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ISBN Paleontologia: Cenários de Vida – Paleoclimas
RESUMO
O capítulo revisa as evidências palinológicas de quinze localidades no cerrado do Brasil: Lagoa
do Caçó (MA), Carajás (PA), Lagoa da Confusão (TO), Veredas de Águas Emendadas (DF)
e Cromínia (GO), Veredas Laçador e Urbano, Lago do Pires, Lagoa de Serra Negra, Lagoa
Santa, Lagoa dos Olhos d’Água, Lagoa dos Mares, Lagoa Nova, Turfeiras de Salitre e Pau
de Fruta no Estado de Minas Gerais. Durante o Pleistoceno tardio foram observadas duas
regiões distintas no cerrado, uma com clima frio e outra com clima frio e úmido. No limite
Pleistoceno-Holoceno o clima seco predominava no cerrado, com exceção da Vereda Laçador e
Carajás que mostram o clima úmido já a partir de 12.000 anos AP. A partir de 8.000 anos AP a
região noroeste do cerrado foi marcada pelo aumento de umidade até atingir os padrões atuais,
enquanto que, a leste do cerrado este processo foi verificado apenas a partir dos 5.000 anos AP.
Palavras-chave: Cerrado, Palinologia, Paleoclima, Pleistoceno, Holoceno
ABSTRACT
The chapter reviews Late Quaternary palynological evidence from fifteen sites in the Brazil
Cerrado: Lagoa do Caçó (MA), Carajás (PA), Lagoa da Confusão (TO), Veredas de Águas
Emendadas (DF) e Cromínia (GO), Veredas Laçador e Urbano, Lago do Pires, Lagoa de Serra
Negra, Lagoa Santa, Lagoa dos Olhos d’ Água, Lagoa dos Mares, Lagoa Nova, Turfeiras de
Salitre e Pau de Fruta in the Minas Gerais State. During the Late Pleistocene were observed
two distinct regions in the cerrado, one with cold climate and the other with cold and humid
climate. In Pleistocene-Holocene boundary a dry climate prevailed, with the exception of
Vereda Laçador and Carajás that shows already humid climate from 12,000 years BP. From
8,000 years BP, the northwestern region of cerrado was marked by an increase of moisture
398 Paleontologia: Cenários de Vida – Paleoclimas
until the modern patterns, while in the eastern region of cerrado this increase in humidity was
noticed only from the 5,000 years BP.
Keywords: Cerrado, Palynology, Palaeoclimate, Pleistocene, Holocene
1. INTRODUÇÃO
Com abrangência em dez estados, o ecossistema do cerrado é a segunda maior formação vegetal
do Brasil, é encontrado em praticamente todo o Planalto Central e se estende a oeste até o Paraguai
e Bolívia. Há algumas regiões disjuntas que ocorrem nos domínios da Mata Atlântica e da Amazônia
chamados encraves. Originalmente, sua expansão territorial correspondia a aproximadamente dois
milhões de quilômetros quadrados, o que equivale a quase 22% do território brasileiro, no entanto,
estimativas apontam que a cobertura original deste ecossistema esteja reduzida em mais de 70%,
principalmente pelas atividades antrópicas (Walter et al., 2008).
O Cerrado é considerado uma savana sazonalmente úmida, embora muito mais rico em
diversidade do que a maioria delas. A vegetação está adaptada à sazonalidade climática, com uma
estação chuvosa e outra seca. Fatores edáficos como a toxicidade do alumínio e disponibilidade
de água, além das queimadas, afetam de maneira significativa sua cobertura vegetal. A vegetação
rústica do cerrado é composta por espécies ancestrais florestais e campestres, elementos florísticos de
distintas origens, compartilhados especialmente com a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, o Chaco
e os Lhanos da Venezuela e Colômbia. No que diz respeito à variabilidade, a vegetação do cerrado é
composta por mais de 12 mil espécies de plantas superiores, cerca de 4.500 espécies são endêmicas, a
maioria delas associadas às formações campestres ou rupestres (Stehmann & Alméri, 2012).
