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Universidade Federal de Santa Catarina

Direito
Teoria Política
Gabriel Garcia Rafaelli Rigoni – gabrielgarciarigoni@gmail.com

FICHAMENTO 16: JEAN JACQUES ROUSSEAU – LIVROS I E II

O homem nasceu livre, entretanto em toda parte se encontra sob ferros.


Deste modo acredita-se o senhor de outros, que não deixa de ser mais escravos
que eles. Enquanto o uso da força constrange um povo a obedecer e obedece,
ele o faz muito bem. Mas quando pode soltar as rédeas o faz melhor ainda,
recobra a liberdade por conta do mesmo do mesmo direito a qual o arrebataram.
Porém a ordem social é um direito sagrado que serve de alicerce a todos os
outros, todavia, este direito não é proveniente da natureza, mas sim de pactos
(contratos).

A família é a mais antiga das sociedades e é natural. As crianças


permanecem com seus pais somente o tempo necessário que deles necessitam
para a sua preservação. Assim que termine esta necessidade o laço natural se
dissolve. A escolha de permanecer unidos não é natural, mas sim voluntária e a
própria família se mantêm por convenção. Essa liberdade em comum é uma
consequência da natureza do homem. A primeira lei consiste em proteger a
própria preservação, e assim que desfeita a conexão, cada um passa a ser
senhor de si mesmo. A família, portanto, é o primeiro modelo das sociedades
políticas – o chefe é a imagem do pai, o povo a imagem dos filhos nascendo
todos livres e iguais, e não alienam a liberdade a não ser em troca de sua
liberdade. A diferença está que os pais amam cuidar seus filhos e o Estado
substitui este amor pelo prazer de comandar.

O raciocínio de Grotius, Hobbes e Calígua consiste em estabelecer o


direito pelo fato, comparando o governante ao pastor de natureza superior e
humano e o povo ao gado de natureza inferior e não-humano, com fim de
guardá-los e por fim devorá-los. Aristóteles antes de todos já havia dito que há
homens que nasceram para serem escravos e homens para governar (dominar).
Isto Rousseau julga correto, porém afirma que Aristóteles tomava o efeito pela
causa, pois se existem escravos por natureza que perderam sua liberdade
perdem a vontade de se libertar e tomam gosto pela servidão, ou seja, a força
constitui os primeiros escravos e covardia as perpetuou.

Se a força do mais forte não se converter em direito e a obediência em


dever, este não será sempre um senhor pois ceder a força constitui em um ato
de necessidade, de prudência, não de vontade. Se o direito vem da força, então
poderia uma força maior sobrepor legitimamente tal direito, uma vez que o mais
forte tem sempre razão. Assim, a força não faz direito e só se deve obedecer à
legítima autoridade.

Se um homem não possui autoridade natural sobre outro e se a força não


produz direito, restam as convenções como base da autoridade legítima entre os
homens. Grotius afirma que um povo se faz vassalo (aliena sua liberdade) de um
rei por conta da tranquilidade civil e garantir a subsistência deste. Ora, mas é o
rei quem retira subsistência do povo em favor da própria, além disto, são por
caprichos, vaidades, ambição e avidez do rei que causam guerras e afligem mais
que as dissensões do povo, o deixando em miséria. Tampouco pode se dizer
que a tranquilidade civil é fundamento absoluto pois também se vive com
tranquilidade em calabouços, por exemplo. Afirmar que um homem se aliena
gratuitamente é inconcebível e quem o faz não se encontra de posse de seu
juízo. Supor a alienação de um povo inteiro é loucura, e loucura não faz direito.

Suponhamos então a alienação destes indivíduos, seus filhos não podem


sofre-la uma vez que nascem livres e na idade que atingem a razão é de escolha
deles se alienar ou não. Um governo arbitrário só seria legítimo se a cada
geração fosse senhor de admiti-lo ou rejeitá-lo, mas assim tal governo já não
seria arbitrário. Renunciar a própria liberdade é renunciar a qualidade de homem,
aos direitos da humanidade, inclusive de seus deveres. Não há compensação
possível para quem a renuncie. É vão e contraditório estipular uma convenção
entre uma autoridade absoluta de um lado e uma obediência sem limites de
outro.

