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= RELIGIOES AFRICANAS A BRASIL elo orceM a onene-Kee Orenetttsoorrs CONCLUSGES DA PRIMERA PARTE Religides, Grupos Etnicos e Classes Sociais africamas a0 longo de uma linha flutuante que separaria, de um modo geral, o mundo dos simboios, das Tepresentacdes co- / letivas, dos valores, do mundo das estruturas sociais ¢ de suas ba- ses morfoldgicas. O africano, com a destruicao racial das linha- Bens, dos clas, das aldeias ou das realezas, apepava-se tanto mais Sie att yf, Sous etises, @ tinica coisa que the restara de seo ' Pais natal, 0 tesoura que pudera trazer consigo, Mitos ¢ deuses tores, passos de dangas ou gestos rituals, capazes, Por conse- | guinte, de mais facilmente serem ayivados ao rufar lgubre dos ) tambores, H texto justamente de que as civilizacées podem passar de uma estrutura a outra. Que podem transformar a sociedade.. Mas, © seu Ponto fraco esté em estudar quase exclusivamente os fe-| némenos de “aculturagiio” como simples fenémenos de con-| tato ¢ de mistura de civilizacdes, sem levar suficientemente em conta as conjunturas sociais novas em que acontecem esses | encontros. As leis, se leis hi, que regulam o Jogo das interpe- Hetragdes, no atuam no vazio: opcram nas situagdes globais que as determinam, forma e cortetido. Os valores africanos | €ram trazidos para um mundo novo, para,uma sociedade com | Posta de duas classes, uma classe de senhores © uma classe de cscravos, uma dominadora ¢ outra explorada. As civilizacées étnicas cram assim transformadas em civilizagdes de classe e | isto nao podia deixar de exercer sobre elas uma forte influéncia { Para remodelé-las © metamorfoseé-las. Eis por que consagra- ! mos dois capitulos ao Papel da religiao na resisténcia dos negros 219 ao regime servil que thes era imposto, ¢ nio somente porque os brancos s¢ interessaram mais (e no sem motivo) nas re- voltas dos escravos que na descricéo de seus costumes ¢ usos: € porque estamos aqui no proprio cerne da questao. © marxismo, de um Jado, teve raziio, portanto, em acen- tuar a importincia do regime econémico e o lugar da luta de classes no dominio da vida religiosa. Mas, coisa curiosa, estando nes antipodas da antropologia cultural, ainda assim nos leva a sonclusGes andlogas: 0 sagrado torna-se uma simples ideologia, flutuando acima das estruturas sociais, mais que nelas fixada, acompanhando externamente suas flutuacdes. Nos dois casos, ainda que por razées diferentes, toda a riqueza da dialética que liga. os diversos niveis da sociedade se perde; tende-se, tanto numa Concepgado quanto noutra, a separar a civilizacdo da so- siedade, ou mais exatamente, a ligd-las apenas por um puro mecanismo de causas ¢ efeitos, complicado apenas pelo reco- nhecimento da possivel reac dos efeitos sobre as causas, rea- cao, alias, concebida também mecanicamente. A resisténcia do escravo ao regime de subordinaciio ou de exploragéo do qual era a vitima nao se nos apresenta sob esse prisma. Tinhamos sido levados a definila como uma resisténcia cultural, como um esforgo antes de tudo para nao deixar perecer os valéres vitais herdados dos antepassacos e mesmo para reconstitui-los seja no segredo dos calundus, seja no isolamento armado dos quilombos; no foi alids impunemente que os brancos deram a esses calundus 0 nome de mocambos ou de quilombos; percebiam que deviam nos-dois casos enfrentar o mesmo fendmeno, 2 ressurreigao da Africa em terra brasileira, com seus sacerdotes ¢ seus ritos, © até mesmo seus costumes matrimoniais ¢ suas reale- zas. A fim de melhor esclarecer esse carater de resisténcia global, @ nio apenas econdmico dos escravos, € que-a comparamas com as Fevolugdes dos mulatos ou dos negros livres assimilados: nesse iltimo caso, sim, a religiio aparece bem como uma idcologia, quando surge; de fato, ela mal dissimula o ressentimento de uma classe social, vida de igualdade ¢ desejosa de mais oportunidades, econémicas ou sociais. Sem diivida, alguém poderia nos observar que a resistén- apenas se torna religiosa quando née pode tomar a forma politica, que a religiio ¢ a unica via aberta, quando todas as outras saidas estiio fechadas, ¢ que, por conseguinte, o esquema marxista continua vélido, mesmo se nossa definicio das revoltas 220 foram accitos na estrutura dualista do Brasil, foram usados na Iuta de classes sociais. Santo Anténio, o mais popular dos santos brasileiros no tempo colonial, 0 protetor do pais contra os invasores estrangeiros, franceses ou holandeses, a ponto de ser nomeado tenente-coronel dos exércites, com o suldo ati- nente 2 seu grau, foi encarregado de encontrar escravos fugi- tivos; tornou-se, ma imaginagio dos brancos, segundo a expres- so de Camara Cascudo, uma espécie de “capitao do mato com jurisdigdo sobrenatural”.(*) © chegava-se mesmo a deixar sua estitua num reduto obscuro ou de cabeca para baixo, deixan- do-o nesse Iugar indigno ¢ nessa posicao incémoda, até que 0 escravo fosse achado.(‘) Da mesma mancira, os negros que mao suportavam sua sorte fizeram de Ogum o deus Ioruba da guerra, © patrono de sua vinganca; contra © sincretismo caté- lico que 0 identificava a Sdo Jorge, a esse S40 Jorge louro coma © Sol, cujo cavalo branco pisava um deménio preto, preserva- Tam o Ogum de seus antepassados, armado apenas com a faca dos assassinos; os arquivos da policia do Rio falam de uma aassociacao secreta cujo emblema era um bracelete de ferro (esse € © simbolo dos filhos de Ogum), do qual a cor tipica ‘ra o amarelo ¢ cujo fetiche era “um tamboril ormado, simbo- lizande a guerra”) Nao devemos nos esquecer nesta andlise que houve casos de degradacdo do sagrado. © negro partici- pava de dois circulos, primeiro, seu proprio grupo social ¢, em segundo, do grupo brasileiro, do qual era parte integrante, se bem que no mais baixo grau da hierarquia social; portanto, devia introduzir em sua religiso, principalmente o negro crioulo, os efeitos das tensdes que eclodiam entre esses dois tipos de solidariedade. Mas esses efeitos eram detidos por outros fend- menos sociolégicos que veremos em seguida. Enfim, o escravo e miais ainda o negro crioulo estavam certamente cristianizados ¢ na medida em que esta cristianiza- so chegou, como vimos constituigéo de uma Igreja negra, diferente ¢ subordinada, controlada pela igreja branca, 0 cato- Ticismo pode ter originado fenémenos andlogos aos que foram produzides no protestantismo negro dos Estados Unidos. B fato que a luta de cores pode por vezes tomar a forma de lutas de confrarias religiosas entre si, € delas citamos alguns exem- plos. Alids, lutas de prestigio mais que a expressio’ de dios Taciais, e que demonstram menos a revolta contra o dualismo (3) Cimare CASCUDO, Diciondrio do Folclore Brasileiro, pp. 49-82. (4) A. G’ASSIER, Le Bréstl Contemporain, p. 202, (5) G. PREYRE, Sobrados, p. 853. 