Em termos fisionômicos, a formação aberta, composta por árvores e arbustos distorcidos, com
casca espessa, representa a fisionomia típica do cerrado, conhecida também como Cerrado sentido
restrito. Onze tipologias são conhecidas para a formação e classificadas dentro de três subtipos
principais: formações florestais (Mata Ciliar, Mata de Galeria, Mata Seca, Cerradão); savânicas
(Cerrado sentido restrito, Parque de Cerrado, Palmeiral e Vereda) e campestres (Campo Sujo, Campo
Limpo, e Campo Rupestre), sendo a riqueza da flora, em parte, decorrente desta diversidade de
ambientes (Ribeiro & Walter, 2008).
O período Quaternário (~1.8 milhões de anos AP ao presente) foi marcado por mudanças
climáticas acentuadas, tendo como característica principal a ocorrência de períodos glaciais intercalados
com intervalos de tempo de condições climáticas mais quentes, também denominados de períodos
interglaciais. As variações climáticas durante o Quaternário, principalmente durante o Último Máximo
Glacial (UMG), entre ~26 e ~19 mil anos AP (Clark et al., 2009), influenciaram a evolução da fauna
e flora mundial. Embora as grandes extensões de gelo tenham ficado confinadas em sua maioria no
hemisfério norte, o UMG teve reflexos significativos nos ecossistemas brasileiros, tais como o Cerrado.
De acordo com Salgado-Labouriau (1997), no ecossistema das savanas na América do Sul,
onde está inserido o cerrado, foram observadas quatro fases de mudanças climáticas e da vegetação ao
longo do Quaternário, com base em estudos palinológicos.
No período compreendido entre 36.000 até 18.000 anos AP o clima foi mais úmido do que
no presente permitindo o desenvolvimento de um mosaico de vegetação com savanas arbóreas densas
e ocorrência de florestas esparsas. Uma diminuição progressiva na umidade se iniciou no período
compreendido entre 22.000 e 18.000 anos AP e atingiu um máximo de aridez entre 14.000 e 10.500
anos AP, quando pântanos e lagos foram parcialmente ou totalmente ressecados, houve decréscimo
dos elementos arbóreos e aumento das áreas com savana aberta e campos, como mostram os
espectros polínicos de Carajás, Águas Emendadas, Cromínia e Lagoa dos Olhos D’ Água. As chuvas
aumentaram no período compreendido entre 7.000 e 6.000 anos AP e possibilitaram a formação de
uma vegetação de savana com mosaicos de florestas decíduas e semi-decíduas. Condições climáticas
e vegetação, semelhantes àquelas verificadas nos dias de hoje foram evidentes a partir do período
compreendido entre 1.400 e 1.250 anos AP, com forte impacto antrópico nos últimos 200 anos AP
(Salgado-Labouriau, 1997).
Após uma década e meia desde a publicação do trabalho de Salgado-Labouriau (1997) que
mostrou um panorama sobre a evolução paleoclimática e paleoambiental das savanas sul-americanas,
baseado no estudo de oito localidades, seis delas no âmbito do Cerrado do Brasil, foram divulgados
novos dados para mais seis localidades, totalizando, até o presente momento, doze estudos palinológicos
no bioma Cerrado.
A partir disto, o principal objetivo deste trabalho foi o de fazer considerações acerca da evolução
paleoclimática e paleoambiental do Cerrado baseadas nos resultados destes doze estudos palinológicos
do bioma Cerrado e de mais três localidades adjacentes (Figura 1). A reconstituição paleoclimática e
paleoambiental aqui apresentada está baseada nos estudos palinológicos das seguintes localidades:
Carajás (Absy et al., 1991) Lagoa de Serra Negra (De Oliveira, 1992); Lagoa dos Olhos d’ Água (De
Oliveira, 1992; Raczka, 2009; Raczka et al. 2012); Salitre (Ledru, 1993); Vereda Cromínia (Ferraz-
Vicentini & Salgado-Labouriau, 1996); Lago do Pires (Behling, 1995); Lagoa Santa (Parizzi et al.,
1998); Vereda Águas Emendadas (Barberi et al., 2000); Lagoa da Confusão (Behling, 2002); Lagoa
Nova (Behling, 2003); Lagoa do Caçó (Ledru et al., 2006); Turfeira Pau de Fruta (Horák, 2009);
Vereda Urbano (Lorente et al., 2010); Lagoa dos Mares (Raczka, 2009; Raczka et al. 2012) e Vereda
Laçador (Cassino & Meyer, 2013).
