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“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

ESSA LIÇÃO É MINHA”


Como fazer para que as lições de casa não se


tornem um bicho-papão
Luciana Macedo Fernandes

Pedagoga/Psicopedagoga
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

DEDICO ESTE LIVRO

À minha “tia-estrela” Anita,


Que me ensinou a costurar e bordar

sem jamais deixar de me lembrar

que deveria bordar as minhas ideias

em forma de livro.
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

GRATIDÃO

À Papai do Céu que SEMPRE ilumina os meus caminhos e fortalece as minhas ideias;

Ao meu companheiro de quase 25 anos que aposta alto em meus sonhos,

incentivando-me a realiza-los;

Às minhas filhas Raíssa, Malú e Clara que me ajudam, a cada situação,

a presenciar quem eu realmente SOU: um ser de luz; e...

Ao meu neto (‘pedaço do meu pedaço’) que,

desde dezembro/2017, me inunda de um amor eterno!


“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

E
ra uma vez... Sempre desejei escrever um livro começando assim! Até que, um dia,
atendendo uma criança de 07 – 08 anos que ia iniciar uma redação, ela me disse: “eu ia
colocar era uma vez, mas a minha professora disse que só pode usar era uma vez nos
Contos de Fadas”. Aprendo muito com essas crianças, sempre. E é por isso que estou iniciando esse
bate-papo com vocês.
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Uma vez (tirei o ‘era’), estava na recepção do consultório da minha dentista esperando ser
chamada, quando entrou uma mãe com a filha de uns 04 anos, chupando uma chupeta rosa enorme
(sempre desconfio quando vejo crianças ‘grandes’ com chupetas em ambientes públicos) e o filho que
deveria ter entre 08 e 09 anos. Logo que se sentaram (ao meu lado, portanto não pude deixar de
observar), a mãe questionou o filho:
− Cadê a sua lição? Você não trouxe? Vá buscar no carro agora!
− Não vou.
− Vai sim, agora! A gente combinou que você faria a lição toda para a gente ir no cinema depois.
− Não vou.
− Vou ligar para o seu pai – ameaçou, mostrando o celular ao filho.
− Pode ligar.
A mãe, visivelmente nervosa, estava perdendo o seu controle e ameaçou dar uns tapas no filho que,
todo seguro de si, disse:
− Não me bate, você não pode me bater. Não vou fazer a lição, não quero.
− Você vai sim, vou ligar para o seu pai e a gente não vai mais ao cinema.
− Pode ligar. Eu não queria mesmo ir ao cinema.
Conclusão: a mãe não ligou para o pai e o filho não fez a lição. A carinha dele era de vencedor e,
provavelmente, foram ao cinema.
Fui chamada para ser atendida, mas levei comigo essa história...
No meu trabalho de consultório percebo muita dificuldade dos pais, crianças e escola quanto ao
posicionamento em relação às lições de casa. Por isso, estou aqui hoje. Pretendo levantar algumas
questões, hipóteses e dar algumas dicas para essas três esferas envolvidas nesse processo: pais, crianças
e escolas.
Espero me fazer entender com clareza e poder, assim, ajudar você a desmistificar o “bicho-papão”
que tem virado o momento da realização da lição de casa em diversos lares brasileiros.
Abra a mente e o coração, pois o nosso objetivo é o mesmo: amadurecimento saudável das nossas
crianças. Venha comigo!
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

APRESENTAÇÃO

E
U sou Luciana, baiana e libriana! Nasci no dia das crianças e de Nossa Senhora Aparecida
em Vitória da Conquista (BA), filha de Leôncio e Alcina. Sou casada com Maurílio,
tenho três filhas ‘superpoderosas’: Raíssa, Malú e Clara – além da nossa cachorra Bebel.
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Nasci na Bahia, mas quando me casei com Maurílio, fomos morar no Rio de Janeiro e, posteriormente,
nos mudamos para São Paulo onde residimos atualmente.
Com mais de trinta anos envolvida com Educação, fui/sou
Professora/Pedagoga/Coordenadora/Supervisora/Psicopedagoga e continuo me fazendo... Desde
muito pequena já brincava de ser professora com as bonecas ou com os amigos que apareciam de boa
vontade. Fiz Magistério na minha cidade natal (Vitória da Conquista), mas não me contentei, prestei
vestibular para Pedagogia em Salvador e passei. Após terminar a Faculdade de Pedagogia, passei no
concurso público para ser professora na mesma escola de Magistério que eu havia estudado (Instituto
de Educação Euclides Dantas).
Dei aulas em várias séries, fui coordenadora em escolas e até ajudei a fundar uma! Quando viemos
morar em São Paulo, busquei uma recolocação no mercado de trabalho fazendo a Pós-graduação em
Psicopedagogia por indicação da diretora da escola que as minhas filhas estudavam na época. Amei o
curso!
Há, mais ou menos, 10 anos atuo como Psicopedagoga em consultório e é, a partir dessa experiência,
que trago para você o tema desse livro: lição de casa. De tantas queixas ouvidas por parte dos pais e
também das crianças, comecei a me sentir repetitiva na fala de orientação. Daí surgiu a ideia de
escrever esse ‘ensaio’ para você – ensaio porque sou marinheira de primeira viagem em publicação de
livros, mas na escrita espontânea estou há muitos anos (meus diários e cartas que o digam!). Espero
que se sinta envolvido porque tive o cuidado de escrever algo que seja leve, interessante, claro e não
muito extenso porque, infelizmente, a maioria do meu ‘público alvo’ não curte ler.
Para o consultório não levo apenas a Luciana profissional, a mãe vai junto e me percebo, em
várias situações, compartilhando a minha experiência com os pais que me procuram com tantas
dúvidas e incertezas. As dificuldades existem, as repetições são necessárias, educar é cansativo... Tudo
isso e um pouco mais! Mas vale muito a pena, vamos plantando sementinhas a cada dia que,
certamente, darão frutos. Se plantarmos coisas boas, colheremos coisas boas. Acreditem.
Sempre quis ser mãe! Mãe para estar de olho, enfrentar temores e dúvidas, ajudar a resolver
problemas e aprender a confiar em si... Talvez um dia não possamos mais estar juntos (ciclo da vida)
e é muito importante que a gente possa vivenciar todos os momentos que pudermos com os nossos
filhos num ambiente seguro. Com amor, herança eterna.
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

