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Artigos

Desenvolvimento sustentável:
paradigmas, conceitos,
dimensões e estratégias

Romilson Rodrigues 1. Introdução


Pereira é servidor do
Tribunal de Contas da O propósito deste artigo é o de contri-
União, bacharel e mestre em
buir para os debates que se seguem sobre de-
Economia pela Universidade
de Brasília (UnB), especialista
senvolvimento sustentável, em face da Rio+20
em Política e Estratégia (Conferência das Nações Unidas sobre Desen-
(UnB), Políticas Públicas volvimento Sustentável que foi realizada no Rio
(UFRJ) e em Governance de Janeiro em junho de 2012).
& Accountability (CCAF/ Para tanto, o ensaio procura mostrar
OAG – Canadá)
como se chegou até aqui, ou seja, traçar uma
linha do tempo com os principais aconteci-
mentos nesta área (Seção II), bem como dis-
correndo sobre os paradigmas (Seção III) e as
dimensões (Seção IV) do desenvolvimento sus-
tentável para, finalmente, (Seção V) concluir
pela necessidade de um instrumento prático -
uma estratégia de desenvolvimento sustentável
- que possibilite aos países e às organizações
acabar com o discurso retórico da proteção
ambiental e efetivar medidas com resultados
de curto prazo.
Neste novo milênio teve início um movi-
mento de promoção do desenvolvimento sus-
tentável (responsabilidade social e ambiental)

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Desenvolvimento sustentável: paradigmas, conceitos, dimensões e estratégias // Artigos

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por parte de empresas e governos. No âmbito mento sustentável. Na prática essa tarefa as-
do setor público, as empresas públicas e so- sume duas dimensões: (i) o setor público deve
ciedades de economia mista (principalmente) estabelecer políticas de longo alcance que cata-
começam a aderir a uma gestão que incorpora lisem o desenvolvimento sustentável (ou seja,
princípios da responsabilidade social, inclusive atuar como agente vetor do DS); (ii) ao mesmo
com publicação de balanços sociais. Há, então, tempo, ele deve prestar contas do desempenho
uma tentativa de incorporar objetivos sociais e das próprias operações em termos de susten-
ambientais às metas de eficiência econômica, tabilidade, incluindo desde a administração de
mediante ações próprias ou apoio a programas recursos humanos e das instalações, até aqui-
públicos do governo voltados para inclusão so- sição/fornecimento de bens e serviços (ou seja,
cial, erradicação da pobreza e da fome, comba- atuar como agente promotor do DS).
te à corrupção e proteção ambiental. Um dos reflexos deste novo paradigma é
O desafio atual é internalizar os con- a proposta de uma Lei de Responsabilidade So-
ceitos e práticas deste processo e verificar se cial que já começa a ser discutida no Congres-
ele efetivamente contribui para uma agenda so Nacional. Sendo um compromisso do qual
social, alicerçada nos pilares do desenvolvi- a sociedade passa a exigir de um orçamento a
mento sustentável. fim de promover um desenvolvimento efetiva-
O paradigma do desenvolvimento susten- mente sustentável e não apenas voltado para o
tável (DS) coloca órgãos e entidades governa- equilíbrio econômico-financeiro das contas pú-
mentais frente ao desafio de prestar contas à blicas. Ao mesmo tempo, busca-se uma forma
sociedade das ações com foco neste novo mo- de prestação de contas pautada por resultados
delo. A tarefa de tais entes é de liderar pelo sociais das políticas, dos programas, projetos
exemplo, à medida que demonstram progresso e atividades do setor público (eficácia e efe-
em seus objetivos em termos de desenvolvi- tividade), para que não se tenha apenas uma