400 Paleontologia: Cenários de Vida – Paleoclimas
secas que as atuais. O registro polínico de Carajás mostrou baixa concentração de grãos de pólen,
representados principalmente por ervas de campos como Poaceae, Asteraceae, Borreria (Rubiaceae) e
Cuphea (Lytraceae), indicando que o topo do platô estava ocupado por uma vegetação esparsa sob
influência de um clima seco ou semiárido (Absy et al., 1991).
De Oliveira (1992) com base na análise palinológica de um perfil sedimentar obtido na Lagoa
dos Olhos d’ Água (MG), sugeriu que entre 19.520 (~23.300 anos cal. AP) e 13.700 anos AP (~16.800
anos cal. AP) o clima era frio e semiúmido com uma estação seca de menor duração nesta localidade.
A vegetação registrada durante este intervalo de tempo era constituída por elementos de Mata de
Galeria, com a ocorrência de Podocarpus, e grandes quantidades de grãos de pólen de Caryocar, uma
árvore que ocorre no Cerrado sentido restrito e no Cerradão. Após 13.700 anos AP (~16.800 anos
cal AP), a umidade diminuiu e a temperatura aumentou, sendo encontradas partículas de carvão na
sequência sedimentar, sugerindo que a vegetação sofreu a ação de queimadas naturais.
Na Lagoa de Serra Negra (MG), entre 39.930 (~44.000 anos cal. AP) até cerca de 14.340
anos AP (~17.500 anos cal. AP), as condições climáticas eram mais úmidas e frias do que as atuais. O
registro palinológico correspondente a este intervalo de tempo era constituído por grãos de pólen de
elementos tropicais associados a elementos de vegetação de altas altitudes como Araucaria, Podocarpus,
Ilex e Ericaceae. Após 14.430 anos AP (~17.500 anos cal AP) os grãos de pólen dos táxons de vegetação
de altas altitudes não foram registrados na sequência sedimentar e os táxons de savana começaram
a aumentar, sugerindo uma redução na precipitação pluviométrica e aumento da temperatura (De
Oliveira, 1992).
O registro polínico de Salitre (MG), estudado por Ledru (1993), mostrou que durante o
intervalo de tempo entre 12.890 (~15.500 anos cal AP) e 10.350 anos AP (~12.250 anos cal. AP)
os grãos de pólen de Araucaria e de outros elementos associados à Floresta Ombrófila Mista, tais
como Ilex, Symplocos e Drymis, estiveram presentes no registro palinológico, sugerindo que houve
uma diminuição na temperatura na região durante o final do Pleistoceno, com condições de inverno
prolongado e seco. Este intervalo de tempo também foi marcado pela diminuição na concentração
de elementos arbóreos, e pelo predomínio de elementos herbáceos, representados principalmente por
Poaceae, Apiaceae, Mabea (Euphorbiaceae) e Ranunculus (Ranunculaceae).
Na vereda de Cromínia (GO) no período compreendido entre 18.500 (~20.400 idade
interpolada) e 11.300 anos AP (~10.400 idade interpolada) houve uma diminuição na concentração
da maioria dos palinomorfos e o pequeno corpo lacustre anteriormente formado foi substituído por
um pântano circundado por poáceas. A ausência de grãos de pólen de Mauritia, o predomínio de
grãos de pólen de elementos herbáceos como Poaceae, Asteraceae e Cyperaceae, além da diminuição
da maioria dos palinomorfos sugerem que no local havia uma vegetação com pouca diversidade de
espécies, influenciada por condições climáticas mais secas que as atuais, semelhante e/ou comparável
às descritas para regiões de clima semi-árido (Ferraz-Vicentini & Salgado-Labouriau, 1996).
