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O que temos a ver com o hooligan? Quem ou o que é responsável por seu crescimento? Toda
semana, algum incidente deixa claro que determinadas zonas de Londres são mais perigosas
para o transeunte pacífico do que as recônditas regiões da Calábria, Sicília ou Grécia, outrora
clássicos refúgios de bandoleiros. Todo dia, em algum tribunal, são narrados detalhes de atos
de brutalidade, cujas vítimas são homens e mulheres inocentes. Enquanto o hooligan
maltratava unicamente o hooligan - enquanto ouvíamos falar principalmente dos ataques e
contra-ataques de bandos, ainda que por vezes munidos de armas mortais -, a questão era
bem menos premente do que se tornou agora... Não há como olhar sem inquietação, contudo,
para a insistente recorrência de explosões de violência por parte de marginais, o sistemático
desrespeito à lei por parte dos grupos de garotos e rapazes que representam o terror da
vizinhança em que habitam.
Nossos hooligans vão de mal a pior. Eles são uma degeneração no organismo político, sendo a
pior circunstância o fato de estarem se multiplicando e que as juntas educacionais e prisões, os
magistrados da polícia e os filantropos não parecem contribuir para regenerá-los. Outras
grandes cidades podem se livrar de elementos mais perniciosos ao Estado. Não obstante, o
hooligan constitui uma odiosa excrescência de nossa civilização.
No decurso dos últimos vinte anos a violência no futebol surgiu como confrontação entre grupos
sociais e partidários fanáticos e assim como com a polícia, durante ou após os jogos de futebol
profissional - especialmente em Inglaterra. Mas estes atos destruidores, vingativos, estendem-
se muito para além do campo de futebol. Membros de grupos minoritários (em especial negros
e indianos), os bens públicos e privados, os comboios, os autocarros, etc., constituem o centro
das manifestações agressivas desta multidão essencialmente composta por jovens (na maioria
homens) frustrados da classe operária, que vestem de forma distinta e são terrivelmente leais
para com uma determinada equipe.
POWELL (CARVALHO, 1985, p. 28) acrescenta que "com o desemprego e o estado atual
da economia, há poucas esperanças para os jovens não qualificados de conseguirem a satisfação
de suas necessidades, o que cria uma tensão cultural e de estatuto entre os jovens e a sociedade
em geral".
De acordo com CARVALHO (1985) a juventude oriunda da classe operária que submetida
à pressão da sociedade de consumo a qual não pode responder por falta de meios e de
perspectivas futuras, constrói a sua própria "subcultura" em que a masculinidade e a dureza vão
acompanhando a luta e a violência, constituem meios de afirmação do indivíduo e do grupo.
Segundo GERON (1993) em primeiro lugar, apenas o lenço branco expressava a adesão
da torcida à camisa, vieram depois bandeira, apito, corneta, pó-de-arroz, papel picado e até
fumaça colorida. A cada gol que surgia, a resposta da torcida vinha de forma impecável como o
terno de linho engomado, a gravata cheia de charme e o chapéu na cabeça dando o detalhe final
do que era o torcedor carioca dos anos de 1920 aos de 1950.
Alegres e brincalhonas, as torcidas foram se envolvendo em confrontos armados entre as
massas de torcedores e hoje são as organizadas que estão transformando o espetáculo do futebol
em cenas de violência.
Os Gaviões da Fiel, segundo DIAFÉRIA (1992), foram os primeiros que realmente se
organizaram, com o propósito de ajudar seu clube (Sport Club Corinthians Paulista). Sua história
começa no dia 01 de julho de 1969, data de sua fundação, depois de um jogo do Corinthians no
Morumbi, em que o clube estava, mais uma vez, fora da disputa do título. Um grupo de torcedores
teve uma discussão com um dirigente do clube, seguindo para participar de um programa de
televisão, onde desabafaram suas mágoas. O grupo - quase todo formado por jovens - se reuniu
então na praça 14 Bis, no bairro do Bixiga, em São Paulo. Resolveram então formar uma torcida
organizada e independente. Sendo essa a principal característica dos Gaviões: organizados e
independentes. Adotou-se o nome então de Gaviões da Fiel - Força Independente.