222 da sociedade que sua aceitagao, o desejo de se incorporar na comunidade dirigente, de penetrar, sob o véu da religizo, na organizacéo dos brancos, © fenémeno, na realidade, data pri cipalmente do século XVIII, isto & de uma época em que a deseoberta do ouro modifica a hierarquia social em que a for- tuna se torna um instrumento de classificaclo das pessoas, ¢, nao obstante, a repugnancia de alguns, malgrado as leis sun. tudrias destinadas a repor o negro “em seu lugar”, @ provérbio bbrasileiro se realizava: “o negro rico € branco, 0 branco pobre € negro”, Esta mentalidade que transformou 0 sentido da luta racial, que fé-la se desviar da revolta da classe em ascensio do mulato rico para sua metamorfose progressiva em branco, debi. Iitou © que © catolicismo de uma igreja negra pudeta apre- sentar de mais agressivo. A religiio no se tornou ai por isto um_6pio para o povo, ou o ponto de partida de movimentos messianicos; 0 homem de cor nao procurou ai uma fuga da rea- Tidade_ou uma _compensacdo a suas desgracas; fazia dela sim= plesmente um canal de ascenséo, um meio de melhorar seu status de todos os dias, O catolicismo foi por ele cancebido| mais como uma atividade social que como mistica, mais como uma organizacio da qual podia se aproveitar na terra que como um banco de investimentos celestes, mais como instituicao que | fé. As excegdes, ¢ as houve, do cristianismo vivido nas pro- fundezas da alma, no nos devem fazer esquecer esta regra geral, tanto mais ativa porque o catolicismo portugués, tal qual implantade no Brasil, era jd, segundo a definicao de Gilberto Freyre, um “eatolicismo mais social que mistico”,(*) bem epost, por conseguinte, ao protestantismo de “reavivamentos”, de “campos”, de choques afetivos, no qual se inseriu o negro dos Estados Unid A estrutura social da época colonial e do comégo do Im- pério é dualista, Podemos negligenciar a classe intermediaria de caboclos rurais ou de artestios urbanos, porque nfo constitu; uma verdadcira classe média. Couty assim se expressa numa formula impressionante: o Brasil ndo tem povo,(7) ¢ Tollenare Propoe todo um plano para transformar esta classe interme- diéria, analfabeta, improdutiva, présa aos conflitos das grandes (8) G. FREYRE, Casa-crande © Seneaia, trad. tr, p. 47. (i) L, COUTY. i’Bsclavage au Bréstl,’ p. BG. © isto no obstante a Importineis numérica desta clnasc intermediaria que demina infiuitamente Pr aumere .o8 duss outras: entre a aristorracta (500,000) e oa escrarce (2.500000), 6000-000 de habitanter nascom, vegetam e morrem som ter servido- o ‘pais. 228 familias, numa classe média de tipo curopeu;(*) sera preciso esperar pela Repiblica para que essas medidas comecem a ter efeito. Porém, esse dualismo de uma classe intermedidria ou burguesa ¢ de uma classe escrava nao deve, contudo, nos indu- gir a um erro, Cada uma dessas classes esta dividida em grupes de interesses que nao percebem a comunidade de suas crencas, a solidariedade de seus lagos, 20 contririo, se opdem em riva- lidades incessantes. Entre os brancos, senhores de engenho contra comerciantes portugueses, proprictirios fundidrios contra a igreja catélica, esta contra governadores metropolitanos, Sem davida, todos desejam um controle do negro escravo, mas cada um concebe esse controle de forma diferente: um pensa em fazer trabalhar o negro os sete dias da semana ou sendo em fazé-lo dancar dancas erdticas a fim de renovar seu cabedal humane; outro pensa em sua cristianizagio; outro, enfim, em dividi-lo em “nagdes” erguidas umas contra outras. Nota-se pelas cartas dos governadores ou das ordens religiosas que essas formas de controle se operem em querelas sempre recomecadas. Do mesmo modo, a classe de escravos est dividida em con. frarias religiosas rivais, a dos africanos, a dos crioulos, a dos mulatos ou, ainda, em nacdes organizadas, com um governador de “nacao”, cada um desses agrupamentos tendo vida auténo- ma. O que faz com que haja da mesma maneira uma distancia social entre um Malé e um Toruba, entre um Ioruba e um Dao- meano, entre um Daomeano e um Angola, entre um Angola ¢ um Congnés, entre um Congués ¢ um Mogambique, como entre um negro ou um mulato, entre um mulate ¢ um branco. Se queremos compreender os fendmenos brasileicos das relagdies entre as civilizagdes devemos pé-los menos no dualismo rigido de classes econGmicas que nesse caos de grupos de interesses ou de reunides de etnias. © dualismo ja € uma abstrac3o do socidlogo. Os individuos compreendidos nesse dualismo csta- vam por ele muito menos tamados que pela vida cotidiana, pelo imediato dessas rivalidades de brancos entre si ou de megros também entre ‘si; sentiam menos o dualismo profundo que os antagonismos, mais concretos, mais poderosos, mais aparente- mente reais des microagrupamentos. Bis porque devemos em nossa explicaeao nos manter igual- mente longe tanto da interpreta¢io puramente marxista quanto da interpretagde puramente culturalista. (@) TOLLENARE. Notes Dominieates, parte née tradusida pars o por tugués, cartes Gn Bibiloteca “Sainte-Geneviéve”. 224 Voltamos, portanto, ao tura entre o mundo dos simbolos ou dos valores sociais africanas. A reli, nosso ponto de partida: o da rup- as estruturas primeira parte; porém, Dor isto, nao negligenciamos o movimento inverso do sagrado se verificando, segreando suas estruturas, suas instituigdes, sua base mento, alids, nfo era livre, morfolégical Esse. segundo movi. pois que faltava ao esetavo a liber- dade e, mesmo o negro libero, permanecia nas grandes cidades submisso ao controle da classe dominante. O primeiro mo- mento desta recriacdo foi, pois, um momento de aceitacio. Ou, is realidades sociais permitidas. O 98 wnichos, como os denominamos, em que podia inserit. sus: CWillzagbes nativas. Esses nichos foram, vimos, os batugues, as confrarias dos homens de Cor, as organizacdes de negros de ganho, as “nagOes” constituidas sob a autoridade de “reis”, ou de governadores nas cidades, as dancas domineueiras em parte [ambém mas zonas rurais. Certamente, todos esses agrupamen. fos erain grupos de controle de uma classe por outtra: mas vio negros, ou, mais exatamente, pel coletivas religiosas sobre os indi pamentos. © que facilitaya pressio das representacoes lnos membros desses agru- esta transformaclo era a distancia social existente entre o mundo branco € © negro, que impedia a0 branco sc interessar pelo que faziam, na sombra da noite, esses seres igualmente noturnos, os homens de cor escura, So. Giologicamente, € a distdncia social, muito mais que © isola ento. geogrdfico, que-explica a manutencdo de formas arcaicas de civilizagées, o folctore ru wal, por exemplo, na Europa, ou no comego da cra capitalista, o folclore das corporagoes de oficio; © aio € tanto a direcdio enquanto rota, como a democratizacdo dos usos, a aproximacao de classes, © triunfo do “nivel” sobre a “barreira”, que explica o desaparecimento desses folclores. (*) ay Gerke © Gistineta, social como fator de conservagho do tolctore, uo lado da bem diversa distinc! fa Seomites, ver Sidney W. MINTZ “EL Tr aa Gm Foucurbano y ta Comunidad Rural rroietatas’ Chace Sociates, 23, bp. 1B-204. 