Barberi et al. (2000) verificaram que no perfil sedimentar de uma vereda localizada no platô de
Águas Emendadas (DF) houve um hiato na sedimentação entre 21.400 (~25.600 anos cal AP) e 7.300
anos AP (~8.060 anos cal AP), sendo a camada orgânica substituída por uma fina camada de areia
e silte. Durante este intervalo, a concentração de palinomorfos do registro palinológico alcançou os
menores valores ao longo de todo o perfil, sugerindo que as condições climáticas eram mais secas que
402 Paleontologia: Cenários de Vida – Paleoclimas
as atuais ocasionando a desertificação do platô. A vegetação na região era menos densa sob a influência
de um clima provavelmente semiárido.
Na vereda da Fazenda Urbano, município de Buritizeiro (MG), Lorente et al. (2010) registraram
que entre 13.120 (~15.900 anos cal AP) e 11.640 anos AP (~13.500 anos cal AP), a vegetação era
caracterizada pelo predomínio arbustos e ervas, representados principalmente por Poaceae, Asteraceae,
Rubiaceae e Drosera. A fitofisionomia associada a este intervalo foi comparável e/ou semelhante à de
Campo Limpo, que se caracteriza como uma formação campestre predominantemente herbácea, com
raros arbustos dispersos e ausência de árvores. Segundo os autores, os dados palinológicos sugeriram
que as condições climáticas durante este intervalo de tempo eram mais secas que as atuais, condições
estas semelhantes e/ou comparáveis ao clima semiárido.
Os registros palinológicos de Lagoa Santa, obtidos na Lagoa Olhos D’Água e Lagoa dos
Mares (De Oliveira, 1992; Raczka 2009; Raczka et al. 2012), demonstram que durante o período de
transição Pleistoceno/Holoceno a paisagem era composta por uma vegetação rica em elementos de
floresta típica de cerrado, em associação com elementos de florestas de clima mais frio.
Durante o UMG, a região de Lagoa Santa aponta a presença de táxons característicos de clima
frio, como Podocarpus, Myrsine, Hedyosmum e Araucaria associados com altos níveis nas porcentagens
de Cyperaceae e valores constantes nas porcentagens de algas, o que sugere um clima mais frio e
úmido, e não frio e seco.
As análises realizadas na região de Lagoa Santa (Raczka 2009; Raczka et al. 2012) apoiam
a observação feita por (Cruz et al. 2006; 2007), que sugere a presença de um clima mais úmido ao
final do Pleistoceno. Com base em dados provenientes de espeleotemas da Caverna Botuverá, (Cruz
et al. 2007) mostra que durante o UMG o Brasil estava sob influência de um clima de monção. Os
mecanismos climáticos de umidade durante o UMG seriam afetados pela mudanças de temperatura
entre o continente e o mar, o que influenciaria os padrões de circulação atmosférica que controlam o
sistema de monção no continente sul-americano (SASM) (Cruz et al. 2006; 2007).
Durante o final do período Pleistoceno foi observado um gradual aumento na temperatura,
o que possibilitou que novas espécies surgissem no registro palinológico das Lagoa Olhos d’Água e
Lagoa dos Mares (Raczka 2009; Raczka et al. 2012). Esta rara composição florística, em que elementos
de cerrado coexistiram com táxons de florestas temperadas (Araucaria, Ericaceae, Hedyosmum,
Myrsinaceae, Podocarpus, Protium e Sapindaceae), que agora estão restritos a altas elevações ou a
baixas latitudes no Brasil, sugere a presença de um mosaico floresta/cerrado, sem análogos modernos
(Raczka, 2009; Raczka et al. 2012).