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análise dos tradicionais balanços patrimonial, • 1920 – Criação da Liga das Nações
econômico e financeiro (eficiência). para promover a paz e a segurança no
Todas estas questões devem começar pós-guerra.
a fazer parte da agenda desenvolvida no pro- • 1934 – No Brasil é realizada a 1ª Conferência
cesso de elaboração, tramitação, aprovação Brasileira de Proteção à Natureza.
e fiscalização do orçamento público federal. • 1937 – Criado o 1º Parque Nacional
Tais tarefas envolvem profissionais de diver- Brasileiro, o Parque Nacional de Itatiaia.
sas áreas de conhecimento, os quais necessi- • 1945 – Criação da ONU
tam, portanto, especializar-se na temática do • 1948 – A ONU publica a Declaração dos
desenvolvimento sustentável para poderem Direitos Humanos. Criação da União
melhor atuar na prática. Internacional para a Conservação da
Natureza (UICN), por um grupo de cien-
2. Meio Ambiente e Desenvolvimento tistas vinculados à ONU.
Sustentável - Linha Do Tempo • 1949 – Realizada a Conferência Científica
da ONU sobre a Conservação e a Utilização
Ao longo do Século XX houve uma gran- de Recursos.
de transformação da relação homem com a • 1958 – Criada no Brasil a Fundação
natureza. Abaixo listamos, em ordem crono- Brasileira para a Conservação da Natureza.
lógica, os fatos mais importantes relacionados • 1960 – Formação do Clube de Roma,
com tal mudança, os quais podem ser causa e/ associação de cientistas políticos e em-
ou consequência. presários preocupados com questões
globais.
• 1962 – Publicação do livro Silent Spring
de Rachel Carlon, que contribuiu para a
criação da Agência de Proteção Ambiental
dos EUA - EPA.
• 1968 – Conferência Intergovernamental
para o Uso Racional e a Conservação da
Biosfera, organizada pela Unesco.
• 1971 – Nasce o Greenpeace.
• 1972 – Divulgação do primeiro relatório
do Clube de Roma, The Limits of Growth,
evidenciando a insustentabilidade do mo-
delo de produção e consumo vigentes.
• 1972 – Conferência de Estocolmo –
Conferência das Nações Unidas sobre o
Ambiente Humano, que como resulta-
do dá origem ao PNUMA (Unep) e ao Dia
Mundial do Meio Ambiente (5 de junho).
• 1973 – Surge o termo ecodesenvolvi-
mento, colocado como alternativa à
concepção clássica de desenvolvimen-
to, com alguns aspectos articulados por

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Ignacy Sachs, os quais abordavam prio- • 1991 – A UICN o PNUMA e o WWW lan-
ritariamente a questão da educação, da çam o documento Caring for the Earth,
participação, da preservação dos recur- ampliando o conteúdo do documento an-
sos naturais juntamente com a satisfação terior World Conservation Strategy.
das necessidades básicas. • 1992 – Conferência da ONU sobre o
• 1974 – Reunião da Conferência das ONU Meio Ambiente e Desenvolvimento
sobre Comércio e Desenvolvimento (CNUMAD), a Rio-92 ou Eco-92 ou
(UNCTD) e do PNUMA, resultou na Cúpula da Terra, saudada como o mais
Declaração de Cocoyok, afirmando que importante e promissor encontro plane-
a causa da explosão demográfica era a po- tário do século XX, com representantes
breza, que também gerava a destruição de 179 países e 100 chefes de Estado, na
desenfreada dos recursos naturais. qual foram aprovados os seguintes docu-
• 1975 - O PNUMA e 13 organizações da mentos oficiais: Declaração do Rio sobre
ONU contribuem para o aprofundamento Meio Ambiente e o Desenvolvimento;
da Declaração de Cocoyok, que gerou o de- Convenção sobre Mudanças Climáticas;
nominado Relatório Dag-Hammarskjold, Declaração de Princípios sobre Florestas;
o qual aponta a relação entre o abuso do Agenda 21 Global da ONU, na qual os
poder e os problemas de degradação am- signatários comprometeram-se a definir
biental e críticas à sociedade industrial e sua própria Agenda, fixando prioridades,
aos países industrializados. envolvendo a sociedade e o governo, pro-
• 1977 – A França cria a lei do balanço so- movendo parcerias e introduzindo meios
cial, contemplando os direitos humanos de implementação de políticas e progra-
no ambiente de trabalho. mas capazes de reverter os processos de
• 1980 – A UICN juntamente com o PNUMA insustentabilidade do modelo de desen-
e o WWF lançam o documento World volvimento em vigor no mundo.
Conservation Strategy, o qual afirma que • 1992 - O Clube de Roma publica o rela-
a conservação da natureza não poderia ser tório Além dos Limites, que apresenta
alcançada sem o desenvolvimento neces- de modo contundente os prejuízos pro-
sário para aliviar a pobreza e a miséria. vocados pelo homem no meio ambiente e
• 1983 – Criada, pelo PNUMA, a Comissão a incapacidade da natureza de se regene-
Mundial sobre Meio Ambiente e rar na mesma velocidade de degradação.
Desenvolvimento (CMMAD), por inter- • 1993 – Lançamento da certificação am-
médio da ONU, também conhecida como biental ISO 14000. É fundado o Forest
Comissão Brundtland, com o objetivo Stewardship Council (FSC) para dispor
de reexaminar os problemas críticos do sobre uso sustentável das florestas.
meio ambiente e desenvolvimento do pla- • 1996 – Criação da British Standards BS
neta e formular propostas realistas para 8800, para certificar a gestão da seguran-
solucioná-las. ça e da saúde no trabalho.
• 1986 – O desastre de Chenorbyl (na • 1997 – Surge o Global Reporting
URSS) ascende as discussões sobre os Initiative (GRI),para relatar as ativida-
perigos da energia nuclear. des sustentáveis das companhias.
• 1987 – Relatório Final da Comissão • 1999 – O Secretário-Geral da ONU,
Brundtland, Nosso Futuro Comum. Kofi Annan, lança as bases para o Pacto

