conhecia
e sabia de quem era. Surpreso, levantou-se e olhou em volta, mas não havia ninguém no
quarto e a voz também não vinha de nenhum alto-falante.
Era Perry Rhodan quem estava “falando” e suas palavras ressoavam dentro do
cérebro de Tiff.
Deitou de novo e ficou prestando atenção.
— Você necessita de uma explicação, Tifflor — “disse-lhe” Rhodan em tom
amigável. — Sei disso e faço questão de transmiti-la. Não estranhe o meio de
comunicação. Você agora passa por um proscrito e eu não posso procurá-lo diretamente.
Esta mensagem foi gravada em fita e lhe está sendo transmitida por meio de mecano-
sugestão. É inerente a este processo um comando pós-hipnótico, que provoca a recepção
da mensagem só algum tempo depois. Suponho que, em volta de você, agora, reine plena
calma, a calma que precede sempre à tempestade. Portanto, você tem tempo para me
ouvir.
“A Terra se encontra numa enrascada, num beco sem saída, para lhe falar bem
claramente, Tifflor. Vivemos em paz internamente. Mas Árcon, de armas até nos dentes,
está de prontidão, e quando o regente robotizado descobrir qual a posição da Terra, vai
nos acontecer o mesmo que aconteceu com o planeta Fera Cinzenta. Com os druufs o
perigo é mínimo: o caminho para nosso Universo logo lhes será fechado. A zona de
superposição desaparece e muda para outro lugar. Aí, então, o robô vai recomeçar a se
preocupar conosco. Temos que aproveitar toda oportunidade que nos possa fazer ganhar
mais tempo e que nos possibilite prejudicar os interesses de Árcon.
“Uma oportunidade destas, aliás magnífica, está agora diante de nós, enquanto os
druufs não ficarem separados de nosso Universo.
“Sobre o plano em si não lhe preciso explicar nada, Tifflor. Você o conhece nos
mínimos detalhes. Pode confiar plenamente nos homens que estão com você. Pertencem
à elite da Terra, mesmo que ainda não tenha visto a maior parte deles. Todos estão
‘condicionados’. Caso o plano fracasse e eles caiam nas mãos dos inimigos, não
poderão fazer nada que prejudique a Terra, como você também, Tifflor. Tivemos que
tomar todas estas providências, pois estamos diante de um Império superarmado. O ser
coletivo do planeta Peregrino, o único que nos poderia ajudar, não se manifesta. Não
podemos obrigá-lo a vir em nosso auxílio.
“Portanto, Tifflor, não considere sua missão como qualquer patrulha de
emergência. Do seu sucesso depende muito do futuro da Terra. Por isto, vamos
acompanhá-lo constantemente. Dois encouraçados estarão sempre por perto. Você
levará o sinalizador telepático que permitirá aos nossos mutantes localizá-lo
prontamente até uma distância de dois anos-luz. Fique sabendo que você e os seus não
se perderão.
“Bem, é o que lhe queria dizer. Desejo-lhe boa viagem, meu jovem. Volte logo e
com muita saúde.”
A voz silenciou. Julian Tifflor se levantou, dizendo, perdido em seus pensamentos:
— Muito obrigado, Sir.
Esta frase foi supérflua. Perry Rhodan não estava por perto. Não poderia ouvi-lo.
Tifflor, de um momento para o outro, começou a se sentir melhor. Sorriu e se
encaminhou para o porão, para conversar com os quatorze homens, que com ele
rumariam em direção aos druufs.
***
***
Às vinte horas, o sargento Cooper revezou o sentinela que montava guarda diante do
portão de entrada para os estaleiros onde estava o cruzador espacial Infant. Geralmente
havia só um vigia para todo o estaleiro. Não era mesmo necessário ficar vigiando
espaçonaves que se achavam em reparo. Já o fato de necessitarem de conserto, impedia
que fossem roubadas.
O caso da espaçonave Infant era diferente. Os consertos ficaram prontos hoje à
tarde, mas não deu mais tempo de levá-la para o espaçoporto. Foi por isto que recebeu
mais um vigia, além do vigia-geral dos estaleiros.
O sargento Cooper não estava muito conformado com o fato de ter sido ele o
sorteado para passar duas horas de uma noite tremendamente fria de pré-inverno, ao lado
de uma nave, andando de um canto para o outro.
Além disso, a Infant era uma nave velha, esférica, com um diâmetro de dezenove
metros. Naves de dimensões tão reduzidas não existiam mais, só por aí se podia ver como
era antiquada. Seu mecanismo de propulsão era fraco, produzindo uma aceleração de
apenas 17 mil unidades, enquanto as modernas apresentavam uma aceleração normal de
50 mil. A Infant necessitava de meia hora para elevar sua velocidade até a diferença
habitual de 0,2% da velocidade da luz. E, conforme a opinião do sargento Cooper, nada
disso justificava colocar um guarda especial só para a Infant.
Os vinte passos que dava de um lado para outro, constantemente, para não sentir o
frio, pareciam ter a cadência do protesto. Depois de muito tempo, chegou à conclusão de
que dava os vinte passos exatamente em quinze segundos. Portanto, cada dois
movimentos de ida e volta faziam exatamente um minuto. E assim começou a contar os
minutos. De agora até o final de sua vigília, faltavam-lhe ainda setenta e três minutos.
Duncan viria então rendê-lo.
“Coitado do pobre Duncan! É um rapaz da Flórida e vai estranhar muito o frio”,
pensou o sargento.
De repente, Cooper interrompeu suas passadas. Ouvira um ruído como se fosse um
carro pesado que se aproximava. Este estranho ruído vinha da entrada principal, estranho
porque a gente devia notar os faróis do carro. Mas não se via nada.
Cooper saiu da sombra da Infant e aguardou. Fosse qual fosse o carro, o oficial de
sentinela o teria deixado passar e Cooper não precisava se preocupar com isto.
Finalmente, surgiu da escuridão o tal carro, parando a alguns metros de Cooper. A
carroceria estava encoberta por uma lona e Cooper não pôde ver o quê ou quem se
encontrava lá dentro. Alguém saltou da cabina do motorista e veio na direção de Cooper,
que conseguiu ver os galões da hierarquia militar. Não deu para distinguir direito qual a
patente, mas não havia dúvida de que era alguém do estado-maior.
Cooper fez a continência. Para isso, tirou a mão da cintura onde estava o revólver e
a apoiou na aba do capacete. Nesse meio tempo, o oficial chegara mais perto, de modo
que Cooper pôde ver nitidamente sua patente. Era um coronel, e Cooper sentiu mais
respeito ainda. Por fim, reconheceu Julian Tifflor, e num estalo de sua memória se
lembrou de ter ouvido, de manhã, qualquer coisa absurda sobre Tifflor. O que seria
mesmo?
Cooper precisava de alguns segundos para se recordar.
Mas Tifflor não lhe deixou este tempo todo. Cooper não representava nenhum
perigo para ele, enquanto mantivesse a mão na posição de continência. Sem que ele
percebesse, aplicou-lhe um tremendo soco no queixo, com tanta força, que não precisou
repetir. Cambaleando, Cooper rolou no chão. O fuzil lhe escapou dos ombros, caindo a
seu lado.
De repente o Tenente Lubkov se aproximou. Tifflor viu seus dentes reluzirem no
escuro.
— Peço-lhe desculpas, senhor. Só queria ver de perto como se dá um soco destes.
Vejo agora que é melhor assistir do que receber.
Tifflor apenas sorriu.
— É, houve muita pancadaria nas últimas horas e infelizmente sempre contra os
inocentes. Este pobre homem não se lembrará de mim com muito amor, quando voltar a
si.
— É este o objetivo do empreendimento — disse Lubkov.
Voltou ao carro, batendo palmas perto da lona que o cobria.
— Desçam todos — disse. — Já chegamos ao nosso destino.
Depois disso, Tifflor não ficou mais parado ao lado de Lubkov. Já havia aberto uma
pequena escotilha para a tripulação e ligado uma lâmpada de emergência, para mostrar o
caminho a Lubkov e aos outros.
“Para Lubkov e para os outros”, pensava Tifflor, “mas aposto que Tschubai já está
há muito na sala de comando.”
O embarque não demorou mais do que dez minutos. Julian Tifflor foi o último a
entrar. Antes, ergueu o sargento desmaiado e o levou nos ombros, colocando-o na cabina
do carro, descendo depois um pouco mais com o carro, até ao portão de entrada. Voltou a
pé. Pensativo, passou pela escotilha, travando-a por dentro. Entrou num velho elevador
antigravitacional que o levou para o convés do meio.
A segunda parte do plano se encerrava aí com êxito. Os “amotinados” estavam de
posse da espaçonave.
Iniciava-se o caminho para os druufs!
***
A tela estava ligada, havia o clarão branco, mas não se via ninguém, pois quem
estava falando não era nenhum ser que precisasse ser visto. A voz mecânica era de um
timbre profundo, forte e com as mais refinadas modulações. Ninguém, que de antemão
não soubesse que a voz pertencia ao regente robotizado de Árcon, chegaria a idéia de que
estava falando com um interlocutor não orgânico.
Era um dos traços característicos da política galáctica o fato de o regente robotizado
de Árcon estar sempre disposto a receber uma mensagem de Perry Rhodan, embora
Árcon e a Terra estivessem em franca hostilidade e se digladiassem, quando havia
oportunidade para isto. Mesmo esta hostilidade era sui generis. Não excluía, por
exemplo, que, em algum ponto da Galáxia, naves terranas e arcônidas se aliassem contra
um inimigo comum, enquanto que, simultaneamente, a alguns milhares de anos-luz, uma
frota robotizada dos arcônidas bombardeasse uma base terrana.