A Gaviões não tem fins lucrativos e fiscaliza, a seu modo, a administração corinthiana.
Para se tornar sócio: ser corinthiano fiel, preencher uma ficha, pagar uma taxa módica e assistir a
uma reunião preparatória. É a raiz comum de onde nasceram todas as demais torcidas - Camisa
12, Explosão - Coração Corinthiano, Trapalhões da Fiel e outras.
Segundo PEREIRA (1995a) as torcidas organizadas são engrossadas cada vez mais por
jovens na maioria adolescentes, que se transformam em grupos agressivos e sem comando.
A Torcida Mancha Verde foi criada em 11 de janeiro de 1983, resultado da fusão das
facções Grêmio Alviverde, Império e Inferno Verde, com um objetivo: acabar com a fama de
covardes que atormentava os brigões palmeirenses.
Um dos grandes objetivos das torcidas uniformizadas é ser respeitada. As torcidas usam
slogans que incitam a violência. A Torcida Jovem do Flamengo denomina-se "O Exército Rubro-
Negro" e tem um tanque de guerra como símbolo, se dividiu em pelotões, ou seja, grupos
espalhados em diversos pontos do Grande Rio. A Força Jovem do Vasco formou suas Famílias,
buscando inspiração na velha máfia italiana. Existem outras, como: Núcleos de Young Flu
(Fluminense), Esquadrões da Jovem do Botafogo e Comandos da Raça Rubro-Negra (Flamengo).
A declaração feita por Marco Fábio Freitas, vice-presidente da Independente do São Paulo,
em PEREIRA (1995b, p.32), demonstra o espírito atual da torcidas organizadas: "Com torcidas,
não tem aquele negócio de discutir para depois brigar. Encontrou o inimigo, é porrada".
Segundo DUNNING, MURPHY e WILLIAMS (MARIVOET, 1992a) o fenômeno do
hooliganismo é caracterizado por mudanças estruturais nas diferentes camadas de classe
trabalhadora, a expansão do mercado de tempos livres especificamente virado para os jovens, à
vontade destes em se deslocarem regularmente aos jogos fora de casa e o colapso do mercado
de trabalho para jovens e as mudanças operadas na estrutura do futebol e, em especial, as
tentativas das autoridades do futebol, e designadamente do governo britânico, no processo de
controle de vandalismo, bem como o advento da televisão e o aparecimento de uma Imprensa que
evidencia o valor da notícia orientado por critérios comerciais.
O hooliganismo era o resultado do colapso geral da autoridade britânica e da ineficácia das
diferentes instituições socializadoras, Família, Escola, Igreja etc. (O'BRIEN, citado por
MARIVOET, 1992a).
Pela tradição violenta se atraiu um grupo de jovens, não sendo seduzidos pelo futebol,
mas antes pelos acontecimentos que este lhes proporcionava. É neste contexto que explicam o
aparecimento dos grupos de extrema-direita, onde os grupos de jovens, "irrequietos", "não
estruturados", "provocadores" e "com pouca ou nenhuma perspectiva social" constituíam uma
fonte de recrutamento para estas organizações (WILLIAMS, DUNNING & MURPHY, citados por
MARIVOET, 1992a). Consideram também que a Imprensa assumiu um papel ampliador do pânico
moral, verificando-se um conseqüente aumento de medidas de controle, tendo-se apresentado
deste modo como o fator principal no desenvolvimento do fenômeno.
A partir de 1985 surgiu um novo tipo de hooligan, os "Casuels". Estes vão aos jogos com
roupas de marca, sem possibilidade de serem reconhecidos, sendo as confrontações entre
torcidas marcadas para fora dos estádios e, recentemente, transferidas para jogos não
considerados perigosos onde o controle policial não está prevenido para tais ocorrências
(MARIVOET, 1992a).
