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DEMOCRACIA COSMOPOLITA:

déficits conceituais e
equívocos políticos*

Sérgio Costa

Früher wurden in Revolutionen Bahnhöfe be- dos Estados Unidos e da Inglaterra ao Iraque
setzt, heute besetzen wir Begriffe aprofundam as ameaças de ruptura do frágil con-
[Antigamente, nas revoluções, as estações de
senso em favor da manutenção da paz, criando
trem eram ocupadas,
hoje ocupamos conceitos].
um fosso intransponível entre povos e culturas.
Se no plano político, o cenário é sombrio, o
Heiner Geißler1 dano observado entre correntes que vinham se
transformando no mainstream da teoria política
As duras feridas na ordem mundial abertas contemporânea não foi menor. Trata-se aqui dos
pelo ataque terrorista aos Estados Unidos ainda diferentes aportes que, fraseando suas teses de
levarão muito tempo para se cicatrizar. A bem da formas diversas, convergiam em apontar a con-
verdade, os movimentos mais recentes e a guerra fluência para uma paz duradoura nos termos de
uma ordem mundial cosmopolita. Os aconteci-
mentos recentes trouxeram à tona a evidência de
* Versões anteriores desse trabalho foram apresenta-
das em workshop em Florianópolis em outubro de que as teorias da democracia cosmopolita se
2002 e, em seguida, no XXV Encontro da Anpocs. equilibram, analiticamente, sobre um conjunto
Agradeço as criticas e sugestões recebidas nessas frágil de conceitos. Politicamente, seu motor é um
ocasiões. A responsabilidade pelas deficiências re-
manescentes é, naturalmente, minha. wishful thinking, levado ao paroxismo, que trans-
forma o imperativo categórico da ordem cosmo-
Artigo recebido em outubro/2002
Aprovado em abril/2003 polita em materialidade empírica e o dever ser da

RBCS Vol. 18 nº. 53 outubro/2003


20 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

justiça além fronteiras no ser generalizado de pes- lítica global dos direitos humanos ou a uma políti-
soas e Estados nacionais altruístas. ca mundial para o meio ambiente representa uma
Em sua vertente mais explícita, a defesa da armadilha retórica, criada no bojo das relações de
democracia cosmopolita proclamou, no âmbito poder Norte/Sul, com o propósito de manter e le-
do paradigma da modernização reflexiva, a com- gitimar o jogo desigual de exploração dos países
pletude do projeto moderno. Para autores como pobres pelos ricos. Entendeu-se que, a despeito de
Giddens (2000) e Beck (1999, p. 319), “a jaula da possíveis instrumentalizações ideológicas, as trans-
modernidade se abriu”, libertando-se dela o espí- formações efetivas ocorridas levaram à necessida-
rito reflexivo que governaria o mundo sob a égi- de de uma revisão da chamada Paz de Westfália,
de de uma ética universal.2 que consolidou, no século XVII, a ordem dos Esta-
A tese da democracia cosmopolita recebeu, dos-Nação (ver McGrew, 1997).
desde os anos de 1990, formulações muito diversas Trata-se aqui de um feixe de processos si-
e não faria jus à abrangência e à complexidade multâneos que atingem de forma variável, mas
desses diferentes aportes, resumi-los e descartá-los, inevitável, todos os grupos demográficos em to-
genericamente, desconsiderando seus nexos inter- das as regiões do mundo e nos diferentes campos
nos e as diferenças que os separa. No âmbito des- da topografia social.
te artigo, o percurso seguido será outro. Primeiro, Na esfera da economia, sabe-se que a inter-
procurar-se-á delinear, brevemente, os contornos penetração das diversas partes do mundo remon-
mínimos do projeto ou dos projetos teóricos da de- ta à descoberta da América – ou é até mais antiga
mocracia cosmopolita. Em seguida, tomam-se dois do que esta, a depender da perspectiva adotada.
elementos recorrentes nas diferentes contribui- Igualmente conhecidos são os números vigorosos
ções, a saber, a aposta numa “sociedade civil mun- do comércio e dos fluxos financeiros internacio-
dial” e numa ética universal dos direitos humanos. nais observados já na virada para o século XX,
A intenção é mostrar como as formulações assen- concomitante à chamada pax britannica. Entre-
tam-se sobre uma premissa problemática: confere- tanto, nos anos recentes, configurou-se, pela pri-
se, em ambos os casos, implícita ou explicitamen- meira vez, aquilo que pode ser denominado uma
te uma anterioridade ontológica e histórica às economia mundial, conceito que tem um sentido
chamadas sociedades do Atlântico Norte na pro- preciso: significa não apenas que os diferentes
dução da ordem cosmopolita, como se estas deti- países intercambiam produtos, serviços e capitais,
vessem o monopólio de produção dos ingredien- mas que o conjunto da superfície terrestre, exce-
tes considerados básicos para a democracia tuadas muito poucas regiões, tornou-se uma plata-
mundial, tese que é, empiricamente, infundada e, forma da acumulação e reprodução capitalista,
politicamente, inoportuna. não apenas em seu sentido financeiro, mas tam-
bém naquilo que concerne ao capital produtivo.
Isso significa que, para os cálculos locacionais, as
Democracia cosmopolita: fronteiras dos Estados-Nação perderam sua rele-
contornos mínimos vância, o que conta é apenas o trade-off risco/re-
muneração observado nas diferentes possibilida-
O temor e a suspeita, presentes até muito re- des de investimento. Com isso, o Estado-Nação
centemente entre vários autores e lideranças políti- não perde inteiramente sua função reguladora so-
cas, de que a alusão à necessidade de relativizar o bre a economia, afinal continua mantendo o con-
princípio da soberania nacional em favor de uma trole sobre um fator que, a despeito de todas as
visão transnacional da política constituía, na verda- inovações, ainda é decisivo para a produção de
de, um mero estratagema ideológico para justificar bens e serviços, a saber, o trabalho. No mínimo, o
novas formas de imperialismo, parecem finalmen- Estado mostra-se, portanto, presente ao construir
te dissipados. Assim, são, afortunadamente, poucos muralhas – algumas vezes físicas – à globalização
os que seguem acreditando que o apelo a uma po- da força de trabalho. Não obstante, aquela possi-
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bilidade de impor regulações efetivas ao capital, sibilidades de comunicação e circulação permi-