Quanto à troca de mensagens, porém, Perry Rhodan sabia muito bem a verdadeira
causa da solicitude do regente: mensagens eram irradiadas pelo telecomunicador.
Acontece, porém, que as conversas pelo “telecom” proporcionavam a oportunidade de se
determinar a localização do transmissor, e a coisa que o regente robotizado mais desejava
no momento era determinar a posição galáctica da Terra.
É claro que Rhodan já havia tomado suas providências para que, ao menos por este
veículo, Árcon nada conseguisse. Os diálogos, que mantinha com o regente, passavam
por várias estações de relê, antes de serem transmitidos para Árcon.
Partindo da Terra, a mensagem era transmitida por raios direcionais para uma
estação a dois mil anos-luz de distância. O feixe de ondas do “telecom” tinha um
diâmetro de pouco menos de quarenta metros. A cobertura do feixe de ondas atingia cerca
de três décimos milionésimos de segundo. Isto queria dizer que, numa distância de dois
mil anos-luz, o feixe de quarenta metros abria-se para trinta mil quilômetros e passava a
possuir um diâmetro por poucos porcentos maior que o feixe do planeta onde se
encontrava a estação do relê repetidor.
O ponto capital em tudo isto, era que um observador inimigo, que estivesse
captando uma mensagem assim transmitida, e, aliás, neste caso com muita facilidade,
somente poderia localizar o transmissor se ele mesmo, casualmente, estivesse dentro
deste raio direcional. A possibilidade de isto acontecer era tão reduzida que nem
precisava ser levada em consideração.
A Terra estava, pois, tranqüila. A transmissão do diálogo de uma estação de relê para
outra, seguia o mesmo princípio. Além disso, para cada nova irradiação, mudava-se a
ordem destas estações de relê.
O regente robotizado não tinha, portanto, nenhuma chance de descobrir, por esta via,
a localização da Terra.
O próprio regente emitia suas mensagens por um transmissor comum
multidirecional, pois não poderia saber em que direção usar os raios.
A conversa, que Perry Rhodan tivera esta tarde do dia 11 de dezembro com o
regente robotizado, fora curta, mas de conteúdo importante. Rhodan dizia:
— Encontro-me numa situação bem desagradável. Um oficial de alta patente da
minha frota revelou-se, de repente, um traidor e mancomunado com um punhado de
descontentes deixou a Terra numa nave seqüestrada. Não sabemos até agora para onde
foram. Eu lhe seria grato se me avisasse tão logo ele se aproxime de uma de suas naves.
Não que estes homens tenham muita importância para nós, pois não possuem nenhuma
informação que nos possa prejudicar. Trata-se apenas de um princípio básico de nossa
disciplina terrana: um desertor tem que ser punido.
Reconhecendo as circunstâncias, o regente prometeu auxílio. Já que sua voz, apesar
de toda sua variada modulação, não deixava perceber nenhum sentimento, que realmente
não possuía, não se poderia saber suas impressões sobre as alegações de Rhodan.
Não se podia dizer que um oficial de alta patente era um homem sem importância. O
regente de Árcon sabia muito bem que este desertor, se caísse em suas mãos, lhe seria um
elemento muito útil, lhe prestaria enormes serviços. Por este motivo, pediu a Rhodan que
lhe desse maiores informações sobre os quinze desertores. Depois de lhe satisfazer este
pedido, Rhodan acrescentou:
— Acho que lhe posso dar outra informação para lhe facilitar a compreensão de toda
a situação. Há poucas semanas, tive uma longa conversa com o desertor. Este oficial
graduado da Frota Terrana era de opinião de que a melhor coisa que a Terra poderia fazer
era se aliar aos druufs. Parecia estar obcecado por esta aliança. Presumo, pois, que ele
procurará penetrar no Universo dos druufs.
Todo este diálogo foi feito em arcônida. O regente agradeceu as informações e se
despediu com a fórmula de sempre.
Naturalmente, logo após este diálogo, o regente deve ter ativado o setor de lógica,
para analisar profundamente as notícias que recebera. Como supunha, constatou-se a
possibilidade de que a mensagem de Perry Rhodan não passasse de um truque. Mas, de
qualquer maneira, tinha que aceitar também a hipótese da veracidade daquelas palavras.
Poderia acontecer mesmo que um oficial superior chegasse a esta conclusão e desertasse.
As duas alternativas se equilibravam. O melhor que podia e devia fazer era mandar
aprisionar a espaçonave dos desertores. Assim não incorreria em nenhum erro.
A frota arcônida de bloqueio estava nas proximidades da zona de superposição que
os terranos tinham de atravessar para chegar até os druufs. Estavam lá reunidas trinta mil
espaçonaves de Árcon. Podia-se mandar para o local mais dez mil unidades e destacar
vinte mil delas para procurar a nave dos desertores.
***
Não havia duvida de que o destino tinha conjurado contra Julian Tifflor e sua gente.
A Infant necessitou de três transições para vencer o espaço de seis mil anos-luz, até a
zona de superposição nas proximidades do sistema Mirta.
E quando a nave terrana emergia pela terceira vez do hiperespaço, a menos de vinte
mil quilômetros dela havia uma enorme espaçonave, provavelmente de origem arcônida.
A Infant mantinha pequena velocidade. A nave arcônida determinou em poucos segundos
sua posição, disparou um tiro de advertência, exigindo que parasse. Um pelotão de
apresamento viria a bordo.
Tifflor protestou energicamente contra este tipo de tratamento, sem resultado,
porém. A nave arcônida repetiu a advertência, com o mesmo tom de indiferença. E como
a velha Infant não tinha a menor chance para enfrentar a moderna nave de oitocentos
metros de diâmetro, Julian acabou cedendo e parou sua nave, isto é, adaptou sua
velocidade à da nave arcônida.
Com isto, estavam entrando numa situação que, para a missão ter sucesso, devia ser
evitada a todo custo. Os arcônidas deviam saber que uma nave terrana com desertores
estava a caminho dos druufs. Mas não podiam de maneira alguma aprisioná-la.
Tifflor manobrou a Infant até uma distância de cinco mil quilômetros para junto da
nave arcônida. A voz com que esta nave transmitia suas mensagens era nitidamente
mecânica. Falava na língua arcônida e julgava que o comandante terrano tinha obrigação
de compreendê-lo.
Com toda certeza, pois, devia se tratar de uma espaçonave robotizada. Teria, no
máximo, cinqüenta tripulantes a bordo e estes cinqüenta arcônidas teriam funções bem
secundárias. A pilotagem da nave e distribuição de ordens deviam ser assunto exclusivo
dos robôs programados. O pelotão de combate devia também ser constituído de robôs
móveis. Quanto ao comandante da nave, seria um sonolento arcônida ou outra pessoa das
raças irmãs de Árcon. Mas, de qualquer forma, este comandante não teria voz ativa em
nada.
Assim era a situação a bordo da nave arcônida. Tifflor sabia de tudo isto. O que ele
não sabia era como aproveitar estes conhecimentos para salvar a Infant daquela situação.
A casualidade de uma espaçonave, emergindo do hiperespaço, ir parar exatamente diante
de uma outra nave já no espaço de Einstein, era uma coisa tão rara que Tifflor não estava
preparado para isto. Perderam-se minutos preciosos, até que se preparasse um outro
plano, naturalmente um plano de desespero, o único que cabia nesta situação.
Do pelotão de aprisionamento, provavelmente feito de robôs arcônidas, não se via
nenhum sinal. A nave arcônida agia com segurança e não tinha necessidade de ter pressa.
Tifflor dirigiu-se ao sargento Fryberg:
— Já houve algum sinal?
Fryberg entendeu de que ele estava falando. Meneou a cabeça e sorriu contente.
— Não, nem uma palavra.
— Bem, continue atento.
O arcônida podia estar convencido de que sozinho resolveria a questão. Sendo uma
nave robotizada, parecia razão suficiente para ele considerar completamente supérfluo
chamar outra nave em auxílio ou simplesmente comunicar o que estava ocorrendo. Os
robôs com sua lógica ajudariam em tudo. E somente quando terminasse a ação e toda a
tripulação da Infant já estivesse presa, o comandante apresentaria seu relatório ao
computador-regente. Supondo isto foi que Tifflor formulou seu plano.
***
Panjel Dreeb era um homem de Iriam. Pelos padrões da Terra, teria um metro e meio
de altura, cabeleira densa e cabeça ovalada. Já pelo seu aspecto, Panjel Dreeb não
acreditava na balela de que os habitantes de Iriam eram descendentes de colonizadores
arcônidas. Não podia, porém, negar que estava a bordo de espaçonave arcônida, e aí
trabalhando como qualquer outro. Não sabia nada do que se passava em torno dele. A
nave possuía absorvedores antigravitacionais, mas Panjel Dreeb nem ao menos conhecia
o aparelho. Também não poderia dizer se a nave estava parada ou em movimento. Os
serviços que Panjel executava eram muito humildes — tinha de apanhar o lixo miúdo e
jogá-lo no conversor. Era um trabalho para cuja execução seria antieconômico o uso de
um robô. E um homem como Panjel Dreeb parecia nascido para esta função.
Estava mesmo contente com seu novo emprego. Fazia poucos dias que pertencia à
tripulação da nave arcônida, achando o ambiente muito interessante. Tinha medo apenas
dos homens-máquina, mas felizmente era raro se encontrar com eles.
Panjel Dreeb deslizava por uma esteira transportadora num corredor onde não se via
ninguém. Na mão direita segurava uma pinça automática e ia apanhando tudo que havia
de sujeira dos dois lados da esteira. Não era muita coisa. Aqui e ali um pedaço de
plástico, um parafuso, ou coisas semelhantes. Quase não fazia esforço para isso.
