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Aula 1: Por que ler ou estudar narrativa de ficção?

Apresentação
Caro aluno, iniciaremos esta nossa primeira aula discutindo uma questão
fundamental para os estudantes de um curso de Licenciatura em Letras, futuros
professores de língua portuguesa e literatura brasileira. Certamente, daqui a alguns
anos, como professor, você será indagado por seus alunos sobre questões como:
por que ou para que ler ou estudar literatura? É bem possível que quando estudante
do ensino fundamental ou médio você mesmo já tenha levantado tais questões. E é
para propor algumas respostas consistentes a elas que esta aula foi elaborada.

Objetivos
 Identificar a importância sociocultural da narrativa de ficção.
 Listar as funções socioculturais da narrativa de ficção.

Narrativa literária: ler por quê? Ler para quê?


Caro aluno, você, em alguma etapa da vida, deve ter indagado sobre questões
como: há espaço para a narrativa de ficção nos dias de hoje? Num mundo cada vez
mais descrito como sendo o da competição entre os indivíduos, o da velocidade
crescentemente acelerada, em que as urgências práticas do dia a dia parecem
consumir toda a nossa energia, a ficção tem alguma contribuição importante a dar?
Ela não é apenas um escape irresponsável, um mero passatempo que nos
desorienta das coisas realmente relevantes da vida cotidiana? Em palavras claras:
ler ficção no mundo atual não é uma perda de tempo?
De fato, neste contexto cada vez mais pautado por uma orientação pragmática,
é, no mínimo, esperado que se pergunte por que ou para que ler ou estudar
literatura. Essas questões precisam ser constantemente levantadas por quem, como
os professores de língua portuguesa, lidam com a literatura em seu cotidiano,
conduzindo, inclusive, dezenas ou centenas de indivíduos em formação, que são os
seus alunos, a se debruçarem sobre os livros de literatura. Você, como futuro
professor, precisa fazer dessa indagação algo constante desde agora.
Como guia para nossa discussão, seguiremos de perto, nesta aula, algumas
reflexões de dois grandes nomes do campo da literatura: Antonio Candido e Mario
Vargas Llosa, defensores da relevância da arte da ficção, seja para o indivíduo, seja
para a sociedade como um todo.

Antonio Candido de Mello e Souza nasceu no Rio de Janeiro em 1918. Fez toda sua
formação acadêmica no estado de São Paulo, onde atuou como professor da USP
por mais de três décadas. É considerado um dos principais historiadores e críticos
da literatura brasileira. Entre as suas obras mais importantes destacam-se
“Formação da literatura brasileira: momentos decisivos” (1959), “Literatura e
sociedade” (1965) e “O discurso e a cidade” (1993). Fazendo jus a sua formação em
Sociologia e em Estudos Literários, é uma marca dos estudos de Candido a
apreensão da literatura tanto como fato histórico-social quanto como fato estético-
formal.

Fonte: Revista Nossa América, ed. 24, 2006. Disponível em:


<http://memorial.org.br/revistaNossaAmerica/24/port/44-antonio_candido.htm>. Acesso em:
23 mar. 2013.

Mario Vargas Llosa nasceu em Arequipa, no Peru, em 1936. É um dos escritores


latino-americanos mais reconhecidos em todo o mundo, tendo vencido alguns dos
mais notáveis prêmios literários, entre eles o Prêmio Nobel de Literatura em 2010.
Autor de numerosos romances, peças de teatro e ensaios literários e políticos, Llosa
tem entre suas obras mais destacadas os romances “A cidade e os cachorros”
(1962), “Conversa na Catedral” (1969) e “Pantaleão e as visitadoras” (1973). Parte
considerável de sua produção ficcional, sem descuidar da alta qualidade estética,
mostra-se politicamente engajada.
Fonte: Foto de U. Montan. Disponível em:
<http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/2010/vargas_llosa.html>.
Acesso em: 22 mar. 2013.

Antonio Candido escreveu ao menos dois textos em que põe em primeiro plano
de discussão o que genericamente podemos chamar de funções da literatura. O
primeiro deles, “A literatura e a formação do homem”, foi originalmente proferido
como palestra na XXIV reunião anual da SBPC, em São Paulo, em julho de 1972. O
segundo, “O direito à literatura”, foi pronunciado, também como palestra, no curso
organizado pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, em
1988. Já Mario Vargas Llosa escreveu vários textos sobre o tema em pauta.
Destacamos dois deles: “A verdade das mentiras”, de junho de 1989 e “A literatura e
a vida”, de abril de 20011.
Antes de passarmos efetivamente às discussões, lembramos que a leitura do
conteúdo desta aula não elimina a necessidade de se fazer a leitura integral dos
quatro ensaios que tomamos como pontos de apoio reflexivo. Além do que, é
importante que você busque outros textos, de outros autores, que também tratem da
questão central de nossa aula, seja para ver reforçados os argumentos aqui
expostos, seja para vê-los contrapostos.