permitindo-se que, por meio do Estado, sejam tem os contatos permanentes dos imigrantes com
conduzidas políticas redistributivas efetivas, sim- suas regiões de origem, perdendo a integração
plesmente não existe mais. No limite, se for pre- social ao país de adoção sua compulsoriedade.
mido por restrições e regulações, o capital migra- O terceiro fator que favorece a pluralização
rá gerando desemprego e falta de legitimidade aos cultural no interior dos Estados-Nação são as mo-
governos nacionais que o queiram controlar. bilizações sociais transnacionais e os intercâmbios
Tais mudanças na economia associadas à comunicativos entre grupos sociais de diferentes
construção – factual e discursiva – de ameaças regiões do mundo. O incremento das trocas mate-
globais (ambientais, terroristas, bélicas etc.) levam riais e simbólicas para além das fronteiras da na-
ao deslocamento – até a completa suspensão – da ção leva à condensação e à difusão de novos esti-
fronteira entre política interna e externa (Beck, los de vida e novas visões de mundo, assim como
1998). Tornou-se evidente que nenhum Estado ao descolamento ou à desterritorialização das di-
Nacional individual pode garantir segurança e versas manifestações culturais de seus loci de ori-
bem-estar à sua população, se não puder cons- gem. Assim, da mesma forma como os jovens da
truir as condições externas, vale dizer internacio- periferia paulistana recriam no Brasil o hip hop,
nais, para a existência desses.3 em Moçambique, o incipiente movimento de mu-
Internamente, os Estados-Nação passam tam- lheres procura fazer valer a eqüidade de gênero,
bém por transformações profundas. Em primeiro em consonância com os direitos conquistados pe-
lugar, a pressão homogeneizadora de uma cultura las feministas européias ou norte-americanas.
mundial global leva ao aparecimento de movimen- Apresentadas nessa forma muito resumida, é
tos de resistência cultural regionais que, de forma essa ampla reconfiguração das relações econômi-
reativa, revivificam e buscam difundir as identida- cas, políticas e sociais que, evidentemente, não
des locais, estabelecendo conexões e relações com tornam o Estado-Nação obsoleto, mas o redefinem
o resto do mundo que prescindem da mediação funcionalmente, que constitui a base empírica da
nacional.4 Em segundo, os cada vez mais intensos qual partem os defensores do projeto de uma de-
movimentos migratórios do sul para o norte recon- mocracia cosmopolita. É precisamente esse com-
figuram as democracias maduras, confrontando-as, plexo deslocamento das fronteiras da economia,
nos casos bem-sucedidos, com uma pluralidade de da cultura e da política que originaria o esforço re-
caráter novo ou realimentando, entre seus mem- cente de se buscar formas de “governar para além
bros, nos casos mais problemáticos, regressões na- das fronteiras do Estado-Nação”, conforme o títu-
cionalistas e segregacionistas. lo sugestivo de Zürn (1998).
Ressalte-se que os movimentos migratórios Se o diagnóstico de época que os alimenta
contemporâneos têm natureza distinta daqueles é, em grande medida, comum, os projetos de de-
que levaram ao deslocamento de milhões de eu- mocracia cosmopolita já em circulação são, como
ropeus para as Américas no período anterior às se afirmou acima, muito variados, incluindo des-
guerras. Tratava-se, naqueles casos, da interrup- de o mero fortalecimento dos organismos multila-
ção praticamente definitiva dos contatos com o terais até um translocalismo basista com vistas a
lugar de origem, num contexto em que as políti- criar, a partir da eticidade comunitária, os termos
cas de completa assimilação ao país de adoção, de uma ordem mundial cosmopolita justa.
seja pela pressão moral, seja pela simples coer- Roland Roth (2001) coligiu, recentemente, as
ção, eram aceitas como legítimas.5 Nos dias que diferentes contribuições e concepções ao tema da
correm, há pressões de toda ordem contra a im- democracia cosmopolita numa classificação preli-
plementação de políticas assimilacionistas e, em minar, a qual procura-se reorganizar e completar
muitas sociedades, a valorização da diversidade no Quadro 1, de sorte a oferecer uma idéia apro-
cultural e o elogio da diferença dão o tom das po- ximativa da diversidade e da multiplicidade dos
líticas culturais. Ao mesmo tempo, as novas pos- termos do debate em curso.
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Observe-se que as diferentes correntes e plicidade de modelos interpretativos, narrativas e


princípios identificados no quadro não são mu- expectativas normativas que um marxismo debili-
tuamente excludentes: tanto pode haver instru- tado” não conseguia mais decodificar.
mentos que se repetem em diversas visões, como Assim, a polissemia do termo civil permitiu
combinações, nas formulações de um mesmo au- que, a partir do final dos anos de 1970, a socieda-
tor, de elementos de correntes aqui tratadas como de civil se tornasse sinônimo, em países assolados
distintas. O sentido do quadro é apenas diferen- pela guerra (civil, diga-se) na África subsaariana e
ciar ênfases, razão pela qual se renuncia aqui a na América Central, de “algo contrário aos atores
uma explicação detalhada de seus termos. Para da guerra” (Centro de Estudos Africanos, 2002). Em
nossos objetivos, o que parece mais relevante é muitos desses casos, a retórica da sociedade civil
detalhar aspectos não explicitados dos modelos. permitiu juntar inimigos irreconciliáveis em torno
dos programas de pacificação (Kurtenbach, 2000).
Na América do Sul, o termo civil foi tomado
Sociedade civil global: implausível e como uma oposição a militar, prestando-se de li-
indesejada gadura à aliança que reunia parceiros pouco pro-
váveis, como empresários e sindicalistas, setores
Sociedade civil na constelação nacional da igreja progressista e movimentos de gênero ou
movimentos étnicos e nacionalistas de esquerda
O conceito de sociedade civil percorreu uma (Costa, 1997). No Leste Europeu, civil significou
trajetória teórica e política absolutamente ímpar não-estatal, nomeando-se com o termo os poucos
nos anos recentes. Redescoberto, simultaneamen- campos da vida social que se mantinham preser-
te, ou com pequenas diferenças temporais, em di- vados da influência do Estado socialista onipre-
ferentes contextos, o conceito acabou prestando- sente. Aqui, a sociedade civil não ia, portanto,
se a objetivos muito diversos, cumprindo em muito além da vida privada e da religião (Cohen
quase todos os casos a promessa política que tra- e Arato, 1992, pp. 32 ss.).
zia consigo. Em geral, o conceito pôde, como Nos Estados Unidos, em contrapartida, civil
mostra Dubiel (2001, p. 135), “abarcar uma multi- adquiriu, tanto na versão liberal como na visão co-

