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JORGE CAPELO
ÍNDICE
Os tratados botânicos de Teofrasto (372-287 AC.) e mais tarde de Plínio, o Antigo (23-
79 DC.), e Dioscórides (40-90 DC.) seguem o modelo de Aristóteles no que respeita à
ordenação das principais características morfológicas e afinidades naturais
(taxonómicas) das plantas, mas, ao mesmo tempo, descrevem os lugares mais
favoráveis para os diversos vegetais, a sua distribuição nas diferentes áreas
geográficas e tipos de paisagem natural. Estes textos foram, durante toda a Idade
Média, a referência cultural dominante no modelo do mundo natural, tendo sido
plenamente integrados no sistema de conhecimento escolástico associado à cultura
eclesiástica.
nestes séculos, das colecções naturais, herbários e jardins botânicos, no seio das
instituições reais dos estados europeus, leva a um fomento da actividade botânica no
sentido da catalogação de um número crescente de plantas, mas também à reflexão
acerca da lógica da sua distribuição geográfica e associação com os diferentes
ambientes e climas. Os primeiros trabalhos europeus sobre a flora ultramarina
devem-se aos naturalistas ibéricos, dos quais se destacam: Garcia de Orta, Cristóvão
da Costa, Amato Lusitano (João Rodrigues de Castelo Branco), Gonzalo Fernández
de Oviedo e José de Acosta, seguidos por naturalistas de outras nações europeias que
prolongaram, pelos séculos seguintes, o conhecimento botânico. Entre os franceses e
ingleses, foram responsáveis por viagens botânicas dentro, e fora da Europa, por
exemplo, Plumier, Tournefort, Adamson, Poivre e os irmãos Jussieu.
Simultaneamente, decorre um enorme esforço de descrição taxonómica das plantas,
que nestes séculos é liderada por naturalistas como Cesalpin, Tournefort ou John
Ray.
Com a publicação do Systema Naturae (1735) e Species Plantarum (1753), Lineu (Carl
Maria von Linné: 1707-1778) veio dotar as descrições taxonómicas de um sistema
prático, consistente e de aplicação universal, de categorização e nomenclatura das
plantas. O sistema sexual e a nomenclatura binomial do sistema de Lineu vieram
permitir uniformizar um conhecimento heterogéneo com origem nas diferentes
escolas de naturalistas europeus e, sobretudo, categorizar os organismos segundo as
suas relações recíprocas de afinidade dentro da hierarquia da cadeia do Ser. Para além
da suma importância no avanço da Sistemática, devem-se a Lineu as primeiras
intuições acerca das ideias evolutivas e da importância do estudo da distribuição
geográfica e ecológica das espécies. Este autor refere nas suas obras, ainda que de
forma incipiente, alguns conceitos geobotânicos que se verão formulados com
precisão mais tarde no decorrer da história da Ciência (DU RIETZ, 1936). São
exemplos os conceitos de óptimo bioclimático de uma planta, relação planta-tipo de
solo e distribuição altitudinal dos andares de vegetação1. Lineu introduz ainda os
conceitos de planta indicadora de determinado habitat, na Flora lapponica, de 1737, e
ainda de gradiente de vegetação, na descrição do lago Möckeln que faz na Flora
suecica. Na sua obra O equilíbrio da Natureza, de 1749, surgem descrições do ciclo
geral de nutrientes por via do processo de produção primária -produção secundária -
decomposição e ainda detalhadas descrições de processos de sucessão vegetal
primária. A obra de Lineu é uma produção científica notável do Iluminismo, que
apesar de não transcender ainda o dogmatismo creacionista próprio da visão cristã,
nem a visão providencialista do equilíbrio natural (DELÉAGE, op. cit.), abriu a
1
O conceito de andar de vegetação pode ser encontrado nos escritos de vários naturalistas. De acordo com
THEURILLAT (1992), o conceito de andar de vegetação terá sido enunciado por Gessner em 1555, e
posteriormente por Haller em 1768. RIVAS-MARTÍNEZ (1981) cita Giraud-Soulavie como o autor, que
em 1783, terá usado pela primeira vez a expressão "andar de vegetação". No entanto, foi apenas com
HUMBOLDT & BONPLAND (1807) que foram enunciadas as bases científicas da zonação altitudinal
da vegetação. Humboldt relaciona claramente a distribuição altitudinal da vegetação com a variação da
temperatura média anual e efectua a equivalência entre os andares de uma clisérie e a zonação
latitudinal dos zonobiomas da Terra.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 5
Nos finais do século XVIII e princípios do século XIX assiste-se à proliferação dos
estudos e viagens científicas promovidos pelas potências coloniais, na sequência do
quase total domínio europeu do território planetário. Exploradores como James
Cook, no Pacífico, Joseph Banks, na América do Norte e Ásia, Bouganville e La
Perouse, na Oceânia e La Condamine na América do Sul, produzem importantes
colecções e descrições dos territórios visitados.
Alexander von Humboldt (1769 - 1859) foi um dos mais notáveis naturalistas deste
período. Seguramente está na base de uma parte importante das ideias científicas
modernas acerca do estudo da paisagem vegetal nas suas componentes florísticas,
estruturais, funcionais e geográficas. A sua grande curiosidade científica, aliada a
largos conhecimentos de sistemática vegetal, geografia e ciências físicas (astronomia,
climatologia), levou-o a percorrer largas extensões interiores das Américas (do Sul e
do Norte, de 1799 a 1804), assim como partes da Ásia (Urais, montes Altai e Sibéria
em 1829). As fontes da sua sensibilidade ao mundo natural, radicam por um lado, na
produção naturalista dos seus contemporâneos nos campos da taxonomia das
plantas, mas também no espírito romântico, que encontra na paisagem natural um
dos seus objectos de predilecção (ASENSI, 1996). Humboldt distancia-se dos
botânicos seus contemporâneos, que se ocupam quase exclusivamente da descoberta
de novos táxones e da sua classificação, sem interesse pela sua distribuição
geográfica ou relações com o meio. A ciência da geografia das plantas, escreve
Humboldt, é aquela ciência que considera os vegetais segundo as relações da sua associação
local nos diferentes climas (…) A geografia das plantas não ordena somente os vegetais
segundo as zonas e as altitudes diferentes nas quais se encontram; não se contenta em
considerá-los segundo o grau de pressão atmosférica, de temperatura, de humidade ou tensão
eléctrica, sob as quais vivem: distingue entre elas, como entre os animais, duas classes que
possuem uma maneira de viver e, se o ouso dizer, hábitos muito distintos. Umas crescem
isoladas (…). Outras plantas, reunidas em sociedade como as formigas e as abelhas cobrem
terrenos imensos (HUMBOLDT & BONPLAND, 1807). Na sua Narrativa pessoal de uma
viagem às regiões equinociais do Novo Continente (1814-1825), refere insistentemente a
necessidade de considerar a paisagem vegetal como unidade integradora do carácter
total de uma região da Terra, da realização de estudos da vegetação como nível de
complexidade estrutural superior à enumeração e descrição da flora de uma dada
região e a sua resposta às variações dos climas e topografia. Insiste também na
necessidade de estudar as estratégias de associação das diferentes espécies como
forma de resposta adaptativa repetitiva às diferentes condições de habitat. Estas
ideias estão apresentadas, de forma exemplar, nos esboços de seriação altitudinal da
vegetação das altas montanhas da Terra (clisérie), em relação à variação de
parâmetros climáticos (temperaturas médias, máximas e mínimas, precipitação,
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2 Humboldt pode ser considerado um dos pioneiros da Bioclimatologia, ciência que estuda a relação
clima-vegetação, tendo introduzido diversas ferramentas climatológicas (os mapas de isolinhas de
temperaturas, por exemplo.)