Mas, por distração, acabou deixando passar o local onde devia saltar da esteira.
Ficou indeciso. Não sabia se saltava à esquerda ou à direita, ou mesmo se continuava no
mesmo corredor. Ainda não tinha chegado a uma decisão, quando lhe surge um homem
estranho à sua frente.
Sim, estava realmente na sua frente. Não tinha vindo nem de cima, nem de baixo,
mas estava ali. Panjel tremeu e seu rosto mudou de cor.
O susto foi tão grande que, por uns instantes, não conseguiu ver nada. Depois notou
que o estranho parecia com um arcônida, nos traços gerais. Era bem mais alto que ele, de
ombros muito largos. Usava também um uniforme, que Panjel Dreeb já conhecia. Só uma
coisa que parecia muito estranha: sua pele era preta.
— Não tenha medo — disse o tal sujeito em arcônida. — Não lhe vou fazer nenhum
mal. Diga-me apenas onde é que estou.
Panjel Dreeb começou gaguejando. Só depois de algumas tentativas foi que sua
língua voltou ao normal e conseguiu dizer algumas palavras claras. Disse que estava
numa nave dos arcônidas, mas isto não interessou muito àquela aparição, pois este o
interrompeu.
— Sei disso. Quero saber agora onde é a cabina de comando.
A pequena cabeça de Panjel Dreeb começou a funcionar. Quem seria este preto? Por
que se interessava pela cabina de comando? Será que queria fazer alguma coisa contra a
nave?
— Vamos, diga logo — insistiu o estranho.
Panjel Dreeb estendeu o braço para indicar a direção.
— Ali — disse hesitante.
— Para cima ou para baixo? — perguntou o preto.
Panjel Dreeb respondeu prontamente, pois seu medo aumentava. Depois de pouco
tempo, o preto já estava certo quanto ao caminho.
“Não tem importância”, pensava Panjel Dreeb, “enquanto ele estiver caminhando
para lá, eu aperto o sinal de alarme, e num instante ele será preso.”
— Muito obrigado — disse o preto — você me prestou um grande favor.
Infelizmente sou obrigado a lhe causar um pequeno sofrimento. Estou com receio de que
você me traia. Não tenha medo, não vai acontecer nada com você. Vai apenas dormir uns
minutos.
Panjel queria gritar, mas não houve tempo. O preto apontou-lhe um negócio luzidio.
Panjel Dreeb levou um choque, sentiu uma forte dor em todo o corpo.
Depois foi tudo escuridão. Seus sentidos deixaram de funcionar.
***
***
Ras Tschubai não pensava em fazer o trajeto para a cabina de comando a pé. Sabia
qual era a direção. Depois de esconder o homem de Iriam num local onde tão cedo
ninguém o acharia, concentrou-se uns segundos, procurando mentalizar seu objetivo e
saltou. Foi parar exatamente onde queria, mas a situação que encontrou não era bem a
que imaginara.
Materializou-se bem no centro da sala de comando e esbarrou num objeto rígido e
bem grande. Cambaleando, abriu os olhos e viu que tinha “atropelado” um robô
arcônida. O homem-máquina voltou-se imediatamente contra ele, apontando-lhe a arma.
Ras Tschubai retesou os músculos!
Porém não aconteceu nada do que esperava. A arma continuou apontada para ele;
parecia, no entanto, que o robô não tinha ordem para atirar.
A sala de comando estava repleta de robôs. Mas depois que um deles já ocupara-se
com o invasor, os demais não se preocuparam com o incidente e cada um continuou
tranqüilo seu trabalho. Mas havia ali mais um ser orgânico, além de Ras Tschubai. De boa
estatura, sentado numa poltrona baixa e confortável, este homem de cabelos brancos fazia
como se nada do que estava acontecendo lhe dissesse respeito.
Era indiscutivelmente um arcônida, talvez até o comandante nominal da espaçonave.
Ras Tschubai o examinou atentamente, apesar da arma do robô apontada para ele. Mas,
mesmo que o arcônida tivesse notado seu aparecimento na sala de comando, isto não lhe
interessava agora. Seu rosto inteligente dava mostras de indiferença, parecendo até
aborrecido.
Notando que do robô não podia advir nenhum perigo imediato, Ras Tschubai
começou a raciocinar mais calmamente. Passou a pensar por que os robôs estavam todos
na sala de comando, se a presença deles ali tornava-se desnecessária, pois ali era o local
de onde a positrônica governava a nave.
Descobriu logo. Viu uma chapa de metal plastificado, que estava desparafusada, e
notou que dois robôs desciam por um enorme poço para cabos de comando. A situação
era bem cômica para ele: alguma coisa não funcionava bem no possante encouraçado
arcônida e os robôs estavam preocupados em consertar o defeito.
Em conseqüência da intensa movimentação dos robôs, o barulho era muito grande.
Teve de gritar para que o arcônida de cabelos brancos o pudesse ouvir:
— Você não pode ordenar a seu robô que me deixe em paz? — perguntou ele em
arcônida.
Vagarosamente, o arcônida virou a cabeça e fitou Ras, com olhar de indiferença.
— Pelo que estou vendo, ele não o está incomodando.
Ras deduziu as palavras mais pelos movimentos labiais, do que pelo que ouviu, pois
o arcônida não fez o menor esforço para aumentar um pouco a voz.
— Quero dizer, será que o senhor não pode mandá-lo embora?
— Não, isso eu não posso fazer, meu filho. Não sei por que os robôs não me
obedecem.
Ras desistiu. Este arcônida não lhe podia ser útil. Ras tinha de contar com suas
próprias forças, se quisesse ter sucesso. E isto parecia difícil. O robô, com o braço
levantado e a arma pronta, não o perdia de vista. E Ras Tschubai sabia que não havia a
menor possibilidade de distraí-lo, muito menos de dominá-lo.
Nem por isso, porém, tinha a intenção de desistir de sua missão. Sabia de sua
responsabilidade, do que estava em jogo. Custasse o que custasse, tinha que sair
vitorioso.
Olhando em volta, veio-lhe uma idéia à cabeça. O negócio não era nada seguro, mas
para a situação em que estava, bastava uma chance, por menor que fosse. Não podia
mudar o quadro que ali estava.
O plano do Coronel Tifflor supunha que Ras encontraria a cabina de comando vazia
e era só desligar o robô central e ligar o comando manual. Aí, então, ele executaria uma
transição que o levaria para fora das fronteiras das Galáxias, de onde a nave arcônida não
conseguiria mais voltar, nem dar sinais de si. O suprimento energético de cada nave tinha
um determinado limite. Se esta reserva fosse consumida numa longa transição, a nave
chegaria a um ponto de onde não podia mais sair por força própria. Este era o plano de
Tifflor. Mas bastava que Ras Tschubai desse um passo na direção do comando manual
para que o vigilante robotizado o matasse com uma descarga energética.
Só lhe restava uma única possibilidade. Ras fechou os olhos, não sabendo se o robô
ia estranhar este procedimento. Esperou ansioso uns segundos, e quando percebeu que
nada acontecia, começou a se concentrar. Conhecia as naves deste tipo e sabia onde se
localizava o conjunto de propulsão...
***
***
Trabalhando com rapidez, Ras Tschubai foi “abrindo” seu caminho para o conjunto
de propulsão. Ao perceber que o corredor que dava para lá estava vazio, ainda deteve-se
por cinco minutos, refletindo, cheio de escrúpulos, se estava certo fazer o que planejava.
Teve que se conscientizar de que se tratava do destino da Humanidade. Lembrou-se de
que o regente robotizado, conforme as coisas iam se encaminhando, haveria de descobrir,
através da confissão forçada de um ou outro membro da tripulação da Infant, a verdadeira
posição da Terra. Procurou imaginar o que aconteceria quando uma frota de cinqüenta
mil naves arcônidas atacasse o sistema solar terrano e fosse destruindo um planeta após o
outro.
Depois disso, não teve mais escrúpulos. Estava resolvido a fazer o que se propusera.
Para um homem experimentado, profundo conhecedor da técnica galatonáutica, não
era difícil fazer com que os reatores nucleares funcionassem com sua capacidade máxima
e vedassem de tal modo todos os escapamentos. Pelas suas dimensões, isto levaria uns
quinze minutos até a plena saturação e até que a fusão controlada se tornasse
incontrolável e, sob a pressão de um acúmulo exagerado de energia, viesse a explodir,
destruindo a nave arcônida com a violência de cem bombas de hidrogênio.
Provavelmente, aquele robô, de cujas lentes eletrônicas ele conseguira escapar, já
teria ligado o alarme no posto de comando lá em cima. Certamente, todos os robôs
estavam agora à sua procura, tentando descobrir o que ele tencionava fazer.
Haveriam então agora de procurá-lo por toda parte, e até que os robôs chegassem ao
recinto dos propulsores, a nave já teria explodido. Já que a positrônica não estava
funcionando, ninguém poderia descobrir lá em cima que os reatores estavam funcionando
de tal modo que, em pouco tempo, haveriam de explodir.
Com a calma de sempre, Ras reexaminou detalhadamente tudo que fizera ali no
mecanismo de propulsão. O africano de boa estatura parecia um anão ali, aos pés
daquelas máquinas monstruosas. Outra vez foi assaltado pela dúvida se tinha agido
honestamente. Na realidade, estas dúvidas agora não adiantavam mais nada. A esta altura,
o destino da nave arcônida já estava selado. Ras não podia fazer mais nada. A energia
nuclear ali gerada seguia seu curso. Ras só tinha uma opção: sair dali o mais cedo
possível.
