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elusi- seter os dos es dos frente Do S£cuto XIX Ao SkcuLO XX: INOVAGOES REPUBLICANAS - & ff Yivendo quacrocentos anos no litoral vastssimo, em que palejam re- lexos da vida civilizada,tivemos de improviso, como heranga inespe- rada, a Reptblica, Ascendemos, de chofte, arrebatados na caudal dos ideais modemos, deixando na penumbra secular em que jazem, no Amago do pais, um tergo da nossa gente. Iudidos por uma civilizacéo cde empréstimos; respingando, em faina cega de copistas, mdo 0 que de melhor existe nos cédigos orginicos de outras nagées, tornamos, re- volucionariamente, fugindo ao transigir mais ligeiro com as exigéncias, da nossa prépria nacionalidade, mais fundo o contraste entre 0 nosso modo de viver eo daqueles rudes patricios mais estrangeiros nesta terra do que os imigrantes da Europa. Porque nao no-los separa um mar, sc- aram-no-los trés séculos..” (Euclides da Cunha, Os series) 1 Instituigées e cultura na Primeira Republica (1889-1930) A Repiblica altera substancialmente algumas instituigdes, Em primeiro lu- git 2 federalizagio rompe com a tradicional unidade de-fontes legislativas ¢ in- troduz uma politica estadual legitimada pela Consticuigio. A organizagio judicid- ria € 0 processo tornam-se matéria estadual e durante a Primcira Repiiblica serio S40 0 Dieito na Mistérla + Lopes fonte de algumas novidades a medida que os Estados queiram reorganizar seus tribunais. Mesmo assim, ¢ inevitével que a cultura juridica continue praticamen- tea mesma. Todos 6s republicanos haviam sido socializados nos mecanismos do nc foro e nas faculdades de direito que seguiam leis definidas nacionalmente. Nao pe cra fcil mudar de repente. Pe ‘Uma das primeiras ¢ mais importantes reformas foi a separacao da Igreja c do vis Estado, criando um regime politico laico. Além disso, a Repiiblica trouxe o mais de completo triunfo do laissez-faire. Se a Constituigio do Império havia pelo menos feito referencia a0 direito 4 educagéo que seria garantido pelo governo ~ no ensi- ba no fundamental -, a Constituigio Republicana silencia completamente sobre qual- lib \ quer “direito social” Proprio do direico constitucional eram apenas as questécs de rei soberania nacional, separagio de poderes, sistema representativo, liberdades civis. diy O triunfo do liberalismo na Replica, dentso da culvara juridica, éinquestiondvel. vo E tio profundo que mesmo as modemizagbes que iriamn de qualquer maneira com- na petir ao Estado para fazer avangar 0 proprio capitalismo na sociedade brasileira sio est continuamente questionadas pelos tribunais federais. inc A cultura juridica brasileira vive também um novo dilema. As instituigdes po- bam Liticas sio diretamente inspiradas, a partir de entéo, no modelo norte-americano. 20) Passa a ser postivel ¢ recomendivel trazer de li, ¢ como diz Pedro Lessa em varias bos | oportunidades, também da Argentina (uma repiblica federal), a inspiragao para = | nossos jurisconsuleos, No entanto, esta importacao do modelo consticucional faz-se a | para uma cultura saturada de familiaridade com as instituig6es européias: o diteito Mi | adminjstrativo inspirava-se na Franga; o direito civil de longa data inspirava-se nos ie ) alemaes. A organizacio judicidria era de estilo francés e continental, ¢ 0 processo ae { laramente era inquisitorial, escrito ¢ cartordrio nos moldes do velho processo 10-4 | mano-candnico europeu. Alids, a despeito da existéncia bastante peculiar do tr aa | banal do jtiri entre nds (inspiragio inglesa sobre nossos liberais), a instituigio do as \ inquérito policial em 1871 mostrava o quanto estévamos distances do modelo dt ow (common law. A Inglaterra no conhecia nem mesmo um promotor de justiga, ma- a | gistrarura tipica do processo inquisitorial europeu. Com cudo isto, a Republica, que i do ponto de vista politico € social jé foi suficientemente estudada como forma oli pre ‘girquica de governo até 1930, definiu novas instituigées € nova cultura, pei ‘As influéncias ideolégicas também sio contradit6rias. O'positivisme) de of gem francesa ¢ o evoliicionismo social (de Spencer) combinam-se de forma extra-: =F ordindria no Brasil republicano. A hegemonia do positivismo no Brasil é um fe rar seus icamen- smos do we. Nao wjaedo so mais 9 menos no ensi- ore qual- sstoes de ies civis. tiondvel. iracom- leita si0 gies po- veticano. m varias, fo para al faz-se odireito ase nos processo 2880 0 3 do tie siggo do odelo da tiga, ma- dlica, que oma oli- aide ori- nna exera- éum fe- Do Século XX 0 Séulo 1: IovagesRepublenes 342 némeno