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Felipe Coprrêa ,
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Filiação institucional. Mestre pelo Program de Pós-Graduação em Mudança Sociail e Participação Política da Universidade de
São Paulo e doutoranto pelo Program de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Campinas, Campinas, São Paulo,
SP, Brasil.
Correspondência: E-mail: felipecorreapedro@gmail.com
Abstract The paper analyzes Marx’s The Civil War in France, aiming to answer
two fundamental questions: Does this work has political and doctrinal
elements capable of sustaining a theory of revolution and a political
strategy? If so, do these elements possess an anti-statist basis? The
questions are motivated by the different interpretations of this Marxian
work, which are briefly presented and discussed. The research is
theoretical and develops the hypothesis that, in The Civil War in France,
Marx developed a theory of revolution and a political strategy that
contained not only a radical and libertarian critique of the dominant
aspects of the state, but also a self-management proposal that it was
suppressed by means of a working class revolution. Through an
analysis of Marx’s production, particularly of The Civil War in France,
which is the central focus, we seek to ascertain in which extent this
hypothesis is correct. Furthermore, we use Marx’s writings before and
after this, as well as texts of interpreters and commentators, in order to
support the results in question. The hypothesis is refuted. We conclude
that there is no sound basis for claiming that The Civil War in France
has political and doctrinal elements capable of supporting a theory of
revolution and a political strategy. We also affirm that it is not possible to
transform, automatically, Marx’s analysis about what was the
phenomenon of the Paris Commune, in what should be a theory of
revolution or a suggested political strategy for the international labor
movement. Subsequent positions, particularly in the context of the
breakup of the International Workingmen's Association in 1872, tend to
reinforce the argument that there is some continuity between the
positions of Marx after the Commune and those developed in the
context of 1848, supporting a statist project of social transformation.
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Resumen El artículo analiza La Guerra Civil en Francia, de Marx, con el objetivo
de responder a dos preguntas fundamentales: ¿Esta obra tiene
elementos políticos y doctrinales capaces de sostener una teoría de la
revolución y de una estrategia política? Si es así, estos elementos
poseen una base antiestatista? Las preguntas están motivadas por las
diferentes interpretaciones de esta obra de Marx, que se presentan y
discuten brevemente. La investigación es teórica y se desarrolla con la
hipótesis de que, en La Guerra Civil en Francia, Marx desarrolló una
teoría de la revolución y una estrategia política que apoyaron no sólo en
una crítica radical y libertaria de los aspectos dominadores del Estado,
sino también en una propuesta autogestionaria de que él fuera
suprimido por medio de un proceso revolucionario de la clase obrera. A
través de un análisis de la producción de Marx, en especial de La
Guerra Civil en Francia, que es el foco central, se busca determinar en
qué medida esta hipótesis es correcta. Además, son utilizados escritos
de Marx anteriores y posteriores a este, así como los textos de
intérpretes y comentadores, con el fin de apoyar a los resultados en
cuestión. La hipótesis es refutada. Se concluye que no existe una base
sólida para afirmar que La Guerra Civil en Francia cuenta con
elementos políticos y doctrinales capaces de sostener una teoría de la
revolución y una estrategia política. Afirmase que no se puede
transformar automáticamente el análisis de Marx acerca de lo que fue
el fenómeno de la Comuna de París, en lo que debería ser una teoría
de la revolución o de una estrategia de política a ser recomendada al
movimiento obrero internacional. Posiciones posteriores, sobre todo en
el contexto de la disolución de la Asociación Internacional de los
Trabajadores en 1872, tienden a reforzar el argumento de que hay una
cierta continuidad entre las posiciones de Marx después de la Comuna
y las desarrolladas en el contexto de 1848, que sostienen un proyecto
estatista de transformación social.
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Marx, Teoria da Revolução e Estratégia Política
Marx Estatista?