Cerrou os olhos e se concentrou para o f pulo. Mas ao invés da Infant, surgiu diante
de seus olhos mentais aquele homenzinho, que encontrara no convés de baixo e que lhe
indicara o caminho para a central de comando. Havia-lhe prometido que nada lhe
aconteceria, quando o imobilizou com a pistola energética!
Tentou banir esta visão. Dos quinze minutos, pelo menos dez já haviam passado.
Ainda mais, se tomasse em consideração que não marcara bem o tempo exato, já poderia
estar correndo perigo...
Conseguiu fazer desaparecer a imagem do homenzinho da pinça automática de
recolher lixo, voltando-lhe novamente a figura da Infant. Deixou o quadro crescer, até
poder ver nitidamente através da parede da cabina de comando.
Foi então que pulou.
***
Julian Tifflor não percebeu o que se passava atrás dele. Ouviu um barulho qualquer
e sentiu que alguém dera dois passos às suas costas. Mas seu olhar e sua atenção estavam
concentrados na tela panorâmica onde se via o ponto de luz fosca da nave arcônida. O
que até agora se distinguia tanto das estrelas, por seu tipo de claridade opaca — uma
poeirazinha no infinito — se estufou de repente, centuplicou sua luminosidade,
transformando-se num sol radiante. Um disco de luz intensa, duas vezes maior que a lua
cheia da Terra, surgiu subitamente das trevas e Tifflor foi obrigado a cerrar os olhos, pois
a claridade era de ofuscar.
Não se ouviu o menor ruído.
O homem acostumado às maiores explosões, não estava compreendendo o que se
passava lá ao longe. Uma espaçonave explodia. Silenciosa, fulgurante como um sol, ia
pelos ares num inferno atômico de proporções nunca vistas.
Esgotado e muito tenso, Julian Tifflor se virou para trás. A dois passos dele, estava
imóvel Ras Tschubai. Foram seus passos que ouvira antes. O africano correspondeu a seu
olhar, com sentimento de culpa, e explicou:
— Não foi possível fazer de outra maneira. A sala de comando estava repleta de
robôs, que consertavam alguma coisa. Não podia nem mexer um dedo, sem que algum
deles o percebesse.
Tifflor compreendeu a situação.
— É difícil para a gente — disse ele pensativo — poder julgar se você agiu
corretamente. Mas não tenho nenhuma dúvida de que você fez o melhor possível.
Ras Tschubai respirou aliviado.
“Santo Deus!”, pensava Tifflor zangado consigo mesmo. “Que está acontecendo
comigo? Os arcônidas mandam pelos ares planetas inteiros, destruindo tudo, sem
pestanejar, e eu aqui cheio de escrúpulo só porque uma de suas naves robotizadas foi
espatifada?”
Tifflor procurou tirar estes pensamentos da cabeça. A nave arcônida, pouco antes de
explodir, havia enviado mensagem pedindo socorro. Este socorro chegaria a qualquer
momento e seria muito conveniente para a Infant não ficar na proximidade do “acidente”.
Aliás, o próprio pedido de socorro devia servir de explicação suficiente às naves que
viessem em auxílio de sua irmã acidentada. A grande nave esférica estava com uma
avaria positrônica, conforme o rádio enviado. Num caso destes, podia acontecer de tudo,
inclusive uma super expansão dos reatores nucleares. Não poderiam nunca culpar a
Infant.
Assim, mais uma parte do plano tinha sido bem sucedida. Restava-lhe ainda outra
fase, a mais espinhosa. Tinha de penetrar na zona de superposição e cumprir sua missão
junto dos druufs.
Julian Tifflor tocou sua nave para frente. Acelerou rumo à indecisa neblina
avermelhada, provocando a transição, ao atingir a velocidade necessária. Até aí, não
havia nenhum indício de que alguma nave arcônida houvesse localizado os “desertores”
da Terra.
E o grupo desejava que tudo continuasse assim.
4
***
***
Tornava-se uma sensação horrível ver o objeto vir a seu encontro e não saber o que
era.
Primeiramente, era uma mancha esmaecida na tela e a ótica não mostrava outra
coisa, no local onde tinha que estar, a não ser sempre a mesma imagem.
A distância diminuía depressa. Fosse o que fosse a tal mancha esmaecida, devia ter
um bom mecanismo de propulsão.
Julian Tifflor teve de sufocar o desejo de fazer uma curva com a Infant e fugir o
mais depressa possível. Quando determinou a rota de encontro ao objeto, já devia prever
uma espaçonave estrangeira. Agora que não lhe restava mais dúvidas, seria um ato
inconseqüente tentar uma fuga e inconseqüente era uma palavra que não existia no
vocabulário de Tifflor.
Também não deu aos homens das vigias nenhuma ordem de atirar, embora
estivessem esperando por isto, sentados nos seus abrigos, tentando ocultar o medo e o
nervosismo.
Tifflor compreendeu o que eles queriam. Balançou-lhes a cabeça e todos
entenderam.
A mancha se aproximava e finalmente chegou o momento em que o astronavegador
gritou:
— Alguma coisa está errada com a nossa rota. Estamos nos desviando!
Julian Tifflor reagiu pronta e instintivamente. Colocou o conjunto de propulsão em
ponto morto e ficou olhando como os ponteiros dos mostradores pararam. A velocidade
da Infant continuou a mesma. As turbinas pareciam continuar funcionando!
Isto não queria dizer nada, pelo menos nada a respeito da verdadeira velocidade da
nave. O astronavegador tinha melhores valores, isto é, os oriundos dos desvios das
paralaxes.
— Diga alguma coisa mais exata, assim que você puder — ordenou Tifflor.
O astronavegador se inclinou sobre seus instrumentos. Trabalhava febrilmente.
Tifflor continuou de olhos fixos na tela do rastreador e averiguou que a mancha
esmaecida tinha parado. Fryberg notou seu olhar. Sabia qual a pergunta que então viria e
respondeu com antecipação:
— Distância: mil trezentos e vinte quilômetros, Sir.
Tifflor olhou para cima. A tela panorâmica ainda não mostrava nada de concreto do
objeto. No entanto a uma distância tão pequena, já devia mostrá-lo bem nítido, caso
tivesse as dimensões normais de uma espaçonave.
Já havia muito tempo que Tifflor não se sentia assim tão desesperado. Não lhe
passava mais nenhuma idéia nova pela cabeça. Era um fenômeno estranho.
— Uma coisa é certa — disse o astronavegador, de repente. — Nós nos movemos
tal qual o objeto para dentro da garganta afunilada.
Tifflor ouviu com atenção e pensou: “Por isso é que o objeto parece parado. A
Infant se move na mesma direção e com a mesma velocidade. Sem nenhuma manobra,
manual ou automática, alterou seu rumo. Ao invés de se afastar da garganta afunilada,
encaminha-se para ela... A explicação”, concluiu mentalmente, “só pode ser uma: o tal
objeto a está arrastando como que rebocada. Deve irradiar um campo magnético de
atração que dá para rebocar a Infant.”
Julian Tifflor não tinha nada contra este tipo de “tratamento”, pelo menos por
enquanto o trajeto fosse idêntico ao que ele planejara. Mas estava preocupado em saber
que medidas o estranho objeto iria tomar para conseguir seus objetivos.
Usou o alarme chamado SA, usual em tais emergências. SA não queria dizer outra
coisa, a não ser “súbita aceleração”. O alarme SA significava para a tripulação que, a
partir deste momento até o final do alarme, tinham de estar prevenidos para os choques
de aceleração, que, em certas condições, podiam ser tão violentos que mal poderiam ser
absorvidos pelos dispositivos antigravitacionais, chegando às vezes a danificar tais
dispositivos.
Após dar este alarme, Tifflor acionou novamente as turbinas de propulsão. Com a
energia ampliada, de uma hora para a outra, a Infant lutava para se libertar do campo de
atração que a arrastava. Num período de poucos segundos, elevou ao máximo a potência
do mecanismo de propulsão. Via, pela oscilação dos ponteiros, como suas turbinas e o
campo de atração magnética travavam uma luta renhida entre si. Viu também quando os
ponteiros oscilaram mais forte e começaram a movimentar-se. A Infant livrava-se do
campo de atração e agora continuava sua própria trajetória.
O astronavegador soltou um grito de triunfo. Com a voz rouca, disse uma seqüência
de números que comprovavam que o golpe de surpresa dera bom resultado. O objeto não
tivera tempo de reagir rapidamente à aceleração-relâmpago executada por Tifflor. Assim,
a nave terrana escapara do campo de atração.
Tifflor não queria saber de outra coisa. Ordenou uma curva de cento e oitenta graus
e colocou a Infant novamente no encalço do estranho objeto. Conduziu-a até ao local em
que se encontraria, se não tivesse escapado do campo de atração, e depois se entregou de
novo, espontaneamente, à mesma força.
Gostaria de saber agora a cara que o desconhecido estaria fazendo. Ele teria de
compreender que a nave terrana escapara com seus próprios meios e, agora, voltava
espontaneamente para se entregar como prisioneira.
Julian Tifflor, porém, duvidava de que o desconhecido fosse capaz de compreender
seu gesto.
***
Duas coisas diferentes deixaram Tifflor pensativo, enquanto a nave terrana deslizava
mansamente pela garganta afunilada, aproximando-se de seu ponto mais estreito.
Primeiro, o objeto desconhecido reagira muito lentamente à sua tentativa de fuga,
portanto não era algo comandado por robôs, pois, do contrário, em milésimos de
segundo, o robô teria reagido para se adaptar à nova situação de reforçar a potência do
campo de atração. Não era, portanto, uma nave robotizada e por isso não seria também
nenhuma nave arcônida.