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Global, primeira proposta vinda da ONU • 2 0 1 2 - R i o + 2 0 : C o n f e r ê n c i a d a s


tratando do tema responsabilidade social Nações Unidas sobre Desenvolvimento
empresarial. Lançada a AA1000, norma Sustentável - Rio de Janeiro – junho/2012.
de prestação de contas para assegurar a
qualidade da contabilidade, auditoria e 3. Paradigmas do Desenvolvimento
relato social ética nas empresas. Sustentável
• 2000 – na UNESCO foi aprovada a Carta
da Terra, apresentada e assumida pela O paradigma mestre do DS é promover
ONU em 2002, que baseada em princí- um desenvolvimento que represente efetiva-
pios e valores fundamentais, serve como mente bem-estar, justiça, cidadania e qualida-
um código ético planetário equivalen- de de vida para as atuais e futuras gerações.
te à Declaração Universal dos Direitos Para melhor entender o conceito de DS é me-
Humanos no que concerne à sustentabi- lhor separar o significado de cada termo.
lidade, à equidade e à justiça. Criação dos
Indicadores Ethos de Responsabilidade Desenvolvimento:
Social Empresarial (RSE). Lançamento
oficial do Pacto Global. Realização da • nas ciências sociais, desenvolvimento
Cúpula do Milênio, considerada a maior sugere a evolução dos sistemas so-
reunião de dirigentes mundiais de to- ciais humanos de mais simples a mais
dos os tempos, de onde saíram as Metas complexos;
do Milênio. • crescimento é condição indispensá-
• 2002 – Realização da Conferência Mundial vel para o desenvolvimento, mas não
sobre Desenvolvimento Sustentável da suficiente;
ONU, em 2002 na África do Sul (Rio+10), • desenvolvimento: crescimento dos
na qual o conceito de desenvolvimen- meios de produção, acumulação, inova-
to sustentável assume uma abordagem ção técnica e aumento da produtividade.
integrada, pois passa a incluir, além dos as-
pectos sociais, econômicos e ambientais Sustentável:
(o tradicional tripé), questões políticas
(ou político-institucional) e culturais na • sustentar: segurar, suportar, apoiar, re-
busca do equilíbrio entre as necessidades sistir, conservar, manter;
e as prioridades não somente de gerações • sustentável: capacidade de suporte do
distintas, mas também entre diferentes binômio recursos-população.
grupos e gerações no presente.
• 2002 - A Comissão de Políticas de Para se falar de sustentabilidade é pre-
Desenvolvimento Sustentável e da ciso conectar o termo à sua etimologia. A sus-
Agenda 21 Nacional (CPDS), criada por tentabilidade é a capacidade de um processo
decreto presidencial em 26/02/1997, pu- ou forma de apropriação de recursos continu-
blica o documento Agenda 21 Brasileira ar a existir por um longo período. Isso nos leva
– Ações Prioritárias com o objetivo de à expressão desenvolvimento sustentável. Por
internalizar nas políticas públicas do país sua vez, cabe distinguir os termos desenvol-
os valores e princípios do desenvolvimen- vimento sustentado e desenvolvimento sus-
to sustentável. tentável, que, frequentemente, se confundem.