Quanto a origem da escravatura pelo fato da guerra, onde o vencedor tem


o direito de matar o perdedor, e em troca da liberdade do perdedor este vira
escravo, acontecendo uma suposta relação boa para ambos os lados. Sobre isso
Rousseau afirma que o direito de matar os vencidos não resulta de um estado
de guerra, pois os homens vivendo em sua forma primitiva não tinha relações
assaz frequentes entre si, assim não constituindo um estado de guerra ou de
paz. A guerra é constituída pela relação das coisas. É uma relação de Estado
para Estado, onde os particulares são acidentalmente inimigos apenas enquanto
defensores do Estado, na qualidade de soldados que, se rendendo ou se
depondo, deixam de ser inimigos e voltam a ser simplesmente homens, não
podendo outros dispor sobre suas vidas. Pode se por vezes se matar um Estado
sem matar um único de seus membros.

O direito da conquista se fundamenta na lei do mais forte, e se a guerra


não dá direito de massacrar os vencidos, a escravatura também não justifica.
Mesmo que se admita esse terrível direito de tudo matar, os vencidos (escravos)
só obedecem pois são forçados, e na primeira oportunidade que tiverem para
serem livres a agarrarão. O direito de escravizar é nulo por ser ilegítimo, absurdo
e por nada significar. As palavras direito e escravatura são contraditórias, se
excluem mutuamente.

Submeter uma multidão não é reger uma sociedade. Mesmo


considerando como ajuntamento, o seu chefe continua um particular que possui
interesse distinto do interesse dos subjugados. Grotius diz que um povo é um
povo antes de se submeter a um rei e este ato de doação pressupõe uma decisão
pública. Porém antes de analisar o ato pelo qual o povo elege um rei, é no ato
que institui um povo como tal, que verdadeiramente fundamenta a sociedade, é
anterior ao ato pelo qual se elege o rei. Se não houvesse tal convênio anterior,
não haveria obrigação dos poucos indivíduos se submeterem à escolha da
maioria.

Os homens chegando em um ponto em que os obstáculos prejudiciais a


sua resistência impostos pelo estado natural (onde estão sozinhos e sem
quaisquer relações entre si) que não tem mais condição de subsistir. O gênero
humano pareceria se não mudasse o seu jeito de ser, e teve que se unir. É
impossível os homens gerarem novas forças, mas apenas a se unir e dirigir as
já existentes. A soma das forças surge apenas quando muitas pessoas se unem
e agem de comum acordo. No entanto, a liberdade e a força são os principais
instrumentos de conservação individual. Para superar isto eis que surge o
contrato social, que consiste no ato necessário para que a união preserve cada
indivíduo e seus respectivos bens, obedecendo a si próprio e livre como antes.
As cláusulas deste contrato nunca foram formalmente enunciadas, mas valem e
são as mesmas em todos os lugares. São de tal modo determinadas pela
natureza do ato que qualquer modificação o anula e, infringido o pacto social, os
indivíduos voltam à liberdade natural e perdem a liberdade contratada. Todas as
cláusulas do contrato se reduzem a alienação total de cada um e de seus
direitos, em favor de toda comunidade. Se todos procedem desta maneira, a
condição é igual para todos e não há motivos se onerar para os outros. Se um
particular resguardar qualquer direito, a falta de um superior comum entre este
e os demais faria com que cem algum ponto cada indivíduo fosse seu próprio
juiz, o que tornaria a associação tirânica ou inútil.

Se doando a todos não se doa a ninguém. Se ganha o que se perde e


mais força para conservar o que possui. Cada um deposita sua pessoa e seu
poder sob o supremo comando da vontade geral e recebe cada um
coletivamente como parte indivisível do todo. Este pacto social produz um corpo
moral e coletivo, composto pela totalidade de indivíduos que o instituiu no ato. A
pessoa pública formada assim pela união de todas as outras recebe o nome de
República ou corpo político, e é chamado por seus membros de Estado quando
é passivo; soberano, quando é ativo; e autoridade quando comparado com seus
semelhantes. Os associados recebem o nome de povo, cidadãos ou súditos,
dependendo do contexto.

