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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais

Instituto de Ciências Sociais

Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

Clemir Fernandes Silva

Despentecostalização:
Um estudo sobre mudanças sócio-religiosas na Igreja Cristã Nova Vida

Rio de Janeiro

2017
2

Clemir Fernandes Silva

Despentecostalização:
Um estudo sobre mudanças sócio-religiosas na Igreja Cristã Nova Vida

Tese apresentada como requisito parcial para


obtenção do título de Doutor, ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientadora: Prof.ª Dra. Cecília Loreto Mariz

Rio de Janeiro

2017
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Clemir Fernandes Silva

Despentecostalização:
Um estudo sobre mudanças sócio-religiosas na Igreja Cristã Nova Vida

Tese apresentada como requisito parcial para


obtenção do título de Doutor, ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Aprovada em:

____________________________________________________
Orientadora: Prof.ª Dra. Cecília Loreto Mariz
Instituto de Ciências Sociais – UERJ

Banca Examinadora: ____________________________________________________


Prof.ª Dra. Claudia Wolff Swatowiski
Universidade Federal de Uberlândia – UFU–MG

________________ ___________________________________
Prof.ª Marcia de Vasconcelos Contins Gonçalves
Instituto de Ciências Sociais – UERJ

____________________________________________________
Prof.ª Dra. Maria das Dores Campos Machado
Universidade Federal do Rio de Janeiro – URRJ

____________________________________________________
Prof. Dr. Paul Charles Freston
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar–SP
Wilfrid Laurier University – WLU–Canadá

Rio de Janeiro
2017
4

Para Elcivan e Ana Rachel.


Tão óbvio que nem precisava dizer, mas jamais me furtaria ao prazer de nominá-las.
5

AGRADECIMENTOS

Nossa memória é seletiva e, muitas vezes, busca os registros mais recentes para
demonstrar reconhecimento pessoal pelo apoio que a gente tem para realizar determinado
trabalho. No caso dessa tese, certamente não conseguirei nem poderei citar e agradecer
satisfatoriamente a tantas pessoas que foram fundamentais, cada uma a seu modo, para que eu
chegasse até este estágio. No entanto, alguns destaques são absolutamente indispensáveis,
como registro abaixo.
À Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro,
FAPERJ, pelos recursos financeiros (“bolsa”) concedidos durante quatro anos de estudos.
Ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, PPCIS / UERJ, seus coordenadores e coordenadoras, assistentes como Sônia
Chaves Costa e Wagner Aguiar Souza, e seus professores e professoras. Dentre tais, destaco
aqueles/as com quem cursei disciplinas neste período: Bernardo Medeiros Ferreira da Silva,
Cecilia Loreto Mariz, Claudia Barcellos Rezende, Helena Maria Bomeny Garchet, Lia de
Mattos Rocha, Marcia de Vasconcelos Contins Gonçalves, Maria Claudia Pereira Coelho,
Ronaldo Oliveira de Castro e Valter Sinder. O privilégio do ambiente em sala de aula, com as
discussões dos textos indicados e mediação destes professores, respeitados intelectuais
brasileiros no campo das ciências sociais, são registros memoriais de grande contentamento.
À minha orientadora, a querida Cecília Mariz, personagem fundamental em minha
formação desde a graduação na UFF nos anos 1990, passando pelo mestrado nos anos 2000,
bem como agora no doutorado. A capacidade intelectual de Cecília, seu compromisso
“weberiano” com a sociologia, sua sofisticação analítica, para ficar nestes itens, são
inspirações e motivações para produzir ciências sociais. Agradeço ainda por sua persistência e
paciência para comigo, além das ricas e sábias orientações nesta tese, sem medir esforços,
estando no Rio, em Nova Iorque ou em Sidney. Distâncias que se extinguem via telefone, e-
mail, WhatsApp e Facebook. Cecília, muitíssimo obrigado, inclusive por sua amizade.
Aos membros da banca de qualificação, além de Cecília, Maria das Dores Campos
Machado – a cara Dodora, com quem aprendo muito desde a “iniciação científica” mediante
sua orientação e textos –, e Claudia Wolff Swatowiski, de convivência mais recente, porém
não menos rica, sobretudo pelas ótimas recomendações. Também a Paul Freston, uma
referência intelectual para tantas pessoas, para mim especialmente, desde os anos 1990. Seus
textos, conceitos, reflexões, sabedoria, além de provocar outros olhares e interpretações da
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realidade, são desafiadores no sentido de construir sociologia com rigor teórico e


metodológico, além de responsabilidade ética. A sociologia de Paul é onipresente neste
trabalho, pelo que reitero agradecimentos, inclusive pelos muitos artigos generosamente
enviados a mim. Para a banca de defesa de tese, se soma a este rol a professora
Marcia Contins, além das suplentes Sandra Carneiro e Christina Vital, pessoas queridas e
também referenciais importantes em minha caminhada.
Ao Flávio Conrado, meu amigo, meu irmão, pela leitura do texto da tese nesta reta
final, pela correção gramatical e ótimos insumos que aportou, além das instigantes
interlocuções. Por todo apoio, força, ajuda, amizade, por sua elegância intelectual e inspiração
na coragem para mudar... o mundo.
Ao Instituto de Estudos da Religião, ISER, pelas liberações e compreensões,
especialmente durante este último ano no intenso trabalho de redação da tese. Em especial ao
Pedro Strozemberg por seu apoio, à Helena Mendonça e seus muitos suportes, inclusive na
garimpagem de textos, ao Roberto Amado, também por conseguir resgatar dados antigos que
eu buscava. Obrigado ainda ao João Antonio, Valdenir Cuíca, Lilian Negreiro e, sobretudo, ao
Bernardo Guerra, colega na UERJ e no ISER, que sempre se disponibilizou a ajudar nesse
trabalho. Ainda outros parceiros do universo do ISER pela força e dicas, como Paulo Victor,
André Rodrigues, Raquel Sant`Ana e, principalmente, a amiga querida Chris Vital. Pelas
muitas orientações, além de estímulo e força, na estruturação preliminar dos muitos dados de
campo.
Aos diversos amigos e amigas, com suas respectivas famílias, pelo apoio e interesse
nesse trabalho, como Alexandre Castro (tanta coisa aconteceu no mundo e não pudemos
conversar), Paulo Henrique (e nosso grupo de estudos bíblicos do qual tive que me ausentar
muito em 2016), Selma Paschoal, Ignez Galdeano, Maria Alice, Eduardo Campos, Fernanda e
Gustavo, Ronaldo e Elaine, Gustavo e Silvana, David, Valdemar Figueredo, Dax e Elaine,
Luciana e Kadu, Élcio Sant`Anna, Alexandre e Daniela, Klênia, Welinton Pereira, Ronilso
Pacheco, Alessandro, Dos Anjos. Tantxs outrxs. Ao caro Sergio Dusilek, principalmente, pela
disposição em servir neste trabalho, pelo apoio em diversos momentos, inclusive, juntamente
com sua família, acolhendo-me em sua casa durante ocasião da pesquisa de campo.
Aos colegas do curso que se tornaram mais amigos, dentre os quais registro Sérgio
Prates, Wellington Conceição e, particularmente, Alexander Magalhães, pela presteza,
disponibilidade e toda força.
7

Aos amigos que gastaram tempo para me ajudar, provendo informações que pedi e que
foram indispensáveis, como Rogério Rezende, Lyndon Santos e Raimundo Barreto. Também
Lourivaldo Santos.
Dentre tantos agradecimentos, faço aqui um memorial de reconhecimento aos
entrevistados que aparecem com nomes fictícios na tese e ainda outros sem identificações
nominais. Todos eles, que somam mais de duas dezenas, foram fundamentais e concederam
informações com grande presteza. De maneira singular agradeço aos fiéis entrevistados da
Catedral pelo tempo e esforços concedidos dividindo histórias de sua vida, além de
percepções de seu grupo religioso, para ajudar a compor dados de pesquisa do trabalho de um
estranho. Caso tenham acesso a esta tese, e reconhecendo-se ou não nas falas apresentadas,
reitero meu pleno agradecimento a vocês
Agradeço de igual modo, isto é, de maneira especial, aos bispos e pastores da Nova
Vida, tanto da Aliança quanto do Conselho. Seus nomes estão registrados nas várias partes da
tese, entretanto, destaco aqui alguns pelo relevo com que dedicaram de seu tempo e
conhecimento a este trabalho. Da parte da Aliança, agradeço ao bispo Tito Oscar, que me
recebeu generosamente em seu gabinete, antes de um culto dominical se iniciar. Além da boa
conversa, deu-me cópias de documentos bibliográficos e durante todo o ano de 2016
respondeu aos meus muitos e-mails de perguntas, com sobejas informações. Assim como o
pastor Martinho Lutero, também sempre atencioso na resposta aos vários e-mails que enviei,
sem falar na entrevista concedida em seu gabinete-biblioteca no templo de sua igreja.
Também o pastor Sebastião
Quanto aos líderes entrevistados da Aliança registro, com profundo agradecimento, o
pastor Ragner Chagas e o bispo Luiz Paulo, – este, inclusive, concedeu-me duas entrevistas –
ambos em seus gabinetes na antiga sede da Nova Vida, o histórico templo em Botafogo. De
maneira semelhante agradeço ao editor Andrew McAlister, da Catedral, e sua boa vontade em
todas as entrevistas, inclusive por meios eletrônicos. Também na sede nacional da ICNV fui
recebido pelo pastor Marcelo Maia, que deu longa entrevista, embora fosse um dia não usual
de trabalho seu na Catedral. Ao pastor John McAlister, meu reiterado e grande agradecimento
por sua atenção sempre generosa em atender aos meus pedidos. Tanto em relação às
conversas feitas e outras informações por e-mail, quanto em permitir acesso aos membros de
sua igreja, no contexto da catedral, para serem entrevistados. Sem falar nos almoços nas
dependências da igreja, após os cultos de domingo, dos quais participei como convidado, o
que facilitou contato com fieis para entrevistas. Finalmente, com saliente destaque, agradeço
ao bispo Walter McAlister. Desde o almoço que me ofereceu num restaurante na Cidade do
8

Cabo, em 2010, sua generosidade tem sido grande para comigo. Principalmente em conceder
informações para este trabalho por meio de diversas entrevistas, tanto presencial quanto por
telefone e também pequenas conversas, embora dezenas delas, via Facebook. Minha gratidão,
plena, por sua disposição e disponibilidade em prover dados solicitados para esta tese.
Chego ao final desses agradecimentos prolixos, que são absolutamente necessários, no
entanto, certamente ainda devedor de muitas outras pessoas. Agradeço, afetivamente, à minha
linhagem familiar. Ao meu amado pai, seu João, de quase 80 anos, com quem passei alguns
dias de férias, no entanto a reta final desta tese me tirou muito de sua saudável companhia e
agradável conversa. À minha mãe, saudosa Joelina, in memorian, cujo conhecimento
intelectual e relacional foi libertador para mim. Aos meus irmãos queridos e suas famílias,
Cloris, Clemilson e Cleonice, especialmente meus sobrinhos. Particularmente à Boneca, por
seu apoio e suporte, sempre, assim como Clemilson e Alba-Lucia, que me ajudaram muito
com sua internet para esta tese. A querida d. Sebastiana por todo apoio e grandeza, bem como
a seu Elson, de saudosa e bela memória, que poderia está conosco contando suas divertidos
causos e sábias histórias. E à família Lima. Também aos queridos Isaías, Ester e toda
sua/nossa família.
Agradeço, sumamente, à elas, meu amores, minha vida, minha felicidade maior:
Elcivan, mulher única, de toda minha vida, e Aninha, filhota única, que singulariza nossa
vida. Ao registrar aqui este agradecimento com minha alma, lamento, muito, os muitos
instantes deste último ano que fiquei privado da companhia de vocês. Tantas vezes não puder
estar junto, nem acompanhá-las em muitos eventos e encontros. Como o tempo não volta,
espero aproveitar intensamente com vocês os dias e dezenas de anos por vir. Com plenitude
de alegria. Assim espero, assim peço a Deus, a quem agradeço, também, por tudo.
9

RESUMO

FERNANDES SILVA, Clemir. Despentecostalização. Um estudo sobre mudanças sócio-


religiosas na Igreja Cristã Nova Vida. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de
Ciências Sociais. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

Através do estudo de caso de um movimento religioso, descreve-se nesta pesquisa o


processo de despentecostalização pelo qual a Igreja Pentecostal de Nova Vida, fundada pelo
canadense Roberto McAlister e surgida de uma configuração doutrinária específica que
chamamos aqui de protoneopentecostalismo, tem experimentado por meio da troca de direção
geracional. Sob a liderança de seu filho, Walter McAlister, a Igreja Pentecostal de Nova Vida
passou a se chamar Igreja Cristã Nova Vida, e vive uma campanha cultural que tem
provocado mudanças sensíveis de identidade teológica e estético-litúrgicas por meio da
adoção da matriz calvinista, levando-o a propor um modelo eclesial sui generis no cenário do
protestantismo brasileiro: pentecostal-reformado.

Palavras-chave: Religião, Evangélicos, Despentecostalização, Mudança geracional,


neopentecostalismo, Igreja Cristã Nova Vida
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ABSTRACT

FERNANDES SILVA, Clemir. De-Pentecostalization. A study on socio-religious change in


Igreja Cristã Nova Vida. Doctoral Thesis (Social Sciences) – Social Sciences Institute. Rio de
Janeiro State University, Rio de Janeiro, 2017.

Through the case study of a religious movement, this research describes the processo f
de-Pentecostalization by which the Igreja Pentecostal de Nova Vida, funded by Canadian
Robert McAlister and emerged from a specific doctrinal configuration that we call here
protoneopentecostalism, has experimented through the exchange of generational direction.
Under the leadership of his son, Walter McAlister, the Igreja Pentecostal de Nova Vida has
come to be called the Igreja Cristã Nova Vida, and undergoes a cultural campaign that has
brought about sensitive changes in theological and aesthetic-liturgical identity through the
adoption of the Calvinist matrix, leading him to propose a sui generis ecclesial model in the
scenario of Brazilian Protestantism: Pentecostal-Reformed.

Key words: Religion, Evangelicals, De-Pentecostalization, Generational change,


Neopentecostalism, Igreja Cristã Nova Vida
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABI – Associação Brasileira de Imprensa

ACNV – Aliança das Igrejas Cristãs Nova Vida

AD – Assembleia de Deus

ADVEC – Assembleia de Deus Vitória em Cristo

AMEM – Associação Missionária Evangélica Maranata

CCB – Congregação Cristã no Brasil

CGADB – Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil

CIN – Censo Institucional Evangélico

CMINVB – Conselho de Ministros das Igrejas de Nova Vida do Brasil

CONAMAD – Convenção Nacional das Assembleias de Deus Madureira

CPAD – Casa Publicadora das Assembleias de Deus

FLIC – Feira Literária Internacional Cristã

IBRMEC – Instituto Bispo Roberto McAlister de Estudos Cristãos

ICCC – The International Communion of Charismatic Churches (Comunhão Internacional de


Igrejas Carismáticas)

ICNV – Igreja Cristã Nova Vida

IECV – Igreja Evangélica Cristo Vive

IIGD – Igreja Internacional da Graça de Deus

IN – Igreja do Nazareno

INVB – Igreja de Nova Vida do Brasil

INVFF – Igreja de Nova Vida Família da Fé

INVMD – Igreja de Nova Vida Ministério é de Deus


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IPNV – Igreja Pentecostal de Nova Vida

IURD – Igreja Universal do Reino de Deus

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

RCC – Renovação Carismática Católica

TNV – Tabernáculo de Nova Vida

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

UINV – União das Igrejas de Nova Vida

WCRC – The World Communion of Reformed Churches (Comunhão Mundial de Igrejas


Reformadas)
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 15
Reflexões preliminares: algumas questões problematizadoras, hipótese
e o objeto em estudo ............................................................................................................. 19
Campo de trabalho e caminhos da pesquisa ....................................................................... 23
Termos e diferenciações ........................................................................................................ 28
Os entrevistados .................................................................................................................... 30
1. DESPENTECOSTALIZAÇÃO: CAMINHOS TEÓRICOS DA CONSTRUÇÃO
DE UM CONCEITO ............................................................................................................ 34
1.1 Pentecostalismo, neopentecostalismo e sinais da despentecostalização .................... 37
1.2 Alguns referenciais de análise ....................................................................................... 50
2 TRAJETÓRIA DE ROBERTO MCALISTER E A IGREJA DE NOVA VIDA ....... 56
2.1 Protestantismo e pentecostalismo no Brasil e a singularidade da Cruzada
de Nova Vida ......................................................................................................................... 62
2.2 Primeiramente uma igreja eletrônica (ou virtual) ..................................................... 69
2.3 Sinais do protoneopentecostalismo .............................................................................. 80
2.4 Entre a enfermidade e a morte: Sabático, episcopado, Vaticano
e autonomia das igrejas ........................................................................................................ 98
2.5 Trânsito religioso .......................................................................................................... 108
3 PENTECOSTAL E REFORMADA: UMA IGREJA
EM PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO .................................................................... 113
3.1 Walter McAlister entre duas gerações ...................................................................... 113
3.1.1 Uma igreja de pai para filho .................................................................................... 118
3.1.2 Direção episcopal e divisão da igreja: Macedo como pivô involuntário ............... 121
3.2 Contexto brasileiro e pentecostal ................................................................................ 127
3.3 Em busca de outra identidade .................................................................................... 134
3.3.1 A Catedral, o bispo, a Aliança e o presbitério ........................................................... 148
3.3.2 A instituição de formação teológica e ministerial .......................................................158
3.3.3 A editora e a livraria .................................................................................................. 163
3.4 Liberdade para escolher: A clientela da igreja ........................................................ 170
3.5 Identificação e envolvimento profundo com a igreja .............................................. 174
3.6 Desconforto com a despentecostalização e calvinização ......................................... 184
14

3.7 Relação com a Igreja Católica e outros temas ......................................................... 187


4 DESPENTECOSTALIZAÇÃO EM CURSO: A VISÃO DOS FIÉIS
E PASTORES E A “CATEDRAL” ................................................................................. 190
4.1 Sobre Roberto e sua interseção com o neopentecostalismo .................................. 193
4.2 Comparando o passado com o presente .................................................................... 199
4.3 Diferenças entre Catedral e outras congregações .................................................... 208
4.4 do pentecostalismo existencial ao nominal ................................................................ 214
4.4.1 Glossolalia ontem e hoje ............................................................................................ 216
4.4.2 Autoidentificação como pentecostal ........................................................................... 221
4.4.3 Pentecostal, pentecostalismo: (re)conceituações ...................................................... 223
4.4.4 A ICNV é pentecostal? ............................................................................................. 228
4.5 Predestinação ou livre-arbítrio ................................................................................. 232
4.6 Mudanças de hoje para amanhã .................................................................................237
4.6 Uma liturgia dominical: sinais eloquentes de despentecostalização ...................... 249
CONSIDERAÇÕES (IN)CONCLUSIVAS ..................................................................... 257
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................265
15

INTRODUÇÃO

Estudar religião é uma maneira reconhecidamente eficaz de conhecer e compreender


melhor uma sociedade, em suas estruturas, valores, instituições, como há muito mostraram
autores clássicos e também pesquisadores contemporâneos, especialmente no âmbito das
ciências sociais. Durkheim (1989), Weber (1996), Simmel (2010, 2011) formam,
sabidamente, uma espécie de dossel primordial “cientificamente sagrado” no estudo
sociológico da religião e sua inextricável relação com a amplitude da vida social, acrescido de
outros variados autores e suas próprias perspectivas, tais como Mauss (2003), Bourdieu
(2001), Asad (1993), Berger (1973; 1985), Hervieu-Léger (2008). Para ajudar a entender o
Brasil dos últimos tempos, os estudos da área de religião focaram não apenas tradições
predominantes, como catolicismo, protestantismo histórico, espiritismo, cultos afro-
brasileiros, mas direcionaram suas investigações, principalmente, para outros movimentos que
se tornaram evidentemente destacados, não somente do ponto de vista estatístico, mas,
também, por suas incidências políticas e culturais, como é o caso do pentecostalismo e,
sobretudo, do neopentecostalismo.
O pentecostalismo brasileiro tem sido alvo de numerosos estudos feitos por
pesquisadores nacionais e de outros países que, como será visto adiante, buscam compreender
aspectos variados de inserção, atuação, crescimento, interesses, valores, articulação, ação
política e intervenção em temas da agenda pública brasileira. Nas últimas três décadas,
principalmente, dentre tantos grupos estudados por trabalhos acadêmicos com diversos
recortes de foco e análise, sobressaem-se alguns grupos seja por seu avantajado contingente
de membros, ou/e seja por sua manifestação ativa em assuntos que despertam paixões e
divisões na arena pública. Assembleias de Deus (AD) e Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD) se salientam nesse campo, sendo objetos de renovadas investigações e reflexões, sem
contar muitos outros grupos, denominações e igrejas1. No panorama de produção de
conhecimento das ciências sociais uma denominação, no entanto, se destaca pela ausência de

1
Anais de encontros acadêmicos demonstram isso, como da Asociación de Cientistas Sociales de la Religión Del
Mercosur (ACSRM), da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR), da Associação Brasileira de
Antropologia (Aba), da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), da Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), do Congresso Internacional do Núcleo de Estudos da Américas
(Nucleas), da Asociación Latinoamericana de Sociología (Alas), dentre outros, demonstram a ausência de
estudos sobre a Nova Vida, seja qualquer um de seus ramos.
16

pesquisas específicas acerca de sua trajetória e atuação, que é a Igreja Cristã Nova Vida
(ICNV)2.
Não bastasse sua importância social, inclusive como predecessor de outra forma de
pentecostalismo surgida nos anos 1960, que veio a se configurar no chamado
neopentecostalismo, essa igreja teve como membros personagens que criaram movimentos
exponenciais que têm incidido na realidade brasileira3. Entre esses destacam-se Edir Macedo
e sua global – embora denominada Universal (IURD), pois presente apenas em todos os
continentes4, R. R Soares e a Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD), que, conquanto a
nomenclatura, nem seja tão amplamente presente para além do território nacional, e Miguel
Ângelo e sua Igreja Evangélica Cristo Vive (IECV), para ficar nessa trindade representativa
do neopentecostalismo nacional (e também made in Brazil). Embora com assimetrias diversas
entre si, sejam de quantidade de fieis, de templos, de ênfases doutrinárias e políticas, de
presença nas mídias, essas igrejas podem ser consideradas representativas de um tipo de
movimento do pentecostalismo brasileiro.
Ademais, não se trata de selecionar e enfocar uma denominação apenas porque tem
sido pouco explorada em investigações acadêmicas, até porque existe uma gama de grupos e
movimentos na vida social, que podem ser transformados em objetos de pesquisa, no entanto,
nem todos possuem ações e consequências sociais que despertem interesse ou justifiquem
sociologicamente um estudo mais acurado. Qual, porém, o destaque específico deste trabalho,
que no campo religioso pentecostal coloca em relevo a Igreja Cristã Nova Vida? Necessário
se faz uma mirada panorâmica no passado para que se possa chegar ao desenho do objeto
desta pesquisa. Antes, porém, é pertinente ratificar que o estudo se refere à denominação hoje
conhecida como Igreja Cristã Nova Vida (ICNV) liderada por um bispo primaz em torno da
Aliança das Igrejas Cristãs Nova Vida (ACNV) sem, no entanto, deixar de considerar o
cenário mais amplo que envolve grupos hoje cindidos, mas que eram um único sob o

2
Assim como a outra grande vertente, a Igreja de Nova Vida, que é resultado da divisão de 1994 da
denominação, também sem estudos acadêmicos específicos.
3
Influência que vai muito além dos aspectos estritamente de crescimento numérico, com redução do rebanho
católico e consequente alteração cultural da predominante identidade religiosa nacional. Na esfera política,
principalmente no Legislativo, essa influência já tem sido bastante salientada por estudiosos (CONRADO, 2001;
ORO, 2003; VITAL e LOPES, 2013; MACHADO e BURITY, 2006; 2014; MACHADO, 2015), porém ela
chega à esfera do poder Executivo. A recente eleição de Marcelo Crivella para a Prefeitura do Rio de Janeiro,
bispo licenciado da IURD e sobrinho de Edir Macedo, é o fato de maior destaque, por enquanto, dessa investida.
O céu, isto é, a presidência da República, com a possibilidade de indicações de ministros para o Supremo
Tribunal Federal, é o limite. Mas só por enquanto, apenas. (Sobre evangélicos mirarem o STF ver:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/10/1827942-estrategia-evangelica-e-ocupar-o-
executivo-para-chegar-ao-judiciario-diz-pesquisadora.shtml
4
Segundo Oro (2004), citando fonte da própria IURD.
17

fundador Roberto McAlister. Mais especificamente nos detivemos nesta pesquisa em duas
unidades eclesiásticas, a Catedral, como recorte principal, e a igreja de Botafogo. A
identificação Nova Vida, no entanto, reúne outras igrejas e denominações que estiveram
unidas num único e mesmo grupo em torno da liderança carismática do fundador, Roberto
McAlister, até sua morte ou em tempos posteriores a esse fato, que se tornou uma espécie de
marco divisor – histórico e estrutural – da trajetória da denominação no Brasil. Atualmente,
além do grupo que é o objeto destacado deste estudo, a ICNV, existem outros, como a Igreja
de Nova Vida do Brasil (INVB), Igreja de Nova Vida Ministério É de Deus! (INVMD), que já
existe há 18 anos, a União das Igrejas de Nova Vida (UINV) além de várias independentes ou
conjunto de igrejas, como Igreja de Nova Vida Família da Fé (INVFF), liderada pelo Bispo
Jorcelino Queiroz – que engloba a Igreja de Nova Vida de Bonsucesso –, e o Tabernáculo de
Nova Vida (TNV), com várias igrejas na Região dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro, e
ainda outras várias comunidades que adotam a identidade de Nova Vida referenciando e
reverenciando Roberto McAlister.
O nome original e oficial da igreja fundada por Roberto McAlister foi Igreja
Pentecostal de Nova Vida (IPNV). As pessoas terminaram assimilando simplesmente Igreja
de Nova Vida, o que foi adotado informalmente pelo fundador. Na cisão litigiosa ocorrida
após a morte do bispo Roberto o grupo liderado pelo bispo Tito Oscar manteve e oficializou o
nome reduzido de Igreja de Nova Vida. O outro segmento, liderado pelo filho do bispo
Roberto, Walter McAlister, resgatou o termo legal original assumindo a identidade de Igreja
Pentecostal de Nova Vida.
Em 2008, conforme será explicado no capítulo 3, o nome pentecostal foi suprimido e
propositadamente substituído por outra designação – cristã – passando a se denominar Igreja
Cristã Nova Vida. Essa mudança poderia ser considerada como troca apenas de um epíteto,
porém, ela rechaça uma expressão – pentecostal – que é vista da perspectiva do
protestantismo histórico, mas, também, do senso comum da sociedade, ainda com resquícios
pejorativos. Além do mais, vincula pentecostal-neopentecostal, resultando em concepção
marcada por juízo de valor e mesmo categoria acusatória associada criticamente à “teologia
da prosperidade”5. Defende-se a hipótese que neste contexto crítico e adverso, que censura
práticas religiosas tidas como pouco éticas e incompatíveis com a tradição cristã, espremida

5
Para mais informações sobre essa corrente teológica surgida nos Estados Unidos e que relaciona a fé evangélica
com prosperidade econômica e outras riquezas materiais, ver, Freston (1993, p. 105), que diz ser “uma etapa
avançada de secularização da ética protestante”, Mesquita, (2007), Mafra, Swatowiski e Sampaio (2012), entre
outros.
18

entre o pentecostalismo e o neopentecostalismo, a Igreja Cristã Nova Vida procurou um lastro


identitário no panorama das igrejas evangélicas e da realidade brasileira, optando por
aproximações ao ideário do protestantismo histórico.
No primeiro capítulo dessa tese tentaremos mostrar como a tradição evangélica
brasileira cuja origem consiste nas doutrinas do protestantismo histórico6 deu uma guinada,
especialmente a partir dos anos 1960, em direção ao pentecostalismo7. Além das igrejas
próprias da tradição pentecostal como Assembleia de Deus e Congregação Cristã no Brasil
(CCB), ocorreu um processo de “pentecostalização”8 em diversos segmentos do
protestantismo histórico, gerando conflitos e rupturas, como já visto e que prevalece até então.
A partir dos anos 90 e, mais ainda, nos anos 2000, continuou a haver pentecostalização de
igrejas do protestantismo histórico, mas não necessariamente com cismas ou fortes divisões.
Desenvolveu-se uma acomodação e adaptação de muitas igrejas do protestantismo histórico a
esta tendência pentecostal predominante. Várias igrejas locais dentre os grupos batista,
metodista e presbiteriano, por exemplo, que se mantiveram formalmente filiadas às suas
denominações históricas, assimilaram práticas litúrgicas e doutrinárias semelhantes àquelas
associadas ao universo pentecostal. Como mostra o trabalho de Souza (2013), cuja pesquisa
na Catedral Metodista do Rio de Janeiro revela mediante análise de rituais e crenças, forte
conteúdo pentecostal, embora mantendo oficialmente a identidade de igreja histórica e não
pentecostal, como classificado pelos Censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Este caso não é isolado, mas ilustra um contingente de diversas igrejas locais, embora
formalmente ligadas a denominações do protestantismo histórico9.
Toda essa longa caminhada de crescimento pentecostal, que apontava avançar sempre
– inclusive com forte e crescente influência sobre o protestantismo de missão – viu surgir na
igreja/denominação a partir de onde se forjou o neopentecostalismo um processo inverso que
6
O protestantismo histórico pode ser genericamente caracterizado sob uma perspectiva doutrinário-litúrgica
como defensor da autoridade da bíblia como regra de fé de prática dos fiéis, salvação espiritual pela graça
mediante a fé em Cristo, cultos públicos marcados por rituais mais “racionais” e menos “emocionais” com
cânticos, leituras bíblicas, pregação e orações que apontam para Deus e não necessariamente para atendimento
das demandas dos fiéis. Sem curas, sem glossolalia e sem manifestação de “demônios” e exorcismos
(MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990).
7
Esse desvio em direção ao pentecostalismo não é exclusivo dos grupos evangélicos. No contexto católico
ocorreu situação semelhante com a influência da renovação carismática, análoga à doutrina pentecostal,
tornando-se uma força crescente no ambiente da Igreja Católica (FRESTON, 1993; MARIZ, 2003; STEIL, 2004;
CAMPOS, 2008; FERNANDES,1996, ORO e ALVES, 2013; PEREIRA, 2009).
8
Este processo de pentecostalização equivale à maior ênfase na doutrina do Espírito Santo, com fenômenos de
glossolalia, curas divinas, liturgias menos “racionalizadas” e mais “emocionais” e outras (MENDONÇA E
VELASQUES FILHO, 1990).
9
Além de próprio trabalho de Souza (2013), visitas deste pesquisador a outras igrejas, como batistas e
presbiterianas, assinalam a veracidade empírica desta informação.
19

estamos chamando despentecostalização que se constitui o objeto central do presente trabalho.


Ou seja, quando parecia que o caminho inexorável do protestantismo brasileiro era se tornar
cada vez mais majoritariamente pentecostal, como apontam os próprios dados dos últimos
censos do IBGE, e sem qualquer sinal de reverso, por mais tímido que fosse, a dinâmica da
vida social surpreende com novas alterações, como parece sugerir esse fenômeno de mudança
da Igreja Cristã Nova Vida a ser analisado. Por essa igreja estar, como já explicado, associada
a uma espécie de matriz de igrejas do pentecostalismo e neopentecostalismo brasileiro, seu
caso reveste-se de importância basilar para este estudo, embora haja sinalizações de alteração
similares que possivelmente podem estar ocorrendo também em outras denominações do
campo religioso brasileiro. A própria Renovação Carismática Católica (RCC), poderia estar
experimentando, em parte ou discretamente, influências desse processo de
despentecostalização. Em pesquisa realizada na Flórida (EUA) entre jovens católicos
carismáticos de nível universitário a socióloga Silvia Fernandes (2014) identificou retração de
práticas carismáticas, que seriam basicamente similares a práticas pentecostais - em
comparação ao que ocorria em comunidades semelhantes em anos anteriores tanto no Brasil
quanto nos Estados Unidos.

Reflexões preliminares: algumas questões problematizadoras, hipótese e o objeto em


estudo

Visando orientar o desenvolvimento do trabalho de coleta de dados e posterior análise


e redação das informações, várias questões foram formuladas. Listo a seguir essas questões no
sentido de encaminhar a discussão para a construção da hipótese e do objeto de pesquisa,
como se pode verificar a seguir.
O primeiro conjunto de questões se refere às razões da mudança dessa igreja. Porque e
como uma igreja de crescimento numérico e de mídia bem sucedidos refaz sua trajetória
abandonando o modelo de sucesso pentecostal?Se no contexto evangélico brasileiro o
caminho sobremodo bem sucedido de crescimento de igreja, que favorece inclusive maior
conquista de poder econômico e político é o modelo pentecostal e neopentecostal, por que
uma denominação cuja origem e atuação inicial estão ligadas a esse estilo exitoso – que teve
influência em seu forte desenvolvimento nas duas primeiras décadas faz um reverso da
fortuna, deixando práticas próprias do estilo pentecostal e se aproxima de outro modelo mais
assemelhado ao estilo das igrejas históricas ou de missão que está em franco descenso como
mostra a série histórica dos dados censitários?! Que razões levaram a liderança da igreja a
20

provocar tal mudança de percurso, que seria contra ela mesma, no sentido de ver reduzir seu
crescimento e influência no cenário evangélico e nacional? Movimentos sociais e religiosos,
sobretudo os de natureza missionária visam recrutamento de novos integrantes. O
cristianismo, em especial o evangélico e particularmente os pentecostais são ávidos pelo
aumento de fiéis em suas fileiras. Numa igreja cuja direção superior tem passado de pai para
filho o que cada contexto conjuntural, identidade e interesses de cada personagem pode
contribuir, ou não, para explicação das mudanças, conforme tem acontecido na Nova Vida? O
que pode significar para o mundo evangélico e pentecostal a mudança de rota da Nova Vida?
Que interesses ou motivações levaram a igreja a fazer tais mudanças em seu percurso?
Relacionadas às perguntas acima surge a necessidade de discutir o que queremos dizer
com despentecostalização. Este conceito foi utilizado inicialmente pelo campo da teologia
mas também pela sociologia e tem em Paul Freston (2012) um importante teórico, conforme
será visto sobre a construção do referido conceito no capítulo 1. Quais as razões para a
despentecostalização? Esse processo resultaria em declínio numérico ou conquista reduzida,
porém de fiéis mais “qualificados”, principalmente do ponto de vista sócio educacional e
econômico? Um grupo religioso tem, geralmente, o afã de crescer, em particular no
cristianismo, – que é, por natureza, conquistador de mentes e espaços –, como, portanto, se
justifica ou se compreende uma campanha/projeto religioso que, ao menos, a curto prazo,
reduziria seu crescimento numérico? Porque indivíduos buscam despentecostalizar-se? Por
que grupos denominacionais buscam despentecostalizar-se? Como isso acontece? É o
indivíduo que procura se despentecostalizar ou ele se despentecostalizou interiormente,
involuntariamente, e considera justo, ou mais adequado, despentecostalizar a instituição? (Isso
no caso da liderança institucional do bispo Walter McAlister).
Em resposta a parte das questões acima elencadas sugerimos como hipótese que o
processo de despentecostalização e “historicização” – este entendido como adoção de
características das igrejas históricas –, de um grupo religioso mais místico e encantado, como
o pentecostalismo e neopentecostalismo brasileiro, estaria relacionado a um tipo de
mobilidade social ascensional por parte de líderes e fiéis. Supomos, por exemplo, que o
aumento do nível de instrução, resultará em despentecostalização10, conceito que, como foi já
dito será apresentado no capítulo 1. Hipótese semelhante a essa já tem sido tratada e
trabalhada por Freston (2013a, por exemplo), que aporta contribuição destacada a este estudo.

Para Freston, a “historicização” é uma das formas de despentecostalização (1996, 2013a, 2013b), como será
10

melhor apresentado no capítulo 1.


21

Essa despentecostalização que resulta da redução ou aniquilamento de bases doutrinárias e


suas respectivas práticas formadoras da identidade do grupo religioso, levará à busca de outro
paradigma, no caso em estudo da Igreja Cristã de Nova Vida a opção feita foi pela teologia
calvinista11, seguindo recortes e adaptações próprias do interesse de seus líderes.
A presente tese tem como objetivo descrever esse processo de transformação ocorrido
na Nova Vida, considerando comparativamente as três gerações de McAlister na direção da
igreja a partir da base pentecostal/neopentecostal do fundador bem como em parte de sei filho
Walter, e a despentecostalização iniciada por Walter e praticada com mais intensidade e
profundidade a partir da Catedral por John McAlister, neto do fundador. Trata-se, portanto, de
um estudo de caso de uma igreja, certamente singular, porque, inclusive, é a última
denominação fundada por um estrangeiro no Brasil12e cuja liderança tem passado de pai para
filho experimentando mudanças geracionais e atinentes ao contexto sócio histórico de cada
período de sua respectiva liderança episcopal.
Por uma classificação pelo contingente de adeptos bem como presença ostensiva nos
meios de comunicação como rádio e TV, a Igreja de Nova Vida nunca esteve em posição
destacada dentre outras igrejas, pentecostais e não pentecostais, dos grupos evangélicos
brasileiros. Sua importância reside em outros aspectos como serão enfocados neste trabalho,
dentre os quais se destacam seu protagonismo na construção de outro modelo de
pentecostalismo, isto é, o neopentecostalismo e o surgimento, a partir de suas fileiras, de
lideranças exponenciais dessa nova modalidade evangélica, como Edir Macedo, R. R. Soares
e Miguel Ângelo. Estes líderes viriam criar, cada um a seu modo e especificidades, igrejas de
destacada expressão pública no contexto religioso brasileiro, em particular no ambiente
evangélico, principalmente pela força e capacidade midiática de comunicação como a Igreja
Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Evangélica
Cristo Vive. Todas oriundas do Rio de Janeiro e com práticas e ensinos – com seus devidos
recortes e adaptações – de seu antigo líder na Igreja de Nova Vida, o bispo Roberto
McAlister. (MCALISTER JR., W. 2012; MARIANO, 1999; FERNANDES SILVA, 1999).

11
Um panorama conceitual dessa doutrina será apresentado no capítulo 3.
12
Informação de Paul Freston, dada no contexto do exame de qualificação deste trabalho. Porque embora Miguel
Ângelo da Silva Ferreira, de nacionalidade portuguesa (nascido em Luanda quando Angola era colônia), tenha
fundado a Igreja Evangélica Cristo Vive, em 1985, vivia no Brasil desde a década de 1970. Aqui se estabeleceu
na Igreja de Nova Vida, onde se tornou diácono e depois pastor, dela saindo para criar sua própria denominação.
http://www.ministeriocesar.com/2012/06/expansao-apostolica-brasil-1.html (acesso em: 30 jun. 2016). Portanto,
além de já viver no país não é um estrangeiro típico, pois que, português, gozando dos privilégios de
nacionalidade derivada concedidos pela legislação brasileira.
22

O presente trabalho parte do ramo da Igreja Nova Vida liderada por Walter McAlister
Jr. e tem por objetivo identificar e descrever razões, motivações, tensões, sucessos,
dificuldades e consequências deste processo de mudança, em seus diferentes níveis, tanto
entre as lideranças e entre os fiéis. Bem como nas possíveis distinções entre algumas igrejas
locais, a partir daquela que seria o paradigma ou modelo ideal da igreja, que é a sede
episcopal, ou seja, a Catedral de Nova Vida, hoje localizada no bairro do Recreio dos
Bandeirantes, no Rio de Janeiro, onde atua o pastor John McAlister e o bispo primaz Walter
McAlister Jr.
Diante das questões elencadas mais acima, também não se descarta a explicação, ou
outra hipótese, que um grupo religioso ou um líder religioso não se mobiliza apenas pela
vontade de fazer sua igreja crescer. Nesse sentido essas reflexões contribuiriam para
questionar pressupostos da teoria do mercado religioso (IANNACCONE, 1997; FRIGERIO,
2000; GUERRA, 2003, MARIANO, 2008) que as instituições religiosas agem em função do
sucesso que possa ter nesse mercado obtendo o maior crescimento e número de fiéis. O papa
Bento XVI, por exemplo, considerando os desafios da Igreja Católica em seu pontificado,
dizia que o importante não é ter grande número, mas ter fiéis de verdade13. É importante
considerar este argumento, pelo menos do ponto de vista do discurso, que deve ser
problematizado e analisado com outras ações e falas dos líderes religiosos.
Parece que ideia de que a igreja quer crescer a todo custo, sobretudo ao preço da
“verdade”, é uma visão reducionista e precisa ser mais problematizada. A própria Teologia da
Libertação católica também correu o risco de perder fiéis. Batizar crianças apenas quando pais
e padrinhos faziam cursos reduziu o número de batismos católicos, como nas paróquias
estudadas por Mariz (1994).
A despentecostalização pode se relacionar com processos identificados pela sociologia
no estudo da religião tais como, racionalização, desencantamento ou desmagização?
(WEBER, 2010; PIERUCCI, 2003). Despentecostalização corrobora o que seria secularização
ou a secularização seria uma das causas da despentecostalização? Despentecostalização pode
ser considerado uma espécie de rotinização do carisma ou não? Despentecostalização poderia
ser identificado como ascetismo (“contra” o mundo, mas ativo no mundo) em contraponto ao
misticismo, que na tipologia ideal de Weber se identificaria com a experiência de ser um

13
http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2010/september/documents/hf_ben-
xvi_spe_20100916_interv-regno-unito.html (acesso em: 28 out. 2016) e Ratzinger (2008).
23

receptáculo do divino e contemplação podendo levar, mas nem sempre à negação do mundo?
(WEBER, 2010)14.
Estaria o processo vinculado a uma ampliação do capital cultural das lideranças e um
diálogo com o mundo secular e intelectual? Seria um processo de dimensão internacional?
Estaria o suposto enfraquecimento da RCC nos Estados Unidos da América (EUA) e Europa
associado a um processo similar?
A Igreja de Nova Vida tem experimentado em anos recentes mudanças substantivas
em suas doutrinas e práticas, abandonando crenças associadas ao universo pentecostal e
assimilando concepções e ações próprias de igrejas protestantes históricas. Como apontam
livros de Walter McAlister (2009, 2012), o bispo primaz da igreja, e também entrevistas
concedida a esta pesquisa. Como já foi dito, estamos pressupondo que esta mudança pode ser
entendida como um processo de despentecostalização.

Campo de trabalho e caminhos da pesquisa

A presente pesquisa dialoga, em parte, com o objeto de investigação de minha


monografia de graduação em ciências sociais, a saber, a Igreja Pentecostal de Nova Vida
(IPNV). No contexto da segunda metade dos anos 1990, quando foi feita a coleta de dados
para aquele trabalho, os estudos acadêmicos se referiam ao pentecostalismo como
religiosidade verificada quase que somente entre camadas populares ou mais empobrecidas
dos brasileiros (ROLIM, 1980, 1985 e 1987; MARIZ, 1994; CAMPOS JR., 1995). Embora
outros autores, como Freston (1993) e ainda mais Machado (1996), já identificassem
pentecostais de classe média, mesmo sendo estes relativamente poucos. Em minha percepção
observava que a realidade de algumas igrejas destoava substantivamente ou se distanciava
velozmente da teoria vigente. Identificando mudanças no campo, em particular nos aspectos
sócio-econômico-culturais do pentecostalismo, meu trabalho elegeu estudar uma igreja que a
literatura (ROLIM, 1980, por exemplo) considerava uma espécie de tipo-ideal de um recente
pentecostalismo de classe média, a referida Igreja Pentecostal de Nova Vida. O trabalho teve
como título: “A classe média vai ao paraíso religioso: Um estudo sobre o crescimento e a
identidade pentecostal entre setores da camada social média brasileira – O caso da Igreja
Pentecostal de Nova Vida” (FERNANDES SILVA, 1999). Pelos dados coletados para este
trabalho verificou-se na Igreja de Botafogo – o campo da pesquisa – uma classe social média

14
Para Weber (2010) também pode haver misticismo para esse mundo e ascetismo para outro mundo.
24

tanto em termos econômicos quanto de corte intelectual. Do universo entrevistado 63%


tinham rendimentos acima de 15 salários mínimos e 75% tinham chegado à universidade. Já
avançava um distanciamento do neopentecostalismo verificado tanto por meio da expressão
litúrgica quanto da pregação dos pastores (FERNANDES SILVA, 1999 f. 78). Naquele
contexto bispo Walter já havia cursado algumas disciplinas no curso de mestrado nos Estados
Unidos, o que já refletia o processo de mudança na igreja em Botafogo.
Com o presente trabalho, adoto, outra vez, como objeto de pesquisa o referido grupo
agora chamado Igreja Cristã Nova Vida, porém tomo-o, conforme já informei acima, por
outro viés. O presente estudo possui objetivo distinto na medida em que procura responder a
questão: como uma igreja de origem e compromisso pentecostais, sobretudo, pioneira e
“matriz” do chamado neopentecostalismo, busca alterar sua natureza e trajetória pela
experimentação de um processo – um projeto? – de despentecostalização, verificado, por
exemplo, na negação e crítica de práticas e identidade neopentecostais e afirmação de outra
postura como uma vertente doutrinária do protestantismo histórico, a saber, o calvinismo em
uma de suas diversas nuanças. E tal estudo, não se dá, obviamente, por um viés doutrinário ou
religioso em si, mas, lembrando Pierucci e Mariano (2010, p. 295), pela dimensão
sociológica, pois busco abordar como essa mudança doutrinária e social tem afinidades com a
alteração de perfil geracional e inerente contexto histórico-social da igreja, tanto de sua
liderança quanto de seus membros. Também dentro do ambiente de mudança social mais
amplo do país, em particular do contexto evangélico.
O conceito de calvinismo e o debate sobre ele têm sido feito numa perspectiva
teológica que identifica no movimento muitas tendências e distinções, inclusive o
neocalvinismo. Neste trabalho, no entanto, cuja base é sociológica, usaremos calvinismo de
maneira genérica, não necessariamente seguindo as distinções que caracterizam os diversos
grupos defensores dessa doutrina.
Para a pesquisa de graduação fiz várias prospecções e persisti, por seis meses, na
tentativa de diálogo até conseguir autorização da direção da igreja para a realização da
pesquisa, mesmo tendo uma carta da universidade atestando minha condição de estudante e
revelando o objetivo do trabalho. Por conta de um processo difícil de ruptura que a igreja
havia vivido após a morte de Roberto e posterior cisão da denominação, entre 1994 e 1995,
causava desconfiança de qualquer pessoa interessada em recolher dados sobre a Nova Vida.
Tal divisão foi noticiada por jornais, com informações supostamente distorcidas, segundo
disseram os líderes na época, logo, não queriam abrir possibilidade de ceder conhecimentos
25

que pudessem vir a causar qualquer exposição pública da igreja. No entanto, consegui
autorização e fiz o trabalho de campo na sede em Botafogo, em 1997.
Na presente pesquisa fiz uma primeira entrevista com o bispo em novembro de 2013 e
fui ao campo, mais frequentemente, com observações etnográficas e entrevistas, entre
novembro de 2015 a abril de 2016. Nesse momento o contexto era outro e a igreja vivia uma
situação bastante diferente. Menos complicado ou mais simples,tanto que, inicialmente, nem
foi preciso um pedido formal de autorização para desenvolver este trabalho. Informalmente
dei início à pesquisa, inclusive com coleta de dados, visitando templos e participando de
cultos. E isso se deve não somente ao fato de a igreja viver um tempo em que conflitos e
disputas foram amainados, mas também pelo fato de ter conhecido Walter McAlister, o bispo
primaz da igreja. Creio ser importante fazer ligeira narrativa sobre isso para entender o
desenvolvimento da igreja e a possibilidade de realização da coleta de dados. Numa viagem à
África do Sul para um evento global cristão no segundo semestre de 2010, lá encontrei Walter
McAlister. Aproximei-me, apresentando-me ligeiramente e falei de minha monografia sobre a
Igreja de Nova Vida, feita nos anos 1990, como era de se esperar ele não se recordava. Na
ocasião, a autorização para realização das entrevistas nas dependências do templo havia sido
dada por um pastor que atuava na administração na Igreja Nova Vida de Botafogo, onde
ocorreu o trabalho de campo. Comentei de uma conversa informal que tive com ele, em 1999,
na referida Igreja Nova Vida de Botafogo em cuja ocasião não me apresentei como
pesquisador. Foi algo rápido, onde ele recebia e cumprimentava as pessoas, após o culto.
Trazendo a memória este fato, McAlister brincou chamando-me de “X-9”, por eu ter buscado
informações e ter realizado estudo acadêmico sobre sua igreja. Convidou-me para almoçar e,
junto com mais dois amigos, comemos e conversamos. Estabeleceu-se uma relação de
aproximação e mesmo de confiança que, creio, aconteceu por estarmos fora de nosso país. Era
um evento com mais de quatro mil participantes, de 198 países, sendo apenas 120 brasileiros.
Dificilmente nossos universos teriam se cruzado aqui no Brasil. Tornamo-nos, depois, parte
de contatos virtuais numa rede social, onde já trocamos diversas mensagens eletrônicas por
causa da pesquisa. Ele se tornou bem acessível e até interessado no trabalho15.
Em fins de 2012 solicitei uma entrevista com ele que, por problemas de agenda, se deu
por telefone. Fiz algumas perguntas e ele respondeu com muitas informações e reflexões,
falando por cerca de uma hora. Esta conversa não foi gravada, mas escrevi várias páginas, à

15
Como estudioso que também é, dá atenção e valoriza o saber acadêmico, de um modo geral. Ele concedeu, por
exemplo, longa entrevista a Paul Freston, com apoio de Robson Souza, em 2012, para uma pesquisa sobre
religião global, que do Brasil, teve entre os coordenadores o próprio Freston, Cecília Mariz, Maria das Dores
Campos Machado e outros pesquisadores.
26

mão, enquanto ouvia suas considerações. Em novembro de 2013, após assistir a um culto na
Catedral da Igreja Cristã de Nova Vida, ainda no antigo templo na Avenida das Américas no
Recreio dos Bandeirantes, tive uma breve conversa com ele sobre no âmbito da pesquisa. Na
mesma ocasião, também falei com o pastor da igreja, John McAlister, que é filho de Walter.
Comentei sobre tal pesquisa de doutorado, da conversa que tinha tido antes com o bispo, seu
pai, e do interesse de vir a entrevistá-lo. O que ele aceitou, de bom grado, concedendo-me
seus contatos de e-mail e telefone celular.
No segundo semestre de 2015 consegui marcar entrevista com Walter, que aconteceu
em seu amplo e confortável gabinete de trabalho nas dependências da nova Catedral da Igreja
de Nova Vida no Recreio dos Bandeirantes. Ele autorizou a gravação e por mais de 100
minutos falou sobre os assuntos que fui apresentando a ele, dentro do objetivo da pesquisa. Já
havia feito anteriormente outra entrevista com ele, por telefone, com duração de cerca de uma
hora, como relatado acima. Durante o ano de 2016, especialmente, mantive contato com ele
via Facebook, com dezenas de mensagens trocadas, solicitando informações. A todas ele
respondeu, mesmo de forma sucinta, como é um padrão desse tipo de rede social.
Para a entrevista aos membros, solicitei autorização ao bispo, que me remeteu ao
pastor John, que é o atual responsável pela igreja da Catedral. Conversei com pastor John,
que, de pronto, autorizou e deu até dicas sobre o melhor período de coleta desses dados, bem
como da abordagem aos crentes entrevistados se eram mesmo membros ou apenas visitantes
nos cultos da catedral. Por convite participei de alguns almoços da igreja, ocorridos após
cultos dominicais, o que facilitou bastante a aproximação com os crentes bem como mais
tempo para diálogos. Voltei a pedir informações ao pastor John, via e-mail, que foi sempre
atencioso nas respostas concedidas.
Já na Igreja Cristã Nova Vida de Botafogo, consegui entrevistar o pastor e o bispo.
Quanto aos crentes solicitei autorização desses líderes, que me foi concedida verbalmente
depois de renovadas tentativas. Embora tenham autorizado falar com os fieis, obispo e o
pastor decidiram indicar as pessoas, o que terminou não ocorrendo, embora diversas
investidas minhas junto aos pastores. Nunca negaram, mas não efetivaram as indicações e não
permitiram entrevistar não indicados por eles. Depois fiz contatos telefônicos e por e-mail,
porém sem respostas.
A metodologia consistiu em acompanhamento de alguns cultos para observar liturgias,
sobretudo pregações e as participações dos fiéis, visando identificar possíveis sinais do que
estamos considerando ser a despentecostalização. Fiz acompanhamento de cerca de 20 cultos,
sendo a ampla maioria na Catedral, outros em Botafogo e ainda outros na igreja em
27

Copacabana e da Tijuca. O primeiro culto de que participei na Catedral da Igreja Cristã Nova
Vida, sentei-me num local de fácil observação e dali fiz, discretamente, anotações num
caderno, durante todo encontro, acompanhando todas as suas partes. Às vezes, algumas
pessoas próximas me olhavam escrevendo e eu procurava ser ainda mais discreto, ficando
atento ao pastor que conduzia a reunião e fazer meus registros etnográficos. O segundo culto
que fiz observação foi na Igreja Cristã Nova Vida, em Botafogo, no primeiro semestre de
2014 (mesmo local onde fiz o trabalho de campo na pesquisa da graduação entre novembro e
dezembro de 1996) e que foi sede da denominação até a mudança para a catedral no Recreio
dos Bandeirantes, no Rio. De igual forma, acompanhei tudo desde a chegada das pessoas ao
templo, sua acomodação, até o encerramento e a saída delas do templo. No segundo culto que
pesquisei anotei com mais discrição e até constrangimento, pois, diferente da Catedral, que
são bancos coletivos, logo, dá para ficar mais distante das pessoas – pelo menos em tese –
caso haja pouca frequência, em Botafogo, são poltronas ligadas umas às outras. Como o
templo ficou cheio os lugares foram ocupados e uma pessoa ficou ao meu lado esquerdo.
Optei por numa poltrona do corredor lateral onde não havia ninguém, obviamente, do meu
lado direito. Sobre este culto faço observações em capítulo posterior.
No prosseguimento da pesquisa, aconteceram ações similares a estas para consecução
e construção dos dados tais como, a realização de entrevistas gravadas com o próprio bispo
primaz, com mais dois outros bispos e com o pastor-regente da catedral. Além disso, obtive
mais quatro entrevistas, sendo duas com pastores mais antigos, que não tiveram a formação
do Instituto Bispo Roberto McAlister de Estudos Cristãos (IBRMEC) e as outras com dois
pastores que cursaram o IBRMEC. Nos objetivos da tese é importante considerar os estudos
realizados nessa instituição teológica, pois as doutrinas e toda formação que ela oferece segue
a nova visão e orientação segundo a “campanha de mudança cultural” (no sentido dos
conceitos propostos por ORTNER, 1989a, 1989b), que estamos nominando de
despentecostalização e calvinização empreendida pela liderança do bispo primaz Walter
McAlister. Sobre uma conceituação de calvinização, adotamos este termo compreendendo um
processo de socialização de pessoas e grupos em crenças e práticas próprias da tradição
calvinista, visando torná-los adeptos dessa doutrina.
Todas essas entrevistas, tanto a realizada com o bispo primaz, as demais com pastores,
bispos e fieis, visaram identificar como cada um e todos
percebem/assimilam/rejeitam/conformam/adaptam, o quê e em que proporção, a campanha da
despentecostalização e mesmo como compreendem esta mudança na igreja. Como já foi dito,
além dessas entrevistas, também foram feitas observação participante/etnografias de
28

atividades religiosas, sobretudo, cultos para verificar o processo de despentecostalização a


partir de seus discursos/pregações e rituais/práticas litúrgicas.
Com as observações objetivamos comparar como se dá na prática o que vem sendo
teorizado e difundido pela campanha da despentecostalização conduzida pelo bispo primaz,
principalmente a partir da entidade de formação de novos pastores e lideres para as igrejas da
denominação, o IBRMEC, e editora-livraria Anno Domini que publica e distribui livros
segundo a visão da liderança denominacional.

Termos e diferenciações

Para esclarecimentos sobre a leitura do texto, faço aqui um breve comentário sobre
palavras, conceitos e suas compreensões no contexto dos entrevistados para a pesquisa e do
ambiente evangélico.
Dois termos bastante utilizados durante toda a tese são igreja e denominação, portanto
se faz necessário lançar luzes sobre eles aqui. Niebuhr (1992), a partir de Max Weber e Ernst
Troeltsch, define igreja como “um grupo social natural semelhante à família ou nação”, onde
se nasce nela. E acrescenta afirmando que são “instituições inclusivas, frequentemente de
âmbito nacional”. Essa compreensão está inserida num contraponto a seita, entendida como
associação de adesão voluntária, de caráter exclusivo e que exige algum tipo de conversão
para ser aceito nela (NIEBUHR, [1929]1992, p. 19). Forjado a partir da realidade europeia de
mais de um século percebe-se como tal caracterização de igreja não corresponde ao que se
entende atualmente por essa instituição, sobretudo no contexto brasileiro. Já um texto recente,
de 2008, um antropólogo – também a partir de uma leitura de Weber e de outros autores16 –
constrói um panorama conceitual com definições de quatro tipologias: igreja, seita,
denominação e culto. Ali ele retrata denominação “como uma etapa intermédia entre seita e
Igreja” (RODRIGUES, 2008), que parece algo impreciso, mas, na sequencia há uma
descrição mais detalhada, em que mostra o processo inicial da seita com uma postura mais
radical. No entanto, com o passar dos tempos e gerações, “começa a tornar-se mais estável, a
institucionalizar-se, ou seja, a organizar-se de uma forma semelhante a uma Igreja e torna-se,
assim, numa denominação” (RODRIGUES, 2008, p. 27). No contexto brasileiro talvez seja
preciso afinar estes conceitos levando em conta as especificidades de um país de formação

16
Referências a Wilson (1970, 1982); Stark & Bainbridge (1985).In:
http://www.revista.ufpe.br/revistaanthropologicas/index.php/revista/article/viewFile/87/84
29

institucional religiosa diferente da realidade europeia e estadunidense. No presente trabalho,


igreja pode ser identificada de maneira diferente, de acordo com o contexto em que o termo
aparece. Portanto, pode ser referir a uma comunidade local, específica e única, no caso a
Igreja Cristã Nova Vida de Botafogo ou a Catedral da Igreja Cristã Nova Vida; mas pode ser
uma referência à instituição formal e coletiva, que possui um conjunto de crenças e práticas
bem como uma identidade e liderança nacional, no caso, a Igreja Cristã Nova Vida. Já a
denominação é um termo relacional que diz respeito a um segmento do cristianismo ou igreja
cristã, que forma uma associação de igrejas pela distinção convergente a um conjunto de
crenças e de práticas. Ao se mencionar denominação, no caso da Igreja Cristã Nova Vida, a
referência recai sobre a Aliança das Igrejas Cristãs Nova Vida. Quanto à Assembleia de Deus
pode ser uma forma genérica de dizer de um contingente identitário com capilaridade
nacional, mas, às vezes, se especifica a denominação com o devido registro oficial, como
Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), Convenção Nacional das
Assembleias de Deus Madureira (CONAMAD), Assembleia de Deus Vitória em Cristo
(ADVEC) e outras.
É possível afirmar que toda denominação é composta de igrejas, mas nem toda igreja
forma uma denominação ou é parte de uma denominação, isto é, de uma associação
identificada por perfil ético-doutrinário. Sobre discussão acerca da distinção entre igreja e
denominação, ainda será feita abordagem no capítulo 2.
Sobre os nomes das igrejas, aparecem as nomenclaturas formais e oficiais, como Igreja
de Nova Vida ou mesmo apenas Nova Vida, sempre como referência genérica à denominação
criada por Roberto McAlister, em particular a igreja como era chamada até o contexto
imediato da morte dele, ou seja, antes da divisão institucional. Quando aparece Igreja
Pentecostal de Nova Vida, embora essa fosse a identidade legal da denominação desde
Roberto McAlister, tal termo se refere ao grupo que permaneceu com Walter McAlister, cujo
grupo veio a se chamar Aliança de Igrejas Pentecostais de Nova Vida. Depois, com a troca do
termo Pentecostal pela palavra Cristã, em função da mudança identitária, a denominação
passou a atender pela nomenclatura Aliança das Igrejas Cristãs Nova Vida.

Os entrevistados

Para melhor caracterização de quem são e sobre suas trajetórias religiosas traçamos
um perfil básico das pessoas entrevistadas para a pesquisa identificando faixa etária, gênero,
estado civil, escolaridade, profissão, naturalidade e bairro onde reside. As falas dessas pessoas
30

tem prioridade na apresentação deste trabalho. Do total de 13 entrevistas com fiéis, cinco
eram jovens entre 22 e 30 anos, outros três eram jovens mais adultos entre 31 e 42 anos. Os
idosos ou de terceira idade foram cinco, compreendendo uma faixa etária de 60 a 82 anos.
Quanto ao gênero, as mulheres entrevistadas foram 6 e os homens, 11. Mesmo num
contexto religioso em que as pessoas estão num ambiente de maior possibilidade relacional,
inclusive por conta da doutrina cristã da comunhão, não foi simples o contato com elas e,
sendo o entrevistador homem, foi ainda mais difícil acessá-las para entrevistas. Algumas
chegaram a marcar e confirmar, mas não compareceram ao templo no dia marcado. Nem as
encontrei em outras ocasiões de culto de que participei na catedral.
Sobre o estado civil, os casados foram grande maioria: 14 pessoas. Os solteiros, 2 e
divorciado, um apenas. Tais números podem ser bem representativos do universo visualizado
pelo pesquisador no templo e outros espaços da catedral durante o período de coleta de dados
No quesito escolaridade, as pessoas de mais idade e que não são oriundas do Rio de
Janeiro formam o contingente das que não tinham nível superior: 5 pessoas. Os demais 12
entrevistados, todos com formação universitária.
Em relação à profissão e ocupação, 9 são ligados ao mundo corporativo,
principalmente em funções de gestão administrativa ou profissionais liberais. Dois são
estudantes de graduação, uma professora/diretora e 4 aposentados.
No que diz respeito à naturalidade, a maioria é do Rio de Janeiro: 14 pessoas, sendo
quase todos da capital. Duas pessoas idosas vieram para o Rio ainda crianças, uma oriunda do
Nordeste e a outra de um estado do Sudeste.
Acerca do bairro onde reside, a grande maioria mora na mesma região da catedral, isto
é, 9 vivem no Recreio dos Bandeirantes e Barra da Tijuca. Dois entrevistados contaram que
quando mudaram do interior do Estado para o Rio buscaram um apartamento o mais próximo
possível da igreja. Cinco outros moram em região adjacente ao templo, em bairros de
Jacarepaguá e outros dois residem mais distante, no Méier, Zona Norte do Rio.
Embora seja uma igreja que exista há mais de 50 anos e mesmo considerando que
foram menos de duas dezenas de pessoas entrevistadas e mesmo entre eles seis com trinta
anos ou menos, entretanto, não identificamos ninguém que tenha nascido já em uma família
evangélica ligado à Nova Vida. Dentre o contingente pesquisado, a extensão de tempo de
vínculo com a igreja varia de três a 42 anos. O tempo médio de experiência evangélica é de
mais do que o período em que estão na Catedral, pois os mais jovens, principalmente, vêm de
experiência religiosa de outras igrejas evangélicas pentecostais antes de migrarem para a
31

Nova Vida. Mas o período médio só na ICNV é de 19 anos, ou seja, quase duas décadas, que
é um período considerável de socialização religiosa e inserção institucional.
Os cinco pastores e bispos da ICNV formalmente entrevistados estão identificados
com um pequeno perfil no decorrer do texto no respectivo capítulo onde aparece com mais
dados de suas entrevistas.
Quanto aos pastores e bispos entrevistados, o perfil social é o seguinte:

Naturalidade:
RJ – 5 (sendo 1, o bispo primaz, naturalizado brasileiro)
Sexo:
Masculino – 5 (a igreja não ordena nem aceita pastoras)
Faixa etária:
32 a 58 anos (o mais novo é o pastor da Catedral e o mais velho é o bispo – filho e pai)
Estado civil:
Casado – 5
Escolaridade:
Superior – 5 (sendo o pai e o filho ambos com mestrado)
Profissão:
Cursos diversos como Engenharia, Direito, Psicologia e Teologia, mas todos com dedicação
exclusiva à igreja no trabalho eclesiástico
Onde mora:
Botafogo / Recreio (3) / Copacabana

Além destes cinco entrevistados todos ligados à ACNV, foram feitas mais duas
entrevistas com líderes da Nova Vida (Conselho), o bispo Tito Oscar de Almeida Júnior e o
pastor Martinho Lutero Semblano, que ajudaram a construir um mosaico que visamos
apresentar neste trabalho. Outras várias pequenas entrevistas, com fieis e pastores de outras
denominações ocorreram para esclarecer certos pontos e tais personagens serão identificados
no decorrer do texto. Durante o ano de 2016 troquei vários e-mails com o bispo Tito Oscar e
também com o pastor Martinho Lutero Semblano, que sempre foram generosos em conceder
informações solicitadas.
Na apresentação das entrevistas, cada fiel será identificado com informações básicas
de seu perfil a fim de ajudar compreender o local a partir do qual se manifesta. Os nomes, no
32

entanto, são fictícios para manter a confidencialidade conforme acordamos antes de fazer a
entrevista.
Quanto ao conteúdo desta tese, no primeiro capítulo será feito um itinerário da origem
e desenvolvimento preliminar do conceito de despentecostalização. Também será apresentado
um panorama dos principais autores e suas respectivas contribuições teóricas no recorte de
abordagem deste objeto de estudo além dos conceitos fundamentais que são orientadores de
todo o trabalho.
Nos três capítulos seguintes serão abordados os processos de implantação,
desenvolvimento, cisão e mudança sócio-teológica da Igreja de Nova Vida, com a nuança da
liderança de cada uma das três gerações de McAlister: Roberto, Walter e John. Assim, sendo,
no segundo capítulo será mostrada uma trajetória de Roberto, o fundador, desde sua origem
canadense, viagens missionárias pelo mundo, desembarque no Brasil, criação da Nova Vida,
de doutrina pentecostal, com ênfase em milagres, exorcismo e prosperidade. Sua caminhada
também passa por seu envolvimento com outros lideres pentecostais internacionais que
mantiveram diálogo de alto nível com o Vaticano, cuja influência vai resultar na adoção do
modelo episcopal para governança de sua igreja. Esta experiência inédita no pentecostalismo
brasileiro se tornaria uma marca do neopentecostalismo.
No capítulo 3, com foco especial na liderança do filho do fundador, a Nova Vida
enfrenta uma divisão ruidosa, que levará ao surgimento inicial de pelo menos dois grupos
denominacionais: O do bispo Tito Oscar e outro, de Walter McAlister, que resgata o nome
antigo dado por Roberto: Igreja Pentecostal de Nova Vida. Fustigado pelo ambiente
controverso do neopentecostalismo brasileiro, Walter, contrariando posição antiga de seu pai,
passa a fazer uma pós-graduação em Teologia nos EUA. Este curso, de base teológica
reformada, redundará em processo de assimilação da influência calvinista por parte de Walter
e o consequente processo de despentecostalização de sua igreja (Catedral) e uma campanha
geral para reformar a denominação. Para tanto conta com dois instrumentos básicos nesse
projeto de mudança: um seminário teológico e uma editora/livraria.
Finalizando a tese, o capítulo 4 fará uma abordagem desse processo de mudança na
Nova Vida, realçando a liderança do neto de Roberto e filho de Walter, John McAlister, na
condição de pastor-regente da Catedral e as transformações que tem implementado na direção
da igreja sede como modelo para outras igrejas da denominação. Neste e nos demais capítulos
os personagens-chave foram alvos de entrevistas, exceto o capítulo 2 sobre Roberto,
obviamente, morto há mais de 20 anos. No entanto, para se construir um panorama desses
períodos identificando semelhanças e diferenças a partir das visões de pentecostalismo e
33

calvinismo um diferencial foram entrevistas concedidas por crentes mais antigos,


contemporâneos de Roberto, bem como de outros personagens mais jovens, atuantes
destacados na igreja atual. Assim, o presente trabalho se encaminha para as reflexões
(in)conclusivas finais. Em suma, no primeiro capítulo explicamos o que é o processo, no
capítulo dois, o contexto da igreja, no terceiro capítulo, o projeto de despentecotalizacao em
curso e no último capítulo refletimos sobre o processo pensando na sua continuidade.
Reiteramos que de uma perspectiva sociológica o estudo do fenômeno da
despentecostalização não importa necessariamente por suas alterações doutrinárias em si, mas
pelas mudanças sociais implicadas no grupo em estudo, seus conflitos, discursos, contra-
discursos e as alterações geradas na identidade social.
Uma consideração necessária antes de passar ao primeiro capítulo diz respeito à
natureza de um trabalho como esse, de caráter sociológico, cuja abordagem é geralmente feita
a partir de uma perspectiva critica. Foi assim que a disciplina se constituiu teórica e
metodologicamente. Como então tratar fenômenos sociais cujos atores principais estão entre
nós e podem não se reconhecer em certa passagem da abordagem feita, ou mesmo se
entristecer com alguma parte da análise apresentada no trabalho? Karina Kuschnir (2000) em
seu trabalho de antropologia da política sobre a trajetória de uma vereadora no Rio de Janeiro,
com a qual conviveu por meses devido a coleta de dados, chama atenção para os cuidados
neste tipo de trabalho. Aqui, portanto, reitero o devido respeito pela Igreja Cristã Nova Vida
bem como ao seu bispo primaz, ao pastor John e a toda liderança da catedral e da
denominação, afinal, o trabalho procura lançar luzes sobre este fenômeno em curso
identificado como despentecostalização e que tem na ICNV com suas transformações um
espaço privilegiado de estudo.
34

1 DESPENTECOSTALIZAÇÃO: CAMINHOS TEÓRICOS DA CONSTRUÇÃO DE


UM CONCEITO

Uma fronteira importante hoje em pesquisas


sobre o pentecostalismo é justamente a
historicização. Historicização é uma forma de
des-pentecostalização. Claro que a des-
pentecostalização pode tomar muitas formas
(...).
Paul Freston

No presente capítulo pretendemos apresentar um panorama da construção do conceito


de despentecostalização em conexão com recortes teóricos que visam orientar os caminhos de
desenvolvimento e análise deste trabalho. Introdutoriamente será feito um panorama da
inserção do protestantismo no Brasil com destaque para o segmento pentecostal que se tornou
majoritário entre os evangélicos no país, embora sua implantação tenha se dado
aproximadamente seis décadas depois do protestantismo de missão. Isso se justifica para
mostrar, embora de forma sucinta, as relações engendradas pela trajetória do protestantismo
desde seus primórdios, passando por suas diversas fases até o pentecostalismo, com suas
ondas, até a igreja fundada por Roberto McAlister, no aparecimento do fenômeno da
despentecostalização que a tese busca descrever.
Os dados de afiliação religiosa ou crença professada pela população brasileira, do
Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1960 e principalmente de
1970, revelaram crescimento mais acelerado dos protestantes comumente chamados hoje de
evangélicos. À luz do Censo de 1980, quando houve distinção classificatória entre históricos e
pentecostais desse segmento protestante, é possível fazer um exercício de reflexão retroativa e
aventar que igrejas pentecostais, notadamente Assembleias de Deus e Congregação Cristã no
Brasil, estavam numa ascensão que resultou posteriormente em maioria em comparação ao
número de adeptos das igrejas do chamado protestantismo histórico, como luteranos,
presbiterianos, batistas, metodistas congregacionais e outros.
35

Em perspectiva cronológica, as denominações cristãs não católicas se estabeleceram


no Brasil a partir de 182417 com os luteranos alemães (“protestantismo de imigração”18) e,
mais diversamente e com maior atuação, após a segunda metade do século XIX, com o
“protestantismo de missão”19. Já os grupos pentecostais somente surgiram na primeira década
do século XX, ou seja, mais de 50 anos depois das igrejas de missão. Em 1930 os pentecostais
representavam 9,5% dos evangélicos brasileiros e em 1991 eles já eram 62% do total,
conforme dados avaliados por Campos (2004). Segundo Freston (1993:31), a virada numérica
dos pentecostais sobre os protestantes históricos deve ter ocorrido no início dos anos 198020.
Assim sendo, foi suficiente menos de um século para que os pentecostais surgissem,
crescessem, superassem em número de adeptos as igrejas do protestantismo histórico e
alcançassem visibilidade no cenário nacional. Fato não experimentado por este protestantismo
pioneiro no país, que, reitera-se, aqui chegara e atuava há quase 150 anos.
Essa mudança de cenário com o acelerado e vigoroso crescimento pentecostal exerceu
forte pressão sobre as igrejas protestantes históricas e provocou dissensão, principalmente por
conta da doutrina da glossolalia e de “liturgias carismáticas”, provocando longos conflitos no
interior do mundo evangélico que resultou em divisões traumáticas e o surgimento de grupos
chamados “renovados”21, principalmente entre batistas, presbiterianos, metodistas, episcopais
e até luteranos. Essas novas igrejas passaram a comungar de doutrinas e práticas da
religiosidade pentecostal, conjugando-as com concepções teológicas do contexto doutrinário
de onde são oriundas, que são as igrejas protestantes históricas (ROLIM, 1985;
FERNANDES, 1998; FRESTON, 1999; MARIANO 1999). Desde então, isto é, o ambiente

17
A rigor, os primeiros protestantes a virem para o Brasil, os huguenotes franceses, aqui se estabeleceram na
chamada França Antártica, em 1557, pelos movimentos de invasão de europeus a terra dominada por Portugal.
Mas não prevaleceram, pois alguns foram mortos e outros retornaram a Europa. Estudiosos como Mendonça
(2008, p. 823) classificam este grupo pioneiro como “protestantismo de invasão”.
18
Além dos luteranos, são também considerados parte do “protestantismo de imigração”, os anglicanos ingleses
que chegaram ao país junto com a família real portuguesa a partir de 1808 (MENDONÇA; VELASQUES
FILHO, 1990: 22).
19
Protestantismo de missão diz respeito aos grupos que chegaram a partir de 1859 com objetivos missionários,
isto é, alcançar adeptos para suas crenças, como congregacionais, presbiterianos, batistas e metodistas. Diferente
dos grupos ingleses e alemães que vieram como imigrantes e mantinham cultos e outros serviços religiosos entre
si e em suas próprias línguas (MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990, p. 25-31).
20
Somente no Censo de 1980 o IBGE segmentou os grupos “tradicionais” de “pentecostais” (FRESTON, 1993,
p. 31), o que passou a fazer parte nos levantamentos censitários posteriores.
21
Igrejas renovadas, também chamadas de carismáticas, são de origem doutrinária protestante, mas com a
“renovação espiritual” tornaram-se adeptas do “dom de línguas” (glossolalia) e de expressões cúlticas próximas
das igrejas pentecostais. Essa chamada “renovação” propugnava tornar igrejas “antigas, tradicionais e
ritualísticas”, como as protestantes históricas, em “igrejas renovadas”, pelo Espírito Santo, segundo as crenças
pentecostais (FRESTON, 1993, p. 113, 114; FERNANDES, 1998, p. 18, 19; MENDONÇA, 1990, p. 258, 259;
MARIANO, 1999, p. 48, 49; ALMEIDA, 2004).
36

dos anos 1960-70, a tendência de crescimento pentecostal se ampliou e veio posteriormente a


ser preponderante no movimento evangélico brasileiro (MARIANO, 1999; FRESTON, 2013),
como pode ser também verificado no acompanhamento comparativo das edições sucessivas
do Censo do IBGE até a mais recente pesquisa, cujos dados foram coletados em 2010 e
divulgados em 2012. Entre os anos 1991 e 2000 o percentual de pentecostais atingiu 74%,
restando aos protestantes históricos apenas 26% do total de evangélicos brasileiros
(CAMPOS, 2004, p. 131). Já no levantamento censitário de 2010 os evangélicos de missão
reduziram sua representação para 18% enquanto os pentecostais totalizam 60% do
contingente de evangélicos no país22.
Em meio a esse ambiente de conflitos e mudanças, especialmente pela ebulição das
doutrinas pentecostais, apareceu outro grupo no contexto evangélico, mas sem atrelamentos
institucionais com o pentecostalismo clássico ou de “primeira onda”, conforme tipologia
classificatória de Freston23, a saber, a Congregação Cristã no Brasil (1910) e as Assembleias
de Deus (1911), nem com o chamado pentecostalismo de segunda geração ou de “segunda
onda” (principalmente Igreja do Evangelho Quadrangular, de 1951, Igreja O Brasil para
Cristo, de 1956, e Igreja Deus é Amor, de 1962), nem ainda com as novas denominações
oriundas da chamada “renovação espiritual” no interior do protestantismo histórico como
visto acima. Trata-se da chamada “Cruzada de Nova Vida”, um movimento iniciado no Rio
de Janeiro em 1960 por um canadense chamado Robert McAlister que, por meio de pregações
em igrejas e outros espaços e, também em programa de rádio, ganhou seguidores e veio a se
tornar a Igreja Pentecostal de Nova Vida. Este grupo já foi definido como uma igreja de
fronteira ou de transição entre a “segunda” e a “terceira onda” do pentecostalismo
(FRESTON, 1993). Mariano a coloca como genealogicamente pertencente ao
“deuteropentecotalismo”, mas precursora do que veio a ser chamado neopentecostalismo
brasileiro (ROLIM, 1985; MARIANO, 1999; FERNANDES SILVA, 1999).

22
Em 2000 as igrejas evangélicas de missão tinham participação de 26% e caíram para 18% em 2010. Já as de
origem pentecostal representavam 74% e também sofreram perda de percentual, no mais recente Censo, indo
para 60%. Essa diferença se explica por uma categoria nova do Censo de 2010, “evangélicos não-determinados”
que somam aproximadamente 10 milhões de pessoas que não identificaram sua igreja ou denominação. Essa
nova categoria tem gerado debates, com diferentes hipóteses e explicações de estudiosos para tal fenômeno
(MARIZ e GRACINO JR., 2013, TEIXEIRA, 2013, CAMURÇA, 2013, CAMPOS, 2013, MARIANO, 2012, e
outros).
23
Dentre algumas tentativas de explicação tipológica do pentecostalismo brasileiro – como mostra uma análise
panorâmica crítica feita por Giumbelli (2001) – para os fins deste trabalho, cujo assunto não é central na tese,
opto por esta classificação de Freston (1993), como sendo de “ondas”, primeira, segunda e terceira. Esta última
tipificada pelo neopentecostalismo.
37

1.1 Pentecostalismo, neopentecostalismo e sinais da despentecostalização

Para situar o que estamos chamando de despentecostalização, optamos fazer,


inicialmente, uma abordagem geral da presença do pentecostalismo e o neopentecostalismo
no Brasil, a partir de um recorte bibliográfico para manter um quadro de referência tipológico-
classificatório dessa ampla temática. Importante destacar que assim como
despentecostalização, também pentecostalismo e neopentecostalismo são termos surgidos no
campo da teologia e, posteriormente, adotados por outras ciências, como a sociologia. Todos
eles são também conceitos construídos fora do Brasil e assumidos aqui pelos diversos
estudiosos, tanto da teologia como das ciências sociais e também da religião, além de
utilizados por jornalistas, religiosos e já pela opinião pública em geral. Ou seja, no Brasil já se
assimilou o conceito vindo de distintos contextos e de outras áreas de estudo, mas que aqui
ganhou também suas devidas configurações e interpretações, como mostra a especificidade
deste trabalho ao enfocar o “fenômeno da despentecostalização”.
O pentecostalismo foi identificado historicamente como um movimento surgido das
fileiras do protestantismo, a partir de uma experiência religiosa marcada pela manifestação de
“línguas estranhas” (glossolalia) que seria um “sinal do Espírito Santo”, profusão de curas
divinas, evidências de profecias de fatos por acontecer, além de costumes éticos mais rígidos
e usos estéticos bem restritos (HOLLENWEGER, 1972, 1997; ROLIM, 1985; NOVAES,
1985; MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990; FRESTON, 1994; CONTINS, 1995;
ORO, 1996; MACHADO, 1996; CAMPOS, 1997; FERNANDES et al., 1998; CÉSAR;
SHAULL, 1999; MARIANO, 1999; MAFRA, 2001). Essa caracterização geral ainda é
associada ao pentecostalismo e faz sentido ser assim compreendido em perspectiva histórica,
embora com algumas diferenciações no campo, conforme diálogos mantidos há tempos com
pessoas desse grupo. Em encontro de cientistas sociais pesquisadores do pentecostalismo
realizado em Brasília, DF, em 7/12/2013, Gedeon Alencar, apresentando dados de suas
pesquisas para o doutoramento em Ciências da Religião pela PUC de São Paulo, revelou que
20% de pastores de pastores assembleianos entrevistados manifestaram ser contra alguém
falar em línguas estranhas no culto público. No mesmo encontro um pastor da IEQ e também
mestre em antropologia pela UFPR informou que é preciso “pesquisar muito para se achar
uma manifestação de glossolalia numa Igreja do Evangelho Quadrangular” 24. Portanto, é

24
Para uma verificação ainda exploratória realizei seis pequenas entrevistas, contendo cinco perguntas
semiestruturadas, em encontros pessoais e por redes sociais, feitas de forma individual. As pessoas, mulheres e
homens, eram membros de igrejas pentecostais, como AD, Igreja Missionária Evangélica Maranata (AMEM),
38

possível afirmar ser necessário observar mais e melhor essas mudanças no campo para
formatar uma teoria que dê conta de conceituar o que se identifica atualmente como
pentecostalismo. E, quem sabe, neopentecostalismo também, que em geral é ainda mais
flexível em todas essas práticas como já mostrado pela literatura, conforme também será visto
neste trabalho.
Houve, portanto, mudanças significativas ou mais profundas que produziram
adaptação e mesmo rejeição de aspectos identitários centrais do pentecostalismo histórico,
resultando em outros movimentos pentecostais, para os quais se cunhou a categoria
neopentecostal25, já amplamente aceita e discutida em vários trabalhos (MACHADO, 1996;
ORO; SEMÁN, 1997; MARIANO, 1999; MAFRA, 2001, SOUZA; MARTINO, 2004).
Segundo uma caracterização feita por Mariano a partir de revisão bibliográfica que envolve
alguns destes autores acima citados e mais alguns outros como Bittencourt (1991), Freston
(1993) e Azevedo (1994), neopentecostalismo pode ser entendido como possuidor das
características gerais atinentes ao pentecostalismo, tanto de primeira quanto de segunda onda,
a saber, crença nos dons do Espírito Santo (glossolalia, milagres etc.), assim como
“antiecumenismo, líderes fortes, uso de meios de comunicação de massa, estímulo à
expressividade emocional, participação na política partidária, pregação da cura divina”
(MARIANO, 1999, p. 36). Para este autor, uma sistematização dos distintivos específicos do
neopentecostalismo seria:

Igreja do Nazareno (IN) e outras independentes. Com base em suas informações, torna-se possível algumas
reflexões, obviamente, isoladas e preliminares, mas reforçam percepções de mudanças. As falas têm várias
semelhanças e diferenças pontuais. Algumas delas mencionam poucas ou quase nenhuma manifestação de
línguas estranhas (glossolalia) nos cultos, e isso mais em igrejas de camada social média. Em outras, mais
periféricas, acontece com maior frequência. Um jovem pastor assembleiano, da Zona Norte do Rio de Janeiro
comentou que hoje o “dom de línguas” é pouco enfatizado pela liderança das igrejas. Mas acrescentou que nas
duas maiores denominações assembleianas, CGADB e CONAMAD, falar em línguas ainda é um critério para
consagrar pastores e evangelistas. De igual forma, dois mencionaram curas milagrosas e profecias como algo
“eventual”. Um entrevistado afirmou que não vê, mas genericamente disse: “Ouço muitos testemunhos de curas
extraordinárias”. De maneira semelhante uma jovem senhora, 38 anos, da AD disse: “a gente ouve falar, agora
ver e testificar na igreja que eu congrego ainda não vi”. Acerca de profecia, uma assembleiana contou:
“infelizmente em nosso meio existe muito profetadas, gente profetizando por si mesmo, e que nunca vai
acontecer”. Sobre “usos e costumes” conforme revelaram não há praticamente restrição, e que tal postura revela
neste quesito que os pentecostais são cada vez mais parecidos com a média da sociedade brasileira. Uma
entrevistada comentou que em igrejas da CONAMAD, onde participa e circula em outras desse grupo, não existe
cobrança por parte dos pastores e não sabe se é “por medo de perder dizimistas”. E acrescentou que as mulheres
“usam brincos grandes, maquilagem forte, unhas postiças, roupas apertadas”.
25
Chamado anteriormente de “pentecostalismo autônomo” por autores como Bittencourt (1991, 2003), o
vocábulo neopentecostalismo, segundo Nina Rosas (2015, p. 56), foi empregado inicialmente por “Leonildo
Campos, mas definitivamente consagrado pelas mãos de Ricardo Mariano”. Rosas registra ainda que “Segundo
Emerson Giumbelli (2001), na década de 60, o termo neopentecostal serviu para designar o movimento
carismático que atingiu igrejas protestantes históricas e a Igreja Católica. Posteriormente, tal termo foi utilizado
em outros contextos e passou a ganhar novos sentidos” (ROSAS, 2015, p. 56).
39

1) Exacerbação da guerra espiritual contra do Diabo e seu séquito de anjos decaídos;


2) pregação enfática da Teologia da Prosperidade; 3) Liberalização dos
estereotipados usos e costumes de santidade. Uma quarta característica importante,
ressaltada por Oro (1992), é o fato de elas se estruturarem empresarialmente
(MARIANO, 1999, p. 36).

Do pentecostalismo ao neopentecostalismo Wagner Gonçalves da Silva explicou que:

Com o acréscimo do prefixo latino “neo”, pretendeu-se expressar algumas ênfases


que as igrejas identificadas nessa fase assumiram em relação ao campo do qual, em
geral, faziam parte: abandono (ou abrandamento) do ascetismo, valorização do
pragmatismo, utilização de gestão empresarial na condução dos templos, ênfase na
teologia da prosperidade, utilização da mídia para o trabalho de proselitismo em
massa e de propaganda religiosa (por isso chamadas de “igrejas eletrônicas”) e
centralidade da teologia da batalha espiritual contra as outras denominações
religiosas, sobretudo as afro-brasileiras e o espiritismo (SILVA, 2007).

Outra teorização aponta semelhanças com as duas anteriores, mas agrega novas
características a este grupo evangélico como sendo os mais importantes:

Batismo no/do Espírito Santo; princípio do Deus vivo, que se manifesta ao


verdadeiro crente através do Espírito Santo e da sua vida plena em Cristo;
glossolalia ("falar em línguas"); ênfase na cura divina (pela imposição de mãos);
exorcismo de pessoas possuídas por entidades do mal (diabo); líderes carismáticos
(no sentido weberiano); fortes manifestações emocionais; valorização do bem-estar
físico e espiritual; exclusivismo religioso; uso intensivo e eficiente dos meios de
comunicação de massas (TV, rádio, internet); conservadorismo político e moral;
ênfase na teologia da prosperidade; ritualidade centrada na valorização do dinheiro
(RODRIGUES 2007, p. 136).

Sobre essa natureza empresarial, tida como mais uma identificação de grupos
neopentecostais, com algumas igrejas até visando lucros conforme sugere Mariano, outros
autores assim compreendem e utilizam termos associados a esse universo corporativo como
empreendimento, mercado, marketing. Neste sentido, o neopentecostalismo tem sido
identificado por diversos autores (CAMPOS, 1997; ORO, CORTEN, DOZON, 2003;
SOUZA, 2011) mais claramente com a “teologia da prosperidade”, a maneira “empresarial”
de administração das igrejas e a flexibilidade na doutrina de usos e costumes para os fiéis,
para ficar nestes aspectos mais gerais.
Ser pentecostal hoje e, principalmente neopentecostal, assume ainda identidade
originária destas concepções religiosas, mas está para além das doutrinas clássicas que tornou
tais movimentos inicialmente conhecidos. As novas igrejas pentecostais, neopentecostais e
mesmo outras que não assumem ou não se designam por essas nomenclaturas, mas que
estariam aproximadas na mesma natureza sócio-doutrinária buscam variadas formas de ação e
identificação, relacionadas à realidade dos desafios do contexto cultural contemporâneo.
Dizendo de outra forma, esses segmentos religiosos procuram fazer alguma atualização e
flexibilização de certos valores e atos para ampliar sua penetração e aceitação entre diversos
40

grupos sociais. Entretanto, ainda encerram doutrinas e práticas associadas à glossolalia, curas
divinas e reuniões religiosas marcadas por maior fervor estético-emocional.
Quando do surgimento do pentecostalismo nos Estados Unidos e sua posterior
implantação no Brasil a partir de 1910, pela novidade surpreendente de suas ruidosas práticas
decorrentes de distintas concepções e interpretações bíblicas sobre a doutrina do Espírito
Santo, ele foi alvo de duras e continuadas críticas e mesmo enfrentamentos retóricos por
partes de igrejas protestantes históricas, que classificavam pejorativamente o movimento
como herético, sendo denominado pela imprensa evangélica brasileira sob a alcunha de “seita
pentecostista” (ALENCAR, 2010, p. 48, 49; 2014, p. 45). As tensões se avolumaram e não
ficaram apenas na relação com outros grupos protestantes, mas também se adensou com
católicos em razão de sua contundência no proselitismo e consequente crescimento numérico,
levando ao surgimento de congregações a partir do Norte e Nordeste para todo o território
nacional. Em citação de um dos fundadores da AD, Alencar registra que um folheto batista
contra os pentecostais, com 20 mil cópias impressas, foi enviado para as igrejas batistas no
Brasil e também para Portugal (VINGREN, citado por ALENCAR, 2014, p. 45).
Seguidamente o pentecostalismo conquistou fiéis oriundos do catolicismo, mas desde sua
origem atraiu muitos adeptos de igrejas protestantes, espraiando suas influências pentecostais
para outros grupos evangélicos, resultando, décadas depois (anos 1960) em grandes conflitos
que causaram cismas traumáticos entre igrejas do campo protestante.
Reações semelhantes àquelas dos protestantes aos pentecostais nos primórdios destes
no Brasil tornaram a ocorrer anos depois contra grupos neopentecostais, só que desta vez
tendo o envolvimento também de, além de igrejas históricas, segmentos pentecostais que se
sentiam pressionados pela religiosidade e rápido crescimento neopentecostal. A partir dos
anos 1970, e principalmente nas duas décadas seguintes, com a irrupção e avanço numérico e
midiático de igrejas desse tipo, sobretudo a IURD, mas também a IIGD, a Igreja Apostólica
Renascer em Cristo (IARC), a Igreja Sara Nossa Terra (ISNT), críticas ocorreram em
profusão. Evangélicos do protestantismo histórico e do pentecostalismo clássico escreveram
reativamente a esse cenário, tanto em periódicos denominacionais quanto em outros meios de
comunicação (ROMEIRO, 1997; 2005)26. Alguns autores das ciências sociais e da grande
mídia também enfatizaram essa temática (FRESTON, 1994, 2013; CAMPOS, 1996). As

26
Exemplar desse embate foi a condenação da Associação Evangélica Brasileira (AEVB), organismo que reunia
diversas denominações e lideranças evangélicas de diferentes setores, às práticas da Igreja Universal do Reino de
Deus em 1995, declarando em nota que suas práticas apresentam "elementos radicalmente contrários à fé
evangélica" (Jornal O Globo, 25/09/1995).
41

reações a esses grupos evangélicos midiáticos e às suas práticas se agravaram também por
influência de desaprovação e até condenação perpetrada por grandes grupos de comunicação,
cujas manifestações negativas aos neopentecostais se disseminaram e reproduziram por
diversos segmentos da sociedade27. O chamado “chute da santa”, em que um bispo da IURD
em seu programa de televisão na Rede Record performa batidas bruscas com sapato na parte
inferior de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida é um desses casos notórios. O fato
ocorrido exatamente no dia 12 de outubro, feriado nacional dedicado à imagem católica, foi
exibido exaustivamente pelos diversos meios de comunicação, principalmente pela TV Globo
e veio a ser enfatizado por diferentes pesquisadores do estudo da religião (MARIANO, 1999,
p. 81; SILVA, 2007; VITAL DA CUNHA, 2015). O “chute da santa” ocorreu num dos auges
dessa crise, em 1995, menos de um mês após da exibição por parte da TV Globo de um
seriado chamado “Decadência”, cujo roteiro e destacado personagem, um pastor desonesto,
tinha verossimilhança com a trajetória da IURD e de seu bispo Edir Macedo. Muito embora,
como no jargão retórico desse tipo de produção televisiva, se afirmava que qualquer possível
semelhança com a realidade ou com quem quer que seja “terá sido mera coincidência”28.
A partir deste contexto tensionado no campo cristão, sobretudo evangélico, e num
cenário mais amplo do ambiente brasileiro de rejeição pentecostal, principalmente aos grupos
neopentecostais, desenvolveu-se um mal estar com a identificação lato sensu da nomenclatura
pentecostal. Inclusive por contar também com julgamento emitido por formadores de opinião
da sociedade e dialeticamente reproduzido através dos meios de comunicação. Além disso,
desenvolveu-se um processo de relativa “historicização” de segmentos pentecostais
(FRESTON, 1996, 1999, 2013), como será melhor explicado mais adiante. Neste sentido,
alguns grupos do campo pentecostal e também neopentecostal avançaram para uma crítica
que veio a desembocar num contraponto29. Esta perspectiva de mudança teve na então Igreja
Pentecostal de Nova Vida, como corpo institucional, um embrião desse movimento de reação,
principalmente na figura de seu líder Walter McAlister. Este publicou em seu blog, em julho

27
Considerando evangélicos em geral do contexto de favela, que são pentecostais e neopentecostais em grande
maioria, Vital da Cunha chama a atenção para o caráter “negativo” ou “poluição moral” imposto a esses grupos
em função da adesão religiosa associado ao vínculo espacial (2015, p. 51).
28
Além dessa informação que é protocolar e busca se eximir de possíveis problemas judiciais, na abertura do
seriado houve um editorial no qual a emissora carioca justificava que “Decadência não pretende fazer crítica a
nenhuma religião ou mesmo a qualquer um de seus representantes” (MARIANO, 1999, p. 82).
29
Um exemplo de mudança entre esses grupos é a Assembleia de Deus Betesda. Entrevista com um de seus
líderes e uma visita a um de seus cultos, num grande templo em São Paulo, em junho de 2015, reforça essa
tendência de mudança ao afugentar-se de práticas e doutrinas pentecostais. Inclusive mudou de nome, para Igreja
Betesda.
42

de 2012, um texto intitulado “Como se desintoxicar do neopentecostalismo”, conforme


anunciou numa rede social30, com duras críticas a práticas de igrejas neopentecostais e
sugerindo que as pessoas nessa condição de “intoxicação neopentecostal” precisam estudar a
Bíblia. Para tanto, recomendou que procurassem uma igreja do protestantismo histórico: “Os
tradicionais, na sua grande maioria, são mais dedicados ao estudo das Escrituras. Batistas,
presbiterianos, metodistas e congregacionais são os mais indicados”. Disse até que mesmo
igrejas da ACNV, embora sejam boas, não seria o ideal, conforme explicou:

Alguns talvez estranhem que eu não esteja recomendando a própria igreja que lidero,
nem tampouco uma igreja pentecostal clássica. É claro que recomendo qualquer uma
das Igrejas Cristãs Nova Vida (ICNV). São ótimas. Mas, quando se faz uma
desintoxicação, é necessário se afastar de tudo o que pode te levar de volta ao vício.
Toda e qualquer igreja pentecostal, inclusive a nossa, usa termos, jargões e conceitos
que trazem ligeira semelhança com os do neopentecostalismo, mesmo que não
sejamos neopentecostais. Como um Presbitério, reconhecemos que em tempos
passados andamos perto de um neopentecostalismo tácito, só que há um bom tempo
esse não é mais o caso (MCALISTER, W, 2012).