Mesmo que se aceitasse a hipótese de haver um ser orgânico no comando do objeto
estranho, a reação de tal indivíduo estaria classificada como extremamente lenta, como se
estivesse muito distraído ou mesmo dormindo. Tifflor estava admirado que só agora,
depois de passados quinze minutos, é que esta idéia lhe vinha à cabeça e não muito antes.
Pois eram bons indícios sobre as qualidades de quem estava no comando do estranho
objeto. Uma pessoa normal, nestas circunstâncias, não ficaria distraída ou dormindo, mas
reagiria com grande atenção. Reações muito lentas podiam significar também a
impossibilidade de tomar resoluções próprias e no momento.
Talvez pelo simples motivo de que seu tempo próprio fosse diferente do terrano.
Uma coisa que um terrano faria em um segundo, ele precisaria de dois. Pois ele provinha
de um outro Universo, de um outro plano temporal, e o fator através do qual seu tempo
próprio se diferenciava do tempo do espaço de Einstein, era exatamente dois.
Isto, porém, era uma acepção que valia para todos os druufs.
Julian Tifflor, a esta altura, não tinha mais nenhuma dúvida de que este objeto
desconhecido devia ser uma nave dos druufs. Apenas não sabia como é que a nave
conseguia permanecer invisível a todos os instrumentos de rastreamento, com exceção do
aparelho de microondas. Mas estava crente que também isto ele descobriria.
“No momento”, refletiu ele, “o essencial é que a Infant está na rota certa.”
***
Era um Universo totalmente diferente. Podia-se percebê-lo pela cor do céu, onde o
mar de estrelas refulgia num brilho insólito. Para Julian Tifflor, que realizara pela
primeira vez na vida a transição do espaço de Einstein para o dos druufs, a visão era
qualquer coisa de descomunal, para não dizer assustadora.
O espaço teria de ser preto, pois não era outra coisa a não ser o próprio vácuo que se
plasmara numa determinada forma. Mas não era preto, era de um vermelho-escuro.
Brilhava incandescente, como se alguém ou alguma coisa o fizesse arder por fora.
Julian Tifflor dominou a perplexidade que causava nele e em todos os seus
tripulantes, que aqui estavam pela primeira vez, o espetáculo daquele Universo singular, e
começou a reparar no estranho aparelho. Não era mais a mancha esmaecida da tela do
aparelho de microondas. Tinha se transformado num ponto luminoso que a ótica agora
mostrava como uma estrela pequena, de coloração avermelhada, porém, bem diferente
das estrelas reais.
Os druufs haviam acabado de retirar o véu de camuflagem.
A nave terrana não tomou nenhuma iniciativa. Os druufs tinham de saber que
haviam sido descobertos pela Infant. Tinham arrastado o cruzador terrano; portanto, a
eles cabia iniciar o diálogo.
O campo de sucção, ou melhor, de atração, ainda funcionava, mas a nave dos druufs
estava em operação de frenagem e, uma hora depois de transpor a garganta afunilada,
parou completamente. Os rastreadores da Infant assinalaram todos os dados referentes à
velocidade, conjugados com o sistema dos dois sóis de Druufon.
Mais uma meia hora se passou sem novidade alguma. Tifflor tinha resolvido que
chamaria a nave dos druufs, se dentro de dez minutos não se manifestassem. Não
precisou, porém, esperar tanto. Dos dez minutos, havia passado apenas um, quando da
escuridão avermelhada surgiu uma numerosa frota de unidades alongadas e cilíndricas,
fechando um círculo estreito em torno da Infant. Tifflor havia dado severas instruções aos
pontos de defesa para que não atirassem, a não ser em caso de extrema necessidade.
Pouco depois deste “abraço” pouco fraterno, o telecomunicador começou a
funcionar. Tifflor ligou para a escuta, declarando em inglês que estava disposto a ouvir
qualquer um que desejasse falar com ele. A tela do vídeo continuava apagada. Ou os
druufs não davam nenhuma importância ao videofone ou seu transmissor não estava
acoplado com a projeção da imagem.
Apreensivo, Tifflor via como o tempo passava, depois de ter declarado estar à
disposição de quem quisesse falar. Enquanto isto, imaginava como lá do outro lado, a
bordo de uma daquelas estranhas naves, agrupadas em volta deles, um druuf falava num
aparelho, esperando depois que o referido aparelho traduzisse suas palavras para o inglês,
diretamente no microfone que estava sobre a mesa. Tifflor ainda estava pensando se os
druufs já sabiam se a nave por eles arrastada era arcônida ou não. Só pelo formato, não
podiam deduzir com certeza. Com raríssimas exceções, todas as naves no espaço de
Einstein eram esféricas. Seria, pois uma conclusão lógica se os druufs considerassem a
nave atraída por eles como oriunda de Árcon. Mas parece que não estavam muito certos
disso, do contrário não perderiam tanto tempo, depois de transpor a garganta afunilada.
Seus devaneios foram interrompidos. O receptor parou de chiar e uma voz, quase
que de além-túmulo, disse:
— Os senhores são uma nave terrana. Que desejam aqui?
Tifflor já estava com a resposta engatilhada:
— Avisá-los de uma coisa importante — disse ele, depois de uma pequena pausa,
para não confundir os druufs no seu lento sentido de tempo.
— Qual é o aviso? — foi a contra pergunta.
Entrementes, Tifflor notou com surpresa que o instrumento de tradução que os
druufs estavam usando funcionava com toda perfeição, pelo menos no tocante ao inglês.
As frases eram fluentes e corretas. Somente a voz é que podia provocar calafrios ou
visões de além-túmulo.
— De um ataque maciço dos arcônidas — respondeu Tifflor. — Este ataque está
iminente e eu acho que os senhores ficariam gratos se alguém os advertisse a respeito.
Desta vez, levou alguns minutos, até que os druufs respondessem. Mais uma vez,
aquela voz fria e imóvel. Mas do contexto se percebia nitidamente a desconfiança:
— Os senhores esperam um determinado tipo de gratidão?
Também para uma frase desta, Tifflor tinha a resposta conveniente.
— Caso os senhores pensem que nós pretendemos ganhar dinheiro através da
denúncia, não. Além disso, para que tanta desconfiança? Os senhores pretendem manter
todo este diálogo através do intercomunicador?
Novamente uma grande pausa.
— Venha o senhor, acompanhado de dois homens, todos desarmados, para bordo de
nossa nave. Os senhores possuem uma nave auxiliar ou devo mandá-los buscar?
Tifflor não se conteve:
— Primeiramente — começou um tanto brusco — irei assim como estou, ou não irei
de maneira alguma. Ando sempre com minha arma na cintura. Ou os senhores vão supor
que com uma simples pistola vou lhes tomar toda a frota espacial? Segundo, tenho
minhas naves auxiliares. Também não se preocupem em me querer mostrar, entre as
naves todas que me cercam, qual é a sua.
Parece que o druuf desistiu de fazer novas exigências.
— Eu o espero. Sua nave auxiliar receberá um sinal para me encontrar.
Julian Tifflor interrompeu a ligação. Voltou-se para seus homens e disse:
— Começa a ficar sério. Tschubai e Marshall preparem-se para ir comigo.
***
Comunicaram a Door-Trabzon que num setor do espaço, não muito distante da Wa-
Kelan, que vagarosamente estava sobrevoando a zona de superposição, foram localizadas
duas naves estranhas. Door-Trabzon sentia-se tremendamente confuso. Estas duas naves
deviam pertencer ao mesmo povo, por voarem assim sempre juntas. Mas até agora Door-
Trabzon não sabia de outra coisa a não ser que deveria encontrar, mais cedo ou mais
tarde, uma nave dos terranos.
Quando os rastreadores lhe deram as dimensões exatas destas duas naves, sua
confusão chegou ao clímax. Não eram em nada inferiores às poderosas unidades de Door-
Trabzon. Eram verdadeiros gigantes do espaço com uma potência de fogo que poderia
obscurecer, por algum tempo, um sol de grandeza média.
Um tanto precipitado, Door-Trabzon ordenou que os dois aparelhos estrangeiros
fossem cercados e atacados. Para agir com maior segurança, colocou à disposição do
ataque duzentos encouraçados. Mal, porém, iniciaram a perseguição, uma das duas naves
entrou em contato com Door-Trabzon, afirmando que ali se achavam em missão de paz e,
no tocante a seus planos, estavam de comum acordo com o regente de Árcon.
Isso esfriou o ânimo de Door-Trabzon. Cancelou suas ordens e deu instruções para
que os duzentos encouraçados se mantivessem a uma distância maior, aguardando o
desenrolar dos acontecimentos. E, logo em seguida, se dirigiu pessoalmente para o local,
para ver de perto as coisas.
Mas antes que lá chegasse, recebeu uma mensagem sucinta de Árcon, dizendo que o
comandante supremo da Terra tinha resolvido tomar parte pessoalmente na caça à nave
desertora e que esta resolução de Perry Rhodan parecia muito plausível e mesmo
desejável ao regente robotizado.
Esta notícia deixou Door-Trabzon boquiaberto. Primeiro, porque Perry Rhodan era
um nome que já havia penetrado nas Galáxias já há muitos decênios e segundo, porque
Door-Trabzon sabia das relações entre a Terra e Árcon, ou melhor, entre Perry Rhodan e
o regente, para compreender como Rhodan podia andar livremente entre as unidades
arcônidas da frota de reconhecimento e da frota de bloqueio.
Door-Trabzon sabia, porém, que os avisos de Árcon valiam por ordens. Tinha que se
sujeitar incondicionalmente a eles. Sua opinião, porém, era de que Perry Rhodan não
faria uma viagem tão longa só por causa de uma nave de desertores, se não houvesse
atrás de tudo isto uma vantagem muito substancial. Mas sua opinião particular não valia
nada, se não conseguisse convencer o regente da veracidade de seus argumentos.