3 Este termo foi cunhado por Huget del Villar em 1925.
4 O estudo dos processos de sucessão ecológica tinham atraído já Dureau de la Malle em 1825.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 7
Ernst Haeckel, em 1866, na Morfologia geral dos organismos: o estudo das relações entre
os organismos e o seu ambiente físico e biológico; biocenose, por Karl Möbius, em
1877: a comunidade de organismos, num dado espaço geográfico em relação com os
factores do meio que determinam as suas condições de existência. O
desenvolvimento da Ecologia desenrola-se nos finais do século XIX e princípios do
século XX, segundo várias tendências e escolas nacionais, mas onde o estudo
ecológico da vegetação ocupará sempre um papel central.
5 A passagem muito citada de Humboldt (ver 2.1.1.1) , relativamente ao carácter social das plantas não
corresponde, em nossa opinião, a uma formulação do conceito de associação no sentido moderno. Este
autor reconhece a oposição que existe entre os vegetais que crescem isolados e as plantas sociais. Por
análise da referida passagem (HUMBOLDT & BONPLAND, op. cit.: 14-15), é fácil constatar que o autor
não se refere verdadeiramente ao fenómeno das sociabilizações inter-específicas de plantas, mas ao
mero reconhecimento da existência de populações monoespecíficas extensas de algumas plantas, por
oposição à ocorrência isolada de outros táxones. THEURILLAT (1992) faz exactamente esta
interpretação da mesma passagem de Humboldt.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 8
essencial das sete notas mais importantes, que apresentamos com modificações de
linguagem:
1. A associação não é uma unidade topográfica. Num dado local pode ocorrer um
mosaico de associações de acordo com a heterogeneidade ambiental presente.
2. A associação é determinada pelo estação (habitat) como uma unidade ecológica.
3. A associação revela, pela sua resposta fisionómica, um carácter ecológico
determinado.
4. A fisionomia da associação é função da frequência relativa dos diversos tipos
fisionómicos que a constituem.
5. Diversas associações, particularmente as florestais, podem ser constituídas por vários
estratos: herbáceo, arbustivo e arbóreo.
6. A fisionomia das associações muda no decurso do ano. Importa distinguir na sua
descrição, estes aspectos sazonais.
7. A associação está limitada corologicamente pela área de distribuição dos táxones que
a constituem, nomeadamente dos dominantes. Deste modo, a associação pode servir
de base para delimitar territórios biogeográficos.
Este conceito está na base da prática das duas principais escolas fitossociológicas
europeias que surgem então: a Escola de Upsala, impulsionada por Einar Du Rietz, e
a de Zurique-Montpellier, iniciada por Flahault e Pavillard, seguidamente
consolidada em definitivo por Josias Braun-Blanquet, Reinhold Tüxen e Salvador
Rivas-Goday.
companheiras.
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1. Estrutura, fisionomia.
2. Diversidade, dominância.
3. Variação espacial da composição específica, relações entre a distribuição das
espécies (…).
4. Variação temporal, estabilidade.
Por seu turno, Gleason (1917 & 1926) formula um conceito individualista da
vegetação, pois nega a importância das interacções positivas entre as espécies.
Propõe assim, um conceito de continuum vegetal em que as combinações de espécies
resultam apenas das respostas individuais das mesmas aos factores ambientais.
Acrescenta ainda a ocorrência da dispersão aleatória dos indivíduos como resposta
às flutuações ambientais. Enfatiza assim a natureza contínua da vegetação,
atribuindo o caracter de artefacto arbitrário às comunidades de Clements. No
entanto, reconhece a existência da possibilidade de competição inter-específica
(GLEASON, 1926).
12 Ametáfora quasi-organísmica da comunidade levou alguns dos seus detractores a formular objecções
baseadas numa imagem de super-estrutura demasiado literais (GLEASON, 1917, 1926 & 1939;
WIHTAKER, 1951; AUSTIN& SMITH, 1989). Segundo estes autores, a equiparação das fases de uma
sucessão progressiva primária às fases de juventude, maturidade, senescência de um organismo é
inaceitável de um ponto de vista epistemológico e como tal abusiva.
13 No modelo de Clements, as comunidades ou etapas da sucessão corresponderiam a etapas meta-
Esta oposição teórica deu origem a duas correntes de estudo da vegetação que se
mantêm opostas até a actualidade (WITTAKER, 1962; CURTIS & MACHINTOSH,
1951; AUSTIN & SMITH, 1989): hipótese do continuum vs. hipótese da comunidade14.
14 A discussão dos aspectos teóricos opondo estas duas escolas podem ser encontradas em WITTAKER
(1951), GOODAL (1966), MCHINTOSH (1967, 1980 & 1986), GREIG-SMITH (1986) e SHIPLEY &
KEDDY (1987).
15 A discussão das propriedades emergentes na comunidade vegetal quer em Clements quer em Braun-
Blanquet, foi mais recentemente reformulada por autores como Ellemberg (1953), Walter (1994) e
Muller-Dombois & Ellemberg (1974). Estes autores distinguem, relativamente a um dado factor
ambiental, o óptimo fisiológico de uma planta isolada ou em cultura, do óptimo ecológico quando inserida
numa comunidade. Numa comunidade, por via dos processos de competição (espacial e pelos recursos
disponíveis), o óptimo ecológico de cada planta acha-se deslocado relativamente ao fisiológico. Ou seja,
a presença simultânea dos diversos indivíduos na comunidade altera os óptimos de cada um deles.
Assim, o comportamento global da comunidade (i.e. o habitat) é a resultante de todos estes óptimos
ecológicos, que num plano teórico será obrigatoriamente diferente da mera soma dos óptimos
fisiológicos considerados per se. Assim, é lícito considerar a comunidade como uma entidade em que os
factores ambientais actuam como condições de fronteira do sistema, e não sobre cada indivíduo. O
comportamento global da comunidade relativamente aos factores ecológicos resulta, em grande medida
de propriedades emergentes do sistema não contidas em nenhuma das suas partes.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 14
tipos funcionais como estratégias autoecológicas que apenas fazem sentido como
fenómenos adaptativos resultantes de processos de co-evolução no seio de
comunidades. Outros conceitos recentes integram a possibilidade de representar os
padrões recorrentes na estrutura e combinação florística, de forma a não os referir a
tipos lógicos ou classes conceptuais com limites definidos. Cite-se, por exemplo,
ROBERTS (1989) que modela as fitocenoses com recurso à teoria dos fuzzy sets ou à
teoria dos sistemas dinâmicos (ROBERTS, 1987).
Feita esta distinção de perspectivas sobre o mesmo objecto, é possível conceber a co-
ocorrência de espécies como variando continuamente ao longo de gradientes
ambientais (variação clinal) apresentando ou não soluções de continuidade no espaço
ambiental abstracto. Assim, a existência de comunidades distintas ou contínuos
vegetacionais é apenas uma questão de grau, sendo arbitrária a decisão sobre a sua
existência objectiva ou não.
Assim, pode-se conceber a vegetação como podendo ser descrita de forma contínua
ou descontínua consoante o sistema de referência usado: dualidade contiuum –
comunidade.
Figura 1. – Fonte: AUSTIN & SMITH (1989). Padrão de co-ocorrência de quatro espécies
numa paisagem ao longo de um gradiente ambiental indirecto de elevação. A distribuição das
espécies do eixo das ordenadas (distância) ilustra a existência de associações de espécies – A,
AB, BC, C e D que ocorrem caracteristicamente em posições determinadas. Por outro lado,
observe-se a variação contínua de composição ( substituição regular de A, B, C e D) ao longo
do gradiente altitudinal representado em ordenadas. No exemplo, a elevação constitui uma
expressão espacial do gradiente de temperatura.