Quadro 1
Visões da Democracia Cosmopolita6

TIPO PRINCÍPIO/INSTRUMENTO REPRESENTANTES


GOVERNO MUNDIAL Estado mundial federado, no qual Otfried Höffe (2002)
cada um dos Estados nacionais existentes
constitui uma unidade da federação.
POLÍTICA INTERNA MUNDIAL Ampliação das estruturas de produção da Jürgen Habermas (1998),
governança global (regimes, ONGs etc.) Michael Zürn (1998)
sem governo mundial.
Internacionalismo Fortalecimendo da ONU e das articulações Mark Imber (1997)
liberal/democrático entre os Estados nacionais
Comunitarismo Radical “Going local”: defesa de um “basismo” Michael Shuman (1998)
associado a um federalismo translocal.
“Cidadanismo” Institucionalização de um direito cosmopolita, David Held (1995)
mundial fundado nos direitos humanos, na sociedade Anthony McGrew (1997)
civil global e na regulação global da economia.
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munitarista, o sentido de virtude pública, nomean- Sociedade civil worldwide


do o mínimo de altruísmo necessário para manter
a reprodução da ordem liberal num contexto de Para os democratas cosmopolitas, a socieda-
pluralismo de valores (Walzer, 1991; Shils, 1991). de civil global ganha sua plausibilidade empírica a
Nas democracias européias, o conceito assumiu partir da emergência de incontáveis atores não es-
uma feição distinta de todas as anteriores. Civil tatais que se encontram em Porto Alegre, Seattle
tornou-se oposição a burocrático, desvitalizado, ou Gênova para tratar de questões que não po-
inflexível, características atribuídas ao Estado de dem ser associadas a uma constelação nacional
bem-estar social, o qual cabia à sociedade civil re- particular, conforme atestam os casos das reivindi-
formar (Keane, 1988). cações por uma justiça social global ou pela pre-
No plano analítico, a reconstrução do con- servação da biodiversidade. Do ponto de vista das
ceito segue uma lógica igualmente autônoma e expectativas políticas e normativas, a sociedade ci-
descentralizada. Em consonância com os objeti- vil mundial ocupa, nos variados aportes à demo-
vos políticos colimados e a partir do repertório cracia cosmopolita, papéis distinto.7
teórico disponível em cada contexto, valeu-se al- Na versão mais moderada, a função atribuída
gumas vezes de Hegel e Marx, em outros casos de à sociedade civil se restringe à participação nos fó-
Tocqueville e Durkheim ou Gramsci e Arendt, runs consultivos e deliberativos existentes ou a se-
para delinear, em cada caso particular, o conceito rem constituídos globalmente, seguindo a lógica da
de sociedade civil que parecesse mais adequado. criação de “regimes” internacionais (convenções
Só mesmo ao final dos anos de 1980, o conceito do clima, biodiversidade, drogas etc.). Os repre-
ganharia, com o trabalho de Cohen e Arato, uma sentantes da “sociedade civil mundial” defende-
interpretação hegemônica, que busca dialogar riam, nesses fóruns, interesses e pontos de vista do
com as diferentes vertentes que haviam procura- conjunto da sociedade mundial, em oposição à vi-
do reinventá-lo nos anos anteriores. Permita-se são particularista das grandes corporações e mes-
aqui relembrar um breve momento da reintepre- mo dos Estados nacionais (Vieira, 2001).
tação feita por esses autores do modelo de dois Uma versão mais enfática da democracia cos-
níveis de sociedade de J. Habermas, já que a pas- mopolita atribui aos atores da sociedade civil glo-
sagem é fundamental para o argumento desenvol- bal o poder de imprimir, na política mundial, um
vido a seguir. impulso democratizante semelhante àquele que as
Trata-se da definição proposta por Cohen e sociedades civis nacionais injetaram em diferentes
Arato, segundo a qual a sociedade civil correspon- países. Nessa visão, a sociedade civil mundial cos-
de à dimensão institucional do mundo da vida turaria os laços de uma integração societária glo-
(em contraste com sua dimensão lingüístico-sim- bal num momento em que, sistemicamente, o
bólica) e abrange, assim, as estruturas “cuja tarefa mundo é, de fato, uno (Habermas, 2001, pp. 17
é preservar e renovar as tradições, as solidarieda- ss.; Brunkhorst, 2002, pp. 171 ss.).
des e as identidades” (1989, p. 495). Recorde-se, A importância política das novas formas de
ainda, que Habermas incorpora a definição dos mobilização transnacional é indiscutível. Contudo,
autores a seu modelo discursivo da democracia, compará-las às sociedades civis nacionais parece,
atribuindo à sociedade civil um caráter duplo. No por várias razões, um procedimento não autoriza-
plano cultural, a sociedade civil atuaria, conforme do. Caso se tome, por exemplo, o mencionado ca-
Habermas, defensivamente, como locus de forma- ráter bidimensional da sociedade civil, fica eviden-
ção de uma opinião pública ancorada no mundo te que falta à sociedade civil global a dimensão
da vida. No plano político, caberia à sociedade ci- cultural/defensiva. Falta, ressalte-se, o ancoramen-
vil a função ofensiva de, ao lado do direito, atuar to no mundo da vida, aquela caraterística que as-
como um decodificador que verte as demandas segura precisamente o caráter democrático/demo-
nascidas no cotidiano para a linguagem sistêmica cratizante da sociedade civil. Ou seja, se deve
da política institucionalizada. caber mesmo à sociedade civil manter e reprodu-
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zir o repertório de tradições, solidariedades e de informações e experiências entre um conjunto