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O termo desenvolvimento sustentado, Desenvolvimento sustentável – defini-


que já está em desuso, refere-se ao desenvolvi- ção clássica (Nosso Futuro Comum - WORLD
mento conquistado em período recente e que COMMISSION, 1987):
precisa vigorar, doravante, em clima previsí-
vel de crescimento com estabilidade, baseado “Desenvolvimento sustentável é um
em medidas restritivas, indispensáveis para se novo tipo de desenvolvimento capaz de
atingir novo patamar de crescimento, ao mes- manter o progresso humano não apenas
mo tempo em que é pré-condição para a con- em alguns lugares e por alguns anos, mas
tinuidade do crescimento. Tais medidas, de em todo o planeta e até um futuro lon-
ordem macroeconômica, consubstanciam‑se gínquo. É aquele que atende às necessi-
basicamente no controle da dívida pública, na dades do presente sem comprometer a
responsabilidade fiscal e no equilíbrio orça- capacidade de as gerações futuras aten-
mentário e financeiro. derem as suas próprias necessidades. É,
A expressão desenvolvimento susten- em essência, um processo de transforma-
tável, por sua vez, apresenta uma perspecti- ção no qual a exploração dos recursos,
va mais abrangente. Ele pode ser entendido a direção dos investimentos, a orienta-
como um conjunto de mudanças estruturais ção do desenvolvimento tecnológico e a
articuladas, que, dentro de um novo modelo da mudança institucional se harmonizam e
sociedade da informação e do conhecimento, reforçam o potencial presente e futuro,
internalizam a dimensão da sustentabilidade a fim de atender às necessidades e aspi-
em diversas dimensões: social, econômica, am- rações humanas”.
biental, político-institucional e cultural.
Além desta clássica definição de desen-
volvimento sustentável, podemos enumerar
as seguintes:

• Um conceito normativo que envolve


compromissos entre objetivos sociais,
ecológicos e econômicos.
• Uma nova maneira de perceber as solu-
ções para os problemas globais, que não
se reduzem apenas à degradação am-
biental, mas que incorporam dimensões
sociais, políticas e culturais, como a po-
breza e a exclusão social.
• Um processo que promove o desenvol-
vimento econômico sem deteriorar ou
prejudicar a base de recursos (humanos
e naturais) que lhe dá sus tentação.
• O mais recente conceito que relaciona
as coletivas aspirações de paz, liberdade,
melhoria das condições de vida e de um
meio ambiente saudável.

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• Um vetor no tempo de objetivos sociais 4. Dimensões do