O ato de associação encerra um acordo recíproco do público para com os


particulares. Cada indivíduo contratante se sente obrigado como membro do
soberano para com os particulares, e como membro do Estado para com o
soberano. De fato, o membro não está obrigado a si mesmo, mas com um todo
de que se faz parte. A deliberação pública que obriga os vassalos perante o
soberano (por conta das diferentes relações sob as quais cada um deles é
considerado) não pode obrigar o soberano diante de si mesmo. É contra a
natureza do corpo político impor uma lei ao soberano não se pode infringir. Isso
não significa que esse corpo não pode se comprometer com outrem quando não
anule o contrato, pois em relação ao estrangeiro esse corpo se torna um ser
simples, um indivíduo. Contudo, o corpo político ou soberano não pode se
obrigar em nada que anule/cancele o contrato, como alienar parte de si ou se
submeter a outro soberano. Violar o contrato é aniquilar-se, e o que nada é nada
produz.

Quando as pessoas se reúnem em um corpo, ofender um dos membros


significa atacar o corpo, e ofender o corpo intui atacar os seus membros. Desse
modo, o dever e o interesse obrigam igualmente as duas partes contratantes a
se auxiliarem de forma recíproca. Os próprios homens devem buscar reunir as
vantagens dessa dupla relação. Ora, sendo o soberano formado por indivíduos
que o compõem, não pode haver e nem há interesses contrários aos dos
indivíduos. Por consequência a autoridade soberana não precisa responder para
com os vassalos, o soberano é o que deve ser. O mesmo não acontece em
relação aos vassalos com o soberano. Ninguém responderia seus compromissos
se não encontrasse meios de fazer com que lhe fossem fiéis.

Com efeito, cada indivíduo (como homem) pode ter interesses particulares
contrários ou dessemelhantes com a vontade geral. A existência dele é
naturalmente independente do contrato, e ele encara o que deve a causa comum
como uma contribuição gratuita. O Estado sendo um ser moral de razão e não
humano, ele gostará de gozar de todos direitos do cidadão, mas não de cumprir
as obrigações como vassalo. Com o objetivo de que não seja inútil o pacto social
(que contém tacitamente esta obrigação), será constrangido pelo corpo aquele
que se recusa a obedecer a vontade geral, o que apenas significa que será
forçado a ser livre.

A passagem do estado de natureza ao estado civil constitui no homem


transformações consideráveis. Substituiu o instinto pela justiça, e imprimiu em
suas ações a moralidade que antes lhes faltava. Somente neste momento deu-
se a voz ao dever, que fez com que o homem consultasse a razão antes de ouvir
seus pendores. O homem se vê obrigado a agir conforme princípios distintos dos
naturais. Ao entrar no estado civil, o homem passa de animal estúpido e limitado
a um ser inteligente. O homem perde pelo contrato social sua liberdade natural
e o direito ilimitado as coisas que deseja alcançar (limitada pela força do
indivíduo), mas ganha a liberdade civil (limitada pela liberdade geral) e a
propriedade de tudo o que possui (baseada em um título positivo). Há ainda a
aquisição da liberdade moral no estado civil, e isso o possibilita ser senhor de si
mesmo, enquanto o impulso do mero apetite é escravidão.

Cada membro da comunidade doa a ela no instante em que ela se forma,


ele e todas suas forças – os bens que ele possui dela fazem parte. A natureza
da posse não muda se tornando propriedade nas mãos do Estado, mas como as
forças públicas são imensamente maiores de que a de um particular, a posse
pública é mais forte e mais irrevogável. Isto pois o Estado diante de seus súditos
é senhor de todos os seus bens por conta do contrato social, que é a base de
todos os direitos de um Estado. Entretanto, não o é, no que concerne perante a
outras autoridades, senão pelo direito de primeiro ocupante concedido pelos
súditos. O direito de primeiro ocupante só se torna um direito verdadeiro após o
estabelecimento do direito de propriedade. O homem tem direito aquilo que lhe
é necessário, mas o ato positivo, que o torna proprietário, o excluí de todo o
resto. Feita sua parte, o homem deve se limitar a estes (bens que se tornou
proprietário), sem nenhum direito a comunidade. Isto explica o fato do direito de
primeiro ocupante ser tão frágil no estado de natureza, ser respeitável pelos
homens civis.