Parece evidente que, em toda sua obra, Marx elabora uma crítica do
Estado moderno e que, a partir de A Ideologia Alemã, o relaciona à dominação de
classes capitalista. Se já em Crítica da Filosofia do Direito de Hegel Marx destaca
a separação-oposição entre sociedade civil e Estado e critica a dominação da
burocracia, as posições de A Ideologia Alemã e do Manifesto Comunista
relacionam diretamente o Estado às classes dominantes; o Estado é a forma que
uma classe dominante faz valer seus próprios interesses, o Estado administra os
negócios da burguesia. Mesmo em outros momentos, como em O 18 Brumário de
Luís Bonaparte ou mesmo em O Capital, não há dúvidas de que o Estado, em sua
forma moderna, capitalista, burguesa constitui objeto de duras críticas. Mesmo
que de maneira menos constante, também se encontram evidências de que,
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para Marx, em uma sociedade comunista, o Estado, o poder político, não mais
existiria.
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impor-se. (...) O desenvolvimento da produção transforma num anacronismo
a sobrevivência de classes sociais diversas. À medida que desaparece a
anarquia da produção social, vai diluindo-se também a autoridade política do
Estado. (Engels, 2008: 126)
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nem Estado, tendo por forma geral não já um poder político qualquer, mas
apenas uma ‘associação onde o livre desenvolvimento de cada um é condição do
livre desenvolvimento de todos’.” Mattick (1976) afirmou que a “primeira
condição da produção e distribuição comunistas é que não exista nenhum
aparato estatal ao lado ou acima dos conselhos e que a função ‘estatal’
(supressão das tendências contrarrevolucionárias) seja exercida pelos próprios
operários, organizados em seus Conselhos”. Continua, dizendo que “qualquer
partido que, enquanto uma fração dos trabalhadores, aspire ao poder estatal ou
se coloque como um aparato estatal depois da tomada do poder, sem dúvidas
tentará controlar a produção e distribuição, e reproduzir este controle para
manter as posições obtidas.”
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A Comuna de Paris foi um processo insurrecional e revolucionário protagonizado pelos
trabalhadores franceses entre 18 de março e 28 de maio de 1871. Ela ocorreu no contexto da
Guerra Franco-Prussiana e incorporou um repertório da classe trabalhadora francesa, adquirido por
influência da Primeira Internacional (1864-1877), que se consolidou nas deliberações que optaram
pela abolição da divisão clássica entre os três poderes, o estabelecimento de um tipo de “poder
popular” federalista – emanado das bases trabalhadoras que se encontravam nos bairros e
articulado por uma estrutura federada de delegações políticas revogáveis – e a organização de
comissões executivas: Guerra, Finanças, Segurança Geral, Ensino, Subsistência, Justiça, Trabalho e
Trocas, Relações Exteriores e Serviços Públicos. Dentre as inúmeras realizações da Comuna, que
beneficiaram os trabalhadores, destacam-se: a substituição do exército regular pelas milícias
cidadãs, a separação entre Igreja e Estado, a abolição dos cultos religiosos, as medidas dizem
respeito ao trabalho e local de moradia (reduções de jornada, ajustes e equiparações salariais, fim
das multas, entrega de oficinas e prédios abandonados aos trabalhadores), concessão de crédito
com juros reduzidos, moratória para dívidas, devolução de itens penhorados, gratuidade das
escolas públicas, ensino laico e politécnico, reorganização jurídica, confisco de bens de raiz,
protagonismo de mulheres e artistas. Esse novo poder estabelecido pela classe trabalhadora
francesa a partir dos bairros evidenciou uma democracia socialista radicalizada, construída pelo
próprio povo, sem lugar para a burocracia. (Samis, 2011)
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de um instrumento de submissão de uma classe a outra”, mas “uma ação ‘contra
o próprio Estado’”. Numa perspectiva não tão extremada, Daniel Guérin (1979:
63) afirma que “a comunicação de 1871” pode “ser considerada um ponto de
partida” para uma tentativa de “síntese entre anarquismo e marxismo”, visto
que “A Guerra Civil na França é marxista libertária”.