Por isso, resolvi compartilhar com você um pouco da minha história como mãe para
perceberem que não é tão difícil como parece, mas precisa de envolvimento – a lição de casa é apenas
um pedacinho dessa vivência. Coisas de mãe Luciana (que podem/devem ser de PAIS também) –
certamente, você vai se identificar com algum item:
 Beijar a testa e logo saber se está com febre ou não, inclusive se é baixa ou alta;
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 O bebê nasce e comemoramos mês a mês com bolo e vela, mesmo sem ele poder comer;
 Ficar babando quando a/o filha/o começa a ler;
 Comprar livros sempre e ler antes de dormir;
 Derreter-se toda quando ouve a/o filha/o dizer antes de dormir: “guarda os meus beijos pelos
últimos”;
 Criar o “dia da faxina” – cortar unhas, esfregar os cabelos, limpar atrás das orelhas, etc. / o “dia do
terror” como desculpa para todos dormirem na sala, assistindo filmes / o “dia das filhas” para elas
não disputarem comigo o Dia dos Namorados;
 Aplicar dinâmicas nas mesas dos restaurantes;
 Levar pasta com desenhos, folhas, lápis de cor, borracha, para as saídas familiares – distração
coletiva garantida;
 Elogiar a ‘banguelice’ na perda dos dentes de leite;
 Acreditar e não deixar morrer a fantasia (Fada dos Dentes e o Papai Noel);
 Sugerir a Evangelização no Lar como forma de fortalecer a nossa fé (independente de religião);
 Preferir que tragam os ‘ficantes’ para casa do que saiam de casa;
Em 2010, no Dia das Mães, estávamos num restaurante italiano delicioso; lancei a ideia para a
minha família e eles colaboraram com sinceridade – “isso é coisa de mamãe Luciana”:
Clara (caçula): “ela quando gosta de um livro não quer acabar” / “é linda e maravilhosa” /
“gosta muito de flores”/ “me ama muito” / “e não gosta de sapato alto, lhe incomoda”.
Malú (recheio): “ser organizada (até demais)” / “comer todo dia o mesmo café da manhã” /
“quando está brava sempre fala: ‘vou te contar’ / ‘falar viu, vou te dizer!’” / “ser apaixonada por
borboleta” / “ter um espírito “evoluído” / “ser companheira para todas as horas”/ “tem os cachos mais
lindos”.
Raíssa (começo de tudo): “conversa na rede” / “café com queijo” / “te amo tanto que...” /
“creme de rosto, creme de pé, creme de mão...” / “ser amiga dos MEUS amigos” / “chorar vendo
Oprah” / “gostar de surpreender os outros” / “querer abraçar o mundo” / “evangelização terça-feira” /
“rir com Thiago (Globo Esporte)” / “rir das minhas piadas” / “arroz papa” / “dinâmicas familiares”.
Maurílio (companheiro de sempre): “fazer dinâmica com toda família no restaurante” / “dá uma
chamada na filha (bronca) e depois dizer que a ama” / “colocar toda família para estudar religião toda
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terça à noite” / “escolher umas músicas para a filha gravar no MP3 e depois ficar ouvindo as mesmas
músicas quinhentas vezes” / “mudar o penteado e a cor do cabelo de tempo em tempo e ficar cada vez
mais bonita” / “ter vários perfumes no banheiro, sempre estar usando um e sempre estar muito
cheirosa” / “ser linda e maravilhosa”.
Fica a dica! Escutem os seus familiares também, a construção é diária.
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“As crianças são educadas pelo que os adultos são e não pelo que dizem”
Carl Gustav Jung foi um psiquiatra e psicoterapeuta suíço que fundou a psicologia analítica
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“Ter conhecimento da própria importância já é um passo para o saber”


Benjamin Disraeli: 1.º Conde de Beaconsfield, nasceu em Londres, foi um político
Conservador britânico, escritor, aristocrata e Primeiro-Ministro do Reino Unido em duas
ocasiões.

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HISTÓRICO DA LIÇÃO DE CASA

Mas quem foi mesmo que inventou essa história de lição de casa? Em pesquisas pela nossa internet,
li algumas vertentes... Uma delas afirma que a lição de casa surgiu nos Estados Unidos, nos anos 30,
como parte de um modelo de ensino destinado a atender estudantes da zona rural, já que eles não
podiam frequentar a escola todos os dias por conta dos períodos de plantio e colheita. Se o objetivo
era o de compensar horas não passadas na escola, como ganhou tanta força e visibilidade em nosso
sistema escolar? No Brasil, essa atividade ganhou espaço como forma de manter a criança ocupada
com exaustivos exercícios de repetição, quando a aprendizagem era bastante confundida com
memorização apenas – o conceito de aprendizagem mudou bastante desde então, mas já as lições de
casa... Se o conceito de aprendizagem mudou, o de lição de casa deveria ter mudado também e é o que
tem acontecido em passos lentos em algumas instituições escolares.
Outra vertente, de acordo com Jesus Maria Sousa (2003), professora catedrática da Universidade da
Madeira com experiência na área de Educação e ênfase em Estudos Curriculares, a lição de casa tem sua
origem desde a época dos jesuítas que através do método Ratio Studiorium, um conjunto de normas
que regulamentava o ensino nos colégios jesuítas, adotava a prática de enviar tarefas escolares para
fazer em casa. Esta estratégia intitulada de “repetição em casa” designava um período de estudo com
a finalidade de exercitar as inteligências das crianças eliminando as dificuldades e favorecendo as
aprendizagens futuras. Também conhecida como tarefa de casa, uma expressão de origem árabe (tarik),
que significa “obra ou porção de trabalho que deve ser realizada e cumprida num determinado prazo”.
Há entre outras expressões como, “dever de casa”, “tema para casa”, “exercício de casa”, que
correspondem e/ou significam sempre algo obrigatório, imposto, que o aluno deve realizar em casa,
fora do horário escolar regular. Martha Guanaes Nogueira, graduada em Pedagogia pela Universidade
Federal de Goiás também considera bem provável que a lição de casa tenha surgido com Johann
Friedrich Herbart (HERBART apud NOGUEIRA, 2002, p.39) o pai da pedagogia científica chamada
de “ciência da educação”. Suas ideias foram ampliadas e exerceram grande influência no século XIX,
denominada de teoria herbartiana, que consistia de passos ou fases. Esses passos são: clareza (mostrar);
associação (associar); sistematização (ensinar); método (filosofar). Estas ideias depois foram
reformuladas e aperfeiçoadas pelos seus discípulos Tuiskon Ziller com os cinco graus formais (análise,
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síntese, associação, sistema e método) e posteriormente Wilhelm Rein com (preparação, apresentação
do novo argumento, associação, sistema, método ou aplicação). Segundo a autora o 5º passo seria o
possível gerador da lição de casa, pois atribuía ao aluno realizar exercícios por si mesmo e em casa.
Foi, no entanto, a proposta herbartiana que contribuiu para os fundamentos da escola tradicional, sendo
sua teoria norteadora da prática docente por um longo tempo, incluindo nessa prática a lição de casa.
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Foi a partir da década de 90 que a lição de casa passou a ser incentivada e fazer parte das práticas
pedagógicas como uma estratégia que propicia a autonomia, a responsabilidade e a aprendizagem
eficaz. Com a finalidade de promover a lição de casa e estender à família o dever no processo de
educação dos seus filhos, o Estado torna essa responsabilidade em lei através de documentos oficiais
(LDB – Lei de Diretrizes e Base nº 9394/1996 Art.2º) propondo assim uma parceria para obter um
ensino de qualidade. O MEC também se engaja e apoia o Estado criando o Dia Nacional da Família
na Escola e publica a cartilha – “Educar é uma tarefa de todos nós: um guia para a família participar,
no dia-a-dia, do educando de nossas crianças” (Brasil, 2002). Em 11 de julho de 2003, divulgou-se no
site do Inep a matéria: “Lição de casa é um dos fatores de maior impacto no rendimento dos alunos” –
todo esse esforço para fortalecer as relações família-escola.
Nem todos os especialistas em Educação concordam que seja uma atividade necessária ou
importante para o aluno; muitos até questionam sua eficácia. Mas a lição de casa não teria um papel
importante no reforço do aprendizado de determinados conteúdos? Muitos educadores acreditam que
a lição de casa tem, sim, função pedagógica importante, como uma forma de desenvolver na criança o
hábito do estudo e ensiná-la, progressivamente, a construir uma relação de autonomia e
responsabilidade na aquisição de conhecimento. Em outras palavras, para eles, a lição de casa coloca
a criança diante do desafio de realizar sozinha uma tarefa – oportunidade que não tem em sala de aula,
onde a maioria das atividades são desenvolvidas coletivamente.
Construir autonomia e desafio de realizar sozinha uma tarefa não são aspectos que temos
presenciado na dinâmica familiar das nossas crianças, infelizmente.
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

“Entre quem ensina e quem aprende abre-se um campo de produção de diferenças, pois
cada um de nós tem uma modalidade de aprendizagem, um idioma próprio para tomar do
outro e fazê-lo seu, para entregar-mostrar-lhe um pouco de nossa obra”
Alicia Fernández – Psicopedagoga formada pela Facultad de Psicopedagogía da Universidad del
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Salvador, Buenos Aires, Argentina.

PROFESSORES

Fui então ouvir um dos personagens principais desse contexto, os professores – inicialmente das
escolas particulares de ensino, depois da rede pública. Quando questionados se:
1. A lição de casa é importante?