225 Num regime escravista, a distancia sendo méxima, compreen- de-se que a civilizacdo vinda da Africa pode se introduzir sem dificuldade nos nichos que Ihe oferecia a estrutura social bra- sileira. Mas cssc primeiro momento de adaptagSo € seguido por um segundo, 0 de criagdo. .O nicho tornando-se em. esconde- rijo, partindo dos valores sagrados, toda a sociedade africana vai passar por ele, reconstituir-se gradativamente, na medida, pelo menos, em que as condiches demogrificas ¢ a quebra das linhagens assim o permitirem; reconstituiclo essa, numa andlise sociolégica profunda, dos niveis mais clevados aos mais baixos. Havia sempre na massa de escravos alguma “mulher de santo”, algum sacerdote ou algum edivinho. Para nos limitar a um ou | dois exemplos, se o Ketu domina nos candomblés da Bahia, € porque esta cidade foi tomada e destruida pelos reis de Abomey ¢ seus sacerdotes ou seus principes vendidos 20 Chach4 | de Souza, por Uidah que era de origem baiana; este, grande | traficante de carne humana, revendia escravos, em sua grande maioria, a0 Brasil.) Se o culto das Aguas, que desapareceu em certas partes da Africa atual, encontra-se, pelo contrario, na América, € porque nesse caso também a confraria desses sacerdotes, invejada pelos reis, foi reduzida intelramente & escraviddo.(*) Os negros brasileires puderam, dessa forma, transformar os batugues em calundus, organizando-os sobre o fipo das confrarias religiosas africanas, mas como 6s filhos ou as filhas-de-santo nio eram assim bastante numerosos para constituir, em seu novo habitat, confrarias separadas, se reu- niram na mesma associa¢do. Em torno desse macleo sdlido, que formava como que o centro de gravidade da “nac&o”, outros negros da mesma origem étnica agruparam-se num sistema de inter-relagées, organizaram-se, pouco a pouco, com sfaius so- ciais, com hierarquias de graus, de papéis distintivos no inte- rior de grupo segundo a maior ou menor aproximacao de cada vm com o sagrado. A nova sociedade que assim se formava, modelava-se, pois, sobre categorias misticas. O calundu subs. tituia a0 mesmo tempo as linhagens, destruidas pelo regime de escravidao como pela dispersio de seus membros pelas mais diversas plantagdes e povoados, diminuidas em ntmero, cuja vida outrora se pautava ao ritmo das estagdes. As leis do ca- samento, contudo, continuavam, mas a regra de exogamia nio (0. 2 VERGER, “L'Iafluence du Bréstl au Golte do Bénin", Les A/ro- samerieainz, pp, 11-101, 1) HERSKOVITS, “Les Nolrs du Nouveau Monde*, Journ, Soe. des Africunistes, VIEL, 1928, p. 20, 226 mais se aplicava aos cltis, aplicava-se apenas Aquilo que os havia substituido, &s pessoas que tinham “fixado” em seus corpos a mesina divindade; dessa maneira, as grandes festas continuavam, porém, desligadas de suas bases agrdrias, Nao nos demoraremos em todos esses aspectos porque teremos de descrever mais longamente esta organizaco noutra parte, para vomparé-la aquela da Africa. Basta, para o momento, indicar. ~ihe a origem, mostrar-thes ag fontes e aceatuar principalmente due @ reconstituigo da sociedade africana, na medida em que eta possivel, fez-se a partir de sua civilizagao, por um movi. mento de cima para baixo e que sempre Ihe resta um cardter ssurado; a estrutura interna modela-se sobre a mistica, ela no € mais que sua materializacao simbdlica. . As religides afro-brasilciras nao podem ser compreendidas a mio ser se as examinarmos, como tentamos fazer simultanea- mente sob esta dupla perspectiva; de um lado, elas exprimem | certos efeitos do dualismo estrutural senhores-escravos, so mo. dificadas pela luta das cores ¢ Tefletem ‘a estrutura da socie-| dade global; de outro, em conseqiiéncia da divisio das grandes classes em grupos de interesses ou de erencas diferentes, ford mam © ponto inielal de uma nova estrutura de classe de negross sao elas mesmas criadoras de formas sociais, Todavia, esta organizacao africana que se introduz na socie- Gade global ¢ € protegida pela distancia secial entre as cores, af se desenvolve como quisto, permancce do mesmo modo mergu- thada num mundo novo. Um mundo em que dominam os valo- | Tes culturais, as representacdes coletivas dos brancos. Dessa | maneira, vai haver, ¢ 6 0 que reteremos do culturalismo, puras trocas de eivilizagdes se: processanda num mesmo nivel da reali. | dade sociolégica, independentemente dos efeitos, das pressces | ou das reagdes das estruturas sociais. De fato, cram os mesmos | escravos batizados pelo capelio que celebravam Seus tants Ro patio da senzala; cram os mesmos negros ucbanos que simul. | taneamente eram membros dos confrarias do Rosério e fidis do | calundu. Portanto, influéncias de uma religitio sobre outra eram Possiveis. Sobretudo porque havia para facilitar essas interpe- | retragoes, analogias de esquemas entte uma ¢ outra. O que, de | fato, os negros viram no catolicismo foi a existéncia de um Deus supremo que “estava no céu”, mas, de tal forma transcedente, / que para chegar até ele era rccomendavel passar por toda uma { sétie de intermedidrios, Jesus Cristo, seu Filho, a Virgem, a \ bem-amada Mie de Jesus ¢, logo abaixo, 0 exército inumerdvel / / 227 de santos, cada qual patrono de uma corporaciia de oficio, ou exercendo uma funeio social bem definida: fazer encontrar abje- tos perdidos, curar doencas dos olhos ow erisipela, dar um marido a uma filha sem atrativos, etc. Nao criam eles também num Deus supremo, geralmente divindade celeste, Olorun ou Zambi conforme as “nagées”, mas afastado dos negécios desse mundo ou nae atendendo as preces dos humanos senJo pela intercessa0. obrigat6ria de intermedidrios, os Orixis, os Voduns, os ancestrais