Mais do que mero entretenimento, um direito humano


Vargas Llosa, em “A literatura e a vida”, afirma existir uma concepção bastante
disseminada segundo a qual

1
É sempre importante sabermos quando os textos que estudamos foram escritos, uma vez que o
contexto de enunciação sempre, de algum modo, direciona os enunciados. Por essa razão, sabendo
do contexto, compreendemos melhor os textos.
a literatura é uma atividade prescindível, um entretenimento,
seguramente elevado e útil para o cultivo da sensibilidade e das
maneiras, um adorno que pode se permitir quem dispõe de muito
tempo para a recreação, e que deveria ser afiliado entre os esportes,
o cinema, o bridge ou o xadrez, porém, que pode ser sacrificado sem
escrúpulos na hora de estabelecer uma ordem de prioridades nos
afazeres e nos compromissos indispensáveis da luta pela vida.
(LLOSA, 2004, p. 349).

Como vemos, segundo esta visão, a literatura poderia ser dispensada sem
grandes perdas para a sociedade. Sua importância seria secundária, serviria apenas
para a diversão das pessoas em momentos de lazer ou ainda para dar um “verniz
cultural” àqueles que a cultivassem. Sempre que comparada às atividades vistas
como práticas, a literatura se mostraria inútil e irrelevante 2.

Figura 1 – Dom Quixote em sua biblioteca, desenho de Gustave Doré


Fonte: Don Quijote: Engravings by Gustavo Doré. Disponível em:
<http://www.doreillustrations.com/donquixote/dore-quixote144.html>. Acesso em: 22 mar.
2013.

Antonio Candido, por sua vez, em “O direito à literatura”, observa que muitas
pessoas, quando pensam em direitos humanos, sempre enumeram alimentação,
moradia, vestuário, transporte, instrução, saúde, liberdade individual, amparo da
2
Miguel de Cervantes, em sua obra-prima “O engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha”,
publicada em 1605, ironicamente parece fazer coro com essa visão depreciativa da literatura de
ficção como um exercício de diletantismo inútil. Já no “Prólogo” da obra, ele se dirige ao leitor com as
seguintes palavras: “Desocupado leitor”. (CERVANTES SAAVEDRA, 2007, p. 29) Já o romancista
russo Ivan Turguêniev, por sua vez, expõe pela fala de Bazárov, do romance “Pais e filhos”, publicado
em 1862, uma concepção semelhante: “Um químico honesto é vinte vezes mais útil do que qualquer
poeta” (TURGUÊNIEV, 2004, p. 52).
justiça pública, entre outros itens que “asseguram sobrevivência física em níveis
decentes”. Todavia, destaca o autor, que dificilmente se lembram de colocar nesta
lista itens que “garant[a]m a integridade espiritual, a exemplo do direito à crença, à
opinião, ao lazer [...], à arte e à literatura” (CANDIDO, 1995, p. 241). Ao considerar
que, em regra geral, a literatura não é vista como um direito humano, Candido, do
mesmo modo que constatara Vargas Llosa, também constata que a literatura tem
sido considerada por muitos como uma atividade prescindível, como algo que não
necessariamente precisa ser assegurado às pessoas.
É contra essa concepção que redutoramente enxerga a literatura como inútil,
como desimportante, como, no máximo, uma necessidade secundária, que Vargas
Llosa e Antonio Candido se insurgem, propondo argumentos que sustentam uma
perspectiva contrária a essa. Mais do que verem na leitura da literatura uma
atividade que se limita a uma experiência do campo do lúdico e do prazer, ambos a
enxergam como uma prática imprescindível para a plena integridade do homem e da
sociedade.
Para Antonio Candido, a literatura é algo tão relevante que deveria ser
enumerado entre os direitos garantidos a todos os indivíduos. Ela deveria estar,
portanto, entre os bens incompressíveis, ou seja, entre os bens que nunca poderiam
ser negados a nenhum indivíduo, uma vez que corresponderiam “a necessidades
profundas do ser humano, a necessidades que não podem deixar de ser satisfeitas
sob pena de desorganização pessoal, ou pelo menos frustração mutiladora.” (1995,
p. 241) Para ele, a literatura é um instrumento de humanização, porta uma função
humanizadora, visto que tem a capacidade de “confirmar a humanidade do homem”
(2002, p. 77). Neste contexto, Candido (1995, p. 249) entende por humanização

o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos


essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa
disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a
capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a
percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do
humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na
medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a
natureza, a sociedade, o semelhante.