Para se autorizar o direito de primeiro ocupante sobre um terreno qualquer


são necessárias algumas condições. Primeiro que o terreno ainda não se
encontre habitado por ninguém. Segundo que se ocupe apenas a área de que
se tem necessidade para subsistir. E em terceiro, que se tome posse não por
cerimônia, mas pelo trabalho e cultivo, sinais de propriedade na ausência de
títulos jurídicos e que devem ser respeitados pelos outros.

As terras dos indivíduos, reunidas e contiguas, se tornaram território


público, e o direito de soberania, que se estendia sobre os súditos, tornaram
suas propriedades reais e pessoais, criando uma dependência ainda maior dos
possuidores que utilizam suas forças para a sua felicidade. Reis antigos, que
não percebiam essa vantagem, se denominavam reis dos povos, como rei dos
persas. Reis de hoje, mais hábeis, se intitulam reis dos territórios, como rei da
Espanha, rei da França e etc. Dominando os territórios se fazem mais confiantes
para dominar os habitantes.
O singular desta alienação é que a comunidade, ao aceitar os bens dos
particulares, os garante posse legítima, transformando a usurpação em direito,
a fruição em propriedade e os possuidores em depositários do bem público, com
seus direitos respeitados pelos membros do Estado e sustentados contra o
estrangeiro. Pode ocorrer também que os homens se unam sem qualquer
propriedade, e apropriando-se em seguida de um terreno suficiente para todos,
podem usá-lo comunitariamente ou dividi-lo, seja em partes iguais ou em partes
apontadas pelo soberano. Independentemente de como se adquire a
propriedade, o direito do particular sobre os seus bens está subordinado ao
direito que a comunidade tem sobre tudo. O pacto fundamental substitui por uma
igualdade moral a desigualdade dos indivíduos, seja de força ou talento,
tornando-os iguais por convenção e direito.

Somente a vontade geral pode dirigir as forças do Estado, segundo o fim


de sua instituição, o bem comum. Enquanto a oposição de interesses
particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, a conciliação
destes mesmos interesses é que a tornou possível. Assim, se as sociedades
foram estabelecidas através da conciliação dos interesses particulares, é
unicamente à base desse interesse comum que se deve governar a sociedade.
O que será a soberania se não exercício da vontade geral, e que nunca pode se
alienar. O soberano é um ser coletivo e é representado por si mesmo. O poder
é transmissível, mas a vontade não. É impossível fazer uma vontade particular
concordar com a vontade geral em torno de algum ponto, e é impossível também
que o acordo se mantenha durável e constante, logo que a natureza da vontade
particular são as suas próprias preferências e da vontade geral a igualdade. Mais
impossível é um fiador deste acordo, pois se houvesse seria um efeito do acaso.
Não há poder que possa obrigar o ser que deseja a consentir algo contrário ao
seu próprio bem. Se o povo promete simplesmente obedecer, perde a condição
de povo e se dissolve por este ato. Se houver um senhor não haverá soberano
e o corpo político se dissolverá.

Pela mesma razão que a torna alienável, a soberania é indivisível, por que
a vontade é geral ou não é. A declaração da vontade geral é um ato soberano e
é confirmado como lei. A declaração de uma parte é uma vontade particular ou
ato de magistratura (um decreto, no máximo). Como a soberania não é divisível,
a princípio, os políticos a dividem em seus fins e objeto, em força e vontade, em
poder executivo, legislativo, etc., ora confundindo as partes, ora separando-as.
Fazem do soberano um ser fantástico formado de peças ajustadas. Após
desmembrar o corpo social com habilidade e prestígio ilusórios, unem as
diferentes partes não se sabe como. Este erro é proveniente da inexistência de
noções exatas da autoridade soberana, como partes integrantes da autoridade
o que eram apenas emanações dela. Sobre esta ótica o direito de guerra foi visto
como um ato de soberania, o que é falacioso, pois estes atos não constituem
uma lei, se tratando de aplicação da lei. Observado assim as outras divisões, o
mesmo erro ocorre novamente. É ilusória a divisão da soberania. Os direitos
tomados como parte da soberania lhe são subordinados e sempre supõe
vontades supremas, dos quais esses direitos só dão a execução.