deificados? Desta analogia originou-se um sincretismo religioso, fazendo corresponder scja globalmente o conjunto de Virgens ¢ de santos, como entre os Bantos, seja, um por um, tal divindade africana com tal Virgem, este ou aquelé santo, como entre os Torubas ¢ os Daomeanos. Nao vamos por enquanto estudar esse sincretismo tal qual existe em sua rica complexidade: preo- Cupar-nos-emos posteriormente com essa questo. Agora busca- remos sOmente suas origens histéricas, Alguns atribuiram-lhe causas de ordem psicolégica; 0 negro, mesmo ligado a suas divindades étnicas, nao deixa de cmprestar de adotar as divindades de outros grupos éticos vizinhos, desde que essas tiltimas se mostrem mais eficientes em certos dominios que as suas; houye também uma troca de deuses, ou de praticas religiosas, entre os Ioruba-e os Dacmeanos, Ora, 0s santos eatélicos cram os deuses da classe mais. poderosa, da quela capaz de cfetuar o téfico negreiro ¢ a organizacio da escraviddo cm larga escala; nem os Orixds, nem os Voduns, nem os ancestrais, totémicos ou nao, tiveram forga bastante para Proteger scus filhos infelizes contra'o exilio na terra estrangeira © 0 trabalho scrvil. Esses foram, portanto, por seu pragmatismo, levados a acrescentar ao seu panteZo, os deuses dos cristios, come a acrescentar a seus sortifégios a “magia” todo-poderosa dos ritos catélicos.(1*) Vé-se que esta conversdo ao cristianismo subentendia, também, a mesma “africanizacao” do catolicismo que j4 notamos a propésito de um outro fenémeno. Outros autores recorreram psicandiise. Nesse caso, tra~ tar-se-ia de um fenémeno de projecao. A escraviddo teria desen- volyido nos negros um complexo de inferioridade ¢ o catolicisma surgiu, de outro lado, como a religido da classe dominante. Transferindo ou projetanda suas crengas e suas oragdes de um Orixé bdrbaro a um santo civilizado, de um deus eseravo a um deus senhor ‘branco, elevaram sua vida religiosa de um plano inferior a um plano superior. © sincretismo seria, nessa inter- (22) Em parte, fundamento da opinido de G. FERNANDES (ver nota semuinte) . 228 Pretagio um fendmeno simbélico de ascensio, desejado mais ou inenos em surdina, mas impossivel de se realizar na vide social, um drama do ineonsciente,(1*) Essas duas interpretagbes colo- cam se, Como s¢ pode notar, no plano das atividades mentais ou psiquicas. Mas se clas nos dio alguns dos motives que puderam, na realidade, atuar em certos casos e em determinadas categorias, s0es da milicia ou da Policia podiam, a cada instante, interromper © Cerimonial; era preciso, portanto, dissimular o mais possivel aos olhos dos brancos o cardter africano do culto que ai se Fendia, colocando sobre © pegi, onde as pedras de santo consu- miam as oférendas cnsangientadas, um altar catélico, enfeitado com flores de Papel, toalhas brancas, imagens e pinturas de san- $e canticos que subiam ao altar iluminado de velas eram de igidos dle fato a Ogum e nao a Sao Jorge, a Omulu ¢ nan. Sio Lazaro. B daqui que devemos partir para compreender © sincretismo religioso, mesmo quando transformado apés o desaparecimento dos tiltimos africanos © com a diminuicéo, senfo + ruptura com- pleta, das ligagGes maritimas entre o Brasil ¢ a cost ocidental , OS fenémenos do sincretismo Variam no tempo enquanto tal que age, nao € em outros termos a sua duragdo que é fator de causacao; RESSe CASO, aS situacdes sociais sao modificadas ¢ conseqiiente- mente, aqui também, somos levados ao campo da Sociologia mais uma vez. Esta é a idéia que finalmente se depreende, cre- mos, de todas as piginas de nossa primeira Parte: se tragos da (03) | Gotealves FERNANDES, 9 sincretiamo Sépe-nex0-catgiies como egg n° Hmimiea dum sentimento de snterlondaet Afro-aiméricains, pp. 125-24, 229 sivilizagao africana puderam passar para a classe dos portugué- ses foi em razao da hierarquizag3o dos escravos em escravos do campo, artesdos, domésticos ¢ a intimidade destes tiltimos com seus senhores, isto 6, 0 processo dessa passagem deve ser pes- quizado na estrutura da familia patriarcal brasileira, Se, de | Modo reeiproco, traces da civilizacao portuguésa, cada vez mais numerosos, passaram para a classe dos negros, € porque as duas classes nunea foram castas, rigidamente fechadas, tranca- das por um cadeado de dupla volta, mas eanais de ascensao social que sempre cstiveram abertos no seio da sociedade brasileira, | estando bem entendido que a assimilagao do negro aos valores brancos constituia 0 critério de toda mobilidade vertical. A supressio do trifico negreiro de infcio e depois a do trabalho servil iriam quebrar esta estrutura’ social que permitira a conservacao das religides africanas no Brasil ¢ a sua coagulagao (empregarei aqui de preferéncia esse termo ao invés de sincre= tismo) com o catolicismo, Nao iria tal confusio de estruturas trazer um golpe fatal a essas sobrevivéncias ou a essas primeiras formas de interpenetragées de religiGes? * es * Ora, o fato ai esté: Os perpetuadores. atunis das tradigdes afrieanas nfo sfio mais 98 nativos da Africa, mas seus descendentes em terceira ou quarta geracde. Entretanto, através dessas geragées, num nove habitat © com novas condigdes de vida, os pais continuaram a transmitir a seus filhos, eonsciente ou inconscientemente, seu estilo de vida, (14) Como entio puderam os velhos calundus coloniais sobre- viver através de todas as revolugGes das estruturas sociais? Como péde a civilizac%o africana manter-se numa sociedade antidualis- ta, pelo menos juridicamente, e onde os escravos tomavam-se cidadfos, iguais em direitos e em mérito aos seus senhores de antigamente? Procurou-se, algumas vezes por razdes de ordem psicolégica, explicar esse fenémeno. A. tenacidade elementos culturais africanos, contra os diversos ataques que suportaram na organizacSo social, na lingua, na religido, na arte, deve ser relacionada & tenacidade com a qual alguns tragos earacteristicos da personalidade africana continuaram (18) René RIBEIRO, K.-H, de Alagoas, KEVI p. 14. 