 Os professores da Educação Infantil e 1º ano, em sua maioria, responderam que a lição de casa
é importante e usaram os mesmos argumentos dos demais professores – o que chama a minha
atenção pela faixa etária dos alunos.
 Dos 26 professores das séries do Fundamental I (2º ao 5º ano), apenas UM disse não (sem
justificativa). Os demais justificaram a sua importância: “reforçar o conteúdo estudado, criar
rotina, treino e fixação dos conteúdos trabalhados em sala” / “sistematizar e verificar a
aprendizagem” / “complementar o trabalho feito em classe e permite que a família acompanhe
o trabalho” / “o aluno tenha um momento sozinho para praticar o que aprendeu em aula” / “ser
estudado o conteúdo dado” / “muito para que os pais vejam em casa se seu filho assimilou o
conteúdo passado” / “revisão daquilo que foi aprendido em sala e um momento dos pais
participarem junto a seus filhos explorando mais conhecimento” / “rever o conteúdo estudado
e é importante também que se há dúvidas, é o momento de saná-las” / “para que os alunos
interajam com os pais e responsáveis” / “participação e integração da família no processo de
ensino aprendizagem” / “para assimilar conteúdos” / “revisão daquilo que foi aprendido em
sala e um momento dos pais participarem junto a seus filhos explorando mais conhecimento”
/ “ajuda a resolver as dúvidas não esclarecidas em sala de aula” / “reforça positivamente os
assuntos vistos em sala” / “meio de estabelecer um hábito, uma rotina para estudar aquilo que
foi aprendido porque conteúdo dado precisa ser estudado” / “para que os pais vejam em casa
se seu filho assimilou o conteúdo passado” / “é muito importante para que os responsáveis
participem da avaliação e participação do aluno” / “maneira de fixar os conteúdos trabalhados”
/ “importante para a participação e integração da família no processo de ensino aprendizagem”
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

/ “complementa o trabalho feito em classe” / “importante para que o aluno tenha um momento
sozinho para praticar o que aprendeu em aula” / “para treino e fixação” / “fixação dos conteúdos
e interação com as famílias no sentido de entender o que está sendo dado na escola, também é
um momento de estudo” / “é uma proposta de fixação do aprendido, logo deve ser prazerosa,
bem preparada e adequada”.
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2. Os seus alunos levam lição de casa todos os dias da semana?

 Os professores da Educação Infantil e 1º ano responderam que no Maternal levam apenas uma
vez por semana;
 Pré I, duas vezes por semana; Pré II, três vezes por semana e nunca nos finais de semana;
 1º ano, levam de segunda à quinta e, na sexta, levam um livro para realizar leitura com a família
no final de semana – cada dia da semana de uma matéria diferente (português, matemática,
ciências, história/geografia).
 Os do 2º ao 5º ano: de 2ª à 5ª feira, sendo cada dia de uma matéria diferente / vésperas de
feriados e finais de semana não / eventualmente aos finais de semana.

3. Como são feitas a correção dessas lições de casa?

 Maternal: “nas rodas de conversa realizadas no início das aulas com todo o grupo”.
 Pré I: “um aluno de cada vez é chamado à mesa da professora para pontuar os erros e acertos
(lição sem enunciado)” / “as crianças que são dispersas, no início, sentem um pouco de
dificuldade porque não lembram o que deve ser feito” / “conversa coletiva sobre o que cada
um fez”.
 Pré II: “coletivamente, socializando as respostas (roda) e comentando-as” / “correção pela
professora que comenta com os alunos se a lição ficou correta, caprichada, etc”.
 1º ano: “em alguns momentos de forma coletiva” / “correção com o grupo para socializar o que
produziram e suas percepções; após, uma correção individual com cada aluno na mesa do
professor” / “comentário geral sobre as dificuldades na atividade e apontamentos de erros
individualmente” / “dependendo do tipo de lição, muda a forma de correção” / “pesquisas são
apresentadas à turma com ajuda da professora, há lições que são corrigidas individualmente
com o aluno e ainda há aquelas que são recolhidas, corrigidas e depois devolvidas ao aluno”.
 Os do 2º ao 5º ano: “autocorreção, na lousa e correção individual do professor” / “de maneira
coletiva na lousa, aproveitando para esclarecer dúvidas que possam ter surgido” / “oralmente,
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esclarecendo as dúvidas e depois verificando individualmente” / “alternadas, às vezes


autocorreção, outras corrijo individualmente” / “de maneira coletiva” / “costumo vistar todos
os livros e fazer as correções individualmente” / “quando for texto os alunos realizam a leitura,
quando são cálculos matemáticos é na lousa” / “corrijo e chamo individualmente quando
percebo que não atingiram aquilo que eu esperava” / “corrigidas individualmente por mim,
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colocando algumas observações quando necessário”.

4. Será que os alunos, na opinião dos professores, gostam de fazer as lições de casa?

 Maternal: “alguns, uma parte deles reclama que está cansado e os pais com dó ajudam a
executá-las” / “sim e quando não tem eles perguntam o porquê, acredito que sintam falta de
algo mais direcionado em casa”.
 Pré I: “sim porque sempre perguntam o que é a lição de casa e o relato das mães é sempre
positivo” / “a maioria sente prazer em fazer, porém outros fazem de qualquer jeito mesmo
quando é somente para pintar”.
 Pré II: “depende da atividade que foi enviada, algumas lições não gostam muito” / “a maioria
sim, pois voltam entusiasmados e interessados em saber como foi seu desempenho”.
 1º ano: “sim, pois conseguem mostrar aos seus familiares o que estão aprendendo na escola; a
família nos relata que as crianças ficam felizes e orgulhosas por conseguirem realizar a lição
de casa sozinhos” / “sim porque são lições sobre o conteúdo que está sendo abordado e
buscamos algo prazeroso, como cruzadinhas, caça-palavras, entre outros” / “sim, pois eles
mostram-se sempre empolgados e buscam caprichar” / “nem sempre, cada um gosta mais de
uma matéria do que de outra, então às vezes alguns não gostam” / “a maioria sim porque saem
da escola sabendo o que deve ser feito e costumam ter prazer em mostrar aos pais”.
 Os do 2º ao 5º ano: “nem sempre; quando têm dificuldade de aprendizagem e não têm apoio
de alguém para orientá-los é um trabalho sofrido. Entretanto a quase totalidade faz e gosta por
ser prazeroso” / “parte das tarefas os agradam; se o assunto é interessante, se desperta a
curiosidade ou se eles gostaram da aula, fazem as tarefas com mais empenho” / “depende,
gostam a partir do estímulo dado tanto na escola quanto em casa” / “sim porque raramente
deixam de fazê-las e sempre estão bem feitas” / “a maioria responde bem, se envolve e dá
retorno positivo em nossas discussões e correções; um pequeno grupo tem dificuldade com
prazos e falta acompanhamento” / “acredito que não, pois na visão deles é um tempo a menos
nas distrações de casa; porém já estão habituados e entendem a necessidade” / “acredito que
sim porque procuro não mandar lições longas e em grande quantidade” / “boa parte gosta,
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outros não pois possuem outras atividades extras” / “sim, por ser uma atividade bem simples e
de fácil entendimento” / “acredito que sim, sempre comentam fatores positivos, como: ‘nossa,
consegui fazer’ ou ‘agora aprendi’” / “eles não gostam, sei que não gostam porque falaram na
sala de aula” / “alguns alunos percebo que não gostam e esses geralmente são aqueles que
esquecem de fazer ou entregar” / “nem sempre, pois há crianças com pouca rotina e a lição de
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casa torna-se um fardo” / “não, pois é uma atividade extra e muitos deixam de fazer” / “depende
da lição e da quantidade” / “a maioria sim, pois percebo o entusiasmo quando são lições mais
lúdicas”.