Este texto de seu blog foi reproduzido em diversos sites, inclusive com reportagem no
conhecido espaço eletrônico do Instituto Humanitas da Unisinos31, mas foi removido do blog
original do autor. Ele consta, porém, no site da entidade denominacional de formação da
liderança da ACNV, o IBRMEC32.
As linhas básicas iniciais fazem fortes críticas e mesmo descartam doutrinas e práticas
que conformam um fenômeno que pode ser chamado genericamente de despentecostalização.
Embora não se constitua amplamente numa tendência crescente do ambiente evangélico e
religioso brasileiro, refletir acerca desse fenômeno pode lançar pistas sobre futuras mudanças
e transformações neste campo, como aponta o caso paradigmático da Igreja Cristã Nova Vida,
que, certamente, não é a única a apresentá-lo33, porém é o recorte utilizado no presente
trabalho para tipificar essa tese.

30
https://twitter.com/bp_walter/status/220214082056368128 (acesso em: 6 out 2016).
31
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511461-bispo-pentecostal-sugere-qdesintoxicacaoq-em-igrejas-
historicas (acesso em: 6 out. 2016).

32
Texto integral disponível em: http://www.ibrmec.com.br/artigos/como-se-desintoxicar-do-neopentecostalismo/
(Acesso em: 20 nov. 2016).
33
Outras igrejas pentecostais e mesmo segmentos denominacionais associados ao pentecostalismo estariam
experimentando esse movimento de despentecostalização de suas práticas e assumindo uma identidade mais
aproximada da média das igrejas protestantes históricas. Como a Igreja Betesda, antes chamada Assembleia de
Deus Betesda, que excluiu o nome tão estimado por milhões de pessoas que fazem dessa identidade o maior
contingente religioso do Brasil, excetuando a Igreja Católica (entrevista com Gedeon Alencar, em maio de 2015
e visitas aos cultos da igreja em junho de 2015). Assim como a Igreja de Cristo, uma denominação cindida da
43

Qual, porém, a origem deste conceito e o que ele significaria, já que o mesmo estaria
em processo de construção?! Relativamente novo no contexto das ciências sociais, o termo
tem aparecido em alguns trabalhos, principalmente de Freston (2012, 2013) e de Machado
(2013)34, mas foram precedidos por pesquisadores do campo das ciências da religião e da
teologia, como Pommerening (2011), teólogo assembleiano e, antes ainda, Bobsin (2000).
Este autor, um teólogo luterano, é, possivelmente, o primeiro a utilizar o termo
despentecostalização numa publicação no Brasil e o faz num sentido próximo do que estamos
considerando o conceito, que:
Em alguns países da América Latina percebe-se um “cansaço” de algumas igrejas
pentecostais. Em círculos teológicos pentecostais há quem fale em
“despentecostalização” do pentecostalismo. O fogo do espírito está se apagando. O
templo do qual se fugiu volta a importunar os que buscaram uma realidade espiritual
pura. O carisma pode estar se rotinizando, para lembrar Max Weber (BOBSIN,
2000, p. 22, 23).

Pela informação de Bobsin, o termo não teria surgido no Brasil, mas seria oriundo,
possivelmente, da América Latina. Os dados deste trabalho, especialmente quanto a ICNV
como se verá principalmente nos dois capítulos seguintes, fazem aproximação com essa
análise de Bobsin do “cansaço de igrejas pentecostais” traduzido numa espécie de
“despentecostalização do pentecostalismo”.
Em site institucional católico do México há um texto recortado da antropóloga Renée
de la Torre que faz uma única menção ao termo, situando-o numa compreensão
aparentemente distinta:
Por ejemplo, la diócesis de Guadalajara ha buscado centralizar e institucionalizar al
Movimiento de Renovación Carismática estableciendo una sede en Guadalajara,
conocida como la Casa Cornelio, desde la cual se busca normar y
“despentecostalizar” los brotes evangélicos de las comunidades carismáticas. 35

AD na década de 1930 e mais presente em regiões do Nordeste brasileiro (Entrevista com Carlos Queiroz, pastor
dessa denominação, em novembro de 2014).
34
Na conclusão de um artigo e falando da metodologia a autora cita o termo dizendo: “Algumas entrevistas
revelaram também grupos em processo de “despentecostalização” e nos levaram a rever os sistemas
classificatórios que orientaram a elaboração do projeto de pesquisa.” Disponível em:
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=4&ved=0CEoQFjAD&url=http%3A%
2F%2Fseer.fclar.unesp.br%2Festudos%2Farticle%2Fdownload%2F5972%2F4525&ei=q45cUqGSGses4AOH9I
DQAw&usg=AFQjCNEJfY2vURju-
p1Anav8qlW81GaveA&sig2=0RInLIrwixOs71myhq33mw&bvm=bv.53899372,d.dmg (acesso em: 14 out.
2013).
35
“Por exemplo, a diocese de Guadalajara buscou centralizar e institucionalizar o Movimento de Renovação
Carismática, estabelecendo uma sede em Guadalajara, conhecida como a Casa Cornélio, a partir da qual se busca
normatizar e “despentecostalizar” os brotos evangélicos das comunidades carismáticas” (tradução nossa). O
texto original está disponível em: http://www.arquidiocesisgdl.org/2014-2-8.php (acesso em: 20 set. 2014).
44

A presente citação não tem data e está em meio a um texto fragmentado da autora, o
que se supõe ter sido feito segundo economia interna da diocese católica do interior mexicano.
Interessante, porém, observar que em ambas as citações acima em que a palavra
despentecostalização se insere, elas aparecem sempre grafadas com aspas, como a denotar
uma categoria nova, em processo de construção. Certamente não é um termo próprio de
nativos, como se verificou no recorte da pesquisa de campo. Posteriormente descobri36 que o
referido fragmento do texto da antropóloga mexicana é parte de um livro seu chamado La
Ecclesia Nostra, que trata do protagonismo religioso e político dos leigos católicos no
ambiente da cidade de Guadalajara e os mecanismos de controle da hierarquia católica. No
contexto imediato da referida citação ela enfoca a temática da pluralização religiosa, inclusive
a presença pentecostal das igrejas protestantes na cidade bem como a reação católica para
controlar os leigos e afugentá-los dessas influências. A estratégia católica contou com a
Renovação Carismática no sentido de “despentecostalizar” comunidades leigas católicas de
qualquer influencia pentecostal protestante e normatizá-las conforme os padrões e doutrinas
da fé católica tradicional. Segundo destaca La Torre (2006), precisamente em Guadalajara
está a sede da maior denominação pentecostal do país, a Iglesia La Luz del Mundo, que
resulta em influência religiosa entre leigos católicos, muito embora a Igreja Romana seja
majoritária nesta região bem como em todo país.
No âmbito específico das ciências sociais é possível afirmar que o vocábulo tenha sido
utilizado pelo sociólogo Paul Freston, que o mencionou inicialmente em palestras e, depois,
em artigos, a partir do ano de 2012, também pioneiramente no contexto da teologia, campo
em que Freston também tem aproximações como estudioso37. No site de busca Google
acadêmico, há alguns poucos artigos em que aparece o termo despentecostalização, mas um
apenas é do campo da sociologia. Os dois demais são de autores da teologia/ciências da
religião, conforme anteriormente citados. No Google geral, além destes, tem mais outras raras
menções ao termo, com referências de Freston38. Na plataforma SciELO (Scientific Electronic
Library Online) não se encontrou qualquer registro desta palavra, seja em português, espanhol
ou inglês.

36
Fiz muitas tentativas para descobrir um contato da autora, o que somente ocorreu no final da redação da tese,
mediante rede de amigos das ciências sociais no Brasil. Ela me passou a referência do livro onde estava o texto.
37
Essa questão ajuda a refletir como os campos da teologia e das ciências sociais dialogam e constroem reflexões
que são utilizadas por ambas as áreas do saber. Sobre essa discussão, com um amplo panorama e análise, ver
Lopes Júnior (2014).
38
As referências de Freston já estão citadas neste trabalho.
45

Num texto em que discute o futuro do pentecostalismo em perspectiva global,


publicado numa coletânea de artigos nos Estados Unidos, Freston (2013a) utiliza o termo
“des-pentecostalização”, assim sob essa maneira grafada com hífen, cuja compreensão
conceitual ele explica com algumas possibilidades: atitude de pessoas que abandonam o
pentecostalismo e fazem um caminho de volta ou “reconversão” para o catolicismo, a
umbanda ou mesmo se tornam “sem religião”. Num outro texto, publicado em coletânea de
artigos no Brasil, Freston (2013b) detalha que
a des-pentecostalização pode tomar muitas formas, inclusive uma ida (ou volta) para
o catolicismo, ou para alguma outra religião, ou para a categoria amorfa que o censo
chama de ‘sem-religião’. Todas essas trajetórias de fato acontecem, mas menos
frequentemente (pelo menos, até agora) do que a historicização (FRESTON, 2013b).

Para Freston, portanto, a “historicização” é uma das diversas formas de


despentecostalização. Esta, conforme ele elencou na citação acima, possui aquelas
possibilidades, mas como tem muitas formas – já que é um conceito em construção como
estamos concebendo – permite outras tentativas, como procuramos desenvolver na
formulação do objeto de estudo no presente trabalho. Abordaremos mais sobre
despentecostalização, antes, porém, necessário se faz apresentar outras informações
conceituais de Freston sobre “historicização”, inclusive para buscar uma distinção de
despentecostalização, conforme estamos defendendo nesta tese. Freston (2013a) lembra que
os acadêmicos no Brasil dividem genericamente o segmento evangélico em dois grandes
grupos: “históricos” e pentecostais. Este termo empregado por ele, “historicização”, é,
portanto, derivado desse vocábulo identificador das pioneiras igrejas evangélicas no país
associadas à Reforma protestante.
Essa “historicização” pode significar uma apropriação de crenças e práticas do
protestantismo histórico. Na forma institucional ou pessoal, é um processo que Freston chama
de “elitização” ou do clero ou dos leigos, quando mudam de classe social. Conforme dados de
suas entrevistas, ele afirma que é possível relacionar o alargamento dos horizontes teológicos
de pastores a um aumento geral dos níveis educacionais entre os pentecostais, graças tanto aos
processos sociais em geral bem como na forma como o pentecostalismo promove
especificamente o investimento na educação39. Isso resulta em mais pentecostais que se

39
Sobre a educação específica dada pelos pentecostais há investimento em formação teológica dos pastores feita
em seminários e institutos bíblicos espalhados pelo país, alguns, inclusive, com reconhecimento pelo Ministério
da Educação (GUERRA, 2015). Mas não apenas presencialmente, há também programas de educação à
distância, publicação de livros teológicos diversos, livrarias em várias partes do Brasil, mestres e doutores
pentecostais estudiosos do próprio pentecostalismo. Já algum tempo os estudos de ciências sociais e humanas
sobre pentecostalismo deixaram de ser feitos apenas por pesquisadores exógenos ao “mundo pentecostal”, como
já chamava atenção Fernandes (1977) em texto com o curioso título “O debate entre sociólogos a propósito dos
46

deslocam para um estrato social com maior formação cultural (FRESTON, 2013). Ao utilizar
“alargamento dos horizontes teológicos” Freston não faz julgamento de valor, como a dizer
inversamente que a visão pentecostal seria “estreita”, mas vincula intelectualização com
alteração na visão de mundo desse contingente pentecostal40. Acrescentando mais dados a
essa caracterização de historicização Freston (2013b) escreve:
A historicização pode se referir a instituições ou a indivíduos. Tanto pessoas como
instituições envelhecem; e tanto famílias como instituições passam por transições
geracionais. A existência ou ausência de grande sucesso numérico afeta não só a
composição das igrejas e as expectativas delas, mas também produz formas
diferentes de elitização do clero (correspondendo mais ou menos à distinção entre
liderança carismática e liderança racional ou tradicional). Por outro lado, os leigos
são suscetíveis a outros tipos de elitização: ou pela ascensão geracional de famílias
que se beneficiam de décadas de prática pentecostal, ou porque o pentecostalismo
em si ascende socialmente e se torna atraente para pessoas que já estão em outro
nível social (FRESTON, 2013b).

Portanto, a partir dessa conceituação de Freston, “historicização” refere-se a uma


assimilação e adoção de certas crenças e práticas do protestantismo histórico, a partir das
mudanças sociais experimentadas por pessoas (no caso em estudo, fiéis e pastores) e
instituições (a igreja). Já despentecostalização, conforme estamos concebendo a partir do que
foi observado na ICNV, diz respeito a um processo de redução e mesmo negação de certas
práticas pentecostais também ocorridas a partir dessas mudanças, como aumento do nível de
instrução, alteração geracional, ascensão social, enfim, o que Freston chama de elitização. No
caso da ICNV essa despentecostalização é conjugada com a apropriação de doutrinas e
práticas “reformadas”, especificamente de corte calvinista.
Assim sendo, a partir de segmentos pentecostais com essa maior formação acadêmica
e outros itens de mobilidade social ascendente pode se considerar a possibilidade de estar
havendo afinidades eletivas com doutrinas calvinistas, que conduziriam a uma historicização
do pentecostalismo, mas, também, despentecostalização dessa religiosidade. Para Freston, tal
avanço na formação pode ser relacionado, em geral, na forma de uma simpatia e mesmo
adoção pela doutrina calvinista, o que ele chama de “Reformed turn” (“Virada reformada”).
Suas reflexões se situam a partir do contexto do pentecostalismo brasileiro, que é o assunto do
artigo onde ele trata dessa temática, afirmando que este não é um fato apenas do campo

pentecostais”, apresentado há 40 anos, no Seminário “Pentecostalismo e Mudança Social”, ocorrido em agosto


de 1976 em São Paulo. Desde 1998, por exemplo, está ativa a Red Latinoamericana de Estudios Pentecostales-
Relep, com núcleos em vários países, com destaque para o Brasil, formado, majoritariamente, por pesquisadores
pentecostais, como sociólogos, teólogos, antropólogos, historiadores e outros:
http://relepnucleobrasil.blogspot.com.br/p/quem-somos.html (acesso em: 3 out. 2016).
40
Para um panorama sobre a relação entre formação intelectual, sobretudo por parte de evangélicos, e as ciências
sociais, com tensões e possibilidades, ver o ótimo trabalho de Lopes Júnior (2014).
47

pentecostal no Brasil, mas um fenômeno em curso em outras latitudes, o que ele ilustra com
países asiáticos e também na América Latina, onde igrejas pentecostais estariam
experimentando essa mudança de afastar-se doutrinariamente da tradição pentecostal e se
aproximar e mesmo adotar práticas e concepções do calvinismo, portanto, passando pelo
processo da “reformed turn”:
But today the attraction is a local refraction of an international trend, which sees
charismatic churches in Singapore, Hong Kong, and Kuala Lumpur adopt the
(nineteenth-century neo-Calvinist) language of “cultural mandate”41 and the head
pastor of the Elim Pentecostal church in El Salvador say “don’t call me Pentecostal,
call me Calvinist” (FRESTON, 2013).42

Ele chega a dar alguns exemplos de pastores do contexto pentecostal brasileiro,


embora sem explicitar nomes, que abraçam certas crenças ou todo o pacote da “virada
reformada” (calvinista), dentre os quais é virtualmente perceptível a imagem de Walter
McAlister, que, possivelmente, seja um dos casos mais paradigmáticos ou expressivos de seu
conceito, que foi exatamente um dos lideres entrevistados por Freston (2013) para a pesquisa
que resultou no referido artigo.
Conforme suas hipóteses, Freston explica que essa busca de embasamento no
calvinismo se deve à falta de um projeto do pentecostalismo para a sociedade, ou uma
teodiceia que explica porque o ativismo evangelístico não obterá resposta de todos (o debate
livre-arbítrio x predestinação), ou pela falta de recursos litúrgicos ou teológicos que o
pentecostalismo não oferece. E reforça sua defesa de que boa parte desse interesse pelo
calvinismo seria resultado de maior educação (inclusive na formação de pastores em Ciências
da Religião e Teologia) e integração cultural de pentecostais e de suas lideranças (FRESTON,
2013). Nesta mesma perspectiva, de que despentecostalização estaria associada à “elitização”,
entendida basicamente como maior formação educacional, Pommerening, afirma que “o
progresso social experimentado por algumas igrejas pentecostais e a conversão de pessoas de
classe média e alta passa a mudar, em certos círculos pentecostais (...), tornando as reuniões
de culto em cerimônias mais solenes, contemplativas e menos participativas”. Ele faz estas

41
“Mandato cultural”, aqui citado por Freston é um conceito atribuído a Abraham Kuyper, teólogo holandês, de
linha calvinista, que veio a ser primeiro ministro de seu país no início do século XX. Tal conceito diz respeito ao
mandamento de Deus dado aos seres humanos, conforme os primeiros capítulos do livro bíblico de Gênesis, de
dominar e cuidar da natureza, relacionando à idéia de produzir cultura visando influenciar todas as reflexões e
ações da vida em sociedade (RAMLOW, 2014).
42
“Mas hoje a atração é uma refração local de uma tendência internacional, que vê as igrejas carismáticas de
Cingapura, Hong Kong e Kuala Lumpur adotarem a linguagem neo-calvinista (do século XIX) de "mandato
cultural" e o pastor-chefe da Igreja Pentecostal Elim em El Salvador dizer "não me chame de pentecostal, me
chame de calvinista" (tradução nossa).
48

considerações no contexto de um artigo em que cita Bobsin mencionando sua abordagem


sobre despentecostalização, como já referenciada acima.
Partindo de outra área de conhecimento como a teologia, embora em diálogo com
autores da sociologia e antropologia, é curioso como os liames desse campo se interconectam
com o das ciências sociais, conforme reflexões de Pommerening que compreende
despentecostalização a partir de um estudo de caso sobre a Assembleia de Deus como uma
igreja outrora marcada por uma teologia construída dinamicamente pela oralidade em
contraponto a uma elitização de uma teologia hoje fundamentada pela metodologia da escrita
e sistematização racional. Este autor, um pastor assembleiano, doutor em Teologia, sugere:
“Há que se levantar a questão da elitização de algumas igrejas da Assembleia de Deus, que
começam a abandonar formas emotivas de expressar sua religiosidade para abraçar formas
mais racionais” (POMMERENING, 2011, p. 131). Este seu artigo, resultado da dissertação de
mestrado, teve como base diversas entrevistas qualitativas feitas com membros de igrejas da
AD no Estado de Santa Catarina. Na dissertação ele afirma que “o progresso social
experimentado por algumas igrejas pentecostais e a conversão de pessoas de classe média e
alta” torna as “reuniões de culto em cerimônias mais solenes, contemplativas e menos
participativas”. E reitera que “neste sentido fala-se em “despentecostalização” do
pentecostalismo”, destacando que “esta realidade não se verifica em comunidades pobres”
(POMMERENING, 2008, f. 110). Já em sua tese de doutorado, orientada pelo citado Bobsin,
Pommerening aborda a formação teológica de pastores assembleianos mostrando as interfaces
e divergências entre educação teológica e práticas pentecostais. Ele afirma que
“recentemente” a Assembleia de Deus:
está tendo que lidar, embora isso não se admita de forma aberta, com uma provável
despentecostalização, ou seja, o agir livre e espontâneo do Espírito que sempre
esteve presente nesta igreja, precisa dar lugar às exigências de uma nova classe
média que se envergonha com as manifestações imprevisíveis de louvor, choro, falar
em línguas ou qualquer outra experiência pentecostal (POMMERENING, 2015, f.
154)

É possível considerar que este fenômeno que estaria ocorrendo entre assembleianos no
sentido de elitização sócio-educacional e “racionalização” religiosa ou redução do “fervor
pentecostal” em detrimento de maior “frieza litúrgica” teria aproximações com o processo de
mudança compreendido como despentecostalização na Igreja Cristã Nova Vida. Para avançar
na construção deste conceito, buscamos estabelecer caracterizações, apontar possíveis
paradoxos e, mesmo, contradições, a partir do referencial dos autores que tem utilizado e
forjado a conceitualização de despentecostalização, sempre em diálogo com dados empíricos
da pesquisa de campo.
49

Minha monografia de graduação em ciências sociais, de 1999, sobre a então Igreja


Pentecostal de Nova Vida, mostra justamente o nível sócioeconômico mais alto associado à
maior formação educacional dos membros dessa igreja, sobretudo da congregação de
Botafogo, que era até então a sede da denominação. Embora não tenha perguntado aos
entrevistados selecionados da base de dados para a pesquisa da tese sobre rendimentos
econômicos, outras questões foram feitas e elas ajudam a identificar a ICNV com um perfil de
classe média, tanto em termos educacionais quanto de renda. Pela formação e profissão dos
entrevistados, pelo bairro onde residem, pelos veículos com que chegavam ao templo e os
tipos verificados no estacionamento da igreja, pela localização e estilo do próprio templo, a
catedral no Recreio dos Bandeirantes. Portanto, se identifica uma relação aproximada entre
mobilidade ascendente e despentecostalização. No entanto, é preciso que se registre, existem
também casos de pessoas de classes sociais elevadas, sobretudo mais no aspecto econômico e
relativamente menos quanto ao nível educacional, que se tornam pentecostais e buscam
igrejas ainda mais encantadas, o que revela dinâmicas sempre diversas da realidade social.
Embora a despentecostalização seja um processo que tem sinalizações de ocorrência
em outras igrejas e denominações, decidimos estudar o caso da Nova Vida dada sua
importância como igreja pioneira do neopentecostalismo, além de ser identificada como igreja
de classe média, composta até por pessoas com alto poder aquisitivo em comparação a outras
igrejas do pentecostalismo brasileiro, desde a Congregação Cristã no Brasil e Assembleias de
Deus até IURD, IIGD e Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD). Pierucci e Mariano (2010,
p. 284) mostram que a base social desse último grupo de igrejas é ainda mais próxima das
classes populares do que das classes médias; e outros autores, como Freston (1993), Mariano
(1999) e Fernandes Silva (1999) demonstram o caráter mais socialmente médio da Igreja de
Nova Vida. É possível afirmar que tal trajetória e composição social, principalmente com essa
nuance socioeconômica e educacional, seja uma pista para ajudar a entender sua trajetória em
direção ao processo de despentecostalização.
Portanto, pode se entender despentecostalização como um processo de historicização
de igrejas pentecostais geralmente marcadas por maior intelectualização na formação
teológica de seus pastores, assim como por mobilidade social ascendente de seus membros.
Ambos, pastores e fiéis continuam a afirmar nominalmente doutrinas clássicas associadas à
identidade tradicional pentecostal, porém, nos rituais coletivos há negação pela ausência de
elementos tidos como característicos dessa religiosidade: tanto doutrinários e litúrgicos
quanto estéticos e comportamentais. Esses atores geralmente procuram ressignificar suas
crenças e identidade em postulados religiosos associados ao protestantismo histórico. No caso
50

específico da ICNV, com uma diferença de manter e ampliar posturas políticas mais
tradicionais em temas da agenda pública do que certa média do protestantismo histórico.
Portanto, resulta em um pentecostalismo despentecostalizado, mais ilustrado academicamente,
porém tanto ou mais politicamente conservador que a média do protestantismo e mesmo do
pentecostalismo brasileiro. Tal posição política, no entanto, dependendo de seu arcabouço
sócio-teológico pode ser radicalmente oposta em outro grupo que também experimenta a
despentecostalização43.

1.2. Alguns referenciais de análise

Weber é uma referência destacada na construção do quadro analítico para orientação


deste trabalho, como, por exemplo, seus conceitos polares de “misticismo” e “ascetismo”,
conforme apresentados especialmente no texto “Rejeições religiosas do mundo e suas
direções” (WEBER, 2010). O ascetismo identifica-se por uma manifestação do devoto, que é
um instrumento ativo de Deus no mundo, agindo racionalmente dentro do mundo para
domesticar e dominar seu ambiente visando um trabalho marcado por uma “vocação”
mundana. Segundo Weber (2010, p. 228), o ascetismo teria uma perspectiva de ser “contra” o
mundo, embora ativo no mundo buscando resultados racionalmente concebidos. Já o
misticismo caracteriza-se pela contemplação e também negação do mundo por parte do fiel,
que, ao invés de instrumento é um “recipiente” do divino, logo se inclina para a fuga do
mundo, contrastando com o ascetismo que opera dentro e ativo no mundo.
Para o verdadeiro místico continua sendo válido o princípio: a criatura deve estar
calada, de modo que Deus possa falar. (...) Ele se coloca à prova contra o mundo,
contra sua ação no mundo. O ascetismo deste mundo, pelo contrário, prova-se
através da ação. (...) Com esse “fanatismo abençoado”, habitualmente atribuído ao
puritano típico, o ascetismo deste mundo executa as resoluções positivas e divinas
cujo sentido final continua oculto. O ascetismo executa tais resoluções como dadas
nas ordens racionais da criatura, ordenadas por Deus. Para o místico, pelo contrário,
o que importa para sua salvação é apenas a compreensão do significado último e
completamente irracional, através da experiência mística. As formas pelas quais
ambos os modos de conduta fogem do mundo podem ser distinguidas através de
confrontos semelhantes (WEBER, 2010, p. 228).

É importante lembrar que Weber destaca também que há misticismo dentro do mundo
e ascetismo fora do mundo. Embora o pentecostalismo combine ascetismo com misticismo,
pode-se considerar haver mais aproximações do modelo de pentecostalismo especialmente
elaborado e praticado no padrão da igreja formatado e conduzido por Roberto McAlister, em

43
Um exemplo de um grupo que também se despentecostaliza, mas não se calviniza e nem assume posições
políticas conservadoras, antes pelo contrário, é a Igreja Betesda, de São Paulo, liderada pelo pastor Ricardo
Gondim.
51

termos típico-ideais, com o misticismo, enquanto que ascetismo seria um equivalente teórico
para despentecostalização ou “pentecostalismo reformado” na forma como tem ocorrido sob a
direção de Walter McAlister. Como foi dito acima, sob a perspectiva desses tipos-ideais, o
pentecostalismo é místico e asceta voltado para o mundo, e no caso também o
pentecostalismo pioneiro de Roberto seria místico e também asceta, porém mais místico que
asceta, já a despentecostalização, no caso da ICNV sob a direção de Walter, seria asceta e
também místico, porém mais asceta do que místico.
Outra vertente da sociologia compreensiva de Weber que, certamente, traz aporte à
reflexão teórica desse suposto processo de despentecostalização é o conceito embutido em seu
conhecido sintagma “desencantamento do mundo”. São diversas e até antagônicas as
interpretações dessa construção, que aparece em diversos textos de Weber conforme mostrou
Pierucci (2013), mas que, de maneira geral, diz respeito a um processo histórico que se
desenvolveu no mundo ocidental, de natureza racional, e que conduz a uma espécie de
desmagificação da realidade social, em particular de corte religioso.
Para Weber, segundo Pierucci, a magia significa um estágio temporal anterior à
religião, num contexto em que a sociedade concebia viver em um mundo infestado de
espíritos que influenciava a vida cotidiana. Neste sentido, magia era o predomínio do sagrado
nas relações sociais; já religião diria respeito a um ritual e a uma doutrina, construídos numa
dimensão mais racional, típicos do contexto da modernidade. Foi exatamente o caminho
experimentado pelo protestantismo ascético que, imbuído dessa racionalização religiosa,
estabeleceu um processo moral de relacionamento com o sagrado, cujo código de ética não
reconhecia os espíritos, como na magia, mas unicamente o Deus único, próprio da religião
eticizada (PIERUCCI, 2013, p. 74).
Seguindo nesse encadeamento teórico, ainda conforme Weber, mas via interpretações
e reflexões feitas por Peter Berger (2001) tomaremos os conceitos de “modernização” ou
“racionalização” como fenômenos que podem ocorrer dentro de uma própria cultura religiosa,
como aponta o sociólogo austro-estadunidense, ao tratar das revisões e transformações
doutrinárias, éticas e litúrgicas verificadas no contexto da Igreja Católica a partir do
transcurso do Concílio Vaticano II (1962-1965).
Para analisar a postura da liderança episcopal, sobretudo falas e posicionamentos do
bispo primaz será utilizada como base a teoria weberiana das dominações, que é usada pelo
intelectual alemão para vários campos, como econômico e político, no intuito de fazer uma
análise sociológica da legitimação do poder, inclusive, de maneira teórica original, em sua
especificidade religiosa, que é um foco óbvio no presente trabalho. Três tópicos se destacam
52

nessa teorização, que são o poder, que “significa toda probabilidade de impor a própria
vontade numa relação social, mesmo contra a resistência, sejam qual for o fundamento dessa
probabilidade”, dominação, que Weber considera como sendo mais preciso que poder, pois
“só pode significar a probabilidade de obediência a uma ordem”, ou seja, “alguém mandando
eficazmente em outros”, e, disciplina, que “é a probabilidade de encontrar obediência pronta,
automática e esquemática a uma ordem, entre uma pluralidade indicável de pessoas, em
virtude de atividades treinadas”. Isto é, “inclui o “treino” na obediência em massa, sem critica
nem resistência” (WEBER, 1998, p. 33).44
Três facetas, bastante conhecidas, se apresentam nessa teoria weberiana da dominação,
a saber, a carismática, a tradicional e a racional. Na primeira, a liderança carismática não é
uma escolha dos liderados, “mas acontece o inverso: é o dever daqueles a quem dirige a
missão de reconhecê-lo como seu líder carismaticamente qualificado” (2002, p. 172, grifo no
original). Inicialmente trata-se de uma dominação carismática “pura”, sem vínculos
econômicos, por exemplo, mas tal autoridade passa para outro estágio num processo de
institucionalização, chamado por Weber de rotinização do carisma. Este acontece quando se
tradicionaliza, tornando-se uma estrutura relacional regular e continuada (1998, p. 161). Tal
processo de racionalização pode acontecer por razões diversas notadamente interesses
materiais, persistência das relações, assimilação das idéias pela comunidade e surgimento de
um quadro administrativo (p. 162). Um desafio se coloca quando da sucessão da liderança. A
“transmissão do carisma” ou a escolha do novo líder, pode se dar por hereditariedade,
capacidade vocacional, revelação, indicação do líder para transferência do carisma. E isso,
salienta Weber, “não se realiza, em regra, sem lutas” (p. 166).
A segunda, a liderança patriarcal é entendida como um processo em que a obediência à
pessoa se dá “em virtude de sua dignidade própria, santificada pela tradição: por fidelidade”
(WEBER, 1991, p. 131). A submissão às normas acontece por critérios familiares e
patriarcais, pela tradição que o líder representa, o que gera uma espécie de “docilidade” dos
liderados.
A última forma de dominação, a burocrática, caracterizada por Weber de diversas
maneiras, pode ser resumida na ideia de um modelo de governança marcado por estatutos,
regimentos, funcionários, hierarquia burocrática racionalizada visando eficiência e resultados.

44
Em diálogo com textos de Weber para essa reflexão teórica estabeleci relações neste parágrafo, bem como nos
três parágrafos posteriores com outros autores, sobretudo Alencar (2013) com suas ótimas reflexões sobre as
Assembleias de Deus no Brasil.
53

Quanto aos personagens da arena religiosa Weber elege três identidades de tipos ideais
para desenvolver sua análise, que são o sacerdote, o feiticeiro e o profeta. O primeiro “age por
vocação” com base num conhecimento teórico especializado, pois é funcionário de uma
empresa de salvação. O segundo, o profeta, desempenha suas funções mediante carisma
pessoal, tendo relação direta com a divindade. Tanto sacerdote quanto profeta podem ser
ligados a uma mesma religião, no entanto um será o conservador da estrutura institucional
enquanto o profeta será seu transformador ou renovador. Já o feiticeiro presta serviços
individuais, sem vinculação institucional, sem dogmas, restringindo-se a atender aos que o
procuram mediante a manipulação da “magia” (PIERUCCI, 2001).
Nas entrevistas com os fiéis e também na observação de suas posturas nas celebrações
religiosas procuraremos verificar como eles traduzem na prática a concepção religiosa dos
líderes em sua campanha de despentecostalização. Para tanto, a teoria de “habitus” de Pierre
Bourdieu (1974, 1983) se apresenta como uma possível chave de interpretação, procurando
perceber consonância ou dissonância entre projetos da liderança e práticas da base. Conforme
Bourdieu habitus diz respeito a uma “tomada de consciência” resultante de um
sistema de disposições inconscientes que constitui o produto da interiorização das
estruturas objetivas e que, enquanto lugar geométrico dos determinismos objetivos e
de uma determinação, do futuro objetivo e das esperanças subjetivas, tende a
produzir práticas, e por esta via, carreiras objetivamente ajustadas às estruturas
objetivas (BOURDIEU, 2001, p. 201, 202).

Visando melhor entender esse tipo de processo na ICNV recorremos ao conceito de


“campanha” adotado por Marjo de Theije ao estudar o contexto de aplicação da teologia da
libertação na Igreja Católica em contraponto ao chamado processo de romanização,
especificamente na diocese de Garanhuns, PE. Theije (2002), a partir do conceito de “política
cultural” de Sherry Ortner (1989) desenvolve a teoria de “campanha” para observar a
estratégia de mudanças feitas por líderes religiosos na referida diocese católica. Sua questão
analítica é observar um “processo de mudança religiosa e sua relação com o mundo social”.
Essa mudança religiosa “pretendia contribuir para uma transformação fundamental da
realidade social numa direção predeterminada”. Para chegar a esse objetivo é necessário
realização de uma “campanha” envolvendo mediadores que passam tal projeto para a base
através de tipos distintos de prática. As práticas objetivam mudar a estruturas diárias, a rotina
e os desejos, planos e interesses dos atores, além de identificar como são formados esses
motivos subjetivos no contexto de estímulos e vínculos institucionais. A autora comenta ainda
que a consciência das pessoas pode mudar em função das circunstâncias do ambiente em que
ocorre a campanha. Mas “a meta das políticas culturais é mudar a mente das pessoas
54

(THEIJE, 2002, p. 30, 31, 35, 36, 43). Ela chama atenção para a concepção weberiana de
mudança e do papel dos líderes na disseminação de uma nova prática religiosa (THEIJE,
2002, p. 56), como acontece na tarefa do profeta conforme teorizado por Weber (1994) e
trabalhado por Bourdieu (2001). A campanha é um processo intencional de mudança seja na
forma e ou no conteúdo de um determinado grupo social. Essa fundamentação de Theije se
baseia em Ortner e seu conceito de “política cultural”, uma prática desenvolvida por agentes
religiosos e que consiste em políticas de ideologia pública cuja disputa se dá “pelo controle da
verdade e do valor” (THEIJE, 2002, p. 69). Nas palavras de Ortner política cultural são “as
lutas sobre as representações simbólicas oficiais da realidade que prevalecerão numa dada
ordem social num dado tempo” (ORTNER, 1989b, p. 200). Segundo Theije, essas
“representações simbólicas oficiais da realidade” referem-se no contexto da religião a “uma
descrição excepcionalmente adequada das metas e dos objetivos dos especialistas religiosos”.
Conforme a antropóloga holandesa, nesse ambiente religioso a ideologia, como mencionada
acima:
aparece sob a forma de uma doutrina que é disseminada através do discurso e do
ritual, de regras e atividades simbólicas e organizacionais. As ações específicas
voltadas para mudança da ideologia pública podem ser vistas como campanhas
culturais, promovidas pelas partes interessadas (THEIJE, 2002, p. 69).

Para elucidar melhor as características da campanha Theije (2002, p. 70) destaca dois
elementos, a saber, “o processo de mediação (...) e o papel dos atores nesse processo”. Quanto
a esses últimos ela distingue dois tipos de personagens: os que conduzem uma campanha e os
que são alvos do processo de transformação cultural. Quanto a essa receptividade por parte
das pessoas alvo tal contexto “é tão importante para o resultado do processo quanto o próprio
conteúdo da campanha”, salienta Theije. Ela afirma que “uma campanha intencional de um
grupo pode revelar-se significativa em diferentes sentidos para outros grupos”, ou seja, “os
significados nunca são fixos, pois são contextuais e abertos à reinterpretação”. Como
reiterado pela antropóloga holandesa, nem sempre uma política cultural intencional alcança os
objetivos desejados ou pode até resultar em consequências opostas ao esperado 45 (THEIJE,
2002, p. 70). Sobre os que a conduzem, isto é, os mediadores, Theije assevera que eles são
parte essencial de qualquer campanha de mudança cultural e que tal processo é capaz de criar
e recriar a cultura. Uma questão, no entanto, comenta a autora, diz respeito a como as pessoas
reagem a novas idéias religiosas, se aceitam, rejeitam ou ficam num ponto intermediário.
“Seja qual for a sua reação, a ordem social e cultural sempre a modera”, explica Theije (2002,

45
Nesse contexto Theije (2002, p. 70) faz referência a M. Sahlins (1981) de que toda mudança cultural é uma
forma fracassada de reprodução.
55

p. 71). Ela completa afirmando que “o objetivo último de toda campanha de política cultural é
mudar as idéias, os sentimentos e as práticas do povo” (2002, p. 72).
Necessário se faz explicitar que o cenário analisado por Theije para falar de campanha
refere-se ao movimento da Teologia da Libertação e suas comunidades eclesiais de base no
contexto católico do interior nordestino, onde ela desenvolveu sua pesquisa de campo. Tal
movimento contava com a participação de mediadores, sobretudo os “basistas”, isto é,
lideranças diversas, atores sociais, especialmente militantes, estudantes e profissionais do
campo das ciências sociais, mas todos de identidade católica, obviamente. No caso da Igreja
Cristã Nova Vida há distinção, pois a campanha de mudança cultural visa, por um lado,
extirpar da igreja certas concepções e práticas pentecostais e neopentecostais, promovendo o
que estamos classificando como despentecostalização. Por outro lado a campanha objetiva
formar a igreja, a partir de seus pastores, dentro de uma visão teológica e doutrinária
aproximada do viés calvinista do ambiente protestante. O processo da campanha é conduzido
pelo bispo primaz com o suporte de outros atores, principalmente os dois pastores da equipe
da catedral e o responsável pela editora/livraria, que atuam também como espécie de
auxiliares do Primaz. Os pastores, além de servirem na condução da igreja, dirigem o instituto
de formação teológica da denominação, o IBRMEC.
Neste caso da ICNV a campanha conta com outros mediadores, que são, inicialmente,
alvos da formação para a mudança cultural, os pastores, para que venham a repassar as
concepções da política cultural para os fieis de suas igrejas. Nos capítulos seguintes será
considerado como os fiéis percebem e dão significado às práticas e influências religiosas dos
líderes. Também como assimilam ou rejeitam, dão forma ou transformam as sugestões da
campanha por despentecostalização. No encontro semanal do presbitério o bispo orienta tais
líderes nesta direção, mas, os melhores resultados advêm, sobretudo, por meio da nova
geração de ministros que são formados dentro desta visão da campanha pelo IBRMEC.
No próximo capítulo serão abordados os primórdios da Nova Vida, seu estilo de
pentecostalismo pelo protagonismo de seu fundador Roberto McAlister, bem como um
panorama de sua ação religiosa desde a América do Norte, passando por outras partes do
mundo, o destaque do Brasil até sua morte.
56

2 TRAJETÓRIA DE ROBERTO MCALISTER E A IGREJA DE NOVA VIDA

Durante mais de 25 anos de ministério sem


falhar uma única vez, tenho assumido o
púlpito com duas coisas preparadas: minha
mensagem bíblica e o apelo para as ofertas.
Pois eu sempre soube que nenhuma das duas
pode ser improvisada, resultando quase sempre
a improvisação em fracasso.
Roberto McAlister

No capítulo anterior foi apresentado um panorama teórico com referências conceituais


para o escopo do presente trabalho que procura situar o fenômeno da despentecostalização a
partir do cenário evangélico brasileiro. Na introdução se circunscreveu o objeto de
investigação e sua metodologia de coleta de dados, que tem como caso de estudo a Igreja
Cristã Nova Vida e seu processo de mudança entre diferentes lideranças no decorrer de sua
história. No presente capítulo será feita inicialmente uma abordagem histórico-sociológica da
trajetória de Roberto McAlister, a partir de sua ascendência canadense bem como a origem da
Cruzada de Nova Vida, a partir da força e importância do rádio como meio difusor da
mensagem e propiciador das bases sociais para posterior surgimento da igreja. Também será
apresentado um panorama da identidade e práticas distintivas da Nova Vida em relação a
outros grupos pentecostais existentes nos anos 1960 e 1970, bem como as bases precursoras
do neopentecostalismo. O envolvimento de McAlister com um grupo de destacados pastores
pentecostais oriundos da América do Norte, Europa e África conduzirá ao diálogo com o
Vaticano e à definição do modelo episcopal para a Igreja de Nova Vida. Antes de
complementar o capítulo com depoimentos de pessoas que aderiram a este movimento em
seus primórdios sob a liderança carismática de Roberto McAlister há o desfecho de sua
caminhada intensa e, às vezes, tensa, que pode ter contribuído para sua morte aos 63 anos.
No ano de 1930, quando as igrejas pentecostais no Brasil se resumiam a apenas duas
denominações – Congregação Cristã no Brasil e Assembleia de Deus – e completavam duas
décadas de existência, nascia no Canadá Walter Robert McAlister. Trinta anos depois ele viria
57

se transferir para o Brasil, onde o nome inglês seria aportuguesado pelos crentes para pastor
Roberto46.
A atuação de Roberto no Brasil desenvolveu um tipo de pentecostalismo que veio a
desembocar no que é atualmente conhecido como neopentecostalismo. Este é um segmento
evangélico com presença crescentemente marcante na sociedade brasileira, especialmente nos
últimos vinte e cinco anos, conforme mostram diversos autores, tais como Freston (1999),
Machado (2006), Almeida (2004), Almeida e Montero (2001), Vital da Cunha e Lopes
(2013).
Para buscar a gênese da Igreja de Nova Vida é necessário principiar pelo fundador,
Roberto McAlister, que nasceu em Ontário, a mais populosa das províncias do Canadá,
próxima da Costa Leste dos EUA. Conforme entrevista de seu filho Walter, e um texto
publicado no site do CMINVB, Roberto viveu sempre no contexto da igreja, entretanto era
tido como “rebelde”, especialmente em comparação aos outros dois irmãos. Na adolescência
chegou a ser um “beberrão”, mas aos 17 anos passou por uma experiência de “conversão”,
devotando sua vida à igreja e decidindo-se pelo trabalho missionário. Trabalhava como
inspetor de seguros de carro, deixou essa atividade e foi fazer um curso de formação bíblica
na escola da denominação liderada por seu pai, a Eastern Pentecostal Bible College, em
Peterborough, Ontário. Após três anos, concluiu o curso e veio a ser missionário. Mas tinha
um problema: era gago, conforme narra Walter, numa gramática típica da narrativa
testemunhal pentecostal:

No dia em que teve a oportunidade de pregar a sua primeira mensagem e, ao ficar de


pé, percebeu que a gagueira desaparecera por completo. Mi-la-gro-sa-men-te! [sic]
Ali teve sua primeira experiência com o sobrenatural de Deus, algo que seria tão
frequente em seu ministério (MCALISTER, W., 2012, p. 57).

Segundo Walter, Roberto descende de uma linhagem de líderes pentecostais. Seu pai,
também chamado Walter, assim como um tio-avô com o nome Robert, foram pastores
pentecostais no Canadá. “Mas a família é de origem escocesa, presbiteriana. Eu tenho

46
Neste trabalho optamos por grafar Roberto, muito embora outros estudiosos, como Paul Freston (1993) e
Ricardo Mariano (1999) tenham mantido a forma original e correta de seu nome: Robert. Já em meu trabalho de
1999, citado na introdução, utilizo a forma que foi consagrada pelos fieis e aceita pelo próprio fundador, que é
Roberto. Todos os livros publicados por ele bem como outros, obviamente de sua autoria, que foram relançados
pela editora Anno Domini, têm na capa o nome de seu autor, de forma abrasileirada: Roberto. O conjunto de
pessoas que entrevistei para este trabalho sejam pastores ou os demais crentes, adultos ou jovens, todos se
referem ao fundador da Nova Vida, invariavelmente como Roberto. Jamais falam Robert. Nasceu Robert no
Canadá e circulou pelo mundo com esse nome. No Brasil foi rebatizado pelos fieis ganhando a identidade de
Roberto.
58

ancestrais que foram pastores presbiterianos lá na Escócia”47, enfatizou Walter, certamente


fazendo alusão ao atual perfil doutrinário que enverga, dentro do espectro calvinista.
Certamente sua posição teológica tem aproximações mais estreitas com o presbiterianismo de
seus ancestrais distantes (europeus) do que com o pentecostalismo de seus ascendentes mais
próximos (norte-americanos).
Nessa mesma entrevista ele conta que Roberto foi criado dentro de uma tradição
religiosa muito “voltada para missões. A Assembleia de Deus do Canadá 48 é uma igreja
missional”. O pai de Roberto, Walter Elmo McAlister (1897-1991) atuou em várias partes do
país estabelecendo e dirigindo igrejas: “He pastored extensively throughout Canada 1920-
1940, serving communities in Vancouver, B.C., Edmonton and Lethbridge, Alberta, Regina,
Prince Albert, Parkside, and Spruce Lake, Saskatchewan, and Toronto, St. Thomas, and
Strathroy, Ontario”49. Walter Elmo foi ainda Superintendente Geral da denominação, a The
Pentecostal Assemblies of Canada (PAOC), entre 1953 e 1962. Portanto, quando Roberto
chegou ao Brasil seu pai ocupava o posto número um da denominação que até hoje, no
segmento evangélico, é a maior em número de membros do Canadá50. A caminhada de
Roberto não estava associada à estrutura da PAOC, pois seus vínculos e base de sustentação
já se fortaleciam nos Estados Unidos. Seu pai acumulou também, em certo período, a
presidência de uma entidade internacional que reunia as igrejas pentecostais do Canadá e dos
EUA, a Pentecostal Fellowship of North America. Após deixar o cargo de superintendente
geral, Walter Elmo e família migraram para o estado norte-americano da Califórnia, onde se
juntaram a seu filho Jack McAlister que havia fundado a World Literature Crusade 51, no

47
Em um verbete de uma enciclopédia sobre o cristianismo na América do Norte, há uma referência a essa
ascendência escocesa da família McAlister (BARRETO JR, 2016, p. 1447).
48
Aqui Walter utilizou a tradução genérica da correspondente brasileira Assembleia de Deus, mas formalmente,
o nome é Assembleias Pentecostais do Canadá (The Pentecostal Assemblies of Canada – PAOC), como ele
mencionou em entrevista.
49
Dados do arquivo histórico da denominação a que Walter Elmo McAlister esteve vinculado por toda sua vida,
a PAOC: https://www.archeion.ca/walter-e-mcalister-fonds (acesso em: 9 nov. 2016).
50
No Canadá os cristãos estão divididos em três grupos básicos: católicos, protestantes e evangélicos. Este
último reúne igrejas que enfatizam conversão e uma ética em geral mais conservadora, como pentecostais,
menonitas, batistas e outros grupos. A PAOC está no topo deste grupo de evangélicos. Estas informações estão
disponíveis em: http://www.evangelicalfellowship.ca/page.aspx?pid=7329 (acesso em: 9 nov. 2016).
51
Jack McAlister tinha um programa de rádio e a partir dele iniciou a Cruzada Mundial de Literatura, que,
segundo seu site (http://www.ehc.org/history) já fez campanhas de distribuição de material de propaganda
evangélica em mais de 192 países, desde a pioneira no Japão em 1953. A Cruzada Mundial de Literatura surgiu
como um empreendimento ou esforço (cruzada) de levar folhetos impressos (literatura) para diversos países do
mundo visando alcançar as pessoas com a mensagem evangélica. A CML mudou o nome em 1987 para Every
Home for Christ, embora no Brasil – onde atua desde 1963 – permaneça Cruzada Mundial de Literatura.
http://www.cruzadamundial.org.br/nossa-historia/ (acesso em: 3 nov. 2016).
59

Canadá, em 1946 e a transferido para os EUA, em 1952. Nessa organização evangélica ele
atuou como vice-presidente executivo até retornar ao Canadá em 1980. Segundo Walter
McAlister, em entrevista para esta pesquisa, a Cruzada Mundial de Literatura “chegou a ser a
terceira maior editora do mundo, após a do Partido Comunista Russo e a das Testemunhas de
Jeová”. E acrescentou que “foi por meio dos esforços missionários da Cruzada que ele [Jack,
seu tio] foi instrumento fundamental na fundação de inúmeras igrejas na Índia”.
Além do pai de Roberto, outro destacado parente do fundador da IPNV é seu tio-avô
Robert E. McAlister. Nascido em 1880 Robert E. é um dos mais importantes personagens do
pentecostalismo no Canadá. Esteve em dezembro de 1906 num encontro da Rua Azuza52, pois
disse que queria ver com seus próprios olhos o movimento pioneiro do pentecostalismo
moderno que irradiava informações espetaculares pela América do Norte. Ali teve uma
experiência pentecostal e falou línguas estranhas, entendida como “sinal do Espírito Santo”,
retornando ao Canadá e difundindo essa experiência, com suas doutrinas e práticas religiosas.
Um verbete sobre ele contido na recém-lançada Encyclopedia of Christianity in the
United States (KURIAN e LAMPORT, 2016) 53 registra sua importância e
contribuição:
A preacher, church planter, writer, editor, and administrator, McAlister became one
of the main architects of the Pentecostal Assemblies of Canada (PAOC), a
fellowship of Pentecostal Assemblies mainly from Ontario and the Quebec, which
has become the largest Pentecostal denomination in the country, currently counting
more than 1,100 congregations across the country. He was one of the original
signatories of the PAOC’s charter, in 1919, served as its first general secretary and
treasurer (1919–1932), and was the founder and first editor of its official
publication, Pentecostal Testimony, for fifteen years (BARRETO JR, 2016, p.
1447)54.

52
Azuza Street, referência sócio-espacial na cidade estadunidense de Los Angeles (CA) onde ocorreram
encontros cristãos com suposta manifestação de línguas estranhas, principalmente, que vieram a ser entendidas
como origem do pentecostalismo no século XX. Muitos foram os que acorreram para ver e experimentar os
fenômenos pentecostais ali ocorridos entre 1906 a 1915, liderados por um filho de ex-escravo, William Seymour
(HOLLENWEGER, 1976). Dentre tantos, destaque para Luigi Francescon, italiano que depois viria para o Brasil
e aqui organizaria a primeira igreja pentecostal do país, a CCB, em 1910 (YUASA, 2001), e os suecos Gunnar
Vingren e Daniel Berg, que, igualmente, viajariam dos EUA para o Brasil, onde fundaram a Assembleia de
Deus, em Belém do Pará, no ano de 1911 (ALENCAR, 2010).
53
Enciclopédia com cinco volumes, sendo que no terceiro há esse verbete, cuja autoria é de um brasileiro,
professor da Universidade de Princeton (EUA).
54
“Pregador, plantador de igrejas, escritor, editor e administrador, Maclister se tornou um dos principais
arquitetos das Assembleias Pentecostais do Canadá (PAOC), uma associação de Assembleias Pentecostais,
principalmente de Ontário e Quebec, que se tornou a maior denominação pentecostal no país, contando
atualmente com mais de 1.100 congregações em todo o país. Foi um dos primeiros signatários da carta
constitutiva do PAOC, em 1919, foi seu primeiro secretário geral e tesoureiro (1919-1932), e foi fundador e
primeiro editor de sua publicação oficial, Pentecostal Testimony, por 15 anos” (tradução nossa).
60

O verbete faz menção a seu sobrinho Walter Erno McAlister bem como ao filho deste,
Roberto, que é seu sobrinho-neto, situando-o na condição de fundador da Igreja Pentecostal
de Nova Vida, no Brasil, e destacando que dela saíram lideranças que vieram estabelecer as
maiores igrejas do neopentecostalismo no país (BARRETO, JR, 2016, p. 1448).
Walter McAlister acrescenta que um primo de Roberto “foi o pai do sistema
educacional do Quênia, onde também abriu a Casa Publicadora Pentecostal de Nairóbi” 55.
Tendo crescido nessa atmosfera religiosa, Walter relata que, “ainda garoto ele [Roberto]
tomou emprestado 100 dólares canadenses para dar de oferta a Mark Buntain, que foi um
missionário pentecostal na Índia e morreu lá”. Walter completa afirmando que Roberto “foi
cativado por essa visão e queria ser missionário, que era sua vida. Ele queria ser isso”.
Em um texto intitulado “Nossa história”, traz muitas informações – embora sem
autoria definida, mas com fundamentação bibliográfica, sobretudo de Araújo (2007)56 –
acerca da trajetória do fundador e consequentemente um panorama da Igreja de Nova Vida.
Este texto registra que Roberto, depois de formado pelo seminário bíblico e ordenado pastor,
começou a participar de “viagens missionárias”. Seu sonho era ir para a Índia, mas partiu com
um grupo norte-americano para pregar, primeiramente nas Filipinas, depois Taiwan
(Formosa), onde ficou por dois anos e onde teria iniciado “ministrações pentecostais” (1953).
Em Manila, começou a orar pelos enfermos, mas foi advertido pela direção do grupo que era
contrário a essas práticas. Deixou a missão e descobriu na capital filipina um líder
estadunidense já reconhecido, Lester Sumrall57, a quem se apresentou para ajudar e que viria a
ser importante apoio em seu futuro trabalho em terras brasileiras.
Retornando ao Canadá em 1955, seguiu no mesmo ano para os Estados Unidos onde
veio a realizar pregações pelo país, de costa a costa. Numa dessas viagens para fazer uma
cruzada evangelística, desembarcou na Carolina do Norte (EUA), onde conheceu uma moça,
Gloria Garr, “filha do primeiro missionário pentecostal na Índia, Dr. A. G. Garr” 58, com quem
se casou no mesmo ano. A viagem de casamento foi um cruzeiro que passou pelo Brasil.

55
Fiz diversas buscas na internet, mas ainda sem êxito para confirmar essa informação.
56
Publicado em: http://www.conselhonovavida.com.br/nossa-historia/ (acesso em: 15 out. 2013).
57
Lester Sumrall (1913-1996), pastor, evangelista e escritor pentecostal estadunidense, originário das
Assembleias de Deus, pregou em várias partes do mundo, sobretudo nas Filipinas. Em Manila, onde viveu
durante os anos 1950, criou a Catedral do Louvor, uma das maiores igrejas da capital, com mais de 20 mil
membros. Nos EUA ele é considerado um dos pioneiros no uso da TV para programas evangélicos, inclusive
com curas e exorcismo.
58
Alfred Goodrich Garr (1874-1944), estadunidense que foi influenciado pelo movimento pentecostal da Rua
Azuza, onde frequentou suas reuniões, seguiu para a Índia, onde se tornou missionário reconhecido:
http://enrichmentjournal.ag.org/200602/extra_Garr.cfm (acesso em: 7 out. 2016).
61

“Aqui, quando ancorado em Santos (SP), foi convidado a pregar na Assembleia de Deus
daquela cidade, o que o marcou”. Após a “lua de mel” e retorno aos Estados Unidos Roberto
partiu com Gloria para “fazer cruzadas de dois anos em países como França, Alemanha e
Hong Kong, onde implantou uma igreja a qual chamou New Life Church. Mas seu objetivo
era estabelecer-se na Índia, desde sua primeira viagem àquele país”. Segundo ainda o texto na
página do CMINVB, às vésperas da partir descobriu que a esposa como norte-americana não
conseguiu autorização para entrar na Índia, resultando em frustração. Mas continuaram
cruzando os Estados Unidos bem como viajando para outros locais, principalmente Paris, a
fim de Roberto cumprir sua agenda de pregações. Mediante convite de um destacado
evangelista norte-americano Lester Sumrall (1913-1996), conhecido por ações de “curas e
expulsão de demônios”, viajou ao Brasil, pela segunda vez, onde realizou cruzada
evangelística no ginásio do Maracanãzinho, do Rio de Janeiro, em 1958. Nessa viagem
McAlister teria tido uma revelação de que Deus tinha uma missão para ele no Brasil.
Terminado o período da campanha, voltou para os Estados Unidos. Um ano depois, com o
filho Walter, de dois anos, e a filha caçula, com alguns meses de vida, a família mudou-se
para o Brasil, radicando-se primeiro em São Paulo e, depois, no Rio de Janeiro, onde se fixou,
precisamente, no bairro carioca de Santa Teresa.59
Esse perfil evangelista de Roberto foi salientado por Walter na entrevista, que definiu
seu pai como um pregador, não necessariamente um sacerdote da igreja:
Ele era primeiro pregador. Ele nunca quis gerir uma igreja, formar uma
denominação, ele queria pregar. Tanto que você pode notar na arquitetura de
Botafogo, a plataforma não tem lugar para coral, não tem bastidor. É um púlpito. [O
templo de] Botafogo é um púlpito, com pouco espaço de plataforma, porque nunca
se preocupou em fazer uma igreja que não fosse principalmente para pregar. É uma
igreja que prioriza o papel do pregador (W. MCALISTER).

A entrevista de Tito Oscar converge para essa concepção de Walter: “A visão do bispo
[Roberto] não era abrir igrejas. O bispo não tinha visão denominacional, tanto é que a igreja
chegou como Cruzada de Nova Vida. A visão dele era ter um centro que pudesse influenciar o
país”.
Descendente de lideranças destacadas na estrutura do pentecostalismo canadense
Roberto, no entanto, com personalidade mais apressada e “rebelde”, conforme classificou
Walter, não chegou a ter uma educação superior formal:

59
A base dessas informações é um texto, laudatório, sem autoria mencionada, encontrado em diversos sites de
igrejas de Nova Vida, todas vinculadas ao Conselho de Ministros da Igreja de Nova Vida do Brasil, como este:
http://www.conselhonovavida.com.br/nossa-historia/ (acesso em: 8 jul. 2016)., além de entrevistas com Walter
McAlister e seu livro Neopentecostalismo (MCALISTER, 2012).
62

Ele nunca teve uma formação teológica. Meu pai não teve o benefício de uma
formação teológica, fora o colégio bíblico básico, que os pentecostais tinham lá no
Canadá. Mas ele era um pensador e lia tudo que chegava a sua mão e tinha amigos
na outra América que se reuniam às vezes uma vez por ano só para trocar livros (W.
MCALISTER).

Uma senhora que acompanhou Roberto desde os tempos de Botafogo declarou, nesta
mesma perspectiva: “Ele parecia ser muito intelectual; ele não era, mas ele parecia”, disse
num contexto em que discorreu, com muito afeto, sobre o antigo bispo. No entanto,
completou Walter: “Quando ele faleceu tinha dois doutorados honoris causa60. Dois
doutorados honoris causa, mas foi um homem que nunca terminou o segundo grau”.61

2.1 Protestantismo e pentecostalismo no Brasil e a singularidade da Cruzada de Nova


Vida

Para pensar a inserção no Brasil do modelo de pentecostalismo trazido e formatado


por Roberto McAlister, traçamos um breve panorama das correntes missionárias protestantes
estabelecidas aqui, muito antes dele, oriundas de outras partes do mundo, todas elas marcadas
por uma motivação de conquista de novos adeptos para seus grupos, como é típico, embora
não exclusivo, da religião cristã, principalmente no protestantismo e em grau ainda mais
elevado no pentecostalismo. Os dados dos Censos do IBGE, especialmente a partir dos anos
1980, são referenciais para se detectar o avanço vertiginoso de grupos pentecostais no Brasil,
bem como a força deles em outras partes do globo, conforme estudado por diversos autores,
dentre os quais destacamos Martin (1990), Berger (2001), Mariano (2004), Freston et allii
(2010), Campos e Maurício Jr. (2013).
Na segunda metade do século XIX o protestantismo de missão vindo da Europa e mais
ainda dos Estados Unidos da América desembarcou no Brasil visando se estabelecer com
implantação de escolas, ambulatórios médicos e, principalmente, de igrejas. Dentre os
missionários pioneiros sobressaem o casal escocês Robert e Sarah Kalley, que chegou em
1855 e veio a organizar a Igreja Congregacional (1858), os estadunidenses Ashbel Simonton,
em 1859, que constituiu a Igreja Presbiteriana, e o batista Thomas Bowen (1860)62,

60
Araújo (2007) informa que um título de doutor honoris causa foi dado pela Oral Roberts University “em
função de seu trabalho literário eclesiástico”.
61
Atual Ensino Médio, ou seja, a fase que antecede a formação universitária.
62
Tendo já atuado na Nigéria, esse último chegara ao Rio em 1860 iniciando uma missão com africanos de fala
ioruba, que, mesmo não tendo prosseguido, abriu caminhos para outros conterrâneos seus. Como Richard
63

primeiramente, para anos depois desembarcar o casal William e Anne Bagby, que fundou a
Igreja Batista na Bahia em 1882. Com J. E. Newman, em 1867 os metodistas começam a
missão e depois com J. J. Ransom, em 1876, organizam a igreja no Brasil63.
Outros missionários de denominações protestantes também aportaram aqui até o final
do século XIX, o mesmo acontecendo nas primeiras décadas do século XX, montando suas
missões e igrejas, inclusive pentecostais. Como a Adventista do Sétimo Dia (1893), a
Episcopal Anglicana (1890), a Evangélica Luterana (1900)64, a Cristã Evangélica (1901), a
Congregação Cristã (1910), a Assembleia de Deus (1911), o Exército de Salvação (1922), a
Igreja de Deus (1923), a Igreja Holiness (1925) e outras, até a Igreja do Nazareno, em 195865.
Roberto McAlister foi, conforme afirmação de Freston66, o último estrangeiro a fundar
uma igreja (que veio a ser uma denominação67) no Brasil. E isso faz sentido, muito embora
Miguel Ângelo da Silva Ferreira68, que é de ascendência portuguesa e nasceu em Luanda,
Angola, tenha criado a Igreja Evangélica Cristo Vive (IECV), no Rio de Janeiro, um quarto de
século depois da chegada de R. McAlister. No entanto, Miguel Ângelo não veio ao país na
condição de missionário ou enviado por alguma entidade estrangeira com esse objetivo.

Raticliff, pastor que organizou uma pioneira igreja batista no interior de São Paulo em 1871 composta mais de
colonos que vieram do Sul dos EUA por conta da Guerra da Secessão.
63
Para mais informações sobre esse panorama pioneiro da inserção do protestantismo histórico, ver Mendonça
(1984), Mendonça e Velasques Filho (1990), Oliveira (2005), Souza (2012), Lima Neto (2010).
64
Este ramo do luteranismo veio dos Estados Unidos e formou outra igreja, a IELB. Como já informado, os
primeiros luteranos no Brasil chegaram a partir de 1824, vindos da Alemanha, e criaram a pioneira Igreja
Evangélica de Confissão Luterana do Brasil (IECLB).
65
Para um quadro mais abrangente do protestantismo e pentecostalismo no Brasil ver CIN (1992), Mariano
(1999).
66
Comentário feito no contexto do exame de qualificação deste trabalho, em novembro de 2014.
67
Igreja e denominação são termos que muitas vezes se confundem, mas tem suas distinções, principalmente no
interior do campo religioso e evangélico. Para grupos de linha episcopal ou presbiteral como católica, luterana,
presbiteriana, metodista, universal, falar da igreja é falar da denominação. Ao dizer, por exemplo, Igreja
Presbiteriana do Brasil, refere-se à denominação, que diz respeito ao conjunto de congregações locais, isto é,
igrejas específicas de cada lugar, reunidas por essa identificação de IPB, e que possui um órgão de direção
nacional. Quanto aos grupos de governo eclesiástico não episcopal ou presbiteral, mas chamados de
congregacionais, equivale a entender igrejas locais autônomas, sem a imposição de uma direção nacional. Como
é o caso de batistas, congregacionais. No caso destes grupos, a denominação tem outra nomenclatura, que nunca
se confunde com o nome da igreja, sempre entendida como comunidade local, com designação específica. No
caso dos vários grupos batistas, a terminologia de algumas denominações, são Convenção Batista Brasileira (e
não “Igreja Batista Brasileira”), Convenção Batista Nacional, Convenção das Igrejas Batistas Independentes e
outras. Diferentemente, reitera-se, dos outros grupos como a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil,
uma denominação de governo também hierarquizado e não como as congregacionais em que a autoridade
máxima da gestão reside na assembleia democrática da própria comunidade ou igreja local. Para mais
informações sobre essas distinções, ver Niebuhr (1992).
68
Miguel Ângelo nasceu em 20 de março de 1953: http://igrejacristovive.com.br/apostolo-miguel-angelo_02/
(acesso em: 16 dez. 2016).
64

Tendo chegado ao Brasil na década de 1970, entrou depois para a Nova Vida, onde se tornou
pastor, dirigindo algumas congregações, tendo saído dessa denominação somente para
organizar sua própria igreja, a IECV, já em 1985.
Além de ter experimentado forte crescimento durante as suas duas décadas iniciais,
essa denominação fundada por McAlister se destaca por dela ter saído criadores de alguns dos
mais conhecidos, controversos e globalizados grupos neopentecostais brasileiros: Romildo R.
Soares – IIGD, Miguel Ângelo – IECV e Edir Macedo – IURD69, a mais antiga das três,
fundada em 1977 (menos de 40 anos) e que, conforme seu site, está presente em mais de 100
países.
Um panorama conciso do ambiente em que Roberto McAlister encontrou no Brasil no
final dos anos 1950 mostra que o país vivia um acelerado processo de migração de pessoas do
campo para as cidades, havia se redemocratizado a menos de 15 anos e sofrera muitos
percalços nessa trajetória que incluíam a tragédia do suicídio de Getúlio Vargas. A nação
tinha Juscelino Kubitschek como Presidente da República, construía a nova capital federal no
centro geográfico do território nacional e o governo enfrentava fortes denúncias de corrupção
nas esferas política e econômica. De um país predominantemente rural e de cultura bastante
tradicional, passou a uma realidade mais urbana, com costumes pouco menos conservadores,
portanto, mais aberto e plural a outras possibilidades éticas e estéticas70. Inclusive na
dimensão religiosa, o que vai facilitar a entrada e desenvolvimento de novas crenças por parte
da população.
Vindo dos Estados Unidos em 1959, Roberto McAlister se radicou na maior cidade do
Brasil, São Paulo, visando aprender a língua nacional e começar suas pregações religiosas. No
ano seguinte transferiu-se para o Rio de Janeiro, que vivia a realidade de perder o status
político de capital federal, mas mantinha-se como referência importante da cultura e
identidade brasileiras, tanto interna quanto internacionalmente. A população da cidade
contava pouco mais de três milhões de habitantes, conforme Censo de 1960 (IBGE). Naquele
contexto, o país com 70 milhões de pessoas era majoritariamente católico, com um percentual
de 93% que se declaravam pertencera essa denominação religiosa. Apenas 4% se afirmavam
protestantes, mas mesmo assim formavam o segundo maior grupo de fé. Esse grupo já era
fragmentadoem diversos segmentos como luteranos, anglicanos, presbiterianos, metodistas,

69
Dentre tantos trabalhos que enfocam a força sui generis da IURD, no Brasil e fora dele, inclusive sua
dimensão globalizada, ver Swatowiski (2013), Gracino Júnior (2016), Gomes (2011).
70
Diversos autores, tais como Santos (1979), Abranches (1985) e o brasilianista Skidmore (2010) produziram
textos de análise crítica do Brasil desse período.
65

batistas e outros (classificados por acadêmicos de protestantes históricos), assembleianos,


congregacionalistas, quadrangulares e muitos outros (identificados como pentecostais) e ainda
adventistas, testemunhas de Jeová e grupos outros como estes tidos como mais periféricos à
tradição cristã. A categoria “evangélica” era ainda pouco utilizada para se referir a esse
contingente cristão não católico da população brasileira. Os Censos do IBGE usavam a
codificação protestante até a edição de 1980. Somente a partir de 1991 ampliou as
classificações religiosas e passou a utilizar a expressão evangélica (SANTOS, 2014). Como
referência de identificação, o termo evangélico, que é usual atualmente, era praticamente
desconhecido ou inexistente no contexto brasileiro em que Roberto McAlister fundou sua
igreja. Um dos primeiros trabalhos específicos no Brasil sobre o contingente chamado hoje
evangélico, a dissertação de mestrado, de 1979, da antropóloga Regina Novaes, enfocava
camponeses pentecostais do Nordeste brasileiro. Publicada com o título de “Os escolhidos de
Deus”, o livro refere-se a este segmento com a expressão nativa típica da época: “crentes”
(NOVAES, 1985). De igual modo, uma das pioneiras grandes matérias jornalísticas acerca
desse grupo hoje popularmente conhecido e genericamente chamado de “evangélicos”,
publicada como matéria de capa da revista Veja, em 7 de outubro de 1981, sequer aparece nas
nove páginas da reportagem o termo evangélico. “Crentes” ou “pentecostais” são as
categorias utilizadas para essa identificação. E a revista ainda usa no decorrer do texto,
sobejamente, a expressão seita, não numa concepção weberiana, mas com desvelada
conotação pejorativa para se referir aos grupos pentecostais.
Quando McAlister deu início aos encontros da Cruzada de Nova Vida em 1960 o Rio
de Janeiro tinha representações de cerca de 15 denominações protestantes (históricas e
pentecostais)71, conforme abaixo relacionadas, da mais antiga para a mais recente:

Igrejas históricas Igrejas Pentecostais


Anglicana – 180872 Congregação Cristã no Brasil – 1910

71
Dados da pesquisa Novo Nascimento, cuja base de coleta é de 1994, revela pela amostra feita esse contingente
de denominações, o que não quer dizer que outros grupos evangélicos inexistiam no Rio de Janeiro em 1960.
Assim como, nem todos esses grupos mencionados estariam efetivamente implantados na cidade, pois foram
fundados antes da chegada da Cruzada de Nova Vida, mas alguns em outros estados do país. Como é o caso da
Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo. Sua organização é de 1956, em São Paulo. Outro caso que chama atenção
é o fato da Igreja Luterana, que não é mencionada na amostra, mas que estava presente no Rio desde 1824.
72
A pesquisa Novo Nascimento optou por situar a Igreja Anglicana como de 1808, que data a chegada de
ingleses anglicanos que vieram ao país junto com a família real portuguesa. Entretanto, a igreja como um projeto
de missão somente iniciou suas atividades em 1890.
66

Luterana – 182473 Assembleia de Deus – 1911


Congregacional – 1855 Evangelho Quadrangular – 1953
Presbiteriana – 1859 O Brasil Para Cristo – 1956
Metodista – 1867 Nazareno – 1958
Cristã Evangélica (Casa de Oração) –
1879
Batista (Convenção Batista Brasileira) –
188274
Adventista do Sétimo Dia – 1894
Presbiteriana Independente – 1903
Metodista Ortodoxa – 1934
Fontes: CIN, 1992; e, FERNANDES et al, 1998

O chamado movimento de “renovação espiritual”, processo de pentecostalização


ocorrido no interior de denominações do protestantismo histórico, se desenvolveu também
nesse período do início dos anos 1960. Ainda assim, se verifica que era relativamente pouco
diverso o contingente evangélico no país. As igrejas protestantes históricas formavam a maior
variedade, com dez grupos, e as pentecostais, com metade disso apenas. No decorrer dos anos
seguintes essas igrejas históricas não tiveram relevante alteração dentro desse quadro,
especialmente se a comparação for feita com as pentecostais. Estas, conforme o quadro acima,
eram somente cinco75; no entanto, vieram a se multiplicar enormemente pelos anos seguintes,
como será visto posteriormente.
As igrejas do protestantismo histórico, em sua maioria, estavam presentes no Brasil há
um século e outras já próximas disso quando Roberto McAlister chegou aqui. Esse conjunto
de igrejas não estava diretamente no campo de interlocução do missionário canadense nem de
sua Cruzada de Nova Vida por não comungarem de doutrinas pentecostais. Na verdade, eram
igrejas contrárias e opositoras das crenças e práticas associadas ao pentecostalismo. O que não
significa que ficaram completamente isentas do influxo da atuação de McAlister. Conforme
revelaram entrevistados que comentaram da força e influência do movimento de Roberto

73
Inserimos aqui a Igreja Luterana que, por razões metodológicas, não aparece na mostra da pesquisa Novo
Nascimento, no entanto estava presente na cidade desde 1824.
74
A análise da pesquisa Novo Nascimento, realizada por Fernandes, Sanchis, Velho, Piquet, Mariz e Mafra,
registra a Igreja Batista, da CBB, como de 1882, o que é verossímil. Novas pesquisas, no entanto, revelaram que
a primeira missão batista chegou ao Rio em 1860 e a primeira igreja batista em solo brasileiro data de 1871, no
Estado de São Paulo (OLIVEIRA, 1985).
75
Como já dito, havia outras denominações no país, tanto históricas – como Igreja Evangélica Brasileira (1879),
Igreja Cristã Evangélica (1901), Exército de Salvação (1922) – quanto pentecostais – Igreja de Deus (1923),
Adventista da Promessa (1932), Igreja de Cristo (1934) – e mais outras, certamente.
67

sobre as igrejas evangélicas, com suas pregações, presença no rádio, livros e revistas
publicados e depois programas de TV. Até mesmo pastores de denominações históricas
abandonaram suas trajetórias ministeriais e aderiram ao projeto de Roberto, tornando-se
pastores pentecostais na Nova Vida. Três exemplos de pastores que descobri durante a
pesquisa, embora tenha conhecido outros casos, foram:
— Sebastião Estevam de Oliveira, 74 anos, pastor na tradicional e histórica Igreja
Congregacional. Saiu em 1972, abraçou o movimento de McAlister e pastoreou algumas
congregações da Nova Vida, inclusive a pioneira igreja de Niterói, de 1976 a 1983. Com a
divisão da denominação optou pelo ramo de Tito Oscar e atualmente é pastor da Nova Vida
do Méier76.
— Rudi John Kruger, outro pastor a deixar o protestantismo histórico em favor do movimento
de McAlister. Originário da igreja batista onde foi ordenado em 1968, tornou-se depois
luterano e pastoreou outras igrejas antes de adotar a Nova Vida, em 1984. Permaneceu nela
deste ano até 1990 atuando como pastor na Igreja Nova Vida da Tijuca77.
— João Santiago, ainda mais antigo do que estes dois, deixou a Igreja Congregacional pela
Cruzada de Roberto McAlister. Ele pastoreou durante anos a Igreja Nova Vida de Duque de
Caxias, RJ78, até hoje uma das maiores, ligada atualmente ao Conselho (Tito Oscar).
Já os grupos pentecostais, por englobarem o mesmo âmbito que Roberto McAlister e
disputarem um público afeito às experiências com dons do Espírito Santo, foram mais
incisivamente atingidos por sua militância. Um exemplo paradigmático configura-se na
pessoa de Walmir Ferreira Cohen. Nascido em Belém do Pará, em 1937, seu pai era um
importante pastor da Assembleia de Deus, que fundou ministérios destacados como o SETA79
e foi diretor da CPAD quando se transferiu para o Rio de Janeiro. Cohen também trabalhou na

76
Entrevista feita mediante duas conversas telefônicas e também mensagens gravadas por Whatsapp entre os
dias 13 e 20 de dezembro de 2016.
77
Entrevista feita em conversas via Facebook, entre os dias 11 a 15 de dezembro de 2016.
78
Dados da entrevista com o pastor Ragner Chagas, da Igreja Nova Vida de Botafogo, feita em 21/12/2015.
Sobre esta igreja de Duque de Caxias, bispo Tito Oscar informou que o pastor da mesma, Miguel Incutto, é
também o atual Bispo Presidente do CMINVB.
79
Seta – Serviço de Evangelização Tocantins e Araguaia, trata-se de uma das grandes convenções regionais da
Assembleia de Deus, que engloba estados do Norte e Nordeste do Brasil, especialmente banhados pela bacia dos
Rios Tocantins e Araguaia. Segundo seu site, possui mais de 800 igrejas-sede e cerca de 6.500 pastores.
http://ciadseta.com.br/ (acesso em: 21 dez. 2016).
68

CPAD, mas em 1963 rompeu com a AD e vinculou-se a Roberto McAlister, tornando-se


destacado pastor na Nova Vida80.
Dados de entrevistas revelaram pessoas que deixaram outras igrejas pentecostais,
sobretudo a Assembleia de Deus, e se transferiram para o movimento de Roberto McAlister.
Uma das causas mais citadas pelos que saíram de suas igrejas para seguir a Nova Vida diz
respeito à realidade doutrinária e comportamental dessas igrejas pentecostais. Estas, portanto,
bem mais tradicionais, principalmente nos costumes, em comparação ao estilo de
pentecostalismo mais aberto apresentado por Roberto McAlister. Esse tradicionalismo era a
marca da Congregação Cristã no Brasil e das Assembleias de Deus, as duas pioneiras no
Brasil. No entanto, a CCB por ser uma denominação fechada para qualquer interlocução com
outro grupo religioso, inclusive pentecostal, se tornou supostamente inatingível 81, o que se
parece se verificar factualmente, pois foi a denominação que oficialmente não sofreu
nenhuma divisão em seus 106 anos de existência. Esse não foi o caso da AD e de outras
denominações evangélicas pentecostais.
A Assembleia de Deus, que era a maior denominação evangélica do país quando
McAlister iniciou a CNV, mantinha um rigor doutrinário e nos costumes, exigindo de seus
membros um comportamento coerente com suas crenças, no templo e na vida em geral.
Quanto à Igreja do Evangelho Quadrangular82 e também a Igreja O Brasil Para Cristo83
surgiram com menos rigorismo doutrinário, sendo mais modernas84 em comparação às
congêneres que lhes antecederam (AD e CCB). Porém, ainda mantiveram posturas bem

80
Dados da entrevista com bispo Tito Oscar e http://www.feparatodos.com.br/pastores.html (acesso em 21 dez.
2016).
81
Em geral as denominações evangélicas brasileiras, sobretudo os grandes grupos históricos ou pentecostais,
sofreram divisões que levaram ao surgimento de outras denominações, exceto a Congregação Cristã no Brasil,
que não há registro de qualquer dissidência que tenha dado origem a outra igreja. Sobre essa denominação ver:
Yuasa (2001) e Foerster (2006).
82
Só o fato desta igreja ser fundada por uma mulher, nos Estados Unidos, e aqui no Brasil por um ex-ator de
Hollywood já diz algo da natureza menos tradicional desta igreja, em relação à CCB e AD, suas antecedentes no
país (ALENCAR, 2013; CESAR, 2000).
83
A Igreja Pentecostal O Brasil Para Cristo destacou-se no contexto dos anos 1970 e início dos 1980 como uma
igreja pentecostal mais brasileira, como o próprio nome diz, aberta para diálogo ecumênico e até postura crítica à
realidade política nacional, o que a fez, por exemplo, ser alvo de controle da Ditadura civil-militar e capa da
revista Veja, algo inédito entre igrejas evangélicas no país. Ver Cesar (2000).
http://www.convensul.com.br/obpc/historia/#.V6_T1fkrLcs (acesso em: 12 ago. 2016), http://obrasilparacristo-
psj.com.br/nossa-historia/ (acesso em: 13 ago. 2016).
84
Para um panorama das distinções entre essas igrejas do pentecostalismo brasileiro, inclusive a utilização dessa
expressão “moderna” na caracterização, ver Alencar (2013, p. 45, 46).
69

conservadoras e tradicionais, principalmente em paralelo ao modelo pentecostal, doutrinário e


comportamental apresentado por McAlister.
Quando do lançamento da Cruzada de Nova Vida, a IEQ e a BPC, mais a Igreja do
Nazareno, eram ainda bastante modestas em termos numéricos e presença midiática no Rio de
Janeiro, pois – oriundas de São Paulo – haviam sido estabelecidas há pouco em terras
fluminenses. A grande referência pentecostal na cidade era mesmo a Assembleia de Deus,
com templos centrais nos bairros de São Cristóvão e Madureira, além de muitos outros, e
também porque a CCB nunca teve destacada penetração no Rio de Janeiro 85. Havia, portanto,
muito espaço para expansão do pentecostalismo e foi essa a estratégia de Roberto McAlister,
que passou a utilizar um meio de comunicação muito popular na época: o rádio.
Este sistema de difusão há muito estava consolidado no Brasil e um novo se inseria
com dinamismo imagético, a TV, seduzindo uma sociedade que se tornava aceleradamente
urbana com abertura a outras possibilidades de comportamentos e crenças. Portanto, saber
usar bem a mídia – como era o caso de McAlister – colocava a Igreja de Nova Vida como
uma alternativa religiosa promissora nesse instigante contexto mais plural da vida brasileira.

2.2 Primeiramente uma igreja eletrônica (ou virtual)

As igrejas da Reforma Protestante utilizaram desde seus primórdios recursos de


comunicação para expandir sua mensagem, como ilustra bem o caso paradigmático do
movimento luterano na Alemanha do início do século XVI, com o uso da máquina impressora
de J. Gutenberg para produção e difusão de bíblias, o que facilitava seu alcance pelo povo em
geral. Também no Brasil, desde os começos da presença protestante no país, a distribuição de
bíblias, de livros, de folhetos religiosos, bem como a veiculação de textos na imprensa
secular, além da publicação de seus próprios jornais de propaganda religiosa, foi fundamental
na difusão da fé protestante em terras dominadas pela religiosidade católica86.
As igrejas históricas e também a Assembleia de Deus foram ativas no uso desses
instrumentos para divulgar sua mensagem e alcançar mais pessoas para suas comunidades
religiosas. Quando o rádio chegou ao Brasil, logo em seus primórdios, os protestantes

85
Para fins comparativos, tendo como base os dados do Censo de 2010, no Estado do Rio de Janeiro, a CCB
aparece na amostra com 36.061 membros. Enquanto a AD tem 1.408.979 fiéis.
http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=rj&tema=censodemog2010_relig (acesso em: 11 out. 2016).
86
Para mais informações sobre jornais e imprensa evangélica, em geral, nos primórdios do protestantismo no
Brasil, ver Reinaux (2007), Feitosa (2012), Leonel (2014). No âmbito pentecostal da Assembleia de Deus, ver
Alencar (2010).
70

passaram a utilizar esse massivo meio de comunicação para alcançar o povo com suas
pregações religiosas. Caso das igrejas Luterana e Adventista que, possivelmente, sejam
pioneiras nesse tipo de transmissão no país (FONSECA, 2010).
No contexto pentecostal, outros grupos buscaram as ondas do rádio para difusão de
suas convicções, caso da Assembleia de Deus, que após grande discussão e muitas
resistências, finalmente em sua Convenção Geral de 1937 aprovou o uso do rádio na
evangelização, embora tenha mantido a proibição dos crentes terem aparelho em sua casa.
(FONSECA, 2010; FAJARDO, 2011)87. Não obstante ter decidido pela utilização do veículo
como meio de propagação de sua fé, somente em 1955 a AD iniciou um programa radiofônico
com um pregador estadunidense. No ano seguinte, a Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo,
fundada por Manoel de Melo, oriundo da Assembleia de Deus, lançou seu programa pioneiro
de rádio: “A voz do Brasil para Cristo”88, apresentado a partir de São Paulo89. Esta igreja, seu
programa de rádio e a trajetória de seu fundador ilustraram o crescimento vertiginoso dos
pentecostais e demais evangélicos no país, que resultou numa inédita reportagem de capa da
revista Veja, em 198190.
Num país de crescentes massas urbanas, os meios de comunicação social, com
destaque para o rádio, passaram a ser instrumentos muito importantes para os pentecostais na
difusão de suas concepções, que teve na Cruzada de Nova Vida uma novidade singular e que
viria a ser uma espécie de padrão paradigmático do chamado neopentecostalismo: a igreja foi
primeiramente eletrônica ou virtual e só depois se estabeleceu fisicamente. Não é possível,
portanto, entender o surgimento, crescimento e força das igrejas neopentecostais sem o
suporte decisivo de veículos de comunicação, como TV e rádio, principalmente, além de
jornais, revistas. Conforme tantos trabalhos já demonstraram, como Cunha (2007); Bellotti
(2009); Campos (1997), Figueredo Filho (2010).
87
Ver também: http://wwwalecksonmarcosblogspotcom.blogspot.com.br/2011/06/historia-do-radio-evange-
historia-do.html (acesso em: 15 ago. 2015).
88
Interessante notar a nomenclatura semelhante dos programas de diversas igrejas iniciada com o binômio “a
voz...”, que depois se distinguiam pela identificação da voz de cada igreja: “A voz das Assembleias de Deus”,
“A Voz da Igreja de Nova Vida”, “A voz do Brasil para Cristo”. Num país que pouco reconhecia ou ainda
discriminava muito “os crentes”, eles agora amplificam sua voz, para além dos templos, por meio das ondas
radiofônicas da comunicação. Chama atenção o fato de que a “Hora do Brasil”, programa de rádio do governo
brasileiro que começou em 1938, mudou o nome em 1962, exatamente para “A Voz do Brasil”, que permanece
no ar até hoje.
89
http://wwwalecksonmarcosblogspotcom.blogspot.com.br/2011/06/historia-do-radio-evange-historia-do.html
(acesso em: 15 ago. 2016)
90
Revista Veja, São Paulo, edição 683, de 7 de outubro de 1981, pág. 56-64. Disponível em:
https://acervo.veja.abril.com.br/index.html#/edition/683?page=56&section=1&word=manoel%20de%20mello
(acesso em: 15 ago. 2016).
71

O anteriormente artigo mencionado sobre um perfil de Roberto e da origem e


desenvolvimento da Nova Vida, publicado em diversos sites de igrejas de Nova Vida 91,
resume esta história e salienta a importância do rádio para a arrancada e expansão do trabalho
de Roberto McAlister:
A Igreja de Nova Vida nasceu de um programa de rádio, a “Voz da Nova Vida”, que
foi transmitida pela primeira vez no dia 1º de agosto de 1960, às 6h30, através da
Rádio Copacabana. "É tempo de ouvir uma mensagem de Nova Vida". Foi assim
que começou a primeira transmissão do início da Igreja Nova Vida. 92

Por esta informação se verifica que o surgimento do empreendimento eclesiástico de


McAlister está diretamente vinculado ao meio de comunicação mais popular da época, o
rádio, como forma de alcançar rapidamente um número maior de pessoas, num grande centro
urbano como o Rio de Janeiro. Numa tentativa de distinguir sua proposta de várias outras
ofertas religiosas e mesmo não religiosas existentes na cidade e veiculadas pelos meios de
comunicação, McAlister propunha: “É tempo de ouvir uma mensagem de nova vida”.
Observa-se, portanto, uma linguagem cuja natureza não é explicitamente típica da linguagem
evangélica. Não que exclua seu componente religioso, porém, não se assemelha à gramática
precisa do jargão de sermões pentecostais. É possível aventar que o sucesso midiático dos
pregadores neopentecostais esteja também na capacidade de utilizarem o rádio com uma
linguagem menos carregada da terminologia tradicional evangélica, prática que os grupos
protestantes históricos não adotaram e, consequentemente, jamais tiveram o sucesso de
comunicação alcançado pelos neopentecostais (CAMPOS, 1997; FONSECA, 2003;
FIGUEREDO FILHO, 2010). Após identificar o programa, dizendo ser “tempo de ouvir uma
mensagem de nova vida”, Roberto apresentava-se a si próprio, nestes termos: “Aqui está
falando seu rádio-pastor Roberto McAlister” (ARAÚJO, 2007, p. 728).
Pelas informações dos entrevistados e por análise da origem de outras igrejas
evangélicas no Brasil é possível assegurar que a Nova Vida foi, se não a pioneira, certamente
uma das primeiras igrejas no país a ser constituída a partir do rádio ou mesmo como um
programa de rádio. Possivelmente, a IBPC detenha a dianteira dessa condição (FAJARDO,

91
Curiosamente, nenhum site ligado à Igreja Cristã Nova Vida traz essas informações, mas apenas nas diversas
homepages de congregações vinculadas ao Conselho das Igrejas de Nova Vida. Algumas outras denominações,
grupos e igrejas independentes que também adotam a identidade de Nova Vida, e tributam sua origem a Roberto
McAlister, reproduzem o mesmo texto em suas páginas de internet. Alguns fazem ao final do texto um adendo
para inserir a história de sua igreja ou denominação específica dentro deste contexto maior da Nova Vida
fundada por Roberto. Como já informado, uma base destacada de informações deste texto é de Isael de Araújo
(2007) e a referência mais utilizada por ele são artigos sobre Roberto McAlister e a origem da Nova Vida, sem
autoria definida, publicados na revista Família Nova Vida (Ano 1, nº 1, abril-maio 2000), ligada ao CMINVB.
92
Disponível em: http://www.novavidaalphaville.com.br/igreja/historia.html (acesso em: 18 nov. 2014) e em:
http://www.novavida.org.br/historia-da-inv/ (acesso em: 11 nov. 2016). Neste último site o título do texto
aparece como “História da Igreja de Nova Vida” e é o mais abrangente em informações.
72

2011). A Nova Vida, portanto, tem seus primórdios diretamente vinculados às ondas
radiofônicas e somente depois é que iniciou reuniões presenciais. Entretanto, reitera-se, ela foi
inicialmente virtual. Dessa forma, a Nova Vida antecipou, mesmo embrionariamente, uma
prática que viria a se desenvolver a partir dos anos 1990, e que continua ativa, que são
programas de rádio como se fosse um culto. Eles são dirigidos a um público análogo ao de
uma igreja, com estrutura litúrgica semelhante à de um culto presencial, agregando muitas
pessoas nessa “igreja radiofônica”. Como exemplifica o programa chamado Cristo em Casa,
também conhecido como “Igreja Cristo em Casa”, apresentado diariamente numa emissora
evangélica, a Rádio Melodia. A estrutura do programa, conduzido pelo próprio dono da
emissora, segue o roteiro básico de um culto presencial, com orações, cânticos, pregações,
“pedidos de oração” por parte dos ouvintes que enviam cartas, emails e outras mensagens
eletrônicas. Os ouvintes têm, também, seus aniversários destacados, bem no estilo de uma
liturgia numa igreja evangélica93. A Rádio Melodia, na faixa de transmissão FM, alterna, há
vários anos, a liderança ou vice-liderança de audiência no Rio, segundo o Ibope94. Embora
com grade de programação totalmente evangélica, é uma rádio que tem fins comerciais, ou
seja, veicula propagandas diversas nos intervalos de seus programas. Ela é controlada por
Francisco Silva95, supostamente membro da Assembleia de Deus, tendo sido deputado federal
por três mandatos (RIBEIRO, 2015).
Roberto McAlister seguiu utilizando as ondas radiofônicas e alcançando mais pessoas
por meio de seus programas. Ele oferecia um livro de sua autoria intitulado “Perguntas e
respostas sobre a cura divina” a quem enviasse uma carta ao programa. Segundo entrevista de
Tito Oscar, bem como o dicionário de Araújo (2007, p. 728), “só no primeiro ano foram
recebidas doze mil cartas, que falavam de curas” e outros assuntos do programa. Roberto,
portanto, foi estabelecendo uma espécie de fidelização na relação religiosa com muitos
ouvintes, como conta seu filho Walter. Ele relatou que seis meses após a atuação de Roberto

93
Para mais informações sobre este programa, a Rádio Melodia, bem como outras rádios religiosas,
principalmente no Rio de Janeiro, ver: Ribeiro (2015) e http://www.melodia.com.br/audios/programa-cristo-em-
casa/22 (acesso em: 15 out. 2016).
94
Disponível em: http://www.aerj.com.br/noticia/444-disputa-pelo-topo-segue-acirrada-no-rio-de-janeiro.-jb-fm-
e-super-radio-tupi-avancam, http://www.radioemrevista.com/curiosidades/o-ibope-das-radios-do-rio-de-janeiro/
(acesso em: 15 out. 2016).
95
Mais informações: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/oliveira-francisco-da-silva
(acesso em: 22 nov. 2016). Registra-se ainda que seu filho, parte da bancada de apresentadores do referido
programa “Cristo em Casa” é deputado estadual, estando no quarto mandato na Assembleia Legislativa do Rio
de Janeiro: http://www.alerj.rj.gov.br/Deputados/PerfilDeputado/361?Legislatura=18 (acesso em: 22 nov. 2016)
e http://deputadofabiosilva.com.br/index.php/perfil (acesso em: 22 nov. 2016).
73

no rádio este “sentiu o desejo de saber se alguém estava ouvindo suas transmissões” e para
conferir, continua Walter:
Foi marcada então uma reunião ao ar livre no Jardim do Méier, praça da Zona Norte
do Rio de Janeiro. Ele foi de táxi e, ao se aproximar do local, viu uma multidão que
enchia toda a praça. Achou difícil ser por sua causa e pediu que o taxista a circulasse
antes de parar. Para seu espanto, a multidão tinha vindo de fato para ouvi-lo
(MCALISTER, W., 2012, p. 70).

