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1 – Sou pesquisador da prisão, mais precisamente das relações entre o dentro e o fora da
prisão, e a prática etnográfica está no centro do meu dispositivo de pesquisa.
Talvez por isso tenha sido convidado para essa mesa. Espero poder contribuir.
4 – Com efeito, as análises etnográficas foram das primeiras a apontar para o papel do
PCC na redução dos homicídios em São Paulo.
Em particular as análises de Gabriel Feltran, de Daniel Hirata e de Vera Telles,
pesquisadores que me são muito próximos.
Vera, minha orientadora; Daniel, por algum tempo colega de pós-graduação e até hoje
referência de etnógrafo, Gabriel interlocutor constante.
Todos ainda trabalhamos juntos no projeto temático da FAPESP onde desenvolvo meu
pós-doutorado.
Talvez também por essa proximidade com esses pesquisadores que eu tenha sido
convidado a participar dessa mesa. Mas não pretendo estar à altura deles.
8 – De um lado, a “hipótese PCC” parecia carecer de relativização. Ela tinha que ser
matizada frente a outros argumentos e processos: os investimentos estatais em
segurança pública, processos econômicos e demográficos, etc. – os vários aspectos que
aqui estão em debate.
Minha ênfase: quase imediatamente após a circulação desses trabalhos, parecia urgente
fazer submergir a “hipótese PCC” num mar de outras hipóteses e fatores causais.
9 – De outro lado, a prática etnográfica que possibilitou a formulação dessa hipótese foi
também prontamente questionada, muitas vezes, com argumentos que desqualificam a
etnografia como prática científica da maneira mais monótona e repetitiva: “não se pode
generalizar esses achados! O viés do pesquisador! A tese não pode ser demonstrada”,
etc.
10 – Algumas questões.
Por que essas duas reações difusas à formulação da “hipótese PCC”?
12 – Mas mais fundamentalmente ainda: por que, embora a “hipótese PCC” tivesse que
ser relativizada, embora pairasse sérias dúvidas sobre os métodos dos quais ela decorre,
ela não deixou de pautar o debate no campo dos estudos da violência nos últimos 10
anos?
De onde vem essa sua força?
17 – É para sustentar esse argumento que gostaria de evocar alguns achados da minha
pesquisa que ajudam a compreender não como o PCC reduz os homicídios, mas como
algo como o PCC é possível.
18 – Para compreender o PCC não me parece suficiente duas hipóteses que permeiam o
debate público e acadêmico.
Nem a hipótese “opressão do Estado”: o PCC é uma reação da comunidade carcerária à
violência institucional exacerbada.
Nem a hipótese “funcional ao Estado”, onde o PCC existe e pode existir porque
desempenha funções disciplinares na gestão da massa carcerária.
Isso não quer dizer que o Estado não oprime, nem que o PCC não seja funcional.
O ponto é que essas hipóteses não iluminam os mecanismos que sustentam a existência
do PCC. Não explicam o como.
Numa hipótese ou na outra, temos que o Estado produz o PCC. Ok, mas como? Por
quais meios? De que maneira?