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Cem Bilhões de Neurônios – Capítulo 17 – As Bases Neurais da Percepção e da Atenção
Percepção é a capacidade de associar as infomações sensoriais à memória e à cognição, de modo
a formar conceitos sobre o mundo e sobre nós mesmos, a fim de orientar o nosso comportamento. Tudo
que é percebido pela mente é sentido pelo corpo de algum modo, mas nem tudo que é sentido pelo corpo
atinge a percepção. O conceito de percepção é diferente do de sensação.
A modalidade visual é a que está mais bem estudada a esse respeito, conhecendo-se uma via
cortical dorsal (percepção sintética), destinada à identificação das relações espaciais dos objetos com o
observador e com o mundo, e uma via ventral (percepção analítica) cuja função é reconhecer o objeto,
dando-lhe um nome e identificando a sua função e a sua história.
A via dorsal envolve regiões do lobo parietal, enquanto a via ventral envolve regiões do lobo
temporal. Paralelismo semelhante vai aos poucos se estabelecendo também no caso da percepção
auditiva, onde uma via ventral cuida do reconhecimento dos sons complexos, incluindo a fala que ouvimos,
e uma via dorsal articula a percepção auditiva com o comportamento motor, responsável entre outras coisas
pelo incontrolável impulso que temos de acompanhar com o corpo o ritmo das músicas.
Para que os mecanismos da percepção possam ser otimizados, é preciso selecionar dentre os
inúmeros estímulos provenientes do ambiente aqueles que são mais relevantes para o observador. Para
isso, o SNC conta com a atenção, um mecanismo de focalização dos canais sensoriais capaz de facilitar
a ativação de certas vias, certas regiões e até mesmo certos neurônios, de modo a colocar em primeiro
plano sua operação, e em segundo plano a de outras regiões que processam aspectos irrelevantes para
cada situação.
Como conseguimos identificar na multidão a pessoa que nos interessa, e acompanhá-la com o olhar sem
perceber as demais? Como conseguimos acompanhar uma conversa em uma festa barulhenta? Essa
estranha e apurada capacidade é o que chamamos de percepção. Seus mecanismos neurais serão
discutidos a seguir.
Foi afirmado que a percepção é diferente dos sentidos e isso acontece pois existe um "algo mais"
que a torna uma experiência mental particular;; segundo, que ela envolve processos complexos ligados à
memória, à cognição e ao comportamento. Um dos aspectos mais importantes da percepção e que a
diferencia das sensações é a chamada constância perceptual. Para os sentidos, cada posição de um objeto
produz uma imagem visual diferente. Já para a percepção trata-se do mesmo objeto.
AGNOSIAS: são geralmente causadas por lesões do córtex cerebral e indentificam desordens de percepção.
Um exemplo disso se dá por um caso como: o indivíduo é capaz de descrever detalhadamente os objetos e
as pessoas que vê, embora não consiga nomeá-los. Dirá que tem na sua frente um objeto preto e alongado,
oco por dentro e que serve para pôr os pés, mas não conseguirá dizer que está vendo um sapato. Uma
pessoa com agnosia pode não perder a capacidade de interpretar todas as informações sensoriais.
o Agnosia visual associativa - Tem capacidade de classificar os tipos de objetos, sem ser capaz
de dizer o nome específico do objeto.
Maria Julia Lemos – MED02 1
o Prosopagnosia - Incapacidade de identificar rostos de pessoas conhecidas.
o Agnosia verbal ou receptiva - cujo portador deixa de compreender a fala emitida por seus
interlocutores.
o Agnosia somatossensorial - Dificuldade com estimulação tátil. Uma pessoa com esta condição
pode não ser capaz de conceituar a textura de um objeto familiar.
o Amusia - incapacidade de reconhecer sons musicais.
o Estereognosias - não conseguem reconhecer objetos pelo tato;;
o Anosognosia - perda de memória de uma parte lesada do corpo (ou outro objeto) que já existe.