As ondas do rádio fizeram Roberto McAlister chegar a muitas pessoas, que acorreram
pessoalmente até ele neste encontro real pioneiro daquilo que viria a ser sua futura igreja. O
público de ouvintes virtuais surgia agora com uma face física, como revelada na reunião no
bairro do Méier, que veio a ser entendida como o nascedouro existencial da Cruzada de Nova
Vida.
Quando começou a utilizar o rádio para transmissão de suas pregações, a cidade do
Rio tinha um aparelho em praticamente todos os lares, e o país inteiro era alcançado por
programas de rádio, enquanto a televisão tinha transmissões apenas restritas e localizadas,
para cidades como São Paulo, Rio, Recife, cuja totalidade de aparelhos estava ainda abaixo de
1 milhão (MATTOS, 1990; ROCHA, 2005).
Nesse contexto de comunicação dominado pelas ondas radiofônicas Roberto
McAlister foi ampliando sua presença mantendo dois programas diários, um às 6h30 e o outro
às 18h3096. Num país de tradição predominantemente católica como o Brasil, até os anos
1980, principalmente (a partir de quando aumenta a volatilidade da configuração religiosa em
particular pelo crescimento avantajado de igrejas evangélicas), a presença da religiosidade
católica nos meios de comunicação era bastante substantiva. Diversas emissoras de rádio e
mesmo TV pelo país reproduziam, por exemplo, a oração da “Ave Maria”, geralmente às 6
horas e às 18 horas, e voluntariamente, ou seja, sem ônus pecuniário para a cúria católica.
Propositadamente ou não, o programa de Roberto McAlister, na sequência desse “momento
católico”, era ousado e até provocador ao se distinguir pelo uso da expressão “é tempo de
ouvir uma mensagem de Nova Vida”. Sua pregação, no entanto, não necessariamente
anticatólica, mas com identidade precisamente evangélica e pentecostal, com pregação bíblica
e orações pelos enfermos.
Animado com os resultados obtidos pelas ondas radiofônicas, McAlister desejou
alcançar todo país com suas pregações, transferindo-se para a Rádio Mayrink Veiga, de

96
Sobre essa presença religiosa nos meios de comunicação ver:
http://www2.metodista.br/unesco/1_Eclesiocom%202011/Arquivos/Trabalhos/6.Diversidade%20Religiosa%20e
%20M%C3%ADdia%20Radiof%C3%B4nica_Jos%C3%A9Gomes.pdf (acesso em: 15 set. 2016),
http://www.usp.br/alterjor/ojs/index.php/alterjor/article/view/aj1-a5/pdf_17 (acesso em: 15 set. 2016),
http://www.wikiwand.com/pt/TV_Anhanguera_Goi%C3%A2nia (acesso em: 15 set. 2016).
74

alcance nacional, embora se mantendo na Rádio Copacabana até adquirir sua própria estação.
Dentre os programas produzidos, alguns são citados até hoje pelos fiéis e com saudosismo,
conforme dados das entrevistas. Como o “Café espiritual”, associando sua proposta religiosa
estrangeira ao nome da popular bebida entre brasileiros, ingerida muitas vezes logo cedo
como primeiro alimento do dia.
O uso do rádio associado à capacidade de comunicação de McAlister, levou a Nova
Vida a um crescimento exponencial que chegou a ter três reuniões religiosas semanais no
auditório do Centro da cidade. Como bem ilustra a entrevista de Tito Oscar, relatando os
primórdios na ABI:
Começou no domingo às duas e meia da tarde, um horário muito estranho para uma
igreja começar no nono andar de um edifício. Mas superlotava. Depois passamos a
fazer um culto pela manhã, também aos domingos. Então domingo pela manhã e a
tarde. E depois, mais tarde, [outro culto] quarta-feira, para pegar o pessoal que
trabalhava, queria deixar o rush passar... Também lotava (T. OSCAR).

Isso conduziu Roberto à ideia de adquirir uma emissora de rádio para ampliação da
“mensagem de Nova Vida”. Para tanto, segundo Tito Oscar, um auxiliar próximo de
McAlister (a ponto de na citação acima falar na primeira pessoa do plural logo na segunda
linha), este foi aos Estados Unidos para angariar recursos para o empreendimento, vindo a
adquirir a Rádio Relógio Federal, em 1967. Este foi um marco importante no adensamento da
Nova Vida, que representava ao mesmo tempo sua força e dinamismo. A rádio, atestou Oscar,
“contribuiu muito para o crescimento da Nova Vida”. Possivelmente a primeira igreja a ser
proprietária de uma rádio97, muito antes das controvertidas relações entre evangélicos e
concessão de rádios e TV, como aconteceu no governo de José Sarney (1985-1990)98.
Na citada entrevista, Tito Oscar ressaltou a importância da rádio na trajetória da igreja,
de um contato com a Rede Globo e o desejo de Roberto de fazer um programa na emissora de
televisão carioca:
Com a Rádio Relógio em mãos criamos o Bom Dia Brasil, um programa das 6 às 9
horas da manhã, ao vivo, que foi apresentado entre 1975 ou 1976 a 1978. Era ele
[Roberto McAlister], eu e um diácono advogado. E nós discutíamos temas do dia a
dia: “Você é a favor da pena de morte? Ligue para cá!” A pessoa ligava, respondia e
nós dávamos a nossa opinião. Então era interativo. Esse programa foi tão forte que
chamou a atenção da [TV] Globo. O Boni nos chamou na Globo, querendo comprar
os direitos de Bom Dia Brasil. Nós fomos lá, eu e o bispo Roberto. Então o bispo
disse, não, a igreja não vende nada, mas nós vamos doar para vocês o direito de
televisão, para vocês um dia se lembrarem de nós. Porque o bispo tinha paixão de
fazer um programa na Globo. E fizemos ali o contrato e até hoje a TV Globo usa o
Bom Dia Brasil. Esse nome foi registrado. Ainda está no nome da Nova Vida,

97
Em entrevista, Tito Oscar de Almeida afirmou que, de fato, a Nova Vida foi a primeira igreja a deter o
controle de uma emissora de rádio no Brasil.
98
Dentre diversos autores, ver especialmente Figueredo Filho (2010, p. 52)
75

[assim como] Boa Tarde Brasil, Boa Noite Brasil, que eram programas de oração
que a gente realizava (T. OSCAR).

Segundo Araújo (2007, p. 728), “em 1976 a pesquisa do Ibope informou que havia 29
mil ouvintes em cada faixa de 15 minutos e uma audiência de 200 mil pessoas, diariamente,
só no Grande Rio, para o [programa] Bom dia Brasil”. O sucesso no rádio foi tamanho que
um caminho natural, dada essa mencionada capacidade de comunicação de Roberto, seria sua
entrada na TV. O que terminou acontecendo, uma década depois da compra da Rádio Relógio,
com um programa chamado “Coisas da Vida”, apresentado por Roberto McAlister na extinta
TV Tupi, do Rio de Janeiro, “canal 6” como muitos entrevistados fizeram questão de destacar.
Alguns acrescentaram que o programa “marcou uma época”, grifando a história de pessoas
que assistiam ao “Coisas da vida”. Importante, salientar, outra vez, o caráter não religioso da
nomenclatura do programa. E não somente nessa identificação. Segundo contou para esta
pesquisa um dos produtores e apresentadores, bispo Tito Oscar, o programa era feito ao vivo,
com entrevistas e debates de assuntos da ordem do dia das pessoas, não assuntos
especificamente religiosos.
Coisas da vida foi um programa extraordinário. Foi o primeiro talk show. Não sei se
existia outro na televisão. Mas, foi um Jô Soares da época (risos). O bispo [Roberto]
tinha uma capacidade muito grande de comunicação. Nós fomos várias vezes aos
Estados Unidos para participar da PTL, de Jim Baker, na época em que ainda estava
salvo (risos)99. O bispo queria trazer esse tipo de programa, tanto é que montamos
um sistema de atendimento por telefones. 15 telefones. Na época eram comprados e
eram caríssimos. Nós montamos em Botafogo para atendimento na hora. E o
programa marcou presença mesmo (T. OSCAR).

A capacidade de comunicação de Roberto, já destacada por Tito e salientada por


outros entrevistados, tanto no púlpito quanto na rádio e também na TV – onde foi um dos
pioneiros evangélicos a utilizar este veículo –, fazem do fundador da Nova Vida um
personagem singular, além da facilidade de expressão também pela palavra impressa. Roberto
produziu cerca de quarenta livros, de tamanhos e estilos diferentes, ao longo de sua vida.
Publicar livros e revistas foi uma estratégia usada por ele desde os primórdios da Nova Vida
para estender e solidificar suas ideias, firmando sua relação com os ouvintes dos programas de
rádio e com os frequentadores dos cultos. Também ampliava o alcance de sua voz pela
palavra impressa, pois vários dos livros foram antes pregações ou pequenos estudos, como os
que ele produzia para o programa Café Espiritual. McAlister precisava escrever os roteiros de
suas falas para a gravação na rádio e isso veio a facilitar a formatação de pequenos livretos.
99
PTL - "Praise The Lord" ou "People That Love", foi um programa de TV, no estilo de talk show, conduzido
pelo televangelista norte-americano Jim Bakker nos Estados Unidos. O programa foi exibido de 1974 a 1989.
Bakker foi afastado após enfrentar acusações de escândalos financeiros e sexuais, amplamente divulgados.
Razão pela qual Tito Oscar situa esses encontros com Bakker num período “quando ele ainda estava salvo”. Ver
também: Bruce (1990). .
76

Em função dessa produção textual Roberto criou uma editora da Nova Vida, a Carisma, que
publicou além de seus livros, produções de outros pastores da denominação, como Tito Oscar,
Miguel Ângelo, Luiz Paulo de Góis Cavalcante, entre outros. Mas não apenas de autores
nacionais, traduziu e publicou obras de pastores estadunidenses, com os quais estava
associado doutrinariamente, como seu amigo Earl Paulk, e Nicky Cruz. Na entrevista a esta
pesquisa Bispo Tito avaliou que “a pregação [presencial], a comunicação através de rádio [e
TV] e a literatura [livros e revistas] foi um tripé que sustentou a Nova Vida no seu início”.
Percebendo a importância da palavra escrita, Tito Oscar contou que “o Bispo começou a
escrever. Escrevia sobre cura divina, sobre batismo com Espírito Santo, sobre Reino de Deus
e publicava. Publicando, publicando. Uma produção física muito primária” (risos). E salientou
seu estilo de escrita e o de Roberto: “Eu tenho cerca de 20 livros, todos eles voltados para a
área mais devocional. Do Bispo Roberto, são todos doutrinários. O Bispo não escrevia livro
devocional, então eu fiquei com essa parte. Sou mais inclinado a escrever devocional do que
livros doutrinários”.

Foto do logotipo pioneiro da Carisma Editora. (Arte de Clemir Fernandes sob foto de Rogério
Rezende).
77

Foto da contracapa do livro Dinheiro, um assunto altamente espiritual, lançado pela Carisma Editora, em 1981.
No canto superior direito um Roberto McAlister ainda bem jovem e sem indumentária clerical, embora já fosse
bispo. O ícone da cruz, antes de sua assinatura, abaixo, indica sua condição episcopal. (Arte de Clemir Fernandes
sob foto de Rogério Rezende).
78

Imagem da capa de outro livro de McAlister com nova logo da Carisma Editora, a mesma utilizada como
símbolo da Nova Vida até o falecimento do fundador. A diferença da foto da imagem anterior não é apenas pela
idade, mas nesta o bispo já utiliza colarinho clerical e a cor roxa na camisa pela condição episcopal. A edição
deste livro, a primeira, é de 1987. (Arte de Clemir Fernandes sob foto de Rogério Rezende).

Roberto deu seguimento a uma prática tanto de seu irmão, que fundou a já mencionada
Cruzada Mundial de Literatura, quanto das igrejas no Brasil. Pois as denominações do
protestantismo histórico desde seus primórdios no país deram muita ênfase à palavra escrita,
utilizando os chamados “colportores” para divulgação e distribuição de material impresso de
propaganda religiosa (REINAUX, 2007). Portanto, investiram em casas publicadoras e
gráficas para produção de material impresso a fim de servir às suas igrejas e também a outros
grupos. De igual forma, criaram livrarias, sendo hoje muitas delas também com operação
virtual. A seguir, alguns desses grupos e os nomes de editoras e/ou livrarias dos respectivos
grupos denominacionais: Luteranos (Sinodal, Concórdia), presbiterianos (Casa Editora
Presbiteriana, Cultura Cristã, Pendão Real), metodistas (Metodista, Centro de Publicações da
Igreja Metodista Wesleyana), batistas (Convicção, Lerban, Editora Batista Independente),
adventistas (Casa Publicadora Brasileira), além de vários outros. Nos anos 1980, a Juerp,
79

editora dos batistas (CBB), chegou a ter um grande parque gráfico além de dezenas de
livrarias próprias espalhadas por todo país. Ela produzia e distribuía bíblias, hinários, livros
para todas as faixas etárias e de diferentes assuntos, folhetos etc.. Já as igrejas pentecostais
não tiveram a mesma envergadura nessa área, especialmente em seus primórdios. A pioneira
pentecostal Congregação Cristã no Brasil jamais teve esse tipo de iniciativa, até porque é uma
denominação que pode ser identificada até hoje mais pela oralidade. Além da bíblia e seu
hinário apenas um anuário com dados sobre as igrejas é impresso, mas não em gráficas
próprias. A Assembleia de Deus – CGADB, CONAMAD, ADVEC100 e outros grupos – que
formam o maior contingente do universo cristão no Brasil, excetuando a Igreja Católica,
detêm atualmente as maiores editoras do segmento evangélico. Como CPAD, Betel e Central
Gospel101, respectivamente vinculadas às três denominações assembleianas acima citadas. No
entanto, a Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD) teve origem somente 30 anos
após a fundação da igreja. Já os grandes grupos neopentecostais possuem editoras com amplo
catálogo e elevadas tiragens, como se destacam aquelas pertencentes à IURD (Unipro Editora)
e IIGD (Graça Editorial)102. Além de outras denominações, editoras independentes são
também diversas no contexto evangélico, movimentando um mercado que desembocou em
mega eventos comerciais, notadamente a Feira Literária Internacional Cristã (Flic)
(LEWGOY, 2004).
Com toda essa força de mídia (rádio, TV, livros e revistas) da Nova Vida no contexto
da década de 1960 até os anos 1990, conforme visto mais acima, é curioso que a literatura
acadêmica tenha, de certa maneira, invisibilizado McAlister e sua ação nos meios de
comunicação. Em artigo que tem como foco grupos evangélicos e pentecostais na utilização
do radio e TV, Campos (2004) cita vários personagens desse contexto, mas não menciona o
fundador da Igreja de Nova Vida. Será mesmo apenas porque enfoca mais o ambiente paulista
em sua pesquisa – embora agregue a carioca IURD – ou priorize apenas grupos maiores? De
forma semelhante, outros autores, tais como Rolim (1985) e Mariano (1999), mencionam a

100
Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB), a mais antiga e também maior grupo;
Convenção Nacional das Assembleias de Deus Madureira (CONAMAD, uma divisão da CGADB, em 1989) e
Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC, também oriunda da CGADB, da qual se desligou para se tornar
uma denominação em 2010, sob a liderança do pastor Silas Malafaia).
101
Central Gospel é uma editora e produtora ligada a Silas Malafaia, que dirige a ADVEC.
102
O Apóstolo Miguel Ângelo também investe neste setor, sendo autor de mais de uma centena de livros,
publicados pela própria Igreja Evangélica Cristo Vive: http://www.livrariacristovive.com.br/product/162094/a-
biblia-e-o-poder-emocional (Acesso em: 22 dez. 2016). Muitos desses livros resultam de sermões e estudos
pregados na própria igreja, uma prática possivelmente aprendida ou copiada de Roberto McAlister.
80

INV de maneira relativamente sucinta ou apenas quando realçam que Edir Macedo 103 e
Romildo Soares vieram dela. A INV aparece mais de forma oblíqua ou em referência
periférica no contexto de maior visibilidade dos outros líderes e suas populares igrejas
pentecostais e neopentecostais.

2.3 Sinais do protoneopentecostalismo

Numa sociedade mais urbana e mais plural do contexto dos anos 60, tendo como
parâmetro comparativo o ambiente social dos anos anteriores, as possibilidades de novos e
diferentes movimentos surgirem e se afirmarem estavam dadas e foi o que aconteceu, também
no cenário religioso, que teve na Igreja de Nova Vida um desses destaques, principalmente no
Rio de Janeiro. Como já dito acima, havia espaço para outros grupos religiosos, em particular
os de identidade pentecostal que se apresentavam como alternativa mais dinâmica no já
tradicional e sedimentado espectro protestante. As igrejas históricas começavam a sentir com
maior intensidade a pressão por parte das pentecostais, conforme já mencionado, por sua
religiosidade ser criticada como por demais engessada, ritualista, racionalizada, fria, com
pouco espaço para “manifestações do Espírito”. O refúgio das massas – para lembrar
D’Epinay (1970) e seu estudo no contexto chileno – não estava, de fato, no estilo de
espiritualidade mais formal do protestantismo histórico, porém, na espontaneidade do
pentecostalismo. E mais ainda, no caso brasileiro, na irrupção do neopentecostalismo, que tem
em Roberto McAlister e sua Cruzada de Nova Vida seus sinais precursores.
No contexto brasileiro do pentecostalismo, qual seria, portanto, a especificidade
religiosa oferecida por Roberto McAlister por meio da Nova Vida? A rigor, ela mantinha
muitas semelhanças com os “bens de salvação” (BOURDIEU, 2001) oferecidos pelo mercado
religioso evangélico de então, mas detinha singularidades. Algumas destas já foram
apontadas, como flexibilização nos costumes, relativização de questões de estética e
indumentária – pois prevalecia um padrão moral bastante rígido de comportamento, em
particular entre as igrejas pentecostais –, bem como uma mensagem religiosa que se traduzia
em linguagem mais fluida. Dessa forma, conseguia estabelecer comunicação direta e plausível
103
Curiosamente no portal eletrônico da IURD no Brasil (http://www.universal.org/, acesso em: 14 out. 2016)
não consta qualquer menção a Roberto McAlister. Há uma seção sobre a história da IURD e outra com a
trajetória do Bispo Macedo. Mas em nenhuma delas ou em outra seção há registro do nome de Roberto
McAlister. Já no site em inglês da IURD na Austrália (http://www.uckg.org.au/about-us.aspx, acesso em: 14 out.
2016), foi identificado dois registros ao nome do Bispo Roberto. O primeiro, logo no parágrafo inicial, menciona
a sua importância na origem da IURD e o segundo diz que Macedo teve a benção de Roberto para desenvolver
seu trabalho em praças públicas do Rio de Janeiro. Talvez ter essa referência de um missionário canadense com
nome inglês facilite a aproximação de algumas pessoas no contexto australiano para a IURD!
81

com as pessoas, enfocando assuntos do cotidiano prático e existencial. Neste sentido, Freston
explica que McAlister “rompeu com a AD em 1960 para elaborar um pentecostalismo menos
legalista, no estilo da incipiente renovação carismática104 norte-americana” e que, portanto, “a
Nova Vida foi pioneira de um carismatismo de classe média, um tanto a frente do seu tempo
no Brasil” (FRESTON, 1993, p. 96). Mariano (1999, p. 51) ressalta as práticas distintivas da
igreja de McAlister como embrionária do neopentecostalismo: “intenso combate ao Diabo,
valorização da prosperidade material mediante a contribuição financeira, [e] ausência do
legalismo em matéria comportamental”. A própria nomenclatura do programa de TV, sem
explícita conotação religiosa, revelava seu conteúdo e propósito, “Coisas da vida”, além do
público-alvo que objetivava atingir, o externo, não necessariamente aquele já familiarizado de
sua igreja. Livros tratando não diretamente sobre dízimo, mas de “Dinheiro, um assunto
altamente espiritual”, “Perdão, o segredo da cura total”, como também as pregações de Robert
McAlister daquela época (cujos vídeos podem ser acessados na Internet no canal YouTube),
revelam um conteúdo bem diferente daquele enfatizado pelas igrejas da primeira onda do
pentecostalismo e por grande parte do protestantismo histórico. Esse conteúdo se
caracterizava por sua gramática típica do que foi chamado de “celeste porvir” (MENDONÇA,
1984), já que falava mais das virtudes do céu do que das realidades da terra. Nesse período,
esse também era o discurso do iniciante pentecostalismo de segunda onda, formado por
igrejas que atraiam classes socialmente mais pobres e marginalizadas tais como a BPC e
IPDA.
A Nova Vida nasceu como uma igreja mais afeita à estética e interesses das classes
médias urbanas, como demonstram o trabalho de minha monografia de graduação
(FERNANDES SILVA, 1999) e também Mariano (1999, p. 52). Outros autores ressaltaram,
mesmo com registros mais sucintos, porém não menos relevantes, essa singularidade
identitária da Nova Vida, como Freston (1993, p. 96), que classificou o estilo da igreja como
“um modelo pentecostal mais culturalmente solto”, cuja “mensagem devia ser sempre
positiva”. Esse autor conclui que a Nova Vida “era o transplante do que havia de mais recente
na religião americana, no estilo dos novos pregadores televisivos” (FRESTON, 1993, p. 96).
Usando a metáfora de mercado religioso (GUERRA, 2003), pode se afirmar que
Roberto McAlister encontrou um nicho de classe média – grupo social ao qual pertencia –
para sua mensagem religiosa, que se mostrava como novidade, ética e estética, no então

104
Ao falar da renovação carismática norte-americana, Paul Freston (1993, p. 96) se refere ao processo de
pentecostalização, isto é, “renovação carismática” de igrejas protestantes históricas, como veio a ocorrer também
no Brasil e mencionado neste trabalho. Não confundir, portanto, com a Renovação Carismática Católica.
82

ambiente pentecostal no Brasil. Uma ilustração personalizada dessa descrição pode ser
tipificada na adesão à Nova Vida de um personagem que viria a se destacar na trajetória da
igreja, que é Tito Oscar de Almeida. Oriundo de família católica de Minas Gerais pertencente
à classe média, ele seguiu para o Rio de Janeiro a fim de estudar e fazer faculdade, onde se
formou em Bioquímica. Na clínica em que trabalhava conheceu uma moça, da Assembleia de
Deus, que o convidou a ir à igreja para “ouvir um coral”. Ele conta que, “como gostava muito
de música, costumava frequentar o Teatro Municipal”, assentiu com ela, pois “para assistir a
coral eu vou”. Segundo sua narrativa, entrou pela primeira vez numa igreja evangélica, a
Assembleia de Deus, de São Cristóvão, em 1961. Já namorando essa referida moça, ele relata:
Como eu vinha de outra estrutura social e naquela época ainda predominava o
legalismo [na igreja], eu fui devagarzinho mexendo com minha então namorada e
noiva para cortar cabelo, para mudar o estilo de roupa e ela acabou cortando o
cabelo e foi excluída da igreja (T. OSCAR).

Tito Oscar explicou que esse episódio da exclusão causou muito dissabor e
constrangimento, porque a família da noiva era tradicional na igreja, e logo tiveram que
retornar à comunidade onde sua noiva foi levada a pedir perdão publicamente. Isso, no
entanto, continuou Tito:
Coincidiu, exatamente, com a chegada do pastor Roberto à ABI. Como eu estava
com aquele primeiro amor, eu queria ouvir o evangelho, falei: vamos ouvir esse
americano falar? Ele fala gozado... E começamos a frequentar a ABI, logo no início
(T. OSCAR).

Oscar se refere ao estabelecimento de encontros regulares de culto, ocorridos após a


investida no rádio e da reunião pioneira na praça do Méier, que passou a se realizar a partir de
1961 no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), na rua Araújo Porto Alegre,
71, no Centro do Rio de Janeiro.
Conforme mencionada, essa história de Tito Oscar lembra a teoria weberiana que
compreende existir uma relação direta entre o consumo de produtos religiosos com a posição
social ocupada pelas pessoas na estrutura da sociedade. Ou seja, haveria uma vinculação entre
estratificação social (nível de renda, grau de instrução) e o consumo de artigos religiosos. Para
o sociólogo alemão, existiriam “afinidades eletivas” ou correlações entre certas éticas
religiosas e determinados extratos ou grupos sociais (WEBER, 2004, p. 83). Além de Oscar,
que viria a ser bispo, após Roberto McAlister, muitas outras pessoas principalmente
vinculadas às classes médias começaram a procurar o gringo pastor conhecido pelo programa
de rádio, motivadas pelas pregações, pelo estilo de pentecostalismo e até por seu sotaque
estrangeiro.
83

O rádio, portanto, foi o meio fundamental utilizado por Roberto McAlister para iniciar
suas ações de pregação, em agosto de 1960 no Rio de Janeiro, visando alcançar pessoas com
sua “mensagem de Nova Vida”. O que resultou no êxito, nove meses depois, do
estabelecimento de reuniões regulares com frequência crescente de público no espaço alugado
da Associação Brasileira de Imprensa. Antes mesmo de iniciar as atividades na ABI Roberto
já mantinha um escritório, que também servia como estúdio para gravação dos programas e
ainda como “gabinete pastoral” onde recebia e atendia pessoas alcançadas por seus programas
de rádio, para oração e aconselhamento. Em entrevista Tito Oscar destacou a importância
desse atendimento personalizado de Roberto às pessoas que o procuravam. Em seu dicionário,
Araújo registra: “Os dois pilares que firmaram o edifício da denominação foram o rádio e o
gabinete pastoral” (2007, p. 369). Este espaço de múltiplas funções era constituído
inicialmente por duas salas no nono andar de um edifício na Avenida Graça Aranha, 174,
distante apenas cerca de 110 metros do edifício da ABI. Posteriormente transferiu este espaço
multifuncional para o Edifício Avenida Central, na Avenida Rio Branco, 156. Como registra o
mencionado texto do site do CMINVB: “A procura pelo gabinete foi tão grande que mais três
salas foram alugadas, em agosto de 1962, todas ficavam no 10º andar do Edifício Avenida
Central. As salas só foram fechadas quando houve a transferência para o templo de Nova
Vida em Botafogo, em abril105 de 1971” 106.
Sobre o local escolhido para realização dos cultos da Cruzada de Nova Vida, a ABI,
importante saber mais sobre esse espaço, que tem significado institucional e centralidade
geográfica na cidade do Rio de Janeiro. Ele fica situado numa área nevrálgica e histórica do
Centro do Rio, onde também se encontram a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal, o
Museu Nacional de Belas Artes, a Câmara Municipal, além de muitos outros imponentes
espaços, inclusive edifícios públicos federais quando o Rio ainda era capital da República,
como o Ministério da Educação e Saúde, o Ministério da Fazenda, o Ministério do Trabalho e
o Supremo Tribunal Federal. Fundada em 1908 a ABI é uma associação de classe formada
por jornalistas, que se tornou uma importante referência da sociedade civil nas lutas por
liberdade e democracia no Brasil107. Portanto, nesse espaço de reconhecida importância

105
Bispo Tito afirmou abril, mas foi, na verdade, no mês de maio, conforme outros dados seus, inclusive.
Durante a entrevista ele recomendou checar as diversas datas de acontecimentos, pois estas, segundo disse, “às
vezes já embaralham em minha cabeça”.
106
http://www.conselhonovavida.com.br/nossa-historia/ (acesso em: 13 dez. 2016).
107
Embora não tão conhecida como sua similar Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a ABI também
desempenha papel de reconhecido valor na sociedade brasileira. Um exemplo: A instauração do processo de
84

social, obviamente sem qualquer vinculação religiosa, Roberto McAlister conseguiu


estabelecer suas atividades de culto, com pregações, orações, milagres, exorcismos,
recolhimento de ofertas, batismos. O espaço alugado, somente por algumas horas durante o
domingo, foi o maior auditório localizado no nono andar do imponente edifício modernista
inaugurado em 1939.
Durante a semana, quando o Centro do Rio fica congestionado por diversas pessoas,
automóveis e outros transportes, a ABI se torna um local intensamente movimentado. Porém
no domingo a região fica quase completamente vazia de transeuntes. Nesse local de quase
nenhuma circulação no fim de semana, com consequente diminuição da oferta de transportes
coletivos, McAlister conseguiu mobilizar dezenas e até centenas de pessoas, vindas de todas
as partes do Rio para chegarem até a ABI, alcançarem o nono andar e participarem de suas
reuniões pentecostais. O primeiro encontro aconteceu no domingo 13 de maio de 1961, dia
das mães, às 14h30. Segundo Tito Oscar, a afluência foi crescendo chegando ao ponto de
serem realizados dois cultos, sendo um pela manhã e outro no período da tarde.
Posteriormente, um terceiro encontro semanal passou a acontecer às 18 horas de quarta-feira,
“para aproveitar o pessoal que estava saindo do trabalho e queria ficar um pouco mais no
Centro, para não pegar engarrafamento na volta para casa”, explicou Oscar.
Segundo Walter, toda estrutura necessária para realização dos cultos na ABI era
montada pouco antes de iniciar a reunião e depois desmontada após final do encontro, pois o
aluguel do auditório era somente pelo tempo do transcurso da reunião. Um exemplo disso era
que a cada domingo, recorda Walter, o harmônio – instrumento musical utilizado nos cultos –
era empurrado pela rua, desde o Edifício Avenida Central, localizado na Avenida Rio Branco,
até o espaço da ABI e depois conduzido de volta. O percurso entre um endereço e outro é de
cerca de 500 metros. Quando ocorriam batismos, destaca Walter, uma pequena piscina capaz
de mergulhar uma pessoa adulta, era instalada no auditório para realização desse ritual
evangélico. Depois, a água era escoada e tudo era desmontado, para deixar o auditório
conforme havia sido encontrado.
Quanto ao conteúdo da pregação de Roberto e a especificidade de sua proposta
pentecostal, tendo em vista os estilos de pentecostalismos já existentes (as já citadas igrejas
AD, CCB IEQ e BPC), é importante situar essa distinção pela identificação dada pelas
pessoas que foram atraídas e mobilizadas por sua doutrina e prática religiosas. As razões ou
motivações que levaram as pessoas a buscar a Nova Vida são diferentes de geração em

impeachment de Fernando Collor de Mello da Presidência da República, em 1992, partiu da ABI por meio de
seu então presidente Barbosa Lima Sobrinho.
85

geração. Os que foram atraídas pela Nova Vida nos anos iniciais, principalmente, mas
também durante todo o período de liderança de Roberto McAlister na igreja, corresponde com
mensagem pertinente ao cotidiano da vida, de cura supostamente milagrosa, libertação
entendida como quebra de maldições, sobretudo, de “possessões demoníacas”, aliada a uma
ética pentecostal menos rigorosa, especialmente quanto a costumes, usos e padrões estéticos.
Não era proibido, por exemplo, ir ao cinema, à praia, praticar esportes, assistir TV, torcer por
um time de futebol; quanto às mulheres, especificamente, tinham liberdade para decidir o
padrão do cabelo, utilizar maquilagem ou usar calça comprida, práticas que, em geral, outras
igrejas pentecostais tanto da primeira quanto da segunda onda do pentecostalismo, restringiam
muito a seus membros (MARIANO, 1999, p. 198-204; ALENCAR, 2010, p. 138, 139).
Conforme Walter McAlister relatou em seu livro (2012) e também repetiu na
entrevista que me concedeu, a pregação de Robert McAlister no pioneiro encontro do Jardim
do Méier, já mencionado, foi “cuidadosamente escrita” e durou “pouco mais do que três
minutos”. Explica ainda o filho que para seu pai essa foi a sua “primeira vez no Brasil a
pregar sem intérprete”, porque também no rádio tudo era escrito antes de falar. Portanto
decidiu repetir uma vez e outra vez a mesma mensagem que havia redigido, para tentar
atender à expectativa do público, embora só tenha totalizado nove minutos de fala. Por isso,
reitera Walter, anunciou: “Agora vamos orar”. Mas subitamente teria entrado “em pânico,
pois se lembrou de que não tinha escrito uma oração e não sabia conjugar os verbos na
segunda pessoa”. Ainda assim prosseguiu, como registra Walter:
Orou com seu português débil até que uma mulher começou a gritar o meio da
multidão: ‘Eu posso ver! Eu posso ver!’ Para espanto geral, uma deficiente visual
fora curada. A multidão se comoveu. Houve mais oração e foram muitos os que
receberam da boa mão de Deus um milagre de cura (MCALISTER, W., 2012, p.
71).

Com esta reunião em praça pública composta basicamente de pregação, oração e


milagres, segundo registro de Walter, deu-se a inauguração formal ou presencial da Cruzada
de Nova Vida, movimento de evangelização iniciado virtualmente por meio do programa de
rádio (2012, p. 71). Este modelo chamado “cruzada” já era uma estratégia conhecida e
utilizada pelo pentecostalismo da “segunda onda”, principalmente pela Igreja do Evangelho
Quadrangular. Esta havia trazido a prática de sua matriz nos Estados Unidos, cuja estrutura se
constituía de tendas armadas em terrenos baldios, semelhante à lona de um circo, que era
levantada e desmontada de cidade em cidade onde ocorria a cruzada. A prática de
evangelização proselitista massiva e ousada, como numa campanha militar, visava à
conversão de pessoas e a realização de milagres. Segundo Mendonça (1990, p. 52), a Igreja do
86

Evangelho Quadrangular é inseparável da Cruzada Nacional de Evangelização, movimento


itinerante em tendas que circulou pelo país a partir dos anos 1950. A letra do hino oficial da
IEQ exemplifica o espírito da cruzada, que influenciou outros grupos, inclusive do
protestantismo histórico, gerando muitas tensões (MENDONÇA, 1990, p. 52). Roberto
McAlister chegou a participar de parte desse movimento da Cruzada Nacional de
Evangelização no contexto da nascente IEQ em São Paulo, inclusive como pregador, em
visitas anteriores ao país e quando de sua chegada ao Brasil em 1959. Eis a letra do hino e sua
clara linguagem de combate militar:
Eia, salvos [cruzados], avançai
nada de temer
vamos firmes batalhar
prontos pra vencer
vai conosco oh General
nosso bom Jesus
Ele nos dará vitória pela cruz!

Estribilho
Avante pois, e sem parar
o evangelho anunciar
o evangelho Quadrangular
de Deus o nosso eterno Pai
pois Cristo salva, o pecador
para que seja um bom cristão
cura também, a sua dor
qualquer doença e aflição
com seu poder, quer batizar
do céu virá pra nos levar
e com Ele nós havemos sempre de reinar.

Vamos templos levantar


por todo o Brasil
a pregar sem descansar
nosso Rei gentil
vamos missionários ser
todos, todos nós
transmitindo com prazer de Deus a voz. 108

Esses eventos em áreas públicas, conjugadas com o uso de meios de comunicação,


tornaram-se práticas de várias denominações evangélicas, sobretudo de grupos
neopentecostais. O próprio Roberto McAlister viria a realizar muitos encontros assim,
inclusive um evento anual no estádio do Maracanãzinho, um método hoje rechaçado pela
atual liderança da ICNV.
Os atos de oração e cura pelos enfermos já eram comuns para Roberto McAlister, dez
anos antes de começar sua cruzada no Brasil, como ele mesmo conta: “Desde o início do meu

108
Este hino, atribuído à própria fundadora da IEQ, a estadunidense Aimée S. McPherson, consta em vários
sites, como http://ieqsinop.com/institucional/29 (acesso em: 16 out. 2016). Na primeira linha da última estrofe,
segundo a versão original, a palavra que agora é templos era, na verdade, tendas.
87

ministério, em 1951, tenho orado pelos enfermos em cinco continentes, presenciando curas
das mais milagrosas e radicais possíveis” (MCALISTER, 2010, p. 30)109. Ele detalha diversos
casos de supostas curas milagrosas ocorridas por sua mediação, em várias partes do mundo,
culminando com um relato sobre os primórdios da igreja, no mítico espaço da ABI:
Lembro-me ainda de centenas e centenas de pessoas curadas no auditório da
Associação Brasileira de Imprensa, no Centro do Rio de Janeiro, onde durante mais
de 10 anos ministrei o Evangelho de Jesus Cristo na Cruzada de Nova Vida. Curas
de toda sorte de doenças e enfermidades foram presenciadas (MCALISTER, 2010,
p. 31).

Milagres e exorcismos é exatamente um tópico do livro Neopentecostalismo, a


história não contada, em que o filho de Roberto, Walter McAlister, trata da trajetória de seu
pai, na direção da Igreja de Nova Vida. Comentando do estilo de culto nas reuniões que
passaram a acontecer na ABI, ele narra que foi um período “marcado por uma forte
manifestação do poder de Deus. Ao final de cada culto, ele [Roberto McAlister] convidava os
que precisavam de cura ou uma oração para formar uma fila e cada pessoa recebia uma oração
individual”. Embora criança, nos dez anos na ABI, continua Walter, “vi pessoas se levantarem
de cadeira de rodas, serem curadas de cegueira e surdez, vi tumores desaparecerem perante os
nossos olhos e outros milagres”. Além das curas, ele conta também: “Vi pessoas caírem sob o
poder de espíritos malignos e serem libertas em o nome de Jesus”. E completa: “Não foram
poucas as vezes que, após o culto, eu via de perto pessoas se contorcerem, seus rostos se
assemelhando aos de animais, grunhindo ou gritando, e meu pai repreendendo e expulsando
os demônios” (MCALISTER, W., 2012, p. 73, 74).
Domingo à tarde eram cultos evangelísticos. Tinha pregação do evangelho
geralmente seguido por oração pelos enfermos, com imposição de mãos. Nesses
contextos muitas coisas aconteceram. Eu presenciei pessoas sendo libertas de
espíritos demoníacos (W. MCALISTER).110

Como sendo algo espetacular e difícil para outros de acreditar, Walter conta mais
sobre supostos endemoninhados dos tempos na ABI, afirmando: “creia ou não, cheguei a ver
uma dessas pessoas levitar na minha frente”. E assume para si mesmo: “Eu sei o que vi”. Em
seguida ele escreve: “Há quem pergunte se já vi um milagre. De fato, já perdi a conta, não só
no ministério do meu pai, como no de outros e até no meu. Aquilo fez parte de nosso dia a
dia” (MCALISTER, W., 2012, p. 74). Interessante a narrativa do bispo sobre alguém
perguntar a ele se já viu um milagre. Quem seriam essas pessoas? Jovens ou crentes mais

109
Republicado pela editora da ACNV, a edição original é de 1981. Roberto não escreveu sobre a história da
igreja fundada por ele no Brasil. Alguns registros encontrados estão em detalhes de livros religiosos publicados
por ele. Alguns foram republicados pela Editora Anno Domini.
110
Entrevista de Walter McAlister para esta pesquisa, concedida em outubro de 2015.
88

novos dos tempos atuais da ICNV? Pessoas de outras igrejas? Descrentes em geral? Durante o
período de pesquisa na Catedral bem como na Igreja de Botafogo nada vi que se assemelhasse
ao que ele descreve da época de Roberto McAlister na condução da igreja. E mais ainda:
Embora diga que “até” no seu próprio ministério já teve milagre, a maneira como encerra a
narrativa, com o verbo no passado, é esclarecedor do momento atual da Nova Vida: “Aquilo
fez parte de nosso dia a dia” (grifo meu). É também a percepção de fiéis que conviveram com
Roberto McAlister, seja na ABI ou na igreja sede em Botafogo: Fez parte, mas daquele jeito
não ocorreu mais. Uma senhora que se converteu na Nova Vida quando a igreja já estava
radicada em Botafogo conta de experiências semelhantes às que são narradas sobre os tempos
na ABI, de milagres, com o bispo Roberto e, saudosa, reclama da realidade da igreja hoje,
referindo-se diretamente à Catedral onde é membro:
Lá em Botafogo tinha muita cura. Eu fui curada de vesícula lá. [...]. Ia fazer uma
cirurgia e nem fui para a mesa de cirurgia. Deus me curou antes. Foi maravilhoso.
Lá tinha muita cura. Agora aqui hoje não tem mais. Não se vê (ESTER).

A ênfase na cura de pessoas, por meio de orações e imposição de mãos sobre


enfermos, como acontece hoje principalmente em igrejas neopentecostais, foi uma prática de
Roberto desde os primórdios de suas pregações e cruzadas realizadas em várias partes do
mundo. No Brasil, tanto no rádio quanto presencialmente, frases suas se tornaram tão
repetidas que foram agregadas à sua identidade e lembradas até hoje por entrevistados que
com ele conviveram. Araújo (2007, p. 728), faz um registro dessas expressões mais
conhecidas: “É chegada a hora da oração” ou “Formemos agora a corrente de oração”. Uma
prática igualmente recorrente e que marcou sua trajetória era uma faixa que carregava consigo
e expunha na frente do púlpito para que as pessoas pudessem ler, com os seguintes dizeres
bíblicos: “Ele perdoa todas as tuas iniquidades e sara todas as tuas enfermidades”, Salmo 103,
3 (ARAÚJO, 2007, p. 449).
Além dos fiéis, pastores entrevistados também comentaram sobre milagres e
exorcismos no ministério de Roberto. Um pastor, de Botafogo, disse que tinha “muitas curas”,
acrescentando que ele próprio presenciou: “Aqui na igreja eu o vi orando com imposição de
mãos [pelos enfermos]”. Recordou que ainda jovem, antes de ser pastor, presenciou Roberto
pregando em um colégio: “Era muita, muita gente. Muitas pessoas se convertendo. Algumas
manifestações demoníacas e essas pessoas foram libertas”. Completou com um acréscimo de
que Roberto “não fazia alarde com isso. Nunca fez disso a sua propaganda”. Confirmando
esta prática do fundador, Bispo Tito afirmou em entrevista que sobre “cura divina, ele
[Roberto] tinha o dom de cura. Vi muitas pessoas curadas”.
89

Bispo Luiz Paulo, também de Botafogo afirmou que Roberto “Sempre orava pelos
enfermos. Na maioria dos cultos ele sempre orava pelos enfermos. E havia manifestações sim,
cura divina, muitos testemunhos”. Ilustra com uma experiência no seio de sua família:

O meu sogro veio para a igreja por causa do filho que foi curado. Na época meu
sogro era espírita e minha sogra, filha de pastor da Assembleia, foi criada na
Assembleia. Ela casou com ele, era espírita, e ela ficou assim meio afastada. Eles
tiveram um filho, o primeiro, que é mais velho que minha esposa, meu cunhado. Ele
teve uma doença que ninguém descobriu o que era. Correndo para médicos e
médicos até que o irmão de minha sogra falou para ele: “Olha eu ouvi falar que um
americano aí, que ora e as pessoas são curadas. Por que você não vai lá? Tenta lá. É
lá em Botafogo!”. Aí veio com ele, trouxe ele, nem crente era, veio para ajudar. E o
bispo Roberto orou por ele e foi curado. E daí ele ficou, viu o poder de Deus. Bispo
Roberto tinha esse dom. Ele buscava e Deus o usava muito, assim, em cura (L.
PAULO)111

Outra senhora contou que durante sua trajetória na igreja, na época do bispo Roberto,
viu “vários milagres, muitos”, ilustrando com o exemplo de uma irmã sua que, segundo ela,
“foi curada do câncer”. Uma mulher contou experiência envolvendo seu filho:
Há muitos anos, na época do bispo Roberto, meu filho tinha um nódulo. O bispo
Roberto estava na televisão, na hora da oração ele pediu que quem tivesse problema,
fosse a TV. Hoje ele tem 40 anos. Eu não disse nada, ele desceu no sofá e colocou a
mão na mão do bispo na TV e ficou curado (ANA).

Esse tipo de prática, conhecido na Nova Vida da época do bispo fundador chamado
“ponto de contato”, foi utilizado por Roberto McAlister em seus programas eletrônicos,
conforme relato de entrevistados mais antigos. Descrevendo essa prática, Walter procura
explicar:
Um dos métodos empregados por Pastor Roberto para inspirar a fé no povo foi o
chamado “ponto de contato”. Na ABI, ele impunha a mão sobre os enfermos e as
pessoas que pediam oração. Pela rádio, isso não era possível, naturalmente, então ele
passou a convidar as pessoas a pôr uma mão sobre o aparelho receptor – uma forma
simbólica de receber a imposição de mãos. Na Televisão ele fez a mesma coisa:
buscou um meio de estender ao meio tecnológico a imposição de mãos que realizava
nos cultos ao vivo. Passou então a pedir que o telespectador pusesse sua mão na tela
na hora da oração, enquanto ele, por sua vez, levantava a sua e enchia a tela com a
palma da mão. Foram as primeiras tentativas, por meio de um artifício tecnológico,
de tentar estender o ato de imposição de mãos – algo que ele invariavelmente
praticou nos cultos da ABI. Muitos foram curados dessa forma (W. MCALISTER).

Hoje algumas igrejas neopentecostais, como IURD e IIGD, grupos que tiveram sua
gênese associada à Nova Vida pela participação de seus destacados lideres a essa igreja e a
Roberto McAlister, mantêm práticas bastante semelhantes a estas acima mencionadas,
principalmente Romildo Soares, como mostra exaustivamente seu programa “Show da Fé”
(PATRIOTA, 2008), mas também Edir Macedo. Em programa da IURD, um culto transmitido
ao vivo pela TV, na noite do dia 30/07/2016, direto do Templo de Salomão, em São Paulo,

111
Entrevista concedida a esta pesquisa em 17 de março de 2016, na igreja em Botafogo.
90

Bispo Macedo dirigiu toda a reunião e inclusive pregou para um auditório lotado formado por
pastores e bispos, com suas respectivas esposas. Em determinado momento de oração ele
pediu aos que o assistiam que colocassem a “mão na TV, no celular, no smartphone, para
receber a oração”.112
Sobre esses fenômenos miraculosos, Neves (1984) explica que as curas milagrosas
somente podem ser entendidas enquanto práticas ritualizadas que expressam a relação das
pessoas com os poderes que atribuem às divindades no ambiente do mundo por elas
sobrenaturalizado. Corten (1998) ao analisar esse fenômeno chama atenção para possível
banalização dessa prática mágica. Isso faz todo sentido ao se assistir programas de TV como o
já mencionado “Show da fé” e similares exibidos pela IURD.
Além de curas, também pastores falaram de exorcismos. Bispo Walter contou sobre a
rotina dominical nos cultos na época da ABI: “tinha pregação do evangelho, seguido
geralmente por oração pelos enfermos, com imposição de mãos. Nesses contextos muitas
coisas aconteceram. Eu presenciei pessoas sendo libertas de espíritos demoníacos”. Sobre esse
assunto, Bispo Luiz Paulo contou que Roberto tinha também o dom de “libertação”, mas
ressaltou, “não nesse termo de toda hora cair demônio não”. Seguidamente mencionou uma
história famosa na Nova Vida:
Tinha uma pessoa aqui, que era uma mãe de santo, mãe Georgina, que eu conheci. Já
é falecida há bastante tempo. Ela dava estudos aqui para quem tinha vindo da
macumba, do candomblé. Eu até fiz na época um livro com a ajuda dela, partilhando
com ela. Ela se converteu aqui com a pregação da Palavra. O testemunho dela é que
no dia que ela veio ela sentou lá atrás. Estava insatisfeita com o candomblé, via que
tinha coisas erradas ali. Mas era mãe de santo, tinha as filhas de santo dela, tinha o
terreiro. Era uma quarta-feira, sentou ali atrás, num culto normal. Ela disse que ele
[Roberto] chegou e disse: “Olha eu tenho uma mensagem hoje, mas Deus está
pedindo que eu pregue uma outra mensagem. Quero falar para os insatisfeitos da
umbanda, do candomblé...”. E [a mensagem] foi no coração dela. Ele era muito
usado assim, em profecia e sempre Deus confirmava (L. PAULO).

Este caso mencionado pelo bispo Luiz Paulo se tornou notório e resultou na
publicação de um opúsculo da autoria de Roberto McAlister intitulado “Mãe-de-Santo:
História e testemunho de Georgina Aragão dos Santos Franco – a verdade sobre o candomblé
e a umbanda”, no qual narrava a trajetória religiosa de Georgina, desde os cultos afro-
brasileiros até a conversão evangélica na versão do incipiente neopentecostalismo de
McAlister. O livro lançado originalmente em 1968 teve pelo menos quatro edições e, a rigor,
é de dupla autoria, pois Georgina Aragão participa de boa parte, inclusive escrevendo na
primeira pessoa do singular. Analisando a literatura produzida no Brasil a partir de vieses
cristãos que demonizam as religiões afro-brasileiras, Wagner Gonçalves da Silva (2007)

112
Programa visto pelo autor, em: 30 jul. 2016.
91

identificou esta publicação de R. McAlister como pioneira nesse tipo de abordagem. Segundo
Silva (2007), verifica-se no livro de McAlister (1968) que uma de suas práticas consistia em
convidar praticantes de cultos do candomblé e umbanda à “libertação”. Silva (2007) registra
ainda: “McAlister parece ter sido também o primeiro a utilizar a possessão in loco dos fiéis,
durante sua pregação evangélica, como peça de enfrentamento dos demônios supostamente
advindos dos cultos afros”. Sua base para esta informação é Ricardo Mariano. Discorrendo
sobre exorcismos feitos pela IURD e IIGD, este afirma que o “modo de lidar com os
demônios e tratá-los não foi inventado por [Edir] Macedo e [Romildo] Soares”, antes, conta
ele, “aprenderam a proceder desse modo com o fundador da Nova Vida. McAlister desde os
anos 60 combatia a umbanda e o candomblé. Mãe de Santo, seu livro publicado em 1968,
atesta isso”. Mariano completa com dado que ele classifica de “mais revelador”, explicitando:
“McAlister naquela época já obrigava os demônios a se manifestarem nos cultos públicos,
conversava com eles, descobria seus nomes e os identificava com os cultos afro-brasileiros e
espíritas” (MARIANO, 1999, p. 131). A fonte dessa informação dada por Mariano (2007, p.
135) é o livro de R. McAlister “Crentes endemoninhados: a nova heresia”, de 1975, publicado
pela Editora Carisma, ligada à Igreja de Nova Vida.
De fato, Edir Macedo frequentou a Nova Vida, o que significa dizer que ouvia
pregações e via outras ações de McAlister, desde pelo menos 1963, ainda na época da
Cruzada de Nova Vida na ABI. Ou seja, apenas três anos após o início do trabalho do
missionário canadense no Brasil. Ali no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, entre
as 500 pessoas que frequentavam as reuniões conforme relatou Macedo a Tavolaro (2007, p.
81), conheceu R. R. Soares, já em 1968, (TAVOLARO, 2007, p. 110), faltando três anos para
a saída da Nova Vida da ABI e a transferência para o templo em Botafogo. Tornaram-se da
mesma família mediante o casamento de Romildo Soares com Magdalena Macedo, irmã
caçula de Edir Macedo. Juntos saíram da Nova Vida, em 1975, para fundar a Cruzada do
Caminho Eterno, que depois se chamou Casa da Bênção113 e, finalmente, em 1977, IURD
(TAVOLARO, 2007, p. 80, 81, 109). Segundo entrevista do Bispo Tito Oscar, eles saíram da
Nova Vida, principalmente, pela ênfase de Macedo em querer abrir igrejas para “trabalhar na
área de confronto com o espiritismo” e religiões africanas; porém, explicou Oscar, a Nova
Vida em época nenhuma foi “de confronto”. Não achando espaço para este tipo de prática,

113
Embora com nome homônimo, esta igreja de Edir Macedo não possuía qualquer vínculo com a Igreja Casa da
Bênção, também chamada Tabernáculo Evangélico de Jesus, fundada por Doriel de Oliveira, em 1964, na capital
mineira Belo Horizonte.
92

saíram da Nova Vida114. Em 1980 Soares perdeu uma disputa de liderança da IURD para Edir
Macedo, resultando em seu rompimento, vindo a fundar no mesmo ano a Igreja Internacional
da Graça de Deus.
Em seu texto supracitado, Silva (2007) mostra convergências temáticas entre o livro
“Mãe de Santo”, de McAlister, e “Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?”, de Edir
Macedo, explicitando conexões diretas que os autores fazem dos demônios com os cultos
afro-brasileiros. Este livro do fundador da IURD tem diversas edições e já teria vendido mais
de 4 milhões de exemplares (TAVOLARO, 2007, p. 137, 138)115. A edição a que tive acesso
era a 15ª, de 2004. No site da editora da IURD, a Unipro, o livro está anunciado com uma
edição de 2013. Numa dissertação orientada por Leonildo Campos, a autora (SANTOS, 2010)
mostra as imbricações entre esses dois livros, numa análise detida e chega a algumas
conclusões: “Roberto McAlister, o fundador da Nova Vida, influenciou sensivelmente o
futuro discurso e a cosmovisão de Macedo a respeito do bem e do mal, do demônio e das
religiões afro-brasileiras e mediúnicas”. Embasada na comparação entre os dois autores, ela
afirma mais: “A retórica [de Macedo] basicamente tem sido uma repetição das crenças e
discursos de McAlister”. Ela completa declarando que “não seria exagero dizer” que o livro
de Macedo é “praticamente um plágio” de “Mãe de santo”, do pastor canadense (SANTOS,
2010, f. 16). Ela conclui afirmando que McAlister foi mentor, tanto de Edir Macedo quanto de
Romildo Soares, principalmente quanto a doutrinas, práticas rituais e “da identificação do
demônio com as religiões mediúnicas” (SANTOS, 2010, f. 44).
Voltando ao artigo de Wagner Gonçalves da Silva (2007), ele situa o protagonismo
que a IURD ganhou nesse campo e completa comparando o início da Nova Vida com
McAlister e a realidade atual da igreja: “O impacto das práticas da Igreja de Nova Vida no
desenvolvimento desse antagonismo contra as religiões afro-brasileiras foi, entretanto,
114
Tito Oscar relatou ainda na entrevista sobre Macedo: “Ele conta em um dos livros dele como se deu a saída
[da Nova Vida], que ele falou com o pastor Roberto...”. Oscar retrucou: “Pastor Roberto nem estava no Brasil.
Pastor Roberto estava nos Estados Unidos. Ele [Macedo] tratou comigo, no meu gabinete. Ele, R. R. Soares, que
na época era o Romildo e os irmãos [Samuel e Fidélis] Coutinho”. Comentou ainda na entrevista que Edir
Macedo não tinha cargo de liderança: “Ele não era nada na igreja, era simplesmente um membro, ninguém
conhecia ele. A família dele, sim, era amiga do Bispo Roberto. A família, mas ele não”. A família de Ester, que
viria ser esposa de Macedo, já era da Nova Vida. Sua irmã Elza, veio a se casar com Jorcelino Queiroz, que se
tornou pastor na Nova Vida e foi ordenado bispo por Roberto McAlister, em 1983, juntamente com Tito Oscar.
Portanto, verifica-se ligações familiares e religiosas bastante imbricadas entre esses personagens (Entrevistas
com pastor Martinho Lutero e pastor Sebastião Estevam de Oliveira, ambos do CMINVB (20 dez. 2016).
115
Douglas Tavolaro (2007, p. 137) informa que o livro de Macedo é um best-seller e “tornou-se o maior
sucesso na literatura evangélica no Brasil”, acrescentando que “rendeu a Edir vários processos” por conta dos
conflitos com religiões de matriz africana principalmente. Em reportagem de 2005 do jornal Folha de S. Paulo
registrava vendas de mais de 3 milhões de cópias.
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u115122.shtml (acesso em 12 dez. 2016), além de Silva
(2007) e Santos (2010).
93

reduzido”. Para esta avaliação conclusiva sobre o assunto Vagner da Silva já considera o
período atual sob a direção de Walter e as mudanças ocorridas, conforme verificado em nossa
pesquisa. No período inicial da ABI, e mesmo posterior em Botafogo, a situação era outra.
Como narra bispo Tito:
A Nova vida sempre lidou com demônios. Tanto é que o bispo Roberto escreveu um
livro “possessão de demônios”. Sempre lidou. Mas era de uma forma muito
tranquila. A gente não costumava libertar a pessoa através do poder de Deus,
publicamente. A gente tirava a pessoa do ambiente. Lidava em ambientes fechados,
não públicos. Não fazia essa encenação. Porque quando a pessoa voltasse não ficaria
melindrada, não ficaria deslocada do ambiente. Então qualquer alteração, qualquer
manifestação, era tratado fora (T. OSCAR).

O bispo de São Paulo revelou, no entanto, que outras situações semelhantes àqueles
aventadas por Vagner da Silva e Ricardo Mariano também ocorriam, mas minimizou:
“Algumas vezes tinha que ser lidado no espaço [do culto público], mas era uma coisa
tranquila, sem gritos nem exageros. Sempre nos pautamos por essa forma de tratamento, mas
nunca agredimos”, justificou-se. Esta fala se deu no contexto em que criticou práticas do
Bispo Macedo, desde a época em que este queria desenvolver tais ações quando estava na
Nova Vida. Sobre o livro mencionado acima na citação por Tito, trata-se de “Crentes
endemoninhados: a nova heresia”, publicado por Roberto McAlister em 1975. Segundo
Ricardo Mariano (2007, p. 135), neste livro o fundador da Nova Vida “revela que obrigava
demônios a se manifestarem nos cultos públicos, interrogava-os, desvendava seus nomes e os
identificava com as entidades dos cultos afro-brasileiros e espíritas”. Ele prossegue afirmando
que tais práticas rituais foram depois copiadas por Edir Macedo.
Apesar de todas essas suas afirmações, Tito Oscar, tal como Walter, também procurou
negar qualquer relação da Nova Vida com os líderes midiáticos de grupos neopentecostais,
notadamente Bispo Macedo e R. R. Soares. O bispo Tito Oscar afirma: “Dizem que eles
saíram da Nova Vida. Não! Eles passaram pela Nova Vida. Não aprenderam nada do que nós
fizemos lá”. Seguidamente fez, no entanto, um aceno de reconhecimento a essas igrejas:
“Graças a Deus que o trabalho está aí, é grande, tem gente sendo salva, mas não tem nada a
ver conosco, digamos assim, de formação. Nada, nada, nada”, declarou Tito Oscar. Já Walter,
seja na entrevista ou em seus livros, somente tem críticas, e fortes, a esses personagens que
passaram pela Nova Vida e as práticas que desenvolveram. Essa sua posição será melhor
analisada no capítulo seguinte, mas a ilustro aqui com a citação a seguir: “Os fundadores do
neopentecostalismo não estavam na Nova Vida quando criaram esse movimento. Já não
estavam mais entre nós. Levaram eventos pinçados de uma história que nunca abalizou o que
acabaram praticando”. Walter situou criticamente que “eventos pinçados” foram esses:
94

A ousadia financeira do meu pai se transformou em abusos incontáveis da parte


deles. A fé para cura do Bispo Roberto se tornou um negócio e um opróbrio nas
mãos de pessoas ambiciosas. A coragem e a compaixão que o levaram a enfrentar
espíritos malignos que afligiam pessoas se tornaram em espetáculo esdrúxulo de
exorcismos em rede nacional de televisão. O modelo histórico e legítimo de
episcopado, que ele tão cuidadosamente adotou, se tornou uma fábrica de títulos, nas
igrejas atuais, dos mais estapafúrdios (MCALISTER, W., 2012, p. 47).

Walter completa, lamentando, que “este foi o lado sombrio do ‘legado’” de Roberto,
pois destacados personagens do neopentecostalismo, disse ele, “se reportam a meu pai como
sendo quem os ensinou a fazer o que fazem”, o que “não é verdade”. E reagiu: “Ele [Roberto]
não é, como posso afirmar com veemência, “o pai do neopentecostalismo”. Arrematou
dizendo que este é um título que não lhe cabe. “E quem assim o faz, lamento informar, erra”
(MCALISTER, W., 2012, p. 48).
Quanto ao fenômeno das línguas estranhas Bispo Luiz Paulo contou que era algo
frequente nos tempos de Roberto: “Tinha culto com manifestação do Espírito Santo, em
línguas. Se bem que era muito disciplinado nessas coisas. Porque às vezes pessoas
extrapolavam demais, ele sempre orientava, na disciplina, mas ele nunca impediu ninguém de
falar em língua”. Interessante perceber como a leitura do passado é sempre ressignificada pelo
presente. Pois o bispo afirma que tinha “manifestação”, mas sempre comedida, acrescentando
que ele não proibia. Enquanto outros entrevistados falam do ambiente marcado por estas
práticas. Numa entrevista informal com um ex-membro da Nova Vida, Ronaldo116, 40 anos,
que atualmente é pastor batista, ele contou que ficou 13 anos na igreja, uma congregação na
Zona Norte do Rio. No entanto, relatou que freqüentou a sede em Botafogo, destacando que
“dominicalmente ouvia o bispo” e que “tinha uma admiração muito grande” por Roberto
McAlister. “Com o Bispo lembro-me das mensagens e das línguas. Falava muito em línguas.
Glossolalia”, declatou no ensejo de uma longa conversa, via Whatsapp. Saiu da IPNV, grupo
que era de Walter McAlister, em 1998, obviamente depois da divisão da denominação. Ele
elencou algumas razões: “Crise doutrinária117, mensagens de autoajuda e aquilo que hoje sei
que é a Teologia da Prosperidade” (Ronaldo, 40 anos, 14 dez. 2016). Em entrevista, Bispo
Tito comentou sobre prosperidade no tempo de atuação de Roberto e as diferenças: “Hoje se
fala muito em prosperidade. Nós pregamos prosperidade na época. Não tinha nada de
Teologia de Prosperidade” (riso). Bispo Walter (2012, p. 46) criticou líderes que “abraçam

116
Ronaldo, nome fictício. Apenas os pastores da Nova Vida, da Aliança ou do Conselho, aparecem com seus
nomes verdadeiros no decorrer do texto. Entrevista feita em 14/12/16.
117
Situou a crítica conforme retratada por Romeiro (1993, 1995) em seus livros, conforme citados no capítulo 4.
95

sem pudor a Teologia da prosperidade”, afirmando que eles “usam campanhas antibíblicas
para arrecadar dinheiro do povo e comprar aviões particulares”.
A doação financeira para a igreja pelos fiéis dentro do culto foi outro tópico
comentado pelos entrevistados. Conforme presenciei em todas as reuniões litúrgicas de que
participei nas diversas igrejas de Nova Vida, tanto da ACNV quanto do CMINVB, essa
doação tem uma centralidade e importância, como será mostrado posteriormente. A fala do
Pastor Ragner ilustra bem esse momento em que os presentes vão à frente e entregam o
envelope com o dízimo nas mãos do próprio pastor dirigente do culto:
Sempre foi assim. Sempre assim. Não me lembro de uma prática diferente. Sei que
há denominações em que certo fiel ou membro da igreja para entregar seu dízimo
vai à secretaria, mas aqui não, eram trazidas ao púlpito, no altar. Que tem um certo
simbolismo nisso: trazer ao altar sua oferta. Então não recordo de uma prática
diferente na Nova Vida. Nestes anos todos foi algo que persistiu (RAGNER).

Em seu livro “Dinheiro. um assunto altamente espiritual”, edição original de 1981, da


Carisma Editora, republicado em 2010 pela Editora Anno Domini, Roberto McAlister
escreveu um capítulo com o curioso título “Como pedir”, no qual revela:
Durante mais de 25 anos de ministério sem falhar uma única vez, tenho assumido o
púlpito com duas coisas preparadas: minha mensagem bíblica e o apelo para as
ofertas. Pois eu sempre soube que nenhuma das duas pode ser improvisada,
resultando quase sempre a improvisação em fracasso (MCALISTER, R., 1981, p.
210)

Portanto, pregações, orações e curas, libertação de demônios, ofertas e cânticos estão


entre os mais importantes e indispensáveis ingredientes da religiosidade de McAlister
praticada na fase da Cruzada e seguida no estabelecimento da igreja.
Esta fase pioneira da Nova Vida, que se desenvolveu com um formato mais
aproximado de movimento – tipificado no modelo da Cruzada – do que necessariamente de
uma organização institucional, é mencionado pelos entrevistados desse período, semelhante a
algo que pode ser classificado como mítico118. Tanto fiéis quanto pastores reiteradamente
lembraram “os bons tempos da ABI”. Uma memória coletiva de uma época que é interpretada
como de acentuada manifestação sobrenatural que teve certa continuidade quando se
transferiu para o templo construído em Botafogo, em 1971. No entanto, já nesse período as
manifestações sobrenaturais se mantiveram, mas um pouco atenuadas, e em Botafogo elas já
não ocorriam na mesma proporção e intensidade verificadas no espaço da ABI. A rotinização
do carisma pode ter começado a acontecer dentro do próprio período de Roberto nestas fases
da Nova Vida, principalmente entre a era da ABI e mudança para o templo em Botafogo.

118
Para uma compreensão da importância do mito numa perspectiva fenomenológica e antropológica ver M.
Eliade (2002) e numa leitura mais histórico-filosófica do mito fundador ver M. Chauí (2000).
96

A Cruzada, portanto, cresceu com esse formato de movimento e não organicamente


como uma igreja. Razão pela qual Roberto recomendava inicialmente às pessoas que
adotavam a mensagem pregada por ele a procurarem uma igreja evangélica e a ela se filiarem.
Cruzada, nesse sentido, difere do conceito original empregado para designar ações cristãs de
natureza militar do período medieval visando retomar a Palestina (“Terra santa”) do domínio
muçulmano. Esse termo é oriundo do contexto protestante dos EUA e sua prática foi
implantada no Brasil por diversas denominações. Refere-se geralmente a uma mobilização de
pregação evangélica por um período determinado, em média num final de semana, visando
converter pessoas à fé cristã. Roberto realizou diversos eventos como este pelo mundo e no
Brasil, onde tornou continuado durante o período da ABI. De maneira especial, no entanto,
ele promovia uma vez por ano uma cruzada ampliada no estádio do Maracanãzinho. Após o
estabelecimento das primeiras igrejas de Nova Vida (Bonsucesso, Niterói e Botafogo), as
cruzadas continuaram a ocorrer no estádio, reunindo pessoas de suas igrejas, ouvintes de seus
programas e pessoas em geral.
Acerca das congregações pioneiras, segundo entrevista do bispo Tito Oscar, e também
do bispo Walter McAlister, a igreja de Niterói foi a precursora, mas a de Bonsucesso, embora
tenha sido a segunda, foi a primeira a ter um templo construído pelo novo grupo religioso de
Roberto119. Com a divisão da denominação, em 1995, essa igreja de Bonsucesso, regida pelo
Bispo Jorcelino Medeiros de Queiroz, aderiu ao grupo liderado por Tito Oscar, que se tornou
o CMINVB. A Igreja de Bonsucesso veio também a se desligar do CMINVB, há alguns
poucos anos, e atualmente segue independente, formando outro grupo. Portanto, não possui
vínculos denominacionais nem com a Aliança das Igrejas Cristãs Nova Vida nem com o
Conselho de Ministros das Igrejas de Nova Vida do Brasil, conforme breve entrevista com o
atual pastor da igreja, Alexandre Rangel, que é filho do bispo Jorcelino Queiroz. Jorcelino foi
ordenado bispo por Roberto McAlister, com quem esteve vinculado até sua morte. Curioso é

119
Curioso como se dá as percepções acerca de fatos e dos tempos, especialmente a partir da identidade
religiosa. Em entrevista (20/12/2016) com pastor Sebastião Estevam de Oliveira, da Igreja Nova vida do Méier,
mas oriundo da Igreja Congregacional, cujo estilo de governo é democrático e reconhece um conjunto de fiéis
como sendo uma igreja, independente do templo, comentou sobre a ordem de surgimento das congregações de
Nova Vida. Segundo narrou em entrevista, a primeira Nova Vida é a Igreja de Botafogo, que começou na ABI,
em 1961. A segunda, Niterói, cujo templo foi inaugurado em 28 de novembro de 1964. Mas conforme ele, antes
a igreja já existia e circulou por outros espaços alugados, até chegar à inauguração do templo em 28/11/1964,
quando se estabeleceu no templo situado à “Rua Dr. Carlos Maximiano, 156, Fonseca”. Depois, a terceira,
conforme sua narrativa, a Igreja de Bonsucesso, inaugurada em 5/03/1965, na “Rua Teixeira de Castro, 312”.
Ainda segundo o pastor Sebastião, os primeiros pastores da igreja em Niterói foram Valdimir Barbosa e depois
Valmir Cohen, este tendo deixado a Assembleia de Deus para seguir com McAlister em seu projeto. Já em
Bonsucesso, os primeiros pastores foram Otávio Peterson, Dilênio Moreira de Rezende e depois Jorcelino
Queiroz.
97

perceber que de pai para filho há mudanças geracionais e rupturas sociais entre as igrejas do
tronco originário ‘mcalisteriano’ de Nova Vida.
Voltando aos entrevistados mais antigos, eles referiram-se com paixão e saudade
àquele ambiente fantástico dos primórdios da igreja sob Roberto, enquanto os mais jovens e
mesmo pastores da catedral não se reportam ou não realçam tal ênfase dessa espécie de mito
fundador alentado por pessoas que viveram aquele contexto. Uma experiência marcadamente
pentecostal que durou de agosto de 1961 a maio de 1971, quando foi inaugurado o templo
sede localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro. Com essa mudança física e para um templo
arrojado para a época, avançava ainda mais o processo de institucionalização da Igreja
Pentecostal de Nova Vida, que passava a ter agora três unidades e um sistema de maior
organização estrutural a partir da sede em Botafogo. Embora fosse esse o nome oficial e
inclusive gravado no edifício eclesiástico, bem como nos documentos internos como
certificados de batismo, ela já era conhecida e reconhecida por seus líderes e fiéis
simplesmente como Igreja de Nova Vida, o que terminou constituindo sua identidade. Os
próprios templos assim exibiam o nome em suas fachadas.

Detalhe da fachada do templo da Nova Vida em Botafogo, no canto inferior à esquerda, onde estão gravadas
estas informações, em baixo relevo no granito. Em todos os livros de McAlister, seu nome aparece grafado na
forma aportuguesada: Roberto. Como ilustram imagens de capas acima colocadas neste capítulo. Já nesta placa
seu nome está gravado em pedra na maneira original: Robert. (Arte e foto de Clemir Fernandes).
98

Logotipo tido como mais antigo da igreja fundada por Roberto McAlister, utilizado em documentos oficiais,
inclusive certificado de batismo nas águas para membros da Nova Vida (Arte de Clemir Fernandes sob foto de
Rogério Rezende).

Nos anos 1980 e 90 esta é a logo encontrada em documentos como símbolo da Igreja de Nova Vida, inclusive
nos livros da Carisma Editora, que publicava os livros de Roberto e de outros pastores da denominação.
(Arte de Clemir Fernandes, sob foto de Rogério Rezende).

Com todas essas práticas, conforme mostradas até aqui, verifica-se sinais efusivos do
protoneopentecostalismo de Roberto McAlister a partir da experiência dos próprios pastores
bem como na dimensão institucional da denominação criada por ele. A seguir e mais ao final
deste capítulo bem como no seguinte com os depoimentos de diversos entrevistados esse
neopentecostalismo incipiente fica ainda mais evidente.

2.4 Entre a enfermidade e a morte: Sabático, episcopado, Vaticano e autonomia das


igrejas

Os recursos financeiros que ajudaram no sustento inicial da Cruzada de Nova Vida


vieram basicamente dos Estados Unidos, da parte de amigos e companheiros de missão de
Roberto McAlister pelas relações estabelecidas em função de suas várias viagens missionárias
realizadas pelo mundo, o que lhe conferiu respeito e reconhecimento, uma espécie de capital
99

social e simbólico (BOURDIEU, 1987)120. A partir dos cultos na ABI, Roberto passou a
contar com ofertas dos frequentadores e novos crentes alcançados por suas pregações. Depois,
agregou donativos das igrejas estabelecidas e que estavam sob sua liderança. Pois embora nos
primórdios ainda não houvesse uma estrutura denominacional estabelecida, segundo
entrevista de Tito Oscar, informalmente o modelo já era de uma igreja centralizada na
administração. Assim, com esses e outros recursos proveu a construção do grande templo, um
prédio de sete andares, que passou a servir também como sede da denominação, localizado no
bairro de Botafogo, na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Ele foi inaugurado em 9 de
maio de 1971 (LEITE FILHO, 1994)121, embora não totalmente concluído e apto para o uso,
conforme explicou Tito Oscar em entrevista. E não foi por acaso que o templo foi erguido em
Botafogo, um bairro integrante da área da cidade que concentra os segmentos socialmente
econômicos mais elevados, pois essa era uma camada que Roberto McAlister objetivava
particularmente alcançar. (MARIANO, 1999; FERNANDES SILVA, 1999). Avaliando a
geografia da cidade, tanto física quanto humana e sua classificação socioeconômica em
perspectiva da inserção protestante, Alencar (2013) mostra como as igrejas pioneiras de
missão se estabeleceram na região central122 e as pentecostais clássicas mais afastadas do
Centro e mesmo no subúrbio123. Já a Nova Vida, propositadamente construiu seu templo
central na Zona Sul (FERNANDES SILVA, 1999).
Após anos de intenso trabalho e em meio a desafios diversos, inclusive a “traição” de
um pastor auxiliar124 muito próximo no contexto da Cruzada, Roberto passou a sofrer
problemas cardíacos. Aos 39 anos foi acometido de um infarto, que superou em parte e
continuou sua agenda ministerial. Em 1973, segundo Walter, seu pai decidiu retirar-se por um

120
Disponível em: https://pt.scribd.com/document/61153309/Bourdieu-What-Makes-a-Social-Class (acesso em:
13 dez. 2016).
121
Além da referência dada, outras informações são do site do Conselho de Nova Vida do Brasil, que não é
vinculada ao bispo Walter McAlister: http://www.conselhonovavida.com.br/nossa-historia/ (acesso em: 9 jan.
2017).
122
Igreja Luterana, adjacente à Praça da Cruz Vermelha; Igreja Congregacional, na Rua Camerino, no entorno da
Praça Mauá e Porto do Rio; Catedral Presbiteriana, na Rua Silva Jardim, contígua à Praça Tiradentes; e Primeira
Igreja Batista, no bairro do Estácio, próxima ao complexo administrativo da Prefeitura. Todas fundadas no
século XIX, cuja região era a mais valorizada da cidade, onde também estavam concentrados os edifícios dos
mais importantes poderes públicos bem como a sede administrativa de grandes empresas privadas.
123
A primeira Assembleia de Deus, em São Cristóvão (quando o bairro já não era imperial), e a segunda no
subúrbio, a AD de Madureira, ambas fundadas na segunda década do século XX.
124
Walter fala desse episódio como algo que desestruturou seu pai, assim como o próprio Roberto também
comenta em um de seus livros (2010), mas sem citar nome. Tito Oscar também não quis falar desse caso,
informando que não comentam publicamente sobre o assunto. O fato resultou numa tragédia alguns dias depois.
O pastor que traiu Roberto morreu num acidente automobilístico (MCALISTER, W., 2013, p. 96).
100

“período sabático”, seguindo com a família para a Carolina do Norte (EUA). Ao deixar o
Brasil “a Nova Vida era ainda uma igreja sem uma clara hierarquia ou forma de governo”.
Tito Oscar relatou que foi uma decisão abrupta apressada, resultando num choque para todos,
especialmente a igreja em Botafogo. Tendo ficado como líder, Tito Oscar contou que
enfrentou muitas dificuldades para manter a igreja, sobretudo porque sofreu acusações de que
teria expulsado Roberto. Para amainar os conflitos, ele manteve o “bispo no ar”, reprisando
seus programas na Rádio Relógio, “como se ele estivesse viajando”. E ele viajava muito,
conforme lembrou Tito, inclusive nesse período sabático, que durou cerca de três anos.
“Pastor Roberto vinha duas vezes por ano para realizar campanhas conosco chamada de
Semana Carismática”. Isso que foi denominado de período sabático pode ser entendido
praticamente um retorno do pastor Roberto para a América do Norte, segundo relato de Tito
Oscar, que contou da preocupação do missionário canadense com sua família, em particular a
formação de seus filhos. “Os meninos [Walter e Heather] já estavam na fase de High School,
então foram para os Estados Unidos”, destacou Tito, que revelou o seguinte acerca da postura
de Roberto em relação à sede em Botafogo:
[Ele] entregou a igreja e, assim, não sei se por brincadeira, pegou a chave e disse:
‘Você vende, fecha, você faz o que você quiser da igreja. A igreja é sua’. E foi
embora. Isso no sábado. No domingo de manhã eu com a responsabilidade de pregar
três vezes – nós tínhamos dois cultos pela manhã e um a noite – e informar à igreja
que o bispo125 tinha viajado. Então houve muita confusão, o pessoal me acusando de
ter expulsado o bispo do Brasil. Um período muito difícil (T. OSCAR).

O fato é que quando Roberto decidiu voltar, animado também pela visão de implantar
o governo episcopal, Tito “devolveu” a igreja que havia recebido de Roberto. O próprio
Walter McAlister (2012) reconhece em seu livro que Tito teve o grande gesto de entregar a
igreja de volta para seu pai. É possível, portanto, aventar que, quando da morte do Bispo
Roberto, o Bispo Tito se sentisse mais do que o sucessor natural, na verdade via-se como
quase o “dono” de uma igreja que havia herdado em 1973 e que devolvera ao fundador após a
volta deste em 1976.
Dentre diversas ações durante o tempo nos Estados Unidos, Walter destacou o
pastorado que Roberto exerceu em uma igreja na cidade de Charlotte. Uma grande igreja, de
governo congregacional, que terminou destituindo Roberto do pastorado, principalmente por
seu estilo centralizador. Interessante lembrar aqui o que Weber (1994, p. 312) chama de
“religiosidade congregacional”, isto é, “quando os leigos encontram-se associados numa ação
comunitária permanente [...] e influem ativamente de alguma maneira”. O estilo centralizador

125
Bispo Tito referiu-se ao título com que Roberto é conhecido hoje, mas naquela ocasião ainda era o Pastor
Roberto.
101

de Roberto estaria, portanto, mais distante da “religiosidade congregacional”, o que pode ter
contribuído futuramente na escolha do modelo episcopal para sua igreja.
Tanto Walter quanto Tito relataram que, em seguida, ele começou uma nova igreja na
mesma cidade, onde comprou um antigo templo que havia pertencido ao avô de Billy Graham
e onde este tinha vivido sua infância: “Nessa época, um amigo dele que era líder de uma
igreja pentecostal em Roma faleceu repentinamente e surgiu a necessidade de alguém para
conduzir o trabalho”126. Roberto e um grupo de amigos seguiram para o funeral. Walter conta
que ao chegarem lá, “todos os amigos disseram [a Roberto]: ‘Olha você entende mais disso do
que qualquer de nós. Tome a frente’. Ele assumiu e ficou lá durante um ano colocando a
igreja em ordem e estabelecendo uma liderança”.
Em 1976 ele voltou para o Brasil e “a Nova Vida não tinha uma forma de governo”.
Walter continuou sua narrativa contando que várias congregações da Nova Vida havia
“nascido espontaneamente pelas mãos de pessoas que ele [Roberto] tinha ordenado”, então
“sentiu que a igreja precisava de uma visão mais clara de sua estrutura”. Em função dessa
necessidade, “eles estudaram as três formas principais: congregacional, presbiteriana e
episcopal, e sentiram que, por uma questão cultural, a forma episcopal teria, talvez, uma
aceitação ou uma relevância maior”. A decisão pelo estilo episcopal, segundo Walter, não
teria influência do modelo da igreja católica. “Já havia uma igreja pentecostal na América
Latina que já tinha se estruturado de maneira episcopal, que era a Igreja Pentecostal do
Chile”. Neste assunto, as memórias de Tito Oscar diferem ao considerar que a decisão pelo
episcopado como forma de gestão da igreja teve relações diretas com as aproximações feitas
por McAlister com a Igreja Católica, no contexto pós-Concílio Vaticano II (1962-1965). É
possível que a informação memorial de Tito prevaleça, pois ele viveu intensamente este
período, ao contrário de Walter, mais novo e que estava nessa época estudando nos Estados
Unidos.

126
Tito Oscar conta que esteve pregando nessa igreja, que funcionava “num belo cinema em Roma”. Walter
registra em seu livro (2012) que seu pai descobriu “práticas terríveis” do pastor morto, John McTernan, inclusive
“envolvimento com a máfia italiana”. Quanto a essa informação da igreja no cinema é interessante, pois o
próprio Roberto viria a estabelecer igrejas em cinemas no Rio de Janeiro, como exemplifica o caso do então
Pastor Walter McAlister. Este pastoreou na década de 1980 a Igreja de Nova Vida, no Engenho Novo, cujo
templo foi antes o belo cinema do bairro da Zona Norte do Rio. O próprio nome da igreja na fachada do
imponente prédio usava letras móveis do antigo cinema para informar sobre filmes em exibição. Esta prática de
utilizar cinemas se tornou usual entre igrejas neopentecostais no Brasil, principalmente a IURD de Edir Macedo,
durante os anos 1990, período em que os ‘cinemas de rua’ entraram em crise de público, que passou a preferir as
salas de cinema de shopping center. Uma boa ilustração dessa discussão é o caso ruidoso narrado por Claudia
Swatowiski (2013) sobre a disputa da IURD por adquirir cinema para usar como templo da igreja do Bispo
Macedo.
102

Dentre esses amigos de Roberto, aos quais Walter se referiu, alguns se constituíram
num grupo de apoio mútuo, formado por David DuPlessis, John Meares e Earl Paulk. O
primeiro, DuPlessis (1905-1987), um pastor pentecostal da África do Sul, tornou-se
conhecido pelo epíteto de “senhor pentecostes”, circulou entre muitas denominações cristãs
divulgando a “doutrina e prática do Espírito Santo”. Segundo Walter, ele foi um dos
responsáveis pela influência carismática entre católicos. A partir desse viés, manteve diálogo
ecumênico com o universo católico, sendo convidado pelo Vaticano, que buscava entender e
reduzir a perda de seus fiéis para igrejas pentecostais. Também estabeleceu relações e
convivência com o Conselho Mundial de Igrejas e suas denominações da tradição protestante.
Por conta disso foi alvo de muita crítica e repulsa de setores mais conservadores do ambiente
evangélico e pentecostal. Pois, como destaca Walter, em tese, “um pentecostal não é somente
um não católico ele é um anticatólico”. O outro líder, John Meares (1920-2011), foi um pastor
de tradição pentecostal que abriu uma igreja em Washington mesclada de brancos e negros, o
que lhe rendeu a expulsão de sua antiga denominação, a Igreja de Deus nos Estados Unidos.
Segundo Walter, este foi um dos amigos que juntamente com sua igreja, a Catedral
Evangélica, ajudou financeiramente e apoiou Roberto desde os primórdios da Cruzada de
Nova Vida no Brasil. O terceiro, Earl Paulk (1927-2009), pastor pentecostal também oriundo
da Igreja de Deus fundou a Chapel Hill Church, em Atlanta, que depois mudou o nome para
Catedral do Espírito Santo. Ela tornou-se uma megaigreja, com 10 mil membros, e construiu
um enorme templo gótico. Assim como Meares, Paulk127 enfrentou contrariedades por fazer
de sua igreja um espaço multiétnico, acolhendo pessoas brancas e negras. Na década de 1960
participou do movimento pelos direitos civis com Martin Luther King.

127
Ao final da vida, tanto Meares quanto Paulk enfrentaram escândalos nos Estados Unidos, com grande
divulgação pela mídia. Meares, por questões relacionadas à acusação de apropriar-se de recursos financeiros dos
fiéis, embora sem consequências tão drásticas para a igreja:
https://www.washingtonpost.com/local/obituaries/bishop-john-l-meares-of-evangel-cathedral-in-md-dies-at-
91/2011/05/26/AGuAGMCH_story.html (acesso em 12 nov. 2016). Após o falecimento de Meares a igreja
seguiu dirigida por sua família: http://www.evangelcathedral.net/ . Já Paulk teve problemas motivados por razões
sexuais, inclusive acusação de adultério e abuso infantil. Sua congregação se reduziu a mil pessoas e
posteriormente teve seu templo vendido: http://www.nytimes.com/2009/04/04/us/04paulk.html (acesso em 12
nov. 2016). Atualmente um filho dele, fruto de um relacionamento extraconjugal com sua cunhada, é pastor do
que restou, uma igreja inclusiva que diz acolher variadas tradições religiosas e de diferentes orientações sexuais:
http://www.mytruthsanctuary.com/ (acesso em 12 nov. 2016).
103

Foto da imagem contida no livro autobiográfico de Earl Paulk 128. Bispos membros do ICCC.
(Arte de Clemir Fernandes sob foto disponível na web).

Para discutir os rumos da igreja quanto ao seu modelo de governo, Roberto, segundo
conta Tito Oscar, o chamou para ir até Roma: “A questão era que em Roma, no diálogo com
os cardeais católicos, estes reclamavam que não sabiam a quem se dirigir na igreja evangélica,
porque todo mundo é pastor. ‘Quem é que manda? Todo mundo é pastor!”. E arremata Tito:
“Então chegamos à conclusão de que nós deveríamos mudar nosso sistema de organização,
deveríamos incluir o episcopado”. Com essa resolução ele afirmou ter recebido uma missão
de Roberto: “Você volta para o Brasil, dê uma série de aulas lá para a igreja sobre essa
mudança e nós vamos adotar o sistema, inclusive para facilitar a abertura, até mesmo da
igreja”. Segundo Tito, essa decisão foi “consenso entre eles”, isto é, o grupo de amigos de
Roberto e que mantinha diálogo ecumênico com cardeais e bispos no Vaticano. Tito relata
que voltou e deu várias aulas sobre estrutura da igreja e os pastores juntamente com as igrejas
aceitaram o episcopado, pois viram que “era um tema bíblico, pois o Novo Testamento fala
mais em epíscopos do que sobre pastor”. Essa informação sugere confirmar que o modelo
episcopal teve, sim, influência do Vaticano, conforme perspectiva de Tito, pois este fez parte

128
O título do livro: Unfinished Course. The inspiring history of Earl Paulk. Shippensbourg, PA, 2004. Um
subtítulo diz: “Amigo de Deus, Amigo de Presidentes e Amigo dos desprovidos de direitos”. Disponível em:
https://books.google.com.br/books?id=fntoi7WysXwC&pg=PA144&lpg=PA144&dq=john+meares+and+robert
+mcAlister&source=bl&ots=snmGVvp1FZ&sig=kxFkSatH-dWelPGWGAiPmKf4WQo&hl=pt-
BR&sa=X&ved=0ahUKEwjj7OHy6KbQAhWKIJAKHbQPACoQ6AEIMTAH#v=onepage&q=john%20meares
%20and%20robert%20mcAlister&f=false (acesso em: 12 nov. 2016).
104

da mudança do sistema de governo, enquanto Walter, que era mais jovem, não acompanhou
devidamente tal o processo.
Quando decidiram optar pelo governo episcopal, Walter comentou que “não sabiam
bem como funcionaria esse episcopado”, mas Roberto “foi reconhecido pelos pastores”,
portanto, seguiu-se a ordenação. Tito Oscar explicou que cuidou de todos os detalhes para que
isso acontecesse. Walter conta:
Para a ordenação veio o David DuPlessis e veio também o amigo dele, reverendo
John Meares, de Washington, para consagrá-lo bispo da igreja. Mas era um
episcopado, que era basicamente, digamos, uma institucionalização da autoridade
que ele já exercia como líder, de fato, desse grupinho de igrejas. Eram poucas
igrejas. Seis igrejas, algo assim (W. MCALISTER).

A escolha episcopal não se restringiu apenas a um modelo de governança eclesiástica.


Ele definiu a indumentária e decoração litúrgica, principalmente pelos panos de ambão
conforme o calendário litúrgico, “o anel do Bispo, o colarinho clerical, a cruz peitoral, até as
vestimentas durante a Ceia, que incluíam alba, estola e o cinto franciscano” (MCALISTER,
2012, p. 116, 117).
Walter conta que “em virtude de seu título episcopal, os católicos sentiram mais
facilidade de conversar com ele. Os católicos não entendiam bem a eclesiologia
congregacional. Então ao ter um bispo: ‘Ah, então sabemos o que é um bispo’. Embora não
fosse na mesma condição que os bispos católicos”. E reiterou o atual primaz: “Mas não houve
nenhuma influência da parte dos católicos na adoção desse sistema. Foi uma questão interna e
foi influenciado, principalmente, pelos pentecostais”.
Em razão da aproximação do Vaticano com os pentecostais iniciada nos anos 1970,
principalmente pela liderança de David DuPlessis, este convidou Roberto a fazer parte do
diálogo com os católicos a partir de 1976. Juntamente com seus amigos criaram uma
organização chamada Comunhão Internacional de Igrejas Carismáticas (The International
Communion of Charismatic Churches – ICCC), fundada em 1982. Esta entidade possui um
site129, atualizado, que mostra reunir bispos e lideranças pentecostais de vários países. Em
uma das páginas há uma seção contando sua história130, em que se destacam Roberto
McAlister e seus amigos já citados. A foto abaixo, sem data, é um registro do site do ICCC.

129
http://www.theiccc.info/ (acesso em: 12 nov. 2016).
130
http://www.theiccc.info/History (acesso em: 12 nov. 2016). Nesta página sobre a história do ICCC, embora
DuPlessis seja citado (nove vezes) como o responsável pela aproximação de pentecostais com católicos, o
personagem mais destacado e mencionado é Robert McAlister (15 vezes). Segundo o site, Roberto buscou um
reconhecimento oficial do Vaticano para seu episcopado, envolvendo inclusive a Igreja Anglicana. História
semelhante é registrada em outro site:
http://www.iamforsure.com/False%20Teachers/Huskins/HuskinsICCC.html (acesso em: 10 nov. 2016). Ao
105

Ao centro o papa Paulo VI, imediatamente à direta David Du Plessis e o terceiro à esquerda Robert McAlister
(Foto disponível na web)

Segundo Walter, seu pai “acabou sendo o secretário permanente do diálogo com o
Vaticano nos anos 1970 e sentou com teólogos jesuítas, beneditinos e pentecostais”. No
contexto do ICCC, dentre o Colégio de Bispos dirigente da organização, Roberto se tornou o
Bispo Primaz.131
Segundo Walter, também no Brasil Roberto manteve contato com católicos “e se
tornou mais simpático ao movimento da Renovação [Carismática Católica – RCC] por
conhecer pessoas como Dom Cipriano Chagas, Nelson de Souza, que era diretor das Edições
Louva a Deus, A. Maria José, do Mosteiro de São Bento”.
Tito descreveu o cenário brasileiro afirmando que após a ordenação de Roberto como
bispo, em 1976:

comentar sobre a adoção dos paramentos litúrgicos do episcopado, Walter discorreu sobre a tentativa de seu pai
de superar a origem numa igreja de pouco prestígio como a Pentecostal do Canadá, sem qualquer símbolos ou
pompa, por um modelo cuja estética incluía vestimentas especiais com estola, cinto, anel de bispo
(MCALISTER, 2012: 116-117). E na entrevista ele comentou: “Creio que ele desejava muito entender seu papel
à luz da história e participar da história, da construção de coisas relevantes. Acho que ele tinha muito esse
desejo”.
131
http://www.iamforsure.com/False%20Teachers/Huskins/HuskinsICCC.html (acesso em: 13 nov. 2016).
106

Houve um boom na igreja. A Nova Vida cresceu muito. Nós éramos cinco pastores,
de repente passou para 15 e a coisa foi explodindo, sem que ele desejasse abrir
igrejas. Nós tínhamos Bonsucesso, Niterói e Caxias, que hoje é uma das grandes
igrejas, e acho que era só. Campo Grande e Bangu eram grupinhos pequenos. Não
tinha mais. Então com o episcopado houve um crescimento muito grande. Muito
grande.