A análise de gases nobres em águas subterrâneas da região semiárida no estado do Piauí,
Nordeste do Brasil, permitiu estimar que a temperatura média durante o UMG foi 5º C mais baixa do
que a temperatura média atual (Stute et al., 1995), indicando que no final do Pleistoceno as condições
climáticas eram mais frias do que as atuais, concordando em linhas gerais com a diminuição das
temperaturas indicadas em estudos palinológicos realizados em Minas Gerais, tais como nas localidades
de Salitre, Lagoa de Serra Negra e Lagoa dos Olhos d’ Água (Ledru, 1993; De Oliveira, 1992),
e posteriormente registrados no Brasil Central, como em Cromínia e Águas Emendadas (Ferraz-
Vicentini & Salgado-Labouriau, 1996; Barberi et al., 2000).
Karin Elise Bohns Meyer, Raquel Franco Cassino, Flávio Lima Lorente,
Marco Raczka & Maria Giovana Parizzi 403
estrutura da vegetação, as mudanças climáticas podem ser consideradas o principal fator responsável
por modificações da vegetação em escalas regionais. Portanto, a comparação e a correlação dos dados
obtidos em registros distribuídos regionalmente permitem revelar estas mudanças climáticas.
marcada por uma drástica diminuição dos táxons arbóreos e por um aumento de poáceas, juntamente
com a presença de espécies pioneiras como Cecropia, indicando também, embora não haja um hiato no
testemunho, a presença de um clima mais seco. Na Turfeira de Salitre (Ledru, 1993), na região oeste
de Minas Gerais, até ca. 12.000 anos cal. AP, a vegetação era caracterizada pela presença de matas
inundadas e matas de Araucária e o clima era úmido e mais frio que o atual. A partir de 12.000 anos
cal. AP, ocorreu um marcado aumento dos táxons herbáceos e uma diminuição ou desaparecimento
de vários táxons arbóreos, indicando a ocorrência de uma fase de clima mais seco, e ainda frio, que
durou aproximadamente mil anos. Na Lagoa dos Olhos d’ Água, na região central de Minas Gerais,
as temperaturas ficaram mais altas e o clima mais seco a partir de 12.600 anos cal. AP, e a transição
Pleistoceno-Holoceno foi um período de clima quente e semi-úmido, sob o qual se desenvolveu um
mosaico de cerrado e mata semi-decídua. Situado na mesma região, o registro da Lagoa dos Mares
indica que na transição Pleistoceno-Holoceno a paisagem era composta por uma vegetação rica em
elementos de floresta típica do Cerrado, em associação com elementos de florestas de clima mais frio.
Já na Vereda Laçador, situada muito próximo à Vereda Urbano, embora até 13.240 anos cal. AP
existam evidências de um clima mais frio e talvez mais seco que o atual, a transição do Pleistoceno para
o Holoceno propriamente dita foi um período de expansão da vereda, com presença expressiva do buriti
e de outras árvores do Cerrado, não obstante a vegetação herbácea continuasse muito abundante. O
registro da Vereda Laçador indica, portanto, a presença de um clima quente e semi-úmido, semelhante
ao atual entre ca. 13.000 e 11.600 anos cal. AP. Outro registro que indica uma tendência de aumento
da umidade no início do Holoceno é o registro de Carajás: neste local, em aproximadamente 12.000
anos cal. AP findava uma fase de clima seco e de predomínio da vegetação herbácea e iniciava-se um
período de expansão da floresta em torno do platô.
Resumidos na Figura 2, estes dados indicam na transição Pleistoceno – Holoceno o predomínio
de um clima seco no Cerrado, apenas o registro da Vereda Laçador, e o de Carajás a partir de 12.000
anos cal. AP, indicam um clima relativamente úmido neste período. Nota-se também que em Salitre
houve de fato um período relativamente mais seco em aproximadamente 12.000 anos cal. AP, mas foi
uma fase bastante curta.