230 entre seus descendentes do Novo Mundo, mesmo onde a aculturai pelos modelos curo-americanos foi mais’ ampla. (15) Porém, a menos que se considere que exista uma mentali- dade caracteristica ¢ uma psicologia diferencial de ragas, 0 que esté em contradicao com os dados da ciéncia contemporinea, o problema ndo se resolverd por esta explicacio; a solucdo nfo esta sendo diferenciada, porque se 0 afro-brasilciro pode manter tragos de sua personalidade africana, foi porque esta personali- dade foi moldada por um meio cultural africano; as atitudes aictivas, as formas de mentalidade, as categorias do pensamento Sd0 9 produto da educagdo. Se admitirmos, de outra Parte (o ‘que 10 accitamos, alids, sem fortes reservas), que esta educagao da afetividade ¢ dos modes de pensar africanos no Brasil nao provém da familia negra, mas do eandomblé — que € a opiniao de Frazier —(7*), entao o circulo se fechardi sem que tenhamos a solugdio desejada: por que, pois, ha sempre candomblés? Nao € para a Psicologia que devemos nos dirigir em nossa busca, mas para a Sociologia, Antes, todavia, de comecar nossa pesquisa, precisamos notar que esta resisténcia das seitas africa- nas é to profunda que nenhuma perseguicio, policial ou ecle- sidstica, pode veneé. Como muitos de seus membros eréem- -se bons catélicos, freqiientam a missa, fazem parte da confraria do Rositio, poder-se-ia pensar que as Pastorais, por exemplo, do bispo da Bahia, as ameacas de excomunh’o contra “as filhas. ~de-santo” por “apostasia”, as ordens dadas aos sacerdotes para recusar-Ihes a comunhao, teriam podido colocar sob 9 baculo de Roma muitos filhos dos candomblés.(7) Mas nada disso aconteceu. Nio insistiremas sobre esta primeira forma de per- Segui¢do porque sempre houve no Brasil entre o dogma e a Pritica uma grande margem de tolerincia. As perscguicdes Policiais foram violentas, de outra maneira, principalmente quan- do estavam ligadas a movimentos politicos, como em Alagoas {15) HERSKOVITS. “Some Psyenologienl Implications of Afromerican Studles", XXIXth Int. Congres: of Americanisie, p. 158. Sobre a persistence do otitudes africans © nfo sd de gua organiicao, ver a historia da, vida, de uma Jovem negre em PIERSON, Brancoe ¢ Prétoe Na Bahia, pp. 320-22, eB. RIBEIRO, “Projective Mechanlzms and the Structurallzation of Perceps Hon th Atro-brazilian Divination”, Rev. Inst. Ethmopsyoho. Normale et Pathol, 2 1956, (26) |B. Franklin FRAZIER, “The Negro Family in Babla, Brazit”, Amer. Sociol, Rov. VIL, 4, 198, pp. S71 ¢ 478. Dizemos que milo accitamos exec Ponto de vilta sem prandes reservus porque e# tor Terdade que a ufcicanl: gash do nero provem do candomblé, nem por iso dela le cncontrar em sua famfia 9 clims empititual que favorece esta acho da selta religiosa. (7) A doutrina da Tereja copre ce candombiés, com = andiise das Pastorals em questo, eneontra-se em Candomblé, Santo Anténio, 15, 1 abril de 197, pp. 15-29, 231 onde a revolta popular de 1912 contra o governador, amigo dos hegros e protetor dos Xangés, terminou pela destruicdo selvagem dos sanitarios africanos de Maceié.(3) © que todas. essas Perseguigées. conseguiram fazer foi smente transformar ceri- ménias piblicas em ceriménias secretas, uma religiio de festa uma religio de catacumba, sem tambores barulhentos, com ‘¢dolicos apenas murmurados, cantados a meia-voz, com todas as Portas ¢ janelas fechadas.('*) Goncalves Fernandes achou por analogia com certos ritos catdlicos, a mais exata expresso desse fenémeno, quando diz que a missa cantada foi substituida pela missa rezada (Xang6-reisado-baixo).(2) A perseguigéio nem mesmo conseguiu impedir — tentando fazer reinar o terror no grupo de ficis — o recrutamento de continuar como se nada houvesse acontecido. Durante minha viagem a Recife, no auge da luta, pude ver, num dos Xangés mais tradicionais da cidade, trés mocas prestes a sofrerem as provas da iniciagao. Quais sio, pois, os fatores sociais que permitiram esta Tesisténcia ¢ esta conservaciio? Se a supresséo do tréfico megreiro impedia a renovacde de africanos, entretanto nao fez cessar inteiramente as relagdes entre o Brasil e a Africa. O candomblé de Engenho Velho foi fundado, segundo £. Cameiro, por Iy4 Nass6,(2') mas o que cle mio diz, © que para nés é importante, é que Iy4 Nassd, se possuia alguma telagio com a Bahia, jd que sua mae ai fora cs crava antes de retornar para a Africa © af exercer o sacerdécio, nasceu na Nigéria e veio para a Bahia, livre, acompanhada por um. wassa (que € um titulo sacerdotal), a fim de fundar um candomblé, justamente o de Engenho Velho. Sua filha espiri- tual, vinda também da Africa livremente, Marcelina, Ppartiu mais tarde para seu pais, sem dtivida para aperfeigoar seus conheci- mentos, imiciar-se mais profundamente nos segredos do culto, © Tegressou depois de sete anos (que é 0 ntimero sagrado dos Toruba) para substituir Ty Nassé no instante de sua morte, como suprema sacerdotisa de Engenho Velho. © desaparcci- (8) 4. BRANDAO, "O Negro na Histérla de Alagoas”, Estudos Afro -brestietres, p, 60. (28) Ou ainda em eamuflar-se em. scitas espiritas, toleradas pela policia, ou em socledades camarnlescas. O -Didrio da Tarde de 12 de abel de ash, Bacife, observa = propésito de ume visita da policla ao centro eapiriin “Cal Hidade e Amar de Jesus Cristo": “Os centros expiritas funclonam lvremence guande munidos de ums autorizagie pollcisl. Aproveltando-se desta circtas~ tincis, os adeptos de Exu passaram a se dizer expiritas © @ que funclonave {Wer sobre tose panto Goncalves FERNANDES, Xengde do n BR. 7-1 (20) Gongsives FERNANDES, 0 Sineretiamo Retigioeo, pp, 25-9. (1) #. CARNEIRO, Canaombiés aa Bante, p. 2. 232 / mente do regime de escraviddo no ocasionow o fim desse yai-e- 7 -vem cnire os dois continentes. Um comércio bastante: préspero de nozes de cola, de conchas, de sabao preto para o ritual ¢ outros objetos de culto continuou até hoje, se bem que haja diminuido de intensidade depois do término da Primeira Guerra Mundial.) Martiniano de Bomfim foi a Lagos para af apren- der a arte da adivinhacao antes de se tornar o Babalaé mais fameso da Bahia, e empregou toda sua autoridade, que cra grande, para impedir a degeneracdo dos cultos africanos, e mes- mo para reformar o candomblé de Opo Afonja para dar-the cectas intituigdes que nao existiam no Brasil mas que vira ou acreditava haver visto na Africa.(2?) Citamos mais acima o caso do P. Addo que também féz a viagem para a Africa para af se submeter ao ritual de iniciagao. Se, sem diivida, os negros hoje nio podem mais pagar essa viagem, guardam, pelo menos, preciosamente, ou uma Biblia em lingua ioruba ou jomnais da Nigéria, a fim de manter, nao obstante a distancia, a ligacdo ao menos espiritual com o pais dos antepassados.