A vontade geral é sempre reta e tende à utilidade pública, mas nem todas
as deliberações possuem sempre a mesma retitude. Sempre se quer o próprio
bem, mas nem sempre o vê. Não se corrompe um povo, mas o pode enganar.
Há diferenças entre a vontade geral e a vontade de todos. A vontade geral olha
o interesse comum e a outra o interesse privado, soma de vontades particulares.
A vontade geral é o resultado da soma das vontades particulares subtraídas das
vontades que reciprocamente se destroem. O povo quando delibera
suficientemente informado será bom e a vontade geral se dará pela soma das
pequenas diferenças se os cidadãos permanecerem incomunicáveis. Porém,
quando há brigas e formações de facções e associações parciais as custas da
associação geral, a vontade de cada uma destas se torna a vontade geral dos
seus membros, e particular perante ao Estado. Pode se afirmar que não há
tantos votantes quanto são os homens. As diferenças serão mais numerosas e
o resultado menos geral. Se a vontade de uma destas associações excederem
a geral, o resultado será a diferença e não a somas das diferenças. Afim de se
ter o perfeito enunciado da vontade geral não pode haver sociedade parcial e
todo o cidadão deve manifestar o próprio pensamento. Se houver sociedades
parciais será necessário multiplicar o seu número e prevenir a desigualdade
entre elas.

O Estado e as cidades são pessoas morais em que avida reside na união


de seus membros, logo é preciso uma força universal e compulsória que mova
suas partes da forma mais conveniente vontade geral. Ora, se a natureza dá ao
homem o comando de seus membros, o pacto social dá ao corpo político o poder
absoluto sobre os seus. O poder absoluto dirigido pela vontade geral é a
soberania. Além de uma pessoa pública há de se considerar as privadas, cuja a
vida e a liberdade são independentes delas. Para isso é necessário distinguir os
direitos dos cidadãos e do soberano, os deveres como vassalos e direitos como
homens. Convém que se alienem poderes, liberdades e bens dos indivíduos
apenas na medida cujo são necessários à sociedade. Só o soberano pode ser
juiz desse interesse. Tudo os serviços que o soberano possa solicitar passam a
constituir um dever. No entanto, este serviço não pode ser inútil a sociedade. Os
empenhos que nos ligam ao corpo social só são obrigatórios por serem
recíprocos. Não se pode trabalhar para outrem sem trabalhar para si. Isto
comprova que a igualdade de direito e a noção de justiça que produz derivam da
preferência que cada qual se atribui. Também comprova que a vontade geral
deve existir em seu objeto bem como em sua essência, partindo de todos para
se aplicar a todos. Quando se trata de um direito ou fato particular sem regulação
geral e prévia, torna-se um processo contencioso, com particulares interessados
como uma parte e o público outra, onde não há lei ou juiz adequado. Uma
expressa decisão da vontade geral seria apenas a conclusão de uma das partes,
uma vontade estranha, particular e injusta. Como a vontade particular pode não
representar a vontade geral, por sua vez, muda de natureza quando cuida de um
objeto particular e não pode decidir nem sobre um homem ou fato.

Percebe-se que a vontade geral é o interesse comum (que a juntou a


priori) e não de fato o número de vozes. Isto pois em uma instituição onde todos
estão (e se submetem) sob as mesmas condições de acordo do interesse e da
justiça, que confere igualdade às deliberações comuns, que desvanece na
discussão dos negócios particulares, na falta de um interesse comum que uma
e identifique o juízo do juiz com o da parte. De qualquer lado que se analise,
conclui-se sempre que o pacto social estabelece a igualdade entre todos,
colocando-os em mesmas condições e os fazendo usufruir dos mesmos direitos.
O ato de soberania não é um convênio entre o superior e o inferior, mas uma
convenção do corpo com cada um dos seus membros: convenção legítima
porque se baseia no contrato social; equitativa por ser comum a todos; útil por
se importar apenas com o bem geral, por possuir como fiadores a força do
público e o poder supremo. Enquanto os súditos se encontrarem submissos
apenas a tais convenções, obedecerão unicamente à própria vontade.