Figura 2. Representação esquemática das mudanças climáticas interpretadas a partir de registros palinológicos: Lagoa
do Caçó (Ledru et al., 2006); Carajás (Absy et al. 1991); Lagoa da Confusão (Behling, 2002); Vereda Águas Emendadas
(Barberi et al., 2000); Vereda Cromínia (Ferraz-Vicentini & Salgado-Labouriau, 1996); Vereda Laçador (Cassino & Meyer,
2013); Vereda Urbano (Lorente et al., 2010); Lago do Pires (Behling, 1995); Lagoa Nova (Behling, 2003); Turfeira Pau de
Fruta (Horák, 2009); Lagoa de Serra Negra (De Oliveira, 1992); Turfeira de Salitre (Ledru, 1993); Lagoa Santa (Parizzi et al.,
1998); Lagoa dos Olhos d’ Água (De Oliveira, 1992; Raczka, 2009; Raczka et al. 2012) e Lagoa dos Mares (Raczka, 2009;
Raczka et al. 2012). Na penúltima coluna estão representados os eventos de aumento e de diminuição de umidade
detectados por Stríkis et al. (2011) em espeleotemas da Lapa Grande e na última coluna estão representados os períodos
de maior e menor ocupação humana em sítios arqueológicos do Brasil Central de acordo com Araújo et al. (2005).
Um padrão diferente foi determinado nos outros registros do Cerrado. Na Vereda Laçador, entre
ca. 11.600 e 9.900 anos cal. AP, houve uma retração da vereda e o aumento de elementos herbáceos,
associados a uma mudança na composição das matas de galeria onde táxons como Ilex, Podocarpus,
Myrsine, Symplocos e Drimys brasiliense passaram a ter uma presença significativa, convivendo com
táxons mais típicos do Cerrado. Posteriormente, entre 9.900 e ca. 7.000 anos cal. AP ocorreu uma
grande expansão da Vereda Laçador e o desenvolvimento de uma vegetação do tipo Cerrado stricto
sensu em seu entorno, indicando um clima quente e úmido. Após 7.000 anos cal. AP, a tendência foi
de aumento da vegetação herbácea e de retração da vereda, mostrando o início de uma fase mais seca.
A provável existência de um hiato nesta porção do perfil da Vereda Laçador sugere que houve um
ressecamento da vereda no final da primeira metade do Holoceno.
Karin Elise Bohns Meyer, Raquel Franco Cassino, Flávio Lima Lorente,
Marco Raczka & Maria Giovana Parizzi 407
frio como Araucaria, Ericaceae, Myrsinaceae, e Podocarpus ainda estavam presentes, porém em menor
porcentagem que na transição Pleistoceno-Holoceno.
Comparando os registros palinológicos do Cerrado durante a primeira metade do Holoceno,
os sítios de Águas Emendadas, Cromínia e Lagoa do Caçó se diferenciam dos demais; eles indicam
uma primeira metade do Holoceno predominantemente seca até ca. 8.000 anos cal. AP. Em outros
seis registros Vereda Laçador, Lago do Pires, Lagoa Nova, Turfeira de Salitre, Turfeira Pau de Fruta e
Carajás, é interessante observar a presença marcada de uma fase úmida pelo menos a partir de 9.900
anos cal. AP (em Salitre e em Carajás esta fase se iniciou bem mais cedo), e foi interrompida por uma
diminuição da umidade em 8.000 ou 7.500 anos cal. AP (na Vereda Laçador o início da fase seca foi
datado em 7.000 anos cal. AP, mas esta é uma idade interpolada e pode ser mais antiga). O início desta
fase mais seca coincide, no entanto, com o início de uma fase mais úmida nos registros situados mais
ao norte, Cromínia, Águas Emendadas e Lagoa do Caçó (Figura 2).
pequeno lago e as matas se desenvolvem, apontando um clima bastante úmido, com um pico em
4.700 anos cal. AP. Uma queda da umidade e das temperaturas por volta de 2.900 anos cal. AP é
indicada pelo aumento de táxons herbáceos e pelo aparecimento de Drimys brasiliense. Posteriormente,
a umidade volta a aumentar ocasionando uma ligeira expansão da vegetação arbórea.
Em Carajás, a fase seca de clima muito seco que se iniciou em 8.700 anos cal. AP durou até
aproximadamente 3.100 anos cal. AP, a partir de então, voltaram a aparecer os táxons da floresta
tropical e se estabeleceu a vegetação que ocorre atualmente no local.
