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“Ao colocar o Senado, os cônsules e o povo partilhando o poder, Políbio

oferece uma visão tendenciosa, pois ele omite o predomínio dos senadores
propositalmente.” Maria Luiza Corassin

No capítulo 13, Políbio continua a descrição funcional das esferas governamentais pela qual
explicita a distribuição dos poderes na República Romana. Neste momento, Políbio trata do
Senado, esfera posta pelo princípio aristocrático presente na constituição romana. A descrição do
Senado, assim como a dos cônsules e posteriormente a do povo, é extremamente sistemática.
Políbio se preocupa tão somente em elencar as esferas de competência do Senado que formam
05: 1) religiosa, pela qual nenhum templo era dedicado sem a autorização do Senado; 2) direção
militar, em que consistia em supervisionar e autorizar os procedimentos executados pelos
cônsules; 3) negócios internacionais, em que o Senado é responsável por receber embaixadas
estrangeiras e a conclusão de tratados com estas; 4) atividade legislativa, através da qual o
Senado controlava a aplicação da justiça; e, finalmente, 5) administração financeira, relativa a
administração de bens estatais, despesas públicas (como os proventos para as obras públicas),
imposição de tributos, etc.

Contra esta leitura, a história moderna tratou de atacar esta exposição de Políbio quanto ao
Senado. Segundo estes, o historiador omitiria propositalmente informações uma vez que não se
enquadravam em sua teoria. O que estes estudiosos modernos afirmam é que, mais do que
Políbio estaria disposto a aceitar, a República Romana sempre conviveu com traços oligárquicos
profundos. Não apenas pelo Senado ser o órgão republicano com maior número de competências.
A supremacia do Senado estava fundada em outras razões. Diferentemente dos cônsules, deve-
se reconhecer que o Senado era um órgão político permanente e estável. As relações incestuosas
entre Senado e Magistraturas partem deste reconhecimento. Uma vez que o mandato de
magistrado durava apenas um ano e, após este tempo, o magistrado tornava-se membro do
Senado, pode-se dizer que, efetivamente, era no Senado que os políticos desenvolviam suas
carreiras. Afinal, somente ali era possível desenvolver uma política a longo do prazo. Contudo,
estes senadores dependiam, primeiramente, da aprovação dos colegas para prosseguir suas
carreiras e também para obter apoio às suas eventuais propostas a serem levadas aos comícios.
O que significa que, em outras palavras, o futuro da vida público de um político dependia da
benevolência ou hostilidade da maioria dos colegas do Senado para os quais ele se esforçaria em
ser benevolente já enquanto magistrado.

Com efeito, poderia-se objetar que, não obstante estes infortúnios entre Senado e
Magistrado, na era republicana os plebeus haviam conquistado o direito de ascenderem ao
senado. Porém, apesar desta mudança efetiva, os plebeus ainda eram imensa minoria.
Diferentemente dos patrícios cujo direito de se tornarem senadores tinham uma origem gentílica
(ou seja, ligada ao momento fundacional de Roma de modo que eram descendentes das grandes
famílias tradicionais de Roma), os plebeus precisavam se revestir de uma magistratura
anteriormente para tornar-se senador.