desejáveis, tais como: incrementos de Desenvolvimento Sustentável
renda per capita, melhorias no estado
de saúde, níveis educacionais aceitá- O conceito de desenvolvimento susten-
veis, acesso aos recursos, distribuição tável surgiu no cenário global em 1987 no re-
mais eqüitativa de renda e garantia de latório “Nosso Futuro Comum”, da Comissão
maiores liberdades fundamentais. Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvi-
• Um novo paradigma de orientação dos mento da ONU. O termo DS foi, então, defini-
processos e reavaliação dos relaciona- do como o “desenvolvimento que satisfaz as
mentos da economia e da sociedade necessidades do presente sem comprometer
com a natureza, bem como das rela- a capacidade de gerações futuras de satisfazer
ções do Estado com a sociedade civil. suas próprias necessidades”. Na prática o que
• Discutir a permanência ou a durabili- se queria era que o desenvolvimento econômi-
dade da estrutura de funcionamento co levasse em conta os impactos ambientais
de todo o processo produtivo sobre o e sociais. Assim, qualquer tipo de desenvol-
qual está assentada a sociedade huma- vimento, para ser definido como sustentável,
na contemporânea. deveria incluir, por meio de uma abordagem
• A tentativa de administrar a voracida- integrada, aspectos sociais, econômicos e am-
de humana. bientais (o “tripé”).
• Administrar o nosso presente tendo A Conferência das Nações Unidas sobre
em vista o futuro dos outros, através Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio-92,
de uma arbitragem entre o desejável sediou o fórum no qual este conceito foi am-
altruísta e o possível egoísta. plamente discutido. Na ocasião, 179 chefes de
• Uma declaração moral sobre como de- Estado e de Governo assinaram a Agenda Glo-
veríamos viver sobre o planeta e uma bal da ONU, comprometendo-se a definir a pró-
descrição das características físicas e pria Agenda, fixando prioridades, envolvendo a
sociais que deveriam existir no mundo. sociedade e o governo, promovendo parcerias
• Uma estratégia por meio da qual comu- e introduzindo meios de implementação de
nidades buscam um desenvolvimento políticas e programas capazes de reverter os
que também beneficie o meio ambiente processos de insustentabilidade do modelo de
local e a qualidade de vida. desenvolvimento em vigor no mundo.
• Um importante guia para comunida- Neste início de milênio, principalmente
des que descobriram que os métodos em função da Conferência Mundial sobre De-
tradicionais de planejamento e de- senvolvimento Sustentável da ONU, realizada
senvolvimento estão criando, em vez em 2002 na África do Sul, o conceito de de-
d e r e s o l v e r, p r o b l e m a s s o c i a i s e senvolvimento sustentável assume uma abor-
ambientais. dagem integrada, pois passa a incluir, além dos
• Um conceito antropocêntrico que aspectos sociais, econômicos e ambientais (o
rompe com a antiga abordagem con- tradicional tripé), questões políticas (ou políti-
servacionista em relação aos recursos co-institucional) e culturais na busca do equilí-
naturais e com a tendência de colo- brio entre as necessidades e as prioridades não
car as outras espécies acima dos seres somente de gerações distintas, mas também
humanos. entre diferentes grupos e gerações no presen-

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Desenvolvimento sustentável: paradigmas, conceitos, dimensões e estratégias // Artigos

te. A preocupação com os aspectos políticos O Plano Plurianual 2004-2007 do Gover-


e culturais da sustentabilidade irão garantir o no Federal, igualmente, mostrou sinais de in-
equilíbrio entre as necessidades e as priorida- clusão de questões ligadas ao desenvolvimento
des de diferentes grupos ou gerações. sustentável na parte dos megaobjetivos:
No Brasil o principal reflexo disso é en-
contrado no documento oficial do Governo I. Inclusão social e redução das desigual-
Brasileiro, “Agenda 21 Brasileira – Ações Prio- dades sociais;
ritárias”, elaborado em 2002, o qual pretende II. Crescimento com geração de emprego
esboçar uma “proposta realista e exeqüível de e renda, ambientalmente sustentável e
desenvolvimento sustentável para o país, le- redutor das desigualdades regionais; e
vando-se em consideração suas restrições eco- III. Promoção e expansão da cidadania e
nômicas, políticos-institucionais e culturais”. fortalecimento da democracia.
Por sua vez, o IBGE, na publicação “Indicado-
res de Desenvolvimento Sustentável – Brasil No campo internacional diversos países
2004”, apresenta tais indicadores organizados também reformulam suas ideias sobre as di-
em quatro dimensões: “ambiental, social, eco- mensões do DS. A Agência Canadense para o
nômica e institucional”. O Ministério do Meio Desenvolvimento Internacional (CIDA), por
Ambiente (MMA) também já fala em “supera- exemplo, estabelece que as dimensões do DS
ção dos limites da intervenção ecológica para envolvam uma grande escala de atividades eco-
fazer o debate e a ação avançarem na direção nômicas, sociais, ambientais e institucionais
da sustentabilidade socioambiental, segundo os que são interdependentes e mutuamente ba-
princípios estabelecidos nas diretrizes do Mi- lanceadas. Assim, por exemplo: nenhuma ativi-
nistério do Meio Ambiente: Desenvolvimento dade econômica que degrada o meio ambiente
Sustentável, Transversalidade, Fortalecimento será sustentável; é inútil, ou seja, insustentá-
do Sistema Nacional do Meio Ambiente, Con- vel, oferecer salas de aula se as crianças têm
trole e Participação Social”. que trabalhar para ajudar na sobrevivência da