Walter frisou que “a Igreja de Nova Vida foi a primeira, de linha pentecostal, a adotar
esse tipo de governo eclesiástico no Brasil”. Com o crescimento e o surgimento de novas
igrejas Roberto decidiu ordenar dois bispos para auxiliarem no trabalho que crescia
vertiginosamente: Tito Oscar de Almeida, que atuava na sede em Botafogo, e Jorcelino
Medeiros de Queiroz, pastor da igreja de Bonsucesso, foram sagrados bispos em 1983, com
responsabilidades auxiliares. Oscar afirmou na entrevista que não queria ser ordenado bispo,
mas Roberto insistiu: “foi a visão da época”. E avaliou à luz do presente: “o termo perdeu
muito do seu valor. Hoje virou chacota ser chamado de bispo, com esse negócio de apóstolo,
não sei o quê”132, referindo-se aos títulos usados (e abusados) no contexto evangélico,
sobretudo neopentecostal.
Curiosamente, essas três primeiras igrejas de Nova Vida – Niterói, Bonsucesso e
Duque de Caxias – excetuando-se a sede, Botafogo – integraram o corpo denominacional
organizado por Roberto McAlister, mas já não fazem parte do grupo hoje liderado por Walter
McAlister, a ACNV. Na divisão de 1995, após a morte de Roberto, essas três igrejas optaram
por ficar com o grupo do bispo Tito Oscar, que veio se constituir no Conselho de Ministros
das Igrejas de Nova Vida do Brasil. Em 2011 a igreja de Bonsucesso rompeu também com o
CMINVB133 e se tornou independente134, assim como a igreja de Niterói, a pioneira
organizada como Nova Vida.
Em função desse crescimento, conforme salientou Oscar, Walter, por seu turno,
explicou que bispo Roberto “tentou preparar os pastores em cursos como a Escola Ministerial
no fim dos anos 1970 e início dos 1980. Mas eles duraram pouco [tempo]” (MCALISTER,
W., 2012, p. 120). Segundo John McAlister, em sua entrevista, houve essa “tentativa frustrada
na década de 1980 de montar uma escola ministerial em Botafogo, que não durou um ano”.

132
Sobre títulos e hierarquias no pentecostalismo, ver Smilde (2012).
133
Nestes dois vídeos no YouTube há dados para entendimento do rompimento do bispo Jorcelino Queiroz e sua
Igreja Nova Vida de Bonsucesso com o CMINVB: https://www.youtube.com/watch?v=IxJyKf7wsvY, (acesso
em: 16 nov. 2016) e a manifestação deste Conselho por parte de Tito Oscar
https://www.youtube.com/watch?v=DBnXby173IY, (acesso em: 16 nov. 2016).
134
Para dados desta igreja e sua caminhada independente, ver: http://www.invb.com.br/ (acesso em: 17 nov.
2016), embora em seu site mantenha informações históricas com a proeminência do fundador Roberto
McAlister.
107

Walter avaliou que “lançaram ao ministério homens”, muitos dos quais sem qualificação
necessária para o ministério e alguns outros que “sequer conheciam seu caráter, o que veio a
ser um grande problema mais tarde”. Uma estrutura foi montada em Botafogo para
administrar essas “trinta ou 40 igrejas” que havia na época e todas usavam o mesmo CNPJ da
sede. Segundo outro entrevistado, bispo na Igreja em Botafogo: “Alguns pastores deixaram de
fazer algum pagamento, aí uma vez Bispo Roberto foi ao banco fazer alguma coisa e estava
bloqueado. Ficou chateado e resolveu liberar para cada um cuidar de si”. Não sendo possível
gerenciar tantas igrejas, que cada vez mais demandavam estrutura da sede, em 1986 o bispo
Roberto resolveu dar autonomia a todas elas. Cada uma passou a ter seu próprio CNPJ e
assumir todas suas responsabilidades civis e jurídicas. Foi fechado o escritório do centro
administrativo em Botafogo após transferência de propriedades e bens para todos os pastores
e suas respectivas igrejas.
Depois disso, segundo Tito, “houve uma série de contratempos” potencializados pela
ausência do bispo Roberto “em razão de sua doença”, que se seguiu com seu retorno dos
Estados Unidos. Walter afirmou que ele procurava controlar tomando medicamentos
rotineiramente. A ampla área no bairro do Recreio dos Bandeirantes, por exemplo, tinha sido
adquirida “com a visão de criar, não uma igreja, mas centro de influência para o país, um
centro de evangelismo. Com seminários, conferências, workshops, congressos”. E lamentou:
“Só que ele não viu o sonho se concretizar porque acabou falecendo em 1993”.
Já tendo passado por outras cirurgias cardíacas, inclusive para colocação de ponte de
safena, Roberto McAlister aguardava um transplante, mas seu coração não resistiu. Faleceu na
própria sala de cirurgia em 13 de novembro de 1993, nos Estados Unidos, onde foi também
sepultado na cidade de Charlotte135.

135
Roberto McAlister (1930-1993) nasceu no Canadá e morreu nos Estados Unidos, onde foi também sepultado.
Sua esposa, Glória McAlister (1928-2008), tendo nascido nos EUA, morreu faltando apenas 6 dias para
completar 80 anos, e foi sepultada no Rio de Janeiro (Brasil). Dados de Walter McAlister em entrevista, e:
http://www.findagrave.com/cgi-bin/fg.cgi?page=gr&GRid=74808395 (acesso em: 20 dez. 2016).
108

Lápide de Roberto McAlister, com o ano correto de seu nascimento, 1930. Alguns textos (ARAÚJO,
2007; site do CMINVB, já mencionado e outros) afirmam, equivocadamente, que ele teria nascido em 1931.
(Foto disponível na internet)136.

2.5 Trânsito religioso

Conforme foi visto ao longo deste capítulo o modelo de pentecostalismo oferecido e


promovido por Roberto despertou atenção de muitas pessoas, ganhando adeptos. Nesta parte
final, vamos acionar a memória de fiéis que entraram para a Nova Vida no tempo de Roberto.
Eles em geral vieram de outras religiões e fixaram-se na igreja do pastor Roberto em busca de
“Nova Vida”137.
Crenças e práticas religiosas compartilhadas por um grupo de pessoas são uma forma
de manutenção do mundo social que se constituem numa “estrutura de plausibilidade”,

136
http://www.findagrave.com/cgi-bin/fg.cgi?page=gr&GRid=74808171 (acesso em: 14 nov. 2016).

137
Vamos apresentar relatos de entrevistas realizadas no contexto da Catedral geralmente antes e mais ainda
após os cultos, entre fevereiro e abril de 2016.
109

conforme teorização de Berger (1985). Nesse sentido, a religião serviria para sustentar a
realidade do mundo socialmente construído a fim de possibilitar as pessoas existirem em sua
condição humana resistindo aos ataques anômicos da realidade circundante (p. 55). Pois “a
mesma atividade humana que produz a sociedade também produz a religião”, compreendida
como uma relação que “é sempre dialética” (p. 61). Portanto, “todo mundo religioso se baseia
numa estrutura de plausibilidade” o que o torna “intrinsecamente precário em sua realidade”.
Por essa razão dá-se a possibilidade de “conversão”, explicada por ele mesmo como
“transferência individual para outro mundo”, isto é, mudança, por exemplo, para um diferente
grupo religioso (Berger, 1985, p. 63).
Dentre as pessoas entrevistadas durante a coleta de dados, praticamente todas elas
viveram experiências de trânsito religioso e/ou “conversão” como se pode verificar nos
testemunhos a seguir. Como já observado, sobre a origem de crença das pessoas que
chegaram para a Nova Vida há uma distinção quanto à faixa etária, que também diz respeito
ao contexto histórico, doutrinário e de liderança de cada período da igreja. Os de idade mais
adulta e avançada são oriundos basicamente do catolicismo, do espiritismo e de grupos afro-
brasileiros. O que converge para os dados, embora não do contexto do Rio, mas da Região
Metropolitana de São Paulo, conforme trabalhados por Almeida (2004), que mostra todos
esses grupos religiosos (católicos, espíritas e afros) como “doadores” para o pentecostalismo,
ao terem seus fiéis fazendo trânsito religioso em direção preferencial às igrejas pentecostais.
Ambos os grupos etários (jovens/meia-idade e idosos138) fizeram críticas à crença que
mantinham e revelaram terem encontrado na Nova Vida uma renovada razão de conduzir sua
vida e espiritualidade, o que evidencia mudança religiosa para outra estrutura de
plausibilidade.
Uma senhora que era de família católico-espírita139, Ester, 60 anos, branca, sem
formação superior, contou que enfrentava depressão na juventude, até que uma amiga adepta
da Nova Vida a visitou e falou-lhe do “amor de Jesus”. Desde então, passou a frequentar a
igreja, com a idade de 18 anos, onde conheceu o pastor Roberto McAlister e ficou “em
Botafogo até ele morrer”, permanecendo na Nova Vida há mais de 40 anos, mesmo com todas
as mudanças verificadas na igreja.
Outra senhora, Flávia, 70 anos, formada pela escola secundária (Ensino Médio),
relatou sua trajetória religiosa começando pela origem católica, depois umbandista,

138
Ver sobre perfil dos entrevistados na Introdução, pág. ????
139
Apareceu aqui exemplo da teoria de dupla pertença religiosa, fenômeno não captado pelo Censo do IBGE, já
discutido por alguns autores, tais como (MENEZES, 2013, 2014; CAMURÇA, 2013; SANTOS, 2013;
FERNANDES SILVA, 2013), inclusive como múltiplo pertencimento religioso.
110

convertendo-se na IEQ, onde ficou 4 anos e foi para Nova Vida após assistir Roberto
McAlister pregando na TV. “Fiquei em Botafogo até ele morrer”. Depois ela passou um
tempo na IURD, voltou à Nova Vida, frequentou a Metodista Wesleyana, circulou pela AD e
retornou à Nova Vida.
Estava em casa e liguei a TV. Estava passando o programa Coisas da vida, do pastor
Roberto McAlister. Quando eu vi aquele homem falando, eu disse: Meu Deus!
Fiquei apaixonada porque ele pregou a Palavra de Deus, ali no canal 6. Quando
acabou de pregar ele disse, vamos orar, fazer um ponto de contato: Põe a tua mão na
minha e vamos orar. Eu coloquei a minha mão na dele, na TV, oramos e fiquei
encantada. Meu Deus... Ele deu o endereço, como eu morava em Copacabana, era só
atravessar o túnel velho e eu estava na [Rua] General Polidoro, onde fica a igreja.
Bem perto de meu apartamento (FLÁVIA).

Esta entrevistada, de múltiplos trânsitos religiosos, relatou como se deu sua primeira
transferência da igreja onde se converteu, a IEQ, no bairro carioca da Ilha do Governador,
Zona Norte do Rio, para a Nova Vida, situada na Zona Sul:
Falei com meu pastor e contei do bispo Roberto McAlister. Ele me abençoou e
disse, ‘Igreja de Nova Vida é uma benção. Pode participar lá’. Domingo pela manhã
eu já estava na Nova Vida. Isso em 1979, em Botafogo. Fui para lá e lá aconteceu
tudo de bom. Deus me usou muito. Meu marido se tornou um empresário, eu
também. Tivemos uma vida - temos até hoje - uma vida muito próspera e o bispo em
minha vida foi um Abraão. Foi um pai mesmo, que eu conheci. Acho que aquilo foi
uma coisa de Deus. Deus me fez ir para a sala, ligar a TV e achar a igreja e ele em
minha vida. Nunca faltei a um culto de domingo, segunda-feira, quarta-feira
(FLÁVIA).

A gramática expressada acima, sobre tornar-se empresária juntamente com seu


marido, alcançando uma vida de recursos materiais, revela dados do que viria a ser chamado
posteriormente de “teologia da prosperidade” e os testemunhos típicos de pessoas ligadas a
igrejas neopentecostais, como a IURD, principalmente. O que associa Roberto McAlister a
este universo, que embora criticado não seja totalmente negado por Walter no livro em que
trata dessa temática (MCALISTER, W., 2012)
Outra idosa, Ester, que há 40 anos está na Nova Vida, trocou sua antiga igreja,
também pentecostal, por causa da cura do filho, “pela oração feita na TV pelo bispo Roberto”.
Segundo ela, a criança levantou do sofá e colocou a mão na TV, na mão do bispo, “e foi
curado de um nódulo”. Ela referiu-se à mesma prática, chamada “ponto de contato”, como já
mencionada.
Curas milagrosas se ampliavam e reforçavam a tônica desse pentecostalismo surgido
em meados do século XX a ponto de pesquisadores terem classificado igrejas ativas desse
movimento como agências de “cura divina” (MENDONÇA, 1997), principalmente IEQ,
IBPC e Igreja Pentecostal Deus é Amor. A Nova Vida, embora não sendo incluída
explicitamente neste rol, contribuiu para tal movimento, mesmo sem jamais ter se aproximado
111

do extremo pentecostal de uma Igreja Deus é Amor. Esta denominação, por exemplo, mantém
na área de seu templo-sede, em São Paulo, uma sala com muletas e cadeiras de rodas de
pessoas supostamente curadas140. Segundo a já citada reportagem da revista Veja, quando da
inauguração de um templo dessa denominação no Paraná, em 1975, uma propaganda de rádio
anunciava a “falência dos hospitais de Curitiba após a nossa chegada”. O que segundo essa
mesma matéria, “naturalmente, nenhum hospital fechou por falta de pacientes”, o que gerou
foi um “áspero atrito com o Conselho Regional de Medicina e o arcebispo católico de
Curitiba”141
A influência da Nova Vida fica clara na IIGD e na IURD conforme já visto neste
capítulo, sendo a primeira mais nesta área de milagres, e a segunda quanto à questão dos
demônios e da prosperidade financeira142. Milagres na área da cura são ênfases hoje dadas por
igrejas cujos líderes são oriundos e/ou tiveram passagem pela Nova Vida e contato com
Roberto McAlister. Caso típico é o de Romildo Soares e sua IIGD 143. Já Edir Macedo, da
IURD, embora fale de cura, enfatiza na IURD os milagres e no campo econômico, com
testemunhos de indivíduos que teriam superado graves carências materiais, tornando-se
“pessoas de sucesso” na área financeira. Também são comuns na IURD milagres no ambiente
familiar, com resolução de conflitos entre cônjuges e/ou com os filhos. Programas de TV, de
rádio e jornais dessas duas igrejas evidenciam fartamente essas informações.
Como pode se ver nesse capítulo, a era Roberto foi muito efervescente, especialmente
nos anos iniciais na ABI, mas também com certa continuidade após o estabelecimento da sede

140
Em alguns templos católicos existem salas com réplicas em gesso, por exemplo, de supostos milagres feitos
por santos (PEREIRA, 2003; 2011), como no Santuário da Penha, no Rio de Janeiro (já visto por este
pesquisador). David Miranda, fundador da IPDA, foi católico e “congregado mariano” antes de se converter ao
pentecostalismo (CÉSAR, E., 2000). Qualquer semelhança entre esse continuum religioso de milagres entre
catolicismo popular e pentecostalismo de cura divina pode não ser mera coincidência.
141
Revista Veja, São Paulo, edição 683, de 7 de outubro de 1981, pág. 56-64:
https://acervo.veja.abril.com.br/index.html#/edition/683?page=56&section=1&word=manoel%20de%20mello
(acesso em: 15 ago. 2016).
142
Este sistema religioso praticado pelo Bispo Macedo, que conjuga especialmente estas duas vertentes –
libertação de demônios (exorcismo) e busca por superação de privações materiais (teologia da prosperidade) é
uma espécie de tipificação da concepção de Hervieu-Legér (2008, p. 49), quando afirma: “Acreditar no diabo é
uma maneira de exteriorizar esse sentimento de impotência identificando, para além do mal-estar pessoal, a ação
de um poder maléfico que manipula e ‘possui’. A grande maioria dos que procuram o exorcismo são pessoas em
situação de vulnerabilidade psicológica, desprovidos, geralmente, dos meios econômicos e culturais para
enfrentar uma condição que os esmaga”. Em relação à Nova Vida, quanto mais a igreja foi alcançando pessoas
de classes médias menos manifestações demoníacas ocorreram em seus cultos e concomitantemente menos
pregação sobre a teologia da prosperidade, práticas que foram assumidas especialmente pela IURD de Macedo.
143
A loja virtual Shopping do Povo, ligada à editora da IIGD, distribui, por exemplo, o livro Conselhos de um
Mestre. O pensamento do pastor Roberto McAlister. Um dos assuntos é cura divina. O organizador do livro,
conforme diz na capa, é o pastor Roberto Leal, genro de Robert McAlister: http://www.spovo.com.br/livro-
conselhos-de-um-mestre.html (acesso em: 11 dez. 2016).
112

em Botafogo, contendo as características básicas do que hoje se chama neopentecostalismo.


Roberto e sua influência continuarão sendo abordados nas partes seguintes, mas com foco
maior em seu filho Walter, (capítulo 3) e em seu neto, John, (capítulo 4), sob a perspectiva da
trajetória da Nova Vida com suas continuidades, ressignificações, mudanças e rupturas.
Finalizo este capítulo citando a mais popular das típicas frases de Roberto: “Deus o
abençoe rica e abundantemente” (ARAÚJO, 2007, p. 728), a maneira como ele encerrava os
programas na rádio. Ouvi esta frase em igrejas do Conselho, em São Paulo e no Rio de
Janeiro (Tijuca), repetida por pastores, principalmente no final do culto. Walter utiliza tal
expressão, entre aspas, em itálico e com letras maiores, para encerrar seu livro
Neopentecostais (2012, p. 183). O filho de Roberto, McAlister Júnior, sua trajetória na
liderança da Nova Vida herdada de seu pai, a divisão da denominação e o conjunto de
mudanças executadas na igreja resultando em despentecostalização e calvinização são
assuntos para o capítulo seguinte.
113

3 PENTECOSTAL E REFORMADA: UMA IGREJA EM PROCESSO DE


TRANSFORMAÇÃO

Nossa igreja tornou-se reformada, litúrgica,


episcopal, mas pastoral. Como denominação,
somos os únicos no mundo a fazer essa
mudança.
Bispo Walter McAlister

No capítulo anterior foi apresentado um panorama dos primórdios e o


desenvolvimento da Nova Vida sob a liderança de Roberto McAlister, principiando por sua
origem canadense, seguindo com suas circulações pelo mundo na condição de pregador e
promotor de práticas pentecostais, resultando na criação de uma denominação evangélica no
Brasil. Destacamos os instrumentos de comunicação utilizados por ele, o que contribuiu para
irrupção de um renovado modelo de pentecostalismo no país.
No presente capítulo será feita uma abordagem da trajetória da igreja pós-Roberto,
incluindo sua divisão e posterior surgimento de uma nova denominação sob a liderança de
Walter McAlister, seu filho, que veio a ser o bispo primaz da denominação. Neste sentido será
enfocado o processo de mudanças na identidade da igreja e perspectiva dos membros, tanto
antigos como mais jovens a essa nova reconfiguração pentecostal levada a cabo pela liderança
episcopal. Tal processo, que estamos chamando de despentecostalização, se dá com o suporte
básico de dois instrumentos, a saber, uma instituição de formação teológico-ministerial e uma
editora-livraria para disseminação de materiais impressos, conforme a campanha de
reformulação doutrinária da denominação.
Esta reformulação conta com o exemplo paradigmático do padrão litúrgico,
educacional e doutrinário da Catedral, que faz o papel pedagógico para as outras igrejas da
Aliança (ACNV) ao exprimir seu estilo, principalmente nos eventos denominacionais, quando
pastores e também fiéis se fazem presentes na sede da ICNV. Isso será ainda melhor
apresentado no capítulo 4.

3.1 Walter McAlister entre duas gerações


114

Para introduzir este capítulo, passamos a uma breve exposição da caminhada do atual
bispo primaz da Igreja Cristã Nova Vida. Walter Robert McAlister Júnior nasceu no Estado
norte-americano da Carolina do Norte, em 1956, apenas 14 meses após o casamento de seus
pais Robert e Glória Garr McAlister. “Cresci no contexto de mais de uma campanha
evangelística feita por meu pai”, declarou no início da entrevista para esta pesquisa. Dois anos
e meio depois, ou seja, quando era ainda criança pequena sua família desembarcou no Brasil
visando atender ao projeto de Roberto de realizar pregações e outras ações pentecostais.
Seu pai nasceu no Canadá, mas foi nos Estados Unidos e a partir desse país que se
tornou liderança mais conhecida pela atividade religiosa que desenvolveu, depois,
reconhecido ainda mais no Brasil onde iniciou um movimento que veio a resultar na Igreja de
Nova Vida e no neopentecostalismo. Walter McAlister nasceu nos Estados Unidos, mas foi
no Brasil onde cresceu, tornou-se pastor, depois bispo, cindiu o movimento iniciado por seu
pai e criou uma denominação da qual se tornou líder primaz. Tornou-se, portanto, conhecido e
reconhecido, embora sem a dimensão estelar de seu pai, como ele mesmo reconhece. Apesar
de ver sua igreja como continuidade da criada por seu pai e possuir alguns traços em comum
com ele, como o estilo de cânticos, o recolhimento de recursos financeiros no culto, por
exemplo, o filho, no entanto, esposa atualmente uma ética religiosa (calvinismo conjugado
com despentecostalização) que se distancia histórica e socialmente do modelo original da
Cruzada e Igreja de Nova Vida conforme desenhado por seu pai (neopentecostalismo e
arminianismo). Como será apresentado, de forma mais específica, sobretudo pelas entrevistas
dos fieis no decorrer deste capítulo, mas também no seguinte.
Walter cresceu acompanhando, naturalmente, o trabalho de seu pai Roberto e recorda-
se que desde menino uma das coisas de que mais tinha prazer “era carregar a pasta” de seu pai
ao final de cada culto no auditório locado na Associação Brasileira de Imprensa144. Ele conta:
Lembro-me do dia em que completei 10 anos de idade. Meu pai me chamou para
ficar ao seu lado, enquanto sentado na plataforma do auditório da Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), ele orou pelos enfermos – um por um, até terminar a
fila. Foi uma verdadeira aula de oração pelos enfermos (MCALISTER, W., 2009, p.
23).

Esse aprendizado se deu durante os dez anos em que estiveram na ABI, quando sua
mãe lhe dava papel e lápis para desenhar, a “fim de ficar comportado durante o cultos”
(MCALISTER, W., 2012, p. 73). Walter continuou sua narrativa lembrando-se dos cultos na
ABI e afirmando que “aos 12 anos de idade peguei um caderninho e disse ao meu pai que o
usaria para anotar todos os ‘bons versículos’ para usar em pregações quando crescesse”. E

144
Ele menciona este fato de orgulho infantil em relação ao pai, em dois livros (MCALISTER, 2009, 2012).
115

revelou que “de terninho de calça curta, cresci sem amigos na igreja” (MCALISTER, W.,
2009, p. 23).
Havia cultos na ABI, inicialmente aos domingos à tarde. Mas como não existia
atividade religiosa específica para crianças, surgiu uma preocupação na família, por conta de
Walter e de sua irmã. Ele conta na entrevista:
Depois de um tempo145, meu pai sentiu que eu iria sofrer por causa da falta de escola
dominical e acabou nos levando para a Igreja Batista do Leblon, para eu ter um
pouquinho de escola dominical146. Era uma igreja bilíngue. Mas foi por pouco
tempo. Isso durou um ou dois anos, no máximo (W. MCALISTER)147.

Essa vivência bilíngue também ocorria na escola. Ele estudou na Escola Americana do
Rio de Janeiro, onde completou os estudos em 1974, seguindo depois para os Estados Unidos
onde cursou Psicologia na Oral Roberts University148, instituição cristã de orientação
pentecostal, em Oklahoma, formando-se em 1977. Transferiu-se para o Canadá onde fez o
curso de Estudos Ministeriais, na mesma escola onde seu pai havia estudado, o Eastern
Pentecostal Bible College, em Ontário, formando-se em 1980. Retornou ao Brasil, foi
ordenado pastor ainda em 1980 e aqui atuou sob a supervisão de seu pai, organizando e
liderando igrejas nos bairros suburbanos do Méier e do Engenho Novo, até se tornar auxiliar
na sede em Botafogo. No ano seguinte, casou-se com Marta Ribeiro149, descendente de uma
tradicional família batista oriunda da Bahia que se radicou no Distrito Federal antes da
inauguração de Brasília. Walter e Marta Ribeiro McAlister têm dois filhos, John e Andrew.
Ambos nasceram no Brasil, mas curiosamente têm nomes anglo-americanos, enquanto o avô

145
Possivelmente no período de 1961-62, quando Walter estava com idade entre 5 e 6 anos e sua irmã com cerca
de três anos.
146
Interessante que Roberto não procurou uma igreja pentecostal com escola dominical, como Assembleia de
Deus, para seus filhos, mas uma igreja do protestantismo histórico. Buscou a Igreja Batista do Leblon
principalmente pela questão bilíngüe ou também pela classe social? Ou porque as igrejas históricas são
reconhecidas por seu programa de educação bíblica, conforme apontou o próprio bispo Walter no contexto do
capítulo 1 em que comentou sobre a desintoxicação neopentecostal?!
147
Entrevista a esta pesquisa.
148
O nome dessa universidade refere-se ao famoso televangelista estadunidense Oral Roberts, que influenciou a
atuação de Roberto McAlister, tendo inclusive estado no Brasil pregando em eventos da Cruzada de Nova Vida
(MCALISTER, 2009). Dados também oriundos de Walter na entrevista concedida a esta pesquisa.
149
O pai de Marta, Isaac Barreto Ribeiro (1924-2015), de origem nordestina, foi colega de escola e amigo do
escritor brasileiro Ariano Suassuna (1927-2014), (VICTOR e LINS, 2007). Formado em Medicina e também em
Direito se radicou no Distrito Federal, sendo um dos primeiros médicos de Brasília:
https://www.youtube.com/watch?v=f0_1BjCFVek (acesso em 18 dez. 2016). Dentre os irmãos de Marta destaca-
se Alex Dias Ribeiro, o ex-piloto de Fórmula 1 e um dos líderes do grupo evangélico Atletas de Cristo. Walter,
portanto, casou-se com uma brasileira de família de classe social média, como ele, e igualmente de tradição
religiosa protestante (batista). (Dados de breve conversa com Marta McAlister, após um culto na Catedral, em:
13 mar. 2016, e também de seu esposo Walter, via Facebook, em: 23 dez. 2016).
116

Robert, tenha aportuguesado sua identidade para Roberto150. Walter, que nasceu em Charlotte,
EUA, naturalizou-se brasileiro apenas em 1989 (MCALISTER, W., 2009).
Após a morte de seu pai foi ordenado bispo, quando passou a liderar formalmente o
conjunto de igrejas deixado por seu pai e, posteriormente, com a divisão da denominação,
criou sua própria associação de igrejas. Nesse contexto, voltou a estudar, o que sempre foi seu
desejo, ingressando num curso de mestrado em Teologia no Reformed Teological Seminary,
uma instituição fundada por um ramo da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos tido como
um dos mais conservadores em matéria de doutrina. Tendo várias unidades nos EUA, Walter
fez seu curso no Campus de Orlando, na Flórida151. Viajava aos Estados Unidos para cumprir
os módulos do mestrado e retornava ao Brasil. Após completar dois terços do período de
formação Walter explicou que precisou trancar o curso quando seu filho John começou a
faculdade. “Porque eu não podia pagar tudo”, disse o bispo, que somente veio concluir essa
pós-graduação no ano de 2015.
Roberto e Walter tendo nascido em diferentes países da América do Norte se tornaram
fundadores de denominações evangélicas no Brasil. McAlister, o pai, estabeleceu a Igreja
Pentecostal de Nova Vida, e McAlister Júnior, o filho, organizou a Igreja Cristã Nova Vida.
Esta não é meramente uma continuação daquela com a adoção de outro nome, pois tem
diferenças como atestadas pelos próprios entrevistados e que serão enfocadas neste trabalho.
Entre 1993 e 1994, quando Walter assumiu a liderança da denominação organizada
por seu pai e que ainda era um só grupo ele já atuava há alguns anos na sede, a Nova Vida de
Botafogo. Para contextualizar esse ambiente numa dimensão mais ampla da vida nacional
segue um pequeno panorama daquela conjuntura.
O Brasil vivia politicamente a realidade da redemocratização ocorrida fazia pouco
tempo e a gestão de um presidente que chegara ao poder mediante o impedimento legal de
Fernando Collor, eleito nas primeiras eleições diretas para presidente após a ditadura civil-
militar (1964-1985). A população nacional, segundo o IBGE (1991), era de mais de 146
milhões, o dobro registrado quando Roberto iniciou sua Cruzada de Nova Vida em 1960. Os
dados de religião do mesmo Censo de 1991 ainda estavam em voga com o ascendente índice
de crescimento de evangélicos que chegaram a 9% da população. No Rio de Janeiro, dois
grandes fatos de violência policial marcaram a cidade e o país nesse ano da morte de Roberto
e início da ascensão de Walter na liderança denominacional: a chamada Chacina da

150
Perguntei ao bispo Walter quando seu pai havia adotado essa forma de identidade e ele respondeu, com
humor: “Não sei quando ele decidiu tupiquinizar seu nome” (23 dez. 2016, via Facebook).
151
https://www.rts.edu/orlando/ (acesso em: 23 dez. 2016).
117

Candelária, em que policiais mataram oito crianças e adolescentes enquanto dormiam


próximos ao conhecido templo católico no Centro da cidade, e a Chacina de Vigário Geral,
território da zona norte do Rio, que dizimou a vida de 21 moradores, dentre os quais, toda
uma família evangélica. Na área econômica e social o país enfrentava a realidade de graves
crises e as tentativas de equacionar os problemas inflacionários. Entre o fim de 1993 e até
meados de 1994 o Brasil viveu uma experiência monetária que resultou no chamado Plano
Real de mudanças econômicas e o estabelecimento de uma nova moeda oficial.
Neste cenário macro de muitas instabilidades sociais, em especial nas áreas política,
econômica e de segurança, Walter McAlister foi ordenado bispo e assumiu a direção
episcopal da Igreja de Nova Vida. Recebeu reconhecimento oficial do Presbitério, um
coletivo formado por todos os bispos e pastores da denominação, mas em meio a conflitos
gerados por disputas de autoridade e desconfianças da legitimidade e de sua capacidade para
tamanho desafio. Na entrevista Walter relatou como se desenvolveu o processo:
Quando meu pai morreu havia dois bispos auxiliares, que tinham ficado distanciados
dele, porque nesse meio tempo ele deu autonomia a todas as igrejas. E eles
discordaram dessa perda de poder do episcopado, então ficaram oito anos sem falar
com ele, os oito anos que antecederam sua morte. Então quem ficou virtualmente
como co-regente da denominação fui eu, embora pastor; e os outros bispos tinham
os seus pastores amigos, digamos, que os visitavam (W. MCALISTER).

Consciente do contexto adverso Walter conta na entrevista a recomendação de um


amigo, que lhe disse: “Você tem que se humilhar perante Deus e ele vai te mostrar o que
fazer”. Então Walter detalhou as medidas que tomou:
Fiz um jejum de 40 dias, um jejum parcial, vegetariano, e depois desse jejum eu
chamei os dois [bispos] e mais quatro pastores que tinham sido os mais antigos, os
mais amigos do meu pai, os mais fiéis e senti que nós não poderíamos caminhar para
frente sem resolver pendências. Não podia fazer de conta que não havia dois bispos
já ordenados. Chamei-os e disse: eu quero que vocês me ordenem o primaz e nós
vamos ordenar esses quatro [pastores] como parte do colégio episcopal, que serão
seis bispos mais o primaz. E o Tito [Oscar] perguntou se eu tinha unção para tanto e
eu disse, sim! E ele aceitou, ele pagou pra ver, por assim dizer. Então, na noite da
ordenação estavam presentes o Caio Fábio e outros pastores, poucos convidados,
mas principalmente nossa igreja. Ordenaram-me primaz e em seguida eu ordenei os
quatro para formar o colégio episcopal (W. MCALISTER).

Walter tinha apenas 37 anos de idade, enquanto os dois outros bispos possuíam mais
anos vividos do que ele e até mesmo mais capilaridade na relação com os pastores. Tito
Oscar de Almeida, por exemplo, estava com 48 anos e há uma década já era bispo, pois foi o
primeiro a ser ordenado ao episcopado após o líder maior Roberto McAlister. Analisando essa
situação Walter, no entanto, afirmou e reafirmou que “não queria ser bispo”. Segundo ele, “a
igreja tinha crescido de uma maneira um pouco desordenada”. E falou desse estilo de seu pai,
usando uma metáfora:
118

Ele foi um pioneiro, que vai para o meio da mata e derruba um monte de árvore.
Quando eu cheguei em cena, perguntei: o que vou fazer com toda essa madeira no
chão?! A clareira estava aberta, ele tinha desbravado. Com a morte dele eu tinha sob
minha responsabilidade [igreja de] Botafogo, uma emissora [Rádio Relógio] e duas
propriedades pelas quais eu tinha que me responsabilizar, aqui do Recreio e uma
vila, um lugar para idosos, no Lote XV, em Caxias (W. MCALISTER).

Imagens do que restou da estrutura da antiga Catedral, na Avenida das Américas, Recreio dos Bandeirantes, Rio
de Janeiro, RJ (Fotos: Google).

Uma dessas propriedades era a área que serviu como catedral até a construção da atual.
Um terreno de cerca de 30 mil metros quadrados, segundo dados de Andrew McAlister,
adquirido por Roberto em meados dos anos 1980, localizado na Avenida das Américas no
bairro da Zona Oeste do Rio, Recreio dos Bandeirantes152. Esta propriedade, conforme
entrevista de Tito Oscar, tinha como objetivo fazer um grande centro de eventos, congressos,
conferências da Nova Vida, mas o bispo morreu antes de a construção ficar pronta. Segundo
Walter, o terreno era baixo e o lençol freático raso causou problemas na estrutura da antiga
catedral, não sendo mais possível sua utilização. Tanto esta propriedade quanto a outra na
Baixada Fluminense, em Duque de Caxias, foram vendidas, além da Rádio Relógio. Tais
decisões e resoluções foram alvos de críticas de Tito Oscar, em sua entrevista, bem como de
um membro da catedral que disse ter convivido e colaborado com o trabalho de Roberto
McAlister.

3.1.1 Uma igreja de pai para filho

152
Para visualizar a imagem do antigo templo, hoje depredado, ver: https://www.google.com.br/maps/@-
23.0174462,-
43.4798552,3a,75y,1.72h,92.07t/data=!3m6!1e1!3m4!1sGqaQ3F5_6rkNW6g2XyoOPQ!2e0!7i13312!8i6656
(acesso em 23 dez. 2016). A cruz celta, no centro do edifício, identifica a ex-catedral.
119

No contexto do afastamento de seu pai por conta da doença e posterior


desaparecimento após a morte, Walter foi naturalmente assumindo a direção da denominação
até porque já estava na regência da igreja sede em Botafogo. Na entrevista ele revela, com
certo constrangimento, que chegou a circular por meios neopentecostais, que estavam em
grande evidência nos anos 1990, mostrando indefinição sobre qual caminho seguir. Por conta
dessa espécie de insegurança resolveu buscar maior e melhor formação teológica para ter
condições de entender o cenário e tomar decisões, o que resultou no ingresso em curso de
mestrado que veio a fazer nos Estados Unidos. Essa pós-graduação contribuiu para sua
redefinição doutrinária, com abandono de influências neopentecostais, e sua consequente
adesão às doutrinas reformadas na perspectiva calvinista. Conforme ele mesmo contou:
Eu não tinha um projeto. Tanto que uma das primeiras coisas que eu fiz foi voltar a
estudar. Eu queria fazer mestrado. Eu falei para meu pai uma vez que eu tinha
vontade de fazer mestrado. E ele disse: ‘não se preocupe, isso passa’. Aí quando ele
morreu eu estava envolvido com um dos movimentos pentecostais, digamos,
complicado. Com Neuza Itioka, [...], Valnice Milhomens e no meio desse grupo eu
senti que a coisa não andava bem, eu não entendia porquê. Eu pensei: Faltam-me
ferramentas, não tenho preparo. Então eu fui fazer mestrado. E ao fazer mestrado,
recomendado inclusive por um antigo amigo de meu pai 153, ele disse: ‘olha, seu pai
já estava mergulhando nessa escola, a escola reformada e pactual’. Mas ele não tinha
estudado teologia reformada. Então eu fui, estudei, me choquei muito, até que me
convenci. Fui convencido da biblicidade, da relevância dessa linha teológica. E aí,
ao longo desses 20 anos, eu tenho trabalhado para reformar nossa igreja, sem perder,
alguns distintivos importantes, que eu creio. Porque eu creio que são contribuições
que a igreja tradicional deveria levar em consideração (MCALISTER, W). 154

Walter assume com corajosa transparência que após a morte de seu pai não tinha um
projeto para a igreja que herdou e assumiu. Revelou que estava envolvido com pessoas e
movimentos por ele citado e classificado como “pentecostalismo esquisito”, possivelmente se
referindo a práticas identificadas como neopentecostais. Neuza Itioka e Walnice Milhomens
são, por exemplo, duas lideranças destacadas do contexto dos anos 1990, ligadas a
movimentos associados ao neopentecostalismo. Itioka, tendo tido certa penetração entre
jovens universitários, mas se envolvido posteriormente com lideranças neopentecostais dos
EUA e Brasil, publicara um livro com o título: Os deuses da umbanda: o baixo espiritismo
(1990). Assim sendo, tanto Walter, como ele aqui salientou, quanto seu pai Roberto –
segundo percepção do próprio neto John e que também é mencionado pelo Walter em seu
livro (2012) – estiveram bastante envolvidos com grupos de práticas tidas como
neopentecostais, tais como ênfase na teologia da prosperidade, demônios territoriais e teologia

153
Em entrevista posterior (18 dez 2016, via Facebook), Walter esclareceu que se referia ao Rev. David
Longobardo. Este pastor foi líder da igreja World Victory International Christian Center, na Carolina do Norte,
EUA: http://www.ilfarodelvangelo.it/news-eventi/32-david-longobardo (Acesso em: 19 dez. 2016).
154
Entrevista concedida a este pesquisador em: 3 dez. 2015.
120

do domínio, exorcismo com ações midiáticas espetaculares (MARIANO, 1999, p. 51;


ROMEIRO, 1995, p. 159-165).
Os desafios enfrentados pelo pai de Walter para começar seu trabalho no Brasil
estavam relacionados a questões culturais, como domínio da língua para comunicação,
compreensão dos costumes e, também, desafios estruturais como necessidade de rádio para
chegar até o público e ter um local para realização de reuniões de culto. Além disso, teve que
se adaptar a um povo e cultura bem diferentes da sua. Também começou algo próprio que foi
moldando segundo sua volição conforme as possibilidades permitiam, mas que ainda não
tinha um padrão ou costumes aos quais devesse se submeter. A igreja começou como um
programa de rádio, do rádio foi para a praça, da praça seguiu para um auditório e só muito
depois se transferiu para um templo, primeiro Bonsucesso e depois Botafogo. Era um
movimento mais fluido com a liderança forte e carismática de Roberto McAlister. O contexto
do protagonismo de Walter na condução da igreja era bem diferente da situação enfrentada
por seu pai, com aspectos que podem ser classificados como favoráveis e outros adversos,
como se verá a seguir.
Vivendo no Brasil desde antes de completar três anos de idade, conquanto tenha
passado períodos de estudos nos Estados Unidos e Canadá, Walter se sentia em casa,
dominando a língua nacional, falando praticamente como um brasileiro nativo. Usava
inclusive gírias como bom surfista curtindo sua prancha nas praias da Zona Sul carioca. Bem
diferente da realidade de seu pai que até o fim da vida ainda falava com forte sotaque, pois
chegara ao Brasil já com quase 30 anos de idade. Embora tenha acompanhado e colaborado
com o trabalho de Roberto, o filho também não necessitou diretamente lutar para iniciar a
igreja, formar os primeiros líderes, construir o primeiro templo, estruturar as bases da
denominação, definir as doutrinas básicas, porque além de ser criança ou estar estudando fora,
o responsável era, obviamente, seu pai. Portanto, ao assumir a estrutura eclesiástica, por mais
complicada que pudesse estar após a morte de seu pai, como ele aventa, ela possuía uma
rotina e funcionalidade. E aqui reside um dos limites impostos ao novo líder: ele não tem
como fazer tudo ao seu gosto ou conforme sua visão, pois há uma liderança formada e uma
institucionalidade sedimentada (WEBER, 1998, p. 166). Com a morte prematura de Roberto
falecia também a unidade da igreja que fundara. Para lembrar Berger (1985, p. 36) “toda
realidade socialmente definida permanece ameaçada por “irrealidades” à espreita. Todo
nomos socialmente construído deve enfrentar a possibilidade constante de ruir em anomia”. E
foi o que, de fato, terminou acontecendo. Entre o final de 1993 e início de 1994 transcorreu o
período de luto, juntamente com tentativas de sustentar a coesão do edifício religioso
121

construído por Roberto McAlister. Ele, muito mais do que líder de direito, afinal era o
fundador e bispo dirigente da denominação, tinha o reconhecimento dos demais bispos e
pastores com uma autoridade carismática típica do modelo teórico construído por Weber
(2002, p. 172). Walter, ao contrário, como o próprio reconhece, além de não possuir o carisma
do pai, era relativamente jovem, pois estava com apenas 37 anos de idade quando conseguiu
chegar ao topo da hierarquia da igreja. E já havia os dois outros bispos, ambos ordenados por
Roberto McAlister: Tito Oscar, guindado ao episcopado em 1983, então com 48 anos, e
Jorcelino Queiroz, em 1986, contando com 46 anos de idade.

3.1.2 Direção episcopal e divisão da igreja: Macedo como pivô involuntário

Tendo, portanto, menos idade que os bispos, não possuindo experiência pastoral mais
alongada como a deles, nem tampouco o carisma do fundador, Walter tinha um sobrenome,
McAlister, por ser simplesmente o filho do bispo Roberto. E tinha uma formação nos Estados
Unidos e Canadá, além de ser pastor na Igreja em Botafogo, a sede da denominação. Isso tudo
pendeu para seu lado e após muitas discussões definiu-se pela ordenação de Walter ao
episcopado para assumir a função de bispo primaz da denominação. Porém, como contou na
entrevista, não recebeu apoio do grupo internacional de Roberto: “Os amigos do meu pai, lá
fora, o próprio [John] Meares, se recusaram a vir para minha ordenação porque achavam que
eu era idealista demais, que a igreja iria se quebrar em mil pedaços, o que não aconteceu”.
Tito Oscar relata:
Ficamos dois anos juntos, eu trabalhando com o Walter. Quem ordenou o Walter fui
eu, ao episcopado. Eu não tinha nenhuma restrição no sentido de eu querer ser. A
lógica seria eu o líder do trabalho. Mas como ele achou que Deus o estava
chamando, então naquela época para não romper, não criar uma divisão ali, seria
muito ruim, estava recente a morte do bispo, aí a gente tocou uns dois anos (T.
OSCAR).

De uma espécie de uma dominação carismática “pura”, conforme Weber (1998, p.


161), a autoridade passa para outro estágio num processo de institucionalização, a chamado
rotinização do carisma. Ela acontece quando se torna uma estrutura relacional regular e
continuada. Esse processo de racionalização pode acontecer por razões diversas como
interesses materiais, persistência das relações, assimilação das ideias pela comunidade e
surgimento de um quadro administrativo (WEBER, 1998, p.162). Um desafio se coloca
quando da sucessão da liderança. A “transmissão do carisma” ou a escolha do novo líder pode
acontecer por hereditariedade, capacidade vocacional, revelação, indicação do líder para
122

transferência do carisma. E isso, salienta Weber (1998, p. 166), “não se realiza, em regra, sem
lutas”.
Como Roberto não teve tempo ou não quis indicar diretamente seu sucessor, os
conflitos inerentes à escolha do novo líder potencializaram fissuras, que já existiam, conforme
os próprios entrevistados apontaram – tanto Walter quanto Tito –, desembocando
posteriormente na ruptura e surgimento de dois grupos denominacionais. Mas antes houve
tentativas de se caminhar juntos, como já afirmado por ambos entrevistados, como nas
negociações e convergências que levaram à ordenação de Walter ao episcopado, abrindo
caminho institucional para se tornar o novo líder.
O templo no edifício de sete andares, a sede da denominação, ficou lotado para a
sagração de Walter McAlister, ocorrida em 1994. O Colégio de Bispos, um grupo consultivo
formado pelos membros do episcopado, promoveu oficialmente a cerimônia e Tito Oscar de
Almeida, a liderança mais antiga e que caminhara desde 1961 ao lado de Roberto McAlister,
conduziu a investidura de Walter à condição de bispo da Igreja de Nova Vida. Em entrevista
para esta pesquisa o pastor Martinho Lutero Semblano155, 46 anos, que esteve presente à
cerimônia, comentou: “Lembro-me que o pregador foi o Pr. Malcolm Smith, autor de
Esgotamento Espiritual156, e a tradução [do sermão] foi feita pelo Rev. Caio Fábio157. Pregou
sobre o peso da responsabilidade que o episcopado traria”. Com a presença de Malcolm
Smith, um pastor e conferencista inglês de tradição carismática e mais associado ao
calvinismo, Walter, consciente ou não, já sinalizava para mudanças identitárias que viria a
fazer na igreja que ora herdava de seu pai. De igual forma a presença destacada de Caio Fábio
na ocasião, um pastor ligado à tradição calvinista e ministro de uma das igrejas do
protestantismo histórico no Brasil, a presbiteriana.
Era a primeira vez que uma cerimônia tão marcante e concorrida não contava com a
presença física de Roberto. No entanto, o local, os presentes, a liturgia, o filho bispo, tudo
lembrava o velho McAlister. Pouco mais de três décadas havia se passado desde sua chegada
ao país e a Nova Vida era nesse contexto uma agremiação composta de cerca de uma centena

155
Entrevista concedida em 10 de junho de 2015, na sede da igreja em que é pastor, no bairro Tijuca, Rio de
Janeiro. Quando da divisão da denominação, em 1995, pastor Lutero decidiu ficar com o grupo que veio a ser o
CMINVB, de Tito Oscar.
156
Este livro foi publicado no Brasil pela Editora Vida: http://www.editoravida.com.br/p/277-esgotamento-
espiritual/ (acesso em 16 dez. 2016).
157
Caio Fábio d`Araújo Filho, à época pastor presbiteriano e liderança destacada entre evangélicos, inclusive
presidente da Associação Evangélica Brasileira (AEVB). Ele fazia contraponto critico ao Bispo Edir Macedo,
como registra Mariano (2004).
123

de igrejas, que vivia a transição traumática de sua liderança, pela morte do pioneiro bispo e a
ordenação e posse do novo primaz.
Este foi o último grande encontro da denominação e aparentemente fraterno da igreja
fundada por Roberto McAlister. Na formalidade das aparências tudo parecia bem, mas nos
bastidores os conflitos se intensificaram, as disputas internas cresceram, o fosso entre o
primaz e alguns bispos e pastores aumentou. Faltava um estopim para o desfecho da crise e
ele apareceu. O problema alegado para elevação do conflito, que resultou na cisão definitiva
em dois grupos foi curiosamente um personagem que passara pela Nova Vida, mas já não
estava na igreja havia quase duas décadas: Edir Macedo. Preso em 1992 o já controverso
Bispo Macedo conseguiu liberdade após 11 dias de reclusão, mas teve que enfrentar
acusações na mídia e processo na Justiça que se estendeu pelos anos seguintes. Naquele
contexto, diferentes líderes evangélicos se manifestaram, contra ou a favor, do fundador da
IURD. Walter descreveu sua percepção dos acontecimentos:
A [Igreja] Universal entrou em crise e começou uma maratona na televisão. Caio
Fábio foi à televisão denunciando eles [IURD] como uma igreja não-evangélica, o
que eu não aceitei fazer. Por isso saímos da AEVB. Mas o Tito [Oscar] mandou um
telegrama de apoio à Universal e eu liguei [para ele] e disse: você sabe que eu nunca
iria [me] levantar contra outra igreja numa tribuna pública como a televisão, mas
apoio, também não podemos dar. Aí ele disse: ah, se você quer brigar, chama a
reunião (W. MCALISTER).

Walter disse ter afirmado que não queria brigar, mas Tito teria insistido para ele
convocar o Colégio de Bispos, o que foi feito:
Chamei os bispos e ele [Tito] declarou que seria o bispo independente, mas dentro
da denominação. Leu uma carta de sete páginas e disse: eu vou ser independente, e
não vou ser do Colégio. São Paulo é minha região, mas eu vou manter o nome. Eu
disse: Mas é uma casa dividida, não pode! Ele disse: então vem brigar comigo, vai
me botar para fora?! (W. MCALISTER).

Conforme sua entrevista, Walter contou que estava começando o mestrado em


Teologia e tinha a “certeza de que isso não seria resolvido na briga”. Tito conta sua versão na
entrevista:
Houve um incidente de percurso com a prisão do [Edir] Macedo, porque na época
todas as igrejas se mobilizaram em apoio, não à Universal, mas contra a violência
que haviam feito contra o pastor [Macedo]. E eu participei daquele programa 25ª
Hora, para falar, defender, e isso aí o Walter não gostou, achou que eu estava
invadindo, estava desrespeitando ele. Ele não apreciava o Macedo. Eu disse: mas fui
em meu nome, não fui em nome de igreja (riso), fui no meu nome! Aí acabou. Em
razão dessa crise aí nós nos separamos (T. OSCAR).

Num programa de 1995 na TV Record, emissora adquirida pela IURD em 1989, entre
os convidados, sobretudo, pastores, foi destacado o apoio de Tito Oscar, que na ocasião, além
de bispo da Igreja de Nova Vida em São Paulo, era também presidente do Conselho de
124

Pastores de São Paulo. Segundo conta, defendeu o direito de defesa de Edir Macedo, sem
entrar no mérito das acusações. Como visto, Walter McAlister referiu-se a esse episódio, em
entrevista, afirmando que Tito falara em nome da Igreja de Nova Vida sem autorização do
colégio de bispos nem mesmo dele, primaz. Resultado: tal atitude de Tito, vista por Walter
como insubmissão à sua liderança, levou ao aprofundamento da crise existente com mais
agudeza desde a morte do bispo Roberto, que se radicalizou a ponto de consolidar a cizânia
que estava em voga. Na sequência, bispo Walter convocou o colégio de bispos e também o
presbitério – um colegiado que reúne além dos bispos todos os pastores da denominação –
para resolver a questão, mas as tensões se avolumaram e não foi possível um entendimento.
Sem ter havido conciliação os fatos culminaram com Walter anunciando sua saída da
denominação, convidando os pastores e bispos que quisessem, reconhecendo sua liderança,
para acompanhá-lo: “Então eu disse: eu abro mão de ser bispo, de um nome, terão que fazer
uma aliança comigo. Aí nasceu a Aliança e 70% mais ou menos ficaram comigo e a dúvida
seria se a gente continuaria a ser Nova Vida”. Tito afirmou que a divisão foi equilibrada: “Ele
[Walter] ficou com 60 e poucos pastores na época e nós ficamos com 60 e poucos. A Nova
Vida foi dividida ao meio, certinho”. Portanto, como consequência, uma parte dos pastores e
bispos seguiu Walter e a outra parte se manteve em torno dos demais bispos, com destaque
para a figura de Tito Oscar. Desse desfecho tenso, que reverberou no mundo evangélico e em
seus meios de comunicação, surgiu a Aliança das Igrejas Pentecostais Nova Vida (APNV), de
Walter McAlister e, posteriormente, o Conselho de Ministros da Igreja de Nova Vida do
Brasil (CMINVB), sob a liderança de Tito Oscar. Como dito pelo próprio Walter, resgatou-se
o nome Pentecostal, que foi a identificação original e continuava oficial da igreja, formando –
ou retomando –, portanto, a nomenclatura Igreja Pentecostal de Nova Vida (IPNV).
Há algumas avaliações sobre todo esse imbróglio e se ele poderia ter sido evitado,
conforme comentaram alguns pastores entrevistados. Tito, no entanto, avaliou na entrevista
que se não fosse o problema em torno do bispo Macedo, certamente outro surgiria, pois as
discordâncias eram inexoráveis: “Viríamos a nos separar por razões doutrinárias, lógico! Eu
não abraçaria, não mudaria minha visão em razão da mudança dele. Deus sabe”. O fato é que
a igreja fundada por Roberto McAlister estava agora dividida e organizada em dois distintos
grupos. Como está claro desde o início deste trabalho, o foco do presente estudo é a
denominação criada e liderada por Walter, que desde 2008 se chama Aliança das Igrejas
Cristãs Nova Vida (ACNV), sem, no entanto, deixar de pontuar detalhes sobre o outro grupo,
o CMINVB, bem como tangenciar demais associações e igrejas independentes que vieram a
se formar nos anos seguintes.
125

Bispo Walter analisa a cisão destacando as disputas que se seguiram entre os dois
grandes grupos:
Como em todos os momentos de cisão, alguém fica com o ônus de se explicar. Eles
[CMINVB] protestam sua legitimidade como a verdadeira, os verdadeiros
sucessores do Bispo Roberto. Eu nunca entrei no mérito disso. Acho uma discussão
historicamente irrelevante. Cada um é o que é. Mas eles se dizem a verdadeira.
Então é uma maneira... Eles não têm um líder. Eles não têm um líder! Então o líder
deles é meu pai, que está morto há 20 anos. Eu sou McAlister! Então eu tenho que
brigar por quê?! Eu tô cuidando da minha casa. Eu só tô fazendo isso. Eu nunca
entrei no mérito do que eles são ou deixam de ser. Sempre proibi nossos pastores de
falarem contra o Conselho da Nova Vida do Brasil. Deixa eles. Não importa.
Simplesmente não importa. É irrelevante (W. MCALISTER).

Passados mais de 20 anos da divisão, as rusgas entre os grupos ainda persistem, como
se percebe nessa entrevista. Na ocasião comentei com Bispo Walter que em todos os cultos
que presenciei de igrejas do Conselho bem como entrevistas que realizei com pastores dessa
denominação eles se referiram ao Bispo Roberto de maneira muito respeitosa e afetiva. Ao
que Walter pontua:
É muito respeitosa por quê? Eles querem se legitimar. E a maneira de se legitimar é
dizendo: Nós somos a igreja que o Bispo Roberto fundou. E eles se reportam a mim
como traidor, digamos, da Nova Vida. Que eu traí meu pai, que eu desfiz a igreja.
Inclusive eles encomendaram uma matéria que foi publicada na Vinde158. Na época
da revista Vinde, escrita pelo Pavarini159, e ele disse – mostrando outras
denominações que continuavam fortes como Maranata 160 – mas que eu não tive
pulso, não tive liderança, não tive protagonismo suficiente para dar continuidade. A
verdade é que foi bem o contrário: eu redefini a denominação e eles não aceitaram
(W. MCALISTER).

Essa redefinição da denominação a partir da pós-graduação de Walter nos Estados


Unidos, com base no calvinismo e na retração em relação a práticas pentecostais, é tida como
um fator importante, inclusive mencionado pelo Bispo Tito Oscar, mas é preciso averiguar e
analisar melhor as razões políticas e pessoais, o que não é objetivo específico deste trabalho.
Em entrevista com o bispo Luiz Paulo, que não esteve no epicentro do conflito,
perguntei se haveria alguma possibilidade, mesmo remota, de os dois grupos denominacionais

158
Vinde foi uma revista evangélica, com viés jornalístico, que circulou durante a década de 1990 e estava ligada
ao pastor Caio Fábio d’Araújo Filho.
159
Sérgio Pavarini, jornalista, que atuou nas revistas Vinde e Eclésia, nos anos 1990.
160
Igreja Missionária Evangélica Maranata, do Rio de Janeiro, fundada pelo casal Acioly e Zenilda Brito, que
frequentou os encontros da Cruzada de Nova Vida, na ABI, mas oriundo da Igreja Presbiteriana. Os dois vieram
a se tornar pentecostais “mediante batismo com Espírito Santo”. Quando Roberto McAlister se transferiu para o
templo em Botafogo, Acioly resolveu assumir o espaço na ABI, embora não fosse pastor, para dar
prosseguimento a realização de cultos. Dali se originou a Igreja Maranata, fundada em 1972, e hoje liderada por
seu filho Paulo César Brito, igualmente médico como seu pai. A Maranata, uma igreja com perfil social de classe
média, semelhante à Nova Vida, tem atualmente 13 igrejas, todas no Grande Rio, totalizando aproximadamente
oito mil membros. A sede fica no bairro carioca da Tijuca (Dados coletados com Walter McAlister e
principalmente entrevista com Carlinhos Fernandes, membro da Maranata e jornalista da revista evangélica
Cristianismo Hoje).
126

virem algum momento a se reaproximarem: “Acho que não. Cada um tomou um rumo
diferente. Acho que não tem como juntar. É igual você subir num morro e jogar um monte de
pena. Depois juntar tudo isso é muito difícil”. É um milagre que parece impossível até para
Roberto McAlister. Pois mesmo sua memória não aproxima, antes, continua a cindir e
alimentar as disputas das duas vertentes da igreja criada por ele. Um exemplo disso diz
respeito um fato ocorrido em Brasília, na Câmara dos Deputados, por ocasião do aniversário
de 48 anos da Nova Vida. Trata-se de uma sessão solene ocorrida na Câmara Federal (CF), no
dia 22 de maio de 2009161, em homenagem a igreja fundada por Roberto McAlister. Solicitada
à Mesa Diretora da CF por um deputado de São Paulo (William Woo)162 a cerimônia foi
presidida pelo carioca Deputado Neilton Mulim. Ela contou com a presença de diversos
pastores do CMINVB, inclusive o bispo Tito Oscar – que fez uso da palavra no plenário163 –
e o pastor Martinho Lutero Semblano. Nas notas taquigráficas da CF há o registro deste
acontecimento, que aborda também sobre a história da igreja e de Roberto, utilizando o
mesmo texto “Nossa História”, já citado, contido da página eletrônica do CMINVB. Mas não
há registro da presença de qualquer pastor da ACNV, nem mesmo do bispo Walter McAlister.
Em entrevista164 perguntei ao filho de Roberto sobre esta homenagem e a razão pela qual ele
não esteve presente. Bispo Walter respondeu: “Não fui contatado. E se tivesse sido, não teria
aceitado”.
Em 30 de maio de 2013 o Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro165 publicou
resolução da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) decretando o “Dia
Estadual da IGREJA DE NOVA VIDA, a ser celebrado anualmente no dia 14 de maio”. A
iniciativa para aprovação dessa Lei foi o Deputado Waguinho. O nome da igreja em letra

161

http://www.camara.leg.br/internet/SitaqWeb/TextoHTML.asp?etapa=5&nuSessao=119.3.53.O&nuQuarto=2&n
uOrador=1&nuInsercao=2&dtHorarioQuarto=15:12&sgFaseSessao=HO&Data=22/05/2009&txApelido=NEILT
ON%20MULIM%20(PRESIDENTE),%20PR-RJ (acesso em: 20 dez. 2016).
162
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=423637 (acesso em: 20 dez.
2016).
163
Este é um caso incomum, pois quase somente deputados podem fazer uso da palavra no plenário da Câmara
Federal. A fala do pastor Tito Oscar está disponível aqui:
http://www.camara.leg.br/internet/SitaqWeb/TextoHTML.asp?etapa=5&nuSessao=119.3.53.O&nuQuarto=17&
nuOrador=1&nuInsercao=0&dtHorarioQuarto=15:57&sgFaseSessao=HO&Data=22/05/2009&txApelido=BISP
O%20TITO%20OSCAR,%20- (acesso em: 20 dez. 2016)
164
Conversa via Facebook, em 23 de dezembro de 2016.
165
http://www.jusbrasil.com.br/diarios/55161228/doerj-poder-legislativo-05-06-2013-pg-5 (acesso em: 20 dez.
2016).
127

maiúscula não resta dúvida que a homenagem se refere ao ramo denominacional da Nova
Vida que é o CMINVB e não a ACNV.

3.2 Contexto brasileiro e pentecostal

Quando Walter foi conduzido à liderança da igreja a realidade política e social do


Brasil, assim como sua configuração religiosa, eram bastante diferentes daquela em que seu
pai começou a Cruzada de Nova Vida, há quase 35 anos. Os católicos saíram de um patamar
hegemônico de 93% para 83% de população, perdendo, portanto, 10 pontos percentuais em
três décadas. No mesmo período os evangélicos mais que dobraram sua participação saindo
de 4% em 1960 para 9% em 1991. Certamente que a chegada de Roberto McAlister e suas
pregações no rádio e TV contribuíram, com as devidas proporções, para alteração desses
índices. Considerando a tese de Pierucci (2004) de que fazer sociologia da religião no Brasil é
falar do declínio numérico do catolicismo, pois era a religião predominante e que se confundia
com a identidade de ser brasileiro, ela sofreu fortes alterações. O que evidencia a teoria de
Montero e Almeida (2000) do “doador universal” católico para outros grupos religiosos,
sobretudo os pentecostais e os sem religião, que surgiram ou avançaram também na esteira do
avanço da pluralização no contexto social brasileiro.
Na diversidade de crenças os grupos evangélicos saíram de cerca de duas dezenas de
denominações, em 1960, quando Roberto iniciou a Cruzada de Nova Vida, para centenas de
denominações166, quando Walter passou a conduzir a igreja em 1994. Os pentecostais que
ainda não haviam ultrapassado o protestantismo histórico em número de fiéis na década de
1960, no período Walter na direção da Nova Vida já eram a ampla maioria. No Censo de 1991
os evangélicos chegaram a quase 9 milhões de seguidores para pouco mais de 4 milhões das
igrejas históricas. Já os sem religião, que depois dos evangélicos foi o grupo que mais
cresceu, saiu de 0,5% em 1960 para 4,8% em 1991.
Quanto aos meios de comunicação, a Nova Vida viveu uma ascensão em termos
midiáticos. Freston (1993, p. 96) registra que ela “investiu muito na mídia”. Em 1960 a igreja
começou pelo rádio e expandiu sua participação neste veículo de comunicação; e na década
seguinte, com o adensamento da TV pelo país, Robert McAlister manteve o programa da TV
Tupi, até o fechamento desta emissora. Sob Walter McAlister. a igreja ainda manteve
programas como o conhecido Café Espiritual na Rádio Relógio até a venda da emissora

Embora sem precisar o número, autores como Mariano (2008) falam de “centenas de denominações” como
166

mostram os dados classificatórios do Censo do IBGE.


128

quando o programa foi encerrado. A Nova Vida, no entanto, arrefeceu na estratégia de


comunicação, pelo menos com rádio e TV, que outrora resultara em muitos dividendos para a
igreja como a abertura de várias congregações pelo Rio e em outras partes do país. Os
programas de rádio foram extintos com a venda da Rádio Relógio Federal, mas Walter ainda
tentou seguir com um programa na Rádio Melodia, que não prosseguiu. A Rádio Relógio, que
foi um símbolo da era McAlister, curiosamente, passou ao controle de um ex-filiado da Nova
Vida, que havia fundado sua própria igreja, em 1980, Romildo Soares, da IIGD. E foi com os
meios de comunicação que ele expandiu sua igreja, o que já vinha sendo feito com sucesso
por seu cunhado Edir Macedo com a IURD. “A Nova Vida teve um momento de
vanguardismo, mas ficou amarrada pelo personalismo e pelas ambições dinásticas”, interpreta
Freston (1993, p. 96). Esta interpretação converge com a avaliação de Tito Oscar, dada a esta
pesquisa:
Então nós tivemos um ponto assim, um auge da Nova Vida, mas com a doença dele
[Roberto McAlister] foi perdendo fôlego, foi perdendo fôlego e a igreja tornou-se
um pouco intimista. Passamos a cuidar apenas dos nossos interesses. Perdemos
assim aquela visão de evangelismo, de conquista... Infelizmente depois houve aí a
cisão com o filho dele (T. OSCAR).

Importante salientar esta declaração reveladora do que foi o crescimento da igreja em


suas primeiras duas décadas no contexto das mudanças que frustraram posteriormente esse
desenvolvimento, como visto na citação anterior: “A Nova Vida deveria ser o que a [Igreja]
Universal é hoje, se ela continuasse com o mesmo ímpeto do início”. Portanto, a enfermidade
de Roberto e por decorrência os conflitos internos gerados pela disputa de liderança que
resultou na divisão da denominação certamente afetaram o desenvolvimento da igreja. Mas é
possível aventar que um fator mais determinante para levar a Nova Vida à redução de seu
crescimento numérico se situe na extinção dos programas de rádio e TV, exatamente o
contrário ocorrido com IURD e IIGD, que cresceram na esteira da utilização desses recursos
midiáticos. Para Mariano, a principal função da utilização do rádio por esses grupos religiosos
é:
Atrair (...) indivíduos aos templos e auxiliar na implantação de novas congregações.
É no interior dos templos e congregações que a pregação pentecostal se torna
plausível, isto é, cria as condições propícias para romper os ceticismos e barreiras do
virtual adepto e, assim, possibilitar que ele se entregue a Jesus, mude de religião e
permaneça na comunidade dos eleitos (MARIANO, 2008).

Portanto, os meios de comunicação, como o rádio, têm capacidade e apelo de chamariz


para conduzir as pessoas aos templos evangélicos. Neste sentido, Valdemar Figueredo Filho
(2010, p. 67) arrisca: “embora não tenha elementos empíricos suficientes que me permita
afirmar que a expansão pentecostal ocorreu a partir dos investimentos em rádio, posso inferir
129

que o pentecostalismo brasileiro é, por natureza, radiofônico”. Se assim for, nesta mesma
linha é possível considerar que o neopentecostalismo, além de radiofônico, é marcadamente
televisivo. Exemplos são sobejos, notadamente com IURD e Edir Macedo por seus vínculos
com a Rede Record de Televisão, além de programas da Igreja Universal exibidos também em
outros canais de TV. A IIGD, com destaque para seu líder Romildo Soares que é reconhecido
como um dos personagens mais frequentes na tela da TV no país. Também Miguel Ângelo
(IECV) e Waldomiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, para ficar nestes
personagens de ativa participação na TV. Todos eles com ligação direta a Roberto McAlister,
exceto Santiago, cuja relação é indireta, pois saiu da igreja do Bispo Macedo167.
O próprio estabelecimento da Nova Vida em São Paulo está diretamente ligado a esse
apoio de mídia, precisamente da TV, que foi decisivo para sua implantação na metrópole,
conforme registro de Tito Oscar:
No início nós fizemos televisão aqui [em São Paulo]. Fui a Record, antes de o [Edir]
Macedo comprar. Eu fazia programa de televisão na Record. Foi o que deu um
impulso inicial a igreja. Aqui em São Paulo sem você ter comunicação de rádio,
televisão, é muito difícil. No boca a boca é muito difícil (T. OSCAR).

Atualmente na Igreja Cristã Nova Vida não há este tipo de recurso, sendo que quanto a
TV, particularmente, Walter McAlister é refratário a sua utilização, por achar que cria
superexposição, fazendo da pessoa uma celebridade. No tocante ao rádio, ele afirma que é um
veículo próprio para evangelização de massa, porque permite ouvir e refletir sobre a
mensagem (MCALISTER, 2009, p. 135). Conforme ele próprio afirma, fez programas de
rádio por muitos anos, mas atualmente utiliza outros meios, como redes sociais na internet.
Estas também conseguem atrair pessoas, só que como é um meio diferente de alcançar o
público, muito mais seletivo pela quantidade e diversidade de opções, o resultado é
relativamente proporcional ao contingente que opta por acessar o canal ou decidir seguir em
outras redes sociais. Facebook e Twitter são plataformas em que se encontram conteúdos
tanto do bispo primaz, como preleções, minicursos, depoimentos, quanto da Catedral da
ICNV, que veicula sermões dominicais pregados nos cultos, tanto de Walter bem como dos
pastores John e Marcelo. Em entrevista, Walter declarou: “já tive três milhões e oitocentas mil
visitas no meu canal de YouTube”, embora o número de inscritos em seu canal seja menor em
relação aos visitantes: 66.294168.

167
Sobre esse assunto, que está no campo de religião e mídia ver: Campos (1996; 2004, p. 125, 126), Freston
(1993, p. 135-147), Oro (1996), Fonseca, (1997), Mariano, (1999, p. 66-69), Budke (2005) apud Teixeira (2014),
Malheiros (2008), Machado (2014), Sant`Anna (2014).
168
https://www.youtube.com/user/BpWalterMcAlister (acesso em: 16 dez. 2016).
130

Uma diferença significativa entre a pregação religiosa de Roberto e Walter é que o


primeiro falava para o público amplo, não necessariamente o povo da igreja, utilizando,
portanto, uma linguagem mais comum e com menos jargão evangélico, até porque estando no
rádio ou na TV o direcionamento da mensagem era mesmo o povo mais geral. Roberto falava
das “coisas da vida”, de assuntos mais amplos. Já Walter trata de questões mais restritas, de
natureza eclesial e doutrinária. O pai tinha interesse maior em proselitismo e conversão;
Walter, conquanto não abra mão disso, está mais voltado para a formação e conscientização
dos fiéis nas doutrinas que defende. Ele posta no YouTube sermões pregados no contexto
eclesiástico do culto, cuja frequência é quase integralmente evangélica, sobretudo membros
de sua igreja. Além disso, como vários entrevistados contaram, Roberto era um comunicador
com grande capacidade de expressão e envolvimento das pessoas, embora a saliência de seu
sotaque. Era um homem da rádio e TV, mas também um pregador nas praças, no Brasil e em
várias partes do mundo. Realizava anualmente um grande encontro religioso no estádio do
Maracanãzinho, lotando o conhecido espaço esportivo do Rio de Janeiro. “Hoje a gente nem
pensa em fazer uma cruzada no Maracanãzinho, coisa que meu avô fazia. E ele fazia as
grandes cruzadas evangelísticas, de impor as mãos”, explica Andrew McAlister, filho caçula
de Walter e diretor da então editora da ACNV, a Anno Domini. E continua: “Hoje a gente
enxerga muito mais o papel da igreja local, as fronteiras da igreja local no sentido de que a
gente não quer abraçar o Brasil inteiro. Talvez meu avô fosse mais essa figura que queria
abraçar todo mundo”. Walter, consoante com essa mesma visão do filho, diz acerca de si
próprio que é um homem da igreja, um sacerdote169, que não se vê realizando algo desta
natureza hoje como eventos no Maracanãzinho, conforme fazia Roberto.
A linguagem de Walter, mesmo quando grava programas diretamente para o seu canal
no YouTube, é mais elaborada, evidenciando sua formação teológica, inclusive em nível de
mestrado, coisa que Roberto, não possuía. Na verdade ele não tinha sequer uma graduação,
embora seja reconhecido como um autodidata e bastante atento às reflexões de seu tempo. O
bispo chegou a publicar, segundo Walter, “mais de 35 livros e livretos”. E analisou: “Alguns
deles sofrem sob a lente da História. Outros, ele deixou de distribuir, por não refletirem mais
aquilo em que cria. E houve ainda os [livros] que escreveu com muita pressa e não servem
mais para publicação”. E acrescentou, com um “porém”, de que “houve pérolas que marcaram
inúmeras vidas”, que são hoje publicados pela editora Anno Domini. Como “os quatro

169
“Eu sou um homem da Igreja, sou do clero. O clero tem uma atuação bastante definida e restrita: pregar a
verdade e discipular, levar as pessoas a expressar sua fé e sua piedade no dia a dia. Esse é o meu trabalho”
(MCALISTER, W., 2009, p. 124). E reafirma: “Como clero, como sacerdote, minha missão é levar a Verdade
que transforma vidas” (p. 125).
131

melhores”, segundo sua própria avaliação: O encontro real; Sete dias, sete palavras;
Dinheiro, um assunto altamente espiritual; e, Perdão, o segredo da cura total (MCALISTER,
W., 2012, p. 154). Estes livros foram republicados com prefácio de Walter e epílogo de John
McAlister, numa coleção intitulada “3 gerações – A obra do pregador contextualizada para os
dias de hoje pelo filho, Bispo Walter McAlister, e o neto, Pastor John McAlister”170.
Em geral, os títulos das publicações de Roberto são voltados para um público sempre
mais abrangente e não exclusivamente os fiéis habituais da igreja. Com sua mensagem ele
queria alcançar pessoas de outras religiões, como aconteceu, e as entrevistas de pessoas mais
antigas aqui registradas mostram isso pela própria trajetória de vida delas e o trânsito religioso
que fizeram, em sua maioria oriundas da Igreja Católica e de religiões espíritas, incluindo
grupos afro-brasileiros. Já os livros de Walter, apesar de adotarem linguagem bastante
coloquial, semelhante aos de seu pai, se dirigem estritamente a pessoas do ambiente
eclesiástico evangélico. Como sua obra mais vendida e reconhecida, O fim de uma era171, que
faz uma abordagem crítica sobre a realidade da igreja evangélica, em particular no atual
contexto brasileiro. As pregações de Walter e seu filho John, que ouvi do púlpito da Catedral
durante o período da coleta de dados na igreja, bem como as que estão disponíveis no canal
YouTube, propõem-se a orientação religiosa para quem já é da igreja ou evangélico. Portanto,
não é um discurso voltado para pessoas ou grupos não cristãos, como acontece ainda com a
IURD e outras denominações neopentecostais, principalmente.
A importância e a valorização de Roberto McAlister, passadas mais de duas décadas
de sua morte, continua para os distintos grupos de igrejas que se declaram genericamente
como Nova Vida. Portanto, mesmo morto, várias denominações valorizam e tributam
reconhecimento a Roberto McAlister, que é, seguramente, um elo simbólico, embora
doutrinariamente elástico, entre as agremiações que agora cindidas estiveram outrora unidas
em torno de sua liderança. E, assumindo ou negando, disputam, mesmo com discrição, sua
memória e reinterpretação, assim como seu legado ou capital religioso e social.
Walter McAlister e sua Aliança Cristã Nova Vida sentem-se herdeiros verossímeis da
trajetória de Roberto, mas dizem não competir pela primazia e legitimidade dessa relação, até
porque, como filho, Walter julga não necessitar evocar a imagem ou memória do fundador.
Naturalmente seu sobrenome, sua tarefa (missão) e sua condição (bispo) assegurariam a

170
Conforme aparece na capa e/ou na contracapa de todos esses livros mencionados.
171
Segundo o diretor da editora Anno Domini, Andrew McAlister, em entrevista para esta pesquisa, o livro teve
duas reimpressões, com uma tiragem total de 8 mil exemplares. “Foi o mais vendido”. E ganhou o prêmio Areté,
como livro do ano e autor nacional, de 2011, da Associação de Editores Cristãos do Brasil (Asec).
132

autenticidade. A busca por identidade e legitimidade na Igreja Cristã Nova Vida não passa
pela figura emblemática de Roberto, que é até esmaecida em relação a igrejas do CMINVB,
pois está em outra dimensão histórico-teológica, e mesmo política, mais associada à tradição
reformada do protestantismo, particularmente a uma perspectiva da doutrina calvinista,
conjugada retoricamente com certo ideário pentecostal. Como já visto no capítulo anterior,
isso resultou da formação nos Estados Unidos numa instituição de linha doutrinária reformada
onde Walter refez sua perspectiva teológica, mesmo com choques conforme ele mesmo
revelou. Este, portanto, tem sido seu projeto “ao longo de 20 anos”, cujo objetivo, segundo
reiterou, é “reformar nossa igreja”. Tal projeto de mudança desenvolve-se numa campanha
continuada de redução de influência e estilo neopentecostal e embasada doutrinariamente no
viés calvinista.
Em perspectiva comparativa, outros grupos que adotam o nome Nova Vida buscam
reafirmar sua identificação com Roberto McAlister, principalmente aqueles do Conselho de
Ministros das Igrejas de Nova Vida do Brasil, que tem no bispo Tito Oscar de Almeida um
referencial destacado, com quem andou e conviveu com o fundador da igreja. Este ramo
denominacional se pensa mais fiel ou mais aproximado do modelo criado e desenvolvido por
Roberto. Na verdade se vê como a igreja fundada por Roberto, sendo que a ICNV seria outra
denominação, resultado de uma dissidência, embora não diretamente entendido assim por
Walter. Um pastor entrevistado, Martinho Lutero,172 que acompanhou o processo de cisão
conta que numa reunião do presbitério o bispo Walter McAlister convidou os pastores que
quisessem permanecer com ele a comparecerem a um encontro que foi marcado para duas
semanas depois, porque, conforme esse pastor, Walter teria dito que “estava saindo da Nova
Vida”. Pela distância do tempo, questionei o entrevistado sobre a exatidão dessa fala, ao que
ele reiterou a declaração de Walter, que teria sido: “Hoje eu saio da Igreja de Nova Vida”.
Com esta atitude, conforme o pastor Martinho Lutero, o bispo Walter tomava outro caminho:
Estava criando a Aliança Nova Vida, com três parâmetros: que reconhecessem a
liderança dele como alguém que tivesse a unção dobrada, quanto à unção que o pai
tinha, o bispo Roberto McAlister; a segunda, quanto a unificação doutrinária da
Nova Vida, principalmente, mas não unicamente, principalmente no que se refere a
questão arminiana ou calvinista; e, em terceiro lugar, que houvesse, digamos assim,
o comprometimento financeiro quanto a entrega dos dízimos nas reuniões semanais,
no presbitério (M. LUTERO).

172
Personagem que acompanhou parte desse processo, pois com a idade de 16 anos deixou a Assembleia de
Deus e se filiou à Igreja de Nova Vida. É pastor desde 1994 quando a denominação ainda era uma só. Quando
ocorreu a divisão ele optou por não seguir Walter, mas continuar com o grupo que veio a se denominar
CMINVB, de Tito Oscar.
133

No livro em que registra sua versão da história de Roberto, Walter narra essa situação
de conflito e ela converge com a entrevista de Lutero. Ele mesmo transcreve uma fala sua
gravada no dia da mencionada reunião do Presbitério Nacional:
Esse Colégio de Bispos está enfrentando já há dois anos (...) uma frustração muito
grande, porque nós não somos uma denominação. Nós somos o resultado de muitas
etapas, mas somos um grupo que inclui dissidentes, desinteressados,
descompromissados e muitos a favor. E todos bons homens. Mas que não estão
unidos a mim de coração e de espírito. Não tem meu espírito (MCALISTER, W,
2012, p. 168).

Essas tensões e dissensões resultaram naquilo que Lutero comentou acima, conforme
as palavras aqui do próprio Walter: “Diante de todos anunciei minha saída daquela Nova
Vida, que tinha se tornado desunida e esfarelada, cheia de ramificações”. Disse mais ele,
reiterando sua posição de saída e estabelecimento de um novo grupo: “Eu não mais serei da
Igreja de Nova Vida, eu serei da Aliança de Nova Vida. Então, eu hoje lanço, estabeleço a
Aliança Nova Vida” (MCALISTER, W, 2012, p. 168).
Uma das disputas pelo legado ou patrimônio de Roberto estava não necessariamente
nos recursos materiais como templos, rádio, as propriedades no Recreio dos Bandeirantes e na
Baixada Fluminense, mas num bem simbólico de valor mais elevado, o nome “Nova Vida”.
Walter registra sua fala na referida reunião do Presbitério Nacional quando disse: “Eu não vou
brigar mais por esse nome”. E comentando sobre isso, revelou: “Deixei claro que a igreja não
seria definida pelo nome, mas sim por uma aliança de pastores compromissados comigo e
com os padrões morais muito bem definidos”. E, como disse, foi ainda além: “Declarei que
não seria bispo de quem quer que fosse só porque determinado pastor tinha o nome “Nova
Vida” sobre a porta de sua igreja” (MCALISTER, 2012, p. 168-169). Na entrevista ele
esclareceu ainda, comentando sobre a reunião que selou a divisão:
Eu disse: eu sou Nova Vida, só não vou ser bispo de um nome na porta. [O pastor
que optar] tem que se aliançar comigo. Aí eles formaram a Igreja de Nova Vida do
Brasil, regida por um conselho, e nós voltamos ao nome original, que era Igreja
Pentecostal de Nova Vida, o nome que meu pai tinha dado bem no início, quando
começou a ser igreja (W. MCALISTER).

No site do Conselho (CMINVB) bem como de diversas igrejas a ele filiadas existem
páginas eletrônicas dedicadas à memória e história de Roberto McAlister e da Nova Vida
durante seu tempo de liderança com muitos detalhes e ilustradas com fotografias. Outra
idiossincrasia das igrejas do Conselho que buscam manter e legitimar a associação com o
fundador diz respeito à utilização por parte de vários pastores de uma frase criada e sempre
repetida por Roberto nos cultos e programas eletrônicos como forma de identificação: “Deus
o abençoe rica e abundantemente”. Já no site da Aliança (ACNV), e em outros de algumas
134

igrejas, não existe mais que poucas linhas sobre Roberto McAlister, embora haja na página da
igreja mais de uma centena de fotos, metade delas do fundador em vários momentos da
história da Nova Vida. Como em encontros no Maracanãzinho, na sede em Botafogo e,
inclusive, uma com o papa Paulo VI e outra com o papa João Paulo II173.
Sobre a expressão conhecida e repetida de Roberto, acima mencionada, “Deus o
abençoe rica e abundantemente”, nunca a ouvi em liturgias nas igrejas da Aliança em que
estive. Pela análise do discurso é possível identificar certo neopentecostalismo no escopo
dessa frase, ao explicitar palavras típicas do que veio a ser associado à teologia da
prosperidade, como benção, riqueza e abundância. No livro de Walter, em que ele trata da
história de Roberto e da igreja, a sentença aparece na última página, numa versão um pouco
ampliada: “Até nos vermos novamente, que Deus os abençoe rica e abundantemente!”
(MCALISTER, 2012, p. 183).

3.3 Em busca de outra identidade

Instituições sociais, como as de natureza religiosa, propugnam geralmente por sua


manutenção e reprodução, sempre em busca de legitimação (BERGER, 1985). Segundo essa
perspectiva sociológica, já tematizada por autores clássicos como Weber (1994) e Durkheim
(1971; 1989), além de analisada criticamente por autores contemporâneos como Giddens
(citado por COHEN, 1999, p. 427, 428) e Bourdieu (2001). Assim sendo, por que então uma
denominação religiosa decide alterar sua trajetória, negar e mesmo abandonar aspectos
fundamentais que foram constitutivos de sua história e buscar uma nova identidade? Por que
buscaria um modelo que seria uma espécie de oposto ao padrão que, inclusive do ponto de
vista de seu crescimento numérico, oferece resultados mais vantajosos? Pois como mostram
os dados dos últimos Censos do IBGE (1991, 2000 e 2010), o paradigma pentecostal-
neopentecostal tem apresentado maior e mais arrojado crescimento numérico do que outros
tipos de crenças e práticas do contexto evangélico (MARIZ; GRACINO JR, 2013; CAMPOS,
2013). Por outro lado, o modelo mais tradicionalmente protestante, sobretudo de corte
reformado174 ou calvinista, é um dos que tem apresentado menor crescimento e mesmo
declínio numérico, como apontam os dados sobre igrejas presbiterianas que são associadas a

173
As fotos estão disponíveis em: http://www.icnv.com.br/conheca-a-icnv/historia/ (acesso em: 16 dez. 2016).
174
Reformado é uma categoria utilizada especialmente para autodesignação dos calvinistas, como fazem no
Brasil os presbiterianos e outros grupos vinculados a esta perspectiva doutrinária do protestantismo.
135

doutrinas calvinistas (CAMPOS, 2013). E é justamente na doutrina calvinista que McAlister


tem buscado sustentar o novo modelo doutrinário e litúrgico de sua igreja.
O calvinismo já foi apontado como uma das dez forças transformadoras e crescentes
no mundo atual175. Essa tendência internacional se verifica igualmente no Brasil, além de na
ICNV que é o foco neste trabalho, também na Assembleia de Deus, como já mencionado e
que será melhor apresentado no capítulo 4, e ainda entre outros grupos evangélicos como os
batistas.176 No caso da Igreja Cristã Nova Vida há uma vinculação por parte dos entrevistados
à questão do perfil social dos membros e adesão ao pentecostalismo. Interessante recordar que
o próprio Roberto é visto pelo filho, conforme entrevista de Walter, como alguém de origem
social bem humilde. Portanto, a mudança em direção à despentecostalização e calvinização
andou junto com a mudança de classe social, a partir do nível de instrução principalmente.
Richard Niebuhr (1992), em seu estudo sobre as denominações protestantes nos Estados
Unidos, relaciona ascensão social com mudança para outras denominações ou mesmo o
surgimento de novos grupos denominacionais com doutrinas distintas. Weber (1994) discute
como a religião pode ser afetada pelo contexto social de classe bem como o estrato social a
que se pertence e ilustra isso informando que o cristianismo da nobreza era distinto do
cristianismo popular.
Embora todas as mudanças experimentadas, bispo Walter defende que sua
denominação é pentecostal e até utiliza esta categoria no binômio identitário “pentecostal-
reformado”. Se assim é, por que retirou esse termo da nomenclatura oficial, que deixou de ser
Igreja Pentecostal de Nova Vida para Igreja Cristã Nova Vida? Ele explica na entrevista:
Achamos que o nome [pentecostal] perdeu... O nome suscita várias coisas que nós
não abonamos. O pentecostalismo no Brasil se confunde com o neopentecostalismo.
E o próprio pentecostalismo forma uma cosmovisão que nós não abraçamos
inteiramente. Porque além de uma teologia, ele envolve um imaginário social, com
várias práticas que nós não abonamos e com conceitos teológicos, inclusive, que
reavaliamos. Como por exemplo, a segunda bênção ou batismo com o Espírito Santo
como segunda benção com línguas estranhas, como evidência dessa segunda bênção.
Isso eu diria, é uma doutrina tipicamente pentecostal. Nós não abraçamos isto. Para
nós línguas são apenas mais um dos dons espirituais. E não existe uma segunda
benção. Batismo com Espírito Santo é uma frase que descreve novo nascimento (W.
MCALISTER)177.

175
Cf. a matéria da revista Time, 10 ideas changing the world right now, de 2009:
http://content.time.com/time/specials/packages/article/0,28804,1884779_1884782_1884760,00.html. (Acesso
em: 3 jan. 2017). Esse dado está registrado em artigo já citado de Freston (2013a).
176
Em 2002 uma análise sobre o crescimento fundamentalista de corte calvinista nos Estados Unidos e também
no Brasil, principalmente entre batistas, já era apontado por Alexandre Castro (2003).
177
Essa compreensão teológica de “batismo com Espírito Santo” evidenciado pelo falar em línguas estranhas
como “segunda bênção” (a primeira bênção seria a conversão), foi um dos fatores de muito conflito e disputas
que conduziram a divisões entre igrejas evangélicas. De um lado, as pentecostais que defendem; e de outro, as
históricas que recusam. Ao tomar essa posição, Walter rejeita um caro princípio da identidade pentecostal e se
136

Ele situou o contexto em que decidiu por essa mudança de abandonar mais do que o
nome pentecostal, várias posturas e doutrinas inclusive clássicas dessa religiosidade conforme
mencionou também acima:
Nós sentimos, não levou muito tempo [após a divisão], acho que foi em 1996, 97,
nós já tínhamos sentido – porque naquela época, muita coisa especialmente gerando
ao redor da [Igreja] Universal... Eles estavam expulsando demônios na televisão.
Então a gente sentiu que o nome pentecostal, primeiro, fazia com que fôssemos
confundidos com coisas que não... nem meu pai abonou (risos). Então achamos que
seria menos sectário: Igreja Cristã Nova Vida. Nova Vida ainda falando das origens
do bispo Roberto. E existem tantas Nova Vida! E embora eu tenha registro de todos
os nomes eu permito que usem. Por que? Porque Nova Vida aponta para um
fundador em comum. Porém somos muitos diferentes, mas temos um fundador.
Então eu nunca protestei o uso, embora eu pudesse excluir, tirar o nome deles. Eu
nunca fiz isso. Por que? Nova Vida é uma coisa mais genérica, que aponta para o
fundador e não para, digamos, a doutrina, ou prática de uma igreja, que são muito
diferentes (W. MCALISTER).

Conforme se verifica nas duas citações acima, Walter afirma o desconforto com a
nomenclatura pentecostal, a negação de certas doutrinas e práticas pentecostais e a associação
destas com o viés neopentecostal. O contexto sócio-histórico que ele mencionou estava
realmente adverso para assumir essa identidade, pois tanto no ambiente endógeno quanto na
sociedade mais geral a condição de ser pentecostal/neopentecostal estava sob forte suspeição.
Criticas e disputas eram constantes, resvalando, inclusive, para a grande mídia. Isso pode ser
ilustrado por uma reportagem do jornal carioca O Globo, de 20 de setembro de 1995, cujo
título dizia: “Evangélicos rompem com a Igreja Universal”. O texto abordava os conflitos
entre a IURD e outros grupos evangélicos participantes da Associação Evangélica Brasileira
(AEvB) por conta da reação à minissérie Decadência, exibida pela TV Globo. O folhetim
televisivo evocava um personagem de pastor desonesto que foi entendido pelo público como
uma tipificação do bispo Macedo. Além da reportagem, que contou com entrevista do pastor
Caio Fábio D’Araújo Filho, presidente da AEvB na ocasião, o jornal publicou uma nota na
íntegra da referida Associação. Preenchendo três colunas do jornal, esses evangélicos
manifestavam suas críticas à liderança da IURD, sobretudo por conta de suas práticas
neopentecostais como a questão de recolhimento agressivo de dinheiro em seus cultos. A
repercussão da reportagem e do documento da AEvB, associado ao encerramento no dia
anterior da minissérie Decadência, foi causadora de outros embates e divisões. No dia 23 de
setembro, um dia após o encerramento da referida minissérie televisiva, outra matéria em O

coloca ao lado da concepção defendida pelas igrejas protestantes históricas. Estas entendem que não há “segunda
bênção” e que no ato da conversão ou “novo nascimento” a pessoa também recebe – é “batizada” – com o
Espírito Santo, mas sem manifestação de línguas estranhas. Para um panorama dessa questão teológica, ver Stott
(1993).
137

Globo afirmava no título: “Evangélicos repudiam igreja de Edir Macedo”. Esta teve,
inclusive, chamada na primeira página do jornal. Passado alguns dias dessas reportagens do
jornal carioca, a IURD mostrou sua força e articulação, ao publicar no jornal Folha de S.
Paulo, um documento com o seguinte título: “Manifesto ao Povo Evangélico do Brasil” (1º de
outubro de 1995). Ocupando metade da página, o texto foi publicado no primeiro caderno do
jornal. Ele se defendia das críticas feitas pela AEvB e questionava a autoridade de Caio Fábio
para as manifestações que vinha fazendo contrárias à liderança da Igreja Universal. Publicado
como matéria paga, o texto trazia ao final a assinatura de algumas lideranças evangélicas 178, o
que reiterava a força de Macedo e da IURD perante evangélicos e a sociedade em geral. Não
somente isso, na concorrida seção de Opinião, na página 3 do jornal paulista, da mesma data
(01/10/95, edição dominical), Edir Macedo assina um texto defendendo-se e reafirmando suas
posições como legítimas, além de embasadas na Bíblia, com o curioso título “A
contemporaneidade do diálogo”.
Essa exposição caracteriza um pouco o cenário vivido particularmente por evangélicos
no Brasil e as mudanças que serão provocadas, no caso em estudo, as grandes alterações na
então Igreja Pentecostal de Nova Vida. Indagado sobre as consequências das mudanças que
foram feitas, inclusive pela possível retração de crescimento numérico e estabelecimento de
novos templos e congregações – pois este é um apelo predominante no mundo evangélico –,
Bispo Walter explica, com algumas considerações:
Somos uma denominação diferente, uma comunhão de igrejas. Temos um curso pré-
batismal para novos membros. Que somente tomam a ceia, após serem batizados.
Não somos uma igreja que cresce no nível das outras pentecostais. Pois não é um
crescimento populista, mas pelo discipulado. Muitas pessoas querem algo
imediatista e por isso tem mais crescimento em outras igrejas. Nós optamos pela
catequização. Queremos fidelidade e não o sucesso (W. MCALISTER).