O estudo das lesões cerebrais encontradas nos pacientes com agnosia revelou que elas se situam
geralmente em áreas do córtex parietal posterior e do córtex inferotemporal ou na face lateral do lobo
occipital. O que tem essas áreas em comum? Situadas na confluência entre as áreas sensoriais primárias,
essas regiões do córtex cerebral têm sido conhecidas como córtex associativo e envolve a associação entre
as informações sensoriais e os comandos motores.
Uma primeira possibilidade levantada pelos neurocientistas é que formassem uma hierarquia em que
cada uma utilizasse a informação veiculada pela precedente para adicionar complexidade perceptual, até
que a reconstrução mental do objeto percebido pudesse ser comparada com o "banco de imagens" (não só
visuais) contido na memória, dando origem a ideia das vias sequenciais. Assim, propuseram que as
propriedades dos campos receptores dos neurônios do córtex visual eram construídas a partir das
propriedades dos neurônios precedentes, ao longo de uma cadeia de conexões que os ligavam um a um.
De fato, os campos receptores dos neurônios de V l e V2 podem ser classificados de acordo com a
sua complexidade, e faz sentido lógico imaginar que os mais complexos são construídos a partir da
convergência dos mais simples. O tamanho dos campos receptores das células corticais, por exemplo,
aumenta à medida que se caminha de VI para V2, V3 etc. Os estímulos capazes de ativar os neurônios
tomam-se mais e mais complexos: em VI, simples formas geométricas como círculos e barras são suficientes
para fazer disparar os neurônios, desde que posicionados dentro do campo receptor;; no córtex
inferotemporal, muitas células só são ativadas por perfis complexos que representam mãos e faces
A área V4, por exemplo, contém neurônios particularmente sensíveis ao comprimento de onda dos
estímulos luminosos empregados para ativá-los. A área V5 (também chamada MT), por outro lado, contém
neurônios sensíveis a estímulos em movimento, independentemente de sua cor.
A partir disso, houve a criação de uma hipótese alternativa, correspondendo a via paralela. Ou seja,
a percepção seria obtida através de processamento paralelo, por meio do qual a informação proveniente do
mundo externo ou do próprio corpo seria segmentada e distribuída em subsistemas encarregados de
analisar cada atributo específico. O conceito de processamento paralelo foi confirmado mas não aboliu o
conceito de processamento hierárquico, e atualmente ambos são considerados coexistentes.
No presente, são muitas as evidências em favor das vias paralelas, particularmente no sistema
visual. A ideia de processamento paralelo se dá por: devemos analisar a cor e a forma através de canais
perceptuais separados, o que leva mais tempo, comparado quando se analisa apenas um desses fatores.
Indivíduos que perdem a percepção de movimento sem qualquer outro distúrbio, trata-se de uma
condição conhecida como acinetópsia. Se dá por um paciente que é capaz de perceber um carro que surge
no início da rua, mas só se dá conta de que ele se move quando já está muito próximo. Esses raros pacientes
apresentam lesão em um setor muito preciso do córtex, que equivale à área V5. Há casos também de
acromatopsia, isto é, incapacidade de perceber cores devida a uma lesão cortical circunscrita à área V4.
Maria Julia Lemos – MED02 2
Dessa forma, a partir de estudos foi-se proposto duas vias paralelas corticais distintas para a
percepção visual. A primeira, responsável pela percepção espacial, é chamada via dorsal por ser formada
pela sequência de áreas corticais que ligam principalmente o canal M com a área V5 do córtex temporal
através de V l , V2 e V3. A área V5 distribui a informação para áreas próximas do lobo parietal. Através da
área V5 as informações chegam ao córtex parietal associado com a percepção espacial. Sitio que elabora
imagens mentais dos objetos tridimensionais, mediante instruções verbais.