(2") Contudo, essas intercomunicagdes entre o Brasil ¢ a Africa podem explicar apenas a pureza dos mitos ou dos Titos dos candomblés. Nao explicam sua existéncia atual, tanto mais que esta existéacia nao é um simples fato de conservantismo Popular, de sobrevivéncia foletérica, A religiao africana, como Veremos em nossa segunda parte, € uma religido viva. Para que ela nado desmoronasse com os abalos sismicos que sacudiam a sociedade no momento da abolicSo, era preciso que desempe- z. nhasse uma fungio itil e que as modificagdes da estrutura social, f em particular, a aboliciio do dualismo senhores-escravos, Ihe deitasse ainda um lugar na nova organizacdo do pais, Se a escravidao separava as Tagas, Unia-as também como vimos, permitinde uma certa participago do negro ma vida do branco. A familia patriarcal constituiu, no caos social do Brasil, a tinica organizacdo convergente c a tal ponto que Zimmermann prefere chamdla antes “tutelar? que patriarcal porque estava investida de uma funcdo de protecdio para com o povinho ¢ os esctavos.(*) A abolicao, arruinande os grandes latifundi4rios, Gos ‘batuaues de Porto Alesre me afirmaram que um epmércio m fuirtia também entre @ Africa eo sul do Brail, mes nia pude veritice rs fos Gecuméntos histéricos ou nas colegies de relhos jornats, (28) Aludimon & cris¢éo doa 12 ministros de Xango, E dizemos “crera oT Sa JMEBE de rer, porque se certos autorea afirmam que hi 12 Obes, lesses minisiroe ehglobam tftuins extremamento hetero¢ences (carta de P, Verger de 21 de aezombro de 1953). (24) BIRRSON, op. cit., pp. 304-6. (28) Citado por G. FREYRE, Sobrados ¢ Mucembos, 2* ed. p. 58. (2) Sobre eae comércio, ver. D. PIERSON, op. cit. p. 303. Ox membros jemethant 288 destruiu uma das raras formas de solidariedade que existia no Brasil, para deixar em seu lugar apenas a desordem de relacdes interindividuais, apenas uma poeira de tomes incapazes de formar novas moléculas sociais. A abolicdo, dessa maneira, continuou ¢ agravou esse processo de distanciamento social que -vimos principiar com as primeiras formas de urbanizagéio e que, separando as racas muito mais que o engenho, tornou possivel a formacao de candomblés._O primeiro grito do negro libertado era: “Agora vamos ter casas com janelas ¢ porta do fundo",(2*) ¢ esse brado exprime bem em seu proprio simbolismo, o desejo de escapar ao controle do branco (a porta de trés, por onde ‘podia sair sem ser visto, enquanto a senzala nao tinha mais que a porta da frente, bem cm frente da casa do senhor ou do cascbre do feitor), e também o desejo mais profundo ainda de comuni- cagdo com o vasto mundo, de abertura sobre os valores europeus (as janelas). E, de fato, aps a supressio do trabalho servil, o primeiro impulso do ex-escravo foi de fugir de plantacio que The lembrava a serviddo, para se precipitar no anonimato da cidade grande.(?") Mas, em lugar da casa sonhada, nao devia ai encontrar sendo 0 mocambo de barro seco, de teto de palmas ou de gramineas, perdido na solidao dos charcos, fora da aglo- meracdo dos brancos,(8) a favela de tibuas nas encostas es- corregadias dos morros,(?*) o cortiga infecto nas casas aban- donadas ou nos porées imidos.(°) Por certo, a segregacao ecolégica do negro nao apresenta no Brasil o cardter racial dos Harlem norte-americanos, nag ¢ imposta pelos brancos para se protegerem de um contato por eles nfio aceito: é 0 produto passivo de uma simples competicdio de classes econémicas por um lugar ao Sol.(#) Porém, o resultado € 9 mesmo, o do desaparecimento das protegdes do branco, da familia tutelar, do paternalismo afctivo ¢ a intensificagao das distancias raciais. O negro poderia sair indubitavelmente desta situagdo se tivesse substituido esse paternalismo por um esforco pessoal de ascensao social ¢ se pudesse se integrar facilmente na nova sociedade, de (28) Felte BRZERRA, Bintas Seroipanas, p. 160. (27) Hmitio WILLEMS, “MobUidade © Fiutuagéo das Frofiseses no Brasit™. Ct. Cate PRADO Junior, Histéria Econdmies do Brasil, pp. 217-208, edre & Opesiofie no Brasti moderno ao Brasil escravista. (28) Sobre os murembos ou mocambos do Hecite, ver Josué de CASTRO, Decumentario do Nardeste, J, Olymaplo, Rio, 1907, 198 pp. G. FREYRE, Mu- cambos do Nerdeste, Publicacées de Sphan, ns 1, los. d. 10 pp. (29) “Sobre us favelas do Rio, ver Censo dar Favelas, Rio, 1949, © L, A. COSTA PINTO, O Negro no Rio'de Janciro, pp. 129-37. 2, Sound oa cortices de S. Paulo, ver, Ry BASTIDE © F, FERNANDES, Baciais, p. 137 (1) COSTA’ PINTO, O Negro no Rio de Jeneiro, p. 122 ¢ segs. 234 tipo capitalista ¢ industrial, que substituiria sob a Repiblica, a antiga sociedade, aquela que fazia a riqueza ¢ o prestigio social Tepousarem na posse da terra. Todavia, o antigo escravo, ndo preparado para seu papel de cidadao livre, no soube logo se transformar em “proletdrio” © substituir, assim, a antiga solida- riedade familiar do engeaho ou da fazenda, por uma solidaricda- de de classe;(**) ja apds a extingdo do tafico negreiro ou de sua ‘ diminuigdo, quando 0 nimero de negros livres ja aumentando sem parar no Brasil, em detrimento dos escravos, esta libertacio nao se traduziu sen@o pelo aumento da prostituigo ¢ da vaga- bundagem; as estatisticas salientam, nesse caso, um grupo cada vez maior de “inativos”.(2*) A abolicio vai precipitar ainda esta desagregagio da co- munidade negra. Os antigos escravos vao formar, nio um proletariado (a proletarizacio do negro é um fendmeno poste- ) ‘tor, que marca uma primeira promocao), mas sim um Ltempen- proletariat que, em parte, explica as esteredtipos que se criaram entio do negro preguicoso, alcodlotra ou ladrio, do vagabundo vivendo as custas das mocas (as jovens negras adaptaram-se mais facilmente-que os homens & nova sociedade urbana como domésticas, aias, cozinheiras ou lavadeiras), Na competicao econdémica que o capitalismo industrial incipiente desenvolve, 0 negro escuro € yencido pelo mulato e este, por sua vez, pelo imigrante europeu ou por seus descendentes. Mas, no se deve crer que esta atomizacSo da classe de cor seja um fendmeno puramente urbano. Pierre Denis deu uma desericao util do negro rural do Estado de Minas, as vésperas da Primeira Guerra Mundial, opondo uma resisténcia Passiva ao trabalho regular ¢ vigiado, néio obstante a formagao de equipes sob 0 comando de feitores (“menos o litego, sua funcdo € aquela dos guardas dos tempos da escraviddo”), nfo prestando seu concurso a0 agricul- tor branco sendo dois a trés dias por semana quando precisava de dinheiro, essencialmente mével, nunca se fixando num mesmo lugar, passando de uma Tazenda a outra ao sabor de seu capricho OK oa de sua indoléncia.