Tentou fazer isto, mas o momento lhe era muito inoportuno.
O regente estava ocupado demais para atendê-lo.
***
Door-Trabzon não podia imaginar com o que o regente estava tão ocupado no
momento.
O regente se recordou da suspeita externada pela teoria das combinações, quando se
soube pela primeira vez da comunicação de Perry Rhodan sobre a nave desertora. Uma
certa taxa de possibilidade, que de maneira alguma podia ser desprezada, falava que o
negócio dos desertores era simplesmente um blefe. Até agora, porém, a teoria das
combinações não podia se pronunciar sobre quais os objetivos deste blefe, isto é, se este
seria de tal importância, podendo, a partir dele, ser montado um plano de grande
envergadura. Neste sentido é que eram dadas as instruções do regente. Todos tinham de
estar muito atentos, agora, para descobrir a rota das duas naves terranas. Tinham que se
comunicar imediatamente com o regente, sobre qualquer manobra das duas naves de
Perry Rhodan.
Entretanto, o regente esperava impaciente que os trabalhos com a teoria das
combinações, devido às mais recentes informações, pudessem adiantar maiores
possibilidades, a fim de que houvesse tempo suficiente para formular um plano de
emergência.
É claro que o regente não ignorava que a Terra sobreviveria ou desapareceria com
Perry Rhodan, isto é, o destino de Perry Rhodan se identificava com o da Terra. Ainda há
poucos meses, quase que Rhodan caiu prisioneiro em suas mãos. Aqui estava uma
segunda oportunidade. Talvez com esta viagem, estaria selado o fim da carreira gloriosa
de Rhodan.
O regente era um robô. Como tal só podia agir segundo o princípio da maior
vantagem. Assim, não conhecia a palavra escrúpulo.
***
Por sua vez, Perry Rhodan seria um louco ou bobo se não soubesse de tudo isto. Os
dois gigantes do espaço, Drusus e Kublai Khan estavam de prontidão permanente. Em
qualquer fase dos acontecimentos, sua velocidade era suficiente para uma transição
imediata. Uma grande quantidade de postos de rastreamento controlava os movimentos
das naves arcônidas e dariam logo o alarme, assim que se aglomerassem ou se
aproximassem demais, pondo em risco a garantia da Drusus ou da Kublai Khan.
Mas não era ainda este o caso. Rhodan calculara bem: o regente não tomaria
nenhuma iniciativa, enquanto não soubesse o que os terranos pretendiam.
Quando soubesse, haveria de atacar, com a rapidez de um raio e com muita
ganância. Isto é, um ataque-relâmpago, feito por milhares de naves e de tal forma que os
envoltórios de proteção dos dois gigantes terranos seriam ultrapassados e, sob a violência
do fogo concentrado, tais gigantes seriam destruídos.
Perry Rhodan sabia que sua vida não valeria um vintém, se fosse confiar nas
promessas do regente. Falavam de união para a cooperação, de boa vontade, etc. Mas,
melhor do que ninguém, Rhodan sabia que se podia programar um grande computador
para uma mentira perfeita.
A presença das duas espaçonaves terranas tinha dupla finalidade. Primeiro, era dar
assistência a Julian Tifflor e à Infant, tão logo eles precisassem. Segundo, era necessário
manter ligação com a base Hades, situada no Universo dos druufs. Ninguém podia prever
os acontecimentos que se desencadeariam com a penetração da Infant no espaço dos
druufs. De um momento para o outro, podia surgir um ambiente que forçasse Hades a
intervir nos acontecimentos. E já que Hades quase não tinha possibilidade de informar
sobre a situação, a Drusus e a Kublai Khan ficariam de prontidão.
Rhodan estava consciente dos riscos que assumia neste empreendimento. Estava
certo de não se ter descuidado de nada.
Mas não sabia que chegaria o momento em que todas as precauções se tornariam
inúteis...
***
***
Julian Tifflor teve que se desfazer da Infant. Fê-lo com muito pesar no coração, e
somente depois de ponderar todas as hipóteses. Os doze homens restantes, sob a liderança
do Tenente Lubkov, tinham sido levados para bordo de uma nave druuf, enquanto que a
Infant, poucos minutos após, de acordo com os planos de Tifflor, fora destruída por uma
explosão.
Foram dois os motivos principais que levaram Tifflor a esta resolução: ele iria ficar
a bordo de uma nave druuf, e mais do que nunca iria precisar da tripulação terrana, caso
quisesse ter alguma esperança de sucesso.
Por outro lado, não podia deixar a Infant nas mãos dos druufs. Ninguém poderia
prever o quanto os druufs iriam aprender da tecnologia terrana sobre a construção de
espaçonaves.
A Infant foi pelos ares. O Tenente Lubkov, o último a deixar a velha nave, ligou o
automático das bombas. A nave se reduziu a uma nuvem incandescente de gás,
espalhando-se pelo espaço e perdendo rapidamente a luminosidade. Meia hora após a
explosão, não havia mais o menor vestígio do velho couraçado.
Parece que os druufs estavam de acordo. Provavelmente, estes achavam-se
impressionados com a declaração sincera do coronel de que ele, Tifflor, aderira aos
druufs, mais por ódio contra os arcônidas do quê por simpatia pelos habitantes deste
Universo tão diferente do seu. Colocava-se como um homem que, apesar de agir contra a
vontade de seus superiores, tudo fazia para não causar nenhum dano à sua pátria, que
deixara como desertor.
Julian Tifflor já tinha, naturalmente, um novo plano. Embora seu objetivo principal
parecia ter fracassado, não queria voltar à Terra de mãos vazias. Havia duas coisas pelas
quais valia a pena correr algum risco: primeiro, a proteção anti-rastreamento, que
facultava às naves druufs se tornarem quase invisíveis; segundo: o misterioso sistema de
propulsão que capacitava os druufs a vôos mais rápidos que a luz, sem transição, ou seja,
sem os saltos para o hiperespaço. Tifflor estava convencido de que a posse destes dois
segredos haveria de garantir a supremacia à frota terrana, apesar da superioridade
numérica dos arcônidas.
Confiaram-lhe o posto de comando. Um grande número de robôs druufs estava à sua
disposição, preparados para executar qualquer ordem sua, também prontos para
manejarem os instrumentos, caso ele tivesse alguma dificuldade, por desconhecer a
tecnologia druuf. Depois que Tifflor assumiu o comando, nenhum druuf mais apareceu na
cabina do piloto.
Em poucos segundos, Tifflor avaliou bem a situação. Os robôs ali estavam, não
somente para executarem as ordens de Tifflor, mas, e talvez principalmente, para a alta
missão de controlarem os terranos, impedindo qualquer abuso dos poderes que lhes foram
atribuídos.
Pois a parcela da frota que havia sido colocada sob o comando de Tifflor tinha ao
todo quatorze mil unidades. Equivalia a três vezes mais do que toda a frota terrana
reunida. Julian Tifflor ainda estava convencido de que não chegaria a nenhum confronto
direto com os arcônidas. Havia instruído sua tripulação sobre seus planos e aguardava a
oportunidade para pô-los em execução.
É claro que, com a destruição da Infant, alguma coisa lhes estava faltando. Não
tinham mais meio de locomoção próprio, com que pudessem escapulir rapidamente, em
caso de emergência. Não sabiam manobrar uma nave druuf, e os robôs haveriam de se
abster de fazer isso tão logo notassem o que estava em jogo.
No entanto, Tifflor via uma remota possibilidade de entrar em contato com a base
clandestina de Hades e, no momento decisivo, receber apoio de lá. Naturalmente, mais
cedo ou mais tarde, os druufs descobririam que seus hóspedes não aspiravam a outra
coisa a não ser ao roubo de dois importantes segredos da tecnologia druuf. Haveriam de
comprovar isto no momento em que, em qualquer ponto, à volta da nave capitania druuf
surgisse uma espaçonave de Hades para receber os terranos e colocá-los a salvo. Não
eram lá muito grandes as chances de conseguirem tal ação. Mas Tifflor era de opinião que
a vantagem obtida, a partir daí, poderia ser grande, e valia arcar tranqüilamente com o
risco inerente.
Ainda não sabia das medidas que Perry Rhodan havia tomado neste meio tempo,
para apressar o desenrolar dos acontecimentos. Não podia, pois, supor que suas
preocupações, em breve, não teriam mais razão de ser, porque os próximos
acontecimentos as dissolveriam.
Também não lhe era possível adivinhar a desgraça que se abateria sobre ele...
***
***
Perry não tinha dúvida do que devia fazer. Tifflor corria perigo, Rhodan tinha de
socorrê-lo. As duas naves terranas, a Drusus e a Kublai Khan, deviam penetrar no
Universo dos druufs para procurar por Tifflor e seus auxiliares. Deu ordens para isto. Não
sabia, porém, que uma grande parte da frota arcônida estava de olho e registrava com
cuidado cada passo que ele dava. Quando as duas naves alteraram a rota e se dirigiram
para a zona de superposição, os arcônidas logo perceberam.
O regente robotizado foi colocado a par de tudo e julgou que o momento era
oportuno. Quando a Drusus e a Kublai Khan estavam a um décimo de ano-luz da região
de superposição, surgiu na frente delas uma frota de belonaves pesadas e os arcônidas
abriram fogo sem nenhum aviso.
Rhodan sabia que estava em inferioridade numérica. Ordenou uma transição
imediata, não tendo nem tempo para se preocupar com a direção a ser tomada. O
essencial era escapar da armadilha dos arcônidas.
Os envoltórios de proteção da Drusus já estavam incandescentes sob o fogo cerrado
da primeira saraivada, quando a gigantesca nave deu o salto para a quinta dimensão,
desaparecendo no hiperespaço.