Como enfatizam LAMBERT & DALE (1964), muita da polémica entre as duas escolas
de pensamento deriva da confusão entre continuum e continuidade, i.e. entre
continuidade no terreno e continuidade no espaço abstracto do habitat.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 16
16 Um sistema de representação do conhecimento sobre a vegetação, como seja o caso dos modelos
sintaxonómicos, possui para além do seu caracter de modelo simplificado da vegetação, um enorme
poder predictivo, que seguramente não encontramos nas representações individualistas da vegetação. A
validade das representações ecológicas da vegetação que estas últimas produzem, não ultrapassam
geralmente o universo das parcelas de estudo consideradas das quais não se podem normalmente
inferir quaisquer padrões gerais com aplicabilidade prática. A atitude reducionista em que se baseiam,
resulta no extremo, numa atitude niilista, em que se acredita não ser possível discernir ordem na
Natureza, i.e. que o conhecimento acerca desta não é possível.
17 KENT & COKER (1992), no seu recente manual Vegetation description and analysis, comentando as
principais críticas à Fitossociologia por parte dos partidários dos princípios de Gleason, conclui acerca
desta ciência: (…) the system undoubtedly works, and a very detailed and accurate classification of most of the
vegetation of Europe has been achieved.
18 O sistema fitossociológico, pode no quadro desta Teoria, servir de quadro geral de referência para os
estudos noutras escalas, sejam ao nível dos processos populacionais, dos estudos de ecótonos entre
comunidades etc.
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19 O conjunto do biótopo + habitat designa-se por biócora. No caso dos ecossistemas terrestres, a
A Fitossociologia define-se, portanto, como a ciência ecológica que tem como objecto
a componente vegetal das biocenoses (fitocenoses)20. Ou seja, a Fitossociologia ocupa-
se das comunidades vegetais, das suas relações com o meio e dos processos
temporais que as modificam21.
20 Segundo THEURILLAT (op. cit.) o uso do termo fitocenose é da autoria de Gams em 1918, para
designar a comunidade vegetal. Mas foi Sukachev em 1954, que lhe dá o sentido actual, em que a
fitocenose resulta dos agrupamentos de plantas seleccionados pelas condições de habitat e pelas
interacções intra e inter-específicas, que em conjunto modificam , por sua vez, o meio .
21 Os aspectos funcionais dos ecossistemas não são habitualmente do domínio da Fitossociologia, que
circunscreve a sua atenção às fitocenoses. Num sentido mais preciso, esta área de estudo cai no domínio
geral da Ecologia vegetal ou Geobotânica, onde se inclui a Fitossociologia. O estudo da ecofunção,
produtividade e ciclos bio-geoquímicos das fitocenoses constituiriam o domínio da Fitossociologia
funcional.
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22 Nicho ecológico: porção multidimensional do biótopo e do espaço definido pelos factores ambientais
constituem sub-unidades da fitocenose constituídas por grupos ecológicos de espécies associados nos
micro-habitat internos da comunidade, que no entanto não são independentes estrutural e
funcionalmente desta. Uma discussão detalhada da função das sinúsias num eventual sistema
fitossociológico alternativo com base nestas unidades pode ser encontrada em GILLET, FOUCALT &
JULVE (1991); THEURILLAT (op. cit.) e GÉHU (1998).
24 I.e. a combinação característica, que no seu conjunto define uma quantidade de informação específica
A associação é um conceito abstracto cuja realidade concreta corresponde a uma fitocenose (ou
indivíduo de associação). A associação possui uma composição florística própria,
relativamente constante, distinguindo-se das outras associações próximas pelo seu conjunto
específico i.e. pela combinação característica das espécies diagnósticas (espécies características,
diferenciais e companheiras). A combinação característica corresponde univocamente à
ocorrência uniforme de uma mesma combinação de factores ambientais28. Por outras palavras,
a associação é uma entidade sintética que, constitui a expressão estatística das fitocenoses
concretas, e que corresponde univocamente a um habitat determinado. Caracteriza-se por
possuir, para além dos florísticos, caracteres ecológicos, sucessionais, corológicos
(biogeográficos), antropogénicos e históricos próprios.
que se incluem.
32 Ou num sentido lato combinação característica.
33 BRAUN-BLANQUET & PAVILLARD (1922) distinguem dentro das características, graus de
maiores que a associação (ou outro sintáxone) que caracterizam, têm valor
distintivo dada uma associação em face de outras enunciadas concretamente.
I.e. têm apenas valor diferencial dado um território biogeográfico e um
contexto ecológico. As companheiras são espécies presentes em vários
agrupamentos, ou características de outras classes de vegetação, que ocorrem
na associação devido aos contactos catenais (espaciais) ou sucessionais com
essa vegetação. No entanto, note-se que muitas espécies diferenciais são
formalmente companheiras pois frequentemente têm o seu óptimo
fitossociológico noutro sintáxone (i.e. são características desde último). Se
bem que muitas companheiras são espécies mais ou menos generalistas na
sua amplitude ecológica e, como tal, não-informativas, algumas
companheiras podem, no entanto, veicular informação precisa de carácter
ecológico, corológico ou sucessional.
34 Os conceitos sucessionais e catenais associados a este grupo de caracteres são explanados adiante na
35 ALCARAZ (1996) conota as variações bioclimáticas com as variantes e não com as sub-associações.
Diversos autores tendem a concordar com esta última visão.
36 I.e. os resultados experimentais ou observacionais controlados apoiam positivamente a hipótese ou
alternativamente apenas permitem aceitar a hipótese nula, caso no qual se admite que a hipótese testada
não tem a capacidade de prever o fenómeno.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 25
Numa grande parte dos ecossistemas não é possível discernir hipóteses explicativas
imediatamente, devido à ausência de uma descrição suficiente do mesmo, pelo que
programas de tipo hipotético-dedutivo se mostram inadequados, em favor de
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 26
No entanto, não deverá ser esquecido que as proposições geradas a partir da indução
constituem sempre hipóteses falsificáveis e susceptíveis de verificação. Do mesmo
modo, são igualmente consistentes com a teoria que guiou as observações e que se vê
eventualmente reformulada a partir das observações induzidas. A possibilidade de
auto-correcção de uma teoria científica, a partir das induções efectuadas por
observação é enfatizada por diversos autores (CHALMERS, op. cit.; KHUN, op. cit.).
Por fim, o critério mais objectivo de adequação de uma dada teoria à realidade
natural é a sua capacidade de predição de novos resultados, mesmo com base numa
abordagem indutiva.
Descrição de campo
Quadro bruto
Ordenação tabular
manual dos dados
Quadro de presença
Quadro diferenciado
Quadro sinóptico
Quadro de
Sintaxonomia
Caracterização
Comparação com a
ambiental da
litertura -
associação
sintaxonomia
[sinecologia]
Tabela sintaxonómica
[unid. superiores]
Verificação de campo
Figura 2. Fonte: KENT & COKER (1992), adaptado. Fluxograma do processo de classificação usando
o método de Braun-Blanquet.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 28
Num primeiro nível, o território a estudar deve ser estratificado de acordo com os
factores ambientais, que se admitem condicionar, nessa escala os principais padrões
da vegetação. Assim, obtêm-se estratos correspondendo a regiões ecologicamente
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 29
Num segundo nível, e em cada um dos estratos previamente definidos, devem ser
seleccionados elementos de paisagem representativos. Os elementos de paisagem são
as grandes unidades ecofisiográficas que é possível reconhecer (vales, planaltos,
depressões abertas, etc.). Cada um destes elementos é decomponível segundo
biótopos homogéneos correspondendo a unidades geomorfológicas, tipos litológicos,
de solo e disponibilidade de água. Existem diversos procedimentos descritos para
análise das unidades ecofisiográficas (e.g. FORMAN & GODRON, 1986). Assim, um
modelo simples de decomposição do território considera um vale como sendo
constituído por três grandes tipos de biótopos: cristas rochosas edafoxerófilas
[desprovidas de solo]; meia-encosta climatófila [com solos de profundidade normal
retendo apenas água climática] e fundos de vale com solos hidromórficos profundos
com excesso de água de origem freática (RIVAS-MARTÍNEZ, 1996; ALCARAZ,
1996)37.