identidades no interior da nação, há que se per- reduzido de ativistas políticos que se incumbem
guntar: quais são, propriamente, as representações então de fazer com que os temas discutidos com
e os valores que caberá à sociedade civil global os colegas de diferentes países circulem nas res-
preservar? Afinal, não existe um mundo da vida pectivas esferas públicas nacionais. A forma, con-
mundial, a partir do qual situações-problema de- tudo, como tais temas são discutidos internamen-
tectadas por uma sociedade civil global possam te em cada país segue uma dinâmica própria,
ser lançadas a uma esfera pública mundial. determinada por fatores nacionais, como o nível
Sociedade civil – assim como esfera pública –, de articulação dos atores sociais responsáveis
antes de serem categorias da teoria da democracia, pela difusão do tema, o grau de integração inter-
são conceitos da história social e se referem, em nacional da mídia nacional, o interesse do gover-
cada contexto nacional particular, a uma trajetória no nacional em incorporar o tema em questão à
própria e específica. Como se sabe, as sociedades sua agenda etc.
civis (e as esferas públicas) formam-se no âmbito O conceito de sociedade civil global é equí-
de processos extremamente complexos que acom- voco porque sugere que está se formando uma
panham o aparecimento das nações modernas agenda social a partir das experiências acumula-
como “comunidades imaginadas” e são indissociá- das nas diferentes regiões do mundo e, mais, que
veis, nesse sentido, do aparecimento das estrutu- tal agenda permanece submetida ao crivo de
ras comunicativas de abrangência nacional (meios uma esfera pública mundial porosa e democráti-
de comunicação supralocais, sistema escolar unifi- ca. Na verdade, a retórica da democracia cosmo-
cado etc.), assim como das grandes narrativas (bé- polita acaba ocultando a distribuição desigual de
licas, históricas etc.) que culminam com a forma- chances e de poder que reina na Realpolitik mun-
ção de um público nacional com interesses dial. Como mostra Roth:
compartilhados (Costa, 2003a).
Naturalmente, não se verificou nem está se O discurso que trata de redes e nós não pode en-
verificando, no âmbito global, um processo seme- cobrir o fato de que, na cooperação transnacional
lhante. No lugar de uma sociedade civil global, as entre ONGs e mesmo nas ONGs transnacionais, a
distribuição de influência, poder, recursos, pes-
mobilizações transnacionais de atores não estatais
soal e temas apresenta um claro desnível norte-
conformam uma gama variada de redes temáticas
sul. [...] Isso vale não apenas para os quadros de
fragmentadas. Os problemas aí discutidos não con- pessoal e estruturas de decisão, mas também para
vergem para o estabelecimento de uma comunica- a escolha das campanhas, as quais são feitas sob
ção global, envolvendo um público mundial. São medida para atender o gosto do público genero-
tratados, ao contrário, em espaços comunicativos so da OCDE (2001, p. 9).
transnacionais segmentados, aos quais só tem aces-
so aquela elite de militantes internacionalizada. Essa passagem responde, de certa maneira, à
Discutidas transnacionalmente por um gru- questão levantada, relativa às tradições, identida-
po restrito de ativistas, é por meio das estruturas des e solidariedades que a suposta sociedade civil
das esferas públicas nacionais que as questões mundial deveria preservar. Com efeito, a nova
tratadas nesses contextos comunicativos transna- agenda social global decorre, fundamentalmente,
cionais ganham repercussão, apresentando em das experiências de umas poucas sociedades civis
cada país uma lógica nacional própria. Por exem- nacionais que dominam o mundo global das
plo, quando, por ocasião de uma conferência de ONGs. Assim, o risco sério que corre o programa
cúpula, determinados temas entram simultanea- de uma democracia cosmopolita que tenha susten-
mente nas agendas de diferentes esferas públicas tação na sociedade civil global é o de buscar di-
nacionais, o que se verifica não é um intercâmbio fundir, mundialmente, as experiências, as formas
comunicativo entre as populações das diferentes de percepção e os valores de uma meia dúzia de
regiões do mundo. Há, nesses casos, uma troca sociedades civis específicas. Esse risco abstrato ga-
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nha contornos claros na forma como muitos auto- seu processo de desenvolvimento moral, encurtan-
res buscam justificar a implementação de uma po- do o tempo de sofrimento da população que ain-
lítica mundial de direitos humanos. da está privada do acesso aos direitos “universais”.
O paralelo entre tal visão e uma teoria da
A universalidade dos direitos humanos modernização à la Parsons, dominante até os
anos de 1970, é inevitável. Como se sabe, essa
Ao declarar, sua guerra incansável ao “eixo teoria caracterizava as sociedades localizadas na
do mal”, Bush acabou externando, por descuido região do Atlântico Norte como uma espécie de
político, várias das fragilidades teóricas presentes ponto de chegada da história moderna, cabendo
nos aportes à democracia cosmopolita. Sem dúvi- reformar as instituições e as estruturas vigentes
da, a declaração simbólica de guerra dividia o no “resto” do mundo, à sua imagem e semelhan-
mundo em duas partes, estabelecendo de saída, ça, de sorte que todos pudessem ter acesso ao
como verdade ontológica, a que representava o progresso material e à racionalidade axiológica
bem e a que representava o mal. A justificativa supostamente reinantes no hemisfério norte.8 No
para buscar fazer valer o catálogo ocidental de di- presente, as visões da democracia cosmopolita
reitos humanos em todas as regiões do mundo, prescrevem uma reforma ainda mais profunda e
construída pelos teóricos da democracia cosmo- uma intervenção ainda mais direta nas regiões
polita, mesmo que menos grosseira, não difere, “atrasadas”: a modernização deve atingir as bases
em sua natureza, da perspectiva de Bush. Em am- morais de tais sociedades.
bos os casos, constrói-se uma história teleológica, O argumento mais recorrente contra a plau-
segundo a qual aquele conjunto de sociedades sibilidade da universalização dos direitos huma-
que se industrializou pioneiramente constitui um nos, nos termos propostos pelos democratas cos-
bastião de valores, instituições e formas de vida mopolitas, provém da corrente “realista”, presente
moralmente mais avançados. Nesse raciocínio, no campo disciplinar das relações internacionais
não haveria razões para deixar os quatro quintos (Giesen, 2000). Conforme esses autores, a pauta
da população do mundo que vivem nas demais dos direitos humanos não pode ser separada do
regiões do globo privados de tal iniludível evolu- jogo real e das relações assimétricas de poder na
ção (ver Habermas, 1998; para uma crítica, ver arena internacional. Em outras palavras, as dispu-
Costa, 2003b). tas entre os países configura uma ordem hobbesia-
Em sua discussão com críticos que se opõem na, na qual cada Estado-Nação busca fazer valer
à universalização dos direitos humanos em nome seus interesses próprios, recorrendo, se for o caso
da preservação imperativa de particularidades e por puro oportunismo, à alusão retórica a valo-
culturais, Habermas leva ao paroxismo tal visão. res universais. Tratar-se-ia, portanto, de um novo
Segundo o autor: imperialismo cultural que só legitima e faz crescer
o poder dos países ricos.
Hoje as outras culturas e religiões do mundo do Um argumento realista adicional enfatiza a in-
mundo estão expostas aos desafios da moderni-
fluência do complexo industrial-militar nas relações
dade societária de forma semelhante àquela que
internacionais, que faz com que as “intervenções
esteve a Europa, em seu devido tempo, quando
os direitos humanos e o Estado de direito demo- bélicas humanitárias”, independentemente de sua
crático foram, de certa forma, inventados (1998, real inevitabilidade, sejam apresentadas de quando
p. 181, grifo nosso). em quando como inescapáveis (Roth, 2001, p. 7).
Ou seja, a suspeita é que a máquina de destruição
Tratado nesses termos, o catálogo de direitos bélica tem uma dinâmica sistêmica própria e impe-
humanos representaria algo como uma ajuda ao rativa: não espera razões políticas para ser aciona-
desenvolvimento humanitário dos países pobres, da, ao contrário, põe a política em ação para que
permitindo que esses, valendo-se do exemplo das esta construa os argumentos que legitimem a con-
sociedades mais “avançadas”, queimem etapas em dução de mais uma “guerra justa”.
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As intervenções bélicas, em nome da defesa Ora, ainda que o Giddens ideólogo, elo-
dos direitos humanos, desde a Guerra do Golfo qüente mas pouco convincente na defesa de seu
em 1991 parecem dar razão aos realistas. Afinal, programa da Terceira Via, insista em desmenti-lo,
em todos os casos ocorridos, seja em Kosovo, no aprendemos anos atrás com o Giddens, sociólogo
Afeganistão ou mais recentemente no Iraque, preciso e consistente da teoria da estruturação,
pode-se identificar, em cada situação particular, a que o evolucionismo não faz bem às ciências hu-
maneira específica pela qual os interesses de gru- manas. Naquela ocasião, o autor (Giddens, 1984,
pos e países determinados buscaram abrigo sob pp. 240 ss.) alertava para vários riscos evolucio-
o manto da alusão retórica a valores universais. nistas, dos quais pelo menos dois parecem vitimar
Outro aspecto que ficou evidente em todos os os teóricos da democracia cosmopolita, e , ironi-
casos é que, no complexo jogo de poder verifi- camente, o próprio Giddens, a saber:
cado na arena internacional, a defesa dos direitos
humanos em uma região fez agravar o desrespei- i) Tratar uma seqüência particular de eventos ocor-
to a outros grupos em outras regiões. Assim, por ridos numa sociedade determinada como uma
exemplo, a chamada aliança contra o terror, ao lei histórica de transformação.
mesmo tempo que libertou o Afeganistão de uma ii) Confundir a superioridade, em termos de pode-
dominação tirânica, implicou, por exemplo, rio tecnológico, econômico ou bélico com su-
maior liberdade para os russos reprimirem os perioridade moral, como se as sociedades mais
desenvolvidas tecnologicamente fossem neces-
chechenos ou para o governo norte-americano
sariamente mais avançadas moralmente.
flexibilizar o respeito aos direitos civis dos imi-
grantes árabes nos Estados Unidos.
Ao estabelecer um paralelo entre a Europa
Por último, o risco de que a tese da guerra
do século XIX e o restante do mundo hoje, su-
preventiva postulada pelos Estados Unidos, se
pondo que as “outras” sociedades representam
transforme em nova doutrina das relações inter-
um estágio anterior da modernidade, o enfoque
nacionais põe fim à ambigüidade das “interven-
da democracia cosmopolita incorre no primeiro
ções humanitárias” (ver Lindgren Alves, 2002, pp.
erro evolucionista citado. Quando busca estabele-
110 ss.). Afinal, se num quadro de absoluta assi-
cer o catálogo ocidental dos direitos humanos
metria de poder bélico, a potência militar hege-
como meta para todos os países do mundo, co-
mônica logra legitimar o ataque a um país sobe- mete o segundo erro.
rano, usando o argumento de que suspeita que O problema analítico, nos dois casos, é que
tal país representa uma ameaça à segurança inter- se desconsidera as histórias entrelaçadas (entan-
na de quem profere o ataque, já não há mais ra- gled histories, Randeria, 2001) do ocidente e do res-
zões para supor que interesses humanitários ain- tante do mundo e, mais do que isso, o caráter me-
da desempenhem alguma função nos confrontos ramente contingente dos desenvolvimentos que
internacionais. O que há, nesse caso, são apenas levaram os países do hemisfério norte a adquirir
interesses nacionais numa disputa de poder hob- uma posição privilegiada, recentemente, na defesa
besiana, cujo final é previsível: os mais fortes de- dos direitos humanos. Essa posição não é necessa-
cidirão o jogo a seu favor. riamente definitiva, isto é, não representa um lugar
Há, ainda, restrições de outras naturezas ao definido numa linha de evolução inelutável e imu-
argumento dos democratas cosmopolitas, quando tável da modernidade, é antes o reflexo momentâ-
defendem estender, globalmente, a validade do neo de um conjunto de injunções políticas.
catálogo ocidental de direitos humanos. Trata-se, Não se pode esquecer, por exemplo, que
aqui, da descrição da história universal numa li- no momento em que “inventava” os direitos hu-
nha evolutiva que culminaria com o lugar privile- manos e o Estado de direito, a Europa praticava
giado ocupado pelas nações “modernas”, como o colonialismo e a escravidão moderna, no ou-
parâmetro de respeito aos direitos humanos. tro lado do Atlântico. Foi também no seio da
DEMOCRACIA COSMOPOLITA 27