Não foi um mero acaso o fato de a Drusus e a Kublai Khan terem realizado o
mesmo salto, com transição igual. Ao voltarem para o espaço de Einstein, estavam
novamente próximas uma da outra. Medições exatas feitas na hora, constatavam que,
tomando-se como ponto de referência sua rota anterior, a zona de superposição estava
quinze anos-luz atrás delas.
Isto queria dizer, primeiramente, que estavam a salvo. Mas que adiantava isto, se
Tifflor e seus companheiros estavam em perigo, precisando de seu auxílio? As duas naves
tinham que voltar.
Rhodan não perdeu tempo com considerações inúteis. Era supérfluo falar de sua
responsabilidade com Julian Tifflor. Jamais poderia ignorá-la. E de nada valia o
argumento de que iria arriscar duas das maiores belonaves da Terra, na tentativa de salvar
Tifflor.
É verdade que não havia nenhum plano de combate para resolver o problema. Havia
um único caminho: avançar e procurar abrir uma brecha na “nuvem” de naves arcônidas.
Perry Rhodan instruiu a Kublai Khan de como coordenar seus movimentos com os
da Drusus. As duas naves terranas juntas tinham uma fantástica potência de fogo. Não
precisavam ficar preocupadas com o número de naves arcônidas que tinham de enfrentar,
desde que esse não fosse superior a quinze unidades.
A desgraça era que os arcônidas também sabiam disso e mandavam sempre um
número bem grande de naves no encalço dos terranos.
Perry Rhodan tomou sobre seus ombros toda a responsabilidade e deu ordens para o
vôo de volta. As duas naves partiram e, dentro de poucos minutos, já estavam em
transição.
***
A grande nave druuf sacolejava. Diante do painel dos instrumentos, estava o piloto
druuf, olhando petrificado para frente, sem desviar a atenção da tela escura, como se a
confusão ali dentro não tivesse nada com ele. A seu lado, estava sentado André Noir, o
hipno. Seu rosto estava assustadoramente pálido. Os olhos fechados. O suor escorria pela
sua testa.
O Tenente Lubkov, apesar dos estremeções da nave capitania, tentava ficar sempre
ao lado do mutante. Sua preocupação era se o hipnotizador André Noir iria suportar toda
aquela carga nervosa. Se ele falhasse, seria uma desgraça para todos. Pois ninguém, fora
o piloto druuf, estaria em condições de manejar o aparelho e de conseguir tirá-los dali.
Podiam matar o piloto, caso André Noir fracassasse, mas isto não resolveria nada.
John Marshall foi o último a entrar. O telepata subiu rápido a escada que dava para o
posto de comando e a primeira coisa que os homens ouviram de seus lábios foi:
— Coisa muito perigosa! Tifflor sofreu um ataque.
Lubkov não perdeu tempo. Sabia que o telepata estava em condições de, mesmo a
grande distância, saber se alguém estava acordado ou dormindo, se estava doente ou com
saúde. Os pensamentos captados indicavam tudo.
— Onde está ele? — gritou Lubkov.
— É difícil dizer — respondeu Marshall. — Estou recebendo apenas sinais muito
fracos, quase imperceptíveis. Aparentemente, está inconsciente. Nas proximidades do
posto de comando, acho eu.
Um novo abalo percorreu toda a grande nave. Lubkov foi atirado para o alto, caindo
depois com muita força.
— Tschubai! — disse ele, sem dar importância a sua queda. — A nave está se
rebentando. Você não quer procurar Tifflor? Temos de levá-lo conosco.
Ras Tschubai nem perdeu tempo em responder. Apenas se concentrou, mentalizando
a imagem da cabina de comando, e desapareceu.
***
***
Já tinham feito três tentativas de furar a frente inimiga e três vezes foram
rechaçados. Aliás, a Drusus foi atingida por um projétil que deixara fora de
funcionamento um dos motores de seu envoltório de proteção. Daí para frente, a Drusus
teria de agir com mais cautela. O gerador podia ser reparado na Terra em um dia, mas no
espaço era totalmente impossível.
A quarta investida foi realizada para, por meio do transmissor, enviar Gucky para
Hades. Combinaram um determinado tempo para que a Drusus ou a Kublai Khan
ficassem preparadas, nas proximidades da zona de superposição, para receber Gucky de
volta.
O resto do tempo ficariam aguardando. Gucky teria de informar-se sobre o que
acontecera com Julian Tifflor. Havia três hipóteses: ou o sinalizador do corpo de Tifflor
continuava funcionando com a força de sempre, ou estaria trabalhando com muito pouca
força e com intermitência, ou então não funcionava mais. A primeira e a última hipótese
significava que seria completamente inútil a intervenção dos dois grandes couraçados. A
segunda hipótese, porém, os obrigava a tentar, pela quinta, sexta, centésima ou milésima
vez, irromper pela frente inimiga e penetrar no Universo druuf.
Os arcônidas não se limitaram a ficar esperando pelas duas naves terranas nas
proximidades da zona de superposição. Pelo menos a metade da frota de bloqueio, isto é,
cerca de dez mil unidades, estava sempre em movimento, pesquisando todo o espaço em
volta para destruírem os dois couraçados, assim que os localizassem.
Por este motivo, Perry Rhodan fazia com que toda transição que a Drusus e a Kublai
Khan fizessem, fosse terminar, pelo menos, a dez anos-luz da garganta afunilada da
região de superposição. Naturalmente ele pensava que os arcônidas não o fossem
procurar tão longe assim.
Os minutos de espera pela chegada de Gucky foram momentos de terrível tensão
nervosa. O nervosismo ia num crescendo constante a bordo dos dois couraçados. Pois a
maior infelicidade para o homem é ficar sem poder fazer nada numa hora das mais
importantes decisões.
***
O druuf não tinha nenhum transdutor idiomático para se entender com os terranos.
O Tenente Lubkov fez o que supôs ser o mais indicado. Ordenou que quatro de seus
homens se postassem de armas embaladas na frente do piloto, esperando que com isso ele
compreendesse qual era sua obrigação. Depois aproximou-se dele, pegou no seu tronco
quase cúbico e tentou virá-lo para a posição em que estava antes.
O druuf devia entender toda esta movimentação tão “palpável” para qualquer tipo de
cérebro.
Se entendeu ou não entendeu, o fato é que o druuf fez apenas um pequeno
movimento com seu corpo e com os longos braços. O Tenente Lubkov recebeu um
tremendo golpe e foi atirado para frente, rolando no chão. Ao bater com o ombro em
qualquer coisa dura, deu um grito de dor. Mas logo a seguir se levantou e viu como o
druuf virou para a frente, levando a mão à alavanca de comando.
Depois de um soco daquele, a mão do druuf na alavanca de comando somente
poderia significar a alteração da rota. Lubkov sacou da arma e atirou. A violência do tiro
seria suficiente para matar um homem instantaneamente, mas para o druuf mal foi
suficiente para obrigá-lo a curvar-se e cair no chão.
E não passou disso. Depois que o druuf rolou no chão com grande ruído, passou a
reinar silêncio total na diminuta cabina de comando. Parecia que na cabeça de todos só
havia um pensamento: como conseguiremos agora chegar ao nosso objetivo?
De repente, porém, soou um grito agudo de Marshall, que lhes fez gelar o sangue
nas veias:
— Cuidado! Deixem-no em paz. Ele está pensando... e eu o posso compreender.
***
***
Apesar das enormes dificuldades, estavam conseguindo o que queriam. Lubkov fez
como se quisesse manobrar as alavancas do quadro de comando, e o druuf ferido
começou, em pensamentos, a zombar dele:
— Desta maneira o aparelho vai se perder no espaço.
No entanto, Marshall conseguira captar-lhe os pensamentos. A dor que o piloto
druuf sentia, a ira que crescia dentro dele, rebentaram o possível envoltório mental que
até então impedira a comunicação telepática entre os terranos e o druuf. Marshall era um
telepata experimentado. Assim, o druuf ali deitado não sabia que seus pensamentos
estavam sendo lidos por Marshall. Logo que notava um pensamento importante,
comunicava-o a Lubkov.
Lubkov largou as alavancas, e tentou mexer em outros comandos.
Logo veio o pensamento do druuf:
— Desgraçado, como é que você sabe que são estes os certos? Mas ainda está
faltando uma coisa. Tem de “ligar também a outra alavanca”
Marshall não compreendeu bem o termo técnico, mas disse a Lubkov simplesmente
o que ouvira. E Lubkov começou a procurar, entre outras, as tais alavancas. Procurou
tanto até que o druuf, todo encolerizado, pensou:
— Com os diabos! Acertou outra vez!
Desta maneira aprenderam, passo a passo, como funcionava o comando da nave
druuf. Tão logo tudo lhes estava claro, ultrapassaram a velocidade da luz e se
aproximaram de Hades, em vôo mais rápido que a luz, através do hiperespaço.
As manobras de frenagem correram normalmente. O temperamental druuf, que
levado pela dor e pela cólera não descobriu que era ele mesmo quem fornecia todas as
dicas, continuou sendo uma fonte inesgotável de informações.
Depois que emergiram do hiperespaço, Julian Tifflor voltou a si. Levou alguns
minutos para compreender a nova situação. A seguir, assumiu o comando. Lubkov ficou
muito contente, porque daí em diante tinha todo o tempo para prestar atenção nas
complicadas alavancas e botões.
Finalmente surgiu no canto de dentro da tela panorâmica a base de Hades. A
pequena nave auxiliar, em menos de duas horas, venceu uma distância de quase doze
bilhões de quilômetros — devendo-se notar que foi pilotada por terranos que há duas
horas antes não tinham a menor noção da astronáutica dos druufs.