Walter aponta sua igreja pentecostal, mas procura se distinguir dos demais grupos
desse segmento evangélico – que teriam “crescimento populista” e “imediatista” – pelo
investimento num modelo de igreja que dá ênfase à formação bíblica e teológica dos fiéis. E
faz isso por meio de um processo continuado de qualificação para virem a ser conscientes – e
reprodutores das crenças que abraçam. O apelo pelo crescimento numérico seria menos
prioritário que o embasamento doutrinário dos participantes da igreja. Como também mostrou
em entrevista o pastor Marcelo Maia, responsável pela área de ensino e educação doutrinária
da Catedral, um programa pedagógico que envolve pessoas desde a faixa etária infantil até os

178
Dentre os signatários do documento em apoio a Edir Macedo e a IURD, todos pastores, estão: Silas Malafaia
(Assembleia de Deus), Nilson do Amaral Fanini (presidente da Aliança Batista Mundial), Isael Teixeira (Projeto
Vida Nova), Jabes de Alencar (vice-presidente da AEvB). Esta última assinatura mostrava a fissura na entidade
presidida por Caio Fábio e a crise da tomada de posição no ambiente evangélico.
138

idosos. Walter, no entanto, não descarta o crescimento quantitativo, pois arremata sua
informação, acrescentando: “Mas temos crescido e se multiplicado. Às vezes sou o último a
ficar sabendo do surgimento de novas igrejas, pois não coordeno isso”.
Traçando um perfil de como vê sua igreja a partir dessas mudanças que têm sido
implementadas, McAlister explica: “Abraçamos a tradição histórica. Somos filhos de
Jerusalém, Antioquia, Genebra. Não começamos em 1960, nem em 1906, mas no Pentecostes.
Neste sentido, somos uma igreja católica, una, apostólica, universal”. E conclui sobre a nova
identidade da Nova Vida: “Nossa igreja tornou-se reformada, litúrgica, episcopal, mas
pastoral. Como denominação, somos os únicos no mundo a fazer essa mudança”.
Ao afirmar a identificação da ICNV com Jerusalém e Antioquia, cidades
paradigmáticas do cristianismo do primeiro século, segundo o Novo Testamento, McAlister
procura vincular sua igreja à gênese da fé apostólica. Já ao se referir a Genebra, ele busca se
associar à tradição protestante clássica, sobretudo a João Calvino, o reformador suíço de
Genebra. E ao insistir que a igreja não começou em 1960 – quando efetivamente a Nova Vida
teve seus primórdios – nem em 1906, ano reconhecido como da origem histórica do
pentecostalismo moderno nos Estados Unidos (segmento a que a Igreja de Nova Vida está
relacionada historicamente), McAlister reitera sua natureza com o Pentecostes bíblico do
século 1, que é tido como o episódio fundante de organização da igreja cristã (BÍBLIA, 1987;
WALKER, 2006; CÉSAR; SHAULL, 1999). O bispo primaz diz mais, que a ICNV é uma
igreja “católica, una, apostólica”, uma citação textual do chamado Credo Niceno, reconhecida
afirmação doutrinária tida como derivada do Concílio de Nicéia, do ano 325 (BETTENSON,
1998, p. 63, 64). Tal dogma é aceito e recitado em celebrações religiosas pelas igrejas
Católica, Ortodoxa e algumas outras da Reforma Protestante, como Anglicana, Luterana e
Presbiteriana. Já outros grupos evangélicos, a saber, batistas, adventistas, pentecostais e
neopentecostais ignoram tal documento como dotado de autoridade doutrinária. Portanto, é
com esse rol de igrejas cronologicamente mais antigas que McAlister vincula sua igreja. E
não apenas pela aceitação e menção do Credo Niceno. Nos cultos dominicais da ICNV,
precisamente na Catedral179, tal afirmação de fé é feita liturgicamente pelos presentes, sob a
liderança entusiasmada do dirigente, no geral o pastor John McAlister. Uma prática que é
comum e rotineira nas igrejas acima mencionadas que reconhecem o referido dogma.

179
Em outras ICNVs em que estive durante a pesquisa de campo jamais vi a recitação do Credo nos cultos. Na
entrevista do bispo da igreja em Botafogo para esta pesquisa ele disse não utilizar o credo nos cultos ou em
qualquer outra reunião da igreja.
139

Walter faz todo esse esforço de correlação histórico-interpretativa, partindo do


presente para o passado, construindo uma narrativa que permita inserir plausivelmente a
ICNV numa espécie de parentesco doutrinário e espiritual com signos históricos mais antigos
do cristianismo. Ou seja, a Nova Vida, com apenas meio século de existência real, estaria
incorporada numa longa e antiga trajetória, sugerindo a “invenção de uma tradição”, para
lembrar Hobsbawm e Ranger (1984). Para Weber (1994), o ancoradouro na tradição é
exatamente uma maneira de dominação e legitimação da autoridade. Essa busca por uma
tradição parece ser um caminho perseguido por estes grupos pentecostais historicamente mais
novos. A IURD de Edir Macedo, por exemplo, que completa em 2017 apenas 40 anos de
existência, parece forjar, solipsisticamente, relação com uma tradição que tem três mil anos
mediante o estabelecimento de seu “Templo de Salomão”180, em São Paulo. Seria esta ação
uma busca por maior legitimação ao tentar se inserir a Igreja Universal, embora pela
subjetividade discursiva, numa espécie de lócus histórico que a faz retroceder no tempo mil
anos antes do surgimento da tradição cristã?
Ao completar sua defesa da historicidade da ICNV, aliando-a com a antiga tradição
cristã, Walter, no entanto, assumiu e definiu o que sua liderança efetivamente tem realizado:
“Nossa igreja tornou-se reformada, litúrgica, episcopal, mas pastoral” (grifos meus). Portanto,
tornou-se reformada e litúrgica, o que poderia de certa maneira equivaler a distanciamento do
pentecostalismo ou em determinado grau até a despentecostalização. Pois “reformado” e
“litúrgico” como tipos-ideais contrapõe ao estilo predominante das igrejas de orientação
pentecostal, sobretudo por seus cultos mais participativos e barulhentos.
Para maior compreensão dessa alteração no contexto da Nova Vida, e provável
interpretação a essas transformações, é importante considerar a trajetória de vida do próprio
Walter McAlister, sobretudo pelos aspectos de sua formação teológica, a influência de seu pai
e as mudanças ocorridas após a morte de Roberto McAlister. Num caso como este, a história
da instituição dificilmente poderia se desvencilhar e mesmo se confundir com a trajetória do
líder, em particular na condição desse tipo de igreja, que é uma espécie de empreendimento
familiar, que passa de pai para filho.
Em entrevista concedida a esta pesquisa, bem como no livro Neopentecostalismo: A
história não contada, Walter fala de seu pai num misto que conjuga extrema paixão e
encantamento a algumas tristezas e até frustrações, principalmente por certas tomadas de

180
“Templo de Salomão”, localizado na cidade de São Paulo e pertencente à IURD é uma espécie de réplica
perfeita, segundo a tradição bíblica, do suposto edifício judaico construído pelo rei Salomão cerca de mil anos
antes de Cristo. http://sites.universal.org/templodesalomao/ (acesso em: 9 jan. 2017).
140

decisão, nem sempre dialogadas, por parte de Roberto. Walter comentou, por exemplo, da
retração de seu pai à formação superior em Teologia181 para os pastores da Nova Vida, por
julgar que tal curso arrefeceria o fervor pentecostal dos líderes. O pentecostalismo da primeira
geração no Brasil era refratário ao estudo teológico por acreditar que a capacitação do pastor
viria do Espírito Santo (ALENCAR, 2013, p. 109). A pioneira igreja pentecostal brasileira,
Congregação Cristã no Brasil, não tem instituição de formação bíblica ou teológica para os
seus líderes desde sua origem em 1910 até hoje. A Assembleia de Deus, de igual forma,
também era contrária a esse tipo de formação. Abertura discreta para mudança, embora
manutenção de resistência, somente viria a ocorrer quase 50 anos após a origem da AD, com
uma instituição de educação ministerial no interior de São Paulo, o Instituto Bíblico das
Assembeias de Deus (IBAD). Ele surgiu não do empenho direto das ADs no Brasil, mas
persistência de um casal mantido por uma missão assembleiana estadunidense (ALENCAR,
2013, p. 185, 186).
Walter revela na entrevista que tinha o desejo de fazer pós-graduação, mas que
Roberto o teria impedido de estudar para ter tal título acadêmico. E com essa decisão ilustrou
sua tristeza em relação a postura de seu pai. Somente anos depois de sua morte, Walter faria o
curso de mestrado nos Estados Unidos. Esta formação em centro de pós-graduação de linha
teológica calvinista viria causar mudanças na trajetória pessoal bem como nos caminhos da
Igreja Pentecostal de Nova Vida, segundo sua narrativa. Verifica-se que os dons e mesmo o
fervor do filho não são o mesmo do pai, como atestam comparações de pregações feitas por
ambos e testemunhos de pessoas próximas a eles, além do reconhecimento do próprio
Walter182. Talvez seu estilo de espiritualidade possa ser marcado por um fervor mais
intelectual do que necessariamente carismático ou pentecostal. Numa pregação na catedral,
durante uma “Manhã Teológica”183, evento para formação de liderança, Walter comentou da
importância dos livros e das leituras. Disse que não é fácil, mas é um esforço necessário e
fundamental. Destacou que mantém vários livros ao lado de sua mesa de trabalho, separados
para as próximas leituras.
Na perspectiva de neto de Roberto e filho de Walter, John McAlister comenta e
interpreta esse cenário de mudanças a partir do que ouviu e leu, bem como de sua experiência

181
O curso que Walter fez no Canadá, na mesma escola em que estudou seu pai Roberto, era uma capacitação
ministerial, não uma formação acadêmica em teologia.
182
Regina Novaes trata desse esvanecimento da fé na passagem de uma geração para outra, especialmente no
contexto de uma família (NOVAES, 1985).
183
Ocorrida em 31 de outubro de 2015, pela manhã, na Catedral da Igreja Cristã Nova Vida, situada na Avenida
Alfredo Balthazar da Silveira, 1800, Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, RJ.
141

desde criança vendo o trabalho do pai, especialmente na igreja em Botafogo, após a morte de
Roberto:
Notamos certas mudanças propostas por ele, em nível da liturgia, assim como
pleiteando a celebração da ceia semanal, e fazendo uma série de mensagens que
ficaram em minha memória sobre o Credo Apostólico. Então eram mudanças bem
perceptíveis na ordem do culto. E aí, coincidindo com minha fase no Ensino Médio
e preparação para a faculdade eu o vi voltar a estudar teologia, após o falecimento
do meu avô, seguindo para o Reformed Theological Seminary, nos Estados Unidos.
E eu, curioso, já fui pegando carona com ele na redescoberta da tradição Reformada.
Então, para mim são memórias muito mais próximas de acompanhar o início deste
processo de reavaliação litúrgica e doutrinária da denominação a partir de Botafogo
(J. MCALISTER).

John interrompeu sua fala para fazer uma justificativa da postura de seu pai em relação
a Roberto, em função do que havia dito antes:
O que não representa, a meu ver, uma ruptura radical com meu avô. Porque ele
[Roberto] foi um questionador (risos), ele reavaliou a tradição pentecostal que ele
recebeu de seus pais e avós. Então se tem uma linha de continuidade é essa: Esse
espírito questionador e reformador, de sempre reavaliar tudo à luz da história e da
Palavra de Deus, acima de tudo. Então, vi meu pai seguindo esta veia. Mas as
conclusões às quais ele chegou são bem diferentes das do meu avô (risos) (J.
MCALISTER).

Esta narrativa de John tem sido utilizada também por Walter para explicar e legitimar
as mudanças que tem efetivado, porque Roberto foi também um “questionador” e alguém que
reavaliou o pentecostalismo que recebeu de seus pais. Certamente tem as diferenças culturais
inerentes a cada geração o que determina mudanças; no entanto, o que foi questionado por
Roberto tem basicamente a ver com formas ou estética, não necessariamente a conteúdo,
resultando num pentecostalismo mais contextualizado com o ambiente urbano dos anos 1960,
porém mantendo em geral as mesmas práticas doutrinárias do pentecostalismo. O próprio
John, no entanto, reconhece e explica que “as conclusões” a que cada um chegou, a síntese
que deram a seu sistema religioso são essencialmente distintas. E isso se deve a uma diferença
fundamental entre os dois, que é a questão da formação acadêmica: “Pelo benefício de meu
pai ter passado por uma instituição com uma linha confessional clara, ter tido benefício deste
estudo, algo que meu avô nunca fez”.
As mudanças pelas quais a igreja vinha experimentando sob a condução de Walter se
ampliaram e avançaram após os estudos de pós-graduação. Teologia, doutrina e liturgia são
áreas fundamentais onde se processaram as alterações, chegando ao ponto de as
transformações atingirem o próprio nome da igreja e sua identidade visual simbólica. De
Igreja Pentecostal de Nova Vida ela passou a se chamar Igreja Cristã Nova Vida, excluindo,
portanto, a designação original pentecostal e adotando a expressão adjetivada cristã. Não é,
portanto, uma troca de vocábulos por questões semânticas. É uma mudança pelo viés da
142

antonímia. Como corrobora a alteração da logomarca. Foi abandonado o símbolo de uma


chama, como sinal do Espírito Santo – que é bem próprio da iconografia pentecostal – por
uma gravura formada com três pequenas igrejas cada uma delas com uma cruz no seu topo,
cuja autoria é do próprio bispo Walter, como este relatou na entrevista. Esse conjunto de
mudanças foi aprovado em assembleia do Colégio de Bispos e do Presbitério Nacional em
2008184.
O que efetivamente representa a troca dessas imagens, que mudanças evocam e para
onde apontam?

Identidade visual da Igreja Pentecostal de Atual logotipo: Igreja Cristã Nova Vida
Nova Vida, sob a liderança do Bispo Walter,
adotada após a divisão da denominação (Imagens: Google).

Segundo Walter, as três igrejas da Aliança é a aliança de igrejas. “Onde dois ou três
estão reunidos...” [Evangelho segundo Mateus 18.20]. O símbolo nasceu, portanto, como
logotipo da ACNV. “Eu fiz aquilo à mão, com uma caneta piloto, xerocamos e acabou sendo
gravado na pedra. Agora virou marca. Virou a marca da igreja”.
Refletindo sobre essas mudanças, particularmente de nomenclatura, McAlister explica:
Chegamos à conclusão de que o termo pentecostal tinha se tornado tão tendencioso
que não representava mais o que somos. A grande maioria confunde o
pentecostalismo com o neopentecostalismo. Simplesmente era associado a práticas e
conceitos que não podíamos abonar. Com a volta ao termo cristão afirmamos a
nossa identificação com a igreja histórica (W. MCALISTER). 185

Um fato que se verifica até então é que de pai para filho – de Roberto para Walter – a
Igreja de Nova Vida teria menos sinais evidentes de manifestações do Espírito Santo, pelo
menos na perspectiva predominante das crenças e práticas pentecostais e neopentecostais. E
essa diferença se amplia ainda mais quando se compara Walter com seu filho John, sendo este

184
Além da entrevista com Walter, outros dados estão disponíveis em:
http://www.icnvcatedral.com.br/novo/ipnv-ou-icnv/(acesso em: 23 jul. 2014).
185
Entrevista concedida ao pesquisador, por telefone, em: 5 de dez. 2012.
143

ainda mais distante das práticas comumente pentecostais do que seu pai. Considerando as
mudanças geracionais e as reconfigurações que as doutrinas sofrem historicamente, é possível
afirmar que entre a igreja de Roberto e a igreja sob John – avô e neto – existam diferenças
basilares e agudas quanto às concepções doutrinárias e as práticas religiosas na Igreja
chamada de Nova Vida.
Avaliando este cenário, Andrew McAlister comenta:
Meu irmão [John, pastor da Catedral], neste sentido é muito mais pastor local. De
sentar com cada um. A gente continua toda semana orando pelos enfermos, mas não
é nosso cartão de visita: “Olha, venha para a Nova Vida e receba oração pelo
enfermo!”. Talvez fosse há 30, 40 anos. Não é o caso hoje. Então, a grosso sim, o
Espírito Santo..., a gente tá menos Espírito Santo, por assim dizer, nos moldes
pentecostais (A. MCALISTER).

E ilustra essa mudança falando sobre o modelo de culto dominical na Catedral:

Quem observa nossa liturgia domingo de manhã vai dizer que a gente sequer é
pentecostal! Mas é difícil fazer essa avaliação particularmente do meu avô com
quem não tive tanto contato. Mas eu enxergo hoje, na denominação, eu falo da
denominação, orientação do meu pai e do meu irmão, tanto igreja local quanto
denominacional, uma busca intencional pelo Espírito Santo, pessoalmente:
Santidade, devoção. Não são termos, não são conceitos que eu ouço como sendo
associados ao ministério do meu avô. Se eu puder usar essa imagem: meu avô era
muito mais público. A atuação do Espírito Santo era pública e hoje em dia a gente
promove uma atuação do Espírito Santo privada, por assim dizer (A. MCALISTER).

Em sua trajetória de atuação institucional Walter foi pastor das igrejas de Nova Vida
no Méier, depois no Engenho Novo, posteriormente em Botafogo e depois na Catedral,
situada no Recreio dos Bandeirantes, todas na cidade do Rio de Janeiro. Em 2008 ele deixou o
pastorado local ou específico desta igreja e passou a atuar exclusivamente na condição de
bispo. Ou seja, como líder primaz da denominação, porém sem exercer funções sacerdotais de
responsabilidade regular numa igreja específica.
A “campanha” por mudanças que Walter McAlister desenvolve em sua igreja tem
estratégias claras com objetivos definidos e dentre tais estratégias se destaca a formação dos
novos pastores para servirem nas igrejas. Essa capacitação ocorre numa escola teológica, cujo
curso tem duração de quatro anos e é ministrado por pastores da denominação. Seu presidente
é o bispo Walter McAlister e o deão acadêmico é o pastor John McAlister, filho de Walter.
Ele é também o pastor-regente da Catedral das Igrejas Cristãs Nova Vida, função que ocupou
após a saída de seu pai, quando este passou a se dedicar primordialmente à tarefa de bispo
primaz da denominação.
Pertinente explicitar que usamos o termo “campanha” para designar esse processo
continuado de mudança projetado para se realizar pela liderança de um grupo ou movimento.
Necessário se faz elucidar que “campanha”, neste caso que ocorre na ICNV, não possui
144

qualquer relação com a ideia de “campanha de fé” promovida pela IURD. Na denominação de
Edir Macedo estas práticas são recorrentes e mobilizam fiéis a participarem no sentido de
fazerem um esforço pessoal em busca de solução para um problema. Este esforço inclui,
geralmente, ações espirituais associadas a doações financeiras para a igreja. Campanha,
também, não tem conotação com questões eleitorais, típicas dos períodos de escolha
democrática de líderes políticos e gestores para as diversas esferas de poder no país.
Conforme já explicado na introdução, campanha se aproxima do sentido conforme a
apropriação feita por Theije (2002) do conceito de política de mudança cultural de Ortner
(1989b).
Bispo Walter explicou que as mudanças ocorridas na igreja resultam de um longo
processo, marcado por muito diálogo com os sacerdotes da Nova Vida. “Fui trabalhando com
meus pastores sobre a doutrina da graça, tirando a ideia de segunda bênção, mas mantendo a
doutrina do batismo com plenitude do Espírito Santo”. Ele contou que embora todo esse seu
esforço, há igrejas que ainda mantém certa conduta da época em que a igreja possuía
comportamentos e práticas mais pentecostais e neopentecostais. Essas ações destoam do
modelo que seria o ideal como o padrão litúrgico e doutrinário, conforme se verifica no estilo
da Catedral. “Nem todas as igrejas estão plenamente alinhadas comigo. Mas isso é um
processo de duas gerações”, revela e acredita McAlister. Aqui ele se referiu a igrejas e líderes
que, mesmo no contexto de sua denominação e reconhecendo formalmente sua autoridade
como bispo primaz da Aliança das Igrejas Cristãs Nova Vida, na prática, seguem critérios
doutrinários e litúrgicos independentes. No que também, oficialmente, Walter afirma
respeitar. Nas entrevistas com Marcelo Maia e também John, estes já revelaram mais
desconforto com pastores no âmbito da Aliança que estariam mantendo concepções teológicas
distante do modelo calvinista e com práticas consideradas como mais próprias ou próximas do
neopentecostalismo.
Refletindo sobre essas mudanças ocorridas em sua igreja, o bispo primaz fez avaliação
crítica ao neopentecostalismo predominante, tanto em outros segmentos da Igreja de Nova
Vida que romperam ou não reconheceram sua liderança episcopal, como igrejas midiáticas
cujos líderes saíram da Nova Vida onde conviveram, aprenderam e foram influenciados por
Roberto McAlister.
Os neopentecostais são irrelevantes, são como fogo de palha. Em duas gerações não
se falará mais de IURD. Esse pessoal está perdidão. Qualquer igreja pentecostal hoje
segue, com mais ou menos disfarce, a teologia da prosperidade. O pentecostalismo é
algo que tem pouco ou nada de cristianismo (W. MCALISTER). 186

186
Entrevista concedida ao pesquisador, por telefone, em 5 de dezembro de 2012.
145

Ele continuou com sua crítica: “Uma das vertentes da Nova Vida é neopentecostal,
fazendo uso de descarrego, sal grosso... coisas absurdas”.
Aqui McAlister demonstrou, com clareza, sua visão desse tipo de religiosidade que
pode, inicialmente, reunir muita gente, mas como entende ser uma forma enganosa e
superficial, se arrefecerá e mesmo acabará. Quanto ao seu modelo de igreja, pela campanha
que desenvolve na ICNV, ele compreende que pode perder fieis agora, mas tem convicção
que essa é a verdade e que, portanto, será vitoriosa e perdurará historicamente.
Falando sobre líderes que saíram da Nova Vida, criaram suas próprias igrejas, se
tornaram destacados pastores, sobretudo pela presença na mídia e detentores de grandes
grupos religiosos do neopentecostalismo, Walter analisa: “Muitos filhos espirituais de meu
pai, assim como netos e bisnetos, abandonaram a devocionalidade da fé e somente querem o
poder financeiro, midiático e político”. E avalia ainda mais criticamente: “O
neopentecostalismo está morrendo. Não tem futuro. Está morrendo”. Questionado sobre a
força de igrejas desse segmento evangélico, ele reafirma: “Bem, olha o [Edir] Macedo? Ficou
uma coisa esquisita. É uma seita. Virou uma seita, não é uma igreja. Está morrendo. Segundo
eu entendo, está morrendo”. Insisti que, embora sendo seita, conforme a classificação dele,
parece ser algo de muito futuro, ao que ele retrucou:
Não sei... São pessoas muito ambiciosas, são pessoas pouco éticas. Acho que no dia
em que [Edir] Macedo fechar os olhos aquilo vai ser repartido entre mil. Vai cair,
vai ser destruído, vão se devorar uns aos outros. Aquele do chapéu de caubói
[Valdomiro Santiago, Igreja Mundial do Poder de Deus] já é um desafeto do
Macedo. Então é só uma questão de tempo. Aquilo acabou (W. MCALISTER) .

Walter não fez referências explícitas a Romildo R. Soares, mas sobre Miguel Ângelo
disse que ele “disfarça” de reformado. “A formação dele é da seita Perfeita Liberdade. Aquilo
é Perfeita Liberdade187. Ele não tem uma linha teológica”, censura Walter. Face a este cenário
que descreve, ele faz uma curiosa distinção antagônica de sua denominação em comparação a
outros grupos que saíram da Nova Vida: “Neste sentido, somos uma igreja antievangélica”.
Além do processo de despentecostalização McAlister seguiria também um caminho de
“desevangelicalização”? 188.

187
Perfeita Liberdade ou Perfect Liberty, religião de origem japonesa, surgida no início do século XX.
188
O rótulo evangélico é uma identidade que tem sido alvo de críticas no interior do próprio ambiente evangélico
por conta de grupos e pessoas desse segmento cristão que não se veem mais como parte dele, principalmente por
conta de discordâncias quanto a práticas e concepções doutrinárias. Dentre diversos exemplos se destacam
pastores conhecidos nacionalmente, em particular no contexto evangélico, como Ariovaldo Ramos, Ed René
Kivitz, Ricardo Gondim, todos em São Paulo. Este último é líder da Igreja Betesda (que já foi Assembleia de
Deus), e já não se diz nem evangélico nem pentecostal. Embora alguns dos motivos destes nomes citados se
aproximem das razões de Walter, todos têm diferenças teológicas, eclesiais e políticas. Portanto, as motivações e
146

Nesse ponto, o bispo passa a focalizar sua igreja, fazendo algumas considerações
preliminares sobre ele próprio como uma espécie de reformador, buscando conexões de sua
postura e a perspectiva doutrinária atual com a trajetória histórica de seu pai. Considerou os
primórdios de formação de Roberto na Assembleia de Deus canadense e as mudanças que ele
foi experimentando ao longo da vida, as quais Walter interpreta como já sendo associadas ao
protestantismo histórico em bricolagem com a perspectiva pentecostal:
Meu pai sempre foi um reformador. Sempre questionou. Tanto que ele chegou ao
Brasil um pentecostal, dispensacionalista, com todos os acessórios de um
pentecostal, mas ele logo começou a questionar várias coisas da doutrina. Ele
reavaliou os sacramentos, escatologia e outras doutrinas. Ele tinha amigos
reformados, teve contato com autores reformados e luteranos. E chegou a discutir o
falar em línguas como batismo do Espírito Santo com eles (W. MCALISTER). 189

Ao afirmar que seu pai “sempre foi um reformador”, que reviu doutrinas e teve
contatos com autores reformados, Walter constrói uma memória identificando Roberto
McAlister consoante com as perspectivas doutrinárias que atualmente defende. O que lembra
Pollak (1992), para quem existe uma ligação bem estreita entre memória e identidade. No
entanto, outro entrevistado afirmou que Roberto McAlister “sempre foi arminiano190”, que é
um contraponto à identidade calvinista.
Quanto a sua mudança de rota e convivência com outros grupos mantendo
interlocução doutrinária diversa, Walter informa:
Atualmente estou andando mais em círculos tradicionais e falo como reformado para
os tradicionais: “Abram-se para o Espírito Santo, não fiquem tão iluministas e
secularizados. O Espírito Santo é essencial para a existência da igreja”. E para os
pentecostais, digo: “Vão ler, vão estudar, vão refletir”. Chamamos os pentecostais
de volta ao cristianismo e os históricos de volta ao Espírito Santo, aquele dos
apóstolos. Pois damos mais ênfase a segunda pessoa da Trindade e pouco falamos da
terceira, o Espírito Santo (W. MCALISTER). 191

E revelou mais sobre essa sua campanha, bem como o livro que está escrevendo
acerca dessa síntese entre pentecostalismo e calvinismo:
Nós somos essa ponte, como estou trabalhando no livro “O pentecostal reformado.
De Azuza a Genebra e de volta”, mostrando até onde um pentecostal pode ser
reformado e até onde um pentecostal reformado ainda é pentecostal. Então é um
livro bem difícil porque é um tanto quanto filosófico pela dialética entre essas duas

explicações para a negação da adesão evangélica são distintas. Mas um ponto comum para todos esses
mencionados está no fator ético (ou antiético) de pessoas e grupos do segmento evangélico.
189
Entrevista concedida para esta pesquisa em 5 de dezembro de 2012, por telefone.
190
Arminiano é alguém vinculado à concepção doutrinária de Jacobo Armínio, teólogo holandês cujo sistema
doutrinal sobre a salvação pode ser resumido em cinco tópicos: eleição ou perdição depende da fé ou não-fé do
ser humano (Livre-arbítrio); expiação ilimitada (Cristo morreu por todos), graça resistível (as pessoas podem
resistir ao evangelho), possibilidade de negar a fé (é possível apostatar da fé e cair da graça). Disponível em:
http://deusamouomundo.com/o-que-e-arminianismo/ (acesso em: 3 jan. 2017).
191
Entrevista concedida para esta pesquisa em 5 de dezembro de 2012, por telefone.
147

tradições. Tento mostrar as regras de engajamento, onde somos plenamente


reformados, mas não chegamos ao ponto de abraçar Westminster, que compreende
certos conceitos especialmente eclesiológicos de cessassionismo. Enquanto nós não
somos cessassionistas. Somos da linha, digamos, dos batistas reformados. Mais
próximos a [John] Piper, Martin Lloyd-Jones (W. MCALISTER).

Como se tem percebido, McAlister não nega integralmente o pentecostalismo, mas


procura fazer uma espécie de bricolagem (HERVIEU-LÉGER, 2008) de suas crenças com
doutrinas típicas do calvinismo. Ele assim teoriza sobre sua ICNV: “Somos um híbrido, uma
ponte entre pentecostais e tradicionais. Procuramos um equilíbrio, pois não há incoerência
entre ser pentecostal e ser reformado”. Ele demonstra viver nesse misto entre alguma crença
pentecostal associada a doutrinas reformadas: “Acreditamos na atuação do Espírito Santo, no
dom de línguas, aquilo que marcou o pentecostalismo no século passado. Mas não nos
identificamos com a cultura atual do pentecostalismo”, explica numa gramática bem próxima
de grupos protestantes históricos quando falam do Espírito Santo. Esses protestantes também
não negam totalmente dons espirituais, mas rejeitam as interpretações radicais do
pentecostalismo e, principalmente, do neopentecostalismo (CÉSAR; SHAULL, 1999;
ROCHA, 2008; LOPES, 1999). Neste sentido, podemos considerar que McAlister, mediante
sua campanha, quer despentecostalizar sua denominação, mas, sobretudo,
“desneopentecostalizá-la”. Por outro lado, em diálogo com diferentes grupos protestantes
históricos com os quais ele tem convivido, mostra-se à vontade com essa interlocução,
inclusive para tentativas de reciprocidade entre concepções pentecostais e reformadas ou
tradicionais.
Para uma igreja que nasceu pentecostal e tal identidade foi, até em anos recentes, uma
importante maneira de se distinguir no campo evangélico brasileiro, tal mudança desperta
atenção em particular do ponto de vista social. Como se explicar para as antigas gerações,
aquela dos tempos da liderança de Roberto na condução da igreja e mesmo outros
posteriores? Afinal, a Nova Vida mobilizou a conquista de muitos fiéis exatamente com seu
modelo religioso de crenças e práticas pentecostais e neopentecostais. Portanto, mudar de
rota, afirmar e também negar, mesmo em parte, essa identificação pentecostal, um campo
inclusive que ela ajudou a formatar, pode ser uma estratégia (gramatical?) do bispo de não
constranger ou afugentar pessoas que ainda estariam de certa forma associadas à doutrina e
identidade pentecostais. Isso parece ficar mais plausível na fala de McAlister quando ele
continuou abordando mudanças doutrinárias, que reitera uma suposta bricolagem:
Há pouco tempo quando fui indagado sobre nossa postura teológica, cunhei o termo
pentecostal-reformado. Embora pentecostal não mais faça parte do nosso nome,
ainda faz parte de nossa origem. Numa tentativa de honrar as nossas origens,
reafirmo esta rubrica. Mas como nos associamos à escola reformada, acabei criando
148

uma maneira de nos distinguir do marasmo neopentecostal, sem ter que negar por
completo a nossa convicção continuísta192 – a da contemporaneidade dos dons
espirituais (W. MCALISTER).

McAlister reiterou esta nova identidade de sua denominação, mais


despentecostalizada, porém como um ideal a ser ainda amplamente alcançado, pois revela
diferenças existentes em suas diversas igrejas, que seriam resquícios do passado mais
militantemente pentecostal. “Em culto aberto dificilmente há curas e falação de línguas, mas
nos grupos pequenos e na devocionalidade pessoal, sim”. Sem omitir informações sobre essa
realidade, exemplifica: “Algumas igrejas ainda afirmam o batismo no Espírito Santo como
‘segunda bênção’”193. E continua ele, quase como um desabafo: “Nem todas as igrejas estão
em dia comigo. O povo ouve a mim e ao [Silas] Malafaia” 194. Mas nossa aliança é voluntária.
Temos margem para diálogo e respeito mútuo”. Dessa forma ele demonstra postura moderna
de tolerância, explicitando, porém, sua esperança quanto ao futuro – possivelmente
despentecostal – de todas as suas igrejas: “A mudança completa é um processo para duas
gerações”. Perguntado se de fato os pastores acolhem e seguem suas orientações Walter
responde quanto à possibilidade, não a motivação ou compromisso por parte deles:
Eu não sei quanto a capacidade [deles] de implementar tudo, alguns não tem
condição. Estamos passando por um processo que vai levar tempo, talvez mais que
uma geração para se concluir. Mas eu vejo que o que estamos plantando hoje só vai
ser colhido quando meu filho me substituir. Se for ele. Pode ser outro. Talvez não
seja ele, talvez seja outro, mas vamos ver como é que isso vai caminhar (W.
MCALISTER).

3.3.1 A Catedral, o bispo, a Aliança e o presbitério

Entendida muitas vezes genericamente como sendo um grande templo cristão,


catedral, no rigor etimológico, diz respeito à cátedra195, a cadeira professoral ou espaço a
partir de onde provém o ensino e, como substantivo, refere-se a uma igreja principal onde se
192
Continuísta em oposição à cessassionista, isto é, que acredita na atualidade dos dons do Espírito Santo. E que
os mesmos não cessaram na era apostólica do Novo Testamento, podendo ser demonstrados atualmente, como a
glossolalia (http://www.respirandodeus.com.br/2012/12/cessacionismo-x-continuismo.html).
193
“Segunda benção”, maneira teológica pentecostal de conceber o Espírito Santo a partir do falar em línguas
estranhas. Esta seria um fato posterior à “primeira benção”, isto é, à conversão à fé cristã.
194
Ao dizer: “Nem todas as igrejas estão em dia comigo”, McAlister revelou a falta de consonância de algumas
igrejas com seu projeto de despentecostalização, demonstrando, em seguida, certo desconforto com seus fiéis
também pastores que ouvem a ele e também a Silas Malafaia, o líder midiático pentecostal cujas pregações e
postura pública são típicas da prática religiosa neopentecostal.
195
Conforme explicações do Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: http://houaiss.uol.com.br/
(acesso em: 30 jul. 2016).
149

encontra liderança episcopal com autoridade para o magistério a ser considerado pelos
liderados. As igrejas de tradição congregacional196, cuja autoridade ou poder de decisão reside
na assembleia democrática da própria igreja local, não reconhecem ou não possuem esse tipo
de liderança hierárquica. Já as igrejas de governo episcopal, como é o padrão da ICNV, se
organizam por este tipo de governança em que a primazia da autoridade reside na cátedra do
bispo. No caso da tradição católica e anglicana, por exemplo, a estruturação da hierarquia
exige votos de obediência dos sacerdotes em relação aos bispos, que representam o governo
da igreja. É neste sentido que se compreende a Catedral da Igreja Cristã Nova Vida.
Embora tenha instituído o governo episcopal entre denominações pentecostais no
Brasil e sido o primeiro bispo da Nova Vida Roberto McAlister não teve uma Catedral. O
templo em Botafogo se tornou a sede da denominação, mas não foi designado por esta
identidade, nem mesmo após a adoção do modelo episcopal que se deu cinco anos após a
inauguração do edifício. De igual modo, Walter não alterou o status do templo de Botafogo,
mas buscou concluir um espaço para cultos da ampla edificação já iniciada por Roberto
McAlister na área por ele adquirida na Avenida das Américas, no bairro do Recreio dos
Bandeirantes. Deixando a igreja em Botafogo sob a liderança de outro pastor, Walter iniciou
uma nova igreja que se tornou a Catedral, desde então assim chamada, na Páscoa de 1999,
precisamente em 4 de abril. Este espaço serviu como sede episcopal até a instalação da nova
catedral, também no Recreio dos Bandeirantes, na Avenida Alfredo Baltazar da Silveira,
1800, antes de as obras estarem todas elas completadas. O templo da atual Catedral foi
inaugurado mediante dois importantes encontros, sendo um voltado para a denominação e
outro para a igreja local.
O primeiro foi a reunião anual da Aliança Cristã Nova Vida, quando os membros do
presbitério nacional renovam seu compromisso com o bispo primaz mediante assinatura
solene no livro próprio da Aliança. Este encontro, do qual não participei, se deu no sábado, 22
de agosto de 2015, com a presença de 270 pastores e bispos de todo Brasil, segundo o bispo
Walter. A reunião consistiu, basicamente, em um culto com pregação e orientações gerais do
bispo seguindo-se a celebração da Ceia eucarística e assinatura por parte de cada um dos

196
São diversos e nuançados os tipos de governo eclesiástico, mas, genericamente, congregacionais se baseiam
na autonomia da igreja local, sem submissão hierárquica formal a qualquer outra instância, como é o caso de
igrejas batistas e congregacionais. Weber (1994, p. 312, 313) trata desse tipo de governança, entre religiões e
para além delas. Numa interseção ou misto entre os governos congregacional e episcopal, com muitas variantes,
são as Assembleias de Deus, as luteranas, as presbiterianas, as metodistas e outras. As igrejas neopentecostais ou
da terceira onda do pentecostalismo no Brasil são quase todas estruturadas a partir do modelo episcopal, embora
com diferenças pontuais, cujo padrão brasileiro descende da Nova Vida, que sob Roberto McAlister, inaugurou
este formato. IURD, Internacional da Graça de Deus, Cristo Vive, Renascer, Sara Nossa Terra, Bola de Neve,
Mundial do Poder de Deus são todas variantes desse estilo de governança eclesiástica.
150

presbíteros presentes do referido compromisso. A segunda cerimônia, voltada para a igreja


local, aconteceu no dia seguinte, domingo 23 de agosto, no culto da manhã e estive presente.
O pastor-regente da Catedral, John McAlister, conduziu o início com leituras bíblicas,
cânticos, recolhimento de ofertas e orações. Em seguida assumiu o púlpito o bispo Walter
McAlister, que falou retornando a alguns temas destacados no encontro do presbitério no dia
anterior. Lembrou o que é uma catedral e sua importância numa denominação episcopal,
salientando que “este local tem um significado para além da igreja local”, como um modelo
paradigmático para outras igrejas da denominação. “Esta é a igreja mais formal de todas as
Igrejas Cristãs Nova Vida” afirmou o bispo acrescentando que as outras ICNVs “tem sua
formalidade, mas aqui é a liderança nacional”, defendeu. “Aqui é a Catedral. Temos um modo
de crer e uma maneira de viver” reiterou o primaz. “Meu pai sonhou com isto [uma catedral]
há 30 anos”, disse o filho do fundador da Nova Vida, acrescentando que “depois de oração,
ação, jejum, chegamos aqui”. Disse mais que “o templo é lugar para culto a Deus, não é lugar
para descarrego”, referindo-se a práticas religiosas de igrejas neopentecostais como IURD.
“Este é um lugar onde ministramos sacramentos, o batismo nas águas [mostrou o batistério ao
lado do púlpito], a Ceia, apresentação de crianças, local para celebrar casamentos, para a
proclamação do evangelho”.
Como era um projeto antigo de seu pai, conforme também destacou bispo Tito em
entrevista já mencionada, bispo Walter afirmou: “Este púlpito será um dos púlpitos influentes
para os destinos desta nação. Teremos cuidado em escolher alguém para subir a este púlpito”;
e reiterou: “Este é um lugar de intercessão pela nação”. Algumas poucas pessoas acolheram
falando com discrição: “Amém”.
Após a pregação, o pastor John McAlister conduziu a realização da chamada Santa
Ceia com a distribuição de pedaços de pão e pequeninos cálices com suco de uva. Todo o
momento é acompanhado por música suave que é executada pelo teclado eletrônico. Os
líderes distribuem esses elementos entre os presentes, que tomam e os ingerem. Após,
conduzidos pelo pastor John, todos recitam, com muita força, o Credo Apostólico e depois
são convidados a saudarem uns aos outros que estão mais próximos fisicamente. As pessoas
viram-se umas para as outras, pegam nas mãos e dizem “Paz de Cristo”, uma prática do rito
calvinista de igrejas presbiterianas.
O espaço do templo em si não é muito grande, comportando 40 bancos, sendo 20 de
cada lado com corredor central, além de espaço de corredor também nas extremidades das
laterais direita e esquerda. Os bancos são de madeira, com genuflexório, com espaços para
colocar bíblias, livros e para cálices de ceia. Bancos são móveis em desuso nas igrejas
151

evangélicas. Com genuflexórios, estes praticamente inexistem em templos pentecostais e


mesmo evangélicos, exceto em alguns poucos de igrejas do protestantismo histórico mais
tradicional. Os templos das igrejas neopentecostais bem como de novas construções ou
reformas desses edifícios eclesiásticos em igrejas pentecostais e mesmo em históricas como
batistas e presbiterianas, por exemplo, raramente utilizam bancos. É uma tendência há muito
cristalizada em novas igrejas. Estes mobiliários coletivos têm sido substituídos por cadeiras
individuais, o que pode ser sinal dos tempos dos modelos de religiosidade mais intimistas e de
mercado centrados em interesses mais individuais, como já mencionados por autores desta
teoria (IANNACCONE, 1997; FRIGERIO, 2000; GUERRA, 2003). Em Botafogo, no templo
sede da Nova Vida inaugurado por Roberto McAlister em 1971, os assentos já eram poltronas
individuais, que se mantém até então. Na Catedral dos descendentes do fundador, além do
mobiliário para assento ser bancos de madeira e com genuflexório em cada um deles, há uma
cruz entalhada, bem como outras cruzes cravadas no púlpito, uma em cada lado do móvel,
sendo que ao centro do mesmo cai pano decorado com uma arte cristã, que muda de acordo
com o calendário litúrgico. Para acessar a plataforma, apenas seis degraus, ou seja, não é tão
alto, coerente com o tamanho do templo. Em cada parede lateral existem quatro janelas, cada
uma com ferros entrelaçados formando arcos típicos de igrejas cristãs e vidros sobrepostos
nas cores azul e cinza fosco. Na parede atrás do púlpito existe um lambri de madeira com
símbolos de janelas típicas de templos cristãos, como se verifica na arte sacra da tradição
histórica católica ou protestante advindas das catedrais europeias.
Conforme explicou Walter, da Catedral emana a orientação do bispo primaz e de certa
forma o modelo eclesial, doutrinário e litúrgico para outras igrejas e pastores. “Eu sou o
bispo, mas as igrejas são autônomas”. Por mais que o bispo afirme isso e os pastores
confirmem, como fizeram alguns por meio das entrevistas, de que as igrejas são livres para
desenvolverem suas próprias práticas, implícita e explicitamente a posição do bispo e postura
e estética da catedral são ideais a serem considerados e assimilados pelos pastores e as outras
igrejas197. No entanto, diferente do padrão católico-romano e anglicano, as igrejas e pastores
da ICNV não fazem votos de obediência ao bispo primaz, pois a adesão à aliança é voluntária.
Embora Walter, como ele próprio diz e dizem também alguns entrevistados, não possua o
carisma do pai, porém tem o reconhecimento da autoridade tradicional (é filho de Roberto e
tem o sobrenome McAlister) e a autoridade da formação intelectual. Ele, Walter, explica:

197
Essa autonomia certamente tem seus limites institucionais e tradicionais, como ilustra o caso de um pastor de
uma igreja da Aliança a quem solicitei uma entrevista. Ele disse que precisava “pedir autorização” ao bispo
Walter. Voltei a fazer diversos contatos com ele, por e-mail e por telefone, mas ele não respondeu nem atendeu
às chamadas telefônicas.
152

Meu episcopado é pastoral, é mais conceitual, é liderança e os bispos do Colégio são


meus conselheiros e meus pastores auxiliares. Então eu sirvo de uma referência para
eles, liderando pela Palavra e em exemplo. E eles participam voluntariamente.
Somos basicamente uma rede, uma denominação formada por ações pessoais e
voluntárias (W. MCALISTER).

Anualmente acontece o evento mais importante da denominação, geralmente em


agosto, um encontro de renovação do pacto dos pastores e bispos com o primaz para
sustentação da Aliança. Um culto é celebrado, o bispo prega dando diretrizes e fortalecendo o
ânimo dos presentes, sobretudo enfocando tópicos da identidade denominacional na linha das
doutrinas calvinistas a serem seguidas por todos. Ao final, pastores e bispos assinam um livro
em que firmam ou reafirmam o compromisso de manter a fidelidade doutrinária e
contribuição financeira com a ACNV, identificada na pessoa do bispo primaz. O encontro já
foi realizado em espaço reservado, como um acampamento, mas atualmente tem ocorrido na
Catedral e só para este público restrito, que vem das igrejas espalhadas pelo país. No encontro
de encerramento na Catedral, todos os líderes se vestem sempre de maneira formal, com terno
e colarinho clerical. “A assinatura da Aliança é feita anualmente. Todos os que podem se
reúnem para assinar o termo, perpetuando essa aliança pela assinatura”, disse o bispo, e
especificou os tópicos do acordo, que são três apenas:
Harmonia teológica, um código de ética e financeiramente, o dízimo. Cada igreja
dizima para a sede. Nós invocamos a lei do dízimo. Para quê? Bem, ‘onde está o seu
tesouro aí está seu coração [bíblia: Mt 6.21]. Então como saber que estamos unidos?
Não é só pelo interesse de um nome [ACNV]. Então dízimo é uma maneira, um
símbolo bem forte, que toca a carteira. E com isso temos viabilizado a editora e
outras coisas mais. Inclusive meu salário sai do dízimo das igrejas (W.
MCALISTER).

E detalhou ainda a destinação desses 10% de recursos que recebe das igrejas: “Ajuda,
inclusive a manter o campus da Catedral. Porque a igreja local não tem condições de manter
uma coisa desse tamanho”, isto é, o amplo espaço, com edificações no local onde fica a
Catedral. Além do próprio templo, salas para estudo, capela, gabinetes, escritórios, cozinha,
refeitório, estacionamento, parque para crianças, áreas livres.
153

Fachada da Catedral da ICNV, cuja área do campus se estende à direita, à esquerda e aos fundos. Detalhe da cruz
celta no fundo espelhado (Foto de Clemir Fernandes, feita em: 9 dez. 2015).

Na entrevista dada em seu gabinete, bispo Walter mostrou uma pilha de livros
assinados pelos pastores e bispos nos encontros passados, desde o primeiro em 1995. Folheei
um dos livros que ele me cedeu para observar e verifiquei que estava completo de signatários
de alguns desses encontros. Os livros são, na verdade, grandes cadernos de capa dura com um
texto inicial enfocando o compromisso com a Aliança, seguido por autógrafos dos pastores e
bispos, um em cada linha. Walter dá grande valor a esse encontro e cerimônia de assinatura,
que reafirma a relação de lealdade com ele e sua direção episcopal.
Não se trata de um documento com valor legal, pois não é registrado em cartório civil.
Não é esse o objetivo, até porque, como reiterou Walter, é uma “adesão voluntária”, no
entanto, a assinatura pública num encontro coletivo celebrado mediante culto na Catedral dá a
ele o tom e a natureza objetivados pelo primaz. O objetivo do evento é comprometer
socialmente todos a praticarem o que assinaram, mantendo a relação de fidelidade ao bispo.
Porque formalmente e legalmente ele não tem poder sobre as igrejas e seus pastores.
Diferente, por exemplo, do caso católico, no qual um sacerdote deve obediência ao bispo, mas
caso queira romper seus votos, a igreja ou paróquia onde ele atua não lhe pertence, mas sim à
cúria diocesana católica. Entre igrejas evangélicas congregacionais, como batistas, quando um
pastor rompe com a denominação e/ou com a igreja local ou então é excluído por algum tipo
de desvio, esta segue sob a direção da liderança legal da própria igreja.
154

Sobre a realidade atual da Aliança Cristã Nova Vida, num panorama numérico,
McAlister informou, de forma livre: “Hoje somos, mais ou menos, 60 mil fiéis. Mas, podem
ser 15 mil membros. Porém a frequência aos cultos é maior. Há muito tempo deixamos de
manter as estatísticas em dia. Não ligamos para isso”. A igreja está presente em 8 estados
brasileiros nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Não há igrejas filiadas à Aliança em
São Paulo.
Discorrendo acerca da estrutura organizacional o bispo explicou que a Aliança das
Igrejas Cristãs Nova Vida é composta por cerca de 170 igrejas, 230 pastores e 7 bispos, que
formam o Colégio de Bispos. A adesão à Aliança é voluntária e os bispos atuam como
pastores auxiliares e também conselheiros do bispo primaz. McAlister diz que “não há feudo,
baixo clero, nem disputa de poder”. As igrejas dizimam para a Aliança, que mantém uma
editora – Anno Domini –, o Instituto Bispo Roberto McAlister de Estudos Cristãos, o setor de
missões, com dois missionários (um em Portugal e outro no Canadá) e o bispo primaz.
Embora Walter pontue que não tem havido cisão, igrejas e pastores têm saído da
Aliança, por vontade própria ou ainda por decisão unilateral do próprio bispo. Como
aconteceu no segundo semestre de 2015. Ele chegou a escrever sobre o caso numa rede social
lamentando ter que excluir pessoas, cujas identidades ele não revelou, mas, depois apagou a
postagem do texto. Perguntei a ele sobre o que teria acontecido e ele explicou, embora sem
muitos detalhes: “Foi penoso porque envolveu pessoas... Eles não me tinham mais como
bispo, suas atitudes... Houve vários embates”. Inquiri se as razões da exclusão tinham relações
com questões doutrinárias, litúrgicas ou outras, ao que ele respondeu:
Também. Doutrinário, missional. Um dos irmãos eu proibi que abrisse [igreja] em
Lisboa. Ele vai abrir uma igreja em Setúbal. Foi para Portugal na condição de abrir
uma igreja em Setúbal. Já tínhamos uma igreja em Lisboa. E ele é um homem que
não tem uma ética, digamos, a toda prova. Ele alicia membros de outras igrejas e já
tinha sido pastor em Lisboa. Eu sabia que ele iria canibalizar a velha igreja para
plantar uma nova. Então mandamos ele plantar [igreja] num lugar diferente. E ele
plantou em Lisboa mesmo. Pra mim foi a última gota. E o irmão dele, também, era
pastor de uma igreja de mil membros, em Campina Grande [PB]. Tinha uma
resistência doente. E os dois são parte de uma mesma moeda que estava criando
muita confusão entre os colegas, e revolta. Até que finalmente eu disse: olha,
intratável, não consigo mais tratar esses dois. Então saíram. Agora eles plantaram
uma Igreja Bíblica Semear (W. MCALISTER).

Segundo o bispo, os dois pastores trocaram o nome da igreja, de Cristã Nova Vida por
Bíblica Semear, o que ele avaliou como positivo: “Graças a Deus. Mais uma Nova Vida só
para confundir o meio de campo?! Terrível”. Um fato como esse, por mais que o bispo avalie
em termos doutrinários ou morais, é, no entanto, uma perda para a Aliança, que suprime de
seu rol uma grande igreja, como é o caso da congregação de Campina Grande, uma cidade
155

estratégica do Nordeste. E com ela, obviamente, as contribuições financeiras, porque ao sair,


o pastor leva consigo a igreja, afinal, no tipo de organização da Nova Vida a igreja
praticamente pertence ao pastor.
Walter acrescentou ainda que juntamente com esses dois pastores, outras duas igrejas,
isto é, seus pastores, em João Pessoa, PB e Ilhéus, BA também saíram da Aliança em
solidariedade aos que foram excluídos, e juntos “formaram uma nova igrejinha”. Em buscas
pela internet descobri a “nova igrejinha”, que já tem um portal eletrônico198 onde constam
várias informações como endereços das igrejas, com nomes dos pastores e suas respectivas
esposas, ilustrados com fotografias. O site informa a existência de 12 igrejas, mas só há
contato de apenas sete, sendo uma delas na capital de Portugal. Esta agremiação de igrejas –
uma denominação como eles já se afirmam na página eletrônica – é mais um grupo árvore
eclesiástica de Roberto McAlister, embora tenha recusado o nome Nova Vida. Também não
existe qualquer referência a ele no site. No entanto, colarinho clerical usado pelos pastores na
galeria de fotos, revela um inequívoco traço estético da influência de Roberto. Nos aspectos
doutrinários há também muitas semelhanças com a ICNV inclusive.
Bispo Luiz Paulo comentou sobre pastores que tem deixado a denominação: “Existe
algum desconforto. O bispo já vem batendo, trazendo isso à tona há 20 anos. Porque não é
uma mudança fácil. Veja, nossa origem é pentecostal e arminianista. Então essa mudança é
bem difícil. Ainda há alguns pastores que têm algumas dúvidas, que ainda questionam”. No
entanto explicou que talvez as razões sejam outras: “Sair por causa disso, acho que não.
Saíram por outras coisas, desavenças, problemas mesmo morais e outras coisas”.
Esse empenho e investimento de Walter na formação de seus pastores acontecem na
sede da catedral mediante o encontro regular do presbitério, que é encontro formado por
bispos e pastores. Ele explicou: “A totalidade de nosso clero é chamado de Presbitério
Nacional199”. As reuniões do presbitério são semanais. “Eu faço um culto para nossos
pastores, que vem aqui toda terça-feira pela manhã, das 10 ao meio dia”. Os encontros são
gravados, conforme informou o bispo e disponibilizado pela internet para aqueles membros
do clero que moram fora da região metropolitana do Rio ou que não puderam participar
presencialmente. “É o lugar onde eu ministro para eles como pastor, aonde todos vêm, nós
oramos. Deixamos de ser pastores para sermos ovelhas de novo. Oramos uns pelos outros,
ministramos. Tomamos a santa ceia juntos. Depois almoçamos, juntos”, contou o primaz.

198
http://www.igrejabiblicasemear.org/ (acesso em: 28 out. 2016).
199
Não existe presbitério estadual, nem seções regionais da Aliança, somente estas estruturas de nível nacional.
156

Mediante autorização do bispo participei de um destes encontros semanais, na terça-


feira 1º de março de 2016, que, como sempre, começou às 10 da manhã e se encerrou ao meio
dia. Ele aconteceu na Capela, uma das edificações do complexo arquitetônico da Catedral. A
Capela é um templo em tamanho menor que o espaço de cultos da Catedral, cabendo menos
de 100 pessoas. Antes de o templo principal ter ficado pronto para uso a capela foi utilizada
para os cultos dominicais, embora sem capacidade de comportar todos os crentes ativos da
igreja sede da ICNV. Nesse dia havia mais de 50 pastores e algumas mulheres, esposas de
alguns deles. As mulheres participaram do culto até o final da Santa Ceia. Antes de iniciar a
pregação elas deixaram a capela, retirando-se para um encontro próprio numa sala ao lado
com Marta McAlister, esposa do bispo primaz.
O roteiro litúrgico do presbitério segue a mesma estruturação dos cultos semanais da
catedral, contendo leitura bíblica, período de cânticos, orações, pregação do bispo e
orientações gerais, além da celebração da ceia eucarística. Um dos destaques da reunião do
presbitério é também a entrega das ofertas por partes dos pastores no momento do culto. Eles
trazem o dízimo da contribuição dada pelos crentes nos cultos da semana anterior em cada
uma das congregações da Igreja Cristã Nova Vida. É com estes recursos que o bispo mantém
a estrutura da denominação, o que inclui seu próprio sustento e ajuda a própria Catedral.
Segundo Walter, os que não vêm fazem depósito bancário, mas ele explicou que não controla
isso nem constrange ninguém a contribuir.
Algumas diferenças percebidas entre o culto dominical da igreja local da catedral e o
culto de terça-feira do presbitério é que neste os pastores participam de maneira mais livre e
informal, inclusive se expressando com mais entusiasmo falando “amém”, “aleluia” e “glória
a Deus”. Conforme revelou um líder leigo da catedral, Fernando, nos cultos da igreja o
silêncio e a solenidade dos assistentes são tamanhos que “se uma mosca voar a gente é capaz
de ouvir”. De fato atestei esse estilo litúrgico em todos os cultos dos quais participei na igreja
sede, num total de mais de dez cultos. Na catedral os crentes utilizam o genuflexório para
algumas orações e já no culto do presbitério, embora os bancos tenham também este
equipamento litúrgico os pastores o ignoraram solenemente em todas as orações.
Semelhantemente ao que já vi ocorrer em igrejas Assembléias de Deus e mesmo batistas,
alguns pastores no encontro do presbitério se ajoelharam para orar em silêncio, ao chegarem
ao templo, mas fizeram isso com os joelhos no piso e o rosto voltado para o assento do banco,
157

ignorando, assim, o genuflexório200. Nos templos outros da Nova Vida que frequentei durante
a pesquisa em nenhum deles existem genuflexórios. Na verdade em todos eles, sejam da
Aliança – Botafogo, Copacabana, Tijuca (todos no Rio) – ou do Conselho – São Paulo, Tijuca
e Catete (estes dois últimos no Rio), todos os assentos no templo são cadeiras individuais, não
bancos coletivos.
Na prédica do bispo ele leu um texto bíblico sobre “uma geração perversa e adúltera
que quer um sinal do céu”. Criticou crentes que buscam sinais miraculosos dizendo que “toda
quarta-feira tem gente querendo um arrepio, um sal grosso, um cair”, referindo-se a práticas
associadas ao pentecostalismo e neopentecostalismo. Quarta-feira é o dia tradicional do culto
semanal de oração nas igrejas da ICNV. Conforme Walter já havia comentado na entrevista,
confessou aos pastores do presbitério: “Eu já caminhei com Neuza Itioka, Marco [Antonio,
pastor] da Comunidade da Zona Sul, [apóstolo] Ezequiel Teixeira [Projeto Vida Nova], mas
vejam, aquilo não tinha nada de fundamentação bíblica. Esse mundo neopentecostal está
cheio de coisas estranhas”. Fez esses comentários no tom de orientação aos pastores para que
eles mudem suas práticas também. Porque as influências do universo neopentecostal
alcançam os pastores de sua denominação, conforme ele mesmo revelou na entrevista a esta
pesquisa, anteriormente citada: “Eles ouvem a mim e ao [Silas] Malafaia”. Sobre tais “coisas
estranhas”, o bispo declarou: “Nossas igrejas não fazem mais isso”. À luz de sua pregação
entendi que ele fez tal afirmação, embora no passado – “não fazem mais isso” admoestando
pastores recalcitrantes a aniquilarem resquícios dessas práticas em suas igrejas. Pois na
sequência desta palavra ele comentou como que chamando os pastores a esse compromisso:
“Mas ainda temos coisas que precisamos acertar em nossas igrejas”. Walter seguiu com sua
palavra, orientando e desafiando os presentes: “Temos que pregar a cruz”. Ele ainda
contrastou sua denominação com outras do ambiente pentecostal-neopentecostal: “Nossa
igreja não é igreja de mercado. Não vamos fazer luz colorida, gelo seco, anúncio de noite de
poder e milagres. Nada disso”, falou com ênfase. E completou asseverando os pastores de que
é preciso “fugir e se livrar da tagarelice pentecostal”.
O encontro se encerrou com a celebração eucarística, conduzida pelo primaz e
distribuída por dois bispos, Luiz Paulo Cavalcante, de Botafogo, e Carlos Alberto José, de
Nilópolis, RJ. Após o encontro, participei do almoço dos pastores, que é servido na área de

200
Genuflexórios são parte de assentos coletivos destinados a orações, quase que somente encontrado em igrejas
católicas no Brasil. Em igrejas mais antigas do protestantismo histórico, como presbiterianas e anglicanas, é
possível encontrar, mas é raro.
158

alimentação do complexo da Catedral, cercado por aprazível área verde. Cada pastor paga
pelo seu almoço, que é feito por fiéis da própria igreja local.

3.3.2 A instituição de formação teológica e ministerial

Fundado em 2006 por Walter McAlister, após a formação teológica de seu filho John
nos Estados Unidos, o Instituto Bispo Roberto McAlister de Estudos Cristãos (IBRMEC) tem
como objetivo formar futuros ministros da Aliança de Igrejas Cristãs Nova Vida. Segundo
Walter, o curso é “requisito impreterível” para quem deseja ser pastor na denominação. Do
site, retiramos mais informações, conforme apresentamos a seguir. O Instituto iniciou suas
atividades nas dependências da Catedral da ICNV, com a primeira turma presencial. Mantinha
também o ensino a distância com o envio pelo correio de CDs contendo o áudio das aulas
ocorridas na catedral. Depois, crescendo o interesse de vários membros em todo o território
nacional e até em Portugal, foi necessário redirecionar o curso para que este fosse ministrado
também em ambiente virtual. Assim, em 2008, teve início a primeira turma totalmente virtual.
Em 2010 foi formada a primeira turma envolvendo também mulheres, “visando à formação de
lideranças leigas na ICNV”. Essa informação equivale dizer que mulheres são aceitas no
curso, porém não para se tornarem pastoras, mas apenas como “lideranças leigas”, segundo
confirmaram em entrevistas o bispo e o diretor administrativo do instituto. Conforme o
referido site, são oferecidos regularmente dois cursos, o Curso Básico em Teologia, com
duração de três anos, voltado para líderes em geral, e o Curso de Capacitação Ministerial,
exclusivo para futuros ministros da Aliança, com um período de mais dois anos. Uma
plataforma eletrônica oferece possibilidade de download do manual do aluno, atualizado de
2014, e dos diversos módulos dos dois cursos, além de informações gerais, inclusive preços
dos módulos e de todo o material de estudo. A direção do Instituto é formada por três líderes:
presidente, deão acadêmico e diretor administrativo. Os dois primeiros cargos, os maiores na
hierarquia, são assumidos respectivamente por Walter McAlister e por John McAlister. O
cargo de diretor administrativo é exercido pelo pastor Marcelo Maia. Formado em Direito
(UERJ), ele foi funcionário concursado da Justiça Federal no Rio de Janeiro durante 11 anos.
Mediante convite do bispo Walter, deixou o emprego seguro, “com cargo de confiança,
amizade do juiz” e passou a se dedicar exclusivamente à ICNV na condição de auxiliar no
IBRMEC e na Catedral. De origem católica, “praticante”, na juventude circulou por outros
grupos religiosos como Testemunhas de Jeová, esoterismo, até tornar-se congregacional,
igreja da namorada que veio a ser esposa. Mudando residência da Zona Norte para a Zona
159

Oeste, buscaram uma igreja, mas não havia nenhuma congregacional entre os bairros do
Recreio e Barra da Tijuca. Visitaram Batista, Maranata e Nova Vida, quando ainda estava na
Avenida das Américas e terminaram se afeiçoando à ICNV, para onde migraram no final de
2005 e vieram a se tornar membros em 2006. Comentou do impacto que a igreja causou em
sua vida quando a visitaram pela primeira vez:

Aqui ouvi os hinos antigos sendo cantados com muito fervor, muita devoção,
auditório cheio, pessoas levantando as mãos, postura do povo muito respeitosa,
ordeira, um culto muito ordenado, fora daquela coisa meio [desorganizada]. Pela
primeira vez eu vi recitarem o credo apostólico num culto protestante. "Que tá
havendo aqui!" [risos]. Achei estranho, nunca tinha ouvido isso na tradição
protestante. Aquele homem lá na frente com o colarinho clerical. Então foi essa
impressão geral. Na saída nós nos sentimos assim como que tomados por uma onda.
Virei para minha esposa e disse: o que foi isso, o quê que aconteceu aqui?! Então foi
bem marcante (MARCELO)201.

Aproximou-se da liderança da igreja, tanto de Walter quanto de John, que havia


retornado do período de formação nos Estados Unidos. Convidado a cursar o IBRMEC,
ingressou em 2007, vindo a se formar em 2010. “Só entrava no Instituto quem era indicado
para uma possível ordenação pastoral. Eram somente homens e possíveis futuros ministros.
Bem restrito”. Segundo ele, sua turma tinha uns 60 alunos, mas apenas metade chegou à
formatura. Posteriormente houve mudanças, para agregar outros interessados no estudo,
mesmo que não viessem a ser pastores:
Só depois que a gente fez essa divisão do curso básico e do curso de capacitação.
Então a gente abriu para as irmãs e para aqueles que queriam estudar só para
aperfeiçoar o ministério local, sem vistas ao ministério pastoral. Aí essa segunda
etapa é só mesmo para aqueles que vão ser ordenados (MARCELO).

Segundo Marcelo, o Instituto tem atualmente cerca de 150 alunos em todas as suas
turmas. Sobre quantos destes tem feito o curso de complementação para virem a ser pastores,
ele respondeu: “Muito pouco. Na primeira turma tivemos entre 12 ou 13 alunos. Já nas
seguintes vieram mais 2, mais 1. Nessa agora nós já temos uns 3 ou 4. Não foi aquele boom
não que a gente esperava”. O curso está disponível para todo o Brasil e Portugal, onde a
ICNV tem uma igreja. Somente pessoas de congregações da Aliança Cristã Nova Vida estão
aptas a fazer o curso.
Sobre o método utilizado, o curso é estruturado no modelo de educação à distância,
com aulas gravadas em forma de módulos. São dois áudios por semana, que estão
disponibilizados na plataforma virtual do IBRMEC. Os módulos têm carga horária

201
Entrevista concedida a esta pesquisa em 10 de fevereiro de 2016, na Catedral da ICNV.
160

diferenciadas. Falando acerca dos módulos que são de sua responsabilidade ensinar, Marcelo
Maia explicou:
Meus módulos são Panorama do Antigo Testamento e Panorama do Novo
Testamento. Cada um dura um semestre. No primeiro semestre eu dou Antigo e no
segundo semestre eu dou o Novo Testamento. O Panorama do Antigo tem ao todo
17 semanas, sendo quatro delas dedicado somente a prova. As outras [semanas] são
de aulas. A cada semana tem dois áudios. Tem semana que tem áudio sobre Êxodo e
sobre Levítico. É um áudio para cada livro ou um conjunto de livros do Antigo. E no
Novo é o mesmo critério (MARCELO).

Os professores são três apenas, que acumulam as funções de direção como já


informado. Além de Marcelo, os outros são Walter e John McAlister. Este último dá aulas da
maior parte dos módulos. A estrutura atual do curso básico é composta dos seguintes
módulos, segundo informou, de cabeça, Marcelo Maia, explicando que tem “obrigação de
saber”, pois cuida dessa tarefa toda semana:
A gente começa o curso com um módulo chamado Teologia e Cosmovisão Cristã.
Apresenta um panorama do que é pensar teologicamente. Depois temos
Pentecostalismo reformado, que é um curso sobre como entendemos a tradição
pentecostal à luz também da doutrina da Reforma. O bispo [Walter] está trabalhando
muito sobre esse tema, ele está escrevendo um livro. Depois, Teologia histórica,
desde lá dos tempos apostólicos até toda a História do Brasil. Desde a Teologia
contemporânea, história do Brasil, são cinco pequenos módulos que compõe essa
grade. Teologia sistemática no ano seguinte, o ano inteiro, junto com sistemática os
Panoramas do Antigo e Novo Testamentos. No último ano, do curso básico,
Teologia bíblica, do Antigo e do Novo Testamentos, junto com Interpretação,
Fundamentos da Interpretação bíblica e um curso que o bispo ministra que é
Fundamentos do discipulado. Isso compõe a grade do curso básico de Teologia
(MARCELO).

Para aqueles que aspiram ser pastor, existe uma complementação que dura ainda dois
anos, com aulas não mais a distância, porém presenciais, que acontecem na Catedral. Os
candidatos ao sacerdócio vêm de todas as partes do Brasil para o Rio, a fim de cumprirem esta
exigência
O [curso] presencial é só para os que vão ser pastores. Até o ano passado nós
fazíamos uma semana intensiva com dois módulos, de segunda a sexta. Só que isso
era muito cansativo. Eram quatro semanas intensivas, uma a cada semestre, o que
levava dois anos. Eles vinham em fevereiro e agosto, depois em fevereiro e agosto, e
completavam a série de módulos específica desse curso. Neste ano a gente vai
mudar. Ao invés de semanas intensivas, vamos fazer aos sábados. Assim, quem tem
seu trabalho pode vir, não necessita tirar férias ou mudar escalas, enfim. Vamos
fazer dois sábados no final desse mês de fevereiro, dois em maio, dois em agosto,
dois em novembro. E no ano seguinte, dois em fevereiro e por aí vai. Ainda são dois
anos (MARCELO).

Conforme informou o diretor administrativo do IBRMEC dentre as turmas, poucos são


os alunos que tem decidido fazer o curso específico para se tornarem pastores. A expectativa,
conforme afirmou Marcelo, era de um número bem maior, o que pode evidenciar um declínio
161

de vocações religiosas, análogo à chamada “crise de vocações”, conforme bastante discutido


no contexto católico (FERNANDES, 2011).
Curioso observar certa ironia da história quanto à criação e nome do Instituto.
Segundo o próprio Walter, Roberto McAlister não era afeito a cursos de formação teológica
para seus pastores por julgar que tal influência reduziria o fervor pentecostal ou levaria a uma
postura mais racional, em contraponto a espiritual, por parte deles. Na época de Roberto não
havia, assegura Walter, nenhuma escola para formação dos líderes: “Os pastores [eram]
ordenados [apenas] com discipulado pessoal, leituras. Meu pai tinha um preconceito contra
seminário. Tanto que ele dizia: se você fizer seminário, ache outra igreja para pastorear. Eu,
por minha vez, mandei todo mundo fazer seminário (risos). E com o objetivo de ‘levantar
todo o nível dos pastores’, explica. Roberto chegou a impedir que Walter cursasse uma pós-
graduação, o que gerou um quase ressentimento do filho em relação ao pai, conforme visto
anteriormente. Resultado: Intencionalmente ou não, Walter não apenas criou uma instituição
de formação sistemática para os pastores e líderes da Igreja Cristã Nova Vida como deu a ela
o nome de Roberto McAlister. E é a partir deste Instituto que ele leva a cabo a campanha de
formação dos líderes, conforme o novo modelo que vem implantando de uma denominação
cujas igrejas devem ser cada vez mais reformadas e despentecostalizadas (ou
“desneopentecostalizadas”).
Questionei Walter sobre possível inquietação de seu pai se tivesse a oportunidade de
presenciar um instituto assim na igreja e com o seu nome. O bispo primaz respondeu que ele
ficaria satisfeito, caso pudesse saber, “pois tinha suas vaidades”, revelou. “Ele só ficaria
chateado porque não foi ele quem fundou” (muitos risos). No entanto, Andrew McAlister,
diretor da Editora Anno Domini, fez análise menos taxativa e positiva que seu pai Walter:
É quase que uma piada interna (risos). Se por um lado ele [Roberto] era contra, entre
aspas, a vida acadêmica, era um estudioso incansável. Ele só não se submeteu,
stricto sensu, à disciplina da academia. Mas ele morreu com doutorado honoris
causa. Um homem que discursava com o Vaticano... (risos). Então é muito irônica
essa afirmação dele, porque ele estudava muito (A. MCALISTER).

Sobre o Vaticano, Andrew se referia ao diálogo mantido por seu avô, na condição de
pentecostal, com líderes católicos em Roma após o Concílio Vaticano II, como registra Walter
(MCALISTER, 2012, p. 135, 142, 143). O neto de Roberto continuou comentando da
avaliação que seu avô poderia ter dos rumos tomados pelas gerações que o sucederam na
direção da igreja, isto é, Walter, o primaz da Aliança bem como John e ele Andrew na
regência da catedral e na gestão da editora:
Eu não sei se ele concordaria com a forma com que a gente trabalha hoje, mas eu
tenho muita dificuldade em pensar que ele não concordaria no que está por trás de
162

tudo isso. Porque ele produziu livros, ele lia muito, ele buscava as informações. E a
gente continua fazendo tudo. Agora como isso funciona, como isso acontece, eu não
sei se ele concordaria 100% da maneira como a gente trabalha hoje (A.
MCALISTER).

Sobre a identidade teológica do IBRMEC, Marcelo fez uma abordagem a partir de sua
própria condição de estudante na entidade, quando inclusive disse ter descoberto a doutrina
calvinista:
O IBRMEC tem a visão doutrinária reformada, calvinista. [Ali] eu ouvi coisas que
nunca haviam me apresentado antes em igreja de tradição mais arminiana. Então
quando começou a falar sobre soberania de Deus, predestinação, até mesmo
escatologia... Eu lembro que cheguei ao final de uma aula e falei para o pastor John:
olha nunca me disseram isso e agora estou descobrindo isso tudo! Então foi um
momento de boa crise. Então você vai estudando. História da igreja, nunca tinha
ouvido falar sobre História da Igreja. Para mim, para todo crente mediano brasileiro,
quando fala em História na igreja, no máximo a gente pensa de Lutero para cá,
nunca vai antes, porque é católico! Então fiquei deslumbrado com aquilo, comecei a
conhecer esses vultos do passado, Agostinho, Cipriano. Falei, gente, isso tudo é
muito novo para mim! Então fiquei maravilhado (MARCELO).

Esta experiência de “descobrir” as doutrinas “da graça” ou rever concepções básicas


cristãs por uma perspectiva calvinista, que tanto impactou Marcelo, aconteceu também com
outros jovens no IBRMEC e também no contexto da igreja, conforme alguns relataram. A
maneira como é desenvolvido o programa curricular e a abordagem dos professores, pelas
entrevistas se percebe a eficácia da campanha desenvolvida pela Aliança para fomentar a
doutrina calvinista que, no caso, tem resultado na despentecostalização.
Durante a coleta de dados teve cerimônia de formatura do Instituto, que ocorreu num
sábado, 19 de março de 2016, pela manhã, no templo da Catedral, repleta de presentes, que
identifiquei visualmente como sendo de outras igrejas, não o público frequentador dos cultos
dominicais. Além dos alunos, havia familiares, amigos e convidados das igrejas dos
respectivos formandos. John McAlister, deão acadêmico, conduziu o encontro, tendo ao lado
bispo Walter como diretor do IBRMEC, auxiliados por Marcelo Maia, que usava terno, mas
os dois primeiros vestindo toga clerical. O total de formandos participantes da cerimônia foi
de 35, mas vários nomes foram chamados, porém não estavam presentes, ao que o deão
justificou que eram pessoas do Nordeste que não puderam comparecer. Do total de alunos
presentes, 6 eram mulheres e todas do curso básico em Teologia. Elas não aspiram serem
pastoras, pois esta função é vedada para mulheres na ACNV. No Brasil e no mundo as igrejas
de teologia calvinista são, em geral, contrárias às mulheres serem pastoras, embora haja raras
exceções. Já as igrejas de tradição aproximadas ao universo de teologia arminiana são mais
passíveis de aceitar mulheres na condição de pastoras. As igrejas do Conselho de Nova Vida
163

(CMINVB), por exemplo, aceitam e reconhecem pastoras, portanto, elas podem cursar a
formação integral da instituição, que funciona no Rio de Janeiro, com curso presencial e à
distância.
Na formatura do IBRMEC seis alunos eram do curso de formação ministerial. Eles
todos usando terno escuro, assim como as mulheres portando terninho ou blazer, também em
cores escuras. Alguns já eram pastores e usavam o colarinho clerical, como os demais
pastores e bispo presentes. A cerimônia se desenvolve como um culto, com pregação do bispo
Walter, direção litúrgica do pastor John e condução da entrega dos diplomas pelo pastor
Marcelo Maia. Enquanto os alunos sobem à plataforma para pegar os certificados, de maneira
bastante organizada, pastor Marcelo reitera, “venham pela direita, porque é sempre melhor
pela direita”, sentencia com ironia quanto ao contexto da política.

3.3.3 A editora e a livraria

Seguindo os passos de seu pai, que montou estrategicamente uma editora, de seu tio,
que criou a Cruzada Mundial de Literatura, conforme visto no capítulo anterior, bem como
uma tradição das igrejas evangélicas no Brasil, tanto históricas quanto pentecostais, Walter
criou sua própria editora, ou da ACNV. Embora não estivesse inicialmente em seus planos,
segundo ele mesmo conta na entrevista:
A motivação foi para publicar um livro só, que ninguém aceitou publicar, “O fim de
uma era”. Então, assessorado pelo Maurício Zágari, que eu chamei para ser o diretor
de comunicações, perguntei se precisávamos ou não de uma editora. E ele insistiu
muito que precisávamos de uma editora (W. MCALISTER).

Andrew McAlister, filho caçula de Walter e diretor da editora, detalhou um pouco essa
história que conduziu à origem da editora-livraria Anno Domini.
Em 2009 meu pai começa a escrever O fim de uma era202, isto é, começa o processo
de entrevistas com Maurício Zágari, que foi o compilador do livro. Originalmente a
ideia era publicar o livro, submetendo-o a uma editora. Mas nenhuma editora quis o
livro. A gente buscou as grandes [editoras] – não vou citar nomes, mas você conhece
todas – e ninguém quis publicar o livro. Então, na época, algumas pessoas que
estavam com meu pai disseram: por que a gente não funda nossa própria editora? E
meu pai não queria fundar editora. Mas conversando com as pessoas, disse, é isso
mesmo?! A gente tem cacife, tem recurso, tem material? Temos! Então vamos
fundar uma editora. Então se começou a montar uma equipe, literalmente no final de
2009, quando eu estava terminando a Faculdade de Letras [PUC-Rio]. O editor-
chefe Maurício Zágari me chamou para trabalhar como editor-assistente da editora e
aceitei (A. MCALISTER)203.

202
Título do livro pioneiro de Walter McAlister e que deu origem à editora Anno Domini, resultado de
entrevistas feitas pelo jornalista Maurício Zágari. Ligado à ICNV, também cursou o IBRMEC.
203
Entrevista concedida em 16 de dezembro de 2015, na sede da editora, que funciona nas dependências da
Catedral.
164

Segundo Andrew, as razões de editoras evangélicas rejeitarem a publicação do livro


estão relacionadas ao conteúdo crítico, às vezes ácido, das entrevistas do bispo Walter,
inclusive sobre as igrejas evangélicas, em particular a práticas de certos líderes do
pentecostalismo e principalmente do neopentecostalismo. Walter analisou como foi acertada a
decisão pela formação da editora com foco na publicação de seu livro O fim de uma era e
como ela veio a ser uma proposta diferenciada no segmento editorial evangélico pela
identidade doutrinária:
Foi o primeiro trabalho a publicar e acabamos preenchendo esse nicho, como
editora, entre a linha reformada e os pentecostais. E hoje há um grande número de
pentecostais ao redor do país que estão frustrados com a igreja, a teologia e as
práticas pentecostais. E não querem se tornar presbiterianos. Então nós estamos
preenchendo [essa lacuna] (W. MCALISTER).

Anno Domini, a designação da editora da ICNV, é um termo em latim que significa


Ano do Senhor. Interessante pensar sobre tal nome escolhido porque ele remete ao calendário
ocidental cristão que considera a contagem do tempo como “antes de Cristo e depois de
Cristo”. O anno domini seria contado a partir do ano 1, como sendo essa a data do nascimento
de Jesus. Portanto, a editora se identifica com essa “era cristã”, como também se traduz anno
domini, que é ainda associado a “era da graça”, uma terminologia teológica cristã e que a
ICNV assume mais, especialmente após sua conversão à doutrina calvinista. Em suma, o
nome da editora remete a um passado, da tradição histórica da igreja, ao qual sugere que a
ICNV busca se ancorar. Como mostra seu objetivo exposto no site da editora:
Nossa prioridade é promover um retorno da Igreja a uma redefinição radicalmente
bíblica da fé e prática do povo de Deus. Para tanto, reconhecemos que sem nos
submeter à sabedoria dos santos na história da Igreja de Jesus Cristo, cometemos o
pecado de arrogância e miopia histórica. Reconhecemos, com pesar, que este desafio
nunca foi mais urgente do que em nossos dias. Nossa missão é promover a volta da
Igreja a seus valores mais preciosos, com Cristo e a sua obra como centro e razão de
todo o nosso ser.204

Nesta apresentação é afirmada duas vezes a ênfase da “volta ao passado”, ao informar


que a editora tem como prioridade “promover o retorno da igreja a uma redefinição
radicalmente bíblica da fé e prática do povo de Deus”, bem como “promover a volta da Igreja
a seus valores mais preciosos, com Cristo e a sua obra”. Já quando expõe sua missão, ela
corrobora estes mesmos princípios: “Promover um resgate dos valores fundamentais da
Igreja, por meio de uma produção editorial cristocêntrica e enraizada nas escrituras para a
edificação do Corpo de Cristo.”205 Curioso notar que nem nestas citações nem em todo o texto

204
http://www.editoraannodomini.com.br/site/quem-somos/ (acesso em: 29 set. 2014).
205
http://www.editoraannodomini.com.br/site/quem-somos/ (acesso em: 29 set. 2014).
165

de apresentação geral do site, envolvendo também missão, visão, valores, aparece qualquer
referência ao Espírito Santo ou a qualquer termo da gramática associada ao universo
pentecostal. Pelo contrário, todo o jargão predominante é típico do protestantismo histórico.
Uma editora cuja igreja faz um caminho ao passado na expectativa de chegar ao futuro, como
comentou Walter em sua entrevista.
Além de O fim de uma era, Walter publicou ainda outros livros seus pela Anno
Domini, como o já mencionado Neopentecostalismo, uma história não contada e
Prosperidade. Curiosamente a capa deste opúsculo é uma imagem de moedas e barras de
ouro, embora no texto o bispo faça críticas à Teologia da Prosperidade como sendo
incompatível com a fé cristã, oferecendo uma espécie de visão espiritual de prosperidade.
Importante ainda verificar os títulos/autores que têm sido publicados e sua respectiva
linha teológica, claramente vinculada ao movimento do protestantismo histórico, sobretudo a
doutrina reformada ou calvinista. Como exemplificam Escolhidos: Uma exposição da
doutrina da eleição, de Sam Storms e Firme fundamento: A inerrante Palavra de Deus em um
mundo errante, de vários autores da tradição histórica do protestantismo norte-americano e
europeu. Quanto aos títulos mais vendidos, Andrew informou:
Na história toda da editora O fim de uma era foi o mais vendido. A gente já
reimprimiu duas vezes. A primeira tiragem foi três mil, depois dois mil e depois três
mil de novo. Então ele foi o que mais vendeu no total. Agora o que vendeu mais em
menos tempo foi Os dons espirituais, que vendeu três mil, de Sam Storms. De um
autor calvinista carismático, como ele se define. Inclusive ele foi professor do John
[McAlister] na Faculdade [nos EUA]. Então por aí a gente conheceu mais o trabalho
dele. Ele é um dos mais conhecidos, foi um dos que hasteou esta bandeira nos
Estados Unidos [pentecostal-reformado] e a gente encontrou no material dele
respaldo para muito do que a gente estava precisando. Então há dois anos vendemos
três mil cópias e neste mês se esgotou. Aí começou a revelar, eu acho, a voz
exclusiva da Anno Domini, que é o pentecostal reformado, livro que vai ser
escrito206 (A. MCALISTER).

Quanto ao número de obras no catálogo da editora, Andrew informou: “Hoje207 a


gente tem 29 títulos”. O que dá uma média de cinco lançamentos por ano, pois a Anno
Domini teve início em 2009. Entre os autores, além dos já citados, como Walter que possui
dois títulos publicados, consta Marta McAlister, esposa do bispo primaz, com livros voltados
para o público infantil. E também Roberto McAlister, com quatro livros republicados, dentre
os mais de 30 que lançou durante sua vida. Os brasileiros são ampla maioria entre a carteira
de autores da editora. Dentre os livros da AD que figuram atualmente no catálogo da livraria
virtual Anno Domini – 14 ao todo, pois os demais estão esgotados – pode se verificar que
206
O Pentecostal reformado é título de um livro, segundo Walter, e também Andrew, em entrevista, que está
sendo escrito pelo bispo primaz.
207
A entrevista foi feita em 16 de dezembro de 2015.
166

títulos relacionados à categoria expressamente pentecostal existe apenas um, Dons


Espirituais, mas com uma abordagem feita por um autor calvinista. Predominam, no entanto,
livros acerca de doutrinas reformadas e calvinistas ou mesmo de perspectiva apologética no
perfil do protestantismo histórico conservador. Como se pode verificar na tabela abaixo:

Título Autor Assunto


O fim de uma era Walter McAlister Panorama crítico sobre a
igreja e o mundo hoje
As doutrinas da graça James Montgomery Boice e Abordagem dos cinco pontos
Philip Graham Ryken doutrinários do calvinismo
Escolhidos Sam Storms Apresenta a doutrina da
eleição comparando
Arminianismo e Calvinismo,
com defesa deste último.
Dons espirituais Sam Storms Abordagem dos dons
espirituais (línguas, curas e
outros) numa perspectiva
calvinista
Firme fundamento J. I. Packer, J. Ligon Duncan Defesa da “inerrância” da
III, R. C. Sproul, James M. Bíblia em um mundo
Boice, Richard D. Phillips, “errante”.
Mark Dever, Philip Graham
Ryken e Edmund P. Clowney
Libertando o ministério da Kent e Barbara Hughes Uma crítica ao “sucesso”
síndrome do sucesso ministerial baseado em
critérios materiais e uma
proposta de sucesso com
base em valores bíblicos.
Neopentecostalismo – A Walter McAlister A trajetória de Robert
história não contada McAlister, as origens do
neopentecostalismo e uma
crítica a esse movimento
atual.
A verdadeira vitória do Maurício Zágari Uma crítica à “vitoriolatria”
cristão religiosa, sobretudo
neopentecostal, e uma
sugestão bíblica do que seja
vitória hoje.
O Pai Nosso Walter McAlister Uma abordagem frase por
frase da oração de Jesus.

Acima estão listados nove dos catorze títulos. Os outros cinco são livros sobre família,
meditação, aventura e infantis, sem conotação pentecostal. A livraria oferece ainda obras de
outras editoras, nenhuma delas, no entanto, estão associadas diretamente ao campo
pentecostal, antes, são, em geral, vinculadas a defesas calvinistas. Algumas das editoras são:
167

Fiel, Cultura Cristã, Vida Nova, Mundo Cristão e Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). Quanto
aos autores destacados no site, cujos livros dessas editoras e/ou da AD estão disponibilizados
são: Augustus Nicodemus (presbiteriano), John Piper (batista reformado), D. A Carson
(reformado), Sam Storms (reformado), Timothy Keller (presbiteriano). Dentre esses autores
não há nenhum de perspectiva arminiana, que é a tradição clássica do pentecostalismo. E o
único autor mais associado ao universo pentecostal, S. Storms, é de linha doutrinária
calvinista208.
Nota-se que dos quatro títulos de Roberto McAlister relançados pela AD nenhum
deles consta atualmente de seu catálogo disponível na livraria virtual. Segundo entrevista de
Andrew McAlister, não existe projeto para novas edições.
A Anno Domini promove eventos de reflexão e divulgação de seus livros, como
conferências teológicas, chamados de “Manhã Teológica” e “Café Teológico”, às vezes com
duração de um dia todo ou apenas no período da manhã, como se firmaram os encontros.
Quando da coleta de dados haviam ocorrido um total de 10 edições destes eventos, que
acontecem na catedral, aos sábados, iniciando com um café da manhã para todos os
participantes. Já foi gratuito, mas atualmente é cobrado um valor simbólico pela inscrição.
Estive presente em um desses encontros em 2015, ocorrido na data simbólica de 31 de
outubro, que é lembrado como o Dia da Reforma Protestante. Os participantes são em grande
maioria filiados a igrejas da ACNV, mas pessoas de outras denominações também participam
conforme foram identificadas no encontro. Conversei informalmente com algumas pessoas
nos intervalos do encontro. O público é formado por pastores, crentes em geral e estudantes
de teologia, sobretudo do IBRMEC. A quantidade de jovens chama a atenção, com seu
interesse ávido pelos livros e as ideias defendidas pelos palestrantes. Eles formavam a maioria
dos presentes, no auditório lotado da Catedral em pleno sábado pela manhã. O evento se
estrutura com duas palestras sobre temas abordados pela igreja e a editora, geralmente na
linha de doutrinas calvinistas. Os presentes participam com muito interesse e atenção, às
vezes fazendo anotações daquilo que ouvem. O primeiro palestrante foi um pastor
presbiteriano e o outro foi o bispo Walter McAlister que discorreu acerca do “pentecostal
reformado”. Ao lado do templo, há um amplo hall em que a editora Anno Domini expõe seus
livros para venda, onde as pessoas circulam durante o lanche no intervalo entre as palestras.
Duas outras editoras, Fiel e Vida Nova, ambas de São Paulo, também de linha mais calvinista,
estavam presentes oferecendo seus livros. Dialoguei com algumas pessoas e ouvi comentários

208
Conforme dados da Editora Anno Domini e Editora Vida Nova: https://vidanova.com.br/ (acesso em: 15 dez.
2016).
168

do interesse nesses materiais bibliográficos. As vendas eram constantes e observei muita


gente com sacolas contendo as publicações. Adquiri alguns livros, especialmente de Roberto
McAlister, que têm sido utilizados neste trabalho.
Segundo Andrew, acontecem dois ou três encontros como este por ano e quando se
encerra uma edição, as pessoas sempre perguntam quando será o próximo. Ele comentou que
a referência para este tipo de evento são conferências que ocorrem em São Paulo, da Editora
Fiel e também da Sepal209, que conta com grande participação de pessoas de todas as partes
do Brasil. “A gente queria trazer isso para o nosso público. A gente queria trazer esse
conteúdo para o público da Nova Vida, para o público do Rio de Janeiro, como editora. Então
a gente começou com uma conferência e depois as manhãs e café teológico”, explicou o
editor.
Estas ações são parte da campanha de mudança cultural (ORTNER, 1989b e THEIJE,
2002), feita pela ICNV a partir da direção episcopal e regência da catedral, com apoio da
Anno Domini. Nos anos anteriores, especialmente em 2014, o mote de diversas “manhãs
teológicas”, foi “Abertos para reforma”. Este sugestivo título constituiu um programa de
formação teológica, ocorrido em diversas etapas na Catedral, que ficou sempre repleta de
participantes. Os palestrantes foram vários, tanto da ACNV quanto de outras denominações,
como batista e presbiteriana, mas todos identificados com a doutrina calvinista. Pastor John
McAlister foi um dos palestrantes com maior número de participações. Os assuntos abordados
pelos conferencistas, como predestinação, eleição, doutrinas da graça, soberania de Deus, ser
cristão reformado, seguem univocamente a perspectiva teológica calvinista210. “Abertos para a
reforma” é, portanto, parte dessa iniciativa de mudança da identidade da denominação e
procura formar novos líderes nessa direção, bem como romper resistências de pastores antigos
formados num paradigma mais pentecostal e mesmo neopentecostal, conforme as abordagens
feitas nas entrevistas tanto do bispo primaz quanto do pastor Marcelo Maia, do IBRMEC.
Em março de 2016, em reunião do presbitério de que participei na Catedral, o cenário
da editora já era diferente daquele contexto em que a Andrew concedeu a entrevista e do
evento Manhã Teológica. Em certo momento da reunião dos pastores o bispo Walter
convidou Andrew a fazer um comunicado aos líderes presentes. O vice-presidente da editora

209
Conferências Fiel e da Sepal (Servindo Pastores e Líderes), entidades evangélicas radicadas em São Paulo,
são grandes encontros para formação de liderança, geralmente na cidade de Águas de Lindóia, SP, que, como
disse Andrew, são “bastante caras”, dificultando a participação de muita gente. Por isso resolveram fazer algo
aproximado, no Rio de Janeiro, a partir da Anno Domini.
210
Várias palestras das edições do programa “Abertos para reforma” estão disponíveis na internet. Elas seguem
fazendo formação virtual, via canal YouTube, numa conta específica chamada exatamente “Abertos para
reforma”: https://www.youtube.com/channel/UCFxRw-dFOO1zLjnpzArrRkg (acesso em: 23 dez. 2016).
169

falou das dificuldades financeiras porque passava o país, sobretudo o mercado editorial,
inclusive evangélico, acrescentando que houve muitos esforços e tentativas estratégicas para
superar dificuldades. No entanto, todas elas não resultaram em soluções conforme planejaram.
Por tudo isso, decidiram encerrar as atividades da Anno Domini como editora, mantendo
apenas a livraria, que segue com o mesmo nome. Uma parte dos títulos foi transferida para a
Editora Vida Nova, de São Paulo, que passa a produzir e distribuir tais livros. Reiterou que
em comparação a outras casas editoriais do segmento evangélico, a AD teve “bons resultados,
mas a crise foi mais forte”. Ele completou com uma justificativa compensatória: “Nossos
livros vão estar agora na melhor editora do país”. Em seguida, o bispo retomou a direção da
reunião e elogiou o Andrew e seu trabalho. Disse que os livros da AD e seus autores estarão
na Vida Nova, que é “a melhor e mais respeitada do país”. E acrescentou: “Eles não publicam
autoajuda, mas só coisa séria. Estaremos no mesmo catálogo que Augusto Nicodemus, o autor
mais respeitado, uma referência”.
Em sua alocução Walter se mostrou muito satisfeito e mesmo honrado de ver títulos da
AD virem a ser incorporados pela Edições Vida Nova, sobretudo de estar em companhia de
autores da tradição do protestantismo histórico, como Augusto Nicodemus. Ele é líder
presbiteriano, membro da diretoria do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil
(IPB) e já foi chanceler da Universidade Mackenzie, de São Paulo. Reconhecido e
referenciado líder entre segmentos calvinistas e fundamentalistas no contexto de igrejas
evangélicas no Brasil.
As Edições Vida Nova e a Igreja de Nova Vida tem nomes assemelhados que,
obviamente, se confundem, mas são projetos diferentes e sem conexão direta entre si. A
origem e trajetória da igreja já foram abordadas neste trabalho. Quanto à editora, ela tem seus
primórdios em Portugal, resultado de trabalho de missões protestantes estadunidenses naquele
país europeu em 1958. Conforme dados da página da editora na web211, que relata o interesse
pioneiro do fundador Arthur Brown, de publicar livros bíblicos e teológicos em língua
portuguesa, a editora se transferiu para o Brasil, em 1962, que, segundo seu site, tinha custos
menores de produção. Aqui ela começa com outro missionário de origem também norte-
americana, mas nascido na Bolívia, Russel Shedd, presidente emérito da editora. Este pastor e
escritor produziu a apresentação do livro de Walter, O fim de uma era. Shedd morreu aos 87
anos212 amplamente reconhecido no contexto evangélico brasileiro por sua capacidade e

211
https://vidanova.com.br/content/6-quem-somos (acesso em: 28 out. 2016)
212
Russel Shedd faleceu em 26 de novembro de 2016, em São Paulo, curiosamente a mesma data da morte de
Fidel Castro. Walter McAlister publicou um texto em sua página no Facebook em homenagem a R. Shedd.
170

compromisso na exposição da Bíblia. Portanto, tendo ligado sua denominação a Edições Vida
Nova, bem como a seus autores e diretores, Walter McAlister avalia que fortalece, legitima e
autentica suas conexões com movimentos respeitados do segmento do protestantismo
histórico. Ou seja, ele se referencia neste passado ao qual busca se vincular, além de
corroborar a campanha de formação de sua liderança segundo os vieses calvinistas conforme
recortados e entendidos pela ACNV.