Vargas Llosa, por sua vez, se põe declaradamente contrário à ideia de


“literatura como um passatempo de luxo” ou como “um dos enriquecedores afazeres
do espírito”. Defendendo o caráter insubstituível da literatura para a formação dos
indivíduos e para a constituição de uma sociedade democrática, afirma estar

convencido de que uma sociedade sem literatura, ou na qual a


literatura foi relegada, como certos vícios inconfessáveis, às margens
da vida social e convertida [a] pouco menos que num culto sectário,
está condenada a se barbarizar espiritualmente e a comprometer sua
liberdade. (LLOSA, 2004a, p. 350).

Cabe-nos, a partir de agora, acompanhar os argumentos que movem nossos


dois autores a verem a leitura da literatura como uma prática tão importante a ponto
de um deles afirmar que ela deveria ser considerada um direito humano, um
instrumento de humanização, e o outro a afirmar que sem a sua presença plena uma
sociedade estaria condenada a se barbarizar espiritualmente e a comprometer a sua
liberdade.
Antes, porém, que tal você fazer uma breve pesquisa?

Atividade 1
No primeiro passo da atividade, faça entrevistas com cinco pessoas de seu convívio
– seus pais, irmãos, amigos – a fim de saber o que eles pensam acerca da leitura de
narrativas de ficção nos dias atuais. Para melhor organizar as entrevistas, antes de ir
a campo, elabore um questionário com aproximadamente cinco questões. Esse
questionário deve ser flexível, a fim de poder se adaptar com naturalidade à situação
de cada entrevista. Como exemplo de perguntas, você pode indagar se a leitura de
narrativas de ficção pode trazer algum benefício aos indivíduos, se é uma atividade
essencialmente lúdica, se é um passatempo, se deve ser evitada quando se tem
algo mais sério a se fazer, se é importante para pessoas de qualquer idade, se deve
ser considerado um direito humano, se faz alguma diferença no convívio dos
indivíduos de uma sociedade, etc. Evite sugestionar as respostas. No segundo
passo da atividade, faça uma reflexão acerca das respostas obtidas e elabore um
texto ressaltando as visões predominantes dos entrevistados acerca da leitura da
narrativa de ficção.
A literatura e a satisfação da necessidade universal de fantasia
Parece ser comum a todos os povos a necessidade da imaginação e manter
algum contato com a fantasia, com alguma espécie de ficção. Sejam as narrativas
que vivenciamos em nossos sonhos, sejam as fábulas, os chistes, as piadas, as
histórias em quadrinhos, os filmes, as canções, nenhum indivíduo é “capaz de
passar as vinte quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo
fabulado” (CANDIDO, 1993, p. 242). É neste contexto que o autor afirma que esta
função da literatura, que, tanto em suas manifestações mais espontâneas quanto em
suas realizações mais sofisticadas, possibilita às pessoas contato com experiências
do universo fabular. Ainda de acordo com Candido, “a literatura é o sonho acordado
das civilizações. Portanto, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem
o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem literatura.” (CANDIDO,
1995, p. 242-3).
Algo semelhante é percebido por Mário Vargas Llosa, quando, no ensaio “A
verdade das mentiras”, afirma que:

Quando lemos romances, não somos o que somos habitualmente,


mas também os seres criados para os quais o romancista nos
transporta. Esse traslado é uma metamorfose: o reduto asfixiante
que é nossa vida real abre-se e saímos para ser outros, para viver
vicariamente experiências que a ficção transforma como nossas.
Sonho lúcido e fantasia encarnada, a ficção nos completa – a nós,
seres mutilados, a quem foi imposta a atroz dicotomia de ter uma
única vida, e os apetites e as fantasias de desejar outras mil. Esse
espaço entre a vida real e os desejos e as fantasias, que exigem que
seja mais rica e mais diversa, é preenchida pelos livros de ficção.
(LLOSA, 2004b, p. 17).