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família; nenhum programa agrícola será sus- • Sustentabilidade econômica: refere-se


tentável sem que ele planeje conscientemente ao ótimo locacional e à gestão eficiente
a inclusão diferenciada das mulheres, ou seja dos recursos, assim como a um constan-
levando em conta as necessidades específicas, te fluxo de inversões públicas e privadas
pois são elas, geralmente, o principal grupo que, necessariamente, devem ser anali-
produtivo nesta área; nenhum país consegue sadas não somente pela ótica do retorno
se livrar sozinho da pobreza se ele está lutando empresarial, mas também em termos de
para saldar dívidas internacionais ou envolvido retorno social.
em conflitos armados. • Sustentabilidade ecológica: relaciona-se
Outras instituições e autores, levando em com o uso adequado dos recursos dos di-
conta a expansão das dimensões do conceito de versos ecossistemas, com destaque para
desenvolvimento sustentável para além do tra- os produtos fósseis e resíduos de origem
dicional tripé, formularam diferentes aborda- industrial. Esse processo de simbiose
gens para a questão. Como exemplos, citam-se pode ser equilibrado por meio de tecno-
as abordagens de distintos agentes: um cien- logias apropriadas ao desenvolvimento
tista social e filósofo cristão (Leonardo Boff), urbano, rural e industrial. Define um
um ‘economista ambiental’ (Ignacy Sachs), um arcabouço institucional ajustando o de-
grupo empresarial multinacional (Grupo Arce- senho das instituições a um novo modelo
lor) e um pesquisador da área de Administra- de proteção dos recursos naturais.
ção (Hans Michael Van Bellen): • Sustentabilidade espacial: é adquirida a
partir da equidade distributiva territorial
5. Leonardo Boff dos aglomerados humanos e econômi-
cos, objetivando minimizar o impacto
• Ecologia Ambiental: ser humano integra- das regiões metropolitanas, proteger os
do ao meio ambiente. ecossistemas frágeis e instituir unidades
• Ecologia Social: priorizar o saneamen- de reservas naturais a fim de proteger a
to básico, a rede escolar e o combate à biodiversidade.
injustiça. • Sustentabilidade cultural: inclui soluções
• Ecologia Mental: nova ética, nova rela- criativas para o conceito de ecodesenvol-
ção com a natureza (não destrutiva e vimento, por meio de soluções específicas
benevolente). que possibilitem a continuidade cultural,
• Ecologia Integral: não separação entre a contemplando-se a região, sua cultura e
terra e a humanidade; seres humanos são ecossistema.
seres universais. • Sustentabilidade ambiental: consiste em
se respeitar a capacidade de suporte, re-
6. Ignacy Sachs sistência e resiliência dos ecossistemas.
• Sustentabilidade política nacional: ba-
• Sustentabilidade social: parte do princí- seada na democracia e no respeito aos
pio da justiça social, ou seja, embasa-se direitos humanos, de modo que o Estado
nos conceitos de melhor distribuição de implemente um projeto nacional em par-
renda e de bens, de modo a permitir a re- ceria com todos os atores desse processo.
dução das diferenças nos padrões de vida • Sustentabilidade política internacional:
entre as classes sociais. consiste na aplicação do princípio da

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precaução na gestão dos ativos ambien- • Visão Cultural da Sustentabilidade: um


