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Jelin, Elizabeth. Los trabajos de la memoria.

Madri: Siglo XXI, 2002, Capítulo 2

Aluno: Thiago Frazzon Arend Cartão UFRGS: 00289227

Os processos de memória e, principalmente, o medo do esquecimento, desde


muito tempo preocuparam a humanidade. A pergunta sobre “como se recorda e se
esquece?” surge da ansiedade e da angústia frente à possibilidade do esquecimento. A
singularidade das recordações pessoais, formadas sempre em contextos grupais, e a
possibilidade de ativar o passado no presente, como uma ponte, conferem ao indivíduo
uma identidade pessoal e a continuidade de si próprio no tempo. Não há como recordar
ou resgatar o passado, projetando-o ao presente, sem apelar aos contextos grupais no qual
o indivíduo se insere; eles funcionam como âncoras, pontos de construção identitária.

Como podemos pensar o peso do social nos processos de memória? Aproveitando


o conceito de marco ou quadro social de M. Halbwachs, percebemos que as memórias
individuais estão sempre emolduradas socialmente. Os marcos guardam a representação
geral da sociedade, seus valores, ritos e crenças em uma determinada conjuntura histórica.
Por isso, o trabalho de recordação nunca é realizado isoladamente, mas partindo do
referencial de um grupo, de uma memória coletiva. Assim, o esquecimento é explicado
pela ausência desses marcos ou quadros de referência. Uma vez que esses marcos são
históricos e, portanto, mutáveis em relação à época, toda memória é antes uma
reconstrução do que uma recordação. Os conceitos de tempo e espaço, que delimitam os
processos de formação e narração da memória, não apenas são construções sociais, mas
também têm sua percepção cultural e historicamente determinada. Por isso deve ser
considerada uma pluralidade de maneiras de pensar o tempo e, por consequência, a
memória.

A memória coletiva não deve ser pensada em termos de uma entidade singular e
separada dos indivíduos. Precisa ser interpretada como um conjunto de memórias
compartilhadas, que existem em diálogo e em fluxo constante ditado por relações de
poder e por uma organização social.

As identidades se sustentam através de memórias que resgatam um sentimento de


permanência, de continuidade em um determinado grupo social. Identidade e memória
andam juntas: ambas alimentam uma a outra. Em períodos de crise interna de um grupo,
se faz necessária uma reinterpretação das memórias, questionando a própria identidade
desse coletivo. Para fixar certos parâmetros identitários, os grupos sociais recortam e
articulam memórias específicas que os colocam em relação com “outros”. Alguns desses
recortes (ritos, festas, etc.) se edificam no imaginário coletivo de tal forma que se
transformam em marcos, elementos fixos ao redor dos quais se organizam as memórias.
Segundo Pollak (1992) são três tipos de elementos que correspondem a essa função de
centralizar a organização de memórias: acontecimentos, pessoas ou personagens, e
lugares. Eles permitem manter um mínimo de coerência e continuidade, pilares do
sentimento de identidade.

A memória cotidiana é aquela que agrega elementos da rotina, partes da vida


“normal”. Esses elementos são repetidos e compartilhados por todos os membros de um
grupo social. Nesse tipo de memória não há uma busca de sentido, apenas uma execução
repetitiva de comportamentos. Quando elementos desviantes entram em contato com
essas “memórias estáveis”, produzindo afetos e sentimentos que deslocam a monotonia
para uma busca por reflexão e sentido, os momentos são transformados e se tornam
“memoráveis”. O ato de rememorar pressupõe a ativação de uma experiência passada no
presente, por um desejo, por um sofrimento. Esse acontecimento rememorado será
expresso de uma forma narrativa, uma construção de sentido a partir do passado,
constituindo uma memória narrativa.

No entanto, existem vivências passadas que não podem ser facilmente


rememoradas. Elas existem e estão presentes, porém não podem ser expressas com
sentido por serem demasiado traumáticas àqueles que a presenciaram. Os acontecimentos
traumáticos provocam fendas na capacidade narrativa, vazios na memória; estes vazios
se refletem em repetições, silêncios e esquecimentos durante o trabalho de narração.

Existem muitos tipos de esquecimento. O primeiro é o esquecimento “necessário”


para a sobrevivência e funcionamento do sujeito individual e dos grupos e comunidades.
O esquecimento profundo é aquele a princípio “definitivo”. O “voluntário” se trata
daquele realizado por razões políticas, produto de uma vontade ou política de
esquecimento e silêncio por parte de atores específicos. O esquecimento “evasivo”, por
sua vez, demonstra o intento de não recordar o que pode ferir, mais precisamente,
memórias envolvendo situações de trauma. Existem momentos de silêncio desencadeados
por temor a regimes ditatoriais de diversos tipos. Além disso, para relatar ao outro sobre
alguma situação traumática é sempre preciso que este “outro” esteja disposto a escutar.
Há sempre um temor de não ser compreendido. O esquecimento também pode ser, por
fim, “libertador”, aliviando a carga do passado sobre as decisões do futuro. É o
esquecimento necessário para a continuação da vida normal, que permite viver, sem ver
as coisas com a pesada carga da História.

A “experiência” é vivida subjetivamente, por cada membro de uma sociedade, e é


culturalmente compartilhável. A memória é produzida quando sujeitos compartilham uma
cultura, constituindo uma memória narrativa, e quando há agentes sociais que disseminam
e veiculam essa cultura, concretizando os sentidos dados à experiência do passado.

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