5. Se pudessem, fariam mudanças em relação às lições de casa atuais?

 Maternal: “sim, diminuir a quantidade de pinturas” / “em relação à minha turma não, pois
respondem bem ao que é pedido”.
 Pré I: “não, acredito que está ótimo”.
 Pré II: “não mudaria” / “talvez, mas preciso amadurecer algumas ideias”.
 1º ano: “não faria mudanças” / “acredito que temos tentado integrar os assuntos/matérias para
que seja mais interessante” / “procuraria manter o mais ‘pensante’ possível”.
 Os do 2º ao 5º ano: “sim, deixaria de cobrar a lição; deixaria à critério de cada um, fazer a lição
deve trazer prazer” / “só colocaria mais atividades de pesquisa” / “mais atividades com
cruzadinhas e caça-palavras que eles gostam” / “em História e Geografia eu mudaria, tornando-
as mais próximas do cotidiano dos alunos” / “uma vez na semana daria uma lição de casa on-
line, acredito que seria algo diferente e que despertaria a curiosidade do aluno” / “não gosto de
lições de casa já elaboradas em livros, prefiro folhas onde podemos elaborar questões mais
condizentes com a aula e com o aprendizado” / “sim, passaria mais lições” / “sim, na hora da
correção, dar uma devolutiva maior de cada atividade proposta” / “lições apenas de Português
e Matemática para auxiliar melhor na interpretação e raciocínio lógico e poder retomar em sala
de aula no coletivo” – 11 professores responderam que não fariam nenhuma mudança.

Ouvi também a opinião de 15 professores da rede pública de ensino e as respostas foram


basicamente as mesmas com uma acentuada reclamação da falta de participação dos pais/responsáveis
na vida escolar das crianças.
As respostas dos professores foram bem diversas, mas a maioria concorda que a lição de casa é um
momento importante e necessário no processo de aprendizagem da criança. O que, talvez, alguns não
tenham percebido é que os objetivos ‘nobres’ que alguns citaram (uma preocupação para que os pais
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se façam presentes no processo de aprendizagem dos filhos) não estão sendo atingidos e o tiro está
saindo pela culatra porque o momento da lição de casa tem se tornado um tormento em vários lares.
Claro que a minha experiência profissional é pautada no trabalho com crianças que apresentam alguma
dificuldade no processo de aprendizagem – talvez as crianças que não tenham essas questões, consigam
fazer a lição de casa sozinhas sem a intervenção dos pais/responsáveis. Mas o que busco, junto às
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crianças e famílias que me procuram, é justamente ajuda-los a desenvolver essa autonomia vencendo
as dificuldades iniciais apresentadas. Penso na ajuda constante, repetitiva e inflexiva dos pais nas lições
de casa como uma espécie de ‘muleta’ e a criança aprende que sem ela não consegue caminhar. Qual
a real mensagem que estou passando para essa criança que só faz as lições de casa com algum adulto
auxiliando? Incapacidade...
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

“Conduta de pai, caminho de filhos”


Provérbio Português

AOS PAIS

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Elaborei um questionário, dessa vez, para os pais opinarem sobre a lição de casa que disponibilizo
aqui com as suas respectivas respostas:
1. Em sua opinião, é importante a lição de casa? Por quê?

“Sim, acredito que ajuda a complementar a matéria dada em aula” / “sim, muito importante, um modo
de ver e acompanhar o desenvolvimento na aprendizagem” / “sim, para fixar melhor o aprendizado e
todos aprendem, os filhos e os pais” / “sim, ajuda a entender e compreender o conhecimento, dá
autonomia e atitude proativa para a criança” / “sim, porque é uma forma de acompanhar as crianças”
/ “sim, porque é complemento do estudo e ajuda a ter responsabilidade” / “sim, pois é através dela que
conseguimos sedimentar os ensinamentos e identificar as dificuldades com o aprendizado” / “sim,
porque é uma forma de fixar o que aprendeu” / “fundamental, complemento e fixação de matéria” /
“sim, para reforçar o aprendizado”.

2. Você faz lição de casa com o (s) seu (s) filho (s)? Por quê?

“Não! Fui expressamente proibida, mas agora está me fazendo muito bem!” / “sempre que posso
acompanho” / “não, geralmente a minha esposa o acompanha nessa tarefa” / “não, acho que a lição de
casa é tarefa da criança, o pai deve apenas orientar e garantir que a criança faça a lição de casa” / “sim,
corrijo e ajudo nas dificuldades” / “sim, porque às vezes ela não entende o exercício e pede ajuda” /
“sim, dependendo do grau de dificuldade, eu auxilio; mas sempre supervisiono” / “sim com o caçula,
porque há algumas lições difíceis; às vezes ele não entende o que tem que fazer” / “não, apenas quando
solicitado por alguma dificuldade” / “sim, ele precisa de ajuda, mas só com o de sete anos”.

3. Você percebe se o professor do seu (s) filho (s) corrige as lições de casa? Como?

“As lições são corrigidas coletivamente” / “sim e, diante da correção, vê a dificuldade para corrigi-la”
/ “sim, dando visto no caderno” / “sim, corrige em classe” / “sim, corrige e sempre aponta os erros” /
“sim, sempre tem visto do professor nas lições” / “algumas vezes, a professora anota ao lado que foi
conferido; ela anota sobre o erro, corrigindo-o, principalmente ortografia” / “sim, algumas vezes
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

individualmente e em outras em grupo” / “não no dia a dia, às vezes durante o estudo vejo as correções”
/ “sim, olhando os cadernos”.

4. Seu (s) filho (s) gosta de fazer as lições de casa? Como demonstra?

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“Não, mas sabe que isso não é negociável e sim responsabilidade” / “ele gosta, mas tem dificuldades
em questões disciplinares e combinados” / “não, irritação, manha e verbaliza também” / “sim, sempre
fazem a lição de casa, às vezes até fazem mais do que foi passado” / “não, eles não gostam, mas fazem”
/ “ela não gosta muito, tem um pouco de preguiça; mas é responsável e a responsabilidade fala mais
alto” / “não gosta” / “na maioria das vezes não, principalmente quando é leitura ou redação” / “não
gosta, tenho grande dificuldade de fazê-lo ter a disciplina da tarefa de casa” / “comigo sim, no começo
ele era bastante resistente, mas melhorou”.

5. Você faria mudança (s) em relação às lições de casa atuais? Qual (is)?

“Sim, daria menos lição para que a criança tivesse tempo para o lazer” / “vejo de forma satisfatória” /
“não sei dizer” / “diversificar o tipo de exercício, incluindo mais atividades de criação” / “não, só acho
que as escolas poderiam mandar nas épocas de provas lições da prova” / “eu daria menos lição de casa,
eles estudam muito” / “não sei se faria, nem que mudança poderia sugerir” / “sim, principalmente no
final de semana; gostaria que fosse só uma leitura, pouca quantidade” / “acho só que, para algumas
disciplinas, é preciso ter mais balanceamento, mas em linhas gerais não mudaria nada” / “não sei, não
tenho conhecimento suficiente nesta área para opinar”.

Antes de iniciar o processo diagnóstico psicopedagógico com a criança/adolescente, tenho um


momento com os pais onde fazemos a anamnese (história de vida) e eles contam toda a evolução do
seu (sua) filho (a) desde o momento em que se conheceram e decidiram (ou não) juntos (ou separados)
a tê-lo (a). Faço algumas perguntas e procuro ouvir o pai e a mãe porque, na maioria das vezes, as
opiniões diferem – o que é normal por sermos seres diferentes, mas ao mesmo tempo dificulta o
desenvolvimento saudável dos filhos quando essas divergências superam o bom senso. Na anamnese,
uma das perguntas é, justamente, sobre a lição de casa e escolhi algumas respostas que podem pautar
as minhas colocações futuras. Talvez você se encontre em algumas delas:
 “ele tinha dificuldade de fazer, mas fazia e agora ele continua com dificuldade e não quer fazer,
fica gritando” (mãe de J. – 07 anos);
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