38 Somente plantas de grande amplitude ecológica conseguem ocupar vários biótopos do gradiente.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 32
i) Escolha da superfície
De entre os locais possíveis, um ajuste de pequena escala deve ser novamente feito
no sentido de verificar as condições gerais já referidas:
2. O habitat deverá ser uniforme dentro da área mínima. A percepção deste facto
é empírica. no entanto deverá ser evitado o raciocínio circular, ou seja fazendo
a avaliação pelo coberto vegetal (e.g. uma depressão é húmida pois coincide
com uma área de juncos). O habitat deverá ser uniforme não apenas de acordo
com a percepção do observador, mas do ponto de vista da uniformidade
combinação florística a que se associa. De modo inverso, dois habitat deverão
ser tomados como distintos, não apenas se o observador os percepciona como
tal (e.g. dois solos distintos), mas se correspondem , de facto, a combinações
florísticas distintas. Por outras palavras, na medida que o conceito de habitat é
sempre relativo a uma comunidade, dever-se-ão admitir diferenças neste se
existirem bio-indicadores florísticos com elas relacionadas.
para, ao encontrar outra fitocenose, saltar novamente para valores mais altos do n.º
de espécies, nunca atingindo uma estabilização. A parcela assim estabelecida terá a
forma final de um rectângulo ou quadrado com a área mínima. Na prática, um
investigador experimentado, avalia de uma vez só a área mínima, à medida que se
desloca no terreno e estima visualmente as dimensões da parcela que contem todas
as espécies registadas na comunidade.
40Em florestas tropicais, a área mínima pode assumir valores incomportáveis de vários quilómetros
quadrados, dada a elevada diversidade de tais fitocenoses. Métodos especiais de amostragem destes
ecossistemas são usados neste caso.
41 E.g. Pistacia lentiscus arbor
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 35
procurar medir factores ambientais adequados em termos de escala espacial e temporal ao fenómeno
ecológico. Também o nível de complexidade a que se busca a correlação ambiental deverá ser adequado.
Assim, por exemplo, determinado pH pode ser interpretado como a razão de um dado comportamento.
No entanto, as características geoquímicas do solo determinam este pH. No extremo da cadeia causal,
poderíamos procurar "explicações" ambientais tão afastadas como aquelas que derivam das
propriedades quânticas dos átomos de Hidrogénio!
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 37
5. Quadro diferenciado. Por fim, as espécies não diferenciais [as últimas do passo
3] são ordenadas por ordem decrescente de constância. Os grupos de
inventários podem ser movidos em bloco de modo a formar uma diagonal de
diferenciais.
A B C D E F G H I J K B H E C D I J G A F K B H E C D I J G A F K B H E C D I J G A F K
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 7 1 1 1 1 1 1 1 1 7
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 6 1 1 1 1 1 1 6
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 5 1 1 1 1 1 1 5
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 5 1 1 1 1 1 5
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 4 1 1 1 1 4
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 4 1 1 1 1 4
1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 1 1 1 3
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 1 1 1 3
1 1 1 1 1 1 1 3 1 1 1 3
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 1 1 1 3
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 1 1 1 1 3
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 1 1 1 3
1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 2
P.0 [quadro ordenado] P. 1 [quadro bruto] P. 2 [quadro de presença] P. 3 [quadro parcial I]
B H E C D I J G A F K B H E C D I J G A F K B A C D G F E H I J K B A C D G F E H I J K
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1
P. 4 [quadro parcial II] P. 5 [quadro parcial III] P. 6 [quadro ordenado] P. 7 [quadro diferenciado]
V > 81 %
IV 61 a 80%
III 41 a 60%
II 21 a 40%
I 11 a 20%
+ 6 a 10%
r < 6%
das classes de vegetação. Teoricamente, o encadeamento de algumas classes é possível pois verifica-se a
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 40
existência, por vezes, de táxones de ligação (ditas características transgressivas). Tal fenómeno de
encadeamento eco-clinal e florístico daria origem a classes de dimensões gigantescas absolutamente
heterogéneas, sem a capacidade de expressar um conceito ecológico definido. Na prática, quando as
ligações florísticas entre classes são muito menores que as diferenças entre si, e existe uma clara
distinção ecológico-fisionómica, consideram-se como distintas.
45 De uma forma aproximada, as paisagens poderão ser divididas em naturais, onde predominam os
analíticos, tendo chegado aos nossos dias como disciplina ecológica associada a uma
grande heterogeneidade conceptual e a múltiplas escolas de pensamento.
A escola das Paisagens Integradas (ASENSI, op. cit.) associa-se, por seu turno, à
tradição botânica e fitossociológica, tendo resultado num desenvolvimento
conceptual paralelo à Ecologia da Paisagem. Trata-se, no entanto, de um
desenvolvimento fortemente associado aos métodos de estudo da vegetação, sem
qualquer carácter conflictivo, em termos de princípios e conceitos, com a anterior. No
entanto, assente num conhecimento mais detalhado da vegetação como elemento
dominante nas paisagens naturais e dotada de um maior alcance metodológico,
conduz a modelos mais detalhados das paisagens. A vegetação é um elemento
estruturante fundamental das paisagens. Não só domina, pela sua biomassa, a
maioria dos ecossistemas terrestres, como constitui o habitat das populações animais
e a sede da maioria das actividades produtivas e culturais humanas. É também o
elemento que melhor integra a resposta biológica de uma paisagem aos factores do
meio (físicos, biológicos e antrópicos). Possui também neste sentido, um enorme
valor diagnóstico e sistematizador da paisagem. Assim, BERTRAND (1968)
preconiza a sistematização das paisagens baseada essencialmente no estudo
sinecológico da vegetação. Refere ainda que a Fitossociologia é a ciência melhor
posicionada para a delimitação das unidades homogéneas de paisagem, do ponto de
vista da circunscrição dos complexos de ecossistemas como complexos de
associações vegetais.
46 ALCARAZ (1996), cita os autores mais importantes da denominada escola da Ecologia da Paisagem.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 43
47 I.e., vegetação de carácter permanente fracamente sujeita a processos sucessionais (cristas rochosas,
Zonationkomplex, isto é complexos sucessionais num biótopo homogéneo e complexos catenais. Bolós
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 45
recupera esta distinção, mas no entanto só com Rivas-Martínez é que estes conceitos se consolidam
definitivamente.
49 Comunidade, no sentido formal actual.
50 As alterações de habitat podem ser as mais diversas : incorporação de matéria orgânica no solo,
alteração do regime trófico do solo, alteração da estrutura do solo, capacidade de retenção de água,
alterações da micro-flora e fauna do solo, criação de condições endo-climáticas próprias (humidade,
sombra), alelopatia, etc.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 46
51 Diferença entre a biomassa bruta, produzida no ecossistema pela fotosíntese e aquela que é gasta pelo
processo da respiração, numa dada unidade de tempo.