A função cultural integradora da literatura


Numa época cada vez mais marcada pela especialização, em que o
desenvolvimento das ciências e das técnicas segrega em seus respectivos nichos os
entendidos em cada área do conhecimento, a tendência é que os indivíduos se
tornem mais e mais distanciados da convivência num universo sociocultural mais
amplo, passando a compartilhar apenas com os poucos de sua “espécie” o mesmo
vocabulário, valores e interesses. Nas palavras de Llosa, essa progressiva
especialização “conduz à incomunicabilidade social, ao esquartejamento do conjunto
dos seres humanos em assentamentos ou guetos culturais de técnicos ou
especialistas.” (LLOSA, 2004a, p. 351).
Uma das consequências dessa incomunicabilidade social é a formação de
grupos cada vez mais confinados em seus próprios repertórios culturais. Seus
integrantes acabam perdendo a capacidade de lançar ao mundo um olhar mais
totalizador que vê a si, aos seus próximos e aos que pertencem a outros grupos
socioculturais como membros de um único conjunto de seres humanos. Como
resultado desse alheamento, há o acirramento das tensões entre indivíduos ou
povos que, por não se conhecerem e não se respeitarem, desfiguram e rebaixam
uns aos outros, potencializando mal-entendidos, ódios e violências.
Neste contexto, a literatura apresenta-se como um fundamental instrumento de
aproximação e coexistência entre os grupos sociais. Isto porque, inversamente do
que ocorre com a ciência e com a técnica, a literatura apresenta um potencial
integrador da coletividade humana. Mesmo quando lemos obras escritas por
escritores que viveram em épocas ou em espaços geográficos muito diversos dos
nossos, percebemos que compartilhamos com esses escritores e suas personagens
de ficção muitos de nossos atributos e sentimentos humanos, que são, até certa
medida, universais e atemporais. No ato da vivência ficcional, podemos nos dar
conta de um conjunto de “denominadores comuns da experiência humana, graças
ao qual os seres vivos se reconhecem e dialogam, não importa o quão distintas
sejam suas ocupações e desígnios vitais, as geografias e as circunstâncias em que
existem, e, inclusive, os tempos históricos que determinam seu horizonte.” (LLOSA,
2004a, p. 352).
A despeito das notáveis diferenças socioculturais que há entre os leitores do
século XXI e os homens da Grécia arcaica representados na ficção de Homero, não
temos como não nos identificarmos e nos vermos refletidos, de alguma forma, na ira
e na bravura de Aquiles, na honradez de Heitor, na astúcia de Ulisses, na fidelidade
de Penélope, no amor filial de Telêmaco, ou ainda, na arrogância de Agamêmnon,
no descomedimento de Pátroclo e no desrespeito dos pretendentes à mão de
Penélope, uma vez que esses atributos e sentimentos são elementos inerentes à
natureza humana de qualquer época e lugar. Chegaríamos a conclusões
semelhantes se nos confrontássemos com as personagens criadas por ficcionistas
que distam de nós, se não temporalmente ao menos geograficamente, como o
indiano Salman Rushdie, autor do polêmico romance “Os versos satânicos" (1988),
ou o angolano Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, mais conhecido por
Pepetela, autor de Mayombe (1980). Mesmo retratando ficcionalmente universos
culturais tão distantes do nosso, essas obras nos apresentam personagens que, a
despeito de certas peculiaridades, são, no fim das contas, humanas como nós.
Ao ingressarmos nos mundos ficcionais – mesmo naqueles produzidos em
épocas tão distantes quanto as milenares epopeias homéricas – vivenciamos uma
experiência de coletividade. “Esse sentimento de pertencer à coletividade humana,
através do tempo e do espaço, é a realização mais elevada da cultura, e nada
contribui tanto para renová-lo, a cada geração, como a literatura.” (LLOSA, 2004a, p.
353-4)
Por outro lado, e de modo complementar, a narrativa de ficção também nos
permite enxergar, além dos denominadores comuns, as diferenças de valores
socioculturais dos indivíduos e das comunidades. Por seu meio, experimentamos
novos mundos, diferentes daquele a que estamos rotineiramente acostumados, ou
vivenciamos o nosso mundo a partir de outros olhos – do ficcionista e suas
personagens.
Quando, no ato da leitura, vivenciamos ficcionalmente a experiência das
personagens com todas as suas idiossincrasias – suas crenças, angústias,
ambições, condições socioeconômicas e culturais –, ampliamos nossa própria
percepção das coisas. Damo-nos conta que é possível enxergar o mundo por um
ângulo diferente daquele que até então nos era familiar. É nesse momento, quando
há uma tensão entre os modos distintos de encarar as coisas, que a literatura atua
como um ampliador das experiências do leitor. Experimentando a vida ficcional a
partir de outros olhares, podemos conhecer, compreender e, em consequência,
respeitar os modos de perceber o mundo e viver a vida particulares a outros
indivíduos e comunidades.
Em suma, por um lado, a ficção nos faz perceber o quanto os indivíduos das
sociedades mais distantes no tempo e no espaço participam todos de uma mesma
coletividade humana. Por outro, ela nos permite observar e respeitar as visões de
mundo que especificam cada sujeito e cada grupo sociocultural como entidades
singulares.
Atividade 2
Nesta segunda atividade, propomos a você um bom exercício para que você possa
avaliar a pertinência da afirmação de que a literatura pode nos abrir os horizontes
para novos modos de enxergar a realidade. A atividade gira em torno dos contos “O
cobrador” e “Feliz ano novo”, de Rubem Fonseca, que apresentam protagonistas
praticando ações de extrema brutalidade. Antes de ler as narrativas, reflita sobre
pessoas que, de modo extremamente brutal e, aparentemente, gratuito, matam
outras que lhes são desconhecidas. São marginais que merecem reprovação e
punição da sociedade? Agem movidos por instinto de crueldade? Após a reflexão,
proceda a leitura dos contos tentando observar as razões que movem os
protagonistas a agir como agem. Faça então uma nova reflexão sobre a situação
das personagens, que, numa leitura apressada poderiam ser reduzidos a
desprezíveis e violentos marginais, e observe se sua experiência de vivenciar a
marginalidade a partir da perspectiva de consciência dos próprios marginais não lhe
estimula a, no mínimo, começar a relativizar o sentido mais tradicional e restrito do
que seja a violência, podendo, inclusive, lhe fazer concluir que as personagens
praticam tal grau de violência física porque são, de antemão, elas próprias vítimas
de violência social e simbólica.
Obs.: Os contos de Rubem Fonseca estão disponibilizados nos polos.