ciência iluminista do século XIX que se “inven- sociedades civis do norte ao “restante” do mundo
tou” a fundamentação biológica da desigualdade e qualquer restrição teórica parece menor diante
entre as pessoas de características físicas distin- de uma possibilidade política de tal ordem.
tas e lançou-se as bases para a legitimação mo- Com efeito, para quem descarta o argumen-
derna das hierarquias raciais. Lembre-se também to universalista dos democratas cosmopolitas só
que, até finais dos anos de 1940, fontes tão di- restam duas saídas: o cetismo e a capitulação
versas quanto ativistas negros norte-americanos, diante de um mundo que “é, mesmo assim, desi-
Unesco e exilados judeus fugidos do nazismo gual e injusto” ou o ônus de buscar alternativas
pensavam que o Brasil representava para o mun- mais satisfatórias para os problemas enfrentados
do um modelo de respeito aos direitos humanos pelos democratas cosmopolitas. Formulada nes-
e de estabelecimento de uma igualdade efetiva ses termos, a primeira possibilidade descredencia
entre todos os grupos demográficos.9 como neoconservador quem a tome como alter-
Ou seja, do ponto de vista da história social, nativa. A segunda é por demais ambiciosa para as
a descrição da modernidade como uma trajetória limitações deste artigo. Permita-se, assim, que se
linear, na qual os países tecnologicamente mais restrinja aqui à demarcação apenas indicativa de
avançados do Atlântico Norte representam, por alguns passos necessários para fugir aos equívo-
desígnio e pela lógica interna de um ciclo evolu- cos cometidos pelos democratas cosmopolitas.
tivo, uma certa vanguarda moral do mundo con- Em primeiro lugar, há que se desfazer a im-
temporâneo, não tem sustentação nos fatos. Nes- pressão de que o debate em torno da globaliza-
se sentido, reivindicar que as sociedades civis e ção dos direitos humanos encerra um confronto
os governos nacionais do Atlântico Norte definam entre, de um lado, particularistas, presos a valores
e ponham em vigor um catálogo de direitos hu- conservadores, identidades e formas de vida lo-
manos de validade ampla é tão plausível quanto cais fossilizadas e, de outro, universalistas, que
foi, no século XIX, pretender que o proletariado defendem valores desarraigados, desenraizados
se tornasse o ator universal da história moderna. de contextos culturais específicos. Ora, aprende-
O que se quer dizer é que o argumento de que mos com o debate entre liberais e comunitaristas
há uma evolução desigual dos valores iluministas nos anos de 1980 e 1990 que há uma distinção
nas diferentes regiões mundo e que, portanto, é fundamental a ser feita entre princípios de justiça,
legítimo que as regiões mais avançadas em sua regulados pelo código binário justo e injusto e
consecução prescrevam às demais regiões a trilha concepções de bem, que diferenciam a vida vir-
a ser seguida é insustentável teórica e historica- tuosa da vida indesejada. Os direitos humanos
mente. Definitivamente, tal argumento não serve precisam ser tratados como um conjunto abstrato
como fonte de legitimação de um catálogo uni- de princípios de justiça que podem (ou não) ga-
versal dos direitos humanos. nhar concretude nos diferentes contextos cultu-
No raciocínio desenvolvido até aqui, a ques- rais. Implicam, por exemplo, eqüidade de gênero,
tão de fundo permanece ainda intocada. Afinal, fim da opressão étnica e racial etc., mas não uma
desconstruir teórica e analiticamente as expectati- forma cultural de vida particular, por meio da
vas dos democratas cosmopolitas não soluciona qual essas metas foram concretizadas num con-
os problemas político-morais que eles buscam en- texto específico. Essa distinção é fundamental
frentar, como a necessidade de re-regular a eco- porque afasta a tentação de hierarquizar, num
nomia, sob a égide da justiça social global, a pro- procedimento evolucionista, as diferentes cultu-
teção contra as ameaças globais, a concretização ras, além de mostrar a necessidade de se com-
da justiça de gênero, étnica, o combate à violação preender a concretização dos direitos humanos,
dos direitos humanos etc. Isto é, parece justo ar- nos termos da gramática moral de uma sociedade
gumentar que, no âmbito da democracia cosmo- particular. Nada aqui deve lembrar a relativização
polita, indica-se a oportunidade política de se es- cultural que transforma, por exemplo, o machis-
tender as conquistas inegáveis efetivadas pelas mo ou o racismo em práticas culturais a serem
28 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