tinico (ARMORY, 1997). Em lugar algum das Américas os intelectuais rendem-se tanto a esta concepeio cientificista como por aqui. © contritio ocorria nos Estados Unidos neste perfodo em que a jurisprudéncia, se bem que dominada Pelo utilitarismo e pelo liberalismo, dava sinais de pragmatismo que mais tarde, nas Primeiras décadas do século XX gerariam o realismo juridico americano. O positi- vismo gerara uma politica de cardter reformista, mas de reformismo pelo alto, no democritico, hobbesiano, jacobino. Ao mesmo tempo, o liberalismo impunha-se ¢ generalizava-se no discurso dos bacharéis. Exemplo marcance de liberalismo convicto foi Rui Barbosa. Inspirado no liberalismo econémico c politico anglo-americano, dé cor lockeana a suas idéias: “Di- reitosindividuais corresponde a direitos do individuo. Sao os direitos inerentes 4 in- dividualidade humana ow a individualidade socal: [..] direitos que nao resultam da vontade particular, por atos, ou contratos, mas da nossa prépria existéncia na especie, na sociedade e no Estado” (BARBOSA, 1978:90). Rui, como outros republicanos, «std particularmente familiatizado com a filosofia de lingua inglesa. Mesmo assim, foi inovador. Lutou para que 0 Judiciitio brasileiro usasse 0 habeas corpus como recurso amplo, que protegesse para além da liberdade de ir €¥iz qualquer ameaca ou violéncia 20 campo genérico da liberdade civil. Quando ilegalmente se privasse alguém da li- berdade de exercer um cargo piblico (quando se davam as destituigbes de governado- res estaduals, por exemplo), insist Rui Barbosa que era aplicével o habeas corpus. Ao | contrério do habeas corpus usado no Impétio, 0 republicano era definido na Const- | tuiglo ¢ protegeria o ndividuo que softesse ou se achasse no iminente perigo de sofrer | violéncia ou coagéo, por ilegalidacle ou abuso de poder (act. 72, parigrafo 22). “Nao { se fala em pristo, nfo se fala em constrangimentos corporais. Fala-se amplamente,in- | determinadamente, absolutamente, cm coagio e violencia; de modo que, onde quer que surja, onde quer que se manifeste a violéncia ou a coagao, por um destes meios, al esti estabelecido 0 caso constitucional do habeas-corpus. Quais sio os meios indica- ddos? Quais sio as origens da coagio c da violencia, que devem concorrer para que se sstabelega o caso legitimo de habeas-corpus? egalidade ou abuso de poder. (..] Coa- ‘fo, definirei cu, éa pressio empregada em condigSes de eficdcia contraaliberdade do cxercicio de um direito, qualquer que esse seja” (BARBOSA, 1978:172-173). Mas é preciso notar que filos6fica e doutrinalmente sobreviveu a influéncia francesa ¢ curo- péia, getando permanente confit institucional, Apesar disto, apesar do liberalismo de alguns presidentes, como Rodrigues Al- ves (1902-1906), 0 dlima geral foi io}Para controlar 0 movimento operdrio, especialmente liderado por esifingeiros imigrantes, foi aprovada legslacio perini- 342 ODiceto aa Hina * Lopes tindo a expulsio de estrangeiros indesejaveis. A propaganda de certas idéias foi trax tada como crime. Movimentos sciais urbanos rurais (Canudos, Contestado) que se opuseram de algum modo & modernizasio capitalista apoiada pelo Estado c fa- Vordvel a grupos estrangeiros, foram reprimidos policial emilitarmente, As disputas «staduais provocavam batalhas juridicase rebelides armadas, longos periodos foram de governo sob estado de sitio, muito especialmente no governo de Floriano Peixo- to (1891-1894) e Artur Betnardes (1922-1926). O liberalismo justdico e econémi £0 conviveu todo o tempo com as revolugées (1893 no Rio Grande do Sul, 1922.em Sio Paulo, 1923 outra vez no Rio Grande do Sul...) e com o estado de sftio. Esra culeura juridica, porérn, nao foi exclusiva do Brasil Certo que aqui la teve na Repablica um divulgador e que teve sua especifcidade. A Repdblica imps uma idéia de liberalismo realmente forte. No entanto, dentro de uma sociedade pro- fandamente dividida antidemocritica, os efeitos do liberalismo da Constituigéo foram muito diferentes daqueles proclamados nos discursos. A Reptiblica teve de Tetomar a esperanca do Brasil moderno (IANNI, 1992). A modemnizagio s sia romper com algumas tradigées. Para modetnizar a infra-estruvura produtiva do qu pais, cra preciso permitir que a propriedade mudassc de maos. Daf talvez se entenda. = © ren parte da politica de Rui Barbosa que permitiu o encibamento: a especulagio desen- do, freada c incontida na bolsa de valores. Mas seria possivel regular ou regulamentar sala ©,mercado? A reposta da época era um sonoro nao, Continuava-se a imaginar que omer siproptiedade