Foto da capa do livro, de 2009, que foi rejeitado por editoras evangélicas no Brasil e motivou a criação
da Anno Domini, tornando-se seu título mais vendido213 dentre os 29 do catálogo da editora. A proposta da capa
com a imagem do bispo Walter, conforme explicação na página 5, objetiva estabelecer um contato olhos nos
olhos com o leitor para um diálogo de ideias. (Arte e foto de Clemir Fernandes).

3.4 Liberdade para escolher: A clientela da igreja

213
Andrew explicou na entrevista que a editora possui uma publicação que tem uma tiragem anual de 15 mil
exemplares, no entanto não é vendida individualmente, mas adquirida em grandes quantidades pelos pastores
para distribuição em suas igrejas. Portanto, não é considerado como o mais vendido. Intitulado “A cada dia uma
nova vida”, trata-se de um volume com meditações diárias escritas por pastores da Nova Vida vinculados à
Aliança.
171

Segundo uma conhecida passagem de Weber no contexto de sua sociologia da


religião, ele afirma que “não as ideias, mas os interesses materiais e ideais governam
diretamente a conduta do homem” (Weber, 1984, p. 323). Esses interesses materiais
equivalem à saúde, longevidade, riqueza, e os ideais ou simbólicos, dizem respeito à graça,
redenção, vida eterna (WEBER apud FONSECA, 2001: 31; HADDAD, 1996). Nesta mesma
direção da concepção weberiana um autor brasileiro afirma que “o consumo de produtos
religiosos tem uma íntima ligação com a posição ocupada pelos indivíduos na sociedade”. Ou
seja, para este autor, há uma forte vinculação entre estratificação social e o estilo de consumo
de produtos religiosos (GUERRA, 2003, p. 15). A partir desse cenário teórico, como entender
as escolhas dos fiéis pela Igreja de Nova Vida?
As motivações que tem mantido pessoas e levado novas gerações para a ICNV são
muito diferentes das razões daquelas atraídas para a igreja no período de Roberto McAlister,
pois não passam mais, necessariamente, por curas ou libertação, por exemplo. Para todos,
sobretudo os mais jovens e de meia-idade214, a pregação da Bíblia, numa perspectiva
calvinista, tem sido um razão primordial para isso. E se no tempo de gestão de Roberto
instrumentos como rádio e TV foram os veículos utilizados para alcançar fiéis, atualmente a
internet tem sido o meio de adensar a mensagem da igreja através dos vários canais de redes
sociais, bem como livros, tanto do bispo Walter quanto de outros autores publicados pela
editora Anno Domini.
Quanto à identificação religiosa, os mais jovens não são predominantemente oriundos
do catolicismo e outros grupos não cristãos, como nas gerações mais antigas da era Roberto
McAlister. O trânsito religioso verificado entre os entrevistados não idosos é que eles
partiram de outros grupos evangélicos, principalmente pentecostais e neopentecostais, em
busca de outra forma de identidade e conteúdo de religiosidade, que dizem ter encontrado na
ICNV. Como exemplifica o caso de David, um jovem adulto, de 31 anos, pardo, com
formação superior (computação gráfica), mas que trabalha na área administrativa. Ele é
casado, mas ainda sem filhos, proveniente de família pentecostal e disse ter crescido na
Assembleia de Deus, de seus pais. “Só podia usar calça comprida”, diz ele sobre a rigidez da
igreja, principalmente em relação a usos e costumes, o que o levou a frequentar a Nova Vida,
que na época era IPNV, aos 14 anos de idade, levado por primos que eram dessa igreja.

214
Para fins deste trabalho, conforme mostrado na introdução, consideramos jovens, as pessoas solteiras ou
casadas, na faixa etária entre 20 e 30 anos. Quando nos referimos a jovens adultos, estamos falando de
entrevistados com idade entre 31 e 42 anos, também mencionados, às vezes, como pessoas de meia-idade.
Finalmente, quando escrevemos: senhor ou senhora, idoso ou idosa ou ainda pessoa de terceira idade, estamos
identificando a faixa etária de 60 anos em diante.
172

Uma jovem, Denise, 26 anos, branca, de nível superior (fisioterapeuta), casada e sem
filhos, oriunda de família evangélica tradicional, conta sua trajetória:
Sai da Batista onde eu estava para a Nova Vida [quando ainda era IPNV], porque era
uma igreja muito tradicional e a gente tinha dificuldade como juventude porque o
pastor era muito rigoroso, muito rígido. Não conseguia fazer muitas coisas. E eu vi
na Nova Vida uma igreja mais animada, um louvor mais voltado para a juventude
(DENISE).

Tanto David, o jovem de origem assembleiana, quanto Denise, essa jovem de tradição
batista, saíram de suas igrejas em direção à Nova Vida motivados pela flexibilização dos
costumes e maior liberdade no culto, que foi uma tendência já bastante observada na
comparação entre diferentes gerações e outras igrejas, sobretudo pentecostais215.
Outro jovem, Ângelo, 25 anos, branco, solteiro, concluindo a faculdade na área de
saúde (Farmácia), que trabalha em empresa de sua família na manipulação de medicamentos
personalizados, contou de sua trajetória religiosa. Nascido numa família católica, disse que foi
batizado, fez a “primeira comunhão” e participou ativamente da igreja. Aos 18 anos, levado
por colegas da escola, converteu-se na Igreja Evangélica Cristo Vive e depois se transferiu
para a ICNV, cuja mudança teve influência mediante sua descoberta da “doutrina reformada”:
Começou no meu meio a se divulgar o protestantismo reformado. Lá dentro mesmo
[Cristo Vive] a gente começou estudar, ver, questionar a nossa fé, a teologia. E foi
Deus. Foi a revelação de Deus que tirou essa cegueira de nós. Porque você via
claramente que lá não seguia as Escrituras (ÂNGELO).

De modo semelhante, um jovem de 28 anos, Bruno, pardo, solteiro, estudante


universitário (Química), de família pentecostal, resumiu a trajetória religiosa, saindo da IECV
até a ICNV:
Vim direto para cá, através de um amigo, que veio antes. A gente não estava
concordando com algumas doutrinas da igreja em que estávamos. Conversando,
procurando uma igreja para poder frequentar, para ver como seria o culto – porque
até então eu só conhecia a [igreja] Cristo Vive – vim conhecer e conhecer bastante
aqui [ICNV]. Comecei a frequentar até me tornar membro (BRUNO).

Estes registros mostram uma consciência mais crítica de jovens em relação a certas
ideias e doutrinas do pentecostalismo, e principalmente do neopentecostalismo, por isso

215
Um exemplo disso diz respeito a bandas de música, com som mais próximo de pop-rock, como o grupo
evangélico Rebanhão, que conquistou muitos jovens e provocou elevado furor entre mais velhos no contexto das
igrejas, principalmente nos anos 1980-90. Este grupo, que gravou vários discos e vendeu milhares de cópias,
tinha entre seus integrantes crentes presbiterianos e também, como informa Mariano (1999, p. 214, 215),
membros da Igreja de Nova Vida. Confirmei esta informação com um dos membros do Rebanhão, Pedro
Braconnot. Via Facebook (21 nov. 2016) ele revelou que Carlinhos Félix, um dos músicos do grupo, foi membro
da Igreja Nova Vida da Tijuca. Esta igreja foi pastoreada de 1984 até 1990 pelo Pr. Rudi John Kruger, quando se
desligou da Nova Vida, conforme informou em entrevista, também via Facebook (14 dez. 2016). Ele destacou
que a razão foi por “diferença de interpretação” bíblica. Mas explicou a reação do bispo Roberto: “Após meu
posicionamento ele me abençoou e me honrou diante do presbitério”.
173

revelam terem buscado outra perspectiva dessa religiosidade com maior embasamento
teológico e aprofundamento reflexivo. E afirmam terem encontrado o que almejavam na
ideologia calvinista, em particular na chamada “doutrina da graça”216, evidenciada nos
ensinos e práticas da ICNV. Como disse um jovem, César, 22 anos, do Rio, pardo, casado,
sem filhos, que trabalha com desenvolvimento de web: “Na Nova Vida eu vejo isso, um
compromisso muito grande com tudo o que foi ensinado anteriormente na história [da igreja],
uma redescoberta das doutrinas da graça”. Esta razão, segundo contou, levou-o a
comprometer-se ainda mais com a ICNV.
Um jovem de família católica, Eliseu, 24 anos, pardo, oriundo do Estado do Rio,
formado em Ciências Contábeis, área em que também trabalha, contou que no final da
adolescência, após a separação de seus pais, foi para o espiritismo kardecista por influência de
uma tia. Na escola, uma colega que era evangélica, falou-lhe sobre a Bíblia e a doutrina da
salvação, o que o levou, conforme reiterou, a questionar a doutrina da reencarnação.
Seguidamente, alguns primos que eram da Nova Vida insistiram com ele até que um dia
aceitou o convite e foi à igreja sem jamais ter entrado num templo evangélico. Era a IPNV,
onde disse ter se convertido na primeira vez que visitou. Quando a denominação mudou de
nome e de práticas, essa igreja optou por não se tornar ICNV. Posteriormente ele migrou para
a ICNV, a Catedral, onde permanece, afirmando conhecer e defender as “doutrinas da graça”
e faz fortes criticas às crenças e práticas da antiga igreja, que se tornou um outro grupo,
independente, mantendo o nome genérico de Nova Vida, mas sem vínculos com as demais
denominações, seja ACNV ou CMINVB.
No país em que os jovens estão entre os mais religiosos do mundo217 a trajetória desse
rapaz, com menos de 25 anos de idade e já tendo passado por quatro experiências ou grupos
religiosos, embora todas no grande campo cristão, é ilustrativo dessa realidade de buscas e

216
Doutrinas da Graça, também conhecida como Os Cinco Pontos do Calvinismo, podem ser resumidas em: 1)
Depravação Total – o ser humano é totalmente escravo do pecado, 2) Eleição Incondicional – Deus escolheu
desde a eternidade aqueles a quem concedeu a graça da salvação numa decisão soberana, incondicional,
insondável e irrevogável, sem qualquer mérito humano, 3) Expiação limitada – A obra redentora de Cristo é
particular, não universal, pois foi destinada apenas àqueles que foram alvo da graça da salvação, 4) Graça
Irresistível – Quando Deus soberanamente visa salvar alguém, a pessoa não tem opção, ou seja, ela é atraída pelo
Espírito Santo, não tendo jamais como resistir à graça da vida eterna com Deus, e, 5) Perseverança dos Santos –
também chamada de preservação dos santos, compreende que os eleitos para salvação e para comunhão eterna
com Deus não podem cair em desgraça e perder a sua salvação. Se alguém cair em erro e não demonstrar
arrependimento, pode ser um sinal de que nunca foi salvo e, portanto, não pode ser contado entre os eleitos de
Deus. Para mais informações: Boice; Ryken (2014).
217
Conforme levantamento de instituto alemão que revela ser o Brasil o terceiro país mais religioso entre jovens.
65% dos jovens brasileiros declararam ser “profundamente religiosos”.
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2008/07/425463-brasil-e-o-3-pais-mais-religioso-entre-os-jovens-diz-
pesquisa.shtml?mobile (acesso em: 10 ago. 2016).
174

trânsitos religiosos. Especialmente por alterações em sua história pessoal, como a separação
dos pais e a mudança de cidade, para ficar nestes dois casos narrados por ele.

3.5 Identificação e envolvimento profundo com a igreja

As razões para buscar e permanecer na ICNV são questões que enfocamos nas
entrevistas e as respostas dos entrevistados revelam uma nuance de possibilidades para
justificarem a opção pela igreja, o que valorizam, bem como o que mais gostam nela. Um
jovem, Ângelo, contou de sua origem, mudanças e interesse em optar pela igreja:
Muitos amigos meus divulgavam sites reformados. Esses sites passavam uma
teologia que a gente nunca tinha visto. Que tinha uma lógica coerente. Não era uma
teologia rasa, não era uma teologia diluída. Era uma teologia profunda, com
embasamento bíblico.
Esses irmãos que estavam lá na [Igreja] Cristo Vive começaram a procurar igrejas
que tinham doutrinas adequadas à reforma, à doutrina reformada. E uma das igrejas
que um irmão indicou foi a Cristã Nova Vida. Visitei uma vez, visitei outra e fiquei
(ÂNGELO).

Questionado sobre o que mais chamou sua atenção para decidir ficar na ICNV, ele
esclareceu:
Foi a pregação voltada para glorificar a Deus. A pregação com exegese, com
hermenêutica, pregação bíblica. A pregação genuína do evangelho, do Deus que é o
mesmo ontem, hoje e sempre. O Deus bíblico, de Abraão, Isaque e Jacó. O Deus que
ama, mas também corrige, disciplina. E também é um Deus que ama e quem ama
também odeia. Quem ama também odeia o mal (risos), (ÂNGELO).

Interessante verificar na fala deste jovem, típico de classe média, que faz uma busca
pela igreja não em função de necessidades do tipo “pare de sofrer” ou por outros interesses de
resolução de questões pessoais, material ou de carência humana, porém, afirmando uma
demanda mais racional ou espiritual. Coerente, portanto, com sua condição social de
universitário, branco, de uma família economicamente estruturada, além de bolsista do CNPq.
Quanto a questão de “glorificar a Deus” como ênfase na pregação, tida como uma das
caracterizações da doutrina calvinista, é muito evidenciada nos sermões do bispo Walter e
mais ainda nas homilias do pastor John McAlister. O que demonstra um sinal bem diferente
do conteúdo pregado em igrejas neopentecostais, mesmo pentecostais e inclusive algumas do
protestantismo histórico, que enfocam problemas comuns da vida cotidiana. Esta
particularidade enfática de relacionar a bíblia com questões existenciais foi uma das
inovações de Roberto McAlister, causando interesse de muitas pessoas para suas pregações e
consequente envolvimento com a Cruzada de Nova Vida. As várias prédicas que ouvi nos
175

cultos da ICNV seguem um padrão de falar sobre Deus e/ou celebrar Deus de uma maneira
que parece até que a comunicação do pregador volta-se preferencialmente para o divino e que
as pessoas presentes servem como mediadoras para a glorificação por ele conduzida. Não é
uma pregação no estilo de tantas igrejas midiáticas neopentecostais, cujo teor da mensagem
volta-se claramente para os ouvintes e seus problemas humanos. Nos cultos da ICNV os
ouvintes são levados a uma “vida de santidade” e a celebrarem a Deus na medida em que
ouvem sobre Deus, sua natureza, atributos ou caráter. Não há nada que se aproxime de uma
pregação da teologia da prosperidade em que o pregador tentar convencer o fiel ou ouvinte a
assumir uma estratégia para alcançar certo benéfico da divindade. Em um sermão pregado
pelo bispo na manhã do dia 20 de março de 2016, ele conclui dizendo: “Nossa fé aponta para
Deus, para o céu, não para a prosperidade material”.
Assim sendo, no contexto da ICNV, tanto pregações, cânticos, orações e toda a
estrutura de comunicação visa falar de Deus ou sobre Deus e para Deus. Os ouvintes são
ouvintes. Meros ouvintes em comparação a outras igrejas do espectro evangélico em que os
fiéis participam diretamente das liturgias com oportunidades para orar, cantar, dar
testemunho, fazer uma comunicação. Nada disso existe na ICNV, pelo menos na Catedral e
em Botafogo. Todo o culto, em todas as suas partes, é conduzido exclusivamente pelo pastor
ou bispo celebrante.
Este ordenamento do culto é uma prática bastante padronizada no contexto da
Catedral. Dentre as diversas liturgias de que participei, ela sempre começa com um momento
que antecede a abertura, em que o pastor, o bispo e outros líderes condutores da música se
reúnem discretamente próximo aos instrumentos musicais, ao lado do batistério, para um
momento de oração. Pontualmente às 10 horas o pastor John assume o púlpito, iniciando a
celebração e a conclui ao meio dia. Não há qualquer atraso para iniciar nem para encerrar. No
final do capítulo 4 apresentaremos uma etnografia de um culto do qual participei em 2013.
Aqui faço alguns registros para melhor compreensão deste ritual que é central na vida
religiosa dos fiéis e da igreja como um todo.
Os cânticos e hinos entoados pela congregação sob a direção do pastor John são
acompanhados pelos músicos que tocam discretamente. O instrumento utilizado é geralmente
um teclado eletrônico. Na capela tem um instrumento de percussão, como bateria, utilizado
nos cultos de quarta-feira que acontecem lá, pois tem menos público. Os cânticos, chamados
também de louvores, são, geralmente, hinos clássicos da tradição cristã retirados de hinários
176

de igrejas protestantes históricas218 ou cânticos, em geral, dos anos 1970 e 1980 mais
tradicionais, já consagrados pelas igrejas evangélicas. Pastor John prossegue fazendo
comunicações e avisos de atividades da igreja e da denominação e depois passa ao momento
de contribuições financeiras. Este é um dos itens importantes na liturgia e é dividido em duas
partes. Primeiro ocorre a contribuição dos dizimistas. Pastor John desce da plataforma e fica
no nível dos bancos onde as pessoas estão sentadas, em frente ao corredor central do templo, e
de frente para a congregação. Uma música suave é tocada enquanto os fiéis saem dos seus
lugares e fazem uma fila para entregar seus envelopes com os donativos para a igreja. O
pastor recebe individualmente cada uma dessas pessoas e as cumprimenta, dando uma palavra
pastoral a cada uma após receber o envelope de suas mãos. Ao final ele volta ao púlpito com
os envelopes em mãos, todos devidamente organizados e faz uma oração. Segue-se o segundo
momento em que os líderes vestidos de preto, homens e mulheres, passam em todas as fileiras
pequenas sacolas de tecido na cor vinho, presas em suas bordas por um suporte de madeira.
As pessoas vão depositando suas contribuições. Ao final o diácono recolhe todas essas sacolas
e o pastor John faz outra oração em razão das ofertas e dízimos dados pelos presentes. Esta é
uma prática observada religiosamente, sem alteração, em todas as igrejas do tronco da Nova
Vida e segundo pastores entrevistados, como Ragner, “foi sempre assim”, desde o Bispo
Roberto, que implantou este modelo. Conforme ele mesmo diz em seu livro já citado, recolher
ofertas exige preparação, não pode ser feito de forma aleatória ou despreparada por parte do
pastor (MCALISTER, R, 1981). Vi o ritual em dois momentos, exatamente como acaba de ser
descrito na experiência da Catedral da ICNV, ser praticado da mesma maneira em outras
congregações da Aliança (Botafogo, Tijuca e Copacabana). Também nas igrejas do Conselho
nas quais acompanhei alguns cultos, como a igreja do Bispo Tito, em São Paulo, e duas outras
no Rio: Tijuca e Catete. Igualmente vi acontecer na Igreja Nova Vida de Bonsucesso, que não
é vinculada atualmente a nenhum dos dois maiores ramos da igreja fundada por Roberto
McAlister. Pelas observações feitas, há diferenças nas liturgias das igrejas dos diferentes
troncos de Nova Vida, seja quanto ao tipo de música cantada, da teologia enfatizada, das
práticas valorizadas. Um rito, no entanto, permanece original do modelo implantado pelo
fundador: a forma de recolher as contribuições financeiras nos cultos públicos.
No culto noturno de domingo, segue a mesma ordem, mas a pregação é feita pelo
pastor John e, às vezes, pelo pastor Marcelo Maia. John também prega pela manhã, embora

Dentre estes hinos, destacam-se composições do século XIX, como “Firme nas promessas do meu Salvador”;
218

“Louvamos-te, ó Deus, pelo dom de Jesus”, e, “Vivifica tua igreja, ó bendito Salvador”, todos estes cantados no
domingo 13 mar. 2016.
177

seja mais raro, pois é o espaço primordial da prédica do bispo primaz. O sermão tem duração
média de 50 minutos e uma de suas marcas, seja ele pregado pelo bispo ou pelo pastor
regente, é chamar os presentes ao compromisso com a fé, numa dimensão mais pedagógica de
edificação dos crentes do que de conversão. O próprio pastor John comentou na entrevista que
não fazem “apelo”, uma prática típica de igrejas mais associadas à teologia arminiana, que
julga necessitar convidar claramente as pessoas a uma tomada de posição ou “decisão por
Cristo”. A linha de conteúdo de muitas pregações que ouvi na Catedral, tanto do bispo quanto
do pastor regente, enfatiza a “depravação humana pelo pecado”. No culto do dia 3 de abril de
2016, por exemplo, em seu sermão pela manhã, o primaz afirmou: “Ninguém pode afirmar
estar bem diante de Deus. Vire para seu vizinho e diga: Você não presta.” As pessoas riem
discretamente, olham para a pessoa ao lado e repetem sem convicção ou constrangidas: “Você
não presta”. A maioria não fala de maneira audível, apenas faz um aceno com a cabeça e
olhar. A pregação acentua a natureza “má e pecaminosa” do ser humano. E insiste que
somente Cristo justifica as pessoas de seus pecados. No período das entrevistas, Flávia, uma
senhora da Catedral, havia feito duras críticas a esse tipo de pregação que tem ouvido lá.
Achei estranho, mas cheguei a presenciar, conforme relato acima. Flávia contou:
E essas pregações em que o pregador manda a gente dizer que a gente não vale nada,
que aquele que está ao lado não presta? Eu não posso gostar disso! E não gosto. Não
digo, minha boca não abre. E eu não gosto de ouvir. Meu ouvido dá dor. Eu não
gosto. ‘Diz pro teu irmão que você não presta: Você não presta! Diz para ele que
você não vale nada: Você não vale nada’. Eu não falo, nem olho para o irmão. Não
dá, não dá! Porque eu não vejo Jesus dentro desse quadro. Eu não valia nada, mas
quando Jesus me chamou eu passei a valer alguma coisa. É o meu raciocínio. Agora
que eu estou em Cristo, eu digo que está tudo bem. Eu tenho o maior de tudo, do que
há no céu e na terra, como é que eu vou dizer que não presto?! Eu não vou tirar o
evangelho da minha vida (FLÁVIA).

Além das ofertas, do sermão e da Ceia, outro importante momento do culto, que não vi
na experiência litúrgica da antiga Catedral, em 2013, nem em nenhuma outra Nova Vida, seja
da Aliança ou do Conselho, é a recitação do Credo Apostólico por parte da congregação. O
texto dos apóstolos é projetado e o pastor John conduz todos à leitura, feita com vigor e
ênfase, sendo um dos momentos em que a congregação demonstra grande convicção no que
recita. Também oram coletivamente o “Pai Nosso”, e antes da bênção final o pastor faz uma
oração convidando cada um a colocar a mão em seu próprio coração, quando ele roga pela
vida de todos para que tenham uma semana abençoada e de paz.
Sobre o que mais gosta na ICNV uma senhora, Ana, 74 anos, branca, aposentada, de
origem evangélica tradicional (IEC), mas ativa na Nova Vida desde 1980, justificou que é
“uma igreja que prega a Palavra, uma igreja séria, que não se envolve com coisas que nada
tem a ver com a igreja, como política. É uma igreja correta”. Semelhantemente, um senhor de
178

82 anos, Simeão, com ensino médio no grau de instrução, aposentado, revelou: “Gosto da
Palavra, a gente confere o que eles pregam. É uma igreja séria”. Sobre esse apego à Palavra,
isto é, à Bíblia, que é um tipo de discurso próprio das igrejas do protestantismo histórico –
“Sola Scriptura”219 – outros entrevistados afirmaram de modo semelhante: “É uma igreja
pentecostal que você vê o equilíbrio, a constância, a Palavra é pregada, não negligenciada em
função da prática. Fui batizada em outra ICNV, que sempre foi uma igreja equilibrada, a
estrutura do culto, a acolhida e sempre valoriza a Palavra. E isso eu sempre gostei”, disse
Brenda. Ela tem 42 anos, casada, com filhos, marido atuante também na Catedral. Oriunda de
família espírita kardecista, tinha outros parentes de tradição protestante, com quem viajava
para participar de acampamentos evangélicos. Aos 16 anos se converteu e desde então
participa ativamente da Nova Vida. Era de outra congregação e está na Catedral há 7 anos.
Abro um parêntese na narrativa das identificações para abordar a questão da política
mencionada acima, pela postura sui generis do bispo primaz no conjunto das igrejas históricas
e pentecostais brasileiras. Walter McAlister manifesta posição radicalmente contrária à igreja
se manifestar sobre qualquer assunto político, entendendo que são de esferas diferentes. O que
é competência do Estado deve ser cuidado por ele e o que for de responsabilidade da igreja,
de igual forma. Por isso afirmou que a igreja não deve se envolver em qualquer assunto de
natureza política, mesmo que seja uma manifestação pelo bem comum. E ilustrou:
Fui convidado uma vez por um padre para fazer uma manifestação na rua pedindo à
Prefeitura mais policiamento. Pode ter mais policiamento, mas um alcoólatra ainda
vai chegar em casa e bater na sua mulher. Se o coração dele não mudar, o que
importa? Isso tudo é muito transitório, minha missão não é essa. Isso é missão do
governo. Como clero, como sacerdote, minha missão é levar a Verdade que
transforma vidas (W. MCALISTER).

Acrescentou que um membro de sua igreja poderá vir a ser um líder comunitário e até
um deputado federal, porém jamais poderá pedir votos no ambiente de sua igreja. E sobre o
líder religioso, foi ainda mais taxativo: “Para mim, o sacerdote que se engaja na política é um
traidor” (MCALISTER, W., 2009, p. 127)220.
Essa crítica atroz e uma espécie de rejeição da política, especialmente por parte dos
líderes religiosos, revela-se nas entrevistas e também em seus livros já citados. A política é
vista como algo menor, transitória, muito aquém da missão supostamente elevada e de

219
Sola Scriptura ou Somente a Escritura, a Bíblia, é um dos pilares doutrinários da Reforma Protestante no
século XVI e adotada por sucessores, como as igrejas históricas no Brasil.
220
Sob a égide de Roberto McAlister, um pastor da Nova Vida, Leonardo Abbud, chegou a ser candidato a
deputado estadual no Rio de Janeiro, com apoio da igreja, conforme entrevista do pastor Ragner Chagas, da
ICNV de Botafogo: “Na época, quando tivemos um grande encontro no Maracanãzinho – um dos nossos grandes
encontros – ele foi apresentado e isso não fez bem para igreja. Ele não foi eleito, mas só o processo causou muita
dor de cabeça. Foi início dos anos 1980, certamente. Isso fez mal”.
179

consequências eternas do sacerdote. Assim sendo, Walter (2009, p. 125, 126) defende que o
trabalho da igreja é “levar pessoas para o céu”, não buscar promover ação social, pois esta não
seria uma tarefa da igreja. “Se a sociedade melhorar, isso é um benefício secundário. Se as
condições, por mais desesperadoras que sejam, melhorarem, mas nós não formos para o céu,
toda melhoria não passará de maquiagem histórica”. No entanto, dos vários cultos que
acompanhei na catedral, muitas vezes houve menções ao contexto político do país, que vivia a
realidade das manifestações populares contra ou a favor do governo Dilma Rousseff e todas
as reverberações disso na grande mídia, embora Walter mantivesse postura sempre discreta,
tecendo apenas lacônicos comentários sobre a situação política e social do país. E sempre
inserindo a igreja evangélica em geral como um ator que se corrompeu também e que precisa
de arrependimento. Já o pastor da Catedral, John McAlister, em diversas ocasiões, também
criticou a igreja evangélica juntamente com a nação e o governo, como grupos que teriam se
corrompido. Porém, num tom incisivo e mais explícito e alongado, demonstrando um
posicionamento crítico ao governo vigente, bem como apoio aos protestos públicos contrários
à presidenta, além de assentimento ao juiz, procuradores e equipe de condutores da propalada
“operação lava jato”, da Polícia Federal. No culto dominical de 13 de março de 2016, por
exemplo, pastor John fez uma longa oração, rogando pelo Brasil, lamentando “essa maldade
que tomou conta de nosso país há mais de uma década”, numa referência aos governos da
coalização PT-PMDB no poder central. “Para que todos quantos saquearam o país sejam
punidos”, rogou em sua prece. Em seu sermão no dia 20 de março de 2016 bispo Walter teceu
os comentários sobre esse contexto político, dizendo que “nosso problema é a falência moral
da nação”, afirmando que os governantes se corromperam, “mas você também”, disse à sua
congregação. Sem muita esperança, declarou: “Somos uma nação corrupta e iníqua regida por
governantes corruptos e iníquos. E os próximos [governantes] que entrarem também”. Tanto
Walter quanto John no tocante a estes assuntos sempre chamam a igreja à mudança. O primaz
afirmou que “aconteça o que for em Brasília, a igreja ainda precisa de um avivamento”,
entendendo que esperança em instituições humanas são sempre inseguras.
Acerca da especificidade da identidade no ambiente evangélico, várias pessoas se
afirmaram pentecostais, coerente com a afirmação da liderança da igreja de que a ICNV é
uma igreja pentecostal. No entanto, não enfatizaram pontos distintivos da prática pentecostal
como glossolalia, milagres, rigor comportamental. Nada disse se vê ou se ouve na Igreja
Cristã Nova Vida. A tônica nas falas dos entrevistados e dos pastores segue a linha corrente
180

da doutrina básica do protestantismo histórico: a defesa da Bíblia como fundamento


doutrinário e de prática religiosa221.
Outro entrevistado, o jovem Bruno já identificado, segue o mesmo raciocínio da
importância da “Palavra”, isto é, a Bíblia, para estar na igreja:
Seja lá qual for a mensagem que estivesse sendo pregada, sempre ela é voltada para
Cristo. Seja qual for a mensagem que esteja sendo pregada, seja qual livro da Bíblia
que esteja sendo pregado, sempre é voltado para Cristo. E isso me chamou muito a
atenção (BRUNO).

E reafirmou seu interesse no estudo da Bíblia como fundamental para optar e ficar na
ICNV, já que vinha de outra igreja pentecostal:
Antes eu escutava mais pregações temáticas ao invés de pregações expositivas e
aqui o Pastor John prega muito expositivamente 222. E eu gostei muito porque você
vai aprendendo cada livro da bíblia, cada versículo por versículo e você vai
aprendendo mais sobre a Palavra de Deus. E isso me chamou bastante atenção, a
Palavra de Deus (BRUNO).

A Bíblia e seu estudo, inclusive com apoio de outros livros, ganham destacada
importância nas falas dos entrevistados. Algo que é mais comum nos contextos protestantes,
mas que não é tão corriqueiro ou acontece em menor proporção nos ambientes pentecostais e
neopentecostais. Embora tenha havido mudanças nos últimos tempos, inclusive na
Assembleia de Deus, que possui atualmente uma das maiores estruturas de produção (editora
e gráfica) e venda de livros (livrarias e megastores) no contexto evangélico brasileiro223.
O jovem César, cuja mãe era participante da IURD quando ele nasceu, passou a
frequentar a Nova Vida após ir morar com seu pai, que era dessa igreja. Ele contou que “foi
um afeto, um afeto natural por ter convivido desde tão cedo, desde sete anos de idade”,
embora não ainda na Catedral, mas numa outra igreja também Cristã Nova Vida. Ele
acrescentou: “só recentemente, consciente, sabendo do que se trata a igreja e tudo mais,
estudando teologia, comecei a ter uma afeição não só natural, porque é uma igreja muito
compromissada com a história da igreja cristã, com tudo que foi ensinado anteriormente na
história”. E realçou sua razão de manter-se nesta igreja:
Hoje a Nova Vida se define e se identifica como uma igreja reformada. Então, além
desse carinho que vem desde bem pequeno, que já seria o suficiente pra dizer que eu

221
Tal concepção revela uma identidade semelhante ao que foi teorizado por Alves (1979) como um tipo ideal
chamado de “reta doutrina”. Resultando em reflexões de outros autores como Campos (2008).
222
Pregações temáticas e pregações expositivas, jargões do ambiente evangélico que distinguem um sermão com
base em sua estrutura. “Temático” seria aquele em que o pregador discorre acerca de um assunto que ele elege,
buscando o necessário embasamento bíblico. Já o sermão “expositivo” teria como diferencial a seleção de um
determinado recorte do texto bíblico, tratando detidamente de seu assunto e contexto, buscando também outras
passagens bíblicas e autores para referendar o assunto contido no próprio texto bíblico (BLACKWOOD, 1984).
223
Dados da revista Veja: http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/cultura/a-amazon-ignora-as-editoras-
evangelicas/ e site da própria CPAD: http://www.cpad.com.br/nossas-lojas (acessos em: 29 out. 2016).
181

amo muito essa igreja, eu acho que é ver esses frutos de doutrina surgindo. E coisas
muito legais têm acontecido, como o lançamento dessa confissão de fé, o Geração
Ação, que está cada vez mais ativo, fazendo projetos pelo Brasil (CÉSAR).

Ele se refere à Confissão de Fé, que é um conjunto sistematizado de doutrinas


construído a partir de uma interpretação dogmática de seus líderes, visando orientar a fé e
conduta dos fiéis. Esta é uma prática das igrejas cristãs, uma tradição do protestantismo
histórico, e que foi depois seguida por outras denominações evangélicas, inclusive
pentecostais e neopentecostais. Mutatis mutandis, funciona muitas vezes como uma espécie
de Constituição. Está escrito, mas não significa que os fiéis a conheçam bem ou que
pratiquem seus artigos, mesmo que afirmem dogmaticamente crer. Quanto ao “Geração
Ação” trata-se basicamente de um programa voltado para encontro de jovens, que acontece
geralmente aos sábados no contexto das igrejas. Visa à formação e integração dos jovens na
ICNV. Há lideranças locais, nas igrejas, bem como responsáveis em nível nacional, que fazem
encontros regionais e um evento nacional de capacitação e formação dos líderes das igrejas,
também dentro da visão de despentecostalização e doutrinação calvinista.
Jovem já mencionado, David contou que começou a frequentar a Nova Vida aos 14
anos de idade, saindo da igreja de seus pais, a Assembleia de Deus, “porque tinha muito
aquele peso doutrinário, homem só tinha que usar calças e era uma apelação muito mais para
os dogmas, aquela rigidez”. Hoje diz continuar na Nova Vida inclusive “porque a igreja tem
passado recentemente por essa visão da Reforma, que é adotar as doutrinas da graça, que faz
você crescer, aprendendo mais sobre as Escrituras, estudando sobre a Palavra de Deus”. Mas
esclarece que alguns outros membros da Nova Vida, de outras igrejas que não da Catedral,
acharam essa mudança “um pouco radical” e que “nem todas as igrejas adotam ainda essa
teologia”. E reiterou que para ele o fundamental para continuar “tem sido isso mesmo:
crescimento, investimento nos estudos, aplicação da Palavra” (DAVID).
Uma jovem mais adulta, Claudia, 36 anos, branca, formada em Enfermagem e atuante
na mesma área, que veio de uma metodista renovada (pentecostal), esclarece que sua igreja
era diferente da Catedral, em que a pregação dizia que “se aceitasse a Cristo ia ter isso e
aquilo”. Já na Nova Vida, disse ela, “a linguagem é bem diferente, mais pautada na Palavra. É
uma pregação quase que um estudo”. E fez objeção a outras diferenças: “Você viveu a vida de
um jeito e chega numa outra casa você sente uma diferença. Na [Igreja] Metodista você vê
uma liberdade de adorar, de louvar, o que eu acho que na Nova Vida – não vou dizer que seja
meio engessado – mas é uma coisa mais contida, mais branda. Dentro das regras”. Ela passou
182

para a Nova Vida após seu casamento, pois o esposo já era da igreja há alguns anos. “Para
mim ainda estou caminhando, ainda me habituando”. E acrescentou:
Tem horas que às vezes eu sinto falta dessa liberdade, mas para mim tá sendo
produtivo a parte do conhecimento, muito bem pautado na Palavra, em livros [sic].
Isso tá abrindo para mim uma nova visão. Que antes – não que não tivesse
ensinamento – mas era uma linha diferente. Então para mim, tá sendo proveitoso e
ao mesmo tempo meio difícil. Mas a gente vai caminhando (CLAUDIA).

Eliseu, o jovem já identificado, enfatizou como razão para buscar e permanecer na


ICNV a seriedade da pregação, do embasamento teológico, a valorização do ensino
“reformado” e a satisfação com a liturgia:
Na verdade a gente escolheu a igreja, depois a casa, o bairro onde morar. (risos).
Porque a gente mora aqui perto para ter essa facilidade. E a gente se identificou
muito com a pregação, com o ensino, com a ênfase mesmo no ensino reformado,
com uma teologia boa, com uma liturgia também boa. Lógico que não é perfeito,
mas a gente se sentiu muito bem aqui (ELISEU).

A jovem Denise, que em sua adolescência trocou a igreja batista de sua família por
uma Nova Vida que tinha um estilo de culto mais animado, avaliou: “eu fui amadurecendo e
vi que não era bem assim. Hoje estou aqui na Catedral [por]que os louvores também são
calmos, não era a coisa que eu imaginava que era o certo. Mas eu gostei da igreja, da
pregação, com um ensino muito cristocêntrico” (DENISE).
Estas falas demonstram como interesses ideais vão conduzindo as pessoas a fazerem
migrações ou trânsito religioso, em busca de grupos que melhor atendam suas expectativas
inclusive no tocante às suas condições de estratificação social. O que exacerba o caráter de
suas posições num campo de escolhas e construção de identidades.
Uma senhora da terceira idade, Ester, 60 anos, branca, oriunda do Recife, de família
católico-espírita, explicou a razão de estar na ICNV:
Acho que é o alimento mais sólido, a profundidade que eles dão da Palavra. A
palavra que eles dão aqui tem um peso para mim, que me satisfaz mais. Eu vou a
outras igrejas, visito outras denominações, amo outros irmãos, a gente tem essa
liberdade de visitar outras igrejas, o bispo não impede isso, mas onde eu ouvia a
pregação eu ficava esperando mais. E aqui eu me satisfaço com a pregação
(ESTER).

Ela reiterou dizendo o que mais a motiva na Nova Vida, igreja da qual participa
ininterrupta e ativamente desde 1976, quando tinha apenas 18 anos de idade:
O que me satisfaz aqui é mais uma palavra de profundidade, mais séria. É uma
igreja que a gente não vê misturada, aberta a muitas coisas que não condiz com a
Palavra de Deus. Uma frase que o pastor John fala: Prefiro errar por ser zeloso
demais do que não ter zelo nenhum. Então pode acontecer de eles exagerarem por
zelo. Mas como ele mesmo diz, é melhor ser muito zeloso do que não ter zelo
nenhum. Isso eu gosto, isso eu concordo. Esse tipo de pensamento que eles têm me
satisfaz. Aqui é uma casa de estudos. Aqui é muito estudo da Palavra (ESTER).
183

Pelo depoimento dessa senhora a campanha de conscientização da doutrina reformada


empreendida pela ACNV, especialmente no contexto da Catedral onde pregam o bispo e o
pastor regente, estaria tendo resultados conforme planejado. Inclusive com pessoas mais
adultas, já que os mais jovens estariam sendo socializados dentro do modelo da campanha, o
que seria mais fácil de levá-los a assimilarem a concepção doutrinária reformada.
A similaridade dessa gramática utilizada pelos entrevistados, de todas as diferentes
faixas etárias, de defesa da pregação bíblica, de importância do estudo da Bíblia, de
valorização da reflexão bíblica, é algo bem distante do ambiente neopentecostal que enfatiza
alegoricamente o texto bíblico para sustentar suas pregações de prosperidade e cura,
principalmente. Ao mesmo tempo tal linguagem se aproxima da retórica do contexto do
protestantismo histórico quanto à afirmação da autoridade da Bíblia para a igreja como grupo
e para os fiéis em suas práticas cotidianas.
Um idoso, Fernando, 73 anos, pardo, aposentado e que há 12 anos está na ICNV onde
se tornou um líder leigo reconhecido, relatou o que mais despertou sua atenção e respeito pela
igreja:
Chamou muito minha atenção a questão da retidão. Porque convivendo com o
pastor, com o bispo, a gente vê a retidão dessa igreja. O ensinamento daqui, a
Palavra aqui é mais ensinamento mesmo, Palavra pura, limpa. Não é um espetáculo.
É uma igreja mais séria, mais determinada com o ensinamento (FERNANDO).

A importância destacada no ensino da Bíblia, conforme depoimentos dos


entrevistados, pode ser verificada nos sermões, nos estudos, nas publicações, sobretudo na
figura de um pastor responsável por esta área, que é ministro com dedicação exclusiva à
igreja. Ter uma pessoa responsável por educação religiosa é um cargo conhecido e
reconhecido no ambiente de igrejas protestantes históricas, sobretudo entre batistas e
presbiterianos224, embora já tenha sido algo mais enfatizado e valorizado nessa parte do
campo evangélico. Já entre igrejas pentecostais é algo raro e mais ainda ou praticamente
inexistente em igrejas neopentecostais. Já a ICNV, na igreja da Catedral, além do pastor-
pregador, não tem outro pastor ou ministro ordenado para outras áreas como música, oração
ou ação social; entretanto, possui a figura do pastor que cuida particularmente da educação
religiosa da igreja, a partir das crianças e para todas as faixas etárias.
Dentre o grupo de entrevistados verificou-se uma ampla integração e envolvimento
com as atividades da igreja, o que demonstra inserção e adesão bastante significativas por

224
Durante muitos anos, com ênfase destacada, grupos denominacionais históricos mantiveram seminários e
institutos de formação de educadores religiosos para servirem nas igrejas. Na verdade, em grande maioria
mulheres, como foi o caso do Seminário de Educadoras Cristãs, no Recife, ligado às igrejas batistas:
http://anais.anpuh.org/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.0062.pdf (acesso em: 30 out. 2016).
184

parte das pessoas. Todas elas disseram participar semanalmente dos cultos dominicais, que
são as reuniões mais concorridas da igreja. A grande maioria frequenta tanto pela manhã
quanto à noite. E outros ainda participam dos cultos de quarta-feira e/ou também aos sábados,
além da Escola Bíblica, que oferece aulas em dois momentos aos domingos, sempre uma hora
antes dos cultos matutino e vespertino.
No ritual litúrgico do domingo pela manhã, que é a atividade com maior frequência,
estão presentes pessoas de todas as faixas etárias, sendo perceptível um contingente destacado
de pessoas de meia idade, alguns idosos e crianças. Ligeiramente diferente do culto da noite
que tem em geral pessoas de todas as idades, mas um público jovem se salienta mais do que
no culto matinal. A atividade da manhã acontece no maior auditório da Catedral e é,
certamente, a reunião mais solene, onde, em geral, prega o bispo primaz Walter McAlister e
com menor frequência o pastor John. Já no culto da noite, que se realiza na capela – um
auditório menor, ao lado do templo – os jovens se destacam entre os presentes, quando prega
o jovem pastor John McAlister e, algumas vezes, o pastor, também jovem, Marcelo Maia.
Este é quem atua na área do ensino na igreja e no Instituto Bispo Roberto McAlister de
Estudos Cristãos (IBRMEC).
Mais do que assiduidade aos cultos dominicais, a quase totalidade das pessoas
entrevistadas revelaram prestar algum tipo de serviço voluntário à igreja, seja no domingo ou
em outro dia de atividade, como professor de crianças na escola bíblica, distribuição da ceia,
operador de som ou de data-show, recepção às pessoas nas portas do templo, apoio na cozinha
da igreja, entre outros.
A igreja tem alguns funcionários que cuidam de serviços gerais e de outras atividades,
até de coordenação administrativa; porém o trabalho mais relacionado ao específico religioso,
como é comum nas igrejas, é feito voluntariamente por membros da comunidade.
É forte o sentimento e consciência de pertença à Nova Vida, como aferida pelos
entrevistados, que se revela um envolvimento ativo e assíduo nos diversos programas e
atividades da igreja.

3.6 Desconforto com a despentecostalização e calvinização

Para pensar possível desconforto ou inquietação com a ICNV e sua tendência atual de
ensino por um viés reformado calvinista buscamos saber com os membros entrevistados se já
haviam pensado em deixar a denominação. As respostas foram quase todas na mesma direção:
de que estão satisfeitos com a igreja, não pensam em deixá-la, de que às vezes há coisas que
185

incomodam, mas não a ponto de pensar em abandonar, até porque ao redor, disseram não ver
nada melhor.
Uma pessoa afirmou não estar presa a denominação. Gosta da Nova Vida, mas se por
alguma razão tiver que deixar, sairá sem problemas. A maioria, no entanto, seguiu a linha de
uma adesão firme e fiel à igreja. Alguns ratificaram explicando que se porventura tivessem de
mudar de cidade certamente iriam enfrentar dificuldades de encontrar outra igreja, pois
gostam da Catedral, e, portanto, procurariam outra ICNV na nova localidade.
Na linha de grande paixão pela igreja, destaca-se a fala exemplar do jovem César, que
está na Nova Vida desde os 7 anos, tendo sido batizado aos 11 anos de idade:
Na verdade já pensei, por questões profissionais, mudar de país, mas sempre
pensando se dava pra ficar perto de uma Nova Vida (riso). Podia ser Europa, podia
ser Portugal que tem [nova vida], talvez mudar de estado, mas sempre tentando... Na
verdade tenho um grande afeto pela denominação. Na verdade eu sinto até medo de
estar num lugar que não tem, não tem essa família (CÉSAR).

David, o jovem de origem assembleiana, e que já passou por outras ICNVs até vir para
a Catedral, disse gostar da Nova Vida, porém mostrou mais abertura para mudança e até já
pensou em trocar de igreja:
Já pensei, mas não por essas razões doutrinárias, mas por questões pessoais. Na
época que eu estava em outra ICNV, igreja enorme, grande, mas ela estava passando
por uma transição. Já senti vontade de sair. Mas você olha ao redor, e aí, não mas...
Hoje a estrutura de igreja no Rio... Igreja com problema é em qualquer igreja. Ainda
não encontrei nada melhor por fora. Apesar de que tem ótimas igrejas, mas não me
senti tão à vontade. Mas se eu tivesse que mudar, não ficaria preso à denominação
(DAVID).

Ester, a senhora que está há mais de 40 anos na Nova Vida, que conheceu e conviveu
com bispo Roberto em Botafogo, está na Catedral desde que Walter transferiu a sede para o
Recreio dos Bandeirantes, e nela permanece sob a direção atual de John, respondeu:
Nunca, nunca. A gente já passou por momentos muitos difíceis. Aconteceram várias
coisas, várias coisas, mas eu digo, meu coração está aqui. Pode ser numa salinha, eu
vou estar lá. Mas não deixar a igreja, a Nova Vida, não sinto vontade nenhuma. A
não ser que alguém me expulse, o que eu acho difícil (risos) (ESTER).

Ela revelou ter um longo e continuado envolvimento com a igreja, desde os tempos do
fundador, fez algumas críticas às transformações atuais e comentou do desconforto com as
mudanças doutrinárias, porém revelou não é capaz de romper com um grupo que se confunde
com sua própria história de vida.
Perguntados se conheciam ou sabiam de amigos ou outras pessoas que teriam deixado
a ICNV por alguma questão, a grande maioria disse conhecer várias pessoas, que por diversas
razões saíram da igreja. Conforme as respostas, todos falaram, com ênfases diferentes, sobre
aqueles que se desligaram da Nova Vida. Alguns entrevistados disseram que a igreja já teve
186

muito mais gente, e que no antigo templo da Avenida das Américas o espaço ficava lotado
nos cultos. E lá cabiam mais pessoas do que na atual Catedral, conforme minha própria
comparação. Acrescentaram que quando houve a mudança de endereço para o local da nova
catedral, outras pessoas também deixaram. As razões são variadas: estilo de culto, doutrinas
etc. Conforme contaram, alguns foram para igrejas ainda mais radicalmente reformadas e
calvinistas, com compreensões diferenciadas acerca dessas doutrinas, outros saíram para
igrejas neopentecostais, e ainda um contingente por desavenças políticas com a liderança.
Alguns outros entrevistados disseram que sair é normal e quem sai por causa de doutrina é
porque está com uma compreensão errada, pois na Igreja de Nova Vida sempre se ensina “o
que é certo” e a doutrina correta, disse Ana. Percebe-se de alguns um forte compromisso e
defesa da instituição, outros mais críticos, disseram que a mudança do estilo de culto e de
pregação, mais formal e reformado, tem sido uma causa para perda de fieis.
Uma entrevistada, Brenda, defendeu: “A igreja não muda, não tem heresia. Se a
pessoa reclama de alguma coisa da doutrina, ela é que inventou, tira algo da Bíblia sem
contextualizar, mas o erro não partiu da igreja”.
Flávia, 70 anos, parda, de origem espírita, depois católica, pensionista de ex-marido
empresário e que também foi líder na Nova Vida em Botafogo na época de Roberto,
comentou que a ICNV é uma igreja séria, mas que mudou muito. Disse que várias amigas,
antigas na igreja, deixaram porque viram muitas diferenças, [em relação ao que a Nova Vida
era na época de Roberto McAlister] e foram para outras igrejas.
No contexto denominacional, as mudanças da campanha de política cultural
implementadas por Walter contribuíram para a divisão da Nova Vida bem como tem levado
igrejas e pastores a se desligarem ou serem excluídos da Aliança. No ambiente local da
Catedral, sob a direção do pastor John, o desconforto gerado pelas mudanças que contrariam
práticas antigas de seu pai e de seu avô tem resultado em afastamento de fiéis. Como contou o
pastor Marcelo Maia, auxiliar de pastor John nessas alterações, referindo-se inclusive ao
destino das pessoas que se desligaram da igreja:
Acho que a maioria foi para outra denominação mesmo. Outros mudaram dentro da
própria Nova Vida, mais por questões locais. Quando um sai de uma igreja para
outra, os pastores comentam entre si na reunião que tem aqui na terça feira. Os
pastores descobrem. Então a gente procura unir esforços para que não haja nenhum
problema nisso. Temos membros aqui que vieram de outras Igrejas Cristãs Nova
Vida, mas tem um perfil um pouco diferente por questões locais. As igrejas são
diferentes, estão em bairros diferentes, são diferentes. Mas que acabaram se
adequando melhor aqui ao nosso estilo de culto, pregação. Temos alguns casos
desses aqui também (MARCELO).
187

Além de pessoas que saíram da denominação por discordâncias diversas,


principalmente por divergirem em questões doutrinárias, Marcelo fez ainda referências a
situações também comentadas por fiéis entrevistados. Isto é, crentes de outras ICNVs que já
não se adéquam à realidade de suas igrejas de origem pela diferença que percebem entre o que
ouvem do bispo e de John, na internet, em comparação ao que experimentam em sua igreja
local. O fluxo dos que saíram da Catedral estão num misto de pessoas que buscam
experiências mais pentecostais, e outros ainda que aspiram uma igreja de doutrina calvinista
ainda mais radical, próxima de um presbiterianismo, como informou Marcelo Maia e outros
jovens entrevistados. Quanto às transferências de pessoas entre congregações da ICNV, estas
acontecem em maior número das igrejas espalhadas pelo Rio em direção à Catedral, mesmo
sendo distante dos lares de alguns, como revelaram nas entrevistas. No entanto, se sentem
confortáveis com o estilo de culto, com destaque para a pregação cuja liturgia e ensino são
mais calvinistas e menos pentecostais.

3.7 Relação com a Igreja Católica e outros temas

Ao final da entrevista com Walter pedi sua análise e posição acerca de alguns
assuntos, inclusive temas que foram alvo da atuação de seu pai, como a relação com a Igreja
Católica. Sobre este tópico o bispo primaz da Igreja Cristã Nova Vida comentou:
Nós não temos um relacionamento com a Igreja Católica. Eu sou bastante refratário
à agenda do [papa] Francisco. Eu não aceito os argumentos ecumênicos deles não.
Eu tenho recuado da posição, digamos, mais simpática do meu pai. Tenho recuado
bastante dessa posição. Hoje eu acho o catolicismo indefensável. Teríamos que
resolver o Concílio de Trento para ter realmente um diálogo. Eles não vão reavaliar
isso não. Então essa argumentação do Francisco de fazer isso... Eu não compro essa
ideia não. Nisso eu sou bem reformado! (W. MCALISTER)

De fato, é surpreendente essa posição refratária de Walter, não somente pelo histórico
de seu pai com o Vaticano, mas também pela própria trajetória da Nova Vida, principalmente
pelo uso de símbolos litúrgicos e a adoção do episcopado. Além de tudo isso, é uma posição
oposta a ele próprio, Walter, considerando suas reflexões acerca da Igreja Católica em seu
livro O fim de uma era. Neste livro de 2009, ele demonstra um espírito mais aberto ao diálogo
e maior reconhecimento da dimensão cristã da igreja romana. Curioso que no período da
escrita do referido livro a Igreja Católica estava sob a direção do papa Bento XVI, de
posicionamentos teológicos e morais reconhecidos como mais conservadores do que
Francisco. Essa agenda teológica e moral de espectro mais conservador é uma marca do
episcopado de Walter, como ele demonstra em seu livro, e também como reafirmou na
188

entrevista para esta pesquisa. Por conta disso inclusive, Walter tem se afastado não somente
do diálogo com a Igreja Católica, mas também de espaços de diálogo ecumênico no ambiente
protestante. No início de governo episcopal a então Igreja Pentecostal de Nova Vida era
membro da Associação Evangélica Brasileira, porém depois saiu. Mais recentemente já sob a
denominação de Igreja Cristã Nova Vida ela associou-se à Aliança Cristã Evangélica
Brasileira (ACEB) bem como ao organismo internacional Comunhão Mundial de Igrejas
Reformadas225. A relação, no entanto, durou pouco por desligamento feito pelo próprio
Walter, conforme informou em entrevista.
Acerca de como vê o futuro da Igreja Cristã Nova Vida, especialmente como
denominação, Walter comentou fazendo uma revelação:
Sou um dia de cada vez. Sou extremamente prático. Nestes 20 anos redefini uma
denominação, fundei virtualmente uma nova denominação, fundei um seminário e
fundei uma editora. Como eu fiz isso? Eu nunca planejei fazer nada disso. Um dia
de cada vez eu perguntei: qual é o próximo passo? Nosso próximo passo, talvez, seja
na área de educação, de construir uma escola aqui, escola comum, não teológica, e o
seminário. Fazer mais do que fazemos (W. MCALISTER).

Esse projeto de ter uma escola, começando pelo nível fundamental, foi assunto
salientado também pelo pastor John em sua entrevista. A visão da liderança da ICNV é
investir em educação formal para as crianças, mas seguindo bases cristãs, especialmente
conforme o viés doutrinário que defendem. Essa preocupação com a educação, que começou
pela teológica e ministerial para os futuros pastores da denominação e seguiu pela
implantação de escola bíblica na Catedral com um programa curricular continuado, agora
avança para um nível ainda mais básico: educar crianças numa escola comum de ensino
fundamental, aberta a qualquer pessoa, seja da Nova Vida ou não, visando formar com o
diferencial da orientação cristã. Neste sentido, a ICNV segue, outra vez, uma estratégia
católica e protestante de manter colégios para formar alunos segundo suas respectivas visões
pedagógicas e religiosas. Interessante que as denominações pentecostais, de todas as ondas,
jamais tiveram ênfases nesta área de ensino secular.
Sobre si próprio, mediante meu pedido, Walter retrucou falando da dificuldade de falar
de si, mas terminou por comentar a partir de uma comparação com seu pai e concluiu
discorrendo sobre seu filho John. Primeiro falou de si em relação a seu pai:
Eu sou esforçado, eu não tenho alguns dos talentos que ele [seu pai, Roberto] tinha.
Eu acho que dou conta do recado, mas não sou a figura inesquecível que ele foi.
Meu trabalho é mais de longo prazo. Minha credibilidade vem crescendo aos
pouquinhos, que nem os meus vídeos que em cinco minutinhos, aí vai crescendo um
conceito. Mas também não me preocupo em me produzir. Eu não me produzo. É
muito pé no chão e trabalho. Eu olho sempre a longo prazo. Comecei muito cedo

225
The World Communion of Reformed Churches: http://wcrc.ch/ (acesso em: 10 jan. 2017)
189

nisso. Fui ordenado com 24 anos e bispo primaz com 37 e hoje tenho 59. E com 59,
depois de vinte anos de episcopado, ainda tenho potencial para mais 20, então. Eu
não tenho pressa. Acho que tudo que tem que ser feito tem que ser bem feito. E isso
exige planejar mais, não ter tanta pressa e fazer direito, para não ter que refazer
depois. E o John é assim também (W. MCALISTER).

Acerca do pastor líder da igreja sede e também deão do IBRMEC Walter discorreu,
com paixão, situando John num perfil dentro de um espectro do ambiente calvinista. Disse o
pai sobre seu sucessor na direção da Catedral e, muito provavelmente, também seu futuro
sucessor na primazia da denominação:
O John é um homem de princípios muito, muito fortes. Ele seria, no sentido bem
clássico da palavra, um puritano. Bem na linha do John Owen. Ele tem a disciplina
mental para isso, ele é um homem de oração e de piedade. O John é um homem
radicalmente abstêmio, sério, é um aluno da Palavra. Ele fez o bacharel e mestrado
em 4 anos e meio. Com Summa Cum Laude. John é um gênio. A cabeça dele é
extraordinária. Eu queria que ele fizesse doutorado. É o próximo passo dele. Mas ele
tem o coração de pastor. Mas o John é uma alma pura, que se fez meu filho. É muito
sério. Eu estou tentando até amaciar um pouquinho, porque nessa idade, às vezes,
pode ser um pouquinho duro (W. MCALISTER).

John McAlister, o pastor regente da Catedral, neto de Roberto e filho de Walter, sua
trajetória e atuação será o assunto transversal a ser abordado com maior acuidade no capítulo
seguinte, o último desta tese.
190

4 DESPENTECOSTALIZAÇÃO EM CURSO: A VISÃO DOS FIÉIS E PASTORES E


A “CATEDRAL”

(...) Isso já é uma marca que muitos já notaram


entre meu avô e meu pai. Eu acho que eu sou
ainda mais reformado do que os dois. E,
talvez, um pouquinho menos pentecostal, aos
olhos do mundo pentecostal. Meu pai sabe
disso. A gente vai e vem. Mas, espero que eu
não esteja renunciando às minhas raízes
pentecostais (risos)
Pastor John McAlister

No presente capítulo será feita uma análise das percepções de fiéis e também de
diversos pastores sobre o processo de mudança que sua igreja tem passado. As questões sobre
mudanças permitiram os entrevistados comparar a postura tipicamente pentecostal da era
Roberto com a perspectiva mais calvinista da era Walter e John. O capítulo tenta ainda
mostrar, através de entrevistas e também com base na observação de campo na Catedral,
como a Catedral, sob o cuidado de John McAlister, avança mais claramente na
despentecostalização da denominação.
Para contextualizar a análise das respostas dadas pelos fiéis e pastores às questões
formuladas iniciaremos esse capítulo recordando a caminhada distintiva de Roberto McAlister
na formatação do modelo de pentecostalismo que implantou no Brasil. As práticas de
glossolalia, revelação ou profecia conjugadas com rigor comportamental e estético constituem
distintivos – embora com ênfases diferenciadas para cada um desses itens – do
pentecostalismo clássico ou de primeira onda (Congregação Cristã no Brasil e Assembleia de
Deus), assim como o posterior de cura divina ou de segunda onda (Igreja do Evangelho
Quadrangular, Igreja Pentecostal o Brasil Para Cristo, e, Igreja Pentecostal Deus é Amor).
Roberto McAlister e o movimento criado por ele mantiveram, basicamente, essas crenças e
ações, somadas a práticas de “libertação de demônios” e maior ousadia na petição de ofertas e
dízimos porém flexibilizaram usos e costumes, mas foram além. Inovaram com uma
linguagem menos presa ao estilo da tradicional gramática evangélica e mais afeita ao contexto
191

urbano moderno dos anos 1960 e 1970. Se as fronteiras do mundo enquanto espaço
socialmente construído são definidas pela linguagem, para lembrar Wittgenstein (1993), a
linguagem de Robert McAlister resultou no surgimento de um novo fenômeno. McAlister,
portanto, lançou sementes simbólicas e bases ético-estéticas de uma nova fronteira do que
veio a se configurar o neopentecostalismo, cujos pressupostos podem ser encontrados nos
discursos e práticas construídos a partir do ethos evangélico-pentecostal emergente e
multifacetado na América do Norte, sobretudo nos anos 1950-60226, somado a ingredientes do
contexto cultural brasileiro, que especificamente marcado pela presença religiosa de cultos de
matriz africana. Essa conformação religiosa foi desenvolvida e radicalizada por antigos
seguidores do fundador da Nova Vida, como visto nos capítulos 2 e 3, que, juntamente com
suas igrejas vieram a ser destacados atores no cenário religioso, midiático e também político
brasileiro. Esse movimento passou a ser conhecido e reconhecido como neopentecostalismo.
Dessa forma, quando assumiu a liderança da igreja, Walter tinha o estímulo da conjuntura
para avançar em práticas neopentecostais em função do sucesso de público e financeiro que
este movimento vinha alcançando. Mas ao mesmo tempo sentia a necessidade de tomar
direção oposta a este modelo, tipificado, especialmente, no exemplo da IURD, que na época
era muito criticada por igrejas históricas e também pentecostais tradicionais227.
John, neto de Roberto e filho de Walter, será o personagem mais destacado neste
capítulo. Faz-se necessário, por isso, uma breve apresentação do atual pastor regente da
Catedral para se compreender sua trajetória e a perspectiva de onde ele fala. A pessoa em
relevo no capítulo 2 foi Roberto, o avô, e no capítulo 3, esteve em maior evidência Walter, o
pai. A voz e as posições de John serão mais evocadas agora.
John Robert McAlister – mais um Robert numa linhagem de vários que carregam esse
nome entre os McAlister – nasceu no Rio de Janeiro em 3 de abril de 1983. Cresceu na igreja
e, como seu pai, estudou na Escola Americana do Rio de Janeiro. Conforme contou, seus
mentores na Escola Americana sugeriram a ele buscar ingresso numa ótima universidade228.
Mas não era isso que queria, segundo afirmou. Recordou que, embora:
Filho de pastor, neto de pastor, bisneto de pastor, trineto de pastor (...), não cresci
cobrado por isso, não cresci com essa expectativa e nunca nutri essa expectativa

226
Para um panorama desse contexto a partir de doutrinas diversas e ebulição de televangelistas, ver: Bruce
(1990).
227
Na pesquisa “Novo Nascimento” (CÉSAR et al, 1998), a IURD foi a igreja que recebeu a nota mais baixa –
os evangélicos em geral a avaliavam com a nota 5.
228
Em diálogo com uma de suas colegas na Escola Americana, Maria Rita Vilela, atualmente antropóloga e
professora da PUC-Rio, me contou que John era aluno academicamente brilhante (15 set. 2015).
192

pessoalmente. Apesar de ouvir, sim, de meus pais – principalmente de meu pai – que
ficaria muito feliz se um dia Deus me chamasse para o pastoreio (J. MCALISTER).

Neste contexto da entrevista mencionou Roberto McAlister contando uma experiência


com o avô:
A memória mais marcante que tenho do meu avô foi no verão de 93, foi às vésperas
do seu transplante de coração. Ele me chamou à parte, no escritório da casa dele, em
Charlotte, para me falar do dia do meu nascimento e o que ele sentiu a meu respeito,
desde a maternidade. (...) Creu num propósito de Deus para minha vida. Ele não
explicitou para mim naquela conversa – eu só tinha 10 anos (risos) – que propósito
era esse, mas que ele sentia, de coração, que [Deus] estava me preparando para ser
um servo dEle. Então eu cresci com essa expectativa de servir a Deus (J.
MCALISTER).

John relatou mais adiante na entrevista o seu desejo pessoal, bem como a vontade e
necessidade de seu pai para a Nova Vida, o que resultou numa perfeita convergência:
Sempre fui um homem dos livros, sempre gostei de estudar. Então eu senti que eu
poderia ajudar, lecionando, ajudando no ensino à denominação. Meu pai falava
disso, de um anseio dele por um instituto bíblico, um seminário próprio. Eu disse:
Bem, para isso eu posso me preparar, gosto de estudar; por que não estudar
teologia?! Então como não vi nenhuma perspectiva aqui, pensei, se eu for para fora
eu quero ir para a melhor faculdade evangélica lá (J. MCALISTER).

Buscando juntamente com seu pai uma universidade dentre tantas nos Estados Unidos
descobriu a instituição onde estudaram “Billy Graham, John Piper e outros líderes do mundo
evangélico”. Assim, John disse que decidiu: “é pra lá que eu quero ir”. Em 2001 ele seguiu
para o estado norte-americano de Illinois, onde estudou por quatro anos no Wheaton College,
uma instituição protestante de linha teológica não claramente calvinista mas reconhecida por
sua identidade histórica conservadora e fundamentalista. John contou na entrevista: “Fui com
18 [anos] e voltei com 22, graduado em Línguas Antigas Bíblicas e pós-graduado em
Teologia, estudos teológicos gerais. Um mix de teologia sistemática e histórica”. Refletindo
sobre continuar ou não os estudos e ingressar no doutorado, John contou que “num momento
de oração ao Senhor por uma definição eu senti uma forte convicção de que Deus queria que
voltasse logo ao Brasil”. Retornou para o Brasil no final de 2005, mas ressaltou que sem a
intenção de ser ordenado pastor, porém convicto de voltar para auxiliar o pai. No entanto,
continuou John, estando seu pai muito atarefado pelo acúmulo de diversas funções, ele
(Walter) falou: “Filho, eu preciso pastorear a denominação, preciso que você assuma a igreja
local, eu preciso te ordenar”. John revelou que “foi uma surpresa e não foi uma surpresa! Eu
me senti muito aquém da responsabilidade, mas senti: Bem, se essa era a convicção dele a
meu respeito, se Deus tinha me preparado até aquele ponto, bem, vamos em frente”. Imbuído
dessa segurança John McAlister foi ordenado em 26 de setembro de 2008, aos 25 anos de
idade. “Aí começou minha trajetória pastoral”, resumiu. No mês seguinte, coincidindo “com o
193

problema grave de saúde de minha mãe”, Walter se licenciou da direção da igreja local e John
assumiu as funções de regente da Catedral. Nesse período ele já não estava solteiro. Em
fevereiro daquele mesmo ano (2008) havia se casado com Raquel, brasileira, filha de pastor,
com quem tem dois filhos, estes de nomes com grafia do nosso vernáculo: João Felipe e
Teodoro.
Voltando às percepções de John acerca das pressões sofridas por seu pai no contexto
dos anos 1990, ele narra tal cenário voltando à trajetória entrecortada de seu avô, Roberto, e
as consequências dela advindas:
Ele foi um autodidata, foi pegando [ensinos e práticas] aqui, ali. Sua história até o
fim de sua vida é uma colcha de retalhos. Mas se abrindo muito para umas
tendências esquisitas, já neopentecostais. Eu me lembro de meu pai compartilhando
isso comigo, a necessidade dele ter recursos para lidar com todas essas inovações da
década de 90 do cenário neopentecostal brasileiro. Muitos ministérios bombando
(risos) e ele já sendo cobrado, comparado com meu avô e precisando se posicionar e
se definir (J. MCALISTER)229.

John fez essa abordagem no contexto da não formação acadêmica de seu avô, que ele
lamentou, por entender que tal lacuna teria deixado Roberto refém de uma falta de
embasamento teórico para melhor definição doutrinária. Por isso, “abrindo-se muito para
umas tendências esquisitas já neopentecostais”. Segundo John, após Walter assumir a direção
da igreja, ele teria sido pressionado pelo contexto controverso230 dos anos 1990, com forte
crescimento neopentecostal, sobretudo da IURD, marcado por reações críticas da sociedade,
inclusive de outros segmentos evangélicos como pentecostais e históricos.

4.1 Sobre Roberto e sua interseção com o neopentecostalismo

A maneira como os fiéis se relacionam com a memória de Roberto e o descrevem diz


respeito ao estilo da igreja nos diversos contextos geracionais e históricos de seus membros.
Os entrevistados mais jovens, na faixa entre 22 e 31 anos, todos com formação superior, de
tradição religiosa evangélica e que não conheceram Roberto McAlister pessoalmente, mas

229
Entrevista concedida a este pesquisador em: 9 dez. 2015.
230
Os livros Supercrentes e Evangélicos em crise, de Paulo Romeiro (1993 e 1995) enfocam, de dentro do
segmento evangélico, esse contexto dos anos 1990, que ele classificou, especialmente no segundo livro, de
decadência doutrinária e ética da igreja brasileira, em função das práticas e concepções neopentecostais, aliados
a escândalos, inclusive morais. Ele destaca, por exemplo, Valnice Milhomens e sua teologia da prosperidade,
batalha espiritual e teologia do domínio. Também critica Edir Macedo, R. R. Soares, Miguel Ângelo e muitos
outros. Nesse ambiente foi exibida a minissérie Decadência, da TV Globo, como já comentado anteriormente.
Mariano (1999) também faz referências a tal contexto no segmento evangélico, mas, obviamente, sob
perspectiva sociológica, diferente do caráter apologético feito por Romeiro. Em suma, a quantidade, a
intensidade e a natureza de críticas aos neopentecostais, dentro e fora do contexto evangélico nos anos 1990 é
algo surpreendente e que merece ainda outros estudos e análises.
194

ouviram falar e puderem ler o livro Neopentecostalismo, de Walter, ou até assistir a alguma
pregação na internet, referem-se a Roberto como um “grande missionário”, “desbravador”,
“modernizador do pentecostalismo”. Mas, também, interpretam que ele estava cercado de
pessoas que desvirtuaram o trabalho dele e alguns até citam pastores midiáticos que passaram
pela Nova Vida e que hoje lideram grupos religiosos que não teriam semelhança ou qualquer
vínculo com a obra iniciada por Roberto. Já aqueles entrevistados no outro extremo etário, na
faixa entre 60 e 82 anos, todos sem formação universitária e de origem religiosa católica ou
espírita, que conheceram, ouviram e acompanharam diretamente a trajetória do bispo
fundador, reportam-se a ele como detentor de uma capacidade especial de pregar, de realizar
milagres, de fazer exorcismos, de encantar as pessoas com sua mensagem. Falam dele
envolvido como que numa atmosfera sobrenatural em que pessoas eram curadas, libertas e a
pregação era capaz de arrebatar muita gente para as fileiras da igreja. Insistem que era uma
pessoa séria e que viveu para cumprir essa tarefa de pregador e realizador de milagres. Ao
contrário dos mais jovens que criticam personagens que vieram a ser pastores e bispos saídos
desse contexto da Nova Vida, os mais antigos que conviveram com ele afirmam,
contrastivamente, que pastores como Romildo R. Soares, por exemplo, praticam hoje o que
McAlister fazia no seu tempo de atuação, uma espécie de ofensa ou blasfêmia para os mais
jovens que declaram ser o grande legado de Roberto precisamente seu filho Walter, com seu
modelo reformado e comprometido com a “Palavra”.
Como geralmente acontece, a memória do passado é ressignificada pelo presente sob
as condições dos interesses atuais231. A campanha de redirecionamento da denominação sob
renovadas interpretações do pentecostalismo e da figura de Roberto McAlister empreendida
por Walter sugere alcançar êxito, já que o que é dito pelas gerações mais novas sobre a
postura do fundador e da Igreja de Nova Vida em seus primórdios difere daquilo que
entendem e concebem pessoas de mais idade e que experimentaram o contexto do trabalho de
Roberto até o início dos anos 1990.
Oriundo da Igreja Cristo Vive, fundada por um ex-liderado de Roberto, um jovem
entrevistado na catedral, Ângelo, 25 anos, universitário (Farmácia), comentou sobre uma foto
no templo principal da igreja da qual se afastou, situado no bairro do Campinho, região de
Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro232. Seu comentário sobre essa foto sugere uma

231
Dentre diversos textos que tratam desse tema da memória, ver artigo em que, a partir de Pollak e Halbwachs,
os autores enfocam a ressignificação do passado pela memória evocada no e pelos desafios do contexto presente
(CASTRO, DUSILEK E FERNANDES SILVA, 2016)
232
O endereço do templo é Rua Maricá, 320. Também chamado de Catedral e Sede Mundial da IECV, ele tem
capacidade para cinco mil pessoas, além de um anexo e outro templo auxiliar que comporta mil pessoas. Além
195

disputa pela verdadeira identidade do bispo, bem como uma busca por reconhecimento e
legitimação a partir da associação com essa imagem:
Lá [na Cristo Vive] eles tem uma imagem, um quadro do próprio Roberto
McAlister. Só que a imagem que o Miguel Ângelo passa do Roberto não é a
imagem, de fato, do Roberto. Ele passa a imagem do Roberto como se ele
concordasse com tudo o que ele [Miguel Angelo] falava. Mas ledo engano. Uma
grande mentira isso. Ele, de fato, vive nessa ilusão, passa essa ilusão pra gente e usa
indevidamente a imagem dele [Roberto McAlister] lá dentro (ÂNGELO).

Ele detalhou sua avaliação, colocando o fundador da Nova Vida e, por decorrência,
seu filho Walter num polo sagrado, sendo que no extremo oposto estão líderes religiosos que
saíram da Nova Vida e fundaram outros grupos neopentecostais:
O bispo Roberto McAlister foi um homem de Deus, foi um homem cheio do
Espírito Santo, um profeta de Deus, mas que, infelizmente, alguns que estavam ao
redor dele, de fato, eram falsos profetas. Muitos que estavam ali próximos não eram
de Deus. Claro que o legado dele foi o próprio filho, bispo Walter, que é um homem
de Deus (ÂNGELO).

Bruno, outro jovem de 28 anos, estudante universitário de Química e também


proveniente da IECV, fez uma abordagem mais distante e básica de Roberto. Situou-o,
historicamente, como aquele que deu início e organizou a Nova Vida, mas envolvido numa
penumbra de práticas pentecostais ou neopentecostais avaliadas como negativas. Porém,
atualmente, compreende a igreja como tendo outra direção e estruturação doutrinária, que é o
que lhe satisfaz:
[Sobre] o Roberto McAlister a gente já ouvia na [Igreja] Cristo Vive. O pregador de
lá, no caso, saiu da Nova Vida. Então já ouvia falar dele lá. E o que eu entendo sobre
o nome Roberto McAlister é que ele foi o fundador da Igreja Nova Vida.
Inicialmente por ter começado eu creio que tiveram alguns erros, questão de
pentecostalismo, algo relacionado a isso, mas com o tempo a igreja foi se
renovando. Como hoje é uma igreja reformada e que está buscando sempre se
reformar, busca cada vez estar centrada na Palavra (BRUNO).

Sobre o bispo fundador, o jovem César, 22 anos, com formação acadêmica, contou
que por meio de leituras e também de testemunhos obteve informações que o ajudaram a
construir uma visão de Roberto McAlister como um ser iluminado envolto por uma força
espiritual especial, capaz de chegar num lugar onde ninguém o conhecia, desenvolver uma
trajetória e “influenciar a vida de milhões de pessoas”:
Esse livro Neopentecostalismo eu li em uma tarde, porque a leitura é muito gostosa.
Falando da história bem lá do início, Bispo Roberto, no país dele até a vinda [para o
Brasil]. Então na verdade o que me vem à cabeça é o poder da mensagem do
evangelho. Porque isso eu penso: como um homem pode chegar num lugar e
começar a pregar e influenciar a vida de milhões de pessoas? Então, o que me vem à
mente é justamente essa influência que eu acho que é sobrenatural (CÉSAR).

da sede, a IECV possui 50 igrejas espalhadas pelo Rio e o Brasil e mais outra em Lisboa, Portugal. Dados do
site: http://igrejacristovive.com.br/ (acesso em: 16 dez. 2016).
196

Este entrevistado narrou uma experiência de ter encontrado aleatoriamente alguém e


ter desenvolvido uma conversa que conduziu à evocação da memória de Roberto McAlister
na referência da Nova Vida, mostrando, portanto, como sua imagem resiste depois de tanto
tempo:
Um dia desses estava no ônibus com a bíblia na mão e aí um senhor vestido bem a
caráter assim assembleiano, terno bem fechado no calor, ele falou: paz do Senhor,
varão! Eu falei 'paz do Senhor’, você é de que igreja? Ele falou: sou da Assembleia
de Deus de Bangu, e você? Aí, eu falei que era da Catedral da Igreja Cristã Nova
Vida. ‘Ah, a do Bispo Roberto?’ ‘Isso mesmo!’ E todo mundo conhece, todo mundo
conhece. Aí falou do programa da Rádio Relógio, dizendo que ouvia direto
(CÉSAR).

A passagem do tempo é capaz de produzir revisões de fatos passados chegando até a


alterar interpretações acerca de personagens, que podem sair de um extremo para outro
conforme novas versões vão sendo socialmente formatadas. Os jovens de hoje que veem ou
compreendem Roberto McAlister pela chave de leitura de Walter e também de John
McAlister afirmaram que ele é um modernizador do pentecostalismo e que conseguiu no
modelo da Nova Vida um hibridismo entre estilo de igrejas históricas e pentecostais. Também
Walter, naturalmente, fez análises do Roberto dos anos 1960 a 1990 à luz da realidade em que
vive atualmente, o que o leva a afirmar que seu pai já estava se abrindo para a tendência
doutrinária que hoje abraça. No entanto, fiéis mais antigos bem como pastores tanto da
ACNV quanto vinculados ao CMINVB referem-se a Roberto como alguém pentecostal, sem
qualquer traço doutrinário calvinista, mas “totalmente arminiano”. Já líderes de outros grupos
como IECVe IIGD pelas interpretações de entrevistados, falam da imagem de Roberto bem
próxima de uma identidade neopentecostal, detentor de práticas de curas, exorcismos e
pregador de prosperidade, inclusive quanto a pedido de recursos financeiros nos cultos. De
fato, isso demonstra como um personagem é construído a partir das percepções e interesses de
seus distintos seguidores que disputam seu espólio visando convergir e legitimar seus
interesses atuais.
David, um jovem de 31 anos, com instrução superior, de família assembleiana,
comentou sobre Roberto, também pelas histórias que ouviu e pelo que leu a respeito dele, bem
como de sua contribuição para outro modelo de igreja no Brasil:
Desde garoto, por meio de um pastor que considero como avô, ele sempre me falava
muito dele [Roberto] como um grande missionário, como um grande homem de
Deus. Eu não o conheci pessoalmente, mas já li seus livros e o que sei a respeito foi
um grande homem de Deus, que criou ou deu uma nova cara para uma igreja, de
maneira geral, que há hoje, mais moderna, talvez. Talvez uma mistura entre as
igrejas tradicionais com o pentecostal, uma igreja mais avivada (DAVID).
197

Dúvidas e suspeições acerca do Roberto, bem como reconhecimento e apoio formam


um pêndulo nessa interpretação de sua atuação e legado. Como mostra a abordagem
tergiversa do jovem Eliseu, 24 anos, com formação universitária (Ciências Contábeis),
abaixo:
Eu o vejo como um desbravador, missionário. Por aquilo que estudei da história da
Nova Vida, um cara que veio para cá bem intencionado, mas muita coisa que ele fez
foi distorcida. Ou alguém bem intencionado transformou isso em outra coisa. Talvez
ele tenha errado. Até no próprio livro do bispo Walter ele fala isso, pela ansiedade
do pai, muitas coisas ele quis fazer e talvez tenha dado errado, com certeza por ser
homem, isso é inevitável. Mas foi um divisor. Foi um cara que trouxe para o Brasil
uma tendência nova, vamos dizer assim, de observar o pentecostalismo. Saiu
daquela visão assembleiana de pentecostalismo, bem tradicional. Foi algo diferente
(ELISEU).

A consideração acima se destaca pela crítica, mesmo cuidadosa, feita pelo jovem a
Roberto, o que é incomum ou praticamente inexistente principalmente de entrevistados com
mais idade que com ele conviveram: “Talvez ele tenha errado”, ou, “ele estava bem
intencionado”, defendeu, mas entendendo que muita coisa foi distorcida.
Walter, possivelmente, seja a pessoa da ICNV que mais faz críticas a Roberto, embora
num pêndulo em que do outro lado revela muita paixão e reconhecimento. Como a querer
humanizar aquele que foi meio “canonizado” no contexto das igrejas de Nova Vida,
principalmente por aqueles de geração que conviveram com ele. “Não escrevo (...) para pintar
o quadro de um Bispo Roberto imaculado”, explica-se o filho, para quem, Roberto foi um
“homem falho, apressado e vaidoso – como bom ser humano que era – mas também temente a
Deus como poucos, exímio pregador, articulador de grandes empreitadas em favor da igreja e
uma referência para milhares de evangélicos” (MCALISTER, W., 2012, p. 30, 32). Na
entrevista Walter discorre sobre o pai segundo este mesmo pêndulo que tem caracterizado sua
análise de Roberto:
Meu pai foi muito carismático. Ele era um comunicador espetacular. Ele era um
homem inesquecível. Todos quantos sentaram debaixo para vê-lo ou que o ouviram
pela rádio Relógio falam dele com um saudosismo, às vezes exagerado, eu acho. Já
o beatificaram, imerecidamente. Mas ele é um homem que superou limitações muito
grandes, origens muito humildes, então ele foi um homem espetacular (W.
MCALISTER)

O jovem Eliseu, 24 anos, atuante colaborador na distribuição da Ceia nos cultos na


Catedral, fez uma análise de Roberto num misto de reconhecimento e também de certa
desconfiança dos frutos que teriam resultado de sua ação, pelo menos do que afirmam advir
deles líderes neopentecostais que atualmente disputam sua memória:
Pelo que eu li, na década dele aqui no Brasil aconteceram coisas de fato, que
mudaram a igreja no cenário cristão, principalmente aqui no Rio de Janeiro. Só que
assim, dentro do que ele fez se deveria pegar a parte boa, dos frutos. A gente ouve
associar muito esse neopentecostalismo distorcido ao Roberto. Não sei se isso é
198

100% certo. Não confiaria assim, de associar o que acontece hoje tem a ver com ele.
Talvez não. Talvez [os líderes neopentecostais] ouviram alguma coisa e distorceram.
E falam: quem me ensinou foi... [bispo Roberto]. Talvez não tenha sido (ELISEU).

Nesta mesma direção que busca distanciar Roberto de qualquer responsabilidade de


práticas religiosas que são hoje alvos de muitas críticas por diversos segmentos da sociedade,
Walter explica: “Alegam que o Bispo Roberto teria sido o pai do que hoje conhecemos como
neopentecostalismo e de suas práticas bizarras e sincréticas – e que a Igreja Cristã Nova Vida
rejeita com veemência”. Acrescentou ser “indagado constantemente” sobre a influência que
seu pai teria sobre líderes de outras denominações como “Edir Macedo, R. R. Soares e Miguel
Ângelo”, revelando que “tais homens saíram de nós, mas não refletem quem meu pai foi nem
repetem o que supostamente teriam aprendido com ele” (MCALISTER, W. 2012, p.28). Essa
posição é reforçada e esclarecida por outro depoimento, cujo autor, um pastor na igreja em
Botafogo, não nega vínculos da Nova Vida com tais personagens acima citados, mas salienta
diferenças dizendo que aqueles líderes distorceram as ações do fundador. Comentando sobre a
liturgia do culto, isto é, a forma como se desenvolvem as reuniões religiosas estabelecidas por
Roberto, o referido entrevistado explicou:
Muitas igrejas que foram abertas até após o nascimento da Nova Vida e o seu
crescimento acabaram tomando isso como um exemplo. Alguns distorcendo,
infelizmente, mas acabaram tomando como exemplo. E hoje temos muitas igrejas,
muito boas, que ainda que não carregue no seu nome a Nova Vida, mas muitos dos
seus fundadores e líderes carregam no seu coração a influência do bispo Roberto.
Isso fez bem (RAGNER).

Participando ativamente há quatro décadas na Nova Vida, Ester, 60 anos, falou com
base numa crença e prática religiosa própria e comum nos tempos de Roberto que evoca a
diferença da igreja hoje inclusive pela mudança geracional de pai para filho na gestão da
igreja. Por sua visão, Roberto é identificado por sinais eloquentes indicativos do
pentecostalismo-neopentecostalismo:
Uma coisa que hoje em dia a gente não vê: o mover do poder de Deus ali nas
pregações dele [Roberto], no que acontecia. Isso eu não tenho visto. As pessoas
serem curadas... E ele não tinha essa pretensão de ser, mas Deus fazia as coisas. O
sobrenatural de Deus muito forte, que eu não vi isso em lugar nenhum. Não vi.
Depois da morte dele ficou diferente. Pelo menos na denominação. Pelo menos na
igreja onde o bispo Roberto era o líder e passou para o pastor Walter, que agora é
bispo, eu não vi. Logo depois a coisa foi caminhando diferente. Antes tinha muito
milagre, muitas pessoas se convertendo naquele momento. Hoje eu não vejo isso.
Não tenho visto. Não sei se é assim em outras igrejas, mas não tenho visto não. Esse
mover de poder era uma coisa fantástica, o poder sobrenatural dentro da igreja
(ESTER).

O modelo religioso formatado por Roberto McAlister conjugava práticas pentecostais,


embora com certo controle e organização, mais afeito a um padrão das classes médias – que
desde os primórdios foi seu público base –, com flexibilização nos usos e costumes além de
199

uma liturgia previamente estruturada, “com hora para iniciar e terminar”, segundo enfatizou o
bispo Tito Oscar na entrevista à pesquisa. Araújo (2007) comenta sobre “uma liturgia bem
organizada e dinâmica, com hora certa para o início e o fim” e analisa que “o pentecostalismo
deixou de ser associado à desorganização e imprevisibilidade, caindo bem ao gosto da
exigente classe média” (ARAÚJO, 2007, p. 370). No entanto, mantinha essa concepção
doutrinária e consequentes práticas religiosas (glossolalia, curas milagrosas, exorcismo,
recolhimento de dízimos e ofertas, profecia) que identificava o pentecostalismo. Conforme se
observa pela fala da entrevistada acima, tais práticas, vistas por ela como “sobrenatural de
Deus” e que eram “muito forte”, já não mais acontecem no modelo religioso praticado e
enfatizado atualmente no contexto da ICNV. Como também se verificou na pesquisa de
campo pela avaliação dos cultos na Catedral e na igreja em Botafogo, principalmente, e mais
duas outras igrejas no Rio de Janeiro vinculadas à Aliança. Além desse esvanecimento, houve
alteração na natureza do discurso em prol de um modelo com doutrinas e liturgias associadas
a um viés do calvinismo, que tem sido a campanha desenvolvida pela direção episcopal de
Walter. A fala dessa entrevistada, que viveu intensamente a realidade pentecostal em
Botafogo com Roberto e depois se transferiu para a Catedral do Recreio juntamente com
Walter, evoca o grau de mudanças ocorridas na Nova Vida, principalmente entre Roberto e
Walter, incluindo com este, John McAlister. Portanto, se a liderança não estimula a
reprodução dessas práticas pentecostais por meio de seus instrumentos de socialização
(pregações, orações, cânticos, publicações) certamente haverá diminuição ou, possivelmente,
até retração social desse modelo para as novas gerações. Embora a mudança seja parte da vida
social, inclusive nas transições geracionais, a socialização conforme a cultura de um grupo é
tida como motor fundamental da reprodução social (DURKHEIM, 2011, 1971; WEBER,
1994; MARX e ENGELS, 1991; BOURDIEU, 2008; BERGER, 1996, 1985; ORTNER,
1989a).

4.2 Comparando o passado com o presente

Ao serem estimulados a comparar em termos de preferência o passado da Nova Vida,


a partir do conhecimento possível que tiveram ou que vivenciaram no período de Roberto
McAlister e a realidade atual sob o bispado de Walter e a regência de John os fiéis
entrevistados mostraram percepções que podem ser agrupadas em três blocos. A pergunta se
justificava porque gerações mais antigas que convivem com as mais novas na igreja
comentam da época mítica de Roberto. As mais jovens também têm acesso a livros e vídeos
200

de e sobre Roberto. Muito embora esta geração dos mais idosos seja minoria, afinal já é
passado quase um quarto de século só da morte do fundador. O passado é cada vez mais
evocado como memória que vai distanciando das gerações mais novas e ele está sempre em
disputa:
O passado, como é sabido, não é um fato em si, nem unívoco em sua interpretação
para os mesmos personagens envolvidos em determinado episódio, inclusive para os
que estariam de um mesmo lado em uma disputa. A compreensão do que foi o
passado é um dado aberto e passível de novas revisões, pois, como construído a
partir do presente, está sujeito às mutabilidades da conjuntura com seus fluxos de
força hegemônica e contra força gerando novas interpretações (FERNANDES
SILVA, 2013 f. 8).