A segunda é a via ventral, responsável pela percepção de formas e cores que permitem o
reconhecimento dos objetos do mundo visual. A via ventral é assim chamada porque conecta os canais k e
P com a área V4 do córtex temporal através de V I, V2 e também V3. A área V4, por sua vez, distribui a
informação para outras áreas do lobo temporal.
OBS: forma e cor (o canal P), movimento (o canal M), cor apenas (o canal K), área visual primária (V1),
área visual secundária (V2).
A especialização funcional que caracteriza as vias paralelas permite uma conclusão importante sobre
os mecanismos da percepção. Os primeiros estágios são analíticos, isto é, envolvem a decomposição do
objeto em suas propriedades principais: forma, cor, movimento, no caso da percepção visual. Cada uma
dessas propriedades primordiais do objeto é analisadas em canais próprios cujos neurônios são
especializados em detectá-las. Mas em que momento ocorre a "reconstrução" mental do objeto? Mais
precisamente: de que maneira as informações sobre forma, cor e movimento se entrecruzam no sistema
nervoso, de modo a possibilitar o reconhecimento cognitivo?
As vias paralelas não parecem operar isoladamente, mas sim cooperativamente. São vias
cooperativas, e não independentes.
De qualquer forma, a via ventral pode ser compreendida como a que responde mais eficientemente
à pergunta: "o quê?", enquanto a via dorsal responde à pergunta: "onde?". Isso significa que a operação
das áreas que compõem a via ventral permite o reconhecimento dos objetos visuais, enquanto o
funcionamento das áreas que constituem a via dorsal permite identificar as três dimensões dos objetos, bem
como os relacionar espacialmente entre si e com o observador que os percebe.
Para entender melhor, suponha a seguinte situação: você procura os seus óculos, que esqueceu em algum lugar.
Seus olhos buscam aquele objeto característico formado por dois contornos fechados interligados, e duas hastes
em L. Você tem uma imagem dele na sua memória, e imediatamente o identificará onde estiver, esteja ele
pousado na mesa com as lentes para cima, virado ao contrário no chão com as hastes abertas, ou meio inserido
entre as almofadas do sofá. Ao encontrá-lo, você precisa relacioná-lo com o ambiente para orientar o seu
comportamento, isto é, determinar se você vai estender o braço para pegá-lo na mesa, curvar-se para alcançá-
lo no chão, ou inserir a mão entre as almofadas para retirá-lo. Para reconhecer a forma e a cor dos seus óculos
você precisa da sua via ventral, mas para alcançá-lo com a mão na posição certa (mão esquerda ou mão direita?
qual é a melhor para pegar os óculos agora?) você precisa de sua via dorsal. Daí se conclui que o re-
conhecimento dos objetos e a percepção espacial, embora sejam duas operações perceptuais distintas realizadas
por vias paralelas, são também dois aspectos de uma mesma operação mental, realizados coordenadamente
pelo mesmo cérebro de um mesmo indivíduo.
BIERDMANN: detectadas pela disposição de suas bordas de contraste formando relações espaciais típicas.
Em vez de múltiplos esboços 2½D para cada objeto,o sistema visual seria capaz de identificar unidades
perceptuais.
Essas duas teorias da percepção são centradas no objeto: ambas atribuem a ele eixos invariantes
ou típicas associações de bordas que, armazenadas na memória, serviriam para o reconhecimento
posterior. Assim respondem às duas questões essenciais da percepção: isolar o objeto em relação aos
demais e ao fundo, e mantê-lo perceptualmente constante. Além disso, admitem uma sequência lógica que
vai do simples ao complexo, envolvendo etapas analíticas seguidas de mecanismos sintéticos de
"reconstrução mental''.
A via dorsal, portanto, é a via do "onde?". Novamente, disso não se pode depreender que ela não
realize também operações perceptuais que envolvem o reconhecimento da forma dos objetos. A
necessidade de que o faça vem da importância de avaliar a forma do objeto que será tomado com a mão.