preservadas. Pode-se, por exemplo, reconhecer As formulações de Joas representam um ar-


que os Estados Unidos ou a Suécia fizeram avan- gumento mais contra o relativismo cultural, na
ços mais significativos do que o Brasil ou o Sudão medida em que permitem identificar sociedades,
no sentido de construir a igualdade de oportuni- cujo sistema de valores dificulta a implementação
dades para negros e brancos, homens e mulheres de normas que valham igualmente para todos.
e, ao mesmo tempo, rejeitar a transposição das re- Não obstante, servem de alerta para aqueles de-
lações étnicas e de gênero dos Estados Unidos e mocratas cosmopolitas que julgam possível imple-
da Suécia para o Brasil e o Sudão. Afinal, a maior mentar, nas diferentes sociedades, um catálogo de
eqüidade de gênero e étnica encontrada na Sué- regras universais que não apresente articulação
cia ou nos Estados Unidos não é traço imanente com os diversos sistemas particulares de valores.
das relações de gênero e raciais desses países. O É só na interação com esses sistemas concretos de
mesmo modelo transposto para outras sociedades valores e não a despeito deles que as normas uni-
pode dificultar e não facilitar as chances de reco- versais podem ganhar legitimação e, mais do que
nhecimento social de mulheres e negros. isso, validade efetiva e eficácia. De outra manei-
Essas diferenciações pavimentam o cami- ra, transformam-se em leis que não “pegam”, nos-
nho para um passo adicional, qual seja, mostrar sas velhas conhecidas.
que a diversidade de identidades e formas de
vida culturais concretas existentes não constitui
um obstáculo, e sim condição de possibilidade Conclusão
para a concretização de uma política global dos
direitos humanos. Os diferentes aportes à tese da democracia
Cabe aqui uma pequena digressão em torno cosmopolita buscam mostrar a necessidade e a
da articulação percebida por Joas (1997) entre os viabilidade de se encontrar formas de governar o
planos da integração cultural e da integração so- mundo para além das fronteiras dos Estados exis-
cial que, combinados, determinam os contornos tentes, uma vez que a economia, a política e a cul-
de uma configuração social específica. Para o au- tura se descolaram da moldura territorial do Esta-
tor, os diferentes sistemas de valores ou formatos do-Nação. Dois componentes, apresentados ora
de integração cultural apresentam graus de cor- como dados da realidade, ora como desiderato
respondência bastante variável com um sistema político, aparecem como ingredientes recorrentes
de normas universalmente válidas, constatando-se de um tal governo global “cosmopolita”, a saber, a
a existência de formatos de integração cultural existência de uma ética universal dos direitos hu-
particularistas, uma vez que se mostram ineptos manos e de uma sociedade civil mundial.
para a consideração de pontos de vista universais. Procurou-se mostrar que os conceitos de so-
As democracias diferenciam-se precisamente por ciedade civil mundial e de uma ética universal
revelarem um alto nível de aproximação entre os dos direitos humanos, nos termos formulados pe-
valores e as disposições inscritas nos processos de los democratas cosmopolitas, apresentam dificul-
integração cultural e as normas reconhecidas uni- dades empíricas e teóricas e acabam legitimando
versalmente e corporificadas nas instituições polí- uma hierarquia moral no mundo contemporâneo,
ticas. Contudo, segundo a qual, instituições, valores e formas cul-
turais de vida vigentes nas sociedades situadas na
[...] a idéia de que, para superar o particularismo, região do Atlântico Norte constituem modelos de
a particularidade como tal deve desaparecer des- aplicação geral.
conhece o caráter necessariamente contingente
Essas restrições às concepções da democra-
dos valores. Condena-se a si própria a permane-
cer uma mera moral, rompendo com a atrativida-
cia cosmopolita não resolvem os problemas polí-
de dos valores para declarar a motivação [para a ticos e morais que tais aportes buscam enfrentar.
ação] assente unicamente na moral como possível Indicou-se, por isso, esquematicamente, pressu-
(Joas, 1997, p. 174). postos para uma reflexão acerca das possibilida-
DEMOCRACIA COSMOPOLITA 29