Na Lagoa de Serra Negra, houve a partir de 5.700 anos cal. AP uma tendência de diminuição
da umidade com o estabelecimento de uma vegetação savânica com matas de galeria em torno do
lago. Inicialmente, por volta de 5.700 anos cal. AP, uma breve fase de clima mais frio foi registrada
pela presença de Podocarpus e Drymis. Apenas a partir de 1.200 anos cal. AP, um clima mais úmido,
semelhante ao atual se instalou na região.
Outro registro palinológico que abrange a segunda metade do Holoceno foi coletado na Lagoa
Santa, uma lagoa situada em uma região cárstica no centro do estado de Minas Gerais. A lagoa
começou a se formar por volta de 6.000 anos cal. AP e até 5.100 anos cal. AP o clima era ainda muito
seco como demonstra a baixa preservação de grãos de pólen e o predomínio de poáceas. Entre 5.100
e 3.600 anos cal. AP, um lago mais profundo já estava formado, permitindo uma melhor preservação
dos palinomorfos; a vegetação típica do Cerrado se desenvolveu, assim como uma mata de galeria ao
redor do lago. Entre 3.600 e 1.700 anos cal. AP, um clima ainda mais úmido permitiu a expansão da
cobertura arbórea; em aproximadamente 1.400 anos cal. AP, um período um pouco menos úmido é
marcado pelo aumento de herbáceas, mas em seguida a umidade volta a aumentar. Na Lagoa dos Olhos
d’Água, situada muito próxima à Lagoa Santa, o registro também indica um aumento da umidade a
partir de aproximadamente 5.500 anos cal. AP, embora este registro não tenha confirmado a presença
de um clima semi-árido no período anterior.
Outro registro da mesma região, o da Lagoa dos Mares, indica poucas variações da umidade
ao longo da segunda metade do Holoceno, embora haja indícios de um clima mais sazonal (com uma
estação seca mais pronunciada) entre aproximadamente 4.000 e 2.700 anos cal. AP.
Em síntese, quatro registros, Águas Emendadas, Cromínia, Lagoa do Caçó e Lagoa da Confusão
(todos situados na porção noroeste do Cerrado), mostraram a partir de ca. 8.000 ou 7.500 anos cal.
AP um aumento da umidade, e durante a segunda metade do Holoceno o predomínio de um clima
relativamente úmido, semelhante ao atual para estas regiões. Cinco outros registros, Lago do Pires,
Lagoa Nova, Lagoa Santa, Salitre e Carajás, indicaram o predomínio de condições relativamente mais
secas até pelo menos 6.500 ou 5.000 anos cal. AP, e somente a partir de então, houve um aumento de
umidade. Na região do Lago do Pires e da Lagoa Nova só muito recentemente um nível de umidade
semelhante ao atual foi atingido. Os registros da Vereda Laçador e da Turfeira Pau de Fruta
não se enquadram em nenhum destes dois grupos. Na Vereda Laçador, após ca. 7.000 anos cal. AP,
não houve nenhuma fase marcada pela tendência de aumento da umidade, como foi registrado nos
outros sítios. Pelo contrário, na segunda metade do Holoceno, houve neste local uma tendência de
progressiva diminuição da precipitação e aumento da estação seca. A Turfeira Pau de Fruta, por sua
vez, registra várias oscilações na umidade e na temperatura ao longo da segunda metade do Holoceno.
Duas fases de clima mais frio que o atual determinadas neste perfil, em ca. 6.200 anos cal. AP e em
ca. 2.900 anos cal. AP, não ocorreram nas demais localidades estudadas no Cerrado. Estas ocorrências
410 Paleontologia: Cenários de Vida – Paleoclimas
são possivelmente explicadas pela situação geográfica da Turfeira Pau de Fruta, situada sobre a Serra
do Espinhaço, uma região de maior altitude que os demais sítios e provavelmente mais sensível a
diminuições nas temperaturas.