 “eu tenho que ajudar, ele não faz sozinho, o aprendizado dele é muito difícil” (mãe/pai de G. –
10 anos);
 “difícil, diz que já fez a lição e não fez; quando não quer fazer, diz que não tem” (mãe de V. –
11 anos);
 “faz comigo ou com a mãe, com a mãe é mais transtornante, ela mistura a mãe com a
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professora. Às vezes ele me liga, sem ler, diz que não entendeu, ele é muito preguiçoso” (pai
de D. – 10 anos);
 “agora a gente já teve uma boa conversa: ‘quando a mamãe chegar em casa, você já fez a lição
e a gente vê juntas’, mas não consegue às vezes, diz que não entendeu” (mãe de J. – 09 anos);
 “péssimo, não faz sozinho, nem comigo do lado, enrola para eu fazer por ele, vejo preguiça,
não vejo dificuldade nem incapacidade porque são coisas que ele sabe. Sempre foi assim, eu
sempre fiquei perto e há dois anos estou tentando trabalhar essa questão da autonomia” (mãe
de C. – 09 anos);
 “só faz se eu tiver com ele auxiliando, não consegue; tem que ser num ambiente sozinho, eu e
ele, tudo desligado porque ele se distrai com o que tem ao lado, cubro página ao lado da lição,
não se concentra” (mãe de F. – 07 anos);
 “terrível, todo dia tem que pegar firme com ela, faz com o pai, prefere fazer com ele; eu sou
péssima em matemática e ele é ótimo” (mãe de L. – 09 anos);
 “fazia sozinha até a escola me chamar e dizer que eu tinha que dar mais estímulo; na reunião
eles dizem que a criança já sabe exatamente o que fazer, depois falaram que eu precisava
estimular mais e para eu saber disso, preciso saber o que ela está aprendendo na lição” (mãe de
V. – 06 anos);
 “dependente sempre, não conseguia fazer se não tivesse alguém do lado; quando entrou no
Ensino Médio, eu disse que não olharia a agenda dele. Para passar no 9º ano eu estudei todas
as matérias com ele e ele passou” (mãe de A. – 15 anos);
 “todas elas acompanhadas por mim ou com alguém, não faz sozinho, ajudo ele em todas as
lições” (mãe de A. – 06 anos).
O momento da realização da lição de casa chega ao consultório, através da fala dos pais, como algo
sacrificante, desgastante, violento até em alguns casos porque perdem a cabeça. Os pais ficam confusos
com o que pensam que a escola está exigindo deles e o que conseguem efetivamente oferecer;
entendem que devem fazer as lições de casa junto com os seus filhos e acabam causando uma
dependência por parte das crianças que, muitas vezes, só conseguem ter a atenção dos pais exatamente
nesse momento – dependência emocional e não cognitiva.
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

Quando a escola solicita acompanhamento por parte dos pais, precisamos entender como incentivo
à autonomia dos filhos. Dependendo da idade, os pais precisam sim acompanhar a execução das
atividades, conferir a agenda e compartilhar a organização do material escolar; mas sempre buscando
motivar a criança no fazer sozinha, apenas como um supervisor carinhoso e paciente. O que é,
praticamente, impossível para aqueles pais que trabalham o dia todo e, quando chegam em casa, o filho
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está esperando para fazer toda a sua lição de casa.
Fazer com a criança e não pela criança implica numa organização conjunta – pais e filhos – de uma
rotina saudável, onde ambos tenham deveres e direitos a serem realizados. Pensar em responsabilizar
a criança/adolescente a partir dos combinados que devem ser feitos e negociados em conjunto – por
exemplo: por que colocar o horário da lição no momento em que o seu programa favorito está passando
na TV!? Uma dica interessante é fazer, junto com a criança, a rotina ouvindo as suas sugestões – assim
a própria criança também será responsável pelas suas escolhas e combinados que forem feitos.
Escrever ou desenhar (quando a criança ainda não domina a escrita) a rotina diária de atividades da
criança e colocar em local visível a todos. Costumo recomendar o uso de um relógio digital pela criança
(a partir dos 6/7 anos) para que ela comece a ter noção temporal e possa ‘controlar’ o seu tempo
dividindo-o nas atividades propostas. Mas e se ele não cumprir!? É importante reaver a rotina
semanalmente e buscar as respostas das sanções com a própria criança, pois assim estamos novamente
lhe passando a mensagem de que ela concordou com o combinado e deve cumpri-lo. Perguntar à
própria criança o que ela acha que devem fazer pelo não cumprimento da rotina combinada?
Normalmente, nos surpreendemos com as suas respostas. Ser firme nesse momento é fundamental,
responsabilizando-o do que foi combinado e questionando o não cumprimento das tarefas.
Desde que o mundo é mundo a figura infantil se apresenta meio como um ‘mobiliário’, enfeitando
o espaço familiar e compondo os papéis – “lugar de criança e tamanco é embaixo do banco”, eu ouvia
quando era criança. As famílias foram se modificando e se apresentando de diversas formas e jeitos,
onde essa criança aparece mais impositora, questionadora, desejante... Alguns dizem que isso se deu
por conta da emancipação feminina que a mãe, ao invés de cuidar dos seus filhos, decidiram ingressar
no mercado de trabalho e competir com os homens por uma fatia no mundo coorporativo. Tenho as
minhas dúvidas porque, no consultório, recebo várias famílias em que a mãe não trabalha fora e as
questões são as mesmas em relação às lições de casa. Acredito muito mais na qualidade do tempo que
é dedicado ao filho do que na quantidade, pois algumas mães deixam até de trabalhar porque assim
acreditam que irão se dedicar mais à educação dos filhos e o que vemos é uma relação desgastada.
Muitas vezes querem fazer corretamente, mas não sabem como e acabam por assumir papéis que não
são dela – professora, por exemplo.
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

A maioria dos pais perde a paciência com os filhos na realização da lição de casa porque não
conseguiram entender ainda que esse momento é de responsabilidade da criança – devemos mostrar
para ela que é capaz de dar conta do seu trabalho, assim como os pais dão do deles. Ao invés disso, os
pais estudam, leem, dão respostas, escrevem, pesquisam, elaboram exercícios/provas para os filhos;
com esse posicionamento, as mensagens do pai/mãe críticos vão sendo internalizadas pela criança que
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interpreta do seu modo: ‘não sou capaz, não consigo fazer sozinha, não posso’.
A interpretação da criança, óbvio, é diferente da do adulto e o seu sofrimento é genuíno, não dá
para o adulto mensurar na sua visão. Precisamos parar e ouvir a criança em seu sofrimento
momentâneo, acolher, ajudá-la a sair dele e não permanecer nesse lugar em que nós mesmos estamos,
inconscientemente, colocando-a. Domingos Cunha, padre português, facilitador e escritor que dedica-
se à evangelização de jovens e ensinamentos do Eneagrama (ferramenta de autoconhecimento) diz que
“você só cura aquilo que pode sentir”, então precisamos permitir que a criança sinta o seu sofrimento
e devemos mostrar que existem caminhos para sair dele. Podemos (e devemos), como pais, ajudá-las
nesse processo e, quando sentirmos que também precisamos de ajuda para ajudar, buscar com
tranquilidade.
Nós pais temos a triste mania de evitar (pelo menos, tentar) que os nossos filhos sofram,
esquecendo que esse sofrimento faz parte do amadurecimento do ser humano; devemos acolher,
orientar, auxiliar, ajudar a sair da posição de vítima e assumir a de autor. Em alguns casos, a criança
até se utiliza da lição de casa para ter a presença do pai/mãe por algum tempo, mesmo que não seja
algo agradável para ambos – melhor que nada! Ela se torna dependente desse jogo emocional do ‘não
saber’ para ter a atenção dos pais que acham que precisam, de qualquer jeito e maneira, dar respostas
à sociedade (escola) em relação à realização da lição de casa. Claro que há exceções, as crianças que
foram diagnosticadas com transtornos de aprendizagem precisarão sim de um auxílio direto, mas
sempre com a orientação do (s) profissional (is) que as atendem. O objetivo deve ser sempre o de
desenvolver a autonomia, vencendo as suas dificuldades, em qualquer caso. Mesmo com os
transtornos, síndromes e dificuldades, todos temos um potencial imenso guardado em nós que, à priori,
motivado, estimulado, incentivado, vai expandir e transbordar. Precisamos ajudar as nossas crianças
nessa expansão.
Em nome dessa satisfação que alguns pais acreditam precisar dar, acaba por prejudicar a evolução
saudável do filho; alguns até seguram na mão da criança para a letra ficar mais bonita, apaga o que a
criança fez e escreve ‘imitando’ a letra dela = faz pela criança. Esses pais, realmente, acreditam que
estão fazendo o melhor por seus filhos até que percebem alguma coisa errada ou são chamados pela
escola para ouvir que o seu filho não está conseguindo acompanhar a turma, está apresentando
dificuldades que já deveriam ter sido sanadas, etc. No início do meu trabalho em consultório, 90% das
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