52 Elasticidade, ou capacidade de o sistema regressar a um estado próximo do inicial após a cessação de
53 Pequenas alterações cíclicas no seio de uma comunidade clímax podem dever-se ao estado de
envelhecimento desta, de acordo com a metáfora organísmica de Clements. Esta consiste num estado de
pós-clímax, em que o clímax é substituído espontaneamente por uma comunidade com um significado
normalmente regressivo ou pré-climácico. Estas comunidades têm normalmente uma posição de orla
mais xerofítica e heliófila, que nessa situação, tende a ocupar a porção do biótopo. Esta alteração
temporária ocorre em manchas do clímax, determinando um mosaico fluido de sub-unidades climax e
pós-climax. Um exemplo notório são os bosques de Quercus robur, que, por via da enorme acumulação
de horizontes orgânicos, deixam nalgumas manchas de regenerar naturalmente. As raízes das plântulas
esgotam as reservas da semente antes de atingir o horizonte mineral, ao ter de atravessar uma espessa
camada de folhada e húmus, não se estabelecendo como novos indivíduos. Assim, com a senescência
das árvores mais velhas, não ocorre a sua substituição. A sinûsia deixada livre é ocupada por espécies
mais intolerantes à sombra (e.g. Arbutus unedo) e xerofíticas. Se não houver entrada de novas sementes
de Q. robur de árvores adjacentes, o bosque é maioritariamente substituído. No entanto, se a floresta
original tiver dimensão suficiente para assegurar uma reserva de sementes, esta manter-se-à no estado
de mosaico fluido (clímax cíclico). Um fenómeno semelhante ocorre por queda acidental de uma ou
mais árvores formando uma clareira temporária no seio da floresta. Tais unidades de mosaico foram
chamadas microsucessões ou sérulas (DAUBENMIRE, 1968).
54 As transições efémeras entre uma etapa e outra designam-se fases. Segundo GÉHU & RIVAS-
MARTÍNEZ (1981), as fases correspondem a uma dinâmica interna do agrupamento. As fases podem
ser transições de uma etapa a outra, quer no sentido regressivo, quer progressivo. Estes contactos
cronológicos entre etapas levam à presença de espécies da etapa anterior ou posterior e, como já foi
referido, têm o estatuto sintaxonómico de variantes sucessionais de associações.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 48
sobrepõe ao efeito do clima zonal. Por exemplo, condições topográficas excepcionais (determinado
secura ou excesso de água), excesso de iões (sódio, magnésio, potássio, níquel, etc.), exposição a ventos
fortes e dessecantes, microclima, etc. Sempre que esse factor anormal se repete, a vegetação azonal
considerada pode potencialmente ocorrer. Exemplos serão por exemplo, os ecossistemas halonitrófilos
de sapais.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 49
57 Não é possível fixar um limite inferior de precipitação ou temperatura a partir dos qual é possível o
58 Dum ponto de vista epistemológico, o conceito de VNP de Tüxen, é um conceito teleológico, isto é
admite-se como o resultado final de um processo cujo estado futuro está determinado à partida
(finalismo). Tal noção de progresso, em que a meta para a qual o processo se dirige se admite pré-
definida, é inadequada cientificamente, pois implica uma inversão temporal da relação determinista
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 51
60 Por vezes, o abuso de linguagem leva a que se conote a Fitossociologia Paisagista, com a
Fitossociologia Integrada. Em nossa opinião, este termo deveria ser reservado apenas para a
Fitossociologia dinâmico-catenal, ou seja o estudo estrito dos mosaicos de comunidades. Na medida em
que a geosinfitossociologia, integra todos os níveis de complexidade, encontra-se por vezes, o abuso de
linguagem inverso: aplicar fitossociologia de paisagem ou mesmo F. integrada, no sentido de
geosinfitossociologia. Assim, para evitar ambiguidades no texto, assumimos a nomenclatura proposta no
quadro 1.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 54
Num dado biótopo, as fitocenoses estão sujeitas aos processos de sucessão ecológica,
quer progressivos quer regressivos. Assim, verifica-se uma sequência temporal de
estádios de vegetação discretos (fitocenoses) conectados por fases de alteração rápida
(PIGNATTI, 1996; VAN DER MAAREL, 1988; WESTHOFF & VAN DER MAAREL,
1978). O conjunto das fitocenoses que podem surgir, como resultado do processo de
sucessão ecológica, num território geográfica e ecologicamente homogéneo, no qual
uma única associação exerce a função de vegetação natural potencial, é designado série
de vegetação. Esta é a unidade geobotânica que expressa todo o conjunto de
fitocenoses ou estádios que podem achar-se em espaços tesselares61 afins como
resultado do processo de sucessão tanto progressivos como regressivos. Está incluído
o clímax assim como todas as comunidades iniciais ou subseriais que o substituem.
Estão implícitas no conceito de série, à semelhança da fitocenose, as residências
ecológicas ocupadas pelas comunidades (biótopos) e os factores ecológicos que
configuram os seus habitat. É a expressão sucessionista de um domínio climácico, ou
seja de um território homogéneo na sua ecologia e geografia possuidor de um único
clímax. A sua unidade tipológica é o sigmetum ou sigma-associação. O objecto da
sinfitossociologia é portanto estritamente constituído pelos complexos de vegetação62
serial, espacialmente integrados pelo fenómeno de sucessão.
mosaicos de fitocenoses, de origem serial ou catenal ocupando desde pequenas áreas a grandes
territórios.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 55
63 Pré-desértico, num sentido de ausência de coberto vegetal permanente e não no sentido dos biomas
húmida do sobreiro, cujo clímax é a associação florestal Oleo sylvestris-Quercetum suberis Rivas Goday,
Galiano & Rivas-Martínez ex Rivas-Martínez 1987 designa-se por Oleo sylvestris-Querco suberis sigmetum
(ou Oleo sylvestris-Querceto suberis sigmetum na grafia mais antiga). O conjunto de etapas frequentemente
mais representadas para além do clímax, é por exemplo no superdistrito Sadense (bacia do Sado): 1ª
etapa de substituição: Asparago aphylli-Myrtetum communis (matagal); 2ª etapa de substituição: Thymo
capitellati-Stauracanthetum genistoidis (mato); 3ª etapa de substituição: Anachorto-Arenarietum algarbiensis
(arrelvado terofítico). Outras comunidades associadas mais frequentes são por exemplo, as
comunidades basais de Cytisus grandiflorus, as comunidades ruderais da Linario-Vulpion alopecuris
(Chamaemelo mixti-Vulpietum alopecuris), as comunidades de Quercus lusitanica (Junipero navicularis-
Quercetum lusitanicae), etc.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 57
bosques (clímax)
matos pré-florestais
bosques
com. herbáceas
secundários
(arrelvados) vivazes
matos heliófilos
com. de caméfitos
pulviniformes
com. terofíticas
fugazes
não nitrófilas
com. terofíticas
crassifolias
rocha nua
Figura 4. Fonte: AGUIAR in COSTA et al. (1998). Modelo dinâmico genérico das séries de
vegetação climatófila e edafoxerófila em Portugal continental. Em itálico tipos de
comunidades nem sempre presentes. A tracejado “caminhos" sucessionais menos comuns.
65 Ou série basal segundo alguns autores. Este termo não é adequado na nossa opinião, apesar de
sugestivo por analogia com a denominação comunidade basal. A principal razão prende-se com a
ausência de um sigma-sinsistema, que defina quais as comunidades sin-características das unidades
superiores (sigma-alianças, etc.). Seria um sigmetum constituído apenas por comunidades sin-
companheiras. Como esta noção está associada à filiação numa sigma-associação conhecida, que não é o
caso, tal noção é desprovida de sentido. Esta designação deve ser abandonada. Como a acepção em que
os diferentes autores usaram o termo sigma-associação designava unidades estudadas num espaço
diferente de uma tessela, manteremos de ora em diante o termo ou complexo de vegetação (sigma-associação
s.l.) para estas unidades sinfitossociológicas indefinidas. Tais unidades, são pertinentes quando se
consideram territórios sem comunidades seriais presentes e a sua área é determinada artificialmente
pelo método da área-mínima aplicado ao mosaico de comunidades (a área mais pequena que contém
todas as comunidades). O termo sigma-associação (s. str.) é sinónimo de série de vegetação, segundo o
conceito de actual de Rivas-Martínez e é essa a conotação usada no texto.