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ao capital, sua separação da sociedade civil, a burocracia e a corrupção inerentes
à sua existência e seus aspectos coercitivos. A crítica de Marx (2008) ao Estado
aparece em distintos momentos do texto. “O poder de Estado assumia cada vez
mais o caráter do poder nacional do capital sobre o trabalho”. (p. 400) “O poder
de Estado, aparentemente voando alto acima da sociedade”. (p. 401) “Uma
vitória desta [Paris] sobre o agressor prussiano teria sido uma vitória do operário
francês sobre o capitalista francês e os seus parasitas de Estado.” (pp. 375-376,
grifos adicionados) “A Constituição Comunal teria restituído ao corpo social todas
as forças até então absorvidas pelo Estado parasita. (p. 405, grifos adicionados)
“O poder de Estado (...) era ela próprio, ao mesmo tempo, o maior escândalo
dessa sociedade e o próprio viveiro de todas as suas corrupções. A sua própria
podridão e a podridão da sociedade que ele havia salvo foram postas a nu pela
baioneta da Prússia”. (p. 401) “O caráter puramente repressivo do poder de
Estado abre caminho com um relevo cada vez mais acentuado”. (p. 400) “Os
republicanos burgueses, que (...) tomaram o poder de Estado, serviram-se dele
para os massacres de Junho”. (p. 400) A “velha organização municipal francesa
de 1791 (...) rebaixa os governos das cidades a meras rodas secundárias na
maquinaria policial do Estado prussiano”. (p. 406)
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communard. Conforme enunciadas por Marx, elas incluem: socialização do poder
político; fim da burocracia; servidores públicos com salários equivalentes aos dos
operários; conselheiros municipais eleitos diretamente pelo voto dos bairros;
mandatos imperativos e revogabilidade das funções públicas; fim da divisão de
poderes entre Executivo e Legislativo; eleição e revogabilidade de juízes e
magistrados; fim do exército regular e sua substituição pelo povo em armas;
polícia sem função política, revogável e servindo como instrumento da Comuna;
socialização da educação, expropriação da Igreja e fim de sua interferência nos
assuntos públicos e na educação.
Essas medidas são esposadas por Marx (2008) na terceira parte do texto.
“Não só a administração municipal, mas também toda a iniciativa até então
exercida pelo Estado foram entregues nas mãos da Comuna.” (p. 403). “As
funções públicas deixaram de ser a propriedade privada dos testas de ferro do
governo central.” (pp. 402-403) “O serviço público tinha de ser feito em troca de
salários de operários.” (p. 402) “A Comuna foi formada por conselheiros
municipais, eleitos por sufrágio universal nos vários bairros da cidade.” (p. 402)
“Sendo cada delegado revogável a qualquer momento e vinculado pelo mandat
impératif” (p. 404) “A Comuna havia de ser não um corpo parlamentar, mas
operante, executivo e legislativo ao mesmo tempo.” (p. 402) “Magistrados e
juízes haviam de ser eletivos, responsáveis e revogáveis.” (p. 403) “A supressão
do exército permanente e a sua substituição pelo povo armado.” (p. 402) “A
polícia foi logo despojada dos seus atributos políticos e transformada no
instrumento da Comuna, responsável e revogável em qualquer momento.” (p.
402) “Todas as instituições de educação foram abertas ao povo gratuitamente.”
(p. 403) “Desmantelamento e expropriação de todas as igrejas enquanto corpos
possuidores” e “instituições de educação (...) libertas de toda a interferência de
igreja e Estado.” (p. 403)
Não parece haver dúvidas que essa “forma política finalmente descoberta”
(Marx, 2008: 406) na Comuna de Paris constitui um caso de abolição do Estado,
como mecanismo de poder político separado da sociedade civil em que uma
minoria governa a maioria visando à manutenção status-quo por meio de uma
burocracia – que possui salários diferenciados, mandatos não revogáveis e nem
imperativos – com e do monopólio da violência materializado num exército
regular. Marx (2008: 405-406) notou que “essa Comuna nova (...) quebra o
moderno poder de Estado” e demonstra um “antagonismo (...) contra o poder de
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Estado”; com ela, o “poder de Estado” é “substituído”2. Nesses termos, é difícil
concordar com a interpretação que Lênin (2007: 67) dá à Comuna e ao texto de
Marx, afirmando que “não se trata de aniquilar a burocracia de uma só vez, até o
fim e por toda a parte. (...) Mas destruir sem demora a velha máquina
administrativa para começar imediatamente a construir uma nova, que permita
suprimir gradualmente a burocracia.” Não há evidências de que o projeto da
Comuna de Paris tenha enunciado a substituição do Estado capitalista, burguês,
por um novo tipo de burocracia, uma forma transitória ainda de bases estatistas,
uma forma política que ainda pudesse ser chamada de Estado.