A literatura e a ampliação da percepção linguística do mundo


Sendo uma forma de arte que se estrutura em linguagem verbal, não
poderíamos deixar de destacar o quanto a literatura, por meio de sua estrutura
linguística, contribui para os indivíduos e as comunidades.
É por meio da linguagem que apreendemos o mundo. Sem a linguagem não
teríamos como vincular partes do mundo a conceitos, e sem os conceitos não
teríamos como apreender intelectualmente as coisas. O mundo não seria mais do
que continuum amorfo e incompreensível. Para vermos a importância da linguagem
verbal na percepção do mundo, basta irmos até um ambiente que para nós não é
familiar. Por exemplo, se não conhecermos nada de agropecuária, ao nos
aproximarmos de um criadouro bovino, não veremos muito mais do que bois e
vacas. Faltando-nos o conhecimento do vocabulário típico dessa atividade,
estaremos muito pouco aptos para distinguir as raças dos animais presentes. A
partir do momento em que aprendemos a associar certas características a certas
raças, não só o nosso vocabulário aumenta. Junto com ele aumenta também a
nossa capacidade de distinguir particularidades onde antes não víamos mais do que
um conjunto uniforme: onde só víamos gado indistintamente, poderemos enxergar
exemplares de zebu, nelore e guzerá, dentre tantos outras. Em outras palavras, o
incremento vocabular amplia nossa capacidade de observarmos e compreendermos
o mundo com mais detalhes, com mais sutileza e complexidade.
É nesse mesmo sentido que Vargas Llosa afirma, de modo enfático e sem
preocupação em ser politicamente correto que:

Uma pessoa que não lê, lê pouco ou que só lê lixo, pode falar muito,
porém dirá sempre poucas coisas porque dispõe de um repertório
mínimo e deficiente de vocábulos para se expressar. Não é uma
limitação somente verbal; é, ao mesmo tempo, uma limitação
intelectual e de horizonte imaginário, uma indigência de
pensamentos e de conhecimentos, porque as ideias, os conceitos,
mediante os quais nos apropriamos da realidade existente e dos
segredos da nossa condição, não existem dissociados das palavras,
através das quais a consciência os reconhece e os define. (LLOSA,
2004, p. 355).