O poder do soberano, absoluto, sagrado e inviolável não pode passar dos


limites das convenções gerais, e que todo cidadão pode dispor da parte de bens
e liberdade que lhe foi deixada por essas convenções. O soberano jamais pode
sobrecarregar um vassalo mais que outro, pois assim torna-se o negócio
particular deixando o seu poder se ser competente.

Com estas distinções é falso haver no contrato dos particulares qualquer


renúncia verdadeira, uma vez que a situação estabelecida pelo contrato é mais
vantajosa que a situação anterior. Em lugar de alienação, fizeram uma troca
vantajosa, do incerto e precário para o certo e vantajoso, da independência
natural pela liberdade, do poder de causar dano ao próximo pela segurança, da
força pelo direito que a união torna invencível.

Como podem os particulares transferir ao soberano o direito de dispor de


suas próprias vidas, sendo esse um direito que eles mesmos não possuem. Todo
homem tem o direito de arriscar sua vida a fim de conservá-la. O tratado social
tem justamente este objetivo, de conservação dos contratantes. Quem quer o
fim quer também os meios, e os meios são inseparáveis de alguns riscos e
perdas. Quem quer conservar a vida às expensas dos outros deves dá-la por
eles quando necessário. Quando o Estado diz que sua morte é útil a ele, tu deves
morrer pois viveu em segurança sob essa condição até então, e a vida não é
mais uma mercê da natureza, mas um dom condicional do Estado. A pena de
morte é vista sobre este ponto de vista.

Todo malfeitor torna-se traidor da pátria ao atacar o direito social, ao violar


suas leis. Deixa de ser membro e chega mesmo a declarar guerra. A
conservação do Estado torna-se incompatível com a sua e é preciso que um dos
dois pereça. O condenado à morte é mais inimigo que cidadão. O direito de
guerra manda matar o vencido. E a condenação é de fato um ato particular. É
um direito que o soberano pode conferir sem o poder exercer pessoalmente. É
somente do soberano a decisão de agraciar ou isentar um culpado da pena
imposta pela lei. Ele está acima do juiz e da lei e, portanto, tem este direito de o
faze-lo. Embora não esteja claro este direito e o seu uso tem sido raro. Num
Estado bem governado há poucas punições não pela concessão de graças, mas
por haver poucos criminosos. A quantidade de crimes assegura a impunidade,
quando o Estado se deteriora. As graças frequentes são indícios de que em
breve os criminosos não mais precisarão deles e cada um pode ver onde isso
nos conduzirá.

Pelo pacto social damos a existência ao corpo político, e o que o move e


sua vontade reside na legislação. Ainda que o ato primitivo nos una, ele não nos
diz o que devemos fazer para conservá-lo. O que é bom e conforme a ordem o
é pela natureza das coisas e independe das convenções humanas. Rousseau
admite que toda justiça vem de Deus, mas não sabemos recebe-la, se
soubéssemos não precisaríamos de governo e leis. Existe uma justiça universal
que emana da razão, mas que precisa ser recíproca para ser admitida entre nós.
É necessário convenções e leis para unir os direitos e deveres e encaminhar a
justiça ao seu objetivo. No estado natural nada se deve àqueles a quem nada se
prometeu - só se reconhecia como de outrem aquilo que me é inútil. No estado
civil isso não acontece pois os direitos são fixados por lei.

Não há de modo algum a vontade geral num objeto particular (que se


encontra no Estado ou fora dele), por que seria uma vontade estranha ao objeto.
Se o objeto está no Estado então se constituem dois seres separados – o objeto
em si e o todo (Estado) sem aquele objeto. Todavia, o todo sem uma parte não
é de modo algum o todo, se tornando duas partes desiguais. Logo a vontade de
uma não é mais geral em relação à outra.

Quando o povo estabelece sobre o povo, só a si mesmo considera. A


relação que se forma é do objeto inteiro visto pelo mesmo objeto inteiro, sem
nenhuma divisão. Então a matéria que se estabelece passa a ser geral, da
mesma forma que é geral a vontade que a estabelece. A este ato é o que
Rousseau chama de Lei.