66 Outra consequência lógica da formalização adoptada é que a cada tessela, corresponde uma única
faciação ou sin-variante de uma série (ver definição adiante). Não existe termo para designar o território
de uma sub-série (v. adiante), pelo que propomos o termo sub-macrotessela.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 59
67 Por vezes, a partilha de etapas subseriais entre séries dum mesmo território atinge a maioria dos
matos heliófilos e comunidades subsequentes, nesse caso a distinção baseia-se apenas nas diferenças dos
clímaces e primeiras etapas de substituição. Tal caso é mais frequente nos territórios chuvosos.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 62
mediterrânico, a Quercus robur comporta-se como espécie dominante da série climatófila. Esta espécie
não suporta um período extenso de seca estival. Nesta geossérie, a Q. pyrenaica, de óptimo
mediterrânico ocupa biótopos edafoxerófilos. No lado oposto da fronteira macrobioclimática, a Q.
pyrenaica é climatófila, encontrando-se a Q. robur nos fundos de vale, compensando, com água freática, o
déficit de água climática. Este facto permite discriminar a fronteira temperado-mediterrânico no
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 63
território. Da mesma forma, se consegue, por análise da posição relativa das séries do sobreiro e
azinheira na geossérie principal, inferir as fronteiras entre os andares ômbricos sub-húmido e seco do
Alentejo. Quanto mais abrupto for o território, mais nítida são as fronteiras.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 64
espacial acaba por ocorrer, pois cada uma das comunidades modifica o habitat (e.g.
solo) e cria condições para a penetração da contígua. O fenómeno é análogo ao da
sucessão, mas com a diferença que, no tempo, as comunidades se deslocam
longitudinalmente ao gradiente. Tal fenómeno é muito evidente nas dunas activas,
sapais, turfeiras em colmatação. Na medida em que o espaço deixado livre pela
primeira comunidade do microgeosigmetum tende a ser ocupado por vegetação serial
(e.g. na terrestrialização de um lago), toda a unidade se desloca, avançando no
sentido do aumento do gradiente ambiental. Considerado um dado lugar na catena,
no decurso do tempo, uma comunidade após substituição pela adjacente nunca
retoma esse lugar a menos que se reponha o gradiente ambiental na sua forma
original (e.g. queda de uma falésia rochosa, que leva o processo de re-colonização ao
início). Nos ambientes naturalmente confinados (e.g. uma falésia marítima), as franjas
de cada comunidade avançam, sendo substituídas espacialmente sempre pelas
mesmas comunidades presentes no microgeosigmetum. BIORET (com. pess.),
constatou, no litoral atlântico francês, o avanço diacrónico, de faixas alternadas de
tojal aero-halófilo, que avançam como uma onda, alternado ciclicamente. A noção de
tessela, por definição é desprovida de sentido, pois esta é definida por uma série de
vegetação, que neste caso não ocorre. O espaço, determinado por uma unidade
geomorfológica muito distinta e confinada a um gradiente ambiental ocupado pela
micro-geossérie foi designado por THEURILLAT (1992) - microcatena. Tal designação
não parece adequada, pois tende a conotar-se o termo com o conteúdo vegetal e não
com o espaço ocupado. Na medida em que cada biótopo é ocupado por uma micro-
série (micro-sigmassociação), deverá designar-se micro-tessela. Deverá então designar-
se o espaço ocupado pela microgeossérie, por complexo micro-tesselar. A sua
inventariação, deve fazer-se num transecto segundo o aumento do factor ambiental
determinante, do mesmo modo que para qualquer mosaico de vegetação e com
recurso às mesmas escalas e e coeficientes. Para a sua contextualização geobotânica,
deve atender-se à fidelidade estatística das comunidades constituintes e eventuais
vicariâncias biogeográficas com micro-geosséries similares, assim como ao contexto
bioclimático e geomorfológico em que se encontram. Os microgeosigmeta são
normalmente indicadores de territórios bem conservados, na medida em que são
muito sensíveis às perturbações ambientais e antrópicas. Tratam-se de bio-
indicadores fitocenóticos de grande valor diagnóstico e de conservação.
A sintaxonomia numérica foi descrita por VAN der MAAREL (1981) e MUCINA &
VAN DER MAAREL (1989), como a disciplina fitossociológica utilizada no
estabelecimento de sistemas de classificação de comunidades de plantas, com recurso
a métodos numéricos. As três grandes vertentes da taxonomia numérica prendem-se,
com : i) a obtenção numérica de sintáxones, ii) a interpretação numérica das
propriedades florístico-estatísticas dos sintáxones e iii) a interpretação ambiental dos
sintáxones, i.e. das relações comunidade - habitat.
71 Normalmente tratam-se de correlações, mas como a relação não é necessariamente linear o termo
variação coordenada é preferível (GAUCH, op. cit.)
72 Outras fontes de ruído derivam da flutuação estocástica da probabilidade de presença de uma dada
74 Ou vector aplicado na origem. Os vectores são notados por minúsculas em negrito e as matrizes por
maiúsculas em negrito ou enquadrando os seus elementos por {}.
75 I.e. a i-ésima coluna da matriz.
76 I.e a k-ésima linha da matriz.
77 WILDI &ORLOCI (1990) referem os modos Q e R como modo normal e inverso, respectivamente.
78 Se Xi e Xj, forem dois inventários, então as condições para que q(Xi, Xj) seja um métrica são: i) Se Xi=Xj
então q (Xi, Xj) = 0; ii) Se Xi ≠ Xj então q (Xi, Xj) ≠ 0 ; iii) q(Xi, Xj) = q (Xj, Xi) ; iv) dados os inventários Xi,
Xj e Xm , então q (Xi, Xm) ≤ q (Xi, Xj) + q (Xj, Xm) - desigualdade triangular. Na literatura ecológica, a maioria
das medidas de similaridade são métricas. O exemplo mais vulgar de métrica é a distância euclidiana.
No entanto, o conhecido coeficiente de BRAY & CURTIS (1957) não é métrico, assim como a medida de
similaridade implícita na NMDS - Non Metric Multidimensional Scaling (FASHAM, 1977).
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 70
1.3.3 Ordenação
A cada vector próprio uk associa-se um valor λk -o valor próprio. Este constitui uma
medida da importância do eixo respectivo, em termos da variabilidade total
explicada pelo conjunto dos m novos eixos. Os valores próprios dos eixos têm
valores decrescentes de acordo com a ordem (k) dos eixos: λ1 > λ2 > λ3 > … > λk .
Assim, habitualmente, uma proporção importante da variabilidade dos dados é
explicada por um número pequeno de eixos (1, 2 ou 3), podendo desprezar-se os
restantes. A percentagem de variância explicada por um dado eixo é: s2k = 100(λk/λ+)
e a percentagem de variância explicada cumulativa pelos primeiros l eixos é cs2l
l
=100( ∑ λ /λ ). Assim, por exemplo, se λ
k =1
l + 1 > λ2 >> λ3 > … > λk, poder-se-ão desprezar
todos os eixos λ3 > … > λk e restringir a análise aos dois primeiros, pois estes
sumariam a variabilidade mais relevante. Os restantes eixos, correspondem no total a
uma pequena porção da variabilidade e provavelmente também a ruído. Assim,
efectua-se uma redução da dimensionalidade da representação geométrica. A
importância que cada espécie ak apresenta no eixo u1 é dada pelos valores bk ; no eixo
u2, pelos valores ck, etc.81. Demonstra-se que o produto interno das espécies com os
m n m n
79 I.e., yk+ = ∑
i=1
yki .Da mesma forma, y+k = ∑
k=1
yki e y++ = ∑∑y
i=1 k=1
ki .
Passo 1. Standardização da matriz { yki }. Cada yki é substituido por ski = yki - (yk+/m).
Passo2. Computar a matriz de correlação m x m entre todos os pares de espécies (ak,al): R ≡
{r(ak,al)}, com k=1…m ; l=1…m; r é o coeficiente de correlação producto-momento de Pearson.