Mais uma vez, poderia-se objetar que as eleições para magistrados eram realizadas em
assembléias populares. A partir desta objeção, podemos passar ao capítulo seguinte, quando
Políbio descreve a terceira e última esfera governamental: o povo. Ora, não foram poucos aqueles
que questionaram a imagem que Políbio faz desta parte do governo que corresponderia ao
princípio democrático. Até então, observamos na anacyclose polibiana que, na passagem da
forma monárquica para a forma régia, fixou-se o princípio de legitimação de todos os regimes
retos: a confiança do povo. Neste momento em que está a discutir a divisão dos poderes, seria
natural esperar encontrar a descrição dos meios eficazes para essa confiança do povo ser posta.
No entanto, na constituição romana, embora o povo esteja na posição de fundamento e fiador de
toda a coisa pública, a “vontade do povo” não é reconhecia como princípio da atividade política.
Dito de outro modo: o povo não delibera, não decide, não age, em suma, não exerce a sua
vontade. Como disse o Prof. Sérgio: “para Políbio, o poder do povo é, no final, tão somente a
“forma” do interesse comum”, faltando nesta as consequências materiais esperadas.
Para provar isto, basta que observamos as funções desempenhada pelo povo expostas por
Políbio no capítulo 14 e contrapomos a efetividade. A começar pela possibilidade do povo eleger
os magistrados. Quando dizíamos anteriormente que o sistema de votação dos comícios
privilegiava os mais ricos, isto se devia ao procedimento padrão: embora todo cidadão romano de
pleno direito, desde que presente em Roma, pudesse participar das assembléias populares, o
valor do sufrágio era extremamente desigual já que os votos não eram contados individualmente,
mas por centúrias nas quais as mais altas tinham mais votos e, além de tudo, votavam
primeiramente, o que era determinante já que a votação se interrompia quando alcançava-se a
maioria, de modo que os cidadãos mais pobres só se pronunciavam quando os ricos não
conseguiam, de modo algum, entenderem-se entre si. Para completar, De Martino relata a
pressão que eles sofriam já que “o cidadão era mantido em obediência e nem mesmo na
assembléia podia ousar opor-se à vontade do magistrado”. É por isso que ele não tardaria em
afirmar que: “se a constituição do período era juridicamente aberta, ou seja, permitia a
participação de supostamente qualquer cidadão, isso não significava, entretanto, que não
houvesse privilégios”.

Além da questão dos comícios, outros pontos postos por Políbio como prerrogativas
populares são facilmente desbancados. Por exemplo, Políbio afirma que “o povo tem ainda o
poder de aprovar ou rejeitar leis e - o mais importante de tudo - delibera sobre a paz e a guerra”.
Contra tal imagem, o estudioso William Vernom Harris indica: “não há caso conhecido em que
uma decisão senatorial de travar guerra tenha sofrido com sucesso resistência por parte do povo”.
Não é difícil supor que isto ocorra da mesma forma com as outras prerrogativas populares citadas
por Políbio como o julgamento de certos tipos de crimes (como aqueles punidos com a pena de
morte ou multas vultosas) ou a decisão sobre os tratados no caso de alianças. Na verdade,
melhor seria se admitíssemos que o povo efetivamente nunca exerceu estas funções.

Os historiadores modernos se esforçaram em mapear as possíveis razões para esta leitura


enviesada de Políbio. Segundo Walbank, por exemplo, fora “a doutrina da constituição mista o
cegou de modo extraordinário em relação à elaborada tessitura da vida política”. Outros como
North, Maria Luiza Corassin e Sebastiani, apontam as motivações ideológicas como principal
elemento para a construção dessa imagem coesa de Roma uma vez que Políbio nutria uma
proximidade com a família aristocrata Cornélia a partir da qual “tornou-se cativo em Roma, o que
permitiu e facilitou a identificação de sua visão de mundo com a dos aristocratas em meio aos
quais viveu e tão bem se relacionou”. Desta trama cerrada entre o aparato teórico que Políbio
trouxe consigo da Grécia e o contexto no qual viveu em Roma, Sebastiane finaliza afirmando:
“Politicamente enfraquecido e economicamente espoliado, o mundo grego se submete
definitivamente à potência romana sintetizando argumentos forjados pela reflexão filosófico-
historiográfica.”

Uma afirmação extremamente dura da qual o Prof. Sérgio Cardoso tentou desviar para que
outro aspecto da leitura polibiano fosse destacado, isto é, o caminho original que Políbio abriu na
reflexão política uma vez que, dizia o Prof. Sérgio, não atribuía “mais às instituições e às leis um
fundamento transcendente à própria vida política e escapa às imposições do finalismo das
concepções políticas gregas”. Políbio enxergava no no povo - não qualquer povo, mas o povo
constituído pela história e tradição - a forma viva da universalidade da constituição romana. O que
significa, pela primeira vez, que a reflexão política esteva “ancorada em seu passado, conduzida
por seus valores, costumes, leis e religião, humanamente constituídos ao longo de sua história e
constantemente atualizados na vida e aspirações dos cidadãos da República”.

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