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Hong Kong evoca o espírito da praça de Tiananmen


Centenas de ativistas continuam as manifestações no centro da cidade
Trabalhadores e sindicalistas se unem aos estudantes nos protestos
MACARENA VIDAL LIY / PABLO WANG Hong Kong 29 SEP 2014 - 19:48 BRT

Arquivado em: Hong Kong Protestos sociais China Mal-estar social Ásia oriental Problemas sociais Ásia Sociedade

Para o Governo local de Hong Kong


saiu pela culatra a permissão
concedida à polícia para usar gás
lacrimogêneo e gás de pimenta contra
os manifestantes pró-democracia no
domingo. Nesta segunda-feira, os
desafiadores, muito mais
manifestantes que nos dias anteriores
– 100.000 segundo os organizadores
– ocuparam as principais vias da
cidade. Mas quase sem presença de
forças anti-motim, por ordem do chefe
do Executivo, Leung Chun-Ying. Uma
vitória para os cidadãos, ainda
revoltados com o que consideram um
uso desproporcional da força, mas que
também declaravam sua satisfação
por ter conseguido tomar as ruas,
evocando o espírito da praça do
Tiananmen em 1989. Naquela
ocasião, tanques chegaram a ser
usados na dura repressão contra os
protestos massivos em Pequim.

Manifestação perto da sede do Governo em Hong Kong. AFP / ATLAS


O ambiente era muito diferente das
tensões dos dias anteriores. Milhares
de hongkoneses, em sua maioria jovens, lotaram as ruas no centro da ex-colônia britânica em
atitude festiva. Alguns tinham passado a noite ali, dormindo no chão. Muitos haviam trazido
sanduíches e bebidas, e se sentavam sobre o asfalto em uma espécie de romaria laica.
Outros, os mais próximos à sede do Governo local – onde ocorreram os piores confrontos com
a polícia – sem espaço para sentar-se, permaneciam em pé enquanto gritavam em coro.
Muitos reconheciam que não teriam ido se não tivesse havido repressão policial.

É o que diziam Jackie, um estudante de 21 anos, e sua amiga Cary,


de 20, que exigiam aos gritos a renúncia de Leung. “Vimos pela
televisão a violência da polícia e ficamos indignados, sentimos que tínhamos que vir. O
Governo de Hong Kong nunca se dignou responder a nossas demandas e agora usa a
violência. Vamos vir até que nos escute”, afirmavam.

Os manifestantes estão perfeitamente organizados. Estabeleceram postos de primeiros


socorros, numerosos pontos de fornecimento gratuito de comida, bebidas – imprescindíveis na
aglomeração sob temperaturas de mais de 30 graus – e os produtos básicos para enfrentar as
bombas de gás da polícia: toalhas, plásticos, máscaras... Muitos voluntários levam sacos de
lixo para recolher cuidadosamente qualquer desperdício. O lixo é separado para reciclagem.
Os gramados com o aviso “não pise” permanecem imaculados. Apesar da multidão, ninguém
pisa nem joga ali uma garrafa vazia.

A figura mais impopular é a de Leung. “Leung Chun-Ying, renuncie já!”, é o grito mais entoado
na concentração, por milhares e milhares de vozes em uníssono. Uma máscara gigante do
chefe do Governo com dentes pontiagudos recebe as maiores vaias da noite. Alguém, com um
macabro senso de humor, criou diante de um ônibus transformado em posto de primeiros
socorros um altar que na cultura chinesa se reserva aos mortos, com velas, incenso e
oferendas de frutas e, no lugar de honra, um retrato do chefe do Executivo sob o lema
“Vergonha, Leung”.

O protesto, que até domingo se restringia a uma área limitada e


relativamente separada do tráfego do centro da ilha de Hong Kong,
estendeu-se depois da repressão de domingo não só por uma ampla zona do distrito político e
financeiro, mas também a dois dos principais núcleos comerciais e turísticos do território
autônomo, Causeway e Mong Kok, na península de Kowloon.

“Nunca esperamos tanta participação. Não confiamos o suficiente nas pessoas”, declara o
professor universitário Chan Kin-Man, um dos cofundadores do movimento civil Occupy
Central with Peace and Love (Ocupar Central com Paz e Amor), que convocou a manifestação.
Segundo ele, a chave do êxito do movimento foi que os manifestantes não só não se retiraram,
como se multiplicaram depois da ação policial de domingo. Essa inesperada resposta da
população levou o chefe do Executivo local a mudar de estratégia. “Uma dureza ainda maior
teria significado declarar estado de exceção e, possivelmente, abrir o caminho para uma
intervenção das tropas do Exército Popular de Liberação [que conta com um quartel no
território]. Provavelmente consultou Pequim e lhe disseram que não”, considera Chan.

A origem dos protestos está na proposta de reforma eleitoral para a ex-colônia que Pequim
anunciou em 29 de agosto. Embora – tal como Pequim prometeu há anos – introduza o voto
universal, impõe uma série de condições que, segundo o movimento pró-democracia, visam a
garantir que os candidatos contem com a aprovação de Pequim. Em resposta, Occupy Central
proclamou “o começo de uma era de desobediência civil”. Há uma semana os movimentos
estudantis estão em greve. na sexta-feira, uma manifestação na sede do Governo autônomo
terminou com a retirada de 150 jovens. Ao todo 74 pessoas foram detidas em protestos que se
prolongaram por todo o fim de semana e que levaram o Occupy Central a adiantar o começo
de sua campanha para exigir mais democracia.

A data marcada em todos os calendários é quarta-feira 1 de outubro, dia nacional da China e


data original do começo da campanha de desobediência civil do Occupy. Chan considera
necessário manter as mobilizações até então. O Governo local anunciou na segunda-feira a
suspensão do show de fogos de artifício previsto para esse dia. “É um reconhecimento de
fraqueza. Nós, em troca, estamos ganhando impulso. Temos que aproveitar”, diz o professor.

© EDICIONES EL PAÍS, S.L.

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