Como apontou Marx (2008: 399), a Comuna demonstrou em sua práxis que
“a classe operária não pode apossar-se simplesmente da maquinaria do Estado já
pronta e fazê-la funcionar para seus próprios fins”.3 As medidas políticas
implantadas pelos trabalhadores parisienses parecem não deixar dúvidas a
respeito disso. Entretanto, esse trecho de Marx é recorrentemente citado para
embasar a afirmação que ele teria modificado os fundamentos de sua
compreensão do Estado e, respectivamente, de sua teoria da revolução e sua
estratégia política. Deve-se apontar que esse trecho pode ser interpretado de
duas maneiras diferentes: Marx refere-se à compreensão do Estado dos
communards; Marx refere-se à sua própria compreensão do Estado.
2
No original: “This new Commune, which breaks [quebra, rompe, despedaça] with the modern
state power.” “Now superseded [substituído, suplantado] state power.” (Grifos, colchetes e
traduções adicionados).
3
No original: “But the working class cannot simply lay hold of [apossar, apropriar, agarrar, tomar]
the ready-made [pronta, feita] state machinery, and wield it for its own purposes.” (Grifos,
colchetes e traduções adicionados).
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administra os interesses da classe capitalista porque está sob o controle direto
de seus membros e, portanto, enquanto está sob o seu controle.
4
No original: “The Paris Commune was, of course, to serve as a model to all the great industrial
centres of France.” “The old centralized government would in the provinces, too, have to give way
to the self-government of the producers.” “It states clearly that the Commune was to be the
political form”. (Grifos adicionados) Note-se que, se quisesse claramente recomendar o modelo da
Comuna, Marx teria utilizado outros termos, distintos dos grifados. Nos três casos, se a intenção
fosse essa, esses termos deveriam ser substituídos por outros, como “has/have” (has to serve as a
model, has to give way, has to be), “should” (should serve as a model, should give way, should be)
ou “must” (must serve as a model, must give way, must be) etc.
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existência de classes e, por conseguinte, a dominação de classe”, especialmente
se levados em conta os termos originais em inglês5.
Considera-se, por isso, que A Guerra Civil na França deve ser tomada como
uma obra histórica de Marx, com poucos, se é que há alguns, elementos político-
doutrinários. Ela dedica-se a analisar um episódio histórico específico, a Comuna
5
No original: “It was [era, foi] essentially a working class government, the product of the struggle
of the producing against the appropriating class, the political form at last discovered under which to
work out [com a qual se realiza, sob a qual se executa] the economical emancipation of labor.”
“The Commune was therefore to serve [havia de servir, era para servir] as a lever for uprooting the
economical foundation upon which rests the existence of classes, and therefore of class rule.”
(Grifos, colchetes e traduções adicionados). Novamente, se quisesse claramente recomendar esse
modelo, Marx teria se expressado de maneira distinta. No primeiro caso, parece evidente que se
trata de uma análise do que foi a Comuna e não há evidências de qualquer recomendação de seu
modelo aos trabalhadores daquele ou de outros contextos. No segundo caso, “was to serve”
definitivamente não tem o sentido colocado de “has”, “should” ou “must”.
6
Deve-se apontar que a análise lógica anteriormente realizada acerca do discurso de Marx em A
Guerra Civil na França, a qual foi aprofundada nas três notas precedentes, constitui apenas um
elemento que reforça o argumento do texto. Ainda que a linguagem normativa não seja
constantemente utilizada por Marx, há uma diferença clara entre os trechos analisados e outros,
como por exemplo no Manifesto Comunista, quando Marx coloca, conforme tradução de Marcus
Mazzari: “o proletariado deve primeiramente conquistar o domínio político e erigir-se em classe
nacional (na edição de 1888, ‘em classe dirigente da nação’)”. (Marx, 2010, p. 84) [“das Proletariat
zunächst sich die politische Herrschaft erobern, sich zur nationalen Klasse” (1888: zur führenden
Klasse der Nation)]. O argumento do texto é, ainda, reforçado por outro elemento: as posições
concretas assumidas por Marx no seio da Internacional, que serão esposadas adiante.
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de Paris, a qual certamente possui traços antiestatistas, autogestionários,
libertários.
Posições Ulteriores
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Recebido em 07092013
Aceito 03/12/013
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