Passo 3. Computar valores e vectores próprios de {r(ak,al)}, i.e. resolver a equação:
| R - λk I | = 0 , onde I é a matriz identidade de dimensões m x m e | X | é det X. Os vectores
próprios uk são obtidos da identidade: Ruk =λkuk.
Passo 4. Normalizar os uk, tal que uTk | uk =1 .
Passo 5. Computar as coordenadas das espécies: vk = uk.( λk)0.5
Passo 6. Computar as coordenadas dos n inventários nos l primeiros vectores próprios: a
matriz das coordenadas é: {wli} ≡ W n x l = {sli}T . {ul}
cit. KENT & COKER (1992) e FISHER (1940) cit. KENT & COKER, op. cit. e foi
aplicada a problemas de Ecologia, pela primeira vez por ROUX & ROUX (1967),
BENZÉCRI (1969) e GUINOCHET (1973). No entanto, a sua maior divulgação deve-
se a Mark O. Hill (HILL, 1973, 1974), que introduziu um algoritmo de simples
computação a partir de premissas ecológicas simples, desenvolveu melhorias
subsequentes do método (e.g. DCA. HILL & GAUCH, 1980) e desenvolveu a baseado
na CA, o método de classificação TWINSPAN ou de ordenação dicotomizada. Este é
certamente o método de classificação de uso mais divulgado em Ecologia de
Comunidades (HILL, 1979).
Um método de ordenação usado nas primeiras décadas do século XX, por exemplo
por ELLENBERG (1948) e WITTAKER(1956), partia da constatação, que a resposta da
abundância de uma dada espécie à variação de um factor ambiental seguia
frequentemente uma curva unimodal. A curva abundância da k-ésima espécie vs. xi ,
sendo xi um factor ambiental (e.g. pH, humidade, temperatura, etc.) medido nos i
inventários designa-se curva-resposta da espécie ak. Assim, um exemplo hipotético,
relativamente à humidade do solo, para quatro espécies A, B, C e D, é o apresentado
na figura 9. Uma medida do óptimo ecológico de cada espécie relativamente a um
factor ambiental, designado por Ellenberg como - valor indicador da espécie
relativamente ao factor ambiental - é a média ponderada (uk) do factor ambiental xi,
medido nos inventários onde a espécie ocorre, usando como factor de ponderação a
n
abundância relativa da espécie nesses inventários. Isto é, uk = ∑y
i=1
ki xi / yk+ [eq. 1]. Os
valores indicadores uk , podem então ser usados para ordenar as espécies na tabela
fitossociológica (por exemplo, por ordem crescente de humidade, no exemplo). Os
inventários podem ser ordenados pelo valor crescente dos xi `s neles observados. Se
xI, for um factor determinante para a diferenciação florística das comunidades-tipo
em estudo, ocorre concentração das ocorrências de espécies (yki) ao longo da diagonal
principal da matriz, i.e. obtêm-se um quadro fitossociológico ordenado de acordo
com o factor ambiental xi (ver 2.3.2.2.7 -iv). Uma forma indirecta de estimar o valor
de um factor ambiental, a partir das abundâncias das espécies presentes num dado
m m
inventário i é xi = ∑
k=1
yki uk / ∑y
k=1
ki [eq. 2]. Ou seja, tomar a média ponderada pelas
Para efeito de escolha do factor ambiental que melhor separaria as espécies (i.e. a
melhor diagonal), poderá usar-se uma medida da dispersão dos uk [figura 9].
vem:
m
δ= ∑y
k=1
k+ uk2/ y++. O factor ambiental que maximiza δ, é então o que possui melhor
83Como o conceito subjacente é análogo, os vectores próprios também se designam vectores latentes.
84A tradução de score seria pontuação, mas tal termo não é usado na literatura portuguesa, pelo que se
prefere o termo em inglês.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 75
ou δ atingir o seu valor máximo85. Os valores finais dos scores das espécies e
inventários são as coordenadas respectivas no primeiro eixo da CA (eixo I). O valor
próprio, tal como foi definido para a PCA, é igual ao valor máximo da dispersão
atingida no final das iterações (λ1 = δ).
Uma tabela ordenada, pode ser obtida então, dispondo as espécies e inventários pela
ordem que assumem no eixo CA.
A obtenção dos outros eixos é análoga, na condição de serem sempre ortogonais (não
correlacionados) com os anteriores.
No caso de o gradiente florístico analisado ser muito extenso, no sentido que os seus
extremos correspondem a composições florísticas muito diversas, a CA apresenta
geralmente dois efeitos indesejáveis, que dificultam a análise dos dados e ordenação
das tabelas. Estes efeitos são: i) a compressão dos pontos extremos e ii) o efeito de arco.
inventários no eixo anterior forem fi e os scores actuais (da presente iteração) xi e v um escalar, tal que
v= ∑y
i
+i xi fi /y++. Então xi (passo n) = xi (passo n -1) - v. fi. O procedimento é repetido para todos os
ii) O efeito de arco, consiste na existência de uma relação quadrática entre o primeiro e
segundo eixos. Considerando a figura 9, pode-se obter uma ilustração do efeito de
arco. Se o primeiro eixo explicar a maior parte da variação, então um possível
segundo eixo, não linearmente correlacionado com o primeiro, pode ser obtido
dobrando o primeiro eixo pelo ponto central e aproximando os extremos. Este eixo,
separa ainda as curvas da espécie C das espécies B e D e estas, por seu turno da A e
E. No entanto, a ordem por que dispõe espécies e inventários é essencialmente a
mesma. O segundo eixo deverá expressar nova informação, mas o efeito de arco
impede que tal aconteça se for acentuado. Tal acontece se o λ2 (valor próprio do eixo
II) for maior que o valor próprio de um eventual segundo gradiente florístico
independente. O efeito de arco é um artefacto matemático que não corresponde a
nenhuma estrutura nos dados.
análise isolada de cada factor per se como se efectua com recurso ao cálculo simples
de coeficientes de correlação - i).
Se considerarmos todas as j variáveis compostas xi, ti, etc. com vectores na base
definida pelos factores ambientais antigos zj , então estes vectores designam-se eixos
canónicos. Através de uma mudança de base, os scores das espécies, inventários e
factores ambientais zj podem ser representados no referencial constituído pelos eixos
canónicos. Ou seja, estes três tipos de entidades podem ser representadas
simultaneamente num mesmo sistema de eixos e relacionadas entre si.
É possível ainda fazer análises híbridas, i.e. em que um número fixo de eixos CCA é
achado e a variação remanescente é sujeita a eixos livres CA.
88 Esta diferença é avaliada por um teste de F. Outras implementações do teste de F, ensaiadas pelo
autor, recorrendo a testes exactos revelaram-se, com diversos conjuntos de dados, maioritariamente
consistentes com os testes de permutações [10.000 perm.]. Por seu turno, as versões assimptóticas do
teste revelaram-se menos fiáveis, seleccionando, por vezes, um subconjunto de variáveis distinto dos
testes anteriores. O programa usado nos testes exactos foi StatXact 5.0 ™.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 81
A CCA pode então ser interpretada como um método para extrair o efeito isolado de
uma dada variável ambiental no padrão florístico das comunidades. Permite,
consequentemente a determinação dos óptimos (médias ponderadas uk) de cada
espécie relativamente a cada factor ambiental, mesmo que este aja em conjunção com
outros na determinação do padrão global. Ou seja, as espécies que respondem em
bloco e da mesma forma a um dado factor ambiental associam-se na proximidade ou
acompanhando uma dada flecha ambiental. Estes agrupamentos são grupos ecológicos
de espécies e não combinações características de comunidades-tipo (sensu MULLER-
DOMBOIS & ELLEMBERG, 1974). Estes podem eventualmente coincidir mas, esta
relação não é bi-unívoca. Muitos métodos autoecológicos, como os perfis ecológicos de
informação mútua (DAGET & GODRON, 1982) são assim ultrapassados por este
método muito mais informativo.