(**) A atomizagfo social ai se verificava da mesma forma que na cidade. No Nordeste da cana-de-acicar, (32) T. SHPELLE, 1 Sincrerisms Religiose Afro-Cattolico, p. 40, nota bem a importants da aificuldade de nesro emi se Inserlr rio GovG cielo Drodutive do Brasil republiceno, como ume das evusss cn conserrarke dos we) Sites VIANA, Fopilosdeo Meridioncis, cap. %. Hx 382%, para tego o Brasil, 2822583 peatoas sem ocupagio deitnids, ou seja, mall de 50% da populagéo livre, (3a) Pierre DENIS, Le Brésil au XXe Siécte, cap. 12, adbre as “popu- IngGes megras™, 235 a antiga fraternidade que unia o senhor de engenho com a paisa- gem, com os caboclos ¢ com seus escravos, foi substituida por relagdes desumanizadas do usineiro para com seus empregados, que para ele nfo passavam de cifras inscritas intercambiaveis € de acessérios da maquina. A crianga abandonada cresce sozinha nos canaviais; a familia desorganizada se restringe ao concubina- to; o homem sente-se sem apoio, completamente isolado, pronto a se lancar no abismo que © atrai, a sexualidade, a aguardente, movido pela yontade de autodestruigdo de sua prépria personali- dade que © meio social nZo quer mais reconhecer.(®°) Nesta atomizacio ¢ desumanizacao das relagdes humanas, © candomblé permaneceu o tnico centro de integracao possiyel. Na medida em que houve uma reconstituigio do povoado africano, com suas regras de confraternizacao religiosa € seus modelos de assisténcia mitua, como também esta afetividade que ligava seus membros, tornou-se (o candomblé), para esta popu- lagdo, subitamente abandonada a si mesma, o reftigio e o apoio. ‘O que escreve Costa Pinto a respeito. da macumba do Rio de hoje, era evidentemente ainda mais verdadeiro para as seitas africanas logo em seguida A supresso do trabalho servil: © prestigio de seu Mder espiritual e sua posig%io no culto, 0 leva a manter um contato amigdvel ¢ constante com a policia de bairro; sua situagaa cconémica lhe permite ajudar alguns pro- sélitos em sew inforttinio; suas relagoes pessoais com os membros de uma classe superior, sua maior habilidade mental ¢ oral, fazem- “no um lider latente, freqiientemente um lider efetive, no pequeno mundo de seu burgo. (28) Se se acrescenta que a Constituigio da Reptiblica procia- mava © sufragio universal, compreende-se que os candidatos as eleigGes estivessem imediatamente interessados em ganhar os sufragios desses Ifderes, 0 que acarreiaria os de todo o grupo dos fiGis; mas era preciso negociar este apoio, ¢ esse negécio permitia ao homem politico substituir, para o todo integrado da seita, o desaparecido senhor de engenho, se tornar o senhor tutelar, apoia- (35) S80 principaimente romancistas como José LINS DO REGO para s regio de Pernambuco (com neu ciclo da cana-de-scicar, do bangle & usina) ¢ Jorge AMADO para a regiso da Bahia ou de Hnéus que desereve 0 Gestino, desta plebe do Nordeste. Do ponto de vista socloléeico ou do Beografia humans, ver o preficia de G. PREYRE, ao livro de Julio BELLO, Memérias de um Senhor de Engenko, J. Olympio, Hilo, 1988, XXXII-235 pp. © livro de Limelrs ‘TEIO, Brejos ¢ Cérrasedes do Nordeste, pp. 25-19; os estudos de Glévis AMORIM, “O Moleque de Canavial”, O Nepro no Brasil, pp. Ti-4 e de Jorino de RAIZ, "O Trabslhader Negro no Tempo do Bangue Gom- parado com o Trabsthador Negro no Tempo das Usinas de Agicar”, in Fstudoc Afro-brasileiros, pp, 191-4, (88) COSTA PINTO, op. clt., p. 244. 236 do pelo Babalorixa patriarea, Esta é, parece-me a razto princi- pal que permitiu is scitas religiosas africanas resistir vitoriosa- mente € mesmo se consolidar sociologicamente na grande crise que marca o inicio da era republicana. Todavia, para sobreviver, deviam se adaptar a condicées sociais novas ¢, de inicio, ao desaparecimento dos africanos, Os calundus estavam ligados As “nagdes” © seus ritos come suas divindades variavam segundo essas “nacies”; a cabula banto se distinguia do candomblé ioruba e este do Tambor de Mina daomeano. Eis que, dessa mameira, cessa o recrutamento étnico, mais ainda os casamentos se fazem entre as etnias mais diferentes(*) © as criancas nascidas dessas unides so “crioulas” sem nenhuma ligacio com uma tradic¢ao determinada. £ evi- dente que esses casamentos levaram a um sineretismo entre os costumes das “nacdes” africanas outrora rivais; encontra-se ula “me d'égua” gurunci numa casa de candomblé ketu: (34) ouvemse canticos congueses nos terreiros angola... Porém, em geral, cada seita conservou a tradic#o étnica de seus funda- dores; produziu-se assim uma dissociacdo entre a origem tribal ¢ a civilizacdo, entre a etnia e a cultura, gracas a qual o antigo calundu pode se conservar nao obstante A Miscigenacio: mas Seu recrutamento nao mais se faz num tinico Povo ja que nao hd mais povos; obedece a outras leis, como a de vizinhanca, a de prestigio dos chefes de culto, ou de amizade.(*) q Se a abolicao desagregou a comunidade da classe negra,— aumentou também os contatos, se bem que informais e mais cul- turais que saciais, com o mundo dos brancos, O negro viu-se | Preso nas lutas dos partidos politicas, na concorréneia econd. mica no mercado de trabatho, ¢ como a Igreja, seguindo mo- vimento de integtagdo de todos as brasileiros numa s6 sacie- dade mudava de atitude ¢ se dirigia agora contra o dualisme ~ de uma igreja negra distinta da igreja branea, viu-se também envolvido nas grandes festas, nas procissSes, nos congressos satélicos, reunindo as massas populares sem distingao de origem | ou de cor. Este aumento de contato com o mundo luso-bra~ >! sileiro, verificando-se no momento exato ‘m que diminuiam Cie eT oenamAMIO, © v6 do atual atorixt de Engenho Velho ora wa ee aie Se cosera com Uma Gége-Mabum, Um Esha de senme oga eeaee Bente, Pang ortba. segunda 0 rita caistico ¢ o rito mugulmano antieen Mehte. FRAZIER, op. cit. pp. 473 e415. og Otte PERRAZ, “AS Culturas Negran no Novo: Mundo", Bol, d'Arie, Be 8, 1938, p, 380, (33) tamento os contates com a Africa, ocasionou um esfacelamento dos valores, das normas ¢ das crencas ancestrais. O negro respon- deu a isso pelo que propusemos chamar de “principio de corte”.