Para pegar os óculos - antes mesmo de fazê-lo -, posiciona-se a mão de uma certa maneira. Se se tratasse
de um anel, você o faria de outra maneira, provavelmente posicionando o indicador e o polegar e não os
demais dedos.
Para responder à pergunta "onde?" e, desse modo orientar o comportamento, é preciso coordenar
diversas informações sensoriais e motoras. Essa função é feita pelas áreas parietais posteriores do
córtex cerebral. Nas áreas parietais anteriores, já se sabe que existem as regiões somestésicas, separadas
pelo sulco central das áreas motoras do lobo frontal. Mais para trás, no lobo occipital, ficam as diversas
áreas visuais que também já foi mencionado. O córtex parietal posterior é um centro de convergência de
fibras provenientes desses três conjuntos de regiões (motoras, somestésicas e visuais) e a sua função reflete
essa característica anatômica.
Nas
áreas parietais
posteriores, a
resposta dos neurônios é também influenciada pela atenção.
A conclusão que se pode tirar dos estudos até agora
realizados envolvendo a via dorsal de percepção, é que as
regiões que a compõem têm em comum o fato de participar
de funções que relacionam a percepção dos objetos,
simplesmente, com as interações que estabelecemos com
eles.
Em exemplo: uma ferramenta é tipicamente um objeto associado a uma ação. Não nos interessa apenas saber
o nome de um martelo, mas saber também como usá-lo. E isso envolve um reconhecimento associado a uma
ação, responsabilidade precípua da via dorsal. Um martelo geralmente não é apenas contemplado com os olhos;;
ele é alcançado com a mão, que o agarra de um modo particular e realiza com ele movimentos de um certo tipo.
Por essa razão encontra-se grande ativação do córtex parietal posterior - região componente da via dorsal -
quando o indivíduo observa, imagina ou utiliza ferramentas. Assim, as regiões da via dorsal apresentam também
grande número de neurônios-espelho, o que indica que participam do aprendizado motor que somos capazes
de obter por meio da observação visual e da imitação de atos motores realizados por outras pessoas.
Se dá por um mecanismo de focalização dos canais sensoriais capaz de facilitar a ativação de certas
vias, certas regiões e até mesmo certos neurônios, de modo a colocar em primeiro plano sua operação e
em segundo plano a de outras regiões que processam aspectos irrelevantes para cada situação.
A partir de alguns experimentos, foi possível entender que há diferentes tipos de atenção:
(1) Atenção explícita ou aberta: o foco da atenção coincide com a fixação visual. Geralmente
prestamos mais atenção aos objetos que fixamos com o olhar. A seleção dos objetos a serem
percebidos depende de seu posicionamento no centro da fóvea. No entanto, nem sempre é assim.
Muitas vezes o foco da atenção não coincide com o olhar: é a (2) atenção implícita ou oculta: ou
seja, você pode estar com o olhar focalizado no livro, mas na verdade prestando atenção ao que se
passa na televisão ligada, no canto do quarto.
Os mecanismos neurais que permitem a seleção dos objetos a serem percebidos, neste caso, operam
nas regiões vizinhas à representação do eixo visual, ou mesmo na periferia do campo. A atenção explícita
tende a ser automática: sem nos darmos conta, vamos movimentando o foco atencional pelo ambiente à
medida que movimentamos os olhos. O controle voluntário é o mesmo do olhar;; o foco atencional segue
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junto com ele. Mas quando o olhar está fixo em um ponto,
podemos também movimentar o foco atencional livremente pelas
regiões vizinhas do campo visual. Dificilmente o fazemos,
entretanto, a não ser voluntariamente. Quer dizer, a atenção
implícita tende a ser uma operação mental voluntária.
Alerta: se dá pela quantidade de estímulo que o ambiente está a ofertar, ou seja, das condições
sensitivas que o ambiente está propiciando. Exemplo: a fome atrapalha o estado de alerta do aluno para a
aula, logo desviando a atenção dele. => O estado de alerta interfere no foco. O foco se dá pela atenção
propriamente dita.