dificuldades apresentadas pelas crianças que chegavam eram oriundas de dinâmicas familiares
inadequadas.
A imaturidade emocional, normalmente, acarreta imaturidade cognitiva; crianças que permanecem
com chupetas, mamadeiras, dormindo na cama dos pais, dependente nas questões de higiene pessoal
(uso do banheiro, tomar banho, vestir-se, etc.) após a idade adequada, normalmente apresentam
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dificuldades no processo de aprendizagem. É difícil para a criança entender que exigem dela postura
de leitura e escrita, quando ainda permanece como um ‘bebê’ em seu âmbito familiar – confunde.
Como disse antes, a criança faz a sua leitura do mundo ao seu redor e o adulto faz a dele; os pais
exigem, mas não fazem acontecer. O discurso inicial, em consultório, é de que gostariam que o filho
fosse mais independente, maduro, responsável, mas agem de forma contrária no seu dia a dia. Algumas
crianças permanecem nesse local de ‘bebês’ para agradarem os pais, mas no fundo sabem que não
deveriam.
Recebi um garoto de 08 anos que estava usando mamadeira, sugeri uma atividade de procurar, em
revistas, figuras para recortar de coisas que fossem de crianças e coisas que fossem de bebê (fizemos
uma linha divisória no papel para ele colar as figuras) – detalhe importante, ele ‘proibia’ os pais de
falar para qualquer pessoa que usava mamadeira. Você já deve imaginar o que ele recortou como coisas
de bebê... Chupeta, fralda e mamadeira – aproveitando a oportunidade para abordar o assunto,
questionei se ele era bebê. A sua resposta, imediata, foi que não e eu lhe disse prontamente: “então não
deveria estar usando mamadeira” – simplesmente, concordou. Os pais compraram um copo de furinhos
para ajudar na transição e deu tudo certo, muitas vezes é mais fácil do que se imagina. Mas os pais
precisam ter coragem e persistência. Sabe o que significa a palavra COR/AGEM? Cor de coração e
agem de ação = agir pelo coração. No fundo do fundo, os pais sabem o que está acontecendo de
inadequado no âmbito familiar e, caso não consigam realizar as mudanças necessárias sozinhos, devem
buscar ajuda profissional. O comodismo, na maioria das vezes, atrapalha e pode comprometer todo o
desenvolvimento da criança.
Por falar em comodismo, um assunto que está muito presente também nas salas dos
consultórios/clínicas é o uso dos eletrônicos por crianças cada vez menores e fico extremamente
preocupada com esse fato. Numa pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com
crianças de 03 anos, destacou-se que 47% delas já sabiam usar smartphones / 66% sabiam jogar
videogame e, apenas, 14% amarraram os cadarços. Os pais se sentem orgulhosos dos filhos tão
pequenos já saberem usar os eletrônicos, mas talvez não saibam que os danos são enormes! Para
crianças muito pequenas, antes dos 10 anos, o uso de tablet, celular, notebook e outros equipamentos
eletrônicos podem ser prejudiciais em alguns aspectos como afirma os especialistas, tais como (Fonte:
Cura pela Natureza): agressividade – ansiedade – dependência – hiperatividade – problemas de
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

concentração – irritabilidade – falta de noção espacial – dificuldades de aprendizagem – atrasos no


desenvolvimento cognitivo – dificuldades de relacionamento – sedentarismo e ganho de peso – insônia
– postura...
Sei que é muito difícil (ou quase impossível) imaginar uma infância livre da influência dos
equipamentos eletrônicos. Por isso, os limites recomendados de utilização dessas tecnologias não
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param de ser revistos, bem como a maneira com que os pequenos deveriam interagir com as telas. A
revista Saúde (Editora Abril) publicou no dia 14/02/2017 uma reportagem muito interessante com o
título: “Tecnologia na infância: qual o limite?” – seguem alguns dados:
 “O ideal é que o contato com eletrônicos não aconteça antes dos 2 anos, sobretudo nas duas
horas que antecedem o sono e durante as refeições” (Liubiana, que preside o Departamento de
Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da SBP – Sociedade Brasileira de Pediatria).
 “É um período em que, por causa dos estímulos recebidos do ambiente externo, aumentam as
sinapses, ou seja, as conexões entre os neurônios. Os tais incentivos, que podem ser palavras,
toques, brinquedos, músicas ou livros, servem como uma espécie de asfalto para a construção
dessas pontes cerebrais, que conectam novas áreas na mente em amadurecimento, como a
formação da personalidade e o aperfeiçoamento da linguagem” (Telma Pantano, fonoaudióloga
e psicopedagoga da USP).
 “Famílias que ficam só assistindo à TV ou cada um com seu celular enfraquecem seus vínculos.
Isso fará falta na adolescência, quando os pais perdem autoridade e os filhos se afastam”
(psicóloga Elizabeth Monteiro, autora do livro Criando Filhos em Tempos Difíceis – Summus).
 “Uma saída para driblar os excessos é estabelecer períodos offline diários para toda a família.
Entre os mais velhos, a preocupação vai além: a internet. O perigo é a exposição a conteúdos
inadequados e o bullying virtual” (Liubiana).
 Particularidades de cada aparelho: Televisão – a mais velha da lista é também a que permite
maior controle do conteúdo. Por outro lado, há passividade total ao se jogar no sofá e assistir
aos desenhos. Tablet – ele oferece maior visualização para os joguinhos, mas, na essência, é
como o celular. É preciso selecionar os aplicativos a serem instalados. Celular – a tela menor
pode fazer com que a criança não desenvolva noções de profundidade e distância nem a
musculatura da visão como deveria. Computador – os especialistas recomendam que os mais
novos não tenham a senha para ligar o computador. Assim, os adultos conseguem monitorar o
uso (https://saude.abril.com.br/familia/tecnologia-na-infancia-qual-o-limite/).
Disso tudo, pais, para mim fica que devemos nos lembrar e valorizar as brincadeiras/jogos que,
infelizmente, foram esquecidos, negligenciados ou deixados de lado por suposta ‘falta de tempo’ e
comodismo. Percebemos os adultos cada vez mais envolvidos pelos eletrônicos também e não
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

podemos nos esquecer que somos os verdadeiros exemplos para os nossos filhos. Se faz importante a
retomada das atividades corporais de expressão / jogos sem palavras (mímica) / bexigas / brinquedos
de nossa infância / acampamento (em casa) / músicas: dançar e cantar / histórias / pinturas / admirar a
natureza / respeitar os animais... Inúmeras coisas legais! Esse sim é um dos papéis que envolve a arte
de ser pai/mãe, não se esquecendo que o tempo com os nossos filhos deve ser baseado na qualidade e
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não na quantidade, sempre.
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

“Sou como você vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, depende de
quando e como me vê passar”

Clarice Lispector foi uma escritora e jornalista nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira

AS CRIANÇAS 23

O cérebro do ser humano é, simplesmente, fantástico! Ele NUNCA para de aprender, estamos
sempre realizando novas conexões dentro dele para aprendermos mais e mais. Aprender é muito
gostoso, mas não é nada fácil, eu sei.
Precisamos, como adultos, reconhecer a criança como um ser capaz de aprender apesar de todas as
limitações que possamos perceber – essas limitações são momentâneas e devem ser ‘abraçadas’ com
estímulo e possibilidades reais para que possam ser sanadas (ou diminuídas). Para tal, faz-se necessário
o adulto parar de dizer frases como: ‘ela não consegue sozinha’ / ‘sempre precisa de ajuda’ / ‘ se deixar,
os resultados serão muito ruins’, etc. Queremos autonomia da criança, mas não a ajudamos para que
isso aconteça – incoerência adulta. Se nós não acreditarmos em sua capacidade, ela também não
acreditará; a mensagem que estamos passando é de incapacidade. Sim, os resultados (produção/nota)
podem ser ruins no início; mas precisamos ter calma e acreditar num processo evolutivo. Construir
requer cuidado e paciência. Nesse caso, muito amor envolvido também.
Converse bastante com a criança para entender as suas reais dificuldades e, claro, busque ajuda
profissional se for necessário. Ela gosta ou não de fazer a lição de casa? Por que? A lição de casa ajuda
a relembrar o que aprendeu em sala de aula? Vou dar algumas dicas que podem (e devem) compartilhar
com a criança/adolescente – primeiro passo é buscar saber como a criança acha que aprende melhor
(lendo silenciosamente? Lendo oralmente? Escrevendo? Fazendo resumo? Grifando? Refazendo
exercícios? Como se dá o processo de memorização? Para descobrir isso, a criança deve seguir um
roteiro de estudo:
1) Separe o conteúdo a ser estudado (caderno, livro, apostila, etc.);
2) Faça uma leitura silenciosa e grife as palavras que não sabe o significado;
3) Procure no dicionário o significado das palavras desconhecidas e anote acima de cada uma
delas o seu significado;
4) Faça uma leitura oral, dessa vez grifando as partes que julgar serem mais importantes;
5) Escreva as partes grifadas numa folha separada ou escolha um caderno de estudo para tal;
6) Leia novamente as suas anotações;
7) Resolva exercícios do caderno/apostila sobre o conteúdo estudado (sem olhar as respostas);
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

8) Corrija os exercícios que fez e, caso tenha acertado todas as questões, o estudo está realizado:
caso contrário, volte aos pontos que errou e execute as mesmas etapas.
Com o tempo e hábito de estudo, essas etapas vão diminuindo para as que mais a criança sente
uma melhor memorização e, principalmente, compreensão. Assim, cada criança vai encontrando o seu
próprio caminho para estudar. É importante passar pelas etapas no início, pois só assim conseguirá
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discernir onde se encaixa melhor. Incentive.
Algumas crianças estudam em período integral, então o ideal seria que fizessem as lições de
casa na própria escola no período oposto ao de suas aulas. Atendi um menino de 10 anos que ficava o
dia inteiro na escola e, à noite, quando chegava em casa, fazia a lição de casa com a mãe que chegava
exausta do trabalho! Não conseguiam dar conta mesmo. Fui até à escola e, conversando com a
coordenadora, ouvi que as lições iam para casa afim de que os pais participassem mais da vida escolar
do filho. Efetivamente, não era o que acontecia nesse caso; na maioria das vezes, o menino levava as
lições em branco ou fazia aos trancos e barrancos a partir dos gritos da mãe. Alegava que já estava
cansado, o que verdadeiramente faz sentido. Os pais podem participar da vida escolar dos seus filhos
de várias formas, não necessariamente nas lições de casa feitas à noite – busquem conversar com a
escola para que as lições sejam feitas na própria escola, de preferência com autonomia. Posteriormente,
a professora deverá fazer a correção da mesma.
Temos um relógio biológico que nos alerta de que devemos estar despertos durante o dia, bem
dispostos e, a partir do final da tarde, o nosso ritmo vai diminuindo para nos avisar que a hora é de
desacelerar para o descanso. Descanso muito necessário para reposição da nossa energia para um novo
despertar no dia seguinte. É uma questão biológica! Não devemos deixar o horário da lição de casa
para o período noturno, a criança deve realizar a sua lição no período oposto ao de sua aula e, depois,
os pais, quando chegarem em casa, devem apenas verificar se fizeram ou tiveram alguma dúvida –
olhar a agenda para verificar se tem recado, checar junto com a criança se ela precisa de material
escolar (lápis, borracha, apontador, etc.). À noite, estamos todos cansados e o processo atencional
diminui. Costumo fazer uma rotina, junto com cada criança, com horários específicos para cada
atividade do seu dia, inclusive as lições de casa – não vamos escolher o horário da lição junto com o
do seu desenho favorito. Por isso, o ideal é fazermos essa rotina junto com ela; assim, escolherá qual
o seu melhor horário para cada atividade. Não se esqueça de colocar horário para brincar, ver televisão,
ler livros...
Fico pensando nos finais de semana... Precisamos tirar as nossas crianças de casa, ajudando-as
a interagir com a natureza e desenvolver as suas habilidades motoras. Escolha o sábado ou domingo,
durante um período, para fazer passeios ao ar livre ou, se não der, ir ao cinema, museu, teatro...
Acreditem, financeiramente valem muito a pena também. O seu filho ficará imensamente feliz em
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

aprender a andar de bicicleta com você, aprendizado que levará para a vida toda! Invista seu tempo em
ensinar-lhe a amarrar o cadarço do sapato, ao invés de comprar os tênis todos sem cadarço para
‘facilitar’ a vida. Ensine-o a se alimentar sozinho, usando a faca para cortar os seus alimentos; em
seguida, levar o seu prato para a pia. Dance com ele, invente passos que usem vários movimentos
corporais, como: pular num pé só, levantar o braço direito, abaixar, rebolar, etc. Leiam juntos, mesmo
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quando a criança ainda não está alfabetizada. Como? Deixe-a ‘ler’ com a sua imaginação e
criatividade. Ah, pais, são tantas coisas legais para fazermos juntos com as nossas crianças!
Ouço vários pais, no consultório, falarem que o filho não ‘quer’ fazer atividade física. Penso
que, quando são pequenos, algumas questões não são negociáveis. A natação é uma delas, por exemplo.
As crianças precisam fazer uma atividade física e, inicialmente, a natação é uma questão de
sobrevivência quando temos uma realidade de condomínios com piscina, férias em hotéis com piscina,
casa de amigos com piscina, praia... Além de estarem praticando uma atividade física, estão
aprendendo a se virar na água quando for necessário. Além da natação (ou depois dela), devemos
apresentar às crianças coisas legais que podemos fazer com o nosso corpo para que ele não ‘enferruje’
– danças, lutas, corridas, etc. Corpo em movimento para expulsar o sedentarismo infantil tão presente
nas nossas crianças atualmente. Não se esqueçam, dar o exemplo ainda é o melhor caminho!
Alguns pais devem estar pensando: ‘mas eles são tão pequenos ainda’. Ledo engano, pais. A
autonomia deve ser trabalhada desde muito pequenos para que se torne um hábito saudável e natural
– pequenas tarefas inicialmente, de acordo com a faixa etária da criança, e aos poucos ir aumentando
o grau de dificuldade. Não se preocupem, eles dão conta de se vestir sozinhos, comer, tomar banho, se
limpar... Mesmo que não fique do ‘jeito’ dos pais, mas ficarão cada vez mais hábeis à medida que
forem fazendo, acreditem. Pedagogicamente, os adultos ajudam muito mais utilizando as revistinhas
(Picolé), músicas (sons/rimas), livros de histórias infantis, receitas preparadas na cozinha junto com as
crianças (medidas, quantidade, etc.), jogos educativos (não necessariamente com letras/números),
mímicas, partes do corpo... As possibilidades são inúmeras!
Tudo na vida requer equilíbrio, o que não é nada fácil. Permissividade é ruim, assim como
cobrança demasiada também. Educar é difícil mesmo, mas vale muito a pena. É repetir inúmeras vezes
o mesmo comando, mesmo que esse comando seja tão óbvio para o adulto, como: escovar os dentes,
tomar banho, sentar para comer... Fazer as lições de casa.
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria
produção ou a sua construção”

Paulo Freire, educador, pedagogo e filósofo, considerado um dos pensadores mais notáveis na
história da pedagogia mundial.