Quando se diz que o objeto da Lei é sempre geral é porque a Lei considera
os vassalos e as ações de forma abstrata, nunca como indivíduos e ações
particulares. Deste modo a lei pode estabelecer perfeitamente que haverá
privilégios, mas não nominar a quem. Pode estabelecer um governo real e uma
sucessão hereditária, mas não pode eleger um rei ou nomear uma família real.
Toda função que se relacione com o objeto individual não pertence de nenhum
modo ao poder legislativo. As leis (conforme esta ideia disposta) constituem aos
atos da vontade geral. Emanam da vontade popular. Nem o príncipe está acima
da lei, dado que é membro do Estado. Nem se a lei pode ser injusta, dado que
ninguém é injusto consigo mesmo; nem em que sentido nós somos livres e
sujeitos às leis, dado que estas são apenas registros de nossas vontades. É
evidente que tudo que um homem ordena de sua cabeça, seja ele quem for, não
é lei; também, o que o corpo soberano ordena sobre um objeto particular não é
lei. É um decreto, não uma lei. É ato de magistratura, não ato de soberania.

República é todo Estado redigido por leis, pois então somente o interesse
público governa, e a coisa pública algo representa. Todo governo legitimo é
republicano. As leis são as condições de associação civil. O povo que se
submete às leis deve ser o autor das mesmas. São elas que dão as diretrizes da
vida social e do modo de organização. Surge então a necessidade de um
legislador.

A figura do legislador conhece as paixões e o íntimo humano, mas não é


influenciado por estes fatores. O legislador é o mecânico que inventa a máquina,
o príncipe é o operário que a faz funcionar. Diz Montesquieu que no nascimento
das sociedades os chefes das repúblicas criam as instituições, e depois as
instituições é que formam os chefes das repúblicas. Quanto mais se extingue as
forças naturais, mais sólida e perfeita é a instituição. Se cada cidadão nada é,
nada pode ser sem a ajuda dos outros, e a força adquirida pelo todo é igual ou
superior à soma das forças naturais dos indivíduos, conclui-se que a legislação
se encontra no ponto mais alto de perfeição que possa ser atingido.

O legislador é, de qualquer ponto de vista, um homem extraordinário no


Estado. É uma função particular e superior e que nada tem em comum com o
império humano; pois, se quem dirige os homens não pode dirigir as leis, o
mesmo motivo impede que quem dirige as leis dirija os homens, pois o sentido
das leis seria alterado por intuitos particulares.

Como o grande arquiteto observa se o solo sustenta o peso daquilo que


sobre ele construirá, o sábio instituidor deve examinar anteriormente se o povo
está apto a aceitar as boas leis que redigirá. Por isso Platão se recusou a dar
leis aos árcades e cirenaicos, que eram ricos e não admitiriam a igualdade.
Também por isso se viu em Creta leis perfeitas e homens perversos, pois Minos
disciplinara um povo sobrecarregado de vícios. Os povos e os homens são
dóceis na juventude, mas tornam-se incorrigíveis ao envelhecerem. Enraizados
os costumes e preconceitos, torna-se perigoso e inútil pretender reformá-los;
sequer concordam que lhe toquem os males para destruí-los, à semelhança de
estúpidos e doentes na presença de um médico. Épocas violentas ou
revolucionárias podem fazer o horror do passado substituir o esquecimento, e o
Estado incendiado pelas guerras civis rejuvenescer e escapar da morte. As
agitações, então, podem destruí-lo ao passo de o restabelecer; e rompido seus
grilhões, deixa de existir. Daí em diante, passa a necessitar de um senhor, e não
de um libertador. Pode-se adquirir a liberdade, mas nunca a recobrar.

Assim como a natureza definiu adequadamente a estatura de um homem


bem conformado, fez o mesmo ao Estado limitando-lhe a sua extensão, para que
não seja muito grande para ser bem governado e nem muito pequeno para
manter-se por si mesmo. Quanto mais o Estado se expande mais ele se afrouxa
no laço social. Em geral, um pequeno Estado mais forte que um grande (claro
que proporcionalmente. Se mensura um corpo político por duas razões: a
extensão de seu território e o número de sua população.

O objetivo de todo sistema de legislação se reduz a dois objetivos: a


igualdade e a liberdade. Esta pois toda independência particular é outra tanta
força subtraída do Estado; e a igualdade por que a liberdade não pode subsistir
sem ela.

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