des de uma legitimação não evolucionista das re- das organizações locais e dos meios de comuni-
des transnacionais de ação coletiva e de um catá- cação, aos espaços públicos nacionais. É nessas
logo universal dos direitos humanos. arenas que tais reivindicações são, por assim di-
Trata-se, em primeiro lugar, de desvincular a zer, interpeladas em sua aspiração de universali-
dimensão política da dimensão cultural das socie- dade, induzindo, localmente, processos de inova-
dades civis. Nesse caso, as conquistas democráti- ção cultural e social.
cas obtidas pelos movimentos sociais nos países
de industrialização pioneira deixam de estar ne-
cessariamente associadas às formas culturais de NOTAS
vida concretas verificadas nesses contextos. O
que se quer dizer é que, de um lado, se reconhe- 1 Deputado democrata-cristão alemão.
ce que o respeito aos direitos humanos ou a rei- 2 Zizek (2001, p. 479) diz que a ruptura representada
vindicação por eqüidade étnica, de gênero etc. pelo paradigma da modernização reflexiva (ou da
têm um apelo universal indiscutível. De outro segunda modernidade) nos coloca diante de uma si-
lado, constata-se que a forma particular como se tuação semelhante àquela representada pela forma
como Habermas se distingue de Adorno e Horkhei-
buscou, pioneiramente, fazer valer tais reivindica-
mer. Para Zizek, tal similaridade está assente no fato
ções em alguns países é necessariamente contin-
de que, tanto para Habermas como para Giddens ou
gente e intransferível. Portanto, a mesma norma
Beck, “os problemas, como regimes políticos totali-
universal pode encontrar formas diversas e parti- tários ou a chamada alienação da vida moderna, não
culares de concretização cultural. são, enfim, resultados da dialética própria do proje-
A ação das organizações e dos movimentos to da modernidade e do esclarecimento, mas do uso
sociais transnacionais visa, em geral, ao combate inconseqüente destes”. A comparação, ainda que su-
ao particularismo de uma ordem social racista, se- gestiva, é imprópria, porque o sistema de dois níveis
xista ou opressora das minorias étnicas, sem que de sociedade, vislumbrado por Habermas, reconhe-
isso implique que as relações de gênero, “raciais” ce a força colonizadora da racionalidade instrumen-
ou entre diferentes etnias vigentes nos países em tal, identificando especificidades no mundo da vida.
Ou seja, não recusa, mas aceita a dialética da Auf-
que os movimentos sociais avançaram mais cons-
klärung: é em seus termos que busca alternativas à
tituam modelos válidos para todas as partes. Nes-
jaula de ferro. Não há também, em Habermas, uma
se sentido preciso, não se trata de uma sociedade
prescrição prévia de uma forma de vida que os ato-
civil global, uma vez que não há nem deve haver res sociais “deveriam” desejar como no elogio do
a reprodução ampliada no restante do mundo dos self reflexivo de Giddens e Beck, mas o delineamen-
repertórios de tradições e experiências coletivas to de um contexto no qual pretensões de validade
presentes no Hemisfério Norte. O que se tem é o possam se manifestar e construir sua legitimidade.
apelo em estender para as diversas regiões o es- No marco da segunda modernidade, o pólo negati-
forço de superação dos particularismos, preser- vo da relação dialética desaparece, é positivado, re-
vando, no melhor dos casos, as particularidades toricamente: os riscos tornam-se chances e as incer-
dos contextos regionais diversos. tezas, possibilidades de autotransformação das
estruturas opressivas.
Dessa maneira, parece possível construir a
legitimidade da ação das organizações e dos mo- 3 As campanhas eleitorais de 2002, tanto para o Par-
vimentos sociais transnacionais sem que se recor- lamento alemão, como para a presidência no Brasil,
trouxeram exemplos incontáveis de que a ruptura
ra à idéia de uma sociedade civil global, seja ela
da fronteira nacional/internacional tornou-se palpá-
dada como existente, seja sua construção aponta-
vel no cotidiano. No Brasil, para além da objeção
da como imperativo moral. Desenraizadas dos maldosa, mas frágil, de que faltava ao candidato do
contextos culturais concretos em que surgem, as PT um diploma universitário para governar o país,
reivindicações por justiça trazidas pelas organiza- o argumento substantivo para buscar desencorajar o
ções transnacionais circulam nos fóruns interna- apoio a Lula foi o temor à reação dos “mercados
cionais e retornam, por intermédio dos ativistas, mundiais”. Na Alemanha, é consenso de que três te-
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mas decidiram a eleição em favor da coalizão go- confundem-se, optou-se aqui por usar a expressão
vernista de social-democratas e verdes: o desempre- democracia cosmopolita como conceito “guarda-
go, as enchentes de agosto e a guerra do Iraque. No chuva”, que abriga as diferentes tendências.
primeiro caso, o primeiro ministro Schröder conse- 7 Na verdade, a proclamação da sociedade civil glo-
guiu convencer o eleitorado de que não pôde cum- bal, a partir da segunda metade dos anos de 1990,
prir sua meta de baixar as taxas de desemprego, em coincide, no âmbito nacional, com um refluxo da
função do grau de integração das economias alemã idéia de sociedade civil naqueles países, em que a
e mundial. Quanto às enchentes, os verdes se be- sociedade civil, como conceito e “contexto de ação”
neficiaram da associação – diga-se tecnicamente (Rödel, 1992), desempenhara anos antes papel rele-
duvidosa – entre as tempestades e a mudança do vante. Como exemplo paradigmático servem os tra-
clima global. Finalmente, a garantia de que a Ale- balhos sobre a trajetória recente das sociedades ci-
manha não participaria de uma guerra ao Iraque vis na América Latina, reunidos por Dagnino (2002),
rendeu os votos que faltavam à coligação. Um dos que revelam como a “confluência perversa” entre
slogans da campanha dos verdes, valendo-se da po- democratização e crescimento da participação cívi-
pularidade de seu expoente Joschka Fischer, minis- ca, de um lado, e o ajuste neoliberal, de outro, dei-
tro das Relações Exteriores, indica também como a xara marcas profundas na história recente das so-
política interna e externa se confundem. Dizia: “Fis- ciedades civis na América Latina.
cher – aussen Minister, innen grün” [Fischer – minis-
8 S. Hall (1996) descreve, de forma breve mas impe-
tro do Exterior; no interior, verde].
cável, como é construída, histórica e narrativamen-
4 Benhabib (1999, pp. 28 ss.) vê manifesto, na emer-
te, na política e na teoria social, a imagem ideoló-
gência das identidades locais e regionais, o para-
gica do “West” em oposição ao “Rest”. Knöbl (2001)
doxo entre a integração sistêmica global cada vez
atualiza essa discussão ao mostrar que teóricos
maior e o declínio da forma moderna, por exce-
como Habermas, Giddens e Beck compartilham das
lência, de integração social, qual seja, a pertença
mesmas premissas da “velha” teoria da moderniza-
nacional construída por meio de instituições, da
ção, na medida em que ignoram a multiplicidade de
“invenção” da história nacional, das narrativas bé-
formas assumidas pela modernidade. Trata-se não
licas heróicas etc. Leis (2002, p. 199) aponta um
de uma modernidade, mas de múltiplas modernida-
outro paradoxo na emergência de novos localis-
des que seguem, em cada região, formas e padrões
mos, regionalismos e nacionalismos. Ele mostra
muito diversos.
que a defesa teórica destes, quando supõe a exis-
tência de um Estado de direito, pode ter um senti- 9 Terminada a Segunda Guerra Mundial, a Unesco
do de aprofundamento da democratização. Defen- pretendeu reavivar os ânimos do mundo ainda trau-
der as diferenças culturais, no plano das relações matizado, divulgando a bem-sucedida experiência
internacionais, contudo, tem, para o autor, o sen- brasileira no combate ao racismo. Esbarrou, como
tido de se mostrar, na prática, a favor de limpezas se sabe, nas desigualdades raciais detectadas.(ver
étnicas e genocídios. O que se procurará mostrar Maio, 2000). De forma semelhante, os ativistas afro-
a seguir é que a preservação das diferenças cultu- americanos chegaram a enviar delegações ao Brasil
rais é o único sentido possível para uma política para conhecer o “paraíso racial” brasileiro (ver Hell-
universal de defesa dos direitos humanos. wig, 1992, pp. 40 ss.). As palavras do escritor judeu-
alemão Stefan Zweig (1941), comparando o Brasil e
5 A campanha de nacionalização levada a efeito por
a Europa, são também conhecidas e servem aqui de
Vargas no Brasil e estudada a fundo por autoras
ilustração: “O Brasil tratou o problema racial que
como Neide Fiori ou Giralda Seyferth exemplifica
está assolando o mundo europeu – e o significado
como se deu a supressão à força da diversidade cul-
deste experimento me parece exemplar – de uma
tural, políticas antes legítimas e elogiadas e hoje
forma absurdamente singela: simplesmente ignorou
fora de lugar (ver Costa, 2002, cap. 6).
sua suposta validade”.
6 Na classificação de Roth, apenas a última da corren-
tes, aqui denominada “cidadanismo mundial”, cor-
responde ao que chama de democracia cosmopolita.
As demais seriam formas de democracia transnacio-
nal. Como, no debate, as diferentes denominações
DEMOCRACIA COSMOPOLITA 31