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CONCLUSÃO

Criamos os nossos filhos para o mundo – frase clichê, mas verdadeira. Plantamos sementes
diárias no processo de ensinamentos, mas eles serão os colhedores desses frutos. Entendermos a nós
mesmos se faz essencial para que a gente entenda o que buscamos e desejamos, verdadeiramente, para
nossos filhos – claro que o desejo é de felicidade, mas sabemos o que nos deixa felizes? O que os deixa
felizes? Ter vários brinquedos? Usar tablet? Será? Refletir sobre o que é felicidade para cada um.
Lembrei-me de um Dia das Mães em 2006 que saímos para almoçar, como era de praxe, mas num
clima diferente de apreensão porque São Paulo estava em alerta policial desde a sexta-feira quando
bandidos resolveram praticar atos covardes de vandalismo e violência simultaneamente por toda a
cidade, matando policiais, bombeiros e civis alegando insatisfação pela transferência de alguns líderes
de uma facção criminosa para outros Estados. Para descontrair um pouco, sugeri às minhas filhas que
me avaliassem como mãe escrevendo três qualidades e três defeitos que percebiam em mim.

Qualidades Defeitos
Filha mais velha (14 anos) Escutar Stress
Aconselhar Mandar eu subir cedo demais
Ajudar Acreditar que “macumbas”
curam gripe (xarope caseiro)
Filha do meio (09 anos) Ser carinhosa Ficar brava quando está com
Ser MA (inicial do seu nome e do fome
meu sobrenome) Dar bronca quando está chorando
Ser feliz sem motivo
Não entender quando a minha
irmã faz gestos estranhos
Filha mais nova (03 anos) Mamãe é linda Como não sabia escrever, disse:
Mamãe trabalha no atendimento “mamãe não tem nada de feio, é
tudo lindo!”
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

Óbvio que me agarrei nas qualidades para acreditar que estava sim no caminho certo: escutar,
aconselhar, ajudar, ser carinhosa... Os defeitos sempre serviram como processo reflexivo para
mudanças e amadurecimento. Ouvir todas as noites antes de dormir a mesma pergunta: “já disse que
te amo hoje?” – caso respondesse ‘não’: “te amo” / ‘sim’: “te amo de novo”. Amor! Precisamos amar
os nossos filhos de forma saudável, entendendo que educar é difícil sim, inúmeras repetições diárias
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por alguns bons anos, mas os resultados favoráveis aparecem quando se tornam adultos conscientes da
importância do amor, respeito, companheirismo... O que, realmente, devemos deixar de legado aos
nossos filhos são os nossos valores éticos e morais; mostrar para eles que o ter é consequência das
nossas escolhas e caminhos, mas sem o SER de nada valerá. É preocupante percebermos pais
preocupados com a escola que o filho fará a Educação Infantil e Fundamental I buscando preparação
para o vestibular e mercado de trabalho competitivo. Ranking das melhores escolas em classificação
nos vestibulares, Enem, etc. O que buscamos realmente? Cada família deve fazer uma revisão de
valores e entender, de forma clara e objetiva, o que é fundamental para cada faixa etária – é tão
importante a criança aprender a ler/escrever, quanto a se limpar sozinho, amarrar o cadarço do tênis,
dormir em sua cama no seu quarto, não permanecer com mamadeira/chupeta/fralda além do tempo
necessário... Esses mesmos pais que buscam esse conteúdismo na escola e ficam preocupados quando
percebem que os seus filhos estão apresentando dificuldade no processo de aprendizagem, chegam ao
consultório com um discurso muito parecido de desejarem que seus filhos sejam mais autônomos,
façam as coisas sozinhos, mas na prática continuam fazendo por eles. Brinco (séria) alegando que se
eu tivesse alguém para fazer as coisas por mim, eu também não ia querer fazer. Se eu tenho alguém
que lave os meus pratos e arrume a minha cama, por que eu vou fazer? Nem as crianças vão fazer,
sabem que alguém fará por elas.

Autonomia = faculdade de se governar por si mesmo. Desde quando? A sensibilidade e


percepção dos pais/cuidadores é muito importante nesse sentido, além, claro, de toda a gama de
publicações sobre o assunto. Cada criança é única e tem o seu ritmo, o cuidado é estarmos atentos
quando as etapas estão saindo do esperado e buscarmos ajuda. Quando iniciei os atendimentos no
consultório, praticamente 90% das crianças que apareciam com dificuldades escolares apresentavam
questões de dinâmica familiar que deveriam ser trabalhadas concomitantemente com o pedagógico,
pois era o que emperrava esse processo. Quando pensamos em imaturidade cognitiva, devemos
analisar também a imaturidade emocional dessa criança; os adultos cometem o erro de pensar como
adultos ao invés de se colocarem no lugar da criança e ouvir. Simplesmente ouvir atentamente. Como
a criança pode entender que precisa ler e escrever (coisas de criança grande), quando ela ainda usa
chupeta, mamadeira, dorme na cama dos pais, não se veste sozinha, não se limpa sozinha, etc (coisas
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

de bebê)?! É incoerente. Mas quem é o responsável por manter essas práticas desfavoráveis na vida
dos filhos? Pois é, deixo aqui o alerta de que tudo tem seu tempo e importância nas etapas da vida da
criança e precisamos respeitar para que elas se desenvolvam da forma mais saudável possível.

A ideia aqui não foi absorver ou condenar a lição de casa e sim pensar sobre o assunto, a
importância que temos dado a esse momento que faz parte de todo um bloco de procedimentos
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escolares. Não vale a pena tanto desgaste familiar por conta disso e, acreditem, passa rapidinho essa
fase que depois deixa até saudade. Caso a criança, realmente, precise de algum tipo de ajuda durante
as lições de casa, ajude, sem culpa. Pensando que não deve ser algo constante que a impossibilite de
fazer sozinha e duvide da sua capacidade nem tampouco realizar a atividade por ela – orientar, ajudar
é diferente de fazer. Favoreça maneiras que a criança possa entender o que deve ser feito buscando
respostas nela mesma, questione ao invés de dar respostas porque, em diversos momentos, ela está
buscando atenção e acolhimento.

Se vier (e ela vem) a cobrança da escola, via agenda, que deixa os pais tristes, irritados,
preocupados: “não fez a lição de casa”? Busque os reais motivos do seu filho não ter feito a lição de
casa e converse com a escola, não tenha receio de escrever de volta na agenda: “por favor, professora,
ajude o meu filho porque ele não entendeu o que deveria ser feito na lição de casa”. Os bilhetinhos,
muitas vezes, funcionam como uma forma de denunciar e pedir providências, exigindo que os pais
resolvam questões com as quais os professores não estão conseguindo lidar. Seria, mais ou menos, a
mesma coisa que a mãe mandar o filho para o colégio com um bilhete escrito assim: “Professora, meu
filho não quer comer sozinho. Por favor, tome providências”. Vários bilhetes, inclusive, solicitam aos
pais que retomem páginas dos livros com os filhos e muitos se pegam estudando o conteúdo porque
não lembram mais, planejando atividades extras, provinhas, malabarismos da forma que conseguem.
Algumas vezes, a própria criança dize aos pais que a professora não ensinou daquele jeito, que está
errado, desencadeando mais conflitos ainda. Não é papel dos pais, escola e família precisam entender
isso. Acordo conjunto.

Reconhecimento é a melhor forma de estimular alguém. Acreditar na potencialidade dos filhos


é fundamental para que eles cresçam acreditando que podem sim, que conseguem fazer, do jeito deles
mas conseguem. Parar de criar tantas expectativas em relação ao que nós queremos ou, em vários
momentos, depositar as nossas decepções neles entendendo que são pessoas diferentes de nós – tipo o
pai médico que sonha, desde bebê, que o seu filho seja médico também e perpetue a profissão. Os
filhos devem construir os seus próprios sonhos e desejos num ambiente seguro e acolhedor, esse é o
verdadeiro papel dos pais.
“Essa lição é minha” – Como fazer para que as lições de casa não se tornem um bicho-papão

Brinquem muito com os seus filhos, mas brincar de verdade. Brincar é interagir. Desligar os
aparelhos eletrônicos de vez em quando e sentar junto, olhar nos olhos, falar e ouvir, sentir, rir de tudo
e de nada, comer juntos... A importância de todas as coisas na vida somos nós que damos; o que é
muito importante para mim, pode ser algo insignificante para você. Mas de uma coisa tenho certeza:
o (s) filho (s) é importante para todos os pais (saudáveis)!
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Um abraço carinhoso.

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