Na interpretação ou disputa por este passado, um primeiro grupo agrega pessoas


concordantes de que há linha de continuidade com a “pregação da Palavra” assim como com o
culto que teria praticamente a mesma estrutura litúrgica de sempre. Embora não tenham
falado da possibilidade de diferença na compreensão e interpretação das pregações nas duas
épocas, assim como possíveis alterações nos conteúdos litúrgicos, pois agora não há mais
exorcismo, profecia e glossolalia de maneira pública. Ou seja, na avaliação desse primeiro
grupo, a estrutura formal pode ser semelhante: canções, pregações, orações, ofertas, enfim, no
entanto, o mesmo não se pode afirmar quanto à natureza dos conteúdos, que, como sugerem
outros entrevistados, passou por mutabilidade. Mas insistiram que, “o cuidado com a
pregação”, essa entendida como fundamental, não sofreu praticamente mudanças.
O segundo grupo, no lado oposto, considerou que “mudou completamente”, afinal, a
igreja da era Roberto “desapareceu”. Alguns ilustraram dizendo que não ocorrem mais curas
milagrosas, pessoas falando línguas estranhas nem ainda manifestação sobrenatural, restando
atualmente daquilo que foi da época antiga quase que somente a pregação. No entanto, como
reclamaram alguns, ela tem base no calvinismo, que, segundo esclareceram, é um assunto que
o bispo Roberto jamais abordou. Esse grupo era formado por membros com mais tempo na
igreja e que vivenciou a era McAlister. Os entrevistados mais antigos falaram reiteradamente
de uma religiosidade sobrenatural, marcada por milagres e outras ações espetaculares da era
Roberto e relembram esse passado com certa nostalgia. Já os mais jovens, evocando o
ambiente que experimentam atualmente referem-se a igreja como sendo confessional,
litúrgica, reformada, calvinista, mesmo mantendo retoricamente a tradição histórica
pentecostal.
Um terceiro grupo, embora em menor número e formado por jovens mais adultos,
considerou que a igreja se adaptou à dinâmica dos tempos sem perder o essencial. Percebe-se
que os mais jovens, segmento etário especialmente ativo nos programas de formação
201

religiosa, tem maior e melhor consciência, além de aceitação, da campanha calvinista


empreendida pela direção episcopal para forjar e fortalecer uma nova identidade da igreja. Ou
seja, a ICNV que vai sendo formatada e conformada por tal doutrina tem a fisionomia dessa
geração, e ela é marcadamente despentecostalizada, em contraponto ao modelo típico-ideal do
pentecostalismo das gerações mais antigas do período de Roberto McAlister. Algumas
pessoas idosas e com menor escolaridade não foram capazes de comentar acerca de
expressões que entre os mais jovens são bastante identificadas e facilmente comentadas, como
“doutrinas da graça”, “predestinação”, “reformado”, “calvinismo”, “arminianismo”. Portanto,
é possível afirmar que as gerações mais antigas e mesmo outras mais jovens desprovidas de
uma básica formação religiosa nos fundamentos reformados, não percebam ou não
compreendam exatamente o projeto que visa dotar a igreja de outra identidade doutrinária, o
“pentecostalismo reformado”. Embora do primeiro termo do binômio quase não se verifica
qualquer sinal nos cultos públicos, já as evidências da segunda palavra são várias, e serão
ainda melhor apresentadas, neste capítulo, especialmente no tópico que aborda o panorama
etnográfico dos encontros litúrgicos.
Ao avaliarem o passado, pelo que leram ou ouviram falar, alguns dentre os mais
jovens criticaram o estilo de outrora como que imbuído de aspectos próprios do
neopentecostalismo, porém, agora, demonstram satisfação de que a igreja tenha “corrigido”
essa trajetória, seguindo hoje o modelo histórico, confessional. Importante esclarecer que
alguns jovens não notam mudanças ou não puderam falar, pois somente conhecem a igreja
como ela é agora. Alguns destacaram que antes não tinha escola bíblica para formação
continuada dos fiéis segundo as crenças e práticas defendidas pela igreja, mas que agora essa
estrutura existe, funciona de maneira sistemática e se orgulham disso, pois seria um fator
revelador dessa seriedade voltada para o estudo da “Palavra”. Interessante essa menção, pois
as igrejas associadas ao protestantismo histórico, em geral, possuem organização de escola
bíblica dominical, com investimentos em professores, espaço físico adequado, material
bibliográfico, recursos didáticos. Mas é uma prática inexistente ou pouco usual entre igrejas
do campo neopentecostal, principalmente com atividades direcionadas para jovens e adultos.
No capítulo anterior quando falou de desintoxicação do pentecostalismo, Walter destacou a
importância de escola bíblica nas igrejas históricas e é este modelo que está implantado na
catedral pelo empenho de John e Marcelo. Ele se constitui num exemplo paradigmático para
outras igrejas da Aliança.
Dentre os pastores que conviveram com o fundador, destaca-se o líder da igreja de
Botafogo, bispo Luiz Paulo de Góis Cavalcante, a quem perguntamos sobre possíveis
202

mudanças entre o período da regência do bispo Roberto e o contexto atual da Nova Vida sob
Walter. Antes de analisar sua reposta é importante conhecer um pouco sobre sua história. Luiz
Paulo, pardo, 58 anos, nascido no Rio, sua mãe era assembleiana quando jovem, mas foi
excluída da igreja quando se casou com seu pai e cortou o cabelo. Luiz Paulo contou que foi
hippie na juventude e se converteu aos 18 anos, na Igreja Nova Vida de Bonsucesso. Relatou
que bispo Roberto realizou a cerimônia de seu casamento bem como o ordenou a diácono e
depois também a pastor, fato este ocorrido em 1986. Portanto, trata-se de alguém próximo,
principalmente pela família de sua esposa que era ativa na igreja em Botafogo. Igreja onde
seu sogro atuou como presbítero e colaborador de Roberto. Bispo Luiz Paulo avaliou as
mudanças dentro de um panorama mais geral, destacando também o que se manteve, mas não
situou outras práticas pentecostais que havia e que desapareceram na liturgia atual:
Mudou porque a época mudou também. Acho que se o bispo Roberto tivesse vivo
teria mudado também bastante. Acho que o que não mudou foi a pregação da
Palavra. Nós temos sempre a pregação da Palavra. O louvor nosso não é aquele
louvor tão tradicional - embora o bispo Walter goste mais de louvores tradicionais.
Mas a pregação da Palavra é o que é ainda hoje (L. PAULO).

Em seguida, sem interferência do pesquisador, fez menção a mudanças doutrinárias no


contexto atual, mas relativizou com uma avaliação de mudanças que teriam ocorrido também
sob Roberto, como tem dito e repetido Walter:
Mas mudou muito também a doutrina da igreja. Bispo Walter tem trazido coisas
novas, tem estudado, tem feito algumas mudanças em nossos conceitos. Bispo
Roberto também era um estudioso, ele estava sempre mudando também, sempre
procurando, descobrindo, estudando, conversando com outros líderes. É como diz o
bispo Walter, o bispo Roberto tinha essa noção, mas ele não tinha um estudo
profundo, academicamente. E bispo Walter já tem esse lado acadêmico (L.
PAULO).

Luiz Paulo fez uma narrativa de mudanças comparando Roberto e Walter, atribuindo a
este alterações doutrinárias mediante a formação que teve na pós-graduação:
Sim, ele [Walter] trouxe essas mudanças... O bispo Roberto quando começou aqui
veio da linha da Assembleia de Deus pentecostal, depois ele passou para a igreja
carismática, que ele dizia, somos pentecostais, mas cremos no carisma, no poder do
Espírito Santo. [Depois] chegamos ao sistema episcopal, desde o bispo Roberto. Já o
bispo Walter tem uma linha reformada, desde que ele começou a estudar. Tem essas
semelhanças e tem essas mudanças também que aconteceram (L. PAULO).

A trajetória religiosa de Roberto revela um pentecostal típico marcado pelo dom de


línguas (glossolalia), como era a identidade básica da Assembleia Pentecostal canadense.
Depois, no contato com pregadores pentecostais estadunidenses ele desenvolveu práticas de
cura e profecia, que seriam outros carismas do Espírito Santo, conforme se refere bispo Luiz
Paulo na entrevista. Sobre essa outra dimensão do carisma pentecostal, Roberto enfatizava a
ponto de realizar eventos especiais chamados de “Semana Carismática”, conforme informou
203

bispo Tito Oscar em sua entrevista. Era uma atividade especial composta de pregações, curas,
profecias, manifestação de línguas e libertação. Esta última prática, entendida como expulsão
de demônios da vida de uma pessoa, Roberto desenvolveu aqui no Brasil. Como relatou bispo
Luiz Paulo, de fato, entre o passado e o presente o que de fato se manteve foi a pregação. Sob
a direção episcopal de Walter, estas ênfases carismáticas como milagres, revelações,
manifestações públicas de glossolalia e libertação de demônios não são estimuladas nem
salientadas.
Pastor Ragner Chagas, 51 anos, branco, casado, três filhos adultos, psicólogo, oriundo
de família batista, converteu-se na adolescência na Igreja Nova de Vida de Caxias, mas
frequentou esporadicamente a igreja de Botafogo liderada à época pelo bispo Roberto. Após
pastorear outras igrejas, inclusive em Portugal onde fundou a ICNV de Lisboa, depois foi
auxiliar bispo Walter na Catedral233, há 10 anos é pastor na igreja de Botafogo, que é liderada
atualmente pelo bispo Luiz Paulo. Pastor Ragner comentou sobre como nota essas alterações.
Ele conheceu Roberto, embora tenha tido mais aproximação com o fundador somente após ter
se tornado pastor, em 1992, e por um tempo curto, pois no ano seguinte Roberto veio a
falecer. Numa reunião do Presbitério, em Botafogo, dias depois de sua ordenação, Ragner
contou de seu encontro com o bispo Roberto, quando durante o culto o bispo pediu aos
pastores que se ajoelhassem para oração:
Recordo que fui apresentado a ele e, naturalmente, fiquei orando próximo a ele.
Depois senti as mãos dele assim, sobre os meus ombros, me chamou para o canto e
acabou dividindo comigo uma palavra profética que eu guardo no meu coração até
hoje. Algo dessa palavra se cumpriu, algo não se cumpriu, mas eu via um carinho
nos olhos dele. Eu tenho no bispo Roberto um pai, um exemplo (RAGNER).

Perguntei se poderia relatar o teor da profecia, mas ele disse que era pessoal. Em sua
análise sobre possíveis mudanças, considerou: “Certas facetas sim, certas facetas sim. Não
mudaram na essência, nos princípios. A sociedade está sempre em mudança e a igreja acaba
acompanhando essas mudanças dentro da sociedade e também acaba se questionando em suas
próprias práticas litúrgicas”.
Na avaliação da trajetória da Nova Vida em seus diferentes períodos e lideranças os
entrevistados, em geral, percebem mudanças. Alguns identificam com mais clareza do que
outros que percebem com menos sinais. Uns notam bem e gostam muito delas. Outros as
reconhecem e denotam desconforto e chateação com as mesmas. Alguns entrevistados que
não notam alterações identificam apenas o período em que estão na Nova Vida, geralmente
mais curto e que compreende o tempo do pastor John McAlister na regência da Catedral.

233
Quando a Catedral estava no antigo templo da Avenida das Américas, no bairro do Recreio dos Bandeirantes.
204

A maioria dos jovens entrevistados foi convergente em afirmar de que houve, sim,
muitas mudanças e falaram com entusiasmo demonstrando satisfação com as modificações. Já
os idosos revelaram desconforto e até irritação com as mudanças atuais, porque destoariam
muito do que foi a igreja na era do bispo fundador e pelas práticas por ele desenvolvidas.
Na defesa da tese das mudanças muitos entrevistados lembraram como evidência a
questão da alteração da nomenclatura, pois anteriormente a igreja se chamava Pentecostal de
Nova Vida e, atualmente, se denomina Igreja Cristã Nova Vida. E isso, como já foi visto, não
diz respeito à simples troca de termos, senão, uma profunda alteração de rota em busca de
outra ação e identificação. Tanto internamente quanto para fora da denominação. Como se
evidencia pelas conexões que o bispo passou a manter com grupos religiosos mais
aproximados de sua visão, em proporção semelhante ao seu afastamento de rodas e grupos
associados ao neopentecostalismo e à teologia da prosperidade. Walter tem sido convidado a
falar em eventos234 desse segmento calvinista do ambiente evangélico, que vai se fortalecendo
com a difusão de ideias e ideais associados ao amplo espectro reformado.
Entrevista de Bruno, um jovem de 28 anos que veio de outra denominação
neopentecostal, comentou da disparidade em relação à realidade litúrgica, como cânticos e
pregação, na ICNV:
Eu consigo ver diferença do início ao fim. Vejo diferença, bastante. A questão dos
louvores [falou em comparação a sua antiga igreja, a Cristo Vive]. Hoje em dia em
muitas igrejas, eu creio, o louvor está voltado para o homem. E nós aqui entendemos
que o louvor, aqui está incluído em salmos. Porque os louvores são cânticos e são
voltados para Deus, principalmente para o engrandecimento de Deus. E em outras
igrejas, às vezes, foge um pouco disso, de o louvor ser voltado para homens.
“Receba a cura, a unção”235, enfim, e tudo o mais. Mas aqui o louvor é voltado só
para Deus, eu vejo essa diferença. Tanto na Palavra, quanto no louvor. Aqui não é o
engrandecimento do homem de quando o pastor aumenta um pouco a voz e todos
aplaudem. Isso aqui não [existe], o que normalmente tem em igrejas que eu já
frequentei. A diferença é engrandecimento do homem no altar, que aqui não tem
nenhum e o louvor voltado para Deus (BRUNO).

De fato esta estrutura do culto, incluindo tópicos básicos como pregação, orações e
cânticos, é fortemente “direcionada para Deus”, ou seja, a maneira de expressão do pastor ou
bispo demonstra que o público alvo da liturgia é a divindade. No que evidencia uma diferença
saliente da ICNV em relação a outras igrejas do segmento evangélico, sobretudo
neopentecostais, quando a forma de comunicação do pastor se volta para uma espécie de

234
A Conferência Fiel, evento anual de formação segundo postulados calvinistas, o Encontro Vinacc (Visão
Nacional para a Consciência Cristã), também anual, ambos com grande apelo de público, além de outros:
http://conscienciacrista.org.br/ (acesso em: 20 dez. 2016).
235
Ele explicou que é letra de um cântico muito usado em igrejas pentecostais que enfatiza um “louvor” voltado
para atender aos interesses humanos e não para a “glória de Deus”, como deve ser, enfatizou.
205

interlocução com o público presente236. É possível afirmar, em termos típico-ideais que


enquanto na média das igrejas evangélicas a imagem teológica de Deus é utilizada como
mediação para se atingir o público participante, na ICNV as pessoas presentes servem como
mediação para o pastor dirigir-se e conduzir as pessoas à “glorificação de Deus”. De outra
maneira pode se afirmar que no primeiro caso “Deus” é instrumentalizado para se falar às
pessoas e no contraponto, os presentes são instrumentalizados e doutrinados para se chegar
até Deus e se falar não dele, mas a ele, isto é, a Deus.
Narrativa de um jovem, César, 22 anos, que viveu desde os sete anos na Nova Vida
reafirmou as mudanças e comentou da satisfação de hoje ser uma igreja reformada:
Com certeza mudou! Eu acho que a gente se tornou uma igreja muito mais
confessional. Na verdade até para coroar essa ideia temos agora a nova confissão de
fé da igreja. Então, na verdade, a Nova Vida ainda não se identificava na época do
Bispo Roberto como uma igreja reformada. Se não me engano, eu até vi o Bispo
Walter postar algum dia alguma coisa do tipo "nossa como eu gostaria" - não, acho
que foi no livro mesmo – "como eu gostaria de dividir com meu pai as coisas que eu
tenho descoberto". Ele falou de vários pregadores reformados, vários... Então foi
uma coisa que não alcançou a geração do Bispo Roberto, apesar de ter sido um
trabalho tão abençoado, a gente consegue ver. Então, a diferença fica clara nisso. A
nossa geração agora, acho que somos uma igreja mais confessional, uma igreja
identificada mesmo como uma igreja reformada. Então, acho que essa é a grande
diferença. Apesar de preservar muito das raízes (CÉSAR).

David, 31 anos, de raízes assembleianas, explicou suas razões para estar e se


identificar com a ICNV, tanto por razões racionais de planejamento e organização, além de
diferenciações doutrinárias quanto por questões de rigor no cumprimento de horários, pois
igrejas como Assembleia de Deus, de onde ele é oriundo, já foi reconhecida como não tendo
horário certo para encerrar um culto, afinal, a liturgia seria conduzida conforme a vontade do
Espírito Santo, logo, sem hora predeterminada para terminar.
A minha questão de mudar e preferir passar para a Nova Vida foi essa: ter uma
direção, uma linha de culto, o tempo gasto, a dedicação da igreja. Mas direção, de
você ter liberdade, se sentir a vontade, até porque peguei uma Nova Vida, vamos
dizer, mais pentecostal nessa época. Ainda assim havia um cuidado com o horário,
com a reverência no culto, questão de tempo de música, tempo de louvor, momento
de ofertório, momento de Palavra. A igreja foi sempre muito criteriosa nisso, de
você respeitar, primeiro a presença de Deus e também cumprir com seus horários,
com Palavra, com tudo (DAVID).

Tendo vindo de uma Igreja Metodista renovada, isso é, pentecostal, Claudia, 36 anos,
enfermeira com formação universitária, comentou a disparidade que identificou na realidade

236
Destaco aqui acompanhamento que fiz de dezenas de pregações da IURD em função da coleta de dados para
a pesquisa do Púlpito à Mídia (MACHADO, 2000). Estive em anos recentes em algumas unidades da IURD e o
padrão de falar direta e preferencialmente ao público, não a divindade, permanece. Em outras igrejas
evangélicas, como batistas e presbiterianas, assembleianas em que estive diversas vezes, o modelo é
genericamente semelhante.
206

da ICNV, numa análise bem próxima do entrevistado anterior, mas destacando a importância
do estudo coletivo da bíblia:
A diferença que lá não tem uma linha certa, o que tiver no culto é bem-vindo. Na
Nova Vida senti essa diferença, o culto tem início, meio e fim. Tem uma linha, uma
direção e um final que você já consegue visualizar. Essa uma é uma diferença. Uma
outra é o espaço que se dedica a Palavra, o tempo que se dedica a palavra. Em outras
igrejas que frequentei, na linha mesmo na Metodista, você tem um tempo enorme
para a música, para as oportunidades e quando chega na palavra tem 20 minutos que
pregador corre para não te segurar tanto tempo. Aqui a gente tem um tempo curto de
louvor, uns três ou quatro louvores, depois vêm os anúncios e já é a pregação. Então
tem um tempo grande para se debater a Palavra, para ensinar, para aprender. Não é
corrido. Você consegue acompanhar o que está sendo passado (CLAUDIA).

Oriundo de uma igreja Nova Vida que,quando da mudança de nome efetuada por
Walter, optou por não se tornar ICNV, pois preferia as doutrinas e práticas pentecostais ou
neopentecostais, como ele afirma, Eliseu, jovem casado, 24 anos, explicou sua adesão ao
grupo da ACNV, inserindo na reposta sua esposa, que estava ao seu lado na entrevista:
A IPNV de onde a gente veio era um discurso neopentecostal. Não era nem
pentecostal clássico, nem tradicional como a batista. Era algo misturado que tendia a
Silas Malafaia, que tendia a prosperidade, que tendia a psicologia, mas não era
cristocêntrico, não era voltado para a Palavra. Tinha muita programação, de segunda
a domingo e eu participava de todas as atividades para jovens. Mas tinha
programação para todas as faixas etárias e no domingo o culto para todos.
Quanto a diferenças aqui mesmo, a gente chegou num local diferente, a Avenida das
Américas, então nessa migração pra cá algumas pessoas saíram. A gente na verdade
não sabe tão bem o motivo, a razão de essas pessoas terem saído (ELISEU).

Sua explicação revela também que pessoas têm deixado a ICNV, inclusive quando
saiu do templo anterior para o atual. Pelas considerações de outros entrevistados, inclusive
pastores, a transferência da sede da igreja da Avenida das Américas no bairro do Recreio dos
Bandeirantes para a atual localização da Catedral reforçou o caráter que a igreja vem
perseguindo de uma identidade mais tradicional e menos carismática, embora assumindo
discursivamente o binômio de ser pentecostal-reformada.
Ester, senhora já mencionada, sexagenária, que atua ativamente há mais de 40 anos na
Nova Vida comentou das mudanças reclamando que a igreja anda “muito parada” e
transpareceu que desejava voltar à era Roberto com mais milagres e manifestações
sobrenaturais:
Estou vendo as coisas muito quietas. Deus muito quietinho. Eu sei que ele está no
controle. Claro, cada um tem a sua relação com Deus. Deus tem abençoado cada um,
mas nada assim que seja tão grande. Se bem que eu passei por um testemunho
fantástico, aqui, de novembro para cá. Deus fez uma obra muito grande na minha
vida, para mim foi muito grande. Um problema que eu vinha carregando há 40 anos
e num dia Deus resolveu. Foi muito profundo. Foi sobre casamento, eu e meu
marido... Mas eu estou assim, eu vejo as coisas estão muito paradas (ESTER).
207

Para esta entrevistada, que “viu o sobrenatural de Deus” conforme declarou


anteriormente, com tantas manifestações miraculosas na época do bispo Roberto, percebeu o
contrário, ao dizer que agora “Deus está muito quietinho”. No modelo de pentecostalismo
anterior Deus se manifestava de maneira sobrenatural, como diversos depoimentos revelaram,
inclusive de Walter relatando os encontros míticos na ABI. Atualmente, “Deus se manifesta”
verbalmente de forma racional mediante discursos sobre ele e para ele, conforme sermões
pregados pelos pastores na ICNV237.
Analisando ainda a estrutura doutrinária e as práticas religiosas da igreja que ela
vivenciou sob Roberto, numa comparação com o presente, entrevistada fez duras críticas ao
modelo que é atualmente defendido e apreciado pelos jovens, que tem como base a doutrina
calvinista. Interessante salientar que antigamente jovens saíam da igreja porque julgavam que
era muito parada e agora eles gostam do estilo vigente, mais tradicional. Ao contrário dos
entrevistados de maior idade, que desejam uma religiosidade mais animada, dinâmica, isto é,
aproximada de um estilo tipicamente pentecostal. Sobre tais mudanças, a mesma entrevistada
da citação anterior, Ester, comentou sobre mudanças, confirmando que elas existem e que
podem ser vistas.
Vejo [mudanças]. Tenho até ficado insatisfeita com alguma coisa. Algumas coisas
que acontecem aqui na igreja. O tipo de pregação que... sinceramente eu falei que
vou fazer um protesto e vou fazer. Mas é porque eu vi o pastor John bebezinho.
Então eu tenho liberdade de falar com o pastor John certas coisas que, acho que
outro não teria tanto. Mas eu estou vendo uma liturgia, um tipo de pregação que não
está falando... Não está falando. É um tipo de pregação expositiva que está me
cansando. Não estou gostando. Eu falei que o único que está pregando atualmente a
Palavra é o Bispo Walter. Eu não to gostando do que estou ouvindo. Não sei se é um
defeito meu ou se as pessoas estão recebendo isso assim fácil, não sei, mas eu não
estou gostando dessa pregação expositiva. Acho muito cansativa, muito repetitiva.
Não estou gostando (ESTER).

O estilo de pregação calvinista, que é recebido de maneira positiva e por pessoas mais
jovens produz um sentimento inverso nos mais adultos. Conforme afirmou outra senhora,
Flávia, 70 anos, quanto ao questionamento se alguma coisa havia mudando, na era Roberto
McAlister, em relação à direção do bispo Walter e pastoreio do John na catedral: “Não tem
nada mais como foi. Tudo mudou”. Criticando tal alteração, pois sempre se referia ao período
do Roberto como um período especial, era reiterou seu desconforto entre estes dois
momentos: “Tudo mudou!”

237
Lembrando Simmel (1971), numa inferência a ser investigada em possíveis futuros trabalhos, o que era
pulsão (“fogo do Espírito” com todas as suas manifestações) se tornou numa forma. Por essa perspectiva, a
sociologia da forma pode ser um fator de identificação do que ocorreu com a Nova Vida de Roberto e a ICNV de
Walter e John.
208

Fernando, 73 anos, de nível médio de instrução, destacou a transformação que a igreja


tem passado, avaliando isso de maneira positiva. Ele percebe que ICNV deixou práticas mais
identificadas com o pentecostalismo, voltando-se para o ensino da bíblia no sentido de dotar
os crentes de uma formação religiosa conforme a visão doutrinária abraçada atualmente pela
liderança:
É o que eu digo: a igreja antigamente tinha outro padrão, era inclusive Igreja
Pentecostal Nova Vida, hoje é Igreja Cristã Nova Vida. Hoje a tendência dela é mais
os ensinamentos. Inclusive, aqui não havia escola bíblica dominical, hoje nós temos
Escola Bíblica Dominical.

Educação bíblica e teológica, incluindo formação doutrinária básica para crianças e


novos membros, tem sido um investimento educacional continuado feito pela Catedral e que
vai sendo adotado por outras igrejas, como Botafogo, Copacabana e Tijuca, também visitadas
para esta pesquisa. A capacitação doutrinária de todos os crentes é um projeto que vem dando
resultados, pois as falas dos próprios entrevistados mais jovens revelam dominar uma
gramática teológica atinente à visão calvinista da liderança da ICNV.

4.3 Diferenças entre Catedral e outras congregações

A partir da ótica dos entrevistados, principalmente, mas também de visitas a algumas


congregações da Igreja Cristã Nova Vida foi possível identificar diferenças bastante
substantivas entre o padrão da Catedral e o estilo de outras igrejas filiadas à Aliança.
Certamente que dentro de uma mesma associação religiosa existem muitas variações de
comunidades locais, pois diferenças de classe social, de espaço geográfico, de formação
educacional, de faixa etária, enfim, produzem resultados múltiplos de uma mesma matriz
religiosa. São abundantes as paróquias católico-romanas espalhadas pelo mundo, com
distintivos comuns bastante fortes e sólidos que fazem a integração do grupo, no entanto, não
é uma denominação religiosa uniforme nem monolítica, mas com alterações culturais
peculiares, próprias de cada contexto onde foi inserida. Na Igreja Cristã Nova Vida, no
entanto, as diferenças são, às vezes, agudas, comprometendo a identificação da igreja. Um
entrevistado, o jovem proveniente da AD, revelou:
Já vi em redes sociais pessoas que admiram o bispo Walter, seus ensinos e sua
maneira de pensar. Então procuram uma Igreja Cristã Nova Vida próximo de sua
casa, mas quando chegam lá o ensino não é idêntico. Já vi isso várias vezes. Pessoas
já chegaram para mim e falaram que é diferente entre o que ouvem do bispo na
internet ou [leem] nos livros dele e [quando] procuram [o mesmo] numa Igreja
Cristã Nova Vida perto de casa. E é verdade (DAVID).
209

Percebendo que existem tamanhas diferenças em questões fundamentais a ponto de


comprometer a identidade denominacional há um empenho intencional e um projeto
institucional do bispo primaz em tornar a igrejas mais assemelhadas à catedral não
necessariamente de uniformidade, mas de unidade em torno de um conjunto de doutrinas e
também de práticas religiosas. Em reuniões do presbitério ele afirmou que tem buscando
despertar os pastores para esta realidade e tem procurado dar as orientações acerca do padrão
básico da ICNV, mas nem sempre o resultado é o esperado. Alguns pastores têm saído da
denominação, obviamente levando consigo suas igrejas, e até mesmo algumas delas já foram
excluídas da Aliança por decisão do próprio bispo primaz, como ele próprio revelou em
entrevistas, por considerar que abandonaram orientações doutrinárias e princípios defendidos
pela ACNV. Em entrevista, um pastor da equipe de liderança da Catedral revelou que o bispo
tem tido paciência com alguns pastores que ainda não seguem ou fazem “vista grossa” em
questões centrais da doutrina calvinista, mas que nem sempre será possível suportar doutrinas
diferentes e divergentes como associadas ao arminianismo.
Claudia, 36 anos, que já frequentou diferentes comunidades da ICNV, comentou esse
fato, que é notório entre os fiéis, questionando tal distância entre o que experimenta outras
igrejas e a realidade vivida na catedral:
Na minha visão [outras igrejas] poderiam se aproximar mais do jeito que é aqui [na
Catedral]. Porque se é uma Aliança, todos devem seguir a mesma doutrina, a mesma
linguagem, a mesma liderança. Não sei por que há tanta diferença entre uma [igreja]
e outra. Como sendo a mesma liderança [episcopal] pode ter tantas diferenças em
suas unidades? (CLÁUDIA).

Ela concedeu mais informações sobre essa realidade, contando de visitas feitas a
outras unidades da ICNV, em companhia de seu esposo, avaliando que algumas se
identificavam com o padrão vivido na Catedral, enquanto outras destoavam com grande
disparidade:
A gente frequentou [por] um tempo uma Nova Vida em Caxias e é bem a linha
daqui [catedral], assim como outra em Nova Iguaçu que também segue bem a linha
daqui, mas a gente foi a outras que tu olhava e falava: Isso aqui não é a Nova Vida!
(riso). Não é o mesmo culto. Eram mais livrezinhos em sua manifestação de culto. A
gente foi a uma que tinha dança, tinha grupo se apresentando lá na frente
(CLÁUDIA).

Neste sentido, David revelou que muitas ICNVs “acabam se assemelhando às igrejas
neopentecostais”, ao que seu cônjuge, que acompanhava a conversa, questionou: “como é que
uma mesma Aliança, um grupo que pertence a uma mesma liderança, tem suas realizações de
cultos tão diferentes? Como é que pode ser tão diferente?”. Percebe-se, portanto, que fiéis
alinhados ao modelo assumido e defendido atualmente pela liderança da ACNV e praticado a
210

partir da Catedral se incomodam com essas diferenças, que também são causadoras de
desconforto para o bispo e seus auxiliares mais próximos, o que tem gerado conflito e
resultado até em exclusão de pastores e igrejas que não se mostram abertos a se coadunarem
com as linhas básicas do padrão denominacional.
Em uma análise desses contrastes com base na diferença etária entre os pastores,
David contou: “Eu vejo, por exemplo, lideranças mais antigas, pastores mais antigos, com
linha mais pentecostal. Vi isso em igrejas no Rio e na Baixada Fluminense”. E sinalizou uma
possível superação dessa antagonia:
Eu prevejo, com o seminário hoje aqui formando pastores novos que estão seguindo
uma linha, daqui para frente, acho que pode se tornar uma unidade com as próximas
gerações. Tipo, um pastor novo que assuma uma igreja que é mais neopentecostal,
se ele assume essa igreja lá talvez possa haver certa mudança. Hoje, radicalmente,
acho que não vai mudar. Os pastores mais antigos são mais presos, seguros, para
mudanças. É muito radical (DAVID).

Segundo esse depoimento, dado por um jovem que é da Nova Vida desde quando
ainda era IPNV, já tendo participado de diversas comunidades no Rio e na Baixada
Fluminense, existem igrejas com hábitos associados ao neopentecostalismo e que são parte da
ACNV. Segundo ele, é uma realidade que não tem resolução fácil e que seria necessário que
novos pastores com a formação atual do IBRMEC viessem a assumir futuramente a direção
destas congregações para corrigir concepções doutrinárias e práticas religiosas tidas como
incoerentes e divergentes do padrão adotado a partir da catedral. Este caminho tem sido o
objetivo perseguido pela direção episcopal na campanha de reformulação identitária das
igrejas para que, por meio da formação teológica, os novos pastores tenham postura e práticas
atinentes ao modelo que tem sido pregado.
É possível que casos como este relatado pelo jovem sejam mesmo recorrentes em
várias igrejas, principalmente de pastores mais antigos que tiveram influência do
pentecostalismo de Roberto McAlister. E continuam a manter práticas pentecostais e inclusive
neopentecostais, conforme o entrevistado, pois não existe deliberadamente uma avaliação in
loco das igrejas. Em entrevista com o bispo perguntei se ele tinha alguma rotina de visita
anual às igrejas e ele revelou que não tem essa prática. E acrescentou que, às vezes, vai à
igreja de algum bispo quando é convidado. O inverso é o que acontece, pois semanalmente os
pastores e bispos vão até o primaz para ouvi-lo na reunião do presbitério que acontece na
Catedral, quando ele dá orientações teológicas e pastorais, por meio da pregação que serve
como formação e atualização dessa liderança.
211

Claudia, enfermeira, voltou a reafirmar sua inquietação com essa divergência entre
variadas igrejas e a própria catedral, situando inclusive essa situação de falta de controle mais
efetivo do primaz:
É essa diferença que eu não entendo: se você tem uma mesma liderança que é do
bispo Roberto, digo Walter, se ele aqui prega uma doutrina, uma linha, um
raciocínio, por que as outras [igrejas] que estão debaixo da liderança tem essa
diferença toda? E não sei se [elas] sofrem alguma interferência, ou não, dele. Porque
parece até que são congregações independentes, porque fazem seu culto do jeito que
acham que deve ser. Como na Nova Vida tem essa disparidade tão grande de uma
igreja para outra? Tem igrejas que a gente vê uma pessoa que às vezes é convidada e
ela vai à frente cantar, tem um grupo que às vezes vai lá se apresentar. Aqui [na
Catedral] você não vê isso. É sempre o mesmo ministro de louvor, ou é sempre o
pastor que está louvando. Então, até que ponto que elas conseguem ter essa
independência e manter interferência do líder da Nova Vida? Então, às vezes fico
meio perdida. Porque tem tanta diferença entre uma e outra (CLÁUDIA).

Essas questões de estrutura litúrgica tem sido alvo de análises críticas de alguns
entrevistados, conforme o depoimento acima, pois várias igrejas mantinham e ainda mantêm
participações individuais ativas dos crentes que sobrem à plataforma onde fica o púlpito e
lideram cânticos e orações. O que jamais acontece na Catedral onde toda a liturgia transcorre
sob a firme condução exclusiva do pastor, não havendo espaço para qualquer participação
pessoal de alguém da congregação. A não ser seguir o rito coletivo dos cânticos, acompanhar
em silêncio a leitura da Bíblia e a pregação. Nem mesmo as orações são coletivas, como
acontece em ADs, por exemplo, e mesmo na Nova Vida no final dos anos 1990. Naquele
período, já sob a direção de Walter na igreja sede de Botafogo as pessoas oravam
simultaneamente e de forma audível. Atualmente na Catedral não se abre espaço nem para
fala nem cântico individual. O poder sacerdotal, simbólica e efetivamente, está centrado na
figura do pastor, que controla toda a programação cultual, desde a saudação introdutória até a
oração final e despedida. Para exemplificar: Um culto dominical com duas horas de duração
tem, em média, dez orações, que não são curtas, entremeadas entre as diversas partes da
liturgia. Todas elas são feitas pelo pastor dirigente, no caso John McAlister.
Na entrevista da jovem acima, o esposo estava ao lado, que ratificou o que foi dito e
ainda acrescentou, dando sua visão de como deveria ser:
É isso mesmo. Eu vejo já alguns anos, nos últimos anos, aliás, e às vezes também
pessoas que questionam: Por quê? Às vezes não sei responder, ou não tenho como
responder, mas tem diferença. Sei que cada igreja tem a sua responsabilidade e a
liderança do Bispo Walter não pode interferir diretamente. A não ser que sofra
algum escândalo e aí é retirado da Aliança. Sei que há um Conselho de Bispos, que
não é que supervisiona, mas aconselha, dá a proteção para aquela região. Mas
diretamente na teologia não mexe muito. Não tem aquela restrição a ponto de dizer:
ah, tá errado! Tem que agir conforme a sua consciência, mas tem que pregar a
palavra (DAVID).
212

As igrejas, portanto, são autônomas e o bispo diretamente não as acompanha, o que ele
oferece e faz está na área de formação e orientação continuada aos pastores na reunião
semanal do presbitério, além dos vídeos e textos postados em redes sociais, visando ampliar e
ratificar o alcance de sua influência. Sem falar dos livros que publica tanto de sua autoria
quanto de outros autores pela Editora Anno Domini, que esposam ideias convergentes com
aquilo que a liderança aspira como padrão para pastores e igrejas. Embora todo esse esforço
da campanha de mudança cultural (ORTNER, 1989b, THEIJE, 2002) para construir unidade
com base num conjunto de crenças e rituais, igrejas têm saído da Aliança, o que nem sempre
ocorre por conta de escândalos, mas por divergências doutrinárias e por práticas tidas como
incompatíveis com aquilo que a liderança episcopal defende. Segundo avaliação do bispo, o
ambiente da ACNV é de segurança e pacificação, mas tem havido conflitos, como pastores
afirmaram e que tem resultado em desligamentos por motivações e razões variadas. Desde
incompatibilidade doutrinária até divergências relacionais ou problemas de suspeição no
tocante a recursos financeiros por parte de alguns pastores.
Eliseu, da idade de 24 anos e já citado outras vezes, contou das dificuldades que
pessoas enfrentam para se adaptarem a outras ICNVs, preferindo a Catedral, exacerbando
diferenças significativas, a ponto de residirem em bairros distantes, mas preferirem frequentar
a sede.
Muitas pessoas que hoje são membros aqui vieram de outras igrejas neopentecostais,
outras se converteram aqui ou vieram de ICNV de bairros em que elas moram, mas
não se adaptaram ao modelo de culto, liturgia e tal e preferem a catedral. A gente
conversa com pessoas aqui e dizem: Ah, vim da Vila da Penha, Caxias, Nova
Iguaçu. [E a gente pergunta:] Mas não tem ICNV lá? Sim, mas a gente não concorda
(ELISEU).

Esse jovem continuou sua narrativa falando que a saída para superar essas diferenças e
divergências está no investimento em ensino para os pastores e os crentes, a fim de aproximar
ou reduzir as disparidades entre outras igrejas e a catedral, que é vista como modelo ideal:
Acho que eles [líderes da Aliança] tentam passar uma mesma linha doutrinária. Um
pastor que assume uma ICNV passa pelo IBRMEC, recebe uma orientação de
ensino, só que é muito regional, é diferente você chegar numa igreja lá em
Araruama, ou São Vicente, um povo mais humilde e tal e às vezes não está aí para o
ensino. Sim, lá tinha gente que não sabia ler. Como fazer a pessoa entrar para o
IBRMEC? Não vai entrar na cabeça (riso). Mas acho que a grande diferença, eu
creio, é essa ênfase mesmo, de voltar para as origens, de tentar recuperar essa
questão dessa importância do ensino, no lugar de programações. Porque essa
tendência do neopentecostalismo de focar em tudo, menos em Cristo; de todos os
métodos possíveis: luzes, dinheiro, bem estar, menos Cristo (ELISEU).

Analisando a fala do entrevistado acima se deduz que pessoas “mais humildes”, isto é,
com menor formação educacional o que geralmente equivale a também menos recursos
financeiros preferem mais uma igreja com uma pregação e ensinos menos elaborados do que
213

uma ICNV como a Catedral com maior sofisticação intelectual nos sermões e estudos por
parte de seus líderes.
Essa crítica ao neopentecostalismo, que é identificado pelos fiéis que circulam por
outras igrejas, tem sido uma frequência e causado incômodo ao primaz. Em suas pregações e
ensinos, inclusive no contexto da reunião semanal com os pastores, ele tem abordado essa
temática, exortando todos a perseguirem o ideal de uma igreja longe dessas influências vistas
como negativas e negadoras da identidade buscada pela ICNV. De certa maneira, a crítica ao
neopentecostalismo feita pelos líderes está relacionada à falta de instrução dos fiéis.
Este mesmo entrevistado, jovem de 24 anos, relatou diferenças entre o que
experimenta na Catedral e o perfil da igreja onde se converteu, que anteriormente fazia parte
do grupo denominacional liderado por Walter:
Vou comparar a IPNV, de onde a gente veio, com a ICNV. Lá tinha ênfase em
ensino. Não como algo que tem um primeiro passo e depois vai para outro nível. O
ensino lá não tinha uma raiz histórica. Nem era pentecostal nem era reformado, era
livre. Se o pastor fosse pregar, por exemplo, ele iria falar sobre aquilo que ele
entende de teologia. A gente foi da última vez lá para visitar - só para visitar, pois a
gente já pertencia à membresia daqui - ele estava falando sobre escatologia. A
escatologia dele era uma mistura de amilenismo com milenismo. Aquilo que não é
nada bem compactado, que ouve o Malafaia falar uma coisa, ouve outro falar outra
coisa e vai misturando. Aqui não, aqui a gente consegue entender, que a nossa
teologia é reformada. É mais ajustada. Você chega e aqui vai te explicar o que é
milenismo, o que é amilenismo. Aqui a gente se identificou muito com a pregação
expositiva da Palavra. Porque a gente não estava acostumado com isso, era temática.
E em muitos casos era algo que o irmão tinha contado para ele [o pastor] no
gabinete. Aí ele vai lá e fala sobre isso, sobre um pecado. Isso era novo para gente, a
gente se identificou muito com essa coisa da pregação expositiva. Nossa que
bacana! A gente sabe que está seguindo este livro, essa carta [bíblica] e a gente
consegue entender melhor a Palavra dessa forma (ELISEU).

Possivelmente não seja comum fiéis pentecostais comentarem sobre a teologia de suas
igrejas, inclusive fazendo distinções mais específicas. Portanto, pela entrevista do jovem
acima, que é aluno da Escola Bíblica na Catedral, se identifique a eficácia do ensino lecionado
aos fiéis da igreja e a eficiência da campanha de mudança cultural da denominação.
Se os jovens, como no depoimento acima, se satisfazem com o tipo de doutrina e a
prática atual da Catedral, entrevistados de faixa etária idosa, como a reação dessa senhora
conforme a fala abaixo, criticam as mudanças feitas em contraposição á era Roberto
McAlister: “O que muda é a Reforma, é reforma. Reforma de Calvino, reforma não sei de
quê, não sei quem. Porque isso tira... Jesus é delicado, se você não der lugar a ele. A Reforma
tira isso, tira”. Se para os mais jovens o ensino reformado mediante a pregação expositiva
encaminha a igreja para aquilo que avaliam como o correto, o padrão a ser seguido, os mais
idosos compreendem exatamente o contrário, que a reforma e o tipo de pregação engessa a
igreja, distanciando as pessoas de Jesus Cristo e daquilo que ele pode miraculosamente fazer.
214

Essas concepções de cunho aparentemente apenas religioso revelam conflitos e disputas de


caráter sociológico acerca da identidade e prática de um grupo social em face de mudanças
geracionais e de trocas de lideranças.
Reforçando a ideia de que a igreja prima pelo ensino e assim deve se manter, outro
entrevistado, líder leigo, que tem estreita ligação com a direção da catedral e também com o
bispo primaz revelou que o projeto da direção episcopal é exatamente aprimorar e conduzir a
igreja por esse viés reformado: “Aqui a tendência é o estudo da Palavra, da Palavra pura em
si, não colocando pessoas no centro na história, mas a Palavra pura que mostra a figura
principal,que é Cristo”.
Essa compreensão tem incidido sobre outras concepções, inclusive na interpretação do
que seja pentecostalismo que é feita à luz das concepções reformadas e do protestantismo
histórico em geral. Antes de discutirmos sobre essas interpretações vamos analisar as questões
que visavam identificar a permanência de prática e identidade pentecostal. Portanto, no tópico
a seguir serão apresentados relatos de quem experimenta milagres, depois quem fala em
línguas e quem se autoidentifica pentecostal e, finalmente, que concepções possuem do que
seria pentecostalismo.

4.4 Do Pentecostalismo existencial ao nominal

Como foi dito já no capitulo 2, a Igreja de Nova Vida nasceu pentecostal por razões
diversas conforme algumas delas são aqui elencadas: 1) Porque seu fundador era de forte
tradição pentecostal pelo ambiente social de sua linhagem familiar; 2) Pelas experiências
narradas por ele como de natureza sobrenatural, próprias desse segmento religioso,
envolvendo curas milagrosas; 3) Porque antes de vir para o Brasil já mantinha contatos com
líderes pentecostais no país e quando se transferiu para cá permaneceu inicialmente envolvido
com grupos pentecostais como Assembleia de Deus e Igreja do Evangelho Quadrangular; 4)
Porque realizou cruzadas de evangelização com gramática e prática típicas do movimento
pentecostal, inclusive com exorcismos; 5) Porque registrou oficialmente sua congregação com
o nome de Igreja Pentecostal de Nova Vida.
Visando identificar pela percepção dos fiéis experiências tidas como essencialmente
pentecostais os entrevistados foram inquiridos acerca de milagres em sua trajetória de vida ou
na história de alguém em sua família. O objetivo foi verificar quais fiéis continuam no estilo
pentecostal mais encantado e quais aderiram mais à proposta de Walter. As aferições
mostraram que pessoas de mais idade e que conviveram com o bispo Roberto falam com
215

convicção sobre milagres no contexto do trabalho desenvolvido por ele como algo frequente
durante seu ministério. Como uma senhora, Flávia, 70 anos, parda, aposentada, oriunda de
Minas Gerais e mora no Rio desde seus 4 anos de idade, que contou sobre cura em sua
família, revelando profundo respeito e admiração por Roberto:
Meu filho nasceu de 5 meses e 20 dias, minha filha teve meningite meningocócica.
Eu estava na igreja e Jesus me tirou de todas as dificuldades. Por isso que hoje eu
digo: Bispo Roberto é..., ele foi pentecostal, o tempo todo. Era o que ele passava
para a gente. “Que Jesus Cristo faz, que Jesus Cristo é, que Deus é com a gente”.
Aqui [catedral] eu estranho um pouco porque mudou muito. Porque tinha cura
divina, muitas (FLÁVIA).

Ela continuou a falar sobre milagres relacionando Roberto McAlister com Romildo R.
Soares, da IIGD, que faz o programa televisivo Show da Fé, marcado por curas miraculosas:
Hoje eu gosto muito do missionário R. R. Soares, porque eu vejo muitos milagres
com pessoas muito necessitadas. O R. R. Soares foi auxiliar dele [Roberto
McAlister]. Ele conta testemunho, ele ajudou Bispo Roberto desde a ABI. Eu não
conheci ele na ABI, mas o R. R. Soares conheceu ele na ABI. E fala muito bem dele.
Ele diz mesmo: ‘meu pastor, meu pastor’. Ele ama muito o bispo Roberto
(FLÁVIA).

Prosseguindo com essa narrativa ela, que foi dedicada filha de santo no Candomblé,
fez uma reflexão acerca da importância de milagres, como viu antes com Roberto McAlister,
entendendo que esta é a doutrina de Jesus:
Quem é o maior milagreiro que eu conheci na minha vida? Jesus! E qual foi a maior
obra de Jesus? Necessidade, de condição financeira, doença.Não foi isso?! Na minha
Bíblia é isso! Então, eu gosto disso também. Porque ele faz milagre. Eu sei de onde
ele me tirou. Se ele não me tirasse eu acho que não estaria aqui. Hoje eu não teria
meus filhos, não teria meus netos, porque lutas eu tenho e bem feias, mas o Senhor
Jesus me dá vitória em todas elas. Então eu tenho que glorificar esse Espírito Santo
que está em minha vida, cuidando de tudo para mim. E é o Jesus que eu conheci,
porque eu não era nada, não tinha condição de nada (FLÁVIA).

Esta entrevistada afirmou que aprendeu sobre isso com Bispo Roberto e é interessante
perceber como usa uma estrutura de comunicação semelhante aos “testemunhos” de pessoas
ligadas à IURD e IIGD. Ela utiliza expressões, tal como “Jesus me dá vitória”, que são
comuns nessas igrejas que pregam o evangelho da prosperidade.
Como já visto no capítulo anterior, outros depoimentos de entrevistados,
principalmente idosos, destacaram a promoção de milagres efetuada por Roberto, como
acontecia na oração eletrônica do “Ponto de contato”, mas que, com lamento, afirmaram que
agora não existem mais práticas assim no contexto da Igreja Cristã Nova Vida.
Entrevistados jovens que não conheceram ou não conviveram com Roberto McAlister
e o contexto da igreja liderada por ele, responderam de maneira distanciada desse tema ou
numa abordagem mais próxima de igrejas do protestantismo histórico. Uma postura que não
descrê necessariamente em milagres, mas não situa essa prática como algo fundamental em
216

sua espiritualidade e na realidade da igreja. “Em relação a milagre, de saída de alguma


situação extraordinária, cinematográfica, eu acho que, talvez, não”, revelou Bruno, 28 anos.
David, relatou: “Já vi. Já vi. Às vezes, num culto mesmo a pessoa tá orando e Deus usa de
misericórdia. Nada de absurdo e nada exagerado, tipo programa do R. R. Soares, que tem
milagre toda hora. Não é bem assim” (riso). Eliseu, oriundo do Estado do Rio, esclareceu:
Aqui na ICNV, não. Lá [em outra Nova Vida 238] tinha essa ênfase. O culto de terça-
feira, que era culto de oração, mas era diferente do culto de oração daqui [catedral]
da quarta-feira. Era voltado realmente para cura, milagre. Lá tinha essa ênfase.
Apagava a luz, tinha um ambiente todo voltado para o misticismo, vamos dizer
assim (ELISEU).

Ele fez esses comentários com riso irônico, rechaçando o tipo de culto de oração
voltado para realização de milagres, pois é diferente do que acontece na Catedral, cujo
encontro semanal chamado ‘culto de oração’ segue uma estrutura similar aos conhecidos
cultos de oração de igrejas protestantes históricas. Eles ocorrem, geralmente, às quartas-feiras,
contendo cânticos coletivos, orações em grupo por situações diversas, inclusive pedido de
curas, mas tudo com discrição, além de estudo da Bíblia feito geralmente pelo pastor. Não há,
por exemplo, momentos específicos de “orações por milagres” com imposição de mãos sobre
alguém que precisaria receber uma cura, como acontecia, com frequência, nos tempos de
Roberto, principalmente na época mítica das reuniões na Associação Brasileira de Imprensa.

4.4.1 Glossolalia ontem e hoje

Procurando identificar sinais associados ao pentecostalismo foi perguntado aos


entrevistados se já falaram línguas estranhas, como aconteceu e quando foi que isso se deu,
para tentar captar sinais da identidade pentecostal da igreja durante os diversos momentos da
mesma conforme a proeminência de cada liderança, desde Roberto, passando por Walter, até
John McAlister. Outra vez os mais jovens são aqueles que declaram não terem passado pela
experiência de falar em línguas estranhas bem como são os que revelam não procurarem por
esse tipo de prática, diferentemente dos mais antigos que afirmaram já terem experimentado o
fenômeno da glossolalia. Ângelo, estudante da faculdade de Farmácia, 25 anos, que mora no
Recreio, esclareceu que jamais falou línguas estranhas e que associa tal comportamento a algo
mais emocional, coisa da qual desconfia:
Não, não, nunca falei em línguas não. Já experimentei um pouco do poder de Deus
no meu coração, uma sensação de presença de Deus muito grande. Porque Deus é
infinito. Mas eu costumo não confiar na minha emoção não. Não confio em minhas

238
Ele explicou que esta igreja segue sua caminhada de maneira independente. Quando Walter mudou práticas e
nomenclatura, de IPNV para ICNV, a igreja não aderiu a nova proposta do bispo primaz.
217

emoções não. Tendo mais à razão. A razão deve sobrepor às emoções, porque o
coração é enganoso (ÂNGELO).

Dentre todos os jovens entrevistados alguns disseram que nunca falaram em “outras
línguas” como fenômeno sobrenatural (glossolalia), e outros afirmaram já terem passado por
essa experiência, porém, explicaram que isso aconteceu somente quando eram pertencentes a
outras igrejas pentecostais, mas não na ICNV. Bruno, carioca e que mora no bairro da
Taquara/Jacarepaguá revelou: “Aqui, não. Confesso que eu não procuro ou não busco isso”.
Outro ainda reiterou também não falar, ao que insisti se nem mesmo particularmente ou de
maneira individual ele teria experimentado essa manifestação: “Não. Eu creio que esse não é
um dom que eu tenha” (risos). Pois alguns outros mais adultos que afirmaram já terem falado,
esclareceram que isso se deu de maneira particular e contida.
Eliseu, residente no Recreio, bem próximo à Catedral e que estava junto de sua esposa,
contou de sua trajetória em outra igreja de Nova Vida, quando ainda era IPNV, destacando
como foi tal experiência:
É aquele negócio de novo convertido, você não sabe muito bem, nunca tinha
participado de igreja evangélica nenhuma. Foi aquela sede de buscar não com
intenção porque eu tenho que falar, mas foi algo natural. Só que tinha pessoas
também, que a gente via que não era natural assim, era forçado (ELISEU).

Durante todo o período de acompanhamento dos cultos na ICNV jamais houve um


sermão ou palavras do bispo e pastores estimulando as pessoas a “buscarem o dom de
línguas”, portanto, em determinado grupo social se não há estímulo e valorização de uma
determinada prática (religiosa) ela tende a se enfraquecer. Muito embora no caso da ICNV a
manifestação de línguas não seja negada ou criticada deliberadamente, ela é, de certa forma,
“esquecida”. A campanha da direção da ICNV em busca de outra identidade de natureza
aproximada do protestantismo histórico, principalmente calvinista, revela a consequência da
redução ou inexistência de manifestações de glossolalia e outras ações associadas ao
pentecostalismo.
O mesmo jovem da entrevista acima, Eliseu, 24 anos, relatou sobre sua realidade
religiosa atual na Catedral Nova Vida onde é parte da membresia:
Hoje a gente tá aqui no Rio [catedral] há três anos. Estou nessa busca por teologia
boa, teologia reformada, há uns cinco anos. Então de lá para cá eu comecei a
entender melhor sobre isso. A gente tá casado há quase 2 anos e você [falou para a
esposa] nunca me viu falar línguas estranhas e nunca vai ver (risos). É um
entendimento diferente (ELISEU).

Sua descrição aponta para uma espécie de constrangimento por já ter falado línguas
estranhas, mas atualmente faz uma afirmação de que jamais voltará a isso, por considerar
outro tipo de entendimento acerca dessa doutrina, que não passa pela prática valorizada e
218

buscada pelos pentecostais. Já as pessoas de mais de 60 anos de idade e que viveram a era de
Roberto McAlister desvelaram experiências com memórias afetivas de um tempo bem
diferente em suas trajetórias e na vida da igreja. Uma entrevistada da terceira idade, Ester,
contou que ainda hoje vivencia, porém isso era mais frequente no período da liderança do
bispo fundador:
Sim, falo. Mais na época do pastor Roberto. Aqui temos uma disciplina de falar em
línguas, mas entre você e Deus. Antes podia falar no culto. Não que [atualmente]
seja proibido, mas temos uma disciplina de falar mais particularmente, até porque
ninguém vai entender. É mais entre você e Deus. Como diz o bispo Walter, o
Espírito está subjugado. Aqui não se permite essas loucuras que tem por aí. Essas
liberdades loucas. Porque no fundo, no fundo, tem pessoas que extravasam.

De fato, a liderança episcopal mantém a afirmação doutrinária do dom de línguas, mas


aceita sua manifestação somente de maneira individual e particular, jamais no culto público.
Aceitar as línguas como fenômeno possível na experiência pessoal é o que chamam de
contemporaneidade dos dons espirituais ou “continuísta” em oposição à “cessacionista”.
Todos os entrevistados mais antigos e que falaram línguas em tempos passados afirmaram
que hoje não é mais permitido no culto, porque a palavra do pregador é a única autorizada
neste tipo de reunião. Alguns disseram que na época do bispo Roberto ele já não permitia que
alguém o interrompesse para falar línguas enquanto ele pregava. Porém, havia manifestação
coletiva de glossolalia, sem impedimento, na liturgia durante o período de cânticos, mas isso
já não acontece na era atual. Durante o tempo de coleta de dados na pesquisa de graduação,em
1996, que desenvolvi na então sede da Igreja de Nova Vida em Botafogo, essa prática de
línguas estranhas acontecia coletiva e audivelmente, mas apenas durante o momento de
cânticos entoados pela congregação. Já atualmente, em todos os cultos de que participei nas
diversas ICNVs e na catedral, principalmente, isso jamais ocorreu.
Flávia, aposentada e pensionista, que reside no Recreio dos Bandeirantes, relatou sua
experiência dos tempos antigos da igreja:
Sim, já falei. Em Botafogo eu sempre falei muito na hora santa ceia. Aqui [na
catedral] não se pode falar alto, só pode falar baixo. Assim aprendi em Botafogo.
Com o bispo Roberto lá a gente falava muito em línguas, como no culto da saúde, às
quartas-feiras.

Esse tipo de culto temático com ênfase em tópicos específicos, conforme informou a
entrevistada, era comum na igreja em Botafogo sob a direção de Roberto McAlister. Hoje é
uma prática totalmente extinta e inexistente na atual ICNV, pelo menos na Catedral. Mas
continua em muitas igrejas neopentecostais, como IURD e mesmo em outras denominações
identificadas como Nova Vida e possivelmente, segundo alguns entrevistados, até em igrejas
ligadas à Aliança (ACNV).
219

Bispo Walter avaliando estas concepções e práticas de acordo com visão que vem
implantando na igreja mediante sua campanha de mudança cultural, que identificamos como
despentecostalização, considerou: “Não cremos que o propósito de línguas seja para o culto
público. É mais um dom que diz respeito ao devocional individual, para edificação própria e
não para o culto público”. De maneira semelhante ele explicou a questão das curas:
Oramos antes e depois do culto por qualquer pessoa que nos pedir. Quem precisar,
também temos óleo. Estamos sempre de prontidão para orar pelos enfermos. E
pessoas são curadas. Temos ouvido testemunhos. Mas não fazemos cultos de
milagres, essa prática pentecostal avivalista. Essa prática tem mais a ver com
avivamento, campanhas. Achamos que dons podem funcionar normalmente na vida
da igreja. Não precisam ser tão espetacularmente promovidos (W. MCALISTER).

Durante os meses de frequência aos cultos na catedral, bem como em outras igrejas da
aliança em que estive nunca percebi, antes, durante ou depois dos cultos, pessoas pedirem
para serem ungidas com óleo ou mesmo solicitarem uma oração individual com o bispo ou
pastores.
Avaliando o estilo da prática pentecostal no ministério de seu avô e como atualmente
seu pai e ele compreendem essas doutrinas, John McAlister explicou:
Nós não buscamos repetir as mesmíssimas iniciativas ou posturas ministeriais do
nosso fundador, até por enxergarmos como essas ações foram mal interpretadas e
equivocadamente repetidas dentro de um contexto evangélico muito mais formado
por um catolicismo romano e um espiritismo do que pelo cristianismo protestante
reformado bíblico. Então, não eu não vejo menos ação do Espírito [hoje], eu vejo
como conseqüência da busca pelo Espírito uma necessidade de reavaliação, de
revisão de uma certa reforma em nossas práticas (J. MCALISTER).

Para o pastor regente da Catedral, a compreensão da doutrina do Espírito Santo hoje


não significa repetir as práticas pelas quais o pentecostalismo foi identificado historicamente,
conforme fez seu avô. Agora ele ilumina as reformas que a igreja precisa desenvolver, cuja
base doutrinária advém do calvinismo, o que redunda no processo entendido classificado por
esta tese como despentecostalização.
Sobre glossolalia, inquirimos os pastores acerca dessa prática e se eles próprios
vivenciam tal experiência no espaço do culto em suas igrejas ou em reuniões do presbitério.
Bispo Luiz Paulo contou que no culto do presbitério “pastores falam línguas, levantam as
mãos, dizem amém, aplaudem” salientando a diferença da sede: “Na Catedral o culto é bem
mais tradicional, eles conduzem um culto bem mais tradicional”. E completou falando do
estilo de Botafogo e outras igrejas: “Aqui é diferente. Eu não levo o culto assim e muitas
igrejas nossas também [não]. Comentei com pastor Ragner Chagas que percebi diferenças
entre o estilo de culto na catedral e o que presenciei no encontro dos pastores, bem na linha
destacada pelo bispo Luiz Paulo, ao que Ragner comentou:
220

Em [reunião do] presbitério, hoje, o bispo Walter deixa os pastores bastante à


vontade. Deixa os pastores bastante à vontade! Temos uma liturgia que não é muito
diferente dos nossos cultos públicos. Temos um momento de louvor, cantamos
algumas músicas, as igrejas logo após são atualizadas dos assuntos denominacionais.
Depois de os pastores se confraternizarem. Isso é bom, é uma característica de nossa
denominação. Os pastores se reúnem uma vez por semana e isso é fantástico. E
também trazemos nosso compromisso financeiro junto à sede, a nossa oferta e
depois ouvimos a palavra do primaz. Então a liturgia, se você for colocar direitinho,
não é tão diferente. É bastante semelhante (RAGNER).

Assim como Luiz Paulo e Ragner Chagas, pastor Marcelo Maia, da Catedral, afirmou
que sim, fala línguas, mas não publicamente, apenas “intimamente”. Insisti com Marcelo se a
frequência já foi maior quando entrou para a Nova Vida ou se fala mais atualmente. Ele
respondeu:
Olha, não é algo que a gente faça no café da manhã enquanto ‘tá comendo torrada,
não (risos). Eu lembro de um, mais recente, no retiro de pastores, em agosto.
Momento de oração muito intenso, muito fervoroso em que houve essa
manifestação, a das línguas. Então uns tem mais, outros, menos. O próprio bispo
Walter ele é assim mais fluente nisso do que nós (risos) – eu e o John
(MARCELO).

O pastor regente da Catedral revelou que fala línguas “desde adolescente”, mas
somente “em particular”. E explicou, dando justificativa: “Nunca fiz isso público, por
obediência às Escrituras. Por não discernir alguém que tivesse o dom de interpretação no culto
público. Então nunca ocorreu no culto. Em contexto de culto público, só em oração particular
em voz baixinha”. Questionado se tal prática continua a ocorrer atualmente ele foi assertivo:
“Sim. Normalmente. Regular. Em casa e mesmo no contexto do culto público, não
audivelmente para que todos ouçam. Mas no momento de louvor congregacional, seja no
período de intercessão pela igreja ou de intercessão pessoal, sim”. Neste mesmo sentido Bispo
Walter corroborou:
Não cremos que o propósito de línguas seja o culto público, mas é mais um dom que
diz respeito ao devocional individual. Tanto que Paulo trata disso 1 Coríntios 12, 13
e 14 sempre cercado de muitos cuidados, deixando a entender que dom de línguas é
mais apropriado para edificação própria e não para o culto público (W.
MCALISTER).

Na tradição do pentecostalismo clássico, sobretudo o assembleiano de onde procede


Roberto McAlister, falar em línguas estranhas de maneira audível e no decorrer do culto são
práticas reconhecidas e valorizadas. E isso ocorria também na Igreja Nova Vida, como
testemunhei em Botafogo sob a direção litúrgica do próprio Bispo Walter e já relatado no
início deste trabalho. Isso continua mais em igrejas do Conselho. Participando de um culto na
Igreja Nova Vida do Catete, pastoreada por Roberto Leal, ex-genro de Roberto McAlister, o
pastor falou línguas estranhas algumas vezes durante a pregação, com respostas de muitos
“glórias” e “aleluias”, evocados bem alto, por vários crentes participantes do culto. Nesta
221

parte da entrevista conforme acima citada, Walter, no entanto afirma que o dom de línguas é
reservado para a devoção individual, não para o culto público. O que é uma negação de parte
da essência litúrgica de um culto típico da tradição pentecostal.

4.4.2 Autoidentificação como pentecostal

Além de ter enfocado assuntos identificados como sendo de natureza pentecostal em


que os entrevistados foram ouvidos, também foram questionados direta e claramente se eram
pentecostais e como compreendem o ser pentecostal. As respostas, como sempre, diferiram,
principalmente em relação ao corte geracional. Todas as pessoas idosas e adultas que também
conviveram com Roberto McAlister assumiram categoricamente a identidade pentecostal,
justificando que ser cristão equivale a ser pentecostal. Uma entrevistada, Brenda, carioca e
residente na Barra da Tijuca, teorizou: “Eu entendo que um cristão não se diga pentecostal,
mas na verdade não existe um cristão que não seja pentecostal. Ninguém seria cristão sem o
Espírito Santo”. Com concepção semelhante outra mulher, Ester, moradora de Jacarepaguá,
questionou: “Não sei o que não é ser pentecostal?!” Já dentre os jovens, alguns responderam
com firmeza e, às vezes, até com o sorriso, como se isso fosse assunto passado, afirmando não
serem pentecostais. Alguns titubearam para responder e outros ainda disseram ser
pentecostais, mas do seu próprio jeito. Ainda outros afirmaram um meio termo, como
Claudia, nascida no Rio e moradora de Jacarepaguá, que declarou:
Hoje, se fosse dizer hoje, diria que nem tanto. Diria que não. Não vou dizer que não
creio. Eu creio sim. Mas se fosse para intitular, meio difícil de eu dizer... Hoje eu
não me identificaria assim: Ah, eu sou um pentecostal. Bem, se alguém me
perguntasse se sou pentecostal eu diria que não. Mas eu creio [nos dons do Espírito
Santo]. (CLAUDIA).

Usando expressão que é comum entre os líderes, David, 31 anos, originário da AD,
explicou: “eu diria que eu sou porque eu creio na manifestação dos dons”. O grifo é meu para
destacar o que ele afirmou que crê, mas esclareceu que não busca essa manifestação. Já outro
jovem, Eliseu, residente no Recreio, discorreu sobre o que entende ser pentecostal e
mencionou uma identidade que tem sido construída atualmente no contexto da igreja pelo
líder Walter:
Eu me consideraria um pentecostal reformado. Porque é mistura do bom
entendimento do ensino bíblico com o fervor. Porque assim, a gente tem os dois
extremos. O homem tende aos dois extremos, ou só fogo ou só a cabeça, só pensar.
Nem vai ter palma. Ou muito só glória, nada de Palavra. Então não tem um meio
termo. Então acho que esse título que a gente tá discutindo de pentecostal reformado
traz à tona essa questão do equilíbrio. De tentar pegar aquilo que você lê, estuda e
entende e transformar isso em oração de fervor, não em esquizofrenia, em excesso.
222

De igual modo, uma jovem senhora, Brenda, 42 anos, que é professora de crianças na
Escola Dominical na Catedral, fez sua interpretação e inseriu o termo que tem sido utilizado
pelo bispo Walter como sendo a nova identificação da igreja. Ela assumiu a identidade,
embora numa compreensão semelhante ao que afirmam muitas pessoas de igrejas protestantes
históricas. E curiosamente revelou na entrevista que jamais falou línguas estranhas, mas se
assume pentecostal porque entende ser algo similar a ser cristão.
Eu sou pentecostal, mas porque eu vim congregar numa igreja pentecostal. Eu
acredito na operação do Espírito Santo. Justamente porque nunca congreguei com
ma prática desenfreada; da caricatura do pentecostal que a gente tem, eu não me
identifico com muitas igrejas pentecostais, aquelas práticas e realização do culto em
detrimento do estudo da Palavra, do acadêmico mesmo. Acho que a prática mudaria
muito se eles conhecessem. Mas eu sou pentecostal pelo fato de eu ser cristã. O
Espírito Santo me convenceu. Sou um pentecostal reformado (BRENDA).

Esta entrevistada revelou que jamais falou línguas estranhas ou teve outras práticas
entendidas como do ideário pentecostal. Para ela, ser pentecostal é “ter o Espírito Santo”, o
que revela uma concepção ideológica aproximada do discurso de igrejas do protestantismo
histórico. Isso reitera o que foi dito na introdução de que é preciso construir um marco
conceitual contemporâneo do que seja pentecostal, pois muitas das caracterizações
sustentadas pela teoria social já não correspondem ao que se verifica no campo de pesquisa.
Pastor Marcelo, que atua na Catedral como responsável pela educação religiosa da
igreja, fez uma avaliação sobre essa realidade pentecostal:
Na verdade a identidade não mudou, acho que ela foi reforçada. Por quê? Qual é a
identidade do cristão? Não é tanto o pentecostalismo. A identidade da igreja não é
tanto ser pentecostal, no sentido de ser oposição ao tradicional, em ser
cessassionista. Mas ela é cristã, é o corpo de Cristo e como essa mudança foi muito
bem trabalhada, pensada, quando o bispo Walter anunciou, mostrou todo esse
processo, discussão com os bispos. Tudo foi aprovado por unanimidade, o próprio
documento que trata dessa mudança, dá as razões. Quando vi pareceu a mim muito
natural, muito coerente. Eu gostei demais. Achei fantástico o que se fez. Não houve,
acho, qualquer estranheza a respeito disso. Nem tampouco mudança quanto a
identidade. Nós continuamos afirmando a tradição pentecostal (risos).
(MARCELO).

O pastor dirigente da formação religiosa dos crentes na Catedral e também diretor


pedagógico no IBRMEC, Marcelo Maia, confirmou, como outros líderes e também fiéis
jovens fizeram reiteradamente, a tradição pentecostal da ICNV. No entanto, disse antes que “a
identidade da igreja não é tanto ser pentecostal”, o que contraria a percepção tradicional,
como bem ilustra a fala de entrevistada que conviveu com Roberto McAlister, a já citada
Flávia, cujo entendimento e defesa é no sentido de que esta é a identidade de Jesus Cristo e
deve ser também de seus seguidores, não como discurso retórico, mas essencialmente como
práticas. De ressignificação e renovação do entendimento do que seja pentecostal pode
223

avançar a ponto de se chegar ao consenso de outra nomenclatura que seja capaz de identificar
tal fenômeno. Porque se mudam as características das coisas ou fenômenos eles exigem uma
nova construção linguística para comunicar expressamente o que se está nominando.

4.4.3 Pentecostal, pentecostalismo: (re)conceituações

Para compreender como entendem os termos pentecostalismo ou pentecostal os


entrevistados foram questionados sobre a apreensão dessas expressões conceituais no
contexto atual, sobretudo, no ambiente da ICNV. Ângelo, ajudante voluntário no sistema de
som da Catedral, que se identificou como pentecostal demonstrou que sua conceituação difere
do entendimento de outros adultos e idosos que se afirmaram pentecostais. E criticou o
neopentecostalismo, dizendo que já esteve associado a esta tendência, porém já se afastou da
mesma:
Pentecostal é manter a tradição dos apóstolos. A tradição da oração, do estudo da
Palavra, da comunhão, do partir do pão. O pentecostal crê no dom de línguas, não é
cessacionista. Eu creio nos milagres que Deus pode fazer coisas ainda maiores hoje
do que na época de Jesus. Como ele falou, vocês poderão fazer coisas até maiores.
Mas me considero pentecostal sim. Não, neopentecostal, mas pentecostal.
Neopentecostal, nunca. Já fui, não sou mais (ÂNGELO).

Diante dessa sua manifestação perguntei o que era ser neopentecostal e ele respondeu
criticamente que “é o sincretismo religioso. Envolve apetrechos de fé, toalha ungida, sal
grosso e esses objetos que usam para fazer indulgências”. Ester, entrevistada que revelou ter
experimentado curas na Nova Vida, ilustrou com o caso de sua irmã que estava com câncer.
Afirmou que pentecostal “é ter milagre, mas tá difícil. Tem gente que acha que ser pentecostal
é uma vara de milagres, não é”. Nessa mesma linha outro idoso, Simeão, 82 anos, residente no
Méier, comentou com reprovação: “Para muita gente é uma relação de troca”, referindo-se à
questão da prosperidade em que fiéis fazem esforços de auferir benefícios numa espécie de
relação de trocas com a divindade.
Explicitando suas compreensões sobre o termo pentecostal o jovem Bruno, da idade de
28 anos, associou com poder sobrenatural, embora na entrevista tenha dito que jamais
experimentou curas nem falou línguas estranhas em sua trajetória como pentecostal:
Eu creio que é a manifestação do poder de Deus e creio que ele pode se manifestar
de várias formas. Eu acredito que sem a manifestação do poder de Deus a gente nem
poderia estar vivo, tudo iria se acabar. Até a forma como tudo funciona
harmoniosamente, como toda a criação, o sol, a luz, o mar. Acho que se Deus tirar a
misericórdia dele tudo se acabaria. Não precisa, necessariamente, ver pessoas
falando em línguas, em profecias. Eu creio que o poder de Deus ele existe a todo
momento e pode se manifestar dessa forma sem necessariamente precisar das
questões que vemos hoje como pentecostais. De você ver milagres. Eu acredito que
224

pode acontecer, Deus pode fazer todas as coisas. Acredito sim que pessoas podem
ser curadas, podem ser transformadas. Dessa forma, o poder de Deus ainda pode
continuar agindo (BRUNO).

Seguindo o ensino que tem sido reafirmado pela direção da igreja como não
“cessacionista”, o jovem César, de 22 anos, contou: “O que eu aprendi da tradição pentecostal
é justamente isso: a crença na continuidade dos dons, que eu já testemunhei. Então eu acho
que de fato tem seu peso”. Na mesma linha que reafirma verbalmente o conceito e assegura
crer na “contemporaneidade dos dons”, embora não fale atualmente línguas estranhas, David,
de origem assembleiana, 31 anos, explicou o que é ser pentecostal:
É crer nos dons, na manifestação do Espírito Santo. Acho que este é o ponto crucial.
E eu creio nisso, creio que Deus pode agir da forma que ele quer, na hora que ele
quer e não o homem que tem que forçar isso. O que eu entendo hoje é que se Deus
quiser agir na igreja com mover, com curas,com libertação, com línguas ele vai agir.
Mas dá glória, dá glória, dá glória para Deus para algo, eu não creio nisso (DAVID).

Avaliando o conceito, a jovem Cláudia, 36 anos, contou sobre o que tem visto em
contextos pentecostais:
Eu acho que banalizam muito esse termo. Hoje você vai num culto e dizem que é
um culto de avivamento. Primeiro acho que Deus não é surdo. Você não precisa
gritar para ser uma pessoa avivada na Palavra, no Espírito. Então, acho que hoje é
muito oba-oba para um termo que as pessoas nem conhecem direito o que é. De
você ir num culto você deve se sentir à vontade para dar glória, para dar um
“aleluia”, para levantar as suas mãos. E hoje eles falam: Dá glória, porque está de
cara fechada? (CLÁUDIA).

Ela fez sua profissão de fé nas crenças e práticas pentecostais tradicionais, mas
defendendo parcimônia nos cultos e até duvidando de certas manifestações tidas como
sobrenaturais:
Creio que Deus age, ainda cura, tem milagres, mas acho que você não precisa fazer
do culto um espetáculo. Acho que eles confundiram um pouco o que é ser
pentecostal com essa barulheira toda.
Eu creio no pentecostal? Creio. Porque às vezes você tá vivendo situações que você
quer uma resposta de Deus. Para mim ser pentecostal é continuar acreditando que
Deus vai falar. Que existem profecias que Deus pode usar o homem para falar com
você. Agora que eu acredite em tudo, aí já é bem diferente (riso). Às vezes num
culto uma pessoa fala uma profecia, mas eu fico com o pé atrás. Creio que Deus não
nos confunde. Acho que sou pentecostal desse jeito. Não de ter gritaria no meu
ouvido, porque eu não gosto, mas também não gosto de um culto tão parado em que
a pessoa se sinta restrita para levantar a mão e adorar (CLÁUDIA).

Vindo de uma igreja metodista carismática essa jovem está há pouco tempo
frequentando a catedral, acompanhando o esposo, mas revelou desconforto com o modelo de
culto formal e, às vezes, “engessado” da Igreja Cristã Nova Vida. Antes de migrar para a
igreja sede já frequentava com o esposo outras congregações da ICNV.
O jovem Eliseu, 24 anos, disse ser “complicado” definir o que seria o conceito de
pentecostal, e questionou dizendo que não é porque alguém fala línguas estranhas. Já Ester, a
225

senhora, conceituou como sendo exatamente o oposto da compreensão apresentada pelo


entrevistado anterior:
Ser pentecostal é falar em línguas, milagres, é ter liberdade de orar. Porque é isso:
dom de línguas, cura, liberdade para cantar, para se expressar. Eu não conheço outro
tipo de coisa. Já fui a outras igrejas, já vi de certas igrejas uma postura que eu fiquei
assim: mas o Espírito não age?! (ESTER).

A senhora Flávia, 70 anos, considerou que pentecostal é ter: “Milagres, curas, línguas,
libertação”, acrescentando que era assim que ocorria na época da igreja com Roberto
McAlister.
Sobre a identidade conceitual de pentecostal-reformado, que tem sido defendida por
Walter como a maneira precisa de os fiéis se reconhecerem bem como a ICNV, os idosos
dividiram o binômio afirmando serem apenas pentecostais. Alguns jovens assimilaram a
identificação conforme difundida na igreja de pentecostal-reformado, mas destacaram que se
pensam mais reformados do que pentecostais. E outros jovens confessaram ser apenas
reformados e não pentecostais. Isso revela, de outra perspectiva, que o projeto de dotar a
ICNV de uma identidade doutrinária coesa (se isso fosse realmente possível), como busca o
bispo primaz, é um projeto exitoso entre os mais jovens, porém mais distantes dos mais
antigos, embora estes sejam me menor número e com idade mais avançada. Os diversos
grupos existentes atualmente, principalmente por divisão etária – os mais jovens são maioria –
exacerbam interesses e identificações díspares entre o que foi o tempo de Roberto McAlister
com seu pentecostalismo e neopentecostalismo e a época de Walter McAlister com seu
contorno atual na construção do modelo intitulado “pentecostal reformado”. Identificado com
um discurso afirmativo de pentecostal, mas com práticas religiosas aproximadas do modelo
reformado, principalmente no conteúdo litúrgico.
Portanto, fiéis e pastores ouvem e reproduzem o discurso retórico do bispo primaz de
que a ICNV não é cessacionista, no entanto, ele não estimula estas práticas. Nunca vi ou ouvi
estímulo por parte de Walter nem de John quanto a elas. E mesmo que já houvesse reduzida
menção a efusão das línguas na época final de Roberto, em outras áreas associadas ao
pentecostalismo havia sinais mais eloquentes. Como curas, profecias, exorcismos. Coisa que
não acontece mais hoje. Pastor Ragner, por exemplo, contou que Roberto deu uma profecia
para ele. No entanto, nenhum entrevistado falou nada parecido sobre essa prática no período
de Walter como líder da denominação.
Os pastores e bispos também apresentaram suas visões do que seja pentecostal,
neopentecostal, com considerações ligeiramente aproximadas. Bispo Luiz Paulo comentou:
226

O neopentecostal extrapola o limite, entra no fanatismo, já entra quase num


misticismo. Nós somos pentecostais, a gente crê nos dons do Espírito Santo, crê no
dom de cura, de línguas, mas a gente não leva isso a extremos como eles levam no
neopentecostalismo. Aquela visão só de prosperidade. A gente entende que
prosperidade não é só dinheiro. A prosperidade de Deus é um leque grande: saúde,
paz, harmonia em casa, na família. É uma coisa que vai além do dinheiro (L.
PAULO).

Essa compreensão de prosperidade apresentada pelo bispo da igreja em Botafogo se


aproxima, do ponto de vista do discurso, daquela visão pregada por lideres destacados do
neopentecostalismo, sobretudo Edir Macedo e Romildo Soares, ao falarem de prosperidade
como um projeto para todas as áreas da vida, não somente a financeira.
Pastor Ragner, próprio de seu jeito de produzir respostas, relativizou a pergunta feita:
Depende do conceito do que é ser pentecostal. Então se o ser pentecostal é aquilo
que você tem que mostrar, as práticas pentecostais, de que em todos os cultos
públicos deve ter um falar em línguas de forma acentuada e muitas vezes até alta, e
outras práticas que acabam no senso comum sendo ligado às práticas pentecostais,
eu acho que aí não. Se você dessa forma, não. Não somos nem fazemos questão de
estar ligados a essa ideia. Eu acredito até que isso pode ter servido de motivo para
que o nome fosse trocado, de Igreja Pentecostal de Nova Vida para Igreja Cristã de
Nova Vida. Por causa da ideia do senso comum do que é o pentecostalismo. Eu
acredito que sobre isso o próprio bispo Walter já deve ter falado em número, gênero
e grau, com as suas posturas neste sentido. Nós aqui, a razão social continua: Igreja
Pentecostal de Nova Vida. É a razão social. E usamos o nome Igreja Cristã. Mas
também somos pentecostais no conceito do que é ser pentecostal: você crer na
manifestação dos dons do Espírito Santo e isso faz parte da vida da igreja. Nisso
somos (RAGNER).

Pastor Marcelo assumiu ser pentecostal e explicou como compreende esse termo de
identificação com uma ampla exposição:
Essa é uma pergunta difícil (risos). Porque a palavra mesmo acabou se diluindo,
perdendo um pouquinho de seu significado. Eu falaria de um pentecostalismo
bíblico, baseado na própria Escritura. O ministério do Espírito Santo é apontar para
Cristo. Não existe pentecostalismo que não aponte para Cristo. Nossa ênfase é a
cruz, é a salvação, não tanto o Espírito Santo por si só. Jesus mesmo falou que ele
não viria para isso, mas para apontar para o Filho. Então a gente cuida muito disso.
Embora afirmemos, por exemplo, a contemporaneidade dos dons espirituais. Todos
eles estão ativos, são bênçãos para igreja, embora a gente entenda que não existam
mais os apóstolos, como na época bíblica, nem tampouco os profetas como do
Antigo Testamento, mas existe o dom de profecia e o apostolado. Talvez hoje, seja
algo muito próximo desse missionário desbravador. Mas todos eles continuam
ativos. O ministério do Espírito Santo ele é ativo na igreja o tempo todo. Mas a
gente se apega muito ao que Paulo [apóstolo] fala, principalmente, sobre questões
próprias do pentecostalismo. O lugar do dom de línguas, a ordem no culto, que não
seja aquela bagunça, gritaria. E essa noção, principalmente, de que Deus está
falando, Deus está numa atividade real e íntima em cada culto. Então a gente deve
vir com essa expectativa de que Deus, de fato, vai falar, vai fazer um milagre, vai
operar alguma coisa, sem obviamente determinar absolutamente nada disso. Isso é
soberania absoluta dele. Assim eu vejo nossa definição de pentecostalismo. São
esses os critérios, os aspectos mais evidentes (MARCELO).

Essas considerações do pastor Marcelo, que é oriundo da Igreja Congregacional é bem


semelhante a concepções sobre o Espírito Santo defendidas por igrejas protestantes históricas.
227

“O Espírito Santo aponta para Cristo”, não necessariamente o Espírito Santo por si só como
ele afirmou acima. Pastor John abordou o assunto estabelecendo comparações entre
neopentecostalismo, pentecostalismo e protestantismo:
Historicamente falando, acho que o pentecostalismo é mais próximo do
protestantismo do que o neopentecostalismo do pentecostalismo. Acho que [o
neopentecostalismo] é um salto tremendo para fora da ortodoxia, pelo seu
pragmatismo religioso, pelo seu sincretismo, sua indefinição doutrinária. Não tem
uma única expressão disso, são vários pentecostalismos, mas se tiver que fazer
aquele corte: cura, exorcismo e prosperidade, que o Alderi [de Souza Matos] faz no
seu artigo no centenário do pentecostalismo, em 2006, lá na Fides Reformata239, se é
isso, eu vejo mais como uma fé utilitária, pragmática, confusa (J. MCALISTER).

Para o neto de Roberto, tido como precursor do neopentecostalismo, este estaria mais
próximo de uma heresia, em termos teológicos, porque seria “um salto tremendo fora da
ortodoxia”. Já o pentecostalismo com o qual gramaticalmente se identifica, estaria mais
próximo do protestantismo, que é o espaço onde ele, Walter e a liderança da ACNV mais
transitam e se identificam. John prosseguiu sua narrativa fazendo um reconhecimento quanto
à forma das pessoas do neopentecostalismo, exacerbando sua concepção calvinista quantos
aos crentes “eleitos” que estão em grupos neopentecostais:
Embora... estranhamente louvável pelo fervor e pela devoção religiosa. Fazendo um
corte puramente humano, não teológico ou bíblico, é um povo que realmente crer no
crê, por mais que creia equivocadamente. Se os crentes ortodoxos cressem com tanto
fervor, com o mesmo zelo que os neopentecostais, então a igreja evangélica seria
muito diferente. Então tem muitas coisas louváveis (risos). É Paulo falando sobre os
judeus: é muito zelo e pouco conhecimento. Apesar disso, tem crentes lá, tem eleitos
escondidos lá, embora, mais cedo ou mais tarde, os eleitos não costumam ficar. Eles
costumam correr de lá (J. MCALISTER).

Análise de Walter acerca desse movimento, além de extremamente crítica é de


afirmação categórica quanto a seu desaparecimento: “O neopentecostalismo está morrendo.
Não tem futuro. Está morrendo”. Em função de sua avaliação inquiri sobre a pujança e força
de igrejas midiáticas associadas a esta corrente, ao que ele ilustrou: “Bem, olha o [Edir]
Macedo? Ficou uma coisa esquisita. É uma seita. Virou uma seita. Não é uma igreja. Está
morrendo. Segundo eu entendo, está morrendo”. Insisti no assunto, questionando se, mesmo
como seita, como ele afirmou, a IURD não teria futuro e Walter comentou:
Não sei... São pessoas muito ambiciosas, são pessoas pouco éticas. Acho que no dia
em que [Edir] Macedo fechar os olhos aquilo vai ser repartido entre mil. Vai cair,
vai ser destruído, vão se devorar uns aos outros. Aquele do chapéu de caubói
[Valdomiro Santiago, Igreja Mundial do Poder de Deus] já é um desafeto do
Macedo. Então é só uma questão de tempo. Aquilo acabou (W. MCALISTER).

239
Revista teológica de orientação calvinista ligada a Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. O
referido artigo está disponível em:
http://www.mackenzie.br/fileadmin/Mantenedora/CPAJ/revista/VOLUME_XI__2006__2/Alderi.pdf (acesso em:
1 dez. 2016).
228

Acerca de exorcismo, perguntei ao pastor John se esse fenômeno já havia ocorrido no


período em que dirige a igreja e ele respondeu que sim, uma única vez e justificando que “já
tem bastante tempo, uns 7 ou 8 anos”, acrescentando que ocorreu “após o culto”, conforme
contou:
Fui chamado com um grupo de irmãos da introdução, diaconia, para interceder pela
pessoa em questão e houve um período de intercessão por ela, por libertação,
seguido de instrução. Mas nada sensacionalista, nada voltado para chamar atenção
àquela pessoa ou expor perante a congregação. Por um lado foi algo novo para mim,
no sentido experimental, mas não totalmente desconhecido por já ouvir falar dessas
manifestações (J. MCALISTER).

Lidar com “possessões demoníacas”, que foi uma atividade frequente na atuação de
Roberto, segundo comentou Tito Oscar e também Walter, no capítulo 2, é, para seu neto
pastor John, uma novidade em termos de experiência. Na verdade uma raridade singular, pois
na entrevista ele comentou que somente ocorreu esta vez. Este dado é ilustrativo da
assimetria, embora reconhecendo a distância temporal com todas as consequências dela
advindas, da era Roberto McAlister e da época de seu neto Pastor John McAlister. No período
de Roberto, especialmente nos tempos iniciais da Cruzada no auditório da Associação
Brasileira de Imprensa, eram freqüentes os casos de possessão e libertação. Mas também
depois, como os livros publicados por Roberto atestam. Tanto o “Mãe de santo...” já
mencionado, quanto o “Crentes endemoninhados: a nova heresia”, publicado por Roberto
McAlister, em 1975, quatro após estar no novo templo-sede, no bairro de Botafogo.

4.4.4 A ICNV é pentecostal?

A questão da identidade institucional, visando aferir dos respondentes se


consideravam a ICNV uma igreja pentecostal, e por que, em função das transformações
experimentadas principalmente ao longo da última década, foi também abordada nas
entrevistas. Pois foi neste período que ocorreu a mudança de nome, com supressão do termo
“pentecostal” em troca da palavra “cristã”, na identificação da igreja. O jovem Ângelo
afirmou que ela é pentecostal, mas, de pronto, fez uma ressalva: “Mas é pentecostal
reformado”. No entanto, revelou curiosamente: “Eu não entendo muito esse pentecostal
reformado, mas eu me considero reformado”. Interessante como esse jovem se expressou,
dizendo-se reformado, como se entendesse disso, mas de “pentecostal reformado”, mostrou
ser algo ainda em formação, o que só reforça a tese de que os mais jovens se identificam
fortemente com a doutrina calvinista (reformada) e tem consciência do que ela significa. No
229

entanto, em relação ao pentecostalismo o nível de identificação é bem menor ou até mesmo de


negação.
Ester, senhora da terceira idade que conviveu com Roberto na igreja em Botafogo
estranhou a pergunta e reagiu: “Sim, a Igreja Cristã Nova Vida é pentecostal, só que os
pentecostais hoje são... (risos)”. Ela não completou a resposta, mas o gesto que fez com o
rosto se deduz uma censura às práticas pentecostais alvo de críticas por diversos setores
inclusive no ambiente evangélico. Já a jovem senhora Brenda, pedagoga, falou com firmeza:
Sim, sim. Porque muita gente liga o pentecostal à prática, mas o pentecostal é a
doutrina. Eu cresci na igreja, ouvindo o bispo Roberto pregar, o que ele tinha visto,
as missões que ele foi [realizar] na África, membros crescerem, braços crescerem,
como o bispo Walter falou uma vez. Então ele falava aquilo, mas equilibrado. Ele
contava uma verdade, você cria que aquilo era uma verdade, mas ele nunca precisou
usar subterfúgios, fazer um show para você entender que o Espírito Santo estava
operando, que era verdade. Pentecostal sim, é a doutrina do Espírito Santo,
intercessor, senão o mundo estava extinto, ele é a nossa herança até o fim dos
tempos (BRENDA).

Interessante como a compreensão de muitos jovens convergem para a interpretação


dada pela entrevistada acima ao explicar que pentecostal tem a ver com doutrina, isto é, com
reflexão racional acerca do Espírito Santo, não necessariamente com práticas. Porque hoje sob
Walter e John não há manifestações desse tipo como partes do corpo que estão mirradas ou
decepadas e que voltam ao tamanho ou padrão físico normal, como ela disse acima, pelas
ações miraculosas que teriam sido operadas via mediação de Roberto. E mesmo quando ela
destaca essas ações miraculosas, lá na África, entende que devem ser feitas com equilíbrio e
razão. Uma visão oposta a dos mais adultos para quem pentecostal relaciona-se diretamente
com práticas não com explicações teológicas e racionais.
César, o jovem líder na Catedral e que cursou o IBRMEC, embora sem a
complementação ministerial, explicou a adesão à concepção de pentecostal reformado como
sendo uma questão de crença, não necessariamente de prática. O que de certa maneira
contraria a identidade pentecostal que se revela mais pelas ações (línguas, milagres, profecias,
exorcismo) do que pelas meras afirmações doutrinárias:
Bispo Walter costuma – na verdade eu acho que ele é pioneiro disso aqui no Brasil–
definir a igreja como uma igreja pentecostal reformada. De fato não existe nenhum
conflito porque somos pentecostais, porque somos continuístas, cremos na
continuidade dos dons, mas de maneira alguma deixamos de lado as tradições
reformadas (CÉSAR).

Grifei a expressão (cremos), acima, dita pelo entrevistado, afirmando crer na


continuidade dos dons, assim como acontece com as tradições reformadas (“graça
irresistível”, “predestinação”, “soberania de Deus”). Estas são, basicamente, mantidas
também e apenas pela crença. Não possuem efetivamente demonstração prática. Também se
230

percebe novamente a utilização de conceitos teológicos por parte do jovem, o que confirma a
eficácia do processo de socialização feito pelo programa de educação religiosa da igreja para
dotar seus membros da concepção calvinista. Uma campanha de mudança cultural, como tem
sido visto neste trabalho, que vem alcançando êxito. Possivelmente pelo empenho da
liderança da Catedral, sobretudo entre os mais jovens, a “campanha de mudança cultural” na
igreja-sede seja mais rápida e eficiente do que no nível dos pastores do presbitério, liderada
pelo bispo primaz. Também aqui, entre os pastores mais jovens (todos cursaram o IBRMEC),
a adoção da nova visão da denominação é mais forte do que entre os líderes mais antigos. A
comparação entre os dois pastores de Botafogo e os dois da Catedral, marcada pela diferença
geracional, é simbólica dessa transformação. Os dois primeiros, com mais idade e que
conheceram Roberto são mais relativamente pentecostais. Os dois jovens pastores da catedral,
em comparação aos de Botafogo, revelam crenças claramente calvinistas e
despentecostalizadas
Uma espécie de síntese do acontece atualmente na ICNV foi dada na resposta de
David: “Se você for parar para pensar, de crer sim. Mas de manifestação não (riso)”. Ou seja,
na afirmação da crença, dizem que são pentecostais, porque continuístas, não cessacionistas.
No entanto, como bem disse o jovem, “crer, tudo bem”, mas de manifestação desses dons,
como falar em línguas ou curas, especialmente no ambiente do culto, não. O que converge
para uma afirmação e identidade muito próximas de igrejas históricas ou não pentecostais.
Pois estas não negam conceitualmente, nem proíbem a prática individual e particular, mas
jamais estimulam isso no culto e como exercício cotidiano da experiência religiosa.
Seguindo esta compreensão David considerou o assunto fazendo explicações:
De prática, de prática, diretamente, não. Para você se adequar às igrejas pentecostais
que se dizem hoje eu não me adequaria. Tanto é que a igreja mudou de nome, que
era a Igreja Pentecostal de Nova Vida, pela banalização, o bispo mudou [o nome].
Hoje, a catedral você não diz que é uma igreja pentecostal. Nas outras [ICNVs]
talvez você assimile: Ah, essa é pentecostal. Como alguns amigos dizem: a igreja é
uma igreja litúrgica (DAVID).

Já Flávia, senhora que viveu com intensidade o período da igreja na época de bispo
Roberto declarou com ênfase que a ICNV “não é pentecostal”, explicando as razões de sua
resposta:
Ele [Walter] se diz pentecostal. Mas eu não vejo nada de pentecostal aqui. Porque
ele acha que ser pentecostal é outra coisa. Eu, para mim, ser pentecostal é deixar o
Espírito Santo te usar conforme ele usa. Ele usa em línguas estranhas, ele usa em
revelação, ele usa em você dar um abraço numa pessoa e a pessoa receber uma cura,
ele usa você falar uma coisa para uma pessoa e a pessoa se descobrir naquela
palavra. Esse é o Espírito Santo que habita em mim! (FLÁVIA).
231

Conforme essa entrevistada, como tais práticas não ocorrem atualmente seria retórica
afirmar identidade pentecostal da Igreja Cristã Nova Vida.
Em resumo, alguns jovens concordaram que a igreja é pentecostal, outros optaram por
explicar sua identidade pelo binômio pentecostal-reformado. No entanto, quando definiram
pentecostal, verificou-se uma distância e diferença conceitual entre aquilo que os mais antigos
ou pessoas com mais idade na igreja compreendem como pentecostal. De tal maneira que
dentre estes idosos alguns disseram que a igreja já não é mais tão pentecostal e até afirmações
categóricas críticas de que não é pentecostal. Neste sentido, uma senhora julgou que esse
afastamento das crenças e práticas pentecostais tem a ver com estudos e reflexões teológicas,
ações valorizadas pelos mais jovens e que recebe apoio e investimento da direção da Catedral.
Disse ela: “Para quê fazer teologia? Para quê?” Responsabilizou o Bispo Walter por essas
mudanças pelo víeis da formação teológica bem como do pastor John que teria seguido o
mesmo caminho da formação superior em teologia. E insistiu em afirmar, criticando a linha
adotada pela liderança da igreja, de que “Jesus é pentecostal. Tudo o que Jesus fez mostra que
ele é pentecostal”. Reconheceu que o pastor John sabe da Palavra, mas reclamou que ele a
interpreta diferente de um pentecostal.
Desejando manter-se como igreja pentecostal, estaria o fundador Roberto McAlister
sendo coerente com sua visão ao não permitir que seus pastores cursassem teologia, pois
desconfiava que eles pudessem arrefecer seu fervor pentecostal?! Associando à teoria de
Weber (2010), mais formação intelectual resultaria em menos misticismo.
Como se viu acima, ser pentecostal – que foi caracterizado por diversas práticas – na
perspectiva da ICNV, tanto lideranças quanto fiéis, se transformou em discurso, uma teologia.
O Espírito Santo com suas ações e façanhas teria sido aprisionado pela linguagem. O
misticismo existencial se converteu em ascetismo intelectual.
De maneira semelhante pastores consideraram essa questão. Bispo Luiz Paulo falou da
identidade de sua igreja em Botafogo afirmando ser pentecostal, embora de forma lacônica e
diplomática: “É, eu acho. No nosso ritmo. Acompanha o ritmo”. Já o pastor Ragner Chagas
foi incisivo:
Considero que Botafogo é pentecostal, considero que a minha denominação é
pentecostal também, que a Igreja Cristã Nova Vida é pentecostal, tem sua raiz
pentecostal. Essa igreja [Botafogo] também. Não somente porque está ligada [à
ACNV], mas também por ter sua liderança pentecostal (RAGNER).

