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Apresentação
Caro aluno, nesta nossa quarta aula, teremos a oportunidade de discutir uma
terceira forma narrativa: o conto. Primeiramente, veremos em que consiste o conto
popular ou maravilhoso. Em seguida, já nos detendo exclusivamente ao conto
literário ou artístico, esboçaremos um breve histórico e, por fim, discutiremos suas
principais características.
Objetivos
Conceituar e caracterizar o conto popular.
Conceituar e caracterizar o conto literário.
Acompanhar o histórico do conto literário.
O conto popular
Em suas manifestações populares, o conto é uma forma narrativa milenar,
presente em todas as sociedades. Em sociedades ágrafas, em que a escrita não se
faz presente, o conto popular acaba por ser uma das formas mais universais de
transmissão cultural, registrando, entre outras coisas, seus valores, costumes,
folclore e formas jurídicas (D’ONOFRIO, 2007, p. 92).
Os contos populares caracterizam-se por serem narrativas de autoria
desconhecida e por serem transmitidas por via oral. Nessa transmissão, as
narrativas vão sofrendo modificações, ora em sua superfície do discurso, ora nos
próprios eventos da história1. Daí a explicação para haver mais de uma versão para
1
Para uma discussão sobre a diferença entre discurso e história, ver a aula 7.
cada conto. Nesse sentido, ficaríamos sem respostas ao nos perguntar quem teria
criado a história da “Bela adormecida” ou do “Boi voador”. E também constaríamos
que, a cada vez que alguém a conta, mesmo mantendo-se essencialmente a
mesma, ela ganha novas cores.
Outra característica dos contos populares consiste na fraca determinação de
alguns de seus elementos, como as personagens, o tempo e o espaço em que se
passam a história narrada. Em geral, as personagens são inominadas, ou seja, não
apresentam nomes e são identificadas basicamente pela função que exercem ou
pelos atributos que possuem. São referidas como o príncipe, o pescador, o mendigo,
a bruxa, a feiticeira, a madrasta, a filha, a bela, o velho, o caboclo, o lobo, o cordeiro
etc.
Quanto ao tempo e ao espaço, é comum que sejam descritos de modo vago,
sem qualquer referência a um país ou cidade em particular, e ainda, sem que se
explicite em que ano os fatos se passaram. Como bem observa Salvatore D’Onofrio,
“‘A fórmula “Era uma vez...’, além de assinalar a entrada no mundo mágico da
ficção, remete-se a um tempo indefinido, eterno, que pode ser o pretérito, o presente
ou o futuro, pois o passado mítico se renova constantemente, tornando-se
paradigmático.” (D’ONOFRIO, 2007, p. 94)
Esse “mundo mágico” típico dos contos populares é permeado de eventos
fantásticos, o que justifica esse tipo de conto também ser chamado de conto
maravilhoso. Não é raro termos a presença de seres sobrenaturais ou vermos
personagens executando ações que ferem a lógica costumeira do mundo real.
Foi principalmente no século XIX, quando os adeptos do Romantismo
passaram a enxergar nas narrativas populares uma fonte natural de histórias
tipicamente nacionais, representativas de sua cultura local em oposição aos
cânones universalistas do Classicismo, que o conto popular ganhou importância.
Passou, então, a ser visto como um repositório de valores culturais autênticos e de
manifestações linguísticas tipicamente regionais, fundamentais para empenho que
de valorização das especificidades das culturas nacionais. Muitos escritores e
filólogos, a exemplo dos irmãos Grimm, na Alemanha, empenharam-se em coletar e
divulgar essas narrativas que, a princípio, circulavam apenas em círculos
socioculturais menos eruditos. E, nesse período, são primeiramente registrados por
escrito contos populares como “João e Maria”, “Chapeuzinho Vermelho”, “Branca de
Neve”, entre outros.
No Brasil, dois dos mais representativos pesquisadores dos contos populares
foram Sílvio Romero, no final do século XIX, e Luís da Câmara Cascudo, ao longo
do século XX. A riqueza de nossa narrativa oral se dá pelo fato de nela
encontrarmos contos de origem indígena, africana e europeia. Câmara Cascudo
(1984, p. 256), no livro Literatura oral no Brasil, propõe a seguinte classificação
dos contos populares: contos de encantamentos, contos de exemplo, contos de
animais, facécias, contos religiosos, contos etiológicos, demônio logrado, contos de
adivinhação, natureza denunciante, contos acumulativos e ciclo de morte.
Atividade 1
Pesquise e transcreva algum conto popular que circula em sua região. Em seguida,
elabore sobre ele um breve comentário, tomando como referência, as seguintes
questões: quem é o autor da história? Quando ocorreram os fatos narrados? Onde a
história se deu? Quem são as personagens? Os fatos narrados mantêm-se dentro
da lógica do mundo real? Ao final da pesquisa, compartilhe os resultados com seu
tutor.
O conto literário
Diferentemente do conto popular, o conto literário apresenta uma autoria
determinada. Além disso, trata-se de uma manifestação literária exclusiva das
sociedades letradas, uma vez que sua transmissão se dá por meio do texto
impresso. Com isso, os contos literários apresentam uma única versão (a não ser
quando o próprio autor reelabora e publica uma segunda versão de um conto já
publicado anteriormente). A fixidez do discurso do conto literário é o que possibilita
que seu estrato estilístico seja um dos elementos mais importantes, pois traz a
marca singular de autoria.
Outra diferença básica entre o conto literário e o conto popular consiste no fato
de o conto literário, em geral, não se valer tanto de situações e personagens
sobrenaturais quanto o conto maravilhoso. Sobre esta questão, afirma Salvatore
D’Onofrio que o conto literário
Atenção
Apesar de termos apresentado as características do conto literário típico, é
fundamental guardarmos em mente que o fato de um conto atender à tipicidade do
gênero não lhe garante qualidade estética. Numerosos contos considerados como
grandes obras literárias – muitos dos quais de autores exponenciais como Machado
de Assis, Guimarães Rosa e Jorge Luis Borges – não se enquadram plenamente no
esquadro do conto típico. Para uma discussão a esse respeito, ver Arturo Gouveia
(2009).
Atividade 2
Considerando o exposto sobre as características do conto literário (típico), elabore
um comentário sobre o conto abaixo, de autoria de Clarice Lispector, destacando em
que aspectos o conto se aproxima e em que aspectos ele se afasta da
caracterização proposta pelo teórico:
FELICIDADE CLANDESTINA
Autoavaliação
1. Em que consiste o conto popular?
“Xô, xô passarinho,
Aí não toques o biquinho,
Vai-te embora pr’a teu ninho...”
“Xô, xô passarinho,
Aí não toques o biquinho,
Vai-te embora pr’a teu ninho...”
Referências
ANDRADE, Mário. Vestido de preto. In: ______. Contos novos. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2012. p. 17-25.
CASCUDO, Luís da Camara. Literatura oral no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte:
Ed.Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1984.
D’ONOFRIO, Salvatore. Forma e sentido do texto literário. São Paulo: Ática, 2007.
GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do conto. 7. ed. São Paulo: Ática, 1995.
HILST, Hilda. Aguenta coração. In: COSTA, Flávio Moreira da (org.). 22 contistas
em campo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p. 158.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. In: ______. Felicidade clandestina:
contos. Rio de Janeiro: Rocco, 1998, p. 9-12.
MOISÉS, Massaud. A criação literária: prosa 1. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
PELLEGRINI JR., Domingos. “Mãe”. In: VÁRIOS AUTORES. Histórias de um novo
tempo: o novíssimo conto brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1977.