Sabemos que a leitura de um modo geral é um formidável exercício de


enriquecimento vocabular e intelectual. A leitura de textos literários, por sua vez, é a
experiência humana que mais potencializa este enriquecimento, ao nos proporcionar
o transporte imaginário para uma infinitude de outros universos que não o do nosso
convívio cotidiano, a narrativa ficcional coloca-nos em contato com todo um conjunto
de palavras que ampliam nosso repertório e afinam nosso contato com o mundo.
Além disso, de um modo geral, os textos literários são as construções em que a
linguagem verbal se apresenta com toda a potencialidade de sua complexidade e
variedade.
A leitura de um romance como “O nome da rosa” (1980), do italiano Umberto
Eco, enriquece nosso universo cultural quando nos oferta uma gama de termos do
cotidiano monástico do início do século XIV, bem como da filosofia escolástica. “Os
ratos” (1935), de Dyonélio Machado, por sua vez, oferta-nos o linguajar de quase-
miseráveis frequentadores do centro de Porto Alegre no início do século XX.
Já narrativas como as do irlandês James Joyce ou as de João Guimarães
Rosa, notáveis pelo alto grau de inventividade da linguagem, vão além de nos
possibilitar um contato em contexto ficcionalizado dinâmico com palavras que
desconhecemos ou conhecemos num sentido diverso do empregado pelo escritor. O
que temos em obras como “Grande sertão: veredas” (1956) ou nos contos de
“Tutaméia” (1967) é o conjunto de palavras criadas por meio das quais o autor tenta
captar frações da realidade até então despercebidas ou então apenas referidas
pelos falantes da língua portuguesa por meio de circunlóquios. Num conto como
“Desenredo”, por exemplo, nós leitores nos deparamos com termos como
“desmastreio”, “abusufrutos”, “franciscanato”, “descaluniá-la”, “amatemático”,
“antipesquisas”, “acronologias”, “ufanático” (ROSA, 2001, p. 72-5). Esses
neologismos, essas novas palavras, parecem ser resultado do esforço do escritor
em sanar algumas carências da língua para dar conta de certas coisas, situações ou
sentimentos que lhe escapam.
Obviamente a contribuição linguística da literatura para nosso aprimoramento
intelectual e subjetivo não se limita à ampliação de nosso vocabulário. O trato
literário das narrativas também se impõe nas esferas da sintaxe, do ritmo, do tom,
etc., de modo que um bom texto literário, entre outras coisas, nos possibilita
experimentar o mundo por novos vieses que nos são apresentados pelos novos
arranjos da linguagem. Além disso, como nos lembra Candido, as obras literárias,
entre elas as narrativas ficcionais, funcionam como espécies de modelos de
organização do mundo. Cada narrativa constrói e nos propõe um modo de ordenar
as coisas, resultando num “modelo de coerência, gerado pela força da palavra
organizada.” (CANDIDO, 19995, p. 245) Os diversos textos literários que a
humanidade vem acumulando fornece-nos um vasto e variadíssimo acervo de
estruturas linguísticas, cada qual reconfigurando e recriando esteticamente o
universo, seja das coisas práticas seja dos valores e sentimentos abstratos. É por
isso que se pode afirmar que “o caráter de coisa organizada da obra literária torna-
se um fator que nos deixa mais capazes de ordenar a nossa própria mente e
sentimentos; e em consequência, mais capazes de organizar a visão que temos do
mundo.” (CANDIDO, 19995, p. 245)
Mais uma vez de forma contundente, Llosa defende que:

Aprende-se a falar com correção, profundidade, rigor e sutileza


graças à boa literatura, e somente graças a ela, nenhuma outra
disciplina, tampouco um ramo das artes pode substituir a literatura na
formação da linguagem com que as pessoas se comunicam. [...]
Falar bem, dispor de uma fala rica e diversa, encontrar a expressão
adequada para cada ideia ou emoção que se quer comunicar,
significa estar mais bem preparado para pensar, ensinar, aprender,
dialogar e, também fantasiar, sonhar sentir e se emocionar. (LLOSA,
2004, p. 355).

A literatura como instrumento de percepção crítica da realidade


Concluindo esta nossa primeira aula, passamos a discutir outra importante
função social da ficção: sua capacidade de aguçar nossa percepção crítica da
realidade.
Existe uma série de narrativas em que se percebe uma evidente intenção de se
posicionar ética ou politicamente diante de eventos ou valores da sociedade. Não
devemos, todavia, vincular diretamente o grau de engajamento político de uma obra
à qualidade estética. São inúmeros os romances que, a despeito das ideias
defendidas e mesmo do impacto político que causaram no público leitor, não
resistem a uma leitura de avaliação estética. É o caso de “A escrava Isaura” (1875),
de Bernardo Guimarães, e de “A cabana do Pai Tomás” (1851-1852), da norte-
americana Harriet Elizabeth Beecher-Stowe. Estas obras são respectivamente fortes
libelos contra a escravidão negra no Brasil e nos Estados Unidos – esta última,
como bem lembra Llosa, “parece ter desempenhado um papel importantíssimo na
tomada de consciência social, nos Estados Unidos, sobre os horrores da escravidão”
(LLOSA, 2004a, p. 361) –, mas carecem de qualidade artística. O mesmo
descompasso entre consciência sociopolítica e elaboração estética também se
verifica em diversas narrativas produzidas sob a égide do realismo socialista
soviético, que declaradamente serviam para propagandear o regime.
Figura 2 – Folha de rosto de “A cabana do Pai Tomás” (da edição americana de 1852)
Fonte:
<http://cdn.dipity.com/uploads/events/df7d8c6dcb1de8fd9c02839162413f08_1M.png>.
Acesso em: 22 mar. 2013.