(*°) Escapou a lei do “marginalismo” edificando em seu interior uma barreira quase intransponivel entre os dois mundos opostos que nele habitavam, o que Ihe permitiu uma dupla fi- delidade a valores freqiientemente contraditérios. A Psicologia, que Stonequist tornou célebre, do homem marginal,(#) se se aplica a0 negro alienado do sul do Brasil; nao se aplica, em compensacao, ao negro fiel & Africa de seus pais. O dltimo vive com toda tranqiiilidade nas duas culturas simultaneamente, sem que essas duas culturas se choquem, se interfiram ou se misturem. Parafrascando Pasteur, poder-se-ia dizer que quando entra em seu sindicato, em seu grupo profissional ou quando vai ad mercado, fecha a porta de seu pegi c, da mesma for- ma, quando entra no pegi, deixa na entrada suas vestimentas de brasileiro, sua mentalidade em contato com o capitalismo, por uma economia baseada no dinheiro e por uma sociedade fundamentada em modelos ocidentais. Este “corte”, do qual se encontrara, demais, equivalentes entre as “evoluides” dos ter- Titérios africanos,(‘*) nada apresenta de doloroso, ndo é um rasgio ou uma automutilaco. £, pelo contréric, a solucéo mais econémica ao problema da coexisténcia pacifica de dois mundes numa tnica personalidade. O candomblé gragas a éle pode assim resistir vitoriosamente aos assaltos da sociedade-am- biente que podiam se organizar contra cle, Por certo, 0 corte nao pode ser total. As seitas africanas ngo esto inteiramente incélumes as influéncias sutis que nelas se insinuam vindas do mundo dos brancos, Teremos que estu- dar mais além essas influéncias, como também seus limites, examinando os fenémenos do sincretismo. Em todo caso, elas sentiam © perigo, ¢ para resistir esto hoje fortificadas numa Jealdade, tanto ‘mais tenaz ¢ resoluta, aos valores herdados de seus fundadores. A esta Couto Ferraz chamou de “retorno A Africa’”,(*) que se traduz nos fatos pela unio de todas as seitas tadicionais numa federacao ¢, por ela a cxcomunhio de scitas 401 BR. BASTIDE, “Le Principe de Coupure ct le Comportement mréste Men", 46., 082., pp. 407-08 , (a) B cncuwaty, “iviaare deh Sealine abe RR ES op teta nirme au Xe Sidolo, 20-21-1849, p. 21 (43) A. de COUTO FERRAZ, "Volta A Africa", R.AM,S.P., LIV, 1939, pp. 115-78, 288 “sineretizadas”.(*4) Assiste-se atualmente a um movimento de purificagao dos candomblés, em reagdo contra o aviltamento da macumba, bem como a um aprofundamento da {6 teligiosa de seus membros. A politica republicana, por oposi¢o ao dualismo colonial ou imperial, foi uma politica de integracio nacional. Existia no século XIX uma integracio dos melhores elementos da classe decor e falamos da ascenstio do mulato: porém, esta integragao era apenas integracdo de individuos slecionados, dei- xande fora a grande massa de negros. A politica republicana, ao contrario, foi de integracdo de todos os brasileiros sem dis. tinge: caboclos, mestigos de indios, negros, imigrantes euro- Peus ou japoneses, de criagdio ndo sé de uma comunidade de interesse, mas também e principalmente uma comunidade de crencas ¢ de sentimentos. Ora, esta homogencizacao de peasa- mentos ¢ de atitudes ia aparecer como 6 maior obstéculo a continuagao das scitas africanas. © Estado substituia agora a familia tutelar e se sua protecdo no tivesse o cardter afetivo que tinha antigo regime de patriarcado, ajudava ainda assim a metamorfose da plebe desorganizada num proletarinde cons- ciente; favorecia a inclusio do Megro no novo sistema de pro- dugio capitalista, a formagio de uma pequena burguesia de cor. Ora, todos os observadores estio de acordo em reconhecer que esta ascensio se fez em detrimento dos valores africanos. Os caracteres culturais, tais como o eandomblé e 0 culto de Janaina, passam por ser o sinal de uma condieio social humilde, esereve Hutchinson a propésito dos negros rurais, ¢ 03 que desejam se clevar socialmente fazem questo de se dissociar dos grupos que conservaram essa caracteristica.(45) Pierson faz observacbes anflogas em telagio ao negro urbano. Estudando o desenvolvimento da instrugio no povo, notando que esta istrugdo nao se faz em escolas separadas, mas em classes nas quais os negrinhos sentam-se nos mesmos. bancos que os brancos antes de se recrearem juntos no mesmo (44), © Dim desta tederacio ¢ “manter ¢ orlentar & religiso afro-brasticim. a0 interior do ritual deixado pelos antepascades”, “de evitsr & intervencio dizeta das socledades ‘filiedas nas festa do Carsiaval com objetos pertens “a federacio tera autoridade sobre ag sockc- dades Mllades & fim de quo nfo se pratique abuses ao ctlto © faa to Hto eetabelecido pelos ancestris"; amenca, n&o apenas ellminuctas de fede. ragSo, Tas ainda “caesar seu ditelto de praticar 9 culto”, sem que s6 rola, ailis, como paderla ela cxercer esse dineizo, (5) H.W. HUTCHINSON em Ch. WAGLEY, Races ef Classes dans te Brésit Rurat, p. 4 239 patio de recreio ou na rua,(**) assinala que as novas geracdes, 20 contrério das antigas, desprezam ou zombam dos candom- blés.@") Essas’ observacGes so perfeitamente justificdveis; a grande maioria das “filhas-de-santo” recruta-se ainda na massa economicamente desfavorecida e intelectualmente mais ou menos analfabeta.(*) © candomblé acha-se, pois, em presenga hoje de uma verdadeira prova de forca, mas nao podemos ainda predizer se saber4 adaptar-se a esta nova situacdo ou se pere- ceri. Entretanto, © que devemos notar, para terminar, € que hoje se encontram cada vez mais entre seus membros, advoga- dos, comerciantes ricos, artestios abonados e que scus sacer- dotes ou suas sacerdotisas sdo capazes de discutir com rara inte- ligéncia com ctndgrafos de passagem assim como de responder com sutileza as objec6es que se Ihes faz. Devemos observar também que se esse movimento de integracto prejudicou as scitas tradicionais, nfo prejudicaria as seitas mais ou menos sincréticas cujo mimero, em vez de diminuir, como yeremos, aumenta dia a dia. De qualquer maneira, no que diz respeito ao futuro ¢ nio ao presente, o candomblé ¢ outros tipos de religiao africana tém resistido a todos os caos estruturais, encontrando sempre © meio de se adaptar a novas condicées de vida ou a novas estruturas sociais; chegou 0 momento, pois, de estudé-los em suas formas atuais, (48) _D. PIERSON, “The Educational Process and the Brosilian Negro”, Amer, Journ. of Sociology, XLVI, 6, 1048, p. 692 © megs. (i) D, PIERSON, Broncos # Pretos na Hahia, pp, 80-24. (43) & CARNEIRO, Condomblés da Bahia, pp. 10-81 240 Titula do original em francés: Les Religions Africaines au Brésil Vers une sociologie des interpénétrations de civilisations © Copyright Presses Universitaires de France, 1960 Capa de Jairo Porfirio Nenhuma parte deste livro podera ser reproduzida sejam quais forem os meios empregados (mimeografia, xerox, datilografia, gravacao, reprodugao em disco ou em fita}, sem a permissao, por escrito, da Editora. Aos infratores se aplicam as sangdes previstas nos artigos 122 e 130 da Lei n° 5.988 de 14 de dezembro de 1973. 1989 Todos os direitos reservados por ENIO MATHEUS GUAZZELLI & CIA. LTDA. 02515 - Pea. Dirceu de Lima, 313 Telefone: 858-3199 - Sao Paulo Impresso no Brasil Printed in Brazil

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