tais, assim como em garantir a paz entre sopro de criatividade resgata o passado
as nações e promover a cooperação inter- e finca raízes referenciais ao dar forma
nacional nas áreas financeira e de ciência ao barro; a habilidade repassada susten-
e tecnologia. ta a tradição, esculpindo alternativas de
inclusão. Assegurar a perpetuação de cul-
7. Grupo Arcelor turas não significa isolá-las; sobretudo,
integrá-las e conservá-las, como uma ma-
• Visão Econômica da Sustentabilidade: lha imprescindível na tapeçaria plural da
a atividade econômica é a base do de- diversidade.
senvolvimento sustentável. Porém, é • Visão Espiritual da Sustentabilidade:
imprescindível o equilíbrio entre homem, resgatar as raízes emocionais da respon-
negócio e natureza. Não existe susten- sabilidade nos remete à compaixão e à
tabilidade em sociedades improdutivas. certeza de que tudo merece existir. Olhar
Mas qualquer iniciativa deve primar pela as partes e o todo é uma forma de ver Deus.
harmonia entre as duas grandes Ecos: Religiosidade é método. Espiritualidade é
Economia e Ecologia. vivência É possível ser religioso sem ser
• Visão Ambiental da Sustentabilidade: a espiritual. Mas será sustentável apenas a
sustentação dos recursos naturais só de- intenção orientada pela Luz.
pende de uma coisa: atitude. Aprimorar,
continuamente, as relações com o corpo
que nos cerca, o meio em que vivemos
e as pessoas à nossa volta é a melhor
forma de evitar a aridez da consciência
ambiental.
• Visão Social da Sustentabilidade: a res-
ponsabilidade deve começar dentro de
casa, oferecendo oportunidades a todas
as formas de organização, focadas na
produtividade. Podemos olhar divisões
geopolíticas, etnias, minorias, diferenças,
ou ver, através delas, o mosaico do respei-
to que brinda ao convívio e à harmonia
ao unificar visões.
• Visão Política da Sustentabilidade: a teia
da vida requer uma ação em rede, multi-
plicando recursos, mobilizando pessoas e
instituições, promovendo a abrangência e
a autossustentação. A certeza do amanhã
depende de gestão. O interesse de quem
governa deve elevar o bem comum aci-
ma de qualquer interesse que significar
descontinuidade.

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8. Hans Michael Van Bellen em que se melhora a qualidade de vida


das pessoas.
• Sustentabilidade da perspectiva econô- • Sustentabilidade da perspectiva cul-
mica: abrange alocação e distribuição tural: está relacionada ao caminho da
eficiente dos recursos naturais dentro de modernização sem o rompimento da
uma escala apropriada; o mundo é visto identidade cultural dentro de contextos
em termos de estoque e fluxo de capital: espaciais específicos.
monetário ou econômico, ambiental e/
ou natural, humano e social. Acontece, porém, que a problemática
• Sustentabilidade da perspectiva social: a do DS no âmbito governamental ficou redu-
ênfase é dada à presença do ser humano zida a planos e agendas que, na maioria das
na ecosfera; a preocupação maior é com vezes, eram mera retórica. Na ocasião da Con-
o bem-estar humano, a condição huma- ferência da ONU de 2002 (World Summit on
na e os meios utilizados para aumentar Sustainable Development), por exemplo, foi
a qualidade de vida dessa condição. verificado que, desde a Rio 92, na prática pou-
• Sustentabilidade da perspectiva ambien- co se tinha avançado nos compromissos feitos
tal: a principal preocupação é relativa há dez anos.
aos impactos das atividades humanas A dificuldade parece ter sido trazer o
sobre o meio ambiente. conceito global de DS para os níveis nacio-
• Sustentabilidade da perspectiva geográ- nal regional, local e, finalmente, organizacio-
fica: pode ser alcançada por meio de uma nal (institucional), onde as coisas realmente
melhor distribuição dos assentamentos acontecem. Ou seja, no fundo, havia um pro-
humanos e das atividades econômicas; blema em se levar o conceito do discurso (te-
deve-se procurar uma configuração ru- oria) à prática.
ral-urbana mais adequada para proteger As dimensões espaciais do desenvolvi-
a diversidade biológica, ao mesmo tempo mento sustentável, locus receptivo da ação

FIGURA 1 Regional
Dimensões Espaciais
do Desenvolvimento Os blocos
Sustentável regionais

Global Nacional
A Terra As nações

Organizacional Local
Organizações As cidades e
públicas e privadas as comunidades
de qualquer
natureza

112 Revista do TCU 125


Desenvolvimento sustentável: paradigmas, conceitos, dimensões e estratégias // Artigos

Ambiental
FIGURA 2
Dimensões Conceituais Preservação
da Sustentabilidade e uso equilibrado
dos recursos
ambientais.
Social
Econômica Bem-estar social,
Eficiência, qualidade de vida, inclusão
eficácia e economia social, relação responsiva
dos processos. mútua nas relações de
trabalho.

Local
Governança,
Organizacional democracia, capacidade
Respeito às institucional, fortalecimento
diversidades culturais, da sociedade civil, garantia
raciais e de gênero. e ampliação de direitos
humanos.