O problema em obras dessa natureza é que, segundo Candido, apresentam


“posição falha e prejudiciais à verdadeira produção literária, porque têm como
pressuposto que ela se justifica por meio de finalidades que alheias ao plano
estético, que é o decisivo.” Ele ainda completa: “De fato, sabemos que em literatura
uma mensagem ética, política, religiosa ou mais geralmente social, só tem eficiência
quando for reduzida a estrutura literária, a forma ordenadora.” (CANDIDO, 1995, p.
250)
Já romances como “Os miseráveis” (1862), do francês Victor Hugo, “Guerra e
Paz” (1865-1869), do russo Liev Tolstói, “Germinal” (1885), de Émile Zola, “Vidas
secas”, de Graciliano Ramos, e “Quarup” (1967), de Antonio Callado, são exemplos
de obras notáveis em que vemos unidas a qualidade estética e a visão crítica do
mundo social. Restringindo-nos a estas duas últimas obras, de escritores brasileiros,
podemos ressaltar o quanto o leitor arguto pode delas extrair, da primeira,
considerações sobre a situação de miséria fruto da estrutura social que impera em
regiões como o Nordeste do país, e da segunda, considerações sobre as lutas
sociais pautadas em reivindicações por reforma agrária, bem como sobre o modo
como os integrantes do núcleo de poder político-administrativo encaravam os
remanescentes povos indígenas das regiões centrais do país. Ao mesmo tempo
estes dois romances possibilitam-nos compreender melhor nossa sociedade,
contribuindo para nossa formação sociopolítica, permitem-nos também uma incursão
numa experiência eminentemente estética.
Além de como, já esclarecemos, termos o cuidado para não confundir
qualidade estética e discurso sociopolítico, também não podemos reduzir o potencial
de a literatura atuar como instrumento de crítica da realidade a certo pedagogismo
direto. As grandes narrativas de ficção não são aquelas que, em lugar de trazerem
um discurso doutrinário explícito, julgando o mundo e afirmando o que é certo e o
que é errado, quais os caminhos a seguir, etc. Ao contrário, as obras que têm
perdurado como notáveis são justamente aquelas que, apesar de comportarem um
discurso questionador do mundo em que vivemos, mais do que afirmar caminhos o
que fazem é desestabilizar valores e práticas sedimentadas, provocando nos leitores
não certezas, mas momentos de reflexão crítica. Mais do que dogmáticas, as
grandes obras narrativas são céticas e ambíguas.
A função crítica da literatura não se dá pelo viés, se dá de modo bastante
diverso do que tradicionalmente se entende por ensinamento educativo, marcado
por noções com alto grau de rigidez e por regras normativas. Como muito bem
observa Antonio Candido,

A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial, que


costuma vê-la ideologicamente como um veículo da tríade famosa –
o Verdadeiro, o Bom, o Belo, definidos conforme os interesses dos
grupos dominantes, para reforço da sua concepção de vida. Longe
de ser um apêndice da instrução moral e cívica (esta apoteose
matreira do óbvio, [...]), ela age com o impacto indiscriminado da
própria vida e educa como ela – com altos e baixos, luzes e sombras.
(CANDIDO, 2002, p. 83).

E ainda complementa: a literatura “não corrompe nem edifica [...]; mas trazendo
livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza no
sentido profundo, porque faz viver.” (CANDIDO, 2002, p. 85).

Leituras complementares
 BERNARDO, Gustavo. A ficção cética. São Paulo: Annablume, 2004.
Nesse livro, pouco ortodoxo de teoria da literatura, Gustavo Bernardo,
desenvolve uma reflexão aprofundada – em linguagem clara – sobre o caráter
cético e ambíguo da ficção.

 BRADBURY, Ray. Fahrenheit 451: a temperatura na qual o papel do livro


pega fogo e queima. Tradução de Cid Knipel. São Paulo: Globo, 2007.
Nesse romance, publicado originalmente em 1953, narra-se um tempo futuro
em que os livros são todos proibidos e, quando encontrados, queimados.
Trata-se de uma narrativa distópica que alerta para as consequências de
estados totalitários que impedem o contato dos indivíduos com os livros,
vistos como símbolos de resistência crítica. Em 1966, seu enredo foi
adaptado para o cinema, sob a direção de François Truffaut.