Aliás, ainda lhes restava uma parte substancial de sua missão: a aterrissagem em
Hades. O Capitão Rous haveria de tomar a nave como pertencente aos druufs, como de
fato era, e teria todo o direito e mesmo o dever de abrir fogo contra ela. Não poderia
permitir que uma nave druuf se aproximasse demais da entrada das cavernas onde se
escondia a base terrana.
Tifflor tinha muitas idéias de como evitar este erro, mas todas elas eram de execução
demorada. Uma destas idéias, por exemplo, era descrever com a nave no espaço voltas
enormes para formar letras da escrita terrana, com um S ou um R, qualquer letra, enfim,
até que Rous chegasse à conclusão de que não eram os druufs. Mas havia um caminho
aparentemente mais garantido. Assim como os terranos aprenderam o segredo da
navegação através do truque da telepatia, podiam tentar fazer o mesmo para aprender a
lidar com os transmissores de bordo.
Havia muita coisa que podia ser feita. Mas enquanto Tifflor e Lubkov discutiam
qual seria a mais prática, surge a voz de Marshall, trazendo uma grande sensação:
Havia “percebido” a voz de Gucky, por via telepática. Gucky estava em Hades e
tinha notado a aproximação da nave dos druufs. As comportas da base de Hades já
achavam-se abertas para acolher a nave. Portanto, tudo certo.
***
É verdade que eles pretendiam muito mais. Mas, deviam estar contentes com o que
conseguiram. Queriam que os arcônidas e os druufs se aniquilassem mutuamente e não
deixassem de lutar, senão depois que, dos dois lados, não houvesse ninguém mais em
condições de se levantar. Esperavam, com um único empreendimento, criar uma situação
em que o poderio terrano pudesse ficar igualado ao dos arcônidas.
Não chegaram até isto. E era mesmo impossível.
Conforme cálculos bem ponderados, o Império Arcônida perdera em toda a refrega
dezoito mil naves. Era realmente um número respeitável, conforme os parâmetros da
Terra, mas de maneira alguma uma perda irreparável, capaz de colocar em jogo o poderio
de Árcon.
As perdas dos druufs foram também elevadas, mas isto não interessava a ninguém
na Terra. Conforme as previsões da positrônica de Vênus, a zona de descarga estaria em
pouco tempo fechada e, a partir daí, os druufs não representariam nada mais para a Terra.
O dever da Terra continuaria sendo, portanto, de acompanhar de longe a política da
Galáxia. Ainda não era chegado o momento em que a frota terrana podia entrar em cena e
impor, pela força, sua vontade. O grande dia da Terra ainda iria demorar um pouco. Estas
considerações eram uma boa lição que se podia tirar da missão de Julian Tifflor.
De outro lado, porém, havia dois grandes sucessos a registrar: a captura de uma
nave druuf, com o mecanismo de propulsão de velocidade superior à da luz e do
aprisionamento de um piloto druuf, que podia fornecer informações sobre o
desenvolvimento tecnológico de sua raça.
Os cientistas e técnicos terranos haveriam de se lançar com grande ardor para
estudar o fabuloso mecanismo que a Drusus e a Kublai Khan lhes estava desembarcando.
E teriam uma função dupla: tentariam procurar compreender uma tecnologia estranha e
transmitir o modo de funcionamento de um dispositivo, cujo princípio lhes era totalmente
desconhecido.
Quatro semanas após, já haviam desvendado o essencial e, em pouco tempo,
estariam construindo mecanismos iguais.
Uma das exposições mais conhecidas, explicando o funcionamento da propulsão
druuf de velocidade superior à da luz, era a do professor Lawrence, do Instituto de
Tecnologia de Terrânia. O trabalho deste mestre começava clareando o incompreensível
através de um exemplo da física:
— Pode-se aquecer um pedaço de matéria sólida. Pode-se transferir calor para ela e,
para cada caloria que se adiciona ao pedaço de matéria, aumenta sua temperatura,
conforme o calor específico de cada corpo, num determinado número de graus. Mas se
chegará a um ponto em que o calor adicionado não servirá mais para aumentar a
temperatura do objeto, mas tão-somente para alterar o estado da matéria.
“Tomemos como exemplo um pedaço de gelo, H 2O em estado sólido, para falarmos
mais exatamente. Comecemos com dez graus abaixo de zero grau Celsius a aquecer o
gelo. Quanto mais calor lhe adicionarmos, tanto mais sobe sua temperatura, até
atingirmos grau zero de Celsius. Se ao gelo de zero grau adicionarmos mais calor, ele
passa a não se aquecer, mas apenas se derrete. Continua com a temperatura de zero grau,
até se liquefazer todo, portanto, H 2O líquido. Somente depois disso, é que o calor
adicionado à matéria será aplicado para elevar a temperatura da água. A quantidade de
calor que adicionarmos ao grau zero, sem que a temperatura da matéria aumente,
chamamos de calor da fusão do gelo e, com relação ao peso molar, chamamos de calor da
fusão molar.
“Os senhores, futuros galatonautas, como certamente o serão, haverão de me
perguntar o que o gelo derretido tem a ver com a sua vocação de cosmonauta. Permitam-
me explicar um pouco mais. Os senhores adicionam mais energia ao motor da nave e este
motor aumenta-lhe a velocidade. Este princípio não funciona indefinidamente, como os
senhores sabem. Até hoje, nós acreditávamos que não podíamos ultrapassar um
determinado limite, isto é, o da velocidade da luz.
“Já os druufs estão um passo à frente. Do mesmo modo que nós, eles adicionam
energia ao mecanismo, para aumentar a velocidade de suas naves. Mas chega então o
ponto em que a energia fornecida não é mais utilizada para aumentar a velocidade, e sim
para mudar o estado do aparelho. É claro que a nave sólida não se transforma em nave
líquida, como é o caso do gelo, mas o estado da nave se altera de tal maneira, que depois
do acréscimo de uma determinada quantidade de energia, ela, a nave, não pertence mais
ao contínuo quadridimensional, mas passa para um espaço superior.
“É, pois, como o fenômeno do gelo. A função, que o aumento de temperatura possui
com relação à massa e com a dimensão do calor fornecido, permanece contínua até o
ponto de fusão, quando tem então um momento de instabilidade. Diz-se então que para
qualquer alteração na temperatura, por menor que seja, é necessário um aditamento de
certa dose de calor.
“O mesmo se dá com a nave dos druufs: aumento de velocidade de acordo com o
tamanho da massa e da quantidade de energia, como função da velocidade imprimida, é
uma função contínua, até um ponto-limite. Ali chega o clímax, semelhante a uma função
delta. Esta função delta marca o ponto em que a energia adicionada é utilizada para levar
a nave para um outro estado espacial.
“Por favor, meus senhores, não julguem toda esta complicada explicação mais do
que como uma comparação, pois toda comparação é falha em algum ponto. Deve-se
tomar também em consideração a estrutura da energia fornecida ao mecanismo, além do
tipo de propulsão e muitas coisas mais.
Tudo que lhes disse tem o único propósito de lhes dar um quadro rudimentar do
processo. Não se esqueçam de que estamos tocando num setor da ciência onde uma
demonstração concreta se torna impossível. A tentativa de dar um modelo do fenômeno
ou um esboço claro tem de falhar sempre.”
Foi este o quadro esquemático do professor Lawrence. Assim mesmo, apesar de
parecer um tanto irreal, os conceitos do professor entraram para os manuais de técnica e
aí ficaram por muito tempo, imutáveis.
A inquirição do piloto druuf aprisionado não trouxe grandes elucidações sobre o
fenômeno ou sobre a técnica de camuflagem com que a nave druuf pôde, sem ser vista,
arrastar a Infant para dentro da garganta afunilada.
O druuf sabia que o aparelho ainda estava em fase experimental — um dos motivos
por que os terranos ainda não tinham dificuldades em determinar a posição das naves
druufs. Eram pouquíssimos os aparelhos que já estavam equipados com os novos
dispositivos.
O druuf sabia ainda que o funcionamento do aparelho se baseava no fato de que ele
só podia absorver dois setores restritos e bem determinados do feixe de ondas
eletromagnéticas. Estes setores pertenciam à parte visível do espectro. Eram ondas cujo
comprimento variava de 4.000 a 7.500 unidades de angstrõm, sendo que uma parte delas
também pertencia ao pequeno setor em que se moviam as freqüências dos rastreadores
terranos. Se fosse utilizada uma outra freqüência de rastreamento, a nave invisível dos
druufs certamente aparecia nítida na tela do rastreador. Em outras palavras, no tocante ao
rastreamento com microondas, o novo aparelho druuf oferecia apenas a vantagem de
operar numa faixa muito raramente utilizada pelos operadores dos postos de
rastreamento.
Esta constatação não chegou a ser uma novidade sensacional para os terranos. Tudo
que se pôde concluir sobre o processo druuf foi encaminhado aos técnicos em alta
freqüência, com a sugestão de se aprofundarem mais no assunto. Ninguém, porém,
acreditava que surgisse alguma coisa útil de tudo isto.
Apenas três semanas depois de ter chegado à Terra, o druuf morreu, recusou-se a ser
atendido por um médico. Seu ferimento foi piorando mais do que os responsáveis podiam
supor. Fora disso, não se tomou muito a sério sua obstinação em recusar tratamento, do
mesmo modo que a inquirição também foi feita contra sua vontade.
A Terra havia, pois, dado mais um passo em busca da supremacia galáctica. Estava
de posse do mecanismo de velocidade superior à da luz, graças aos druufs. E os cientistas
terranos estavam em vias de dar, também, mais um passo para vencer a superioridade
numérica dos arcônidas.
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