O planejamento e organização dos confrontos assumem aspectos de "requinte" e de
grande imprevisibilidade. Exemplo (POPPLEWELL, citado por MARIVOET, 1992a, p. 215):
... um grupo de desordeiros, para evitar ser reconhecido pela polícia numa viagem para assistir
a um jogo fora, alugou fotos de passeio e fez a viagem nos caminhos de ferro britânicos, tendo
persuadido as autoridades de que iam para um casamento (...). As provas que foram fornecidas
mostram que uma característica do vândalo de hoje é que, muitas vezes, ele não bebe álcool,
deliberadamente, para poder atuar na operação planejada e conservar o raciocínio lúcido.
Gráfico 1:
42,7
45
Menos de 10 anos
40 35,7 10 a 13 anos
35 14 a 17 anos
18 a 24 anos
30
25 a 29 anos
25 30 a 34 anos
35 a 39 anos
20
40 a 45 anos
15 Mais de 45 anos
7,4
10 5,7
3,4
5 1,5 1,3 1,4
0,9
0
FAIXA ETÁRIA DOS ASSOCIADOS DAS TORCIDAS ORGANIZADAS
EM PORCENTAGEM
LEVER (1983) afirma que o futebol pode proporcionar ao torcedor a única área em que
sentem que sua participação é eficaz: hoje eles vaiam e amanhã o técnico é dispensado. Os
torcedores não são espectadores passivos, influenciam o resultado das partidas e a administração
de seus clubes, os torcedores brasileiros acham que pagam aos jogadores do seu próprio bolso,
com seu dinheiro escasso e tão arduamente conquistado.
De acordo com BARROS (1990) elas formam grupos, cobram mensalidades, vendem
camisas, chaveiros, flâmulas e tudo que puderem fazer dinheiro, virou também um comércio e,
como todo comércio, para ser rentável precisa de uma propaganda positiva. Os chefes das
torcidas não podem ver um time perder, pois as vendas caem. Isso tudo começa a acarretar
problemas sérios com os atletas, dirigentes, imprensa e policia. A partir daí, as pressões que os
profissionais do futebol sofrem deles é inacreditável. O interesse não é mais torcer pelo clube do
coração e sim vender produtos.
Em algumas cidades eles saem às ruas após os jogos quebrando tudo: automóveis,
lâmpadas dos postes, vidraças de vitrines e das casas ao redor, destroem placas de trânsito sem
falar no que já destruíram dentro dos próprios estádios, principalmente se for do adversário. E não
são grupos isolados... Todos são de torcidas organizadas.
Pode-se concluir que o advento das torcidas organizadas é um fenômeno social e cultural.
Para o controle do vandalismo, ocasionado por esses grupos, é necessário um imenso estudo e
principalmente, uma grande mudança em toda nossa estrutura social e política.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, J. M. A. Futebol - Porque foi... Porque não é mais. Rio de Janeiro: Sprint, 1990.
Cap.10, p.67-69.
DUNNING, E.; MURPHY, P.; WILLIAMS, J. Why 'core' soccer hooligans fight: aspects of a
sociological diagnosis. Science and Football, Suffolk: St. Edmundsbury Press, 1988. Cap. 13, p.
561-571. Apresentado ao First World Congrees of science and football, Liverpool, 13-17 abr. 1987.
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pisando na bola, Rio de Janeiro: Pinheiro Assessoria de Comunicação, série 1, 1993. Cap. 4, p.
56.
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In: REES, C. R.; MIRACLE, A. W. Sport and social theory. Champaign: Human Kinetics, 1986.
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______. O bicho vai pegar. Revista do Futebol. São Paulo: Ampla, ano 1, n. 4, p. 30-34, 1995b.
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SEGALLA, A. B.; ABRUCIO Jr., M. Cães de Guerra. Placar, São Paulo: Abril, n. 1.107, p. 34-37,
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