 JOUVE, Vicente. Por que estudar literatura?. Tradução de Marcos Bagno e


Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2012.
Assim como Antonio Candido e Mario Vargas Llosa, Vicent Jouve também faz
uma apologia da literatura. Seu estudo parte da ideia nuclear de que só se
pode perceber o valor fundamental da literatura quando se leva em conta seu
estatuto de objeto artístico. Livro de linguagem simples, mas discussão
densa, enfrenta a questão a partir de múltiplas perspectivas.

 LLOSA, Mario Vargas. “Elogio de la lectura y la ficción”.


Trata-se do discurso proferido pelo autor peruano na cerimônia de
recebimento do Prêmio Nobel de Literatura, em Estocolmo, na Suécia, em 7
de dezembro de 2010. Disponível em:
http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/2010/vargas_llosa-
lecture_sp.pdf
(O vídeo que registra a leitura do discurso de Llosa durante a referida
premiação está disponível em http://vimeo.com/17573870)

 SKÁRMETA, Antonio. O carteiro e o poeta. Tradução de Beatriz Sidou. 5.


ed. Rio de Janeiro: Record, 1996.
Nesse romance, publicado em 1985 sob o título original espanhol “Ardiente
paciência”, narra a história da amizade entre o poeta chilena Pablo Neruda e
um carteiro semianalfabeto. Dessa relação, e do progressivo contato do
carteiro com a literatura, vemos o amadurecimento humano do carteiro. Em
1994, o diretor Michel Radford transpôs a obra literária para o cinema.

 TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Tradução de Caio Meira. Rio de


Janeiro: DIFEL, 2009.
Nesse livro, Todorov faz uma crítica aos programas de ensino que sufocam o
contato dos alunos com a literatura em prol de uma discussão abstrata de
teria literária. A esta perspectiva, ele contrapõe a proposta de que a literatura
deva ser lida e vivenciada como um instrumento de conhecimento humano.

Resumo
Nesta primeira aula, vimos que a leitura de obras literárias, dentre elas as narrativas
de ficção, é uma atividade que vai muito além do mero passatempo ou de um hobby
erudito. Acompanhando as posições de Antonio Candido e Mario Vargas Llosa, você
deve ter percebido que a literatura é uma prática social de extrema relevância para
os indivíduos e para a sociedade. Isto porque as narrativas de ficção podem exercer
as seguintes funções: contribui para atender à necessidade humana de fabulação;
possibilita-nos vermos como pertencentes a uma coletividade humana, ao mesmo
tempo em que nos faz conhecer e respeitar as peculiaridades dos indivíduos e
povos; amplia nossa percepção linguística do mundo; ajuda-nos a aprimorar o senso
crítico com que vemos nossa realidade.

Autoavaliação
1. Qual a importância para um estudante de Licenciatura em Letras refletir
acerca de o porquê ler e estudar narrativas de ficção?

2. Como a literatura pode contribuir para atender à necessidade humana de


fabulação?

3. Em que consiste a função cultural integradora da literatura?


4. De que modo a leitura de textos literários (inclusive narrativas de ficção)
podem contribuir para a ampliação da percepção linguística do mundo?

5. Cite e comente três obras de ficção narrativa da literatura brasileira que, no


seu entender, podem atuar como instrumentos de aprimoramento do senso
crítico da realidade.

6. Leia o fragmento texto a seguir, do escritor argentino Jorge Luis Borges, e


relacione a afirmação em destaque com algumas das ideias de Antonio
Candido e Mario Vargas Llosa (1987, p. 5, grifo nosso).

Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais


espetacular é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensões de seu
corpo. O microscópio, o telescópio são extensões de sua visão; o
telefone é a extensão de sua voz; em seguida, temos o arado e a
espada, extensões de seu braço. O livro, porém, é outra coisa: o
livro é uma extensão da memória e da imaginação.

Referências

BORGES, Jorge Luis. O livro. In: Cinco visões pessoais. 2. ed. Brasília: Editora da
Universidade de Brasília, 1987. p. 5-11.

CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. In: ______. Textos de


intervenção. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2002. p. 77-92.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. 3. ed. São
Paulo: Duas Cidades, 1995. p. 235-263.

CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. O engenhoso fidalgo D. Quixote de La


Mancha: Primeiro Livro. Tradução de Sérgio Molina. 4. ed. São Paulo: Editora 34,
2007.

FONSECA, Rubem. Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
LLOSA, Mario Vargas. A verdade das mentiras; A literatura e a vida. In: ______. A
verdade das mentiras. Tradução de Cordelia Magalhães. 3. ed. São Paulo: ARX,
2004. p. 11-26; p. 349-367.

ROSA, João Guimarães. Tutaméia: terceiras histórias. 8. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2001.

TURGUÊNIEV, Ivan. Pais e filhos. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo:


Cosac Naify, 2004.

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