(Figura 1), que não se confundem com as di- dimensões que o cidadão tem oportunidade
mensões (pilares) conceituais (Figura 2, in- efetiva de participação.
fra) precisam ser bem delimitadas para que
se tenha uma noção clara de onde ocorre o 9. CONCLUSÃO: A ESTRATÉGIA
impacto principal da ação executada/planeja- DE DESENVOLVIMENTO
da. Uma ação que intenta promover o desen- SUSTENTÁVEL (EDS)
volvimento sustentável pode ter um impacto
num locus diferente do planejado, o que pode Uma EDS, a exemplo da Agenda 21 Bra-
levar o agente à errônea percepção de que sileira, é uma plataforma de ação definida
não houve sucesso, quando na verdade a con- consensualmente com setores importantes
tribuição da ação está sendo efetiva para o do Estado (lideranças do Poder Executivo,
DS, porém numa perspectiva diferente. Por Legislativo e Judiciário), do mercado (or-
exemplo, uma organização com atividades que ganizações produtivas) e da sociedade civil
contribuem basicamente para o DS organiza- (comunidade científica, ONGs) para que a
cional pode achar que não necessita de uma estratégia nacional para o desenvolvimento
estratégia de desenvolvimento sustentável passe a ser orientada pelos princípios do DS.
porque entende, erroneamente, que não está Ela pode ser considerada única opção capaz
ao seu alcance tal empreitada. A concepção de compatibilizar os interesses das gerações
holística do DS implica que as dimensões es- presentes e futuras, pois tem como objetivo:
paciais estão interligadas e desmitifica a idéia internalizar, nas políticas públicas do país e
de que o DS está a cargo apenas das nações ou em suas prioridades regionais e locais, os va-
de organismos supranacionais. Na verdade, o lores e princípios do DS.
locus mais importante da sua ocorrência está Em um nível organizacional uma EDS
nas instituições públicas e privadas de qual- pode ser tida como um mapa de valores e prin-
quer natureza (organizacional), seguido das cípios que direcionam as atividades de uma
cidades e comunidades (local), pois são nestas organização de forma a que o progresso não

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ocorra com desrespeito ao direito de gerações A conferência do Rio em 1992 foi uma
futuras e de terceiros nos aspectos ambientais, grande conquista da legislação ambien-
sociais, políticos, culturais e econômicos. É tal internacional. Três grandes tratados
um programa participativo (o que pressupõe ambientais saíram de lá: a Convenção do
voluntariedade e consenso) que, inicialmente, Clima, a da Biodiversidade e a do Comba-
analisa a situação da instituição, com base em te à Desertificação. Quando olhamos para
parâmetros de sustentabilidade, e estabelece tudo isso 20 anos depois, temos três fun-
mecanismos e condições para que as ações damentos da lei internacional, mas sem
presentes e futuras sejam executadas de forma muito resultado. A mudança climática
sustentável, ou seja, conciliando proteção am- piorou dramaticamente e não temos um
biental, justiça social, respeito às diversidades arcabouço no qual trabalhar. Registramos
culturais, estabilidade política e eficiência, perdas gigantes em biodiversidade e en-
eficácia e economia dos processos, sempre de frentamos secas cada vez mais fortes nas
uma forma integrada. regiões áridas. Acho que é justo dizer que
A EDS, todavia, precisa ser um docu- nos últimos 20 anos houve muito debate
mento vivo que deve ser incorporado ao co- sobre legislação e acordos, mas não muito
tidiano das organizações. Caso contrário, ele progresso em ações concretas. Penso que
será mais uma das inúmeras cartas de “boas” teríamos de sair da Rio+20 com caminhos
intenções que, ao final, não levam a nada, nem práticos. Em outras palavras: esses proble-
sequer se transformam numa boa estratégia mas não devem ser deixados mais ao crivo
de marketing organizacional. “É disso que se de advogados. É preciso encontrar aborda-
trata”, como bem nos lembra do outra Sachs gens de desenvolvimento sustentável que
(o Jeffrey) neste trecho da entrevista ao Jornal façam sentido, que sejam mensuráveis e
Valor Econômico: possíveis de replicar. É disso que se trata.

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Desenvolvimento sustentável: paradigmas, conceitos, dimensões e estratégias // Artigos

Referências

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