vários eventos de aumento da precipitação durante o Holoceno (Figura 2). Estes eventos tiveram
duração de aproximadamente 300 anos para aqueles datando do Holoceno inicial e médio e entre 50
e 100 anos para os eventos mais recentes. Os eventos de aumento da umidade centrados em 9.200
e em 8.200 anos AP. coincidem com o período úmido registrado nos sítios palinológicos situados
no estado de Minas Gerais. Stríkis et al. (2011) destacam que o evento centrado em 8.200 anos AP
foi o evento mais forte, ou seja, em que foi registrado o maior aumento de precipitação. Após este
evento, os autores detectaram a ocorrência de uma fase seca, centrada em 7.800 anos AP, também
com duração de aproximadamente 300 anos, que coincide por sua vez com o início do período seco
registrado em vários dos sítios palinológicos de Minas Gerais. Outros eventos de aumento da umidade
determinados por Stríkis et al. (2001) não foram detectados nos registros palinológicos, os eventos
centrados em 7.400 e 7.000 anos cal AP., por exemplo, ocorreram quando a maior parte dos registros
palinológicos indicam um clima relativamente seco. É necessário ressaltar que a escala temporal da
análise de espeleotemas, como o trabalho de Stríkis et al. (2011), é muito mais refinada que aquela dos
registros palinológicos. Eventos climáticos curtos podem não ter impacto suficiente na vegetação para
que sejam detectáveis nestes registros.
A vegetação do Cerrado é muito sensível a mudanças na quantidade de precipitação, na duração
da estação seca e na frequência de incêndios. Dados paleoclimáticos de várias fontes indicam que
estes fatores variaram significativamente durante o Holoceno, modificando a paisagem do Cerrado
ao longo do tempo. As diferentes áreas deste vasto bioma foram impactadas de forma distinta por
mudanças climáticas de âmbito global. As mudanças climáticas que ocorreram ao longo do Holoceno,
além de modificar as características da vegetação, impactaram também as populações humanas que
viveram nesta região.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos palinológicos visando às reconstituições paleoambientais no Cerrado brasileiro
durante o Quaternário tardio, mostram respostas diferentes da vegetação deste bioma frente às
mudanças no clima nas localidades estudadas, como resultado das diferenças de latitude, longitude,
altitude e condições específicas dos depósitos sedimentares.
Para o final do Pleistoceno (~21.000 a ~19.000 anos cal. AP) houve uma estação seca prolongada
com condições climáticas mais frias do que as atuais nas localidades de Cromínia, Lagoa dos Olhos
d’ Água, Carajás, Águas Emendadas e Buritizeiro, e, condições climáticas mais úmidas e mais frias do
que as atuais na Lagoa dos Mares, Salitre e Lagoa de Serra Negra.
Em termos florísticos, no intervalo de tempo entre 32.400 (~37.400 cal. anos AP) e 19.000
anos AP (~21.000 cal. anos AP), observou-se uma diminuição na diversidade de grãos de pólen, sendo
registrada a presença da vegetação de Cerrado arbustivo ou campo, poucas matas com elementos de
clima mais frio que o atual (e.g. Araucaria, Podocarpus, Hedyosmum e Cunoniaceae), alguns pântanos nas
depressões e ausência de veredas.
Durante a transição do Pleistoceno para o Holoceno houve o predomínio de um clima seco no
Cerrado. No entanto na Vereda Laçador, e, em Carajás a partir de 12.000 anos cal. AP. foi registrado
um clima relativamente úmido.
412 Paleontologia: Cenários de Vida – Paleoclimas
4. AGRADECIMENTOS
Nosso agradecimento especial à Professora Maria Léa Salgado Labouriau, in memoriam, pelo
brilhante trabalho, em especial sobre o Cerrado Brasileiro, que motivou a maioria dos palinólogos do
Brasil a seguirem suas carreiras científicas em palinologia. Os autores agradecem as agências de fomento
principalmente o CNPq e a FAPEMIG, que financiaram as pesquisas comunicadas nas publicações
aqui citadas. Os autores agradecem a todos os pesquisadores dos estudos citados e fomentam o início
de novas pesquisas.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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