Essa sua afirmação converge para o que foi discutido nesta parte, da questão da
afirmação dogmática de crenças pentecostais, que não se revelam na prática. Conforme o
conjunto de sua própria entrevista e do também do Bispo Luiz Paulo bem como da realidade
232

atual de Botafogo. Nos cultos dessa igreja específica em que participei, sejam no domingo ou
durante a semana, com a direção litúrgica e pregação do bispo ou do pastor, nenhuma prática
nem mesmo discurso do que se identifica como pentecostal foi percebido. As práticas
pentecostais que eram reais e existenciais se tornaram virtuais ou apenas nominais. A ação se
transformou em cognição.
O pentecostalismo como experimentado por Roberto McAlister e os fieis de sua época
é cada vez mais só uma narrativa, e quase anacrônica, para os mais jovens. Para os
remanescentes que ainda estão na igreja, é uma memória e cada vez mais distante. O futuro da
ICNV está em outra perspectiva teológica, mais afeita ao discurso do que a prática. Como já
tem sido visto e será melhor abordado no tópico a seguir.

4.5 Predestinação ou livre-arbítrio

Nessa caminhada de afugentar-se e mesmo aniquilar antigas práticas do modelo


pentecostal e neopentecostal – embora com identidade verbal pentecostal – que eram
costumeiras no período de Roberto na liderança da igreja, a ICNV se encaminhou para uma
dimensão doutrinária própria de uma vertente doutrinária cristã crescente atualmente no
Brasil, que é o calvinismo. Porque o pentecostalismo é associado historicamente mais à
doutrina arminiana, como é o caso geral das Assembleias de Deus, de onde vem a tradição de
Roberto McAlister, desde sua formação religiosa no Canadá. Já a tomada de posição da igreja
sob Walter McAlister distancia-se e nega a perspectiva arminiana, encaminhando-se, portanto,
para a doutrinação calvinista.
Este capítulo deixa claro que o que ocorre na Igreja Cristã Nova Vida, é um processo
de despentecostalização que assume uma determinada direção doutrinária, ética e estética, a
saber, o calvinismo. Assim o processo não é apenas de “desencantamento” da visão de mundo
pentecostal e seus componentes litúrgicos, estéticos e éticos, mas a definição por uma visão
de mundo religiosa específica, com todas as suas implicações dessa adesão.
Roberto McAlister, oriundo da formação clássica do pentecostalismo, elegeu o Brasil
como seu espaço de atuação missionária e aqui estabeleceu uma igreja com base na doutrina
arminiana da salvação. Seu descendente Walter, igualmente filho dessa tradição teológica
alterou essa rota convertendo-se ao calvinismo, que tem em seu filho John o propulsor desta
campanha de mudança cultural empreendida na Catedral e no âmbito da ACNV, cujo objetivo
volta-se para a formação da igreja a partir de sua liderança e também membros sob a
doutrinação reformada ou calvinista. E isso desemboca no processo de despentecostalização
233

conforme vem sendo experimentado pela igreja local e denominação em geral. Portanto,
Roberto elegeu a perspectiva arminiana para desenvolver seu projeto Nova Vida, desde a
Cruzada e Igreja até a organização da denominação. Sob Walter com apoio de John a ICNV
foi “predestinada” a ser uma igreja e denominação calvinista. Esta mudança, que caminha
junto com o processo de despentecostalização, não diz respeito a meras questões teológicas.
Elas têm explicações sociológicas e implicações sociais, pelas mudanças de mobilidade
social, principalmente quanto ao perfil geracional e de instrução de seus membros, como foi
visto ao longo deste trabalho.
Portanto, uma das mudanças identificadas e assumidas pela direção da ACNV diz
respeito à sua adesão a uma perspectiva das doutrinas reformadas, mais especificamente a um
recorte calvinista como defesa da predestinação, entendida como pessoas eleitas por Deus
para “salvação”, independente da vontade delas. E os demais, os “não-eleitos”, por
conseqüência, destinados à danação eterna. Bispo Walter faz um exercício de elasticidade
para considerar e afirmar que seu pai, Roberto, já vinha se abrindo para a possibilidade de vir
a conhecer e aceitar “as doutrinas da graça”, isto é, as crenças calvinistas da salvação. Outras
vozes, no entanto, dentro e fora da ICNV fazem afirmações antagônicas. Pastor Martinho
Lutero e o bispo Tito Oscar, ligados ao CNVB, asseguraram que Roberto era convictamente
“arminiano”, pois foi sua formação e prática no pentecostalismo histórico desde o Canadá.
Também fiéis da ICNV bem como um bispo da igreja que conviveram com ele tem as
mesmas compreensões, de que Roberto nada tinha de calvinista em sua doutrina, mas era
arminiano, como o pentecostalismo assembleiano, de onde ele provém. Achando estranho
relacionar este assunto com a era Roberto McAlister, como se fosse extemporâneo, Ester, a
senhora que conviveu com todas as gerações de McAliser na Nova Vida, comentou:
Olha não sei dizer, porque ele não pregava sobre isso. Ele falava, sim, sobre o amor
de Deus, sobre curas, sobre vários tópicos, mas não falava de doutrina calvinista. Eu
não me lembro disto. Na época eu era muito nova, estava empolgada para receber e
conhecer muito a Deus e eu não me ligava em calvinismo. Nunca tinha ouvido falar.
E ele não falava sobre nisso. Não falava (ESTER).

Roberto pregava e praticava aquilo que aprendeu a partir de sua formação no


pentecostalismo canadense, já seus descendentes vão conduzir a Nova Vida com outra visão e
atuação. Pela perspectiva dos teóricos do mercado religioso (IANNACCONE, 1997;
FRIGERIO, 2000; GUERRA, 2003), as igrejas e líderes religiosos vão oferecer aos fiéis algo
do qual eles precisam. Também para esses teóricos, os líderes criam as necessidades e
determinam o tipo de demanda religiosa. A questão é se haveria uma demanda para a crença
na predestinação: uma necessidade de entender porque alguns alcançam êxito ou sucesso na
234

vida e outras pessoas não; por que alguns se convertem e outros nunca são tocados pela fé? A
predestinação responderia a essas questões. As pistas captadas nas entrevistas, em particular
dos fiéis mais jovens, denotam que o calvinismo faz sentido para eles pela ideia geral da
“soberania de Deus”.
Para entender possíveis alterações nessas crenças, tendo em vista as diferenças
históricas e etárias, foi perguntado se o entrevistado acreditava mais em predestinação ou em
livre-arbítrio. Como geralmente ocorreu em outros itens, os mais jovens se identificaram
fortemente com predestinação enquanto que a geração idosa se associou à concepção do livre-
arbítrio.
O jovem Ângelo, de 25 anos, deu sua posição quanto a esse quesito, assumindo
unicamente um lado, utilizando vários termos todos próprios da doutrina reformada como que
a dar clareza e sem deixar qualquer possibilidade de dúvida: “Predestinação, eleição,
calvinismo bíblico, calvinismo que o próprio Calvino prega”. Já Ana, senhora de 74 anos que
está na Nova Vida desde os tempos de Roberto, em 1980, assumiu a condição que a coloca no
polo extremo: “Livre arbítrio todo mundo tem. Se Deus dá direito a pessoa ter livre arbítrio,
quem sou eu para não dá?! Então tem que ter”.
Alguns respondentes buscaram conceber cognitivamente o hibridismo das duas
possibilidades, como tentando unir pentecostal (arminiano) com reformado (calvinista). Com
essa tentativa, procuravam, talvez, não cindir o passado sob Roberto com o presente com
Walter e John, como se pode atestar na fala de Ester, ativa há mais de 40 anos na igreja dos
McAlister: “Acredito nos dois. Sim, porque é possível conciliar, eu creio”. Contrário a isso
Brenda, a jovem senhora reagiu à questão que perguntava se era possível convergir as duas
posições:
Acho que não tem como ter duas possibilidades. Ou você acredita ou... Eu entendo a
predestinação. Sei como está na Bíblia. Se for lê: predestinados, presciência,
presciência para ser salvos, mediante a santificação para obediência a Jesus. A
predestinação é a Trindade que determina isso. A presciência de Deus pela
santificação do Espírito para a obediência a Cristo. Todos os lugares da Bíblia falam
da predestinação. Agora entendo que as pessoas optam por não acreditar porque é
muito difícil você aceitar a predestinação. Ainda mais quando você tem três filhos,
quando tem uma família inteira. A salvação sai totalmente do seu controle, da sua
colaboração, não tem nada que você faça. Então, predestinação (BRENDA).

De maneira semelhante César, que atua no trabalho com jovens na Catedral, afirmou
que somente acredita em uma dessas facetas, como explicou:
Na verdade eu acredito só em predestinação e nada em livre arbítrio. Na verdade não
por não haver nenhum tipo de livre arbítrio, mas por crer piamente de que o livre
arbítrio, na verdade é uma prisão. O arbítrio do homem só conduz a destruição. Eu
acho que a única forma de um homem ser salvo, não é pelo livre arbítrio dele, é pela
graça de Deus que conduz ele de um momento até o outro (CÉSAR).
235

Já Cláudia, oriunda da Igreja Metodista comentou, revelando sua posição, sobre o que
tem ouvido na igreja e de como isso tem causado dúvida:
Eu acredito mais em livre-arbítrio. Quando eu comecei a ter contato com esse
negócio de predestinação eu fiquei meio com pé atrás. Eu não consigo me ver
acreditando nisso. Eu consigo acreditar mais no livre-arbítrio. Que Deus veio, se
apresentou, tem a Palavra, você aceita, segue os mandamentos e é salvo. Se estou
certa, eu não sei, mas a gente precisa viver de acordo. Não é porque eu estou
predestinada a ser salva que eu vou viver uma vida bagunçada porque sei que no
último minuto Deus vai me salvar. Eu não consigo conciliar essa ideia no que eu
vivo (CLÁUDIA).

David, que participou da Assembleia de Deus antes de se transferir para a Nova Vida e
que estava acompanhado da esposa, (que também veio de uma denominação de tradição
arminiana), contou de sua mudança de concepção doutrinária no contexto atual da ICNV:
Estou conseguindo mudar de ideia, eu pensava como ela [acreditava no livre-
arbítrio], mas eu passei a acreditar mais na predestinação, lendo os textos, até
mesmo a interpretação da Bíblia eu acabo me identificando mais, entendendo mais
sobre a predestinação, parece que as coisas se fecham. Isso é também uma mudança
radical para mim, mas tenho acreditado mais na predestinação. Isso foi uma
desconstrução absurda na minha mente. Não que eu me forcei. Mas buscando e
vendo algumas coisas você acaba se questionando. E eu acabo vendo tanto como
livre-arbítrio, eu vejo isso, e também a questão da predestinação. Mas tenho me
convencido que a predestinação tem seu fator primordial (DAVID).

Percebe-se que a campanha desenvolvida pela liderança da denominação, pelo menos


no âmbito da Catedral que conta com a direção e influência das pregações e ensinos na escola
bíblica dominical, tem alcançado os resultados esperados, conforme dados do depoimento
acima. Já a senhora Flávia reagiu com outra posição, própria das pessoas que viveram a
influência direta de Roberto McAlister:
Não, em predestinação eu não acredito não! Nós somos predestinados a Cristo:
Nascemos para servir a ele. Agora Deus dá o livre arbítrio para quem não quer
servir. Isso é o que diz a Palavra, que nós somos predestinados a Cristo. O português
está bem claro aí. Somos predestinados a Cristo Jesus. Agora Deus dá o livre arbítrio
para quem não querer (FLÁVIA).

Aprofundando essa questão, foi perguntado especificamente o que achavam de


calvinismo, a perspectiva doutrinária de compreensão da predestinação. Alguns mais antigos
não quiseram – ou não souberam responder, demonstrando distanciamento e desconhecimento
do assunto. Já Brenda, professora e diretora de escola, declarou:
Eu me identifico com Calvino, não com o calvinismo. Porque ele era cristão, ele foi
cristão no sentido mais duro da palavra. Não sou calvinista, nunca fui, eu sou cristã!
Agora eu concordo com os pontos de Calvino. Sou uma cristã reformada. Não sou
calvinista, sou cristã (risos) (BRENDA).

Enquanto Brenda rechaçou o calvinismo, embora abrace Calvino e a predestinação, o


jovem Bruno, que veio da Igreja Cristo Vive esclareceu: “lá eles acreditam em predestinação,
236

mas nunca tinha ouvido falar de calvinismo”. Disse que somente veio tomar conhecimento
disso na ICNV e que “entre arminianismo e calvinismo fico com calvinismo”, ressaltou.
Possivelmente essas definições são tomadas pelos fieis a partir do que ouvem nas pregações
dos cultos, nos ensinos da escola dominical, nos eventos de formação, como as “manhãs
teológicas”, conforme foi visto no capítulo 3. Mas também reforçado por leituras, não
necessariamente de Calvino (e de outros autores dessa corrente doutrinária), mas de
comentadores de sua obra ou de tópicos de seus conceitos. Todos eles defensores e
promotores desse viés teológico. A Anno Domini não possui nenhuma publicação de um texto
de Calvino, mas edita livros de diversos autores dessa perspectiva, como já foi abordado no
capítulo anterior, que são amplamente divulgados e consumidos, sobretudo por jovens. Eles
eram maioria no encontro da Manhã Teológica, como já foi visto.
O jovem César, que é líder destacado na catedral, narrou: “Talvez em boa parte das
igrejas ainda não existe isso muito confessional, mas aqui na catedral é o ensino, é de linha
calvinista e a maioria de nós crê no calvinismo”. Uma senhora, Ester, de todas as eras
McAlister analisou buscando conciliar as correntes, mas tratou genericamente, mostrando
insegurança ao falar enquanto respondia: “Acho muito coerente o calvinismo, muito
equilibrado. O que eu tenho ouvido sobre o calvinismo me agrada. Mas o outro lado, o
arminianismo, tem coisas boas também. Eu não desprezo também não. Acho que no todo tá
tudo junto”. Pelo jeito, não quis desconsiderar o arminianismo de sua formação inicial com
Roberto nem complicar sua relação atual em que Walter e John são fortes defensores do
calvinismo.
Quanto à posição dos pastores, na Catedral todos se manifestam explicitamente pró-
calvinismo. Como Marcelo Maia, que até lamentou não ter conhecido tal doutrina antes, pois
a Igreja Congregacional de onde saiu, é de tradição arminiana: “Foi desconfortável porque eu
achava que deveria saber de todas as vertentes. Então terem negligenciado isso foi chato”. Já
em Botafogo, Bispo Luiz Paulo, pastor há 10 anos da ex-igreja sede, ao ser questionado se era
mais pentecostal ou mais reformado, respondeu: “Eu sou mais pentecostal (riso). É a minha
história de vida, nasci dentro [do pentecostalismo]”. Sobre a identidade dos pastores da
Aliança, ele comentou: “Acho que os mais antigos são mais pentecostais. Os mais novos, que
já estão estudando nessa linha com o [pastor] John, esses estão na parte mais
reformada”. Bispo Luiz Paulo confirmou voluntariamente o que temos considerado quanto às
diferenças doutrinárias no tocante ao corte geracional. Em relação a sua posição, mantém-se
como pentecostal e sem assumir a teologia calvinista; no entanto, não demonstra
237

confrontoconquanto não faça apologia à nova doutrina da igreja. Esta postura pode ser
indicativa de outros pastores, da mesma geração de Luiz Paulo no contexto na Aliança.

4.5 Mudanças de hoje para amanhã

Na liderança da Catedral dois pastores se destacam na condução das mudanças que


tem acontecido e eles falam mais abertamente sobre sua visão para a igreja. Pastor Marcelo
fez uma abordagem salientando o que acha importante manter e isso tem a ver com tradição
histórica do protestantismo e não do pentecostalismo, como as questões ligadas à liturgia e ao
processo sistemático de formação dos crentes, desde as crianças até os idosos:
Vou dizer o que nós fazemos questão de manter que é esse apego às tradições
históricas da igreja. Por exemplo: Calendário litúrgico. Hoje inicia a quaresma,
páscoa. Essa mudança de cores, essa atividadezinha eu fiz com os juniores. Esse é o
nosso calendário da igreja, o ano litúrgico, o culto intencionalmente ordenado para a
Palavra de Deus. Os cânticos [são] escolhidos de acordo com aquele tema, com
aquela mensagem, as orações feitas. Então tudo tem uma ordem, tudo tem uma
sequencia. Isso é a liturgia. Isso a gente vai fazer questão de manter, como também
essa atenção ao ministério de educação, desde cedo, desde o berço. Nunca é só uma
coisa de cuidar das crianças, mas é ensinar desde cedo à criancinha pequena
(MARCELO).

Pode parecer um detalhe, mas conduzir-se pelo calendário litúrgico inclusive com
adoção das cores correspondentes às estações da era cristã é algo realmente que surpreende
para uma igreja que se diz pentecostal, pois é uma prática pouco usual no segmento
evangélico brasileiro, sobretudo no contexto pentecostal. Além da Igreja Católica apenas
igrejas luteranas, metodistas e presbiterianas se dirigem por esse calendário, embora não
universalmente entre estas protestantes. Batistas, congregacionais, adventistas desconhecem
ou não reconhecem tal roteiro litúrgico e suas cores. Esta prática remete a tradição do
cristianismo mais histórico, tanto católico quanto protestante. É, portanto, com esse universo
simbólico e mesmo doutrinário que a ICNV parece se aproximar em suas crenças e práticas. E
estas se tornam diametralmente opostas à identidade e ambiente compreendidos como
pentecostal. A Quaresma, por exemplo, período que antecede a Páscoa, é uma das celebrações
mais concorridas e divulgadas na ICNV, em particular na Catedral. São realizados cultos com
folhas de palmeiras e galhos de árvore, no “Domingo de Ramos. Seguem, na semana da
Páscoa, cultos do Lava-Pés, da Paixão na sexta-feira e celebrações especiais da Ressurreição
no domingo de Páscoa. O uso das cores se dá principalmente na decoração do templo com
uma flâmula ou estandarte, que contém um símbolo cristão, geralmente uma cruz, colocado
na frente do púlpito.
238

Representação artística exposta em mural no hall da Catedral representando o calendário litúrgico com suas
respectivas cores. Segundo Pastor Marcelo Maia esta arte resultou de uma atividade pedagógica feita com as
crianças na Escola Dominical (Foto de Clemir Fernandes, 10/02/2016).

Estandarte ou ambão, sobre o púlpito da Catedral (Foto de Clemir Fernandes, 31/10/2015)

Pastor Marcelo comentou da “evolução” da Catedral, que partir de 2008 passou a


exigir um compromisso formal dos fiéis com a igreja, o que não era uma prática desde a
origem da igreja com Roberto nem sob a direção de Walter:
239

Algumas coisas evoluíram bastante, desde a minha chegada até aqui. Até porque a
membresia da igreja mudou. Você já deve ter ouvido do próprio bispo a respeito do
afastamento dele, afastamento forçado dele [quando] o pastor John assumiu a igreja.
Juntos nós começamos, sempre que possível procurando o bispo para avaliar junto
com a gente. O que eu posso destacar nesse período em que nós começamos a mudar
algumas coisas, por exemplo, a questão da membresia, de passar para a igreja uma
ideia muito clara do que é ser membro da igreja. A necessidade de você firmar um
compromisso. Tanto que instituímos um pacto de membresia, um curso para novos
membros. Então essa ideia que existe sim duas coisas aqui: existem membros,
compromissados e existe aquela pessoa que vem a igreja. Essa noção muito clara. A
gente não vai fechar a porta para ela, isso aqui não é sociedade secreta
(MARCELO).

A mudança teológica que vem sendo conduzida pelo bispo primaz, com maior
intensificação a partir do começo dos anos 2000, ganhou operacionalização mais estrita na
comunidade local com seu filho pastor John, auxiliado pelo pastor Marcelo, quando assumiu a
regência da Catedral em 2008. Isso resultou em saída de pessoas, o que é, em tese, não
anormal, pelas mudanças que acarreta na forma e estilo de conduzir a igreja. Sobre o
“afastamento forçado” de Walter este jamais comentou acerca do assunto nas entrevistas,
mas, segundo informações mais abaixo, deu-se em função de enfermidade de sua esposa.
Marcelo explicou a razão dessa mudança, que exige compromisso do fiel em seguir as
regras da igreja, o que levou algumas pessoas a desistirem ou mudarem de igreja, conforme
relatou acima. O Pacto de Membresia tornou-se, portanto, uma espécie de registro formal de
compromisso institucional entre o fiel e a igreja. No culto da manhã no domingo 13 de março
de 2016, pastor John apresentou três novos membros – um casal e seu filho jovem – que
cumpriram os requisitos do referido Pacto. Eles foram convidados a subir a plataforma e
diante da igreja pastor John leu o Pacto de membro para todos os presentes, enfatizando ao
final deste momento que “ser membro é algo assumido”. O que leva a maior
comprometimento, conforme explicou pastor Marcelo Maia:
Agora como a gente tem um pacto que medeia as nossas relações então eu posso
cobrar do membro determinadas posturas. Posso chegar junto e perguntar: vem cá o
quê que está acontecendo? Porque isso está assim quando deveria estar desse jeito?
Como somos dois, eu e o pastor John, a gente pode trabalhar bem isso. Algo que o
bispo nos estimulou embora ele tenha vindo de uma era em que isso não era tanto a
prática da igreja. Então a gente fez isso (MARCELO).

O acompanhamento pastoral dos membros passou a ser mais próximo, com formação
continuada nas doutrinas e práticas adotadas pela liderança da igreja e com cobranças acerca
de suas posturas, inclusive sujeito a ser disciplinado:
Começamos a trabalhar com esses grupos, homens, mulheres, casais, dentro do
possível, jovens, pedindo um pastoreio, um discipulado mais próximo. Isso foi algo
que evoluiu ao longo desses anos desde que eu cheguei. E mais recentemente tem
sido objeto de nossos estudos essa questão da disciplina da igreja. Como praticar a
disciplina bíblica e como discipular as lideranças, porque eles estão mais próximos
240

de nós. Então esse tem sido o ponto das leituras, das conversas. Desde quando eu
cheguei o bispo mesmo lançou isto e o pastor John pegou e começou a desenvolver
junto comigo essa ideia de uma igreja litúrgica e discipular (MARCELO).

Verso do folheto que traz o Pacto de Membresia da Catedral, chamado de Nosso Pacto, destacando os
passos para se tornar membro da igreja sede da ACNV. Pelo que apresenta não parece ser um processo fácil nem
rápido conseguir se tornar membro da Catedral de Nova Vida. (Arte e foto Clemir Fernandes, 24/12/2016).

Com essas mudanças mais profundas e abrangentes ocorridas após a transição da


regência da Catedral, de Walter para John, em 2008, acarretou inclusive a saída de fiéis da
comunidade, como pastor Marcelo mencionou acima e que abaixo ele conta desse conflito
que tem razões reiteradamente, no recorte doutrinário-geracional:
Quanto se falou em pacto, em membresia, alguns, principalmente da antiga geração
estranharam muito. Nesse afastamento do bispo da regência da igreja que coincidiu
com a enfermidade da irmã Marta e chegada do pastor John, nessa transição alguns
saíram. Alguns disseram, olha gosto de você, estou contigo, mas vamos para outro
241

lugar. Alguns estranharam essas mudanças. Outros, quando a gente começou a falar
sobre principalmente doutrina reformada, porque não receberam, principalmente os
que vieram da época do bispo Roberto, olha isso não é a Nova Vida que a gente
conheceu. Já ouvimos isso não foram poucas vezes. Algumas questões pessoais
envolvendo relacionamento, ninguém escapa disso. E um fluxo grande de jovens nos
últimos anos. Jovens e famílias jovens que tem chegado. Hoje boa parte de nossa
membresia tem esse perfil: casais jovens, com filhos pequenos ou jovens já na idade
de assumir um compromisso de casamento. Todos em busca de pregação expositiva,
pastoreio mais próximo. Então isso parece que é um movimento que não vai parar
tão cedo (MARCELO).

A fala do pastor Marcelo reiterou o que tem sido refletido também a partir das
percepções dos fiéis entrevistados sobre desconforto que causou na igreja as mudanças mais
incisivas aplicadas após a posse do pastor John como regente da Catedral. Gerações mais
antigas, especialmente saíram, entretanto, novos membros têm chegado à igreja, como ele
revelou. E o perfil etário desses tantos é jovem em sua maioria. Além dos entrevistados para a
pesquisa, conversei aleatoriamente com algumas pessoas após os cultos na catedral, bem
como com o pastor John sobre essas pessoas, muitas delas participando de classes para novos
membros. Todos aqueles com os quais conversei bem como outros acerca dos quais o pastor
John comentou, são universalmente oriundos de igrejas evangélicas, sobretudo pentecostais,
alguns de outras congregações da Nova Vida, tanto da ICNV, quanto da Aliança e de outros
grupos. Mas ainda alguns de igrejas históricas, como batistas. E parece ser uma tendência que
continuará a crescer, conforme a previsão do pastor Marcelo Maia. São jovens mais
intelectualizados em busca de uma espiritualidade menos encantada e mais comprometida,
como revelou pastor John, e como já visto anteriormente neste capítulo.
Embora essas novas ações levadas a cabo pelos dois pastores da Catedral, Marcelo
afirmou que não houve mudança quanto à identidade, mas que ela foi reforçada, dentro da
releitura que faz atualmente do que é ser pentecostal, conforme foi destacado em citação
acima, no tópico “autoidentificação pentecostal”.
Walter é o bispo, ele conduz a igreja a partir de sua primazia. Os pastores e bispos da
Aliança necessariamente não retrucam, até porque não há assembleia, fórum de discussão. É
uma denominação de governo episcopal. Os pastores que discordam ou buscam
deliberadamente postura doutrinária ou comportamental antagônica da direção da
denominação acabam por sair ou serem desligados. Como já aconteceu e relatado pelo Bispo
Walter no terceiro capítulo. Num encontro do Presbitério do qual estive presente, participei
informalmente de uma conversa entre dois pastores de igrejas da Aliança no Rio. Em tom de
brincadeira, comentavam das recomendações dadas há pouco pelo primaz na reunião na
Catedral. Um pastor, de origem batista, que lidera duas igrejas na região do bairro de
242

Sepetiba, mas na denominação desde a época de Roberto, falou com ironia: “o bispo fala e a
gente procura fazer, depois ele muda de novo e a gente segue”.
Esse discurso de mudança é reforçado pelo Pastor John McAlister que atua nessa
frente de transformação a partir da igreja sede da denominação. Ele enfatizou semelhanças e
diferenças que identifica entre o passado da Nova Vida sob seu avô, mais recente com seu pai
e a realidade atual da Catedral sob sua própria direção:
A principal semelhança é este espírito reformador e, coincidentemente ou não, é o
grande lema da reforma: A igreja reformada está sempre em reforma. Sempre
reavaliando a nossa herança, as tradições recebidas, tudo o que ensinamos, o que
fazemos, como fazemos. Sempre reavaliando à luz da história, principalmente à luz
da Palavra de Deus. [Esta] foi uma marca do meu avô, é uma marca do meu pai e é
uma marca minha também, a ponto de eu e meu pai reconhecermos isso um no
outro. Tem certas coisas que ele questionou a respeito do meu avô e há certas coisas
que eu já estou questionando a respeito dele. E a gente lida com isso com graça, mas
reconhecendo ênfases diferentes na atuação de cada um (J. MCALISTER).

O pastor regente da Catedral avaliou as mudanças de cada geração McAlister na


liderança da igreja a partir de uma perspectiva da forma ou do espírito da Reforma, conforme
afirmou. O fato, no entanto é que seu avô produziu mudanças, como no aspecto da gestão
episcopal da igreja, mas seguiu o figurino doutrinário básico do pentecostalismo. Seu pai, o
Bispo Walter, seguiu por mudanças mais teológicas e conceituais, já se distanciando das
práticas pentecostais de Roberto. John afirma a retórica pentecostal, mas produziu
transformações teológicas, doutrinárias, litúrgicas, eclesiásticas de tal forma que existe uma
diferença e uma distância não apenas temporal mas social e doutrinal do modelo de igreja
pentecostal da era Roberto e a estilo reformado da Catedral da Igreja Cristã Nova Vida.
John comentou das responsabilidades dele e de seu pai e nesse contexto deixou
transparecer que ele pode vir a ser o líder da denominação, ao dizer que sua cabeça ou
responsabilidade é mais micro “agora”:
As responsabilidades são diferentes. A dele [Walter] é denominacional e a minha é
local. A cabeça dele é mais macro e a minha é mais micro, agora. À luz desse macro,
à luz dessa releitura que ele fez do pentecostalismo dele, eu em nível de igreja local
estou tentando levar adiante essa proposta por reforma, a nível teológico, ministerial
e espiritual (J. MCALISTER).

Ele citou outro fator que julga associá-lo doutrinariamente a seu avô e a seu pai, porém
à luz de uma releitura e ressignificação da compreensão do que seja pentecostal. Portanto,
John não rompe categoricamente com a postura de seu avô. Embora na prática promova
muitas mudanças que, provavelmente, deixaria seu avô desconcertado, sob a análise do
discurso John mantém a ideia de continuidade. Assim sendo, seja por questão familiar, seja
por outro motivo, seu discurso não é de ruptura total e assumida. John falou do esforço de
243

reforma da igreja e suspeitou de que não esteja fazendo isso segundo os cânones pentecostais,
porém mobilizado por suas próprias convicções e compromissos:
Outra semelhança, creio eu, é absoluta dependência do Espírito Santo, que é a
grande marca do pentecostalismo, interpretado de maneiras diferentes por cada
geração, mas, espero eu que a gente não esteja tocando essa reforma só na força do
nosso braço (risos). Na dependência de nossa própria sabedoria. Se alguma mudança
concreta e duradoura virá de tudo isso é pela ação do Espírito. Então a ênfase em
oração, em uma vida piedosa, uma vida devocional, pessoal, familiar,
congregacional. Creio que isso é uma constante. Se bem que tem tido ênfases
diferentes. Quanto a grandes diferenças... Bem, o meu avô era um reformador, mas
que, creio eu, ele não teria investido na preparação de uma liderança com a mesma
capacidade de pensar criticamente suas tradições. Então, curiosamente, ele repensou
muita coisa e muitos [pastores] que ele ordenou e que o seguiram, simplesmente
copiaram o que ele fez, sem pensar criticamente o que ele fez (risos). Houve uma
tentativa frustrada na década de 80 de montar uma escola ministerial em Botafogo,
que não durou um ano. Então o que meu pai viu a necessidade de treinar uma nova
geração de ministros com capacidade de reflexão critica e com uma competência
teológica mínima para saber se defender teologicamente. Saber fazer essa releitura,
mas com uma veia mais reformada, mais calvinista do que arminiana. Então isso já é
uma marca que muitos já notaram entre meu avô e meu pai. Eu acho que eu sou
ainda mais reformado do que os dois (risos). E talvez um pouquinho menos
pentecostal, aos olhos do mundo pentecostal. (risos). Meu pai sabe disso. A gente
vai e vem. Mas, espero que eu não esteja renunciando às minhas raízes pentecostais
(risos) (J. MCALISTER).

Nesta parte da entrevista John assume o que outros pastores e fieis já observam, isto é,
que, em relação a seu pai Walter, ele é menos pentecostal e mais calvinista, sendo que Walter
em relação a Roberto já é bem menos pentecostal e também calvinista, o que seu pai, neste
campo era “totalmente arminiano”, como disse o pastor Martinho Lutero e confirmado por
Tito Oscar.Ao salientar que “meu pai sabe disso”, John parece fazer uma espécie de mea-
culpa em relação a seu pai, por ser ainda menos pentecostal que ele e mais acentuadamente
calvinista que seu genitor.
A seguir, John retoma a questão da formação dos pastores, conforme mencionou antes,
enfatizando esta iniciativa, que se traduz no que estamos chamando campanha de “mudança
cultural”, por meio da educação dos novos lideres levada a cabo por meio do instituto e no
contexto da Catedral, para os crentes em geral:
Eu ainda sou mais voltado não só pra competência teológica de ministros, que o
IBRMEC faz. Com o advento da escola bíblica dominical na Catedral, a gente está
levando isso para os leigos, pro nível leigo, é um passo além, a gente quer capacitar
toda a membresia. Para ter essa destreza na Palavra, essa consciência histórica da
igreja e fazer essa releitura crítica do pentecostalismo e saber que não existe um
único pentecostalismo. Ou que o pentecostalismo majoritário no Brasil não é a única
ou a melhor expressão dessa tradição. Com isso, com essa capacitação leiga na
igreja local vem também uma releitura de membresia, a visibilidade da igreja, o que
passa por todo esse processo que descrevi, de instrução, de entrevista, de capacitação
de membros para que tenham uma única visão do que é a igreja do que é ser cristão,
do que é ser um discípulo de Cristo. É uma releitura, creio eu, na minha época,
porque, diferente do meu avô – há 55 anos – você poderia ter certa expectativa
razoável sobre um crente. Ele era o “bíblia”, ele tinha palavra, ele tinha
compromisso, ele tinha integridade. Você podia esperar certar coisas de um crente.
244

Hoje não. Até aquele que se identifica como crente há 20, 30 anos, você não pode
esperar absolutamente nada. Então eu não presumo absolutamente nada a respeito
das pessoas que chegam aqui se dizendo crentes. Eu as considero incrédulas até que
me provem o contrário (risos). Até que me mostrem que entendem de fato o que é o
evangelho, entendem o que é igreja, qual é o privilégio e a responsabilidade de ser
um membro de uma igreja. Isso porque nós vimos o processo de secularização da
igreja, de mundanismo que adentrou a igreja nos últimos 20, 30 anos (J.
MCALISTER).

John explicou que falava do contexto evangélico no Brasil, não da Nova Vida
especificamente e destacou o rigor com que vem selecionando os novos membros para a
catedral e qual o modelo eclesiástico que vem desenvolvendo em sua comunidade religiosa:
Estou falando em termos mais amplos, da igreja evangélica em geral. Então a
bagunça que se tornou a igreja evangélica no Brasil. Então nós vimos a necessidade
de exigir ainda mais de um membro da igreja. O que confronta tudo aquilo que a
gente vê no Brasil, no Rio, especialmente nessa região. Então nós somos a
contracorrente. Então a igreja está ficando mais informal, irreverente, a gente optou
pelo quê? Por um estilo de igreja ainda mais formal e ainda mais reverente: ano
litúrgico, advento, quaresma, consagração de jejuns periódicos. É, teologia
reformada, é declaração de fé, pacto de membresia... Enquanto o mundo está se
tornando mais mundo e a igreja está se tornando cada vez menos igreja a gente quer
se tornar mais igreja. Em tudo! Nossa crença, nossa conduta, nosso culto (J.
MCALISTER).

John salientou que esta é uma mudança ocorrida sob sua direção na igreja local, cujas
bases já haviam sido aventadas por seu pai, no entanto, a coragem de realizá-la partiu não de
Walter, mas do filho e que tem no segmento jovem a esperança e o apoio para uma igreja
ainda “mais formal e ainda mais reverente. [Com] ano litúrgico, advento, quaresma,
consagração de jejuns periódicos. É, teologia reformada, é declaração de fé, Pacto de
Membresia”. Em suma, conforme a tese defendida neste trabalho a partir dos dados
empíricos, a ICNV caminha em direção a uma identidade de ser uma igreja ainda mais
despentecostalizada, principalmente em referência ao modelo construído pelo fundador. Além
disso, ela se ampara num sistema teológico-ideológico, o calvinismo, a partir da percepção de
Walter e radicalizado por John McAlister. Como ele mesmo percebe e analisa:
Então foi uma necessidade constatada em minha geração. E, por incrível que pareça,
a próxima geração da igreja, os que mais procuram esta igreja não são os mais
idosos – eles também nos procuram – mas 80% dos novos membros são todos
jovens, entre 20 e 30 anos de idade. É gente que não quer uma igreja frouxa, que não
quer um pastor relevante, não quer uma eclesiologia popular e atraente, não quer
uma liturgia solta. Eles querem compromisso, eles querem prestação de contas, eles
querem ser pastoreados de perto, eles querem saber que não são apenas mais um
número aqui, eles querem ter acesso à sua liderança e querem ser cobrados. E eu dou
todas as chances de eles desistirem de serem membros aqui. Eu termino toda
entrevista pastoral dizendo, você tem certeza que quer isso, que quer essa cobrança
em cima de você? Você quer os seus pastores no seu pé, te cobrando do que é ser
um crente, do que é ser um discípulo, do que é ter postura, no seu trabalho, no seu
namoro, no seu casamento, na criação de seus filhos, na sua postura com os outros
membros da igreja? Você tem certeza que quer isso para sua vida? Estou te dando
uma última chance para você sair daqui. Com toda graça, porque depois não tem
245

volta. (risos). Eles sorriem e dizem, não, é isso que a gente quer. A gente não quer
simplesmente perambular por aí, passear de igreja em igreja (J. MCALISTER).

O pentecostalismo de tradição arminiana, tanto de Roberto McAlister, da Assembleia


de Deus, da Igreja do Evangelho Quadrangular e tantas outras, inclusive as neopentecostais,
fazem forte proselitismo e apelo para as pessoas se converterem e ficarem em suas
congregações. Em igrejas pentecostais, o assédio religioso chega a ser individual. Ricardo
Mariano (1999, p. 20), por exemplo, em pesquisa de campo, relata a experiência de ser
chamado à frente num culto pentecostal e ser inquirido pelo pastor se acreditava ou não em
Deus, que buscava meios de levá-lo a uma tomada de decisão pela fé cristã e à igreja. Em
cultos pentecostais e também em outras igrejas históricas, como a batista, não é incomum
alguém ser convidado particularmente a “tomar uma decisão” enquanto o pastor faz o convite
público. De igual forma, não é raro pastores e também fiéis no contexto evangélico
convidarem crentes de outras congregações que os visitam para se transferirem para sua
igreja. Na Catedral, conforme detalhou pastor John, ele faz o caminho inverso, numa espécie
de empenho para dissuadir crentes de outras denominações a se tornarem membros de sua
igreja. Faz isso como uma prática metodológica que visa levar a pessoa a tomar uma decisão
consciente, sabendo que será cobrada por seu compromisso ao firmar o Pacto de Membresia.
Esse rigor no compromisso com a igreja local, identificado inclusive pelo estilo do
templo e seu mobiliário, é outra diferença significativa em relação à visão de Roberto
McAlister. O fundador da Nova Vida abriu igrejas em auditórios, em cinemas, ou seja, em
prédios descaracterizados de templos. Quando construiu a sede em Botafogo, optou pela
estética de um edifício sem linhas arquitetônicas que lembrem um templo cristão típico. E seu
salão de cultos mais lembra um auditório de cinema, com poltronas individuais almofadadas,
além de um púlpito. Como destacou o próprio bispo Walter: “Botafogo é um púlpito”,
colocado de frente para o auditório.
Continuando esta fala sobre sua visão do que é ser igreja, John apontou diferenças
entre seu estilo teológico e eclesiológico e o de seu avô, inclusive em relação a seu próprio pai
Walter:
Então é uma marca, que, creio eu, é bastante distinta do meu avô. Porque meu avô
construiu Botafogo e lançou a Nova Vida como extensão de uma cruzada
evangelística. Então, igreja é principalmente um ponto de pregação onde as pessoas
pudessem ir e vir. Se ficassem um pouquinho mais seriam menos, se não, seriam
visitantes. Então o meu pai soube diagnosticar os equívocos dessa eclesiologia, tem
clamado por uma reforma, há pelo menos 20 anos. Mas em nível de igreja local ele
nunca se propôs a dar forma a isso, aí eu virei para o meu pai e disse: Posso? Você
me dá liberdade? Ele disse, sim. Tudo o que a gente tem feito, tem feito sob a
supervisão dele. Muitas coisas ele diz: olha, eu nunca teria feito assim, eu nunca fiz
assim, mas faz sentido, vai em frente! E isso já tá repercutindo na denominação
porque a nova geração de ministros formada pelo IBRMEC já está repensando tudo,
246

desde a cultura do apelo, o louvorzão, rever a igreja só como ponto de pregação e


por aí vai. Também estão sacando que as pessoas entram e saem da igreja com
enorme facilidade. Então quando eles ouvem falar que na Catedral tem curso de
membro, pacto de membresia, entrevista pastoral, tem disciplina eclesiástica, eles já
estão perguntando: cadê esse material? A gente pode usar? Estamos trabalhando só
na Catedral mas sabendo que isso vai repercutir. Acho que estas são as principais
diferenças. É dar maior visibilidade às fronteiras da igreja para a nossa geração. Seja
a fronteira teológica – a declaração de fé, seja a fronteira discipular – o pacto de
membresia, seja a fronteira litúrgica – a igreja com cara de igreja mesmo, com os
símbolos, com calendário litúrgico, com ceia toda semana. Por aí... (J.
MCALISTER).

John ressalta a importância do IBRMEC neste processo de mudanças e como os novos


pastores que saem do Instituto já convergem para o modelo implantado por ele na Catedral.
Essa nova geração de pastores formados para dirigir as igrejas da denominação se mostra
bastante alinhada com a campanha de mudança cultural. Os parâmetros apresentados por
John, ao falar de fronteiras, mostram que a identidade que busca firmar em sua igreja local
não é pela flacidez, antes pela rigidez. Essa abordagem feita pelo regente da Catedral é
possível que seja síntese da realidade já em curso e ainda por vir em maior extensão e
profundidade quanto às mudanças que reduz as práticas pentecostais e amplia as concepções
calvinistas, para além da Catedral, nas demais igrejas da Aliança. Ela torna a Igreja Cristã
Nova Vida uma instituição mais exigente quanto às posturas de seus fiéis. Uma proposta que
tem atraído muitos jovens, inclusive com maior escolaridade e também melhor condição
sócioeconômica. Tal cenário aponta um interesse firme e rígido, nada fluido ou de
religiosidade líquida como teorizou os sociólogo polonês (BAUMAN, 2001). Num mundo de
concepções movediças em que “verdade” se pluraliza em “diversidades” resulta em
insegurança ontológica e sociológica para muitas pessoas e cria espaços de reação em busca
de fundamentos sólidos e seguros (FERNANDES SILVA, 2006).
O processo de ampliação e consolidação das mudanças se fundamenta na percepção do
bispo Walter do contexto dos evangélicos no Brasil, em particular dos grupos
pentecostais/neopentecostais e suas práticas controversas, como ele mesmo explicou:
Hoje há um grande número de pentecostais ao redor do país que estão frustrados
com a igreja, a teologia e as práticas pentecostais. E não querem se tornar
presbiterianos. Mas estão começando a ler John Piper, Timothy Keller e essa linha.
E dizem: bom, mas o quê que a gente faz? Então nós estamos preenchendo... Nós
somos essa ponte, como estou trabalhando no livro “O pentecostal reformado. De
Azuza a Genebra e de volta”. Mostrando até onde um pentecostal pode ser
reformado e até onde um pentecostal reformado ainda é pentecostal. Então é um
livro bem difícil porque é um livro um tanto quanto filosófico pela dialética entre
essas duas tradições, que não são formadas só por teologia mas por social-
imaginários. Tentando mostrar as regras de engajamento, onde somos plenamente
reformados, mas não chegamos ao ponto de abraçar Westminster, que compreende
certos conceitos especialmente eclesiológicos de cessassionismo. Enquanto nós não
somos cessassionistas. Então somos da linha, digamos, dos batistas reformados.
Mais próximos a [John]Piper, Martin Lloyd-Jones (W. MCALISTER).
247

A frustração desses jovens, conforme o conjunto das entrevistas, tanto de fiéis quanto
de pastores, está associada a exigências intelectuais de gerações pentecostais que alcançaram
maior formação educacional em relação a seus pais e também de seus líderes religiosos. Em
consequência desconfiam e criticam doutrinas e práticas religiosas mais encantadas e também
de comportamento moral legalista. Também buscam uma reflexão bíblica menos alegórica e
sentimental e mais racionalizada. E encontram isso, por exemplo, no viés despentecostalizado
e calvinista da ICNV. Tal fuga de jovens da AD, por exemplo, se ampliou a ponto de levar a
uma reação da direção da CGADB, a maior denominação da Assembleia de Deus no Brasil,
mediante a tradução e publicação de obras do autor referencial do arminianismo, que é a linha
teológica predominante do pentecostalismo em geral e das Assembleias de Deus em
particular. Conforme informação para esta pesquisa do pastor Claiton, assembleiano estudioso
do pentecostalismo e já citado no capítulo 1: “O movimento calvinista mais direto e claro é
algo novo nas ADs que se manifesta, especialmente, nos jovens mais intelectualizados. Esta
tendência é bem forte e numerosa atualmente. O lançamento das obras de Armínio240 pela
CPAD é uma tentativa de frear esta tendência” (C. POMMERENING)241. Entretanto, segundo
este entrevistado, as críticas oriundas do calvinismo feitas no contexto da Assembleia de Deus
“fizeram alguns pastores ficarem temerosos quanto a dar liberdade às manifestações do
Espírito”. Portanto, neste caso da AD, a influência calvinista produz constrangimento às
práticas pentecostais, corroborando as mudanças que identificamos de maneira geral como
despentecostalização. Pois ocorre o distanciamento de um paradigma sócioteológico, o
pentecostalismo, e a adoção de outro, o calvinismo.
Em pesquisa coordenada por Paul Freston (2010), já mencionada, um dos
entrevistados foi o pastor Geremias do Couto, assembleiano bastante reconhecido e que se
tornou calvinista. Personagem com posição de destaque na maior convenção da AD no Brasil,
a CGADB, já foi diretor da CPAD e missionário nos Estados Unidos. Sua conversão ao
calvinismo equivale a dizer que passa também por um processo de despentecostalização 242.
Ele tem sido um entusiasta dessa defesa no contexto da Assembleia de Deus. Mas não é o
único.
Esta relação entre calvinismo e despentecostalização que se verifica como uma
campanha de mudança cultural na ICNV mostra sinais de ser uma tendência crescente na AD,
como ilustram dados recolhidos da internet de pessoas reconhecidas no contexto

240
JacoboArmínio (1560-1609), teólogo holandês que apresentou uma perspectiva teológica que faz uma espécie
de contraponto à doutrina predestinacionista do teólogo suíço-francês João Calvino (1509-1564).
241
Entrevista via e-mail, em: 9 dez. 2016.
242
Entrevista concedida a Paul Freston e Robson Souza, em 16 de fevereiro de 2011, no Rio de Janeiro.
248

assembleiano. No blog Abordagens Teológicas, do presbítero Carlos Roberto Couto, da AD


de Capinópolis, MG, ele registrou um texto do twitter do pastor e teólogo pentecostal
Claudionor de Andrade, que reclamava: “Boa parte das Assembleias de Deus, no Brasil vem
sofrendo um processo de despentecostalização. Isso é fatal. Voltemos ao Cenáculo já!”243
Outro blogueiro assembleiano publicou entrevista com um pastor da AD, Silas Daniel,
em função de um artigo publicado pelo referido pastor na revista Obreiro244, da CPAD,
destinada a pastores e líderes da AD. O artigo foi matéria de capa da revista, que teve a
seguinte chamada como título: “Em defesa do arminianismo”. Na citada entrevista ao blog,
pastor Silas Daniel declarou:
Da mesma forma que uma igreja que começa a se abrir ao pentecostalismo começa a
ter sua liturgia afetada, uma igreja pentecostal que começa a se tornar calvinista
começa também, aos poucos, a refletir essa mudança em sua liturgia, estilo de
mensagens etc. Igrejas com mentalidade calvinista tendem, por exemplo, a serem
mais formais em sua liturgia e mais avessas às manifestações pentecostais do que
igrejas arminianas. Essa é uma das muitas preocupações, e ela não é baseada em
teoria. É um dado empírico. Eu conheço uma denominação pentecostal, não vou
dizer seu nome, cujos membros têm reclamado que, desde que ela passou
oficialmente a ser calvinista, está passando por um processo de despentecostalização
visível245. Seus cultos perderam a espontaneidade, estão cada vez mais formais; as
profecias passaram a ser desprezadas, os batismos no Espírito Santo começaram a se
tornar raros. Sem falar dos perigos de alguns crentes descambarem para o fatalismo
via adesão ao calvinismo (S. DANIEL). 246

No caso da ICNV o Bispo Walter propõe uma conjugação de duas tradições resultando
na identidade do “pentecostal-reformado”. Ela buscaria criar uma convergência entre estes
alguns aspectos desses dois sistemas, no entanto, na prática que vai se adensando
especialmente entre os mais jovens, o que ocorre é uma reforma do pentecostalismo que
apaga sinais eloquentes do que foi caracterizado como sendo pentecostal em detrimento do
florescimento de concepções doutrinárias tipicamente reformadas. Embora o binômio de
Walter seja uma tentativa de reunir e produzir uma simbiose desse novo estilo religioso
“pentecostal-reformado” o que tem, de fato, ocorrido é a predominância da pregação e ensinos
calvinistas, que tem suplantado o que restou do pentecostalismo de Roberto. E isso como
resultado de transformações sociais, especialmente no aumento dos índices de formação
educacional das pessoas mais jovens que tem produzido tal alteração na ICNV. Enfim, Walter
fala de pentecostal reformado, mas o resultado para os mais jovens é a reforma do

243
https://abordagensteologicas.wordpress.com/2016/09/29/ameacas-ao-pentecostalismo-classico-e-
assembleiano/(acesso em: 3 jan. 2017).
244
Ano 36, nº 68, s/d.
245
Referência certamente presumível à Igreja Cristã Nova Vida, a única denominação pentecostal a fazer
oficialmente esta mudança, conforme entrevista do próprio Bispo Walter, como visto no capítulo 3.
246
http://danielkock.blogspot.com.br/2015/01/arminiano-de-coracao-e-intelecto-uma.html (acesso em: 3 jan.
2017).
249

pentecostalismo, que se torna calvinista e tem em John e suas posições a tipificação do


modelo no futuro, que na verdade já chegou.

Para demonstrar ainda mais essa mudança da igreja e como forma de encerrar este
longo capítulo faremos a digressão abaixo com apresentação de um panorama etnográfico de
culto na ICNV.

4.6 Uma liturgia dominical: sinais eloquentes de despentecostalização

O processo de historicização que tem levado à despentecostalização da Igreja de Nova


Vida, como estamos considerando e observando, pode se encontrar bem mais atrás em sua
caminhada histórica. Possivelmente até mesmo ainda durante a direção do próprio fundador
Roberto McAlister, especialmente na segunda parte de sua missão, isto é, no final de sua
atuação como bispo. Para identificar um período específico, esse caminho pode ter seus
primórdios após o estabelecimento de diálogo com a Igreja Católica que resultou na adoção
do título de bispo pela definição de um governo episcopal na igreja. A isso se seguiu o
reconhecimento do calendário litúrgico e suas ênfases, o uso de indumentária eclesiástica e
outros símbolos próprios da tradição histórica da igreja. Walter McAlister foi além ao fazer
mudanças na liturgia, distanciando-se de modelos de cultos que consagraram igrejas
neopentecostais como Universal do Reino de Deus e Internacional da Graça de Deus. Estas
marcadas por cultos mais barulhentos, com manifestações de demônios e libertação, bem
como coletas agressivas de dízimos e ofertas. No final do tópico em que aborda a Igreja de
Nova Vida em seu livro Neopentecostais, Ricardo Mariano avalia a igreja fundada por
Roberto num tom que evoca historicização no que veio desembocar na despentecostalização
conforme vimos neste trabalho. Diz o sociólogo: “a diminuição da frequência dos fenômenos
extáticos e carismáticos em seus cultos só vem prejudicar ainda mais sua expansão”
(MARIANO, 1999, p. 53).
Até os anos 1990 e início dos 2000, mesmo na igreja liderada pelo bispo Walter
McAlister como a Nova Vida de Botafogo, havia uma liturgia com claras demonstrações
pentecostais, inclusive glossolalia. Em uma pesquisa etnográfica de 1997 que fiz para minha
monografia de graduação em Ciências Sociais, estudando a própria Igreja de Nova Vida de
Botafogo num viés de pentecostalismo de classe média, registro:
“Em um período de louvor, as pessoas já emocionadas pela música, o pastor vai
dizendo no microfone frases soltas de louvor ao Espírito Santo. Faz isso também
250

numa espécie de canto gregoriano 247. Não há, porém, uma letra estabelecida.
Sobressai a espontaneidade. Os crentes vão fazendo o mesmo, cada um utilizando
formas de expressão muito particulares. De repente estão falando e cantando com
uma língua ininteligível. Afirmam ser línguas estranhas, sinal da presença do
Espírito Santo, como aconteceu entre os cristãos primitivos 248. O ambiente é de
emoção” (FERNANDES SILVA, 1999).

Por causa da presente pesquisa, retornei, em 2014, à Igreja Cristã Nova Vida, de
Botafogo, acompanhando alguns de seus cultos também em 2015 e 2016. A mudança na
liturgia é bastante significativa, sobretudo porque tal manifestação coletiva como sinal da
presença do Espírito Santo não ocorreu, o que era uma prática corriqueira em todos os cultos
quando da pesquisa de graduação. O que se observa agora é um culto mais tradicional, com
muitas semelhanças às celebrações religiosas regulares de igrejas protestantes. Cânticos
tradicionais com louvor comedido e ambiente nada barulhento, pregação pastoral com
apresentação de argumentos bíblico-teológicos típicos de um sermão previamente elaborado e
mais racional, recolhimento de ofertas feito com discrição e sem qualquer apelo à
contribuição, orações sem barulho e mesmo com poucas manifestações audíveis do “amém”
característico, especialmente no final da prece. Ou seja, um contexto sem destacada diferença
da média das igrejas protestantes históricas.
O processo de despentecostalização levado a cabo pela liderança episcopal da Igreja
Cristã Nova Vida mostra resultados surpreendentes na comparação da igreja que pesquisei no
final dos anos 1990. Aquela era ritual e doutrinariamente mais pentecostal e esta agora sem
traço evidente da teologia e prática litúrgica associada ao universo típico das “religiões do
Espírito”.249
A atual catedral, que é o templo sede da ICNV e onde atua o bispo primaz, vive o
modelo ideal a ser copiado pelas demais igrejas da denominação, especialmente quanto a
liturgia e teologia, como já comentamos neste trabalho. A campanha de mudança cultural
desenvolvida por Walter McAlister e por seu filho John juntamente com Marcelo Maia, centra
esforços particularmente nessa área do culto e da doutrina. Ali a liturgia é ainda mais
aproximada do modelo médio das igrejas protestantes históricas e, às vezes, até mais
tradicional do que em muitas destas. Em observação participante do culto dominical da
catedral em 10 de novembro de 2013, no templo sede de então na Avenida das Américas,

247
Melodia sem acompanhamento em que são cantados os textos da liturgia católica romana. Também chamado
de cantochão, ela segue uma linha melódica semelhante, sem grandes variações de grave ou agudo (ISAACS e
MARTIN, 1982, p. 65, 66).
248
Conforme narrativa da BIBLIA. N.T. Atos dos apóstolos. Português. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica
Brasileira, 1987. Cap. 2.
249
“Religiões do Espírito” ou pentecostais, conforme conceituações de Jardilino (1994).
251

Recreio dos Bandeirantes, faço os registros que seguem, com destaques para outras liturgias
que também acompanhei posteriormente no templo atual da catedral, na Avenida Baltazar da
Silveira, também no bairro do Recreio.
A reunião teve início pontualmente às 10 horas com a chegada do pastor ao púlpito,
que fez uma saudação aos presentes. Ele é John McAlister, o pastor regente da Catedral, filho
do bispo Walter McAlister. Fez uma leitura bíblica do Salmo 97, seguida por uma oração,
com os fiéis ajoelhados no genuflexório dos bancos. Este é um mobiliário mais presente em
santuários católicos e quase inexistente nos templos evangélicos, exceto em alguns, embora
raros, de igrejas do protestantismo histórico. Enquanto o pastor orou houve um profundo
silêncio, quebrado apenas pela suave melodia executada ao piano. A linguagem da oração é
marcada pelos termos da teologia clássica do protestantismo, sem referências a jargões típicos
das orações pentecostais como cura e libertação. Muito semelhante a esta foram as demais
orações – dez ao todo – que tiveram no culto, todas feitas pelo pastor John. Não houve prece
por enfermos, por exemplo, em todos estes momentos de oração. As leituras bíblicas, cinco
durante o culto, incluindo a do sermão, foram conduzidos também pelo pastor. Assim como
todos os cânticos entoados pelos presentes. Ele conduz do púlpito enquanto a igreja canta e os
músicos fazem o acompanhamento discreto ao piano, bateria, contrabaixo. Foram oito
cânticos durante a celebração, sendo cinco hinos tradicionais oriundos de hinários de igrejas
clássicas do protestantismo histórico e três canções, também mais tradicionais do cancioneiro
evangélico brasileiro.
Antes do sermão o pastor deu alguns avisos à igreja. Para isso ele deixou o púlpito
central, desceu um degrau da plataforma, foi para um pequeno púlpito-estante ao seu lado
esquerdo. Como se o espaço do púlpito, de onde se faz a pregação e a condução dos hinos e
orações fosse mais sagrado e não devesse ser utilizado para informações do cotidiano da
igreja. Ele começa falando de uma ida ao shopping no dia anterior para resolver alguma coisa
e disse: “Se você preza sua saúde espiritual, não vá ao shopping. É um lugar infernal,
principalmente neste período de fim de ano”. Achei que fosse só uma brincadeira, mas ele
reiterou com uma expressão bíblica: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz à igreja”.
Continuando com os avisos ele falou do Natal, chamando de advento – linguagem própria das
igrejas mais tradicionais do protestantismo clássico, além da igreja católica – convocando as
pessoas para as celebrações especiais do “Natal cristão”. Informou também de reuniões
regulares na escola dominical para crianças e jovens. Comunicou sobre um encontro para
casais e um seminário da família. Voltou a enfatizar o “Natal cristão” e pediu amém, como
uma maneira de ter o apoio da comunidade. A resposta da igreja com um “amém” foi tímido e
252

ele insistiu: “Amém?” Ao que o grupo respondeu com mais firmeza e participação: “Amém!”
Falou, em seguida, sobre uma campanha para apadrinhamento de crianças de um projeto
social chamado “Lar da criança – Minha casa, doce casa”250. Informou que algumas pessoas
da igreja já estão participando. “Quem quiser fazer doação, dar seus dados com o pessoal da
mesa de entrada do templo. A entrega dos donativos às crianças será dia 21 de dezembro no
orfanato”. Continuou falando referindo-se à construção da nova catedral, cujas obras tiveram
início em maio de 2013 e previsão de encerramento em agosto de 2014. O orçamento é de 15
milhões, dos quais, 4,8 milhões já foram conseguidos, segundo John. O local onde a atual
catedral está erguida, no bairro do Recreio dos Bandeirantes, tem problemas de estrutura por
ser área aterrada, conforme explicação posterior. O novo templo será mais na direção da Barra
da Tijuca, em interseção com o Recreio. Enquanto ele falava, mostrava no projetor imagens
do estágio da obra e desenhos da construção concluída.
Também divulgou os livros da editora Anno Domini – que pertence à igreja –,
especialmente um lançamento recente, chamado “Firme fundamento: A inerrante Palavra de
Deus em um mundo errante”251. Estas informações foram preliminares para o momento de
recolhimento de ofertas, que teve uma música suave ao piano. Neste instante ele falou, sempre
com discrição: “Quem nos visita, não se sinta constrangido a contribuir. Mas se você quiser,
louve ao Senhor com seus dízimos”.
O ritual de entrega de ofertas é feito em dois momentos. No primeiro faz-se uma fila
que segue pelo corredor central em direção ao pastor John, que desceu mais um degrau da
plataforma, se posta ao centro e recebe das mãos das pessoas envelopes com as contribuições.
Ele pega os envelopes nas mãos e os segura, ordenadamente. A cada pessoa que entrega ele a
cumprimenta e dá uma pequena palavra de saudação e bênção. Depois ele voltou ao púlpito e
orou com os envelopes nas mãos. Em seguida um grupo de diáconos – os homens bem
vestidos de paletó e gravata e as mulheres, também sóbria e elegantemente vestidas fazem
recolhimento de ofertas passando sacolas aveludadas entre todos os bancos, mas de maneira
discreta, sem constranger ninguém a contribuir. Ao final, tudo é entregue a um diácono de
maior idade, que parece ser o líder dos outros, que sai com as ofertas junto com outros
diáconos por uma porta lateral.

250
Site do projeto social, que pelas informações, não pertence à igreja, mas é de direção cristã:
http://www.minhacasadocecasa.org.br/ (acesso em: 26 jul. 2014).
251
O título e principalmente o subtítulo do livro revelam seu conteúdo, próprio de uma teologia protestante
clássica, associada ao fundamentalismo, muito corrente na primeira metade do século XX, principalmente nos
Estados Unidos.
253

Do púlpito o pastor toma a bíblia e faz um convite: “Vamos estudar a palavra de


Deus”, informando o endereço do texto a ser lido, que é Apocalipse 3.1-6. Após a leitura feita
pelo pastor e acompanhada pelos fiéis em suas bíblias – tanto em papel, como em aparelhos
eletrônicos – John McAlister orou pedindo pela “ministração da Palavra”. Ao final, teve
pouco amém audível e bem discreto por parte dos presentes.
A pregação teve como ênfase a ideia de que uma igreja sem problemas pode ser um
grande problema, porque significa que ela está morta. Um sermão dirigido à igreja, não ao
indivíduo em particular. Como geralmente acontece em igrejas tipicamente pentecostais e
neopentecostais em que o pastor fala especificamente ao fiel, utilizando linguagem direta e
usando a segunda pessoa do singular: você. O conteúdo geral revela um sermão teológico,
bem elaborado, com uma fala mais pedagógica e jamais com qualquer grito ou alteração
maior da voz, assim como nenhum gesto mais largo com os braços ou o corpo. Tudo bem
comedido e com bastante sensatez. Da parte do público, também nenhum “amém” ou
“aleluia” em apoio ou resposta à pregação do pastor, como é comum em igrejas pentecostais e
neopentecostais. Todos acompanham o sermão em silêncio, muitos com a bíblia aberta e
alguns fazem anotações da fala do pastor.
Diversas vezes ele citou e enfatizou o Espírito Santo durante o sermão, que durou
cerca de 40 minutos: “Quando a igreja quer sobreviver na base de programas especiais, de
debate teológico, de ação social, de liderança, mas não vive do Espírito Santo, do poder do
Espírito, ela morre”. E continuou: “Uma igreja pode ter ótima estrutura tecnológica, atraentes
programas para casais, jovens, idosos, mas sem o poder do Espírito Santo ela estará morta. A
igreja que para de beber da fonte que é Cristo e o Espírito Santo, ela morre, por mais história e
patrimônio que ela possa ter”.
Avançou em sua prédica, seguindo esta mesma linha de convite à igreja a um
“cristianismo efetivo, não nominal, mas operacional”. E perguntou: “O que o trouxe a igreja?
O evangelho da vida mansa, de melhoria do trabalho ou o evangelho de conversão a Cristo? A
palavra de Jesus é clara: Tome cada um a sua cruz e siga-me”, enfatizou o pastor John. E
continuou: “Por que você está aqui? Pelo ambiente que é bom, por sua família, pela simpatia
das pessoas? Você deve estar aqui por Cristo. Por isso, pare de viver uma vida acomodada.
Pare de querer uma vida sem problemas. Essa não é a vida cristã. Arrependa-se e obedeça a
Deus”. Chama a atenção como todo o discurso destoa da pregação das igrejas
neopentecostais, que enfatizam prosperidade e bem estar físico e material. Ao exortar as
pessoas a pararem de querer uma vida sem problemas, faz um contraponto extremado com o
mote central de uma denominação como a Igreja Universal do Reino de Deus que enfatiza
254

sempre: “Pare de sofrer”, em busca de novos fiéis. E John completou: “Tem um remanescente
fiel, alguns que não se contaminaram”. Falava de sua igreja em comparação a outras
neopentecostais e pentecostais que eles procuram se distanciar e diferenciar?! Tal referência,
do Antigo Testamento e muito utilizada nos meios protestantes, faz alusão aos poucos que se
mantiveram fieis a Deus como único Senhor num contexto de confluência e mistura com
outras religiosidades.
Falou sobre o céu e das pessoas salvas que estarão lá porque viveram na obediência a
Jesus: “Cristo te reconhecerá? Ele lerá seu nome no Livro da Vida? Os que se contaminaram
podem ter seu nome inscrito no livro desta igreja, mas não no Livro da Vida!”. Prosseguiu
questionando educadamente, mas com firmeza os presentes: “Você ama a Jesus, a sua palavra
e busca o Espírito da vida? Você se submete à palavra de Deus?”
“Há um só que pode dar vida: O Autor da vida! Que adianta o homem ganhar o mundo
inteiro e perder a sua alma? Longe de Cristo não há vida. Se pela graça você confessa Cristo,
você pode voltar a ter vida”. Ele completou o sermão com um versículo do Apocalipse:
“Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz à igreja”.
Durante o sermão e mesmo ao final, reitero que não ouvi dos presentes qualquer
menção a “amém”, que é uma manifestação típica dos crentes, uma forma de aprovação, de
apoio. Muito fortemente em igrejas pentecostais, mas, também às vezes, mesmo de forma
bem discreta, em igrejas protestantes históricas. Entretanto, não ouvi qualquer palavra assim.
E não parecia desaprovação ou desgosto pelo sermão. As pessoas estavam bem atentas,
acompanhavam com interesse em suas bíblias, faziam anotações. Mas sem nenhuma reação
aparente.
Após o sermão o pastor fez uma oração e em seguida convidou todos a se preparar
para a “mesa do Senhor”, quando desceu até uma mesa abaixo do púlpito onde estavam os
alimentos da Ceia, o ritual da eucaristia. Um diácono de frente para a mesa e de costas para a
igreja ouve uma orientação do pastor, em voz baixa. Depois o pastor fala para todos que é
“preciso se render a Cristo primeiro, ser batizado e assim participar da Ceia”. Ele faz alguns
comentários sobre este momento e o ritual, concluindo com uma orientação pedagógica: “em
silêncio nós participamos da Ceia”. Teria havido manifestações mais exaltadas em outros
tempos da trajetória da igreja?
O ritual avança com a distribuição de um pequeno pedaço de pão, tipo um pão sírio,
entre os presentes enquanto o pastor lê um texto bíblico, seguido de uma oração “agradecendo
o Corpo de Cristo” e intercedendo pela igreja na mesma linha do sermão. Após, convida todos
a comer. Seguidas pelo pastor, as pessoas mastigam o pão. Tudo em profundo silêncio, exceto
255

pelo piano que toca uma música suave. Após o alimento, convida os presentes a cantar um
hino, e ele mesmo começa, após a introdução feita pelos músicos. Neste momento os diáconos
distribuem um minúsculo copo com vinho. Ao terminar a distribuição os diáconos voltam à
mesa com as bandejas vazias dos pequenos cálices, o pastor ora e em seguida todos bebem
seu vinho. Daí ele orienta as pessoas a se cumprimentarem, ao que eles viram umas para as
outras, isto é, para aquelas que estão ao seu lado, pegam na mão em cumprimento e repetem:
“paz de Cristo”. Uma saudação semelhante à que é feita em igrejas presbiterianas e católicas.
Antes de encerrar o culto, que teve duração de duas horas, ele repassou brevemente os
avisos que tinha feito antes, como da Escola Bíblica Dominical, “para crianças, jovens,
adolescentes e todos que quiserem”, da campanha de ajuda ao “Lar da Criança”, do livro
Firme fundamento e do seminário da família. Fez uma última oração, dando uma benção aos
presentes e despediu a todos.
As pessoas começam a sair, outras ficam conversando com amigos, e o pastor recebe
aqueles que o procuram, às vezes fazendo oração individual. Neste momento informal de
conversas, procuro o bispo Walter, que estava sentado mais atrás e falamos amistosamente,
inclusive sobre minha pesquisa. Na noite do dia anterior, sábado, fiz contato com ele por uma
rede social, perguntando se ele seria o pregador daquela manhã, informando que eu iria a
igreja no domingo, por conta da pesquisa. Pergunto sobre o culto, pela liturgia e sermão
bem assemelhado a igrejas mais litúrgicas do protestantismo histórico. Ele diz que muitas
igrejas da Aliança não são assim como na Catedral. “Mas a formação dos novos pastores é
feita nesta linha. John [McAlister] é o deão do Instituto [IBRMEC] e procura orientar dentro
deste modelo”.
Acerca da ceia, que nas igrejas evangélicas acontece, geralmente, uma vez por mês,
Walter diz que na Nova Vida ele a pratica há 20 anos no culto dominical da manhã. “A partir
de fevereiro, faremos também no culto dominical da noite. Pois a ceia é o centro da pregação
e do culto”, diz ele. Esta é uma concepção própria de algumas raras igrejas locais, mais
litúrgicas e tradicionais do protestantismo histórico. Exceto a Igreja Episcopal Anglicana, que
é quase somente a única no campo do protestantismo brasileiro a realizar o cerimonial
dominicalmente em seus serviços religiosos. Desde 2015, quando passei a acompanhar os
cultos na nova Catedral, o ritual da Ceia é um dos momentos centrais da liturgia dominical,
agora realizada tanto pela manhã quanto no culto da noite.
Sobre sua identidade hoje, ele se declarou como “pentecostal-reformado”, embora toda
sua trajetória na liderança da igreja revela um apelo maior pela segunda parte do binômio
identitário em detrimento arrojado do primeiro termo. Acrescentou que vai escrever acerca
256

desse assunto em seu trabalho de conclusão da pós-graduação. Esclareceu que não é calvinista
ao extremo. “Nem poderia ser”, explica, acrescentando que é também de concepção
anabatista252, pois crê que apenas pessoas adultas podem ser batizadas. Conforme sua
percepção, duas razões básicas o afastam de ser um calvinista pleno: não ser cessassionista em
relação a glossolalia e não aceitar o batismo infantil. E nessas questões ele se acha vinculado
ao pentecostalismo, porque continua a crer no “dom de línguas” – embora não haja
manifestações audíveis nos cultos públicos – e a realizar “batismo nas águas” somente de
pessoas já conscientes de suas decisões, portanto, crianças não estariam neste rol. De fato, a
Ceia somente é dada para batizados na ICNV e a cada ritual o pastor dirigente recorda que
para participar a pessoa deve ser convertido a Cristo e ter sido batizado.
Embora não negue do ponto de vista do discurso permanecer pentecostal, o culto e o
sermão são bastante marcados pela liturgia e teologia mais tradicional das igrejas históricas e
sem nenhum sinal da doutrina e celebrações das igrejas pentecostais e neopentecostais. O
culto chega a ser mais tradicional do que igrejas que se dizem históricas, como algumas
metodistas, presbiterianas e batistas (SOUZA, 2013). Um fato a ser mais bem caracterizado e
verificado é que do avô para o pai e do pai para o filho, isto é, de Roberto para Walter e deste
para John, a Igreja Pentecostal de Nova Vida passou a ser Igreja Cristã de Nova Vida, que
avança com uma teologia/liturgia apontando numa direção muito diferente e mesmo oposta
àquela dos primórdios da igreja e de seu fundador.

252
Anabatista refere-se ao movimento pós-reforma protestante que defendia a formação de igrejas apenas com
pessoas adultas que seriam batizadas – ou rebatizadas, pois geralmente vinham de igrejas protestantes ou
católicas – mediante decisão conscientemente pessoal. E não batizavam crianças, pois estas não teriam
consciência de seus atos ou capacidade de decidir sobre questões de fé (WALKER, 2006).
257

REFLEXÕES (IN)CONCLUSIVAS

Os estudos de sociologia da religião no Brasil têm dedicado tempo e energia na


compreensão do fenômeno do pentecostalismo, em suas mais variadas formas, e seus
impactos no campo religioso brasileiro a partir da década de 1980. Dentre as muitas mudanças
observadas por esses estudos, tem se destacado as descontinuidades e inovações que um novo
tipo de pentecostalismo, chamado de neopentecostal, tem provocado, questionando
perspectivas consagradas nas pesquisas sobre religião no Brasil e na América Latina.
O objeto de pesquisa deste estudo, a Igreja de Nova Vida, fundada pelo missionário
canadense Roberto McAlister, está na gênese das inovações teológicas, litúrgicas, estéticas e
éticas, que trouxeram o neopentecostalismo para o centro das atenções dos estudos sócio-
antropológicos da religião no Brasil. A Igreja de Nova Vida, que está na origem de igrejas
como IURD, Internacional da Graça de Deus e Cristo Vive, acabou se dividindo em outras
denominações após a morte de seu fundador, alterando nomenclaturas, lideranças,
identidades, doutrinas e atuação social. Escolhemos especificamente um dos grupos cindidos,
a atual Igreja Cristã Nova Vida, dirigida pelo bispo primaz Walter McAlister, seu filho, a fim
de estudar e descrever o processo de despentecostalização paradigmático dessa igreja,
refletindo sobre a trajetória desse movimento religioso que nasceu com certa configuração
identitária e passou por transformações diversas, iniciadas ainda no período final da gestão do
seu fundador. Tendo sido fundada como uma igreja pentecostal, tipicamente de “segunda
onda”, passa por diversas experimentações que a caracterizam como uma igreja vanguardista
no então nascente movimento neopentecostal brasileiro, tal qual os estudos sociológicos
vieram a classificar. Com a morte de seu fundador, Roberto McAlister, no início da década de
1990, movimento que ainda se matinha como pentecostal passa posteriormente, sob a
liderança de seu filho Walter McAlister, a tomar outro rumo. Surgida como um movimento
religioso missionário no contexto do universo pentecostal, a então Cruzada de Nova Vida
despertou interesse das pessoas por sua forma e conteúdo religiosos já inovadores, mais
consonantes com a realidade urbana em transformação do contexto brasileiro da década de
1960. Tal expressão religiosa veio a ser considerada precursora do chamado
neopentecostalismo. Conforme vimos desde a introdução desta tese transições geracionais
podem ser propulsoras de mudanças, pessoais e institucionais, principalmente pela via da
ascensão social por meio de maior nível de instrução de seus descendentes. Walter McAlister
esteve envolvido com esse movimento e alguns de seus destacados personagens no Brasil,
258

mas alterações em seu nível de instrução e mudanças sociais tanto no interior do


pentecostalismo quanto externamente na sociedade mais geral, resultaram numa alteração
radical quanto a crenças e práticas doutrinárias em sua trajetória pessoal e, por consequência,
também na realidade institucional e identitária de sua denominação.
O processo de transformações dessa igreja e seus personagens foi analisado com o
suporte de aportes teóricos de autores como Weber e Bourdieu, com destaque para o conceito
de “campanha cultural”, tal qual adotado pela antropóloga holandesa Marjo de Theije,
desenvolvida a partir do estudo etnográfico feito por ela em Comunidades Eclesiais de Base
em diocese católica no Nordeste brasileiro. Theije se baseia em teoria etnográfica construída
por Sherry Ortner, resultante de pesquisas efetuadas pela antropóloga estadunidense em
comunidades budistas no Nepal sobre mudanças de política cultural entre diferentes gerações
de mosteiros.
Conforme foi visto no primeiro capítulo, o estilo de pentecostalismo proposto pelo
pastor Roberto McAlister desde os primórdios da Cruzada de Nova Vida despertou grande
interesse de muitas pessoas que acorreram para suas reuniões, tanto em praça pública quanto
nas atividades regulares que passou a realizar no auditório da Associação Brasileira de
Imprensa, no Centro do Rio de Janeiro. A “mensagem de nova vida” do missionário
canadense, com a flexibilização dos rígidos usos e costumes típicos e predominantes das
igrejas pentecostais mais destacadas no período, como a Assembleia de Deus e Congregação
Cristã do Brasil, e mesmo a Igreja do Evangelho Quadrangular, fez muita gente dessas
denominações optarem por sua proposta. Mas não apenas por razões associadas à estética,
também o conteúdo oferecido era igualmente inovador. Com uso ativo de meios de
comunicação, através do rádio e da televisão, numa sociedade em processo de rápida
urbanização e transformação do contexto dos anos 1960-70, Roberto McAlister, com
linguagem mais moderna que outras propostas pentecostais, tratava em suas pregações e
escritos de “coisas da vida”. Além do mais e, sobretudo, seu sucesso se explica pelas ações
essencialmente pentecostais, tais como glossolalia, curas milagrosas, revelação ou profecia,
mas também por ênfase em práticas que foram chamadas posteriormente de neopentecostais,
tais como exorcismos e estratégias arrojadas de obtenção de contribuições financeiras já com
gramática bastante aproximada da teologia da prosperidade. Além de granjear fiéis no
ambiente pentecostal, Roberto conseguiu muitos adeptos entre católicos e pessoas de religiões
afro-brasileiras. Pelos relatos das entrevistas, tanto de fiéis quanto de pastores, é perceptível
como Roberto e sua mensagem de Nova Vida conseguiu atrair as pessoas e acolher
259

personagens que criaram grupos religiosos de grande apelo social na formação do instigante
neopentecostalismo brasileiro.
A observância deste receituário, que propus chamar de “protoneopentecostalismo”,
resultou em razoável sucesso do empreendimento de Roberto, especialmente pelo apoio
decisivo dos meios de comunicação, primeiramente o rádio, inclusive com a compra de uma
estação transmissora, e depois com a exibição de um programa de televisão. McAlister foi
pioneiro na TV e também um dos primeiros pastores, em particular no contexto pentecostal, a
manter regularmente programas radiofônicos. Essas práticas e estratégias foram copiadas e
radicalizadas por antigos seguidores seus, como ilustram, superlativamente, Edir Macedo
(IURD) e Romildo Soares (IIGD), que vieram a se tornar personagens exemplares do sucesso
numérico de fiéis, de recursos financeiros e de poder midiático do neopentecostalismo no
Brasil.
As marcas indeléveis da atuação de Roberto no ambiente evangélico brasileiro não
ficaram restritas a essas ações. Além da comunidade que se reunia na ABI, outras igrejas
foram surgindo e se organizando.
Com estabelecimento de igrejas por todo o Rio e em outros estados brasileiros, a
denominação cresceu e passou a realizar anualmente um encontro de práticas carismáticas no
ginásio do Maracanãzinho. Também se estruturou como organização por meio do modelo
episcopal de gestão eclesiástica. Pastor Roberto se tornou o Bispo Roberto, inclusive com a
utilização de indumentária e símbolos próprios do modelo de organização eclesiástica
episcopal, decisão que teria sido influenciada pelas relações próximas estabelecidas com o
Vaticano por meio de um grupo internacional de pastores pentecostais reunidos em torno de
uma organização chamada de Comunhão Internacional de Igrejas Carismáticas, do qual
Roberto chegou a ser presidente.
Após a morte de Roberto, seu filho Walter, que circulava entre grupos
neopentecostais, ao assumir a condição de Bispo Primaz da denominação e decidir realizar
pós-graduação em Teologia, entra em contato com outro paradigma teológico, diverso dos
fundamentos pentecostais, o calvinismo. Essa formação, decisiva na alteração da identidade
doutrinária e consequência nas práticas religiosas de Walter, foi considerada nesta pesquisa
como uma das explicações pelo processo de despentecostalização conduzido por sua liderança
à frente da Aliança de Igrejas Cristãs Nova Vida.
Por meio de estudos, leituras, contato com certos líderes associados ao movimento
calvinista, de matriz reformada e histórica, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, bispo
260

Walter passou por uma espécie de conversão ao adotar a ideologia calvinista como programa
teológico e visão de mundo religiosa.
Numa perspectiva weberiana, Roberto seria o tipo-ideal pentecostal, “encantado”,
mais místico que asceta, enquanto Walter, o tipo-ideal reformado, “racional”, mais asceta do
que místico. Se por um lado, foram as muitas façanhas pentecostais de Roberto que
motivaram e causaram milhares de adesões de seguidores a seu projeto entre os anos 1960 e
1980, o discurso mais desencantado e racional de Walter, cujo arcabouço reflexivo segue a
“cartilha” calvinista, tem feito diversas pessoas, sobretudo jovens, a buscarem sua igreja a
partir dos anos 2000. Em contrapartida, outros fiéis, principalmente remanescentes da era
Roberto, têm deixado a ICNV por outras igrejas ou denominações marcadas por práticas mais
atinentes ao universo pentecostal. Portanto, a razão principal para essa perda de fiéis e mesmo
a retração do crescimento numérico da igreja, diz respeito ao processo de
despentecostalização que a gestão de Walter tem imprimido nela.
Essa despentecostalização se efetua e se efetiva por cultos sem práticas típicas da
concepção e identificação pentecostal, a saber: 1) glossolalia audível no culto público por
parte dos pastores e fiéis, bem como, 2) revelação divina de profecia para o coletivo, mas,
principalmente dirigida a pessoas individualmente. Além do esvanecimento dessas
manifestações pentecostais, a despentecostalização se dá também pelo aniquilamento de
práticas associadas ao neopentecostalismo verificadas no período de Roberto: curas
milagrosas com imposição de mãos sobre doentes e práticas de exorcismo. Todas estas
práticas inexistem nas liturgias atuais da ICNV, sobretudo na Catedral. Quanto ao pedido
incisivo de dinheiro nos cultos, prática dos tempos de Roberto, é feita de maneira comedida
hoje na Catedral e na congregação de Botafogo, e segue como orientação para todas as
igrejas. Sobre o uso de meios de comunicação, Walter e sua Aliança Cristã Nova Vida não
fazem uso do rádio e rechaçam firmemente TV, embora utilizem estrategicamente a internet
com frequência e regularidade.
A despentecostalização, no caso da ICNV, se identifica por um processo de
apagamento dos rituais pentecostais e neopentecostais típicos, muito embora se afirme
verbalmente a crença em certas doutrinas associadas ao movimento pentecostal como a
“contemporaneidade dos dons do Espírito Santo” como cura, milagres, glossolalia etc. Essa
distância abissal entre o modelo paradigmático da era Roberto e a realidade atual sob a
direção primacial de Walter tem como um dos fatores explicativos a busca por legitimidade
social, como consequência do maior nível de instrução, decorrente da mobilidade social
ascendente de quadros eclesiais e de contingentes geracionais da igreja. Importante destacar o
261

que o próprio Walter relatou sobre seu pai, que em comparação com sua própria realidade,
vinha de uma infância socialmente mais humilde e sequer concluiu a escola secundária
(Ensino Médio).
Portanto, os dados desta tese reforçam a hipótese apresentada o que equivale
reafirmar, seguindo intuições analíticas weberianas, que quanto mais as gerações de
pentecostais e neopentecostais no Brasil buscarem legitimidade social devido à ascensão
social, principalmente pelo aumento da escolarização, tanto mais arrefecerá seu ardor
religioso nas práticas pentecostais. Essa mudança sociológica pode redundar numa
reconfiguração da realidade religiosa e política dos grupos evangélicos atualmente mais
salientes que compõem o cenário sócio-religioso brasileiro.
Quem tem medo do atual poder político do neopentecostalismo e de seu crescimento
vertiginoso no país poderá observar a mudança social na ICNV e vislumbrar uma outra
possível realidade. É provável que, após a morte dos fundadores de igrejas politicamente
ruidosas e de apelo social e midiático, como IURD e IIGD, para ficar nestes dois exemplos,
associados ao aumento do grau de instrução de seus fiéis, muitas transformações poderão
acontecer. E mesmo não vindo a adotar uma base calvinista, pois há outras possibilidades
doutrinárias e teológicas no espectro evangélico, é possível, no entanto, que a
despentecostalização como temos visto seja o caminho mais plausível ou mesmo inexorável
para esses grupos religiosos.
O passado da Nova Vida, tipificado em Roberto McAlister e seu florescente
pentecostalismo e protoneopentecostalismo está tão distante – quase morto – quanto a
sepultura de seu fundador localizada no interior da América do Norte. O presente desse ramo
mcalisteriano da Nova Vida se traduz na figura de Walter McAlister e sua Aliança Cristã
Nova Vida, que procura conjugar algum aspecto do pretérito carismático com fortes
ingredientes calvinistas muito em voga na atualidade, resultando no binômio identitário
pentecostal-reformado. Esta construção conceitual, como afirmada pelo bispo primaz,
encontra ainda fraca demonstração efetiva nas pregações, ensinos e liturgias da ICNV, em
particular na Catedral e outras igrejas já mencionadas. Ou seja, dos dois termos deste binômio
se verifica poucos sinais do primeiro, pentecostal, e mais eloquentes, do segundo, reformado.
Na linguagem teológica calvinista adotada pelo atual mentor da ACNV, o futuro da Igreja
Cristã Nova Vida seria menos uma “profecia a ser revelada”, e mais uma “predestinação
irresistível”, já manifestada na Catedral pela regência pastoral de John McAlister.
Como afirmado por Walter McAlister, John McAlister é um típico puritano, ou seja,
um calvinista ainda mais ardoroso, e que “precisa até ser um pouco amaciado”, conforme
262

revelou acerca do rigor doutrinário e moral de John. Vários entrevistados, sobretudo os mais
jovens e com maior nível de instrução, se identificam assumidamente com John e sua teologia
calvinista. Nessa linha, alguns, especialmente jovens, revelaram sequer serem pentecostais,
mas apenas reformados, manifestando pendor pelo calvinismo e falando com constrangimento
e mesmo repulsa sobre o suposto pentecostalismo da igreja. A dinâmica dos cultos na
catedral, conforme demonstra o capítulo 4, exacerba uma liturgia de tonalidade calvinista que
em quase nada se assemelha ao estilo das reuniões pentecostais nos primórdios na ABI.
Mesmo comparando a liturgia atual com os cultos na antiga sede em Botafogo sob a então
liderança do próprio Bispo Walter nos anos 1990, há uma distância significativa com agudas
distinções.
Em suma, praticamente quase nada mais atualmente na Igreja Cristã Nova Vida
lembra a trajetória de Roberto e o movimento fundado por ele. Nem o nome da instituição,
que foi trocado de IPNV para ICNV; nem o local, cuja sede era Botafogo, e atualmente está
na Catedral no bairro do Recreio dos Bandeirantes; nem ainda as práticas tidas como
pentecostais, nem o estilo do culto, o símbolo da denominação, o nome da editora. De igual
forma, a maneira de relacionar-se com os fiéis, saindo de um estilo mais livre e sem
compromisso institucional formal da era Roberto para um modelo marcado pelo controle do
pacto de membresia assumido pelos crentes após um processo pedagógico de formação
religiosa. Quanto à aproximação e diálogo ecumênico institucional e continuado com o
Vaticano há, atualmente, além de distanciamento, uma negação de qualquer possibilidade de
interlocução com a Igreja Católica, e mesmo com espaços de interlocução ecumênica vigentes
no protestantismo brasileiro.
Como se percebe em todos estes exemplos, Bispo Walter fez uma vertiginosa
transformação e imprimiu na igreja sua própria identidade despentecostalizada, caminho que
tem sido seguido por seu filho a partir da liderança na direção da Catedral bem como na
equipe de gestão do IBRMEC.
Pelo estilo de liderança e de práticas de gestão religiosa que registramos na catedral, a
denominação será muito provavelmente uma igreja ainda mais clericalizada, controlada, com
pacto de membresia, voltada mais para a organização e disciplinamento interno. Diferente do
modelo praticado por seu avô Roberto, cuja ação se dirigia para fora, para as praças, para um
auditório em espaço público (ABI), no Maracanãzinho, no rádio e na TV. Com uma
linguagem menos especificamente religiosa e mais aberta às pessoas em geral.
O que resultará na ICNV com uma eventual mudança geracional em sua
administração? Quando Walter assumiu a direção da denominação sucedendo seu pai, houve a
263

divisão litigiosa com as devidas consequências da separação. Quando John se tornou o


regente da catedral após o afastamento de seu pai para cuidar mais da estrutura
denominacional da ACNV, tal mudança resultou em evasão de fiéis. No futuro, com uma
provável ordenação episcopal de John e sua consequente investidura na liderança primacial da
denominação, acontecerá cisão como ocorreu na sucessão de seu avô em relação a seu pai ou
a campanha de mudança cultural liderada pelo primaz já terá chegado ao fim com a total
renovação de todos os pastores e bispos antigos por outros formados sob a visão calvinista e
despentecostalizada do IBRMEC? Restará algum traço do movimento fundado por Roberto na
denominação a ser liderada futuramente por seu neto John? O que isso pode apontar sobre o
futuro do pentecostalismo e principalmente do neopentecostalismo no Brasil? Certamente
estas e outras questões são temas a serem explorados por futuras pesquisas nesse campo.
Podemos considerar se o modelo eclesiástico neopentecostal está voltado para
alcançar resultados, sobretudo numéricos, e consequentemente econômicos, a perspectiva
calvinista da opção da ICNV de Walter, especialmente de viés mais teologicamente
conservador, persegue a verdade. Assim, por conta de sua concepção teológica a ICNV não
está necessariamente interessada em ser uma megaigreja com uma estrutura midiática e de
visibilidade com dividendos nessa área. Ela quer apresentar-se como um referencial religioso,
doutrinário e ético, mesmo não sendo tão numerosa, julgando que a coerência teológico-
doutrinária e o reconhecimento ético são mais importantes e valorizados historicamente que a
quantidade de membros. A partir de uma perspectiva da teoria de mercado religioso é possível
considerar que, na impossibilidade de concorrer com outras propostas de maior apelo
disponibilizadas no mercado, como IURD, IIGD, ADVEC, por exemplo, Walter McAlister
buscaria investir em outro espaço, visando um público selecionado. Neste sentido, o líder da
ACNV teria optado por oferecer um tipo de produto mais afeito aos interesses demandados
por segmentos de certa elite – mais exigente, tanto intelectual quanto economicamente – que
vem crescendo e se instituindo no contexto das transformações sociais e geracionais da
sociedade brasileira.
Caso a campanha de mudança cultural de Walter McAlister alcance êxito em sua
denominação, para além da Catedral, como parece vir ocorrendo em igrejas lideradas por
pastores mais jovens formados pelo IBRMEC, a Aliança Cristã Nova Vida pode se tornar
uma referência importante para muitos grupos pentecostais, tanto grandes, como as
Assembleias de Deus, quanto pequenos e médios identificados em muitas igrejas e ministérios
espalhados pelo país que buscariam outra identidade em função de mudanças sociais e
geracionais além do próprio desgaste histórico do pentecostalismo/neopentecostalismo. Assim
264

como Roberto, que a partir de experiência adquirida nos Estados Unidos, construiu um
modelo religioso que provocou uma renovação do pentecostalismo no Brasil, algo semelhante
pode ocorrer com a campanha de Walter. Seu projeto “pentecostal-reformado”, alcançando
êxito, pode se tornar uma opção plausível para muitos grupos pentecostais e neopentecostais,
resultando em transformações dessa religiosidade no país, com consequências diversas para
esse segmento. Portanto, tal como o neopentecostalismo de Roberto, principalmente alterado
por antigos seguidores e novos atores – Edir Macedo, R. R, Soares, Silas Malafaia,
Waldemiro Santiago e tantos outros –, produziu a realidade vista hoje no campo religioso
brasileiro e no conjunto da sociedade por sua presença ostensiva no espaço público, situação
assemelhada pode se dar com a iniciativa de Walter McAlister. Com as devidas diferenças
temporais e sociais da realidade brasileira, a proposta do “pentecostalismo-reformado”, que
também bebe de fontes estadunidenses mas é aqui formatada pelo bispo primaz da ACNV,
pode, portanto, vir a ser adotada e adaptada por muitos pastores e igrejas, tornando-se uma
força transformadora da realidade religiosa brasileira.
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