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174 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 18 Nº. 53

DEMOCRACIA COSMOPOLI- COSMOPOLITAN DEMOCRACY: DÉMOCRATIE COSMOPOLITE:


TA: DÉFICITS CONCEITUAIS E CONCEPTUAL DEFICITS AND DÉFICITS CONCEPTUELS ET
EQUÍVOCOS POLÍTICOS POLITICAL ERRORS ÉQUIVOQUES POLITIQUES

Sérgio Costa Sergio Costa Sérgio Costa

Palavras-Chave Key words Mots-clés


Democracia cosmopolita; Sociedade Cosmopolitan democracy; World ci- Démocratie cosmopolite ; Société
civil mundial; Direitos humanos. vil society; Human rights. civile mondiale ; Droits de l’Homme.

Dois componentes apresentados, ora Both the appeal to some universal L’appel à une éthique universelle
como dado da realidade, ora como ethics and the evocation of a global des droits de l’Homme et l’évocation
desiderato político, constituem o civil society constitute the core of d’une société civile globale sont
núcleo das teorias da “democracia the “cosmopolitan democracies” the- deux composantes qui constituent le
cosmopolita”: o apelo a uma ética ories, presented as either reality data cerne des théories de la “démocratie
universal dos direitos humanos, a or political desideratum. The paper cosmopolite ” et qui sont présentées
evocação de uma sociedade civil aims at showing that in the terms soit comme une donnée de la réal-
global. Procura-se mostrar que, nos formulated by the cosmopolitan ité, soit comme une aspiration poli-
termos formulados pelos democratas democrats both ideas rely on evolu- tique. L’article cherche à démontrer
cosmopolitas, ambas as idéias apói- tionist presuppositions. Institutions, que, suivant la formulation des
am-se em pressupostos evolu- values, and cultural ways of life démocrates cosmopolites, les deux
cionistas. Instituições, valores e for- effective on societies situated in the approches s’appuient sur des pré-
mas culturais de vida vigentes nas northern hemisphere end up being supposés évolutionnistes. Les insti-
sociedades situadas na região do regarded as both per se superior and tutions, les valeurs et les formes cul-
hemisfério norte acabam por ser models for general application. turelles de vie en vigueur dans les
tratadas per se como superiores e Against such reorganization of the sociétés situées dans l’hémisphère
como modelos de aplicação geral. world, the paper indicatively cites nord finissent par être traitées per se
Contra tal re-hierarquização do necessary precautions in order to en tant que supérieures et comme
mundo, o artigo nomeia, de maneira have both the international coopera- modèle d’application général.
indicativa, cuidados necessários tion of social actors and the globali- Contre cette nouvelle hiérarchisa-
para que a cooperação transna- sation of human rights contribute tion du monde, l’article cite, de
cional de atores sociais e a global- towards overcoming particularisms forme indicative, les soins néces-
ização dos direitos humanos con- in the several regions, taking into saires pour que la coopération
tribuam para a superação de consideration, at the same time, the transnationale d’acteurs sociaux et la
particularismos nas diversas cultural particularities of the differ- globalisation des droits de l’homme
regiões, levando em consideração, ent regional contexts. contribuent à surpasser les particu-
ao mesmo tempo, as particulari- larismes dans les diverses régions,
dades culturais dos diferentes con- tout en considérant les particularités
textos regionais. culturelles des différents contextes
régionaux.

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