CAVI
ULAU
JUTU
GEDI
ITC
OSQU
Eixo CCA II
SILICATOS DUROS
PP
-0.7
1.3.4 Classificação
SRij = ∑y
k
ki ykj / ( ∑y
k
ki
2 + ∑y
k
kj
2 - ∑y
k
ki ykj )
As medidas de afinidade ou associação entre espécies foram revistas por JANSON &
VEGELIUS (1981) e quer o índice de Jaccard quer SR, foram considerados eficientes.
De acordo com WILDI (1989), devido à grande variabilidade dos vectores-espécie
(ak), deve ser usada uma medida de afinidade não-centrada. Assim, neste estudo
utilizou-se simplesmente a distância euclidiana - ED - :
EDkl = ( ∑
i
yki 2 - 2 ∑ ∑
yki yli + yli 2 ) 0.5 , sendo ak e al duas espécies. Esta medida
i i
revela-se eficiente sobretudo após a transformação log (yk + 64), i.e. a transformação
aproximada para presença - ausência.
91 Toma-se, neste contexto, a similaridade como a distância geométrica entre os pontos representando
os inventários. Os dois grupos referidos podem ser constituídos por um ou mais inventários.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 86
A distância entre dois grupos é dada pela maior distância encontrada entre os pares
de inventários de cada um dos grupos.
92Este autor comparou várias estratégias de aglomeração, para os dados dos prados de Arrhenatherum
sp. de Muller-Dombois & Ellemberg (1974). Estes dados, classificados pelos autores originais pelo
método de Braun-Blanquet, constituem um paradigma que tem servido frequentemente como termo de
comparação de métodos numéricos.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 88
Figura 12. Fonte: CAPELO et al. (2001). A syntaxonomical review of Arbutus unedo L. and Laurus
nobilis L. dominated communities in Center-Western continental. Colloques Phytosociologiques XXIII: 32-
56. Exemplo de aplicação à sintaxonomia de comunidades de Arbutus unedo e Laurus nobilis da
classificação aglomerativa [complete linkage, coeficiente de Bray-Curtis].
93 Um algoritmo muito conhecido para rever classificações grosseiras prévias é o algoritmo de re-
alocação ou das médias- H (SPAETH, 1977). No entanto o processo é análogo ao de Hill. Este algoritmo
está implementado no programa MULVA -5 ™ de Wildi & Orloci.
94 Um espécie é tanto melhor bio-indicadora de um dado grupo de inventários quanto maior for a
fidelidade a esse grupo. Este pode ser o caso de uma planta pouco frequente i.e, muito fiel mas com um
grau de constância baixo. O bio-indicador óptimo deverá ser fiel e constante simultaneamente. Uma
medida simples deste valor bio-indicador é simplesmente: fidelidade x constância.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 90
λ=0.488 *
Ulex latebracteatus Corynephorus canescens
Calluna vulgaris Filago minima
Rubia peregrina
Chamaespoartium tridentatum Ruscus aculeatus
Genista triacanthos *0 λ=0.403 Smilax aspera n <= 3 E
Agrostis curtisii Halimium calycinum
H I L M
Uma técnica desenvolvida por FEOLI & ORLOCI (1979), designada por Análise de
Concentração - AOC, têm sido aplicada à análise de tabelas fitossociológicas (WILDI &
ORLOCI, 1990; WILDI, 1989). Dadas uma classificação de inventários e espécies com
origem na mesma matriz, a AOC deriva da tabela de contingência, uma ordenação
canónica, similar à análise discriminante múltipla (canonical variate analysis) da tabela de
contingência (dependente) sobre a tabela fitossociológica (independente). Deste
modo, num sistema de eixos constituído pelos vectores próprios (eixos canónicos),
podem representar-se por pontos, cada um dos grupos de inventários ou espécies. À
semelhança do diagrama CA, a associação entre grupos de espécies e inventários é
tanto maior, quanto menor for a distância entre os pontos respectivos. O grau de
associação global entre os grupos (existência de uma diagonal de blocos distintos na
tabela fitossociológica) é medido pelos valores próprios e pelos coeficientes de
correlação canónicos. A diagonalização dos inventários ou blocos, na tabela pode ser
efectuada ordenando as espécies ou inventários pelos scores respectivos da AOC. Um
programa comercial disponível para a AOC é o pacote de análise de dados de
vegetação MULVA - 5 ™ (WILDI & ORLOCI, 1990).
95 É possível conceber uma versão do algoritmo TWINSPAN em que as dicotomias se baseiem na CCA e
não na CA. As inferências sobre os grupos obtidos poderiam então aceitar-se como relações de causa-
efeito (ambiente ⇒ vegetação) no que respeita à componente de selecção ambiental da comunidade.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 93
funções. A interpretação ambiental das cluster analysis realizadas pode ser executada
no programa MULVA -5 ™ (WILDI & ORLÓCI, 1997).
Pelo facto de, frequentemente, a diferenciação das comunidades não derivar apenas
de um único factor ambiental isolado, é possível que uma combinação de várias
variáveis resolva mais eficazmente a estrutura da dicotomia florística. Isto é, assume-
se, que existe um efeito sinérgico dos factores de habitat na génese das comunidades.
Assim, o ajustamento de uma função discriminante simples f = c1z1i + c2z2i +…+ cjzji
+…+cqzqi + ε revela-se mais eficiente (LUDWIG & REYNOLDS, 1988; REGO, com. pess.;
TONGEREN in JONGMAN et al., 1995). A função discriminante simples é o caso
particular da análise discriminante múltipla, em que apenas existem dois grupos.
Neste caso, a sua computação é matematicamente equivalente ao ajustamento de
uma regressão linear múltipla, em que a variável dependente é qualitativa e assume
apenas dois valores nominais indicadores de pertença a cada um dos grupos (E.g. 0 e
1, para os grupos negativo e positivo da dicotomia TWINSPAN, respectivamente).
Deste modo, as vantagens da regressão linear múltipla podem ser exploradas. No
presente estudo, a análise ambiental das classificações TWINSPAN, procedeu por
análise de regressão linear múltipla passo-a-passo (stepwise), implementada no
programa STATISTICA 5 ™. A eficiência dos factores ambientais na separação dos
grupos florísticos é dada pelo valor do coeficiente de regressão múltiplo corrigido - R 2.
Para todas as regressões e para um nível de significância de 0.05, procedeu-se
também à análise de variância da regressão (ANOVA) para avaliar em que medida a
regressão discrimina eficazmente os grupos (i.e. qual o F e o nível de probabilidade p
associados à regressão). A influência significativa de um dado factor ambiental na
discriminação é dada pelo valor da estatística t associada a cada coeficiente ci da
regressão. De entre os ci`s significativos, quer o seu valor absoluto, quer o seu sinal
podem ser tomados como indicadores da influência de cada factor na separação dos
grupos. Do mesmo modo, os polígonos no domínio da função de regressão
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 94
P(x,y) = a + a2x + a3y + a4x2 + a5y2 + a6xy + a7x3 + a8y3 + a9yx2 + a10y2x + a11x2y2 + a12y3x + a13y3x2
+ a14y3x3 + a15y2x3 + a16yx3 + a17x4 + a18y4 + ε
Figura 14. Fonte: CAPELO, inéd. Interpolação do Índice de Termicidade compensado para o
sul de Portugal, com base na rede climatológica nacional e pelo método AURELHY. Da
esquerda para a direita: trend surface estimada; campo dos resíduos; mapeamento do modelo
Itc (lat., long.) + ε, em coordenadas geográficas.
Conceitos e métodos da Fitossociologia _______________________________________________________ 99
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num exemplar original, propriedade da Arqª Sandra Mesquita, à qual agradecemos a amável
cedência.