privada era intocivell Os tibunais vio em virios momentos proibit Me cad inclusive o exercicio da pol ia em nome da kiberdade individual. Esta dificil passagem do liberalismo para formas em que algum interesse publ: 0 fosse admitido como fundamento para limitar a propriedade foi lenta em toda Parte, Na Europa, ela deu origem, no campo do diteito privado, a muitas discasies « excolasjuridicas. De um lado, falava-se na revolta dos fatos contra os ebdigos, de outro o movimento operitio desmascarava 0 direito privado (formas de proprie: dade, familia, sucessbes ¢ contratos) como simples regras de manutenco da forma burguesa de sociedade. Nao apenas o sistema de classes se mantinha, mas tambéss a divisio de direitos entre homens e mulheres, gerando um heterossexismo € uit predominio masculino inexplicével ¢injusto. A defesa do status quo fazia-se muitas vezes apelando-se para o direito natural e mesmo para a analogia com a natured descoberta com os olhos da hiseéria natural (biologia). \ Para alguns, a questio se explicava pelo desenvolvimento ¢ complexificagi 2 da sociedade. Os eédigos, feitos para o inicio do’século XIX, mostravam-se ind. “dequados. Era preciso mudé-los ou flexibilizé-los. Nao é muito ficil distinguir os Do Step Xx go Séulo 1: IovagtesRepablicanas 349 (sco (que teve em Bugen Ehrlich um | fensor) insistia em que era preciso dar autonomia aos juizes ¢ aplicadores da lei j : jars que adaprassem os c6digos as circunstincias. A despeiro do tom aparentemen- |” edemocritico da critica, ela carregava algo do romantismo daescolahistérica.Deiw nilos a si mesmos, muitos dos intérpreves nio fariam mais do que acompanhar 0 senso comm tradicional ¢ dominante de seus respectivos lugares. Outra corrente pbisepresentada por Léon Duguit, denunciando o individualismo contido na legis fasio novecentista, Havia, porém, a seu lado a critica de inspiragio socialista ¢ mar- sta, Para os juristas desta corrente, exemplarmente representados potPashukanis] | 4 diteito ¢ uma forma tipicamente burguesa e sb a revolugéo pode pér fim tanto 20 ito quanto ao sistema de exploraco que ele naturalmente incorpora. { Evidentemente, a eritica nio poderia parar nos cédigos de direito privado. A complexificaczo da sociedade, scgundo alguns, era na verdade um processo de ransformasao revolucionitia, mesmo quando nao se percebesse © movimento re- ‘roluciondrio violento. O movimento das mulheres era emblematico. As mulheres queriam novas relagbes familiares ¢ queriam isto junto com o direizo de votar e se- fm voradas, Esta transformacio significava reestruturar as frontciras do publico ¢ so privado, Mulheres operirias sempre trabalharam, mas agora queriam nao apenas ‘alirios, mas direitos de participacio politica. Apesar desta notével luta, 0 movi- inar que ‘mento ainda era minoritarioe ‘uma jurisprudéncia feminista precisou esperar as dé- sproibir <4 cadas finais do século para impor-se. Havia algo mais a caminho: uma reforma no sistema de direito publico, Esta ie pabli- foi extremamente complexa: cla deveria gerar o Estado regulador em contraste com 2 2m toda «4 0 Estado policia. Significava mudar acentuadamente as relagSes entre Publico c pri- icuss6es vado também. Os juistas tiveram dificuldades em accitar que o Estado regulasse igos, de aquilo que durante duzentos anos se conséruira sob o name deaatonomin da von- } >ropric- tide Tiberdade dos particulares. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte recusava- forma sea garanir disci’ de cididania na esfera estadual, alegando que a Constcuigdo ambém federal aplicava-se apenas a casos nacionais. Mas garantiu sua protecio em primeiro eum lugar as sociedades mercantis, equiparando-as a pessoas humanas para divetsos fins, muitas Desde o im da guerra civil (1865) até o final dos anos 30 (New Deal), acorteimpe-\ | tureza, dia que o Estado regulasse os negécios entre os patticulares, O caso mais importane | julgado no perfodo e que deu nome a toda essa fase histdtica foi ode Lochnerv, New | ficagio -& York, de 1905. Nele, a Corte rejeitou, como inconstitucional, uma lei do Estado de | sein. 4 New York quedisciplinavao niimero de horas de trabalho permitidas semanalmen- guiros J te: como resultado, a les de carder social foram invalidadas de forma geralalegan- | 344 O Dieta na Hits + Lopes | do-se que violavam os direitos de liberdade, inclusive de coneratar, garantidos pel império de Bisea | Constituigdo. “A lei em questio, disse 0 julgamento, nao é um exercicio razodvel da 7%. penhado pela gra Poder de Policia.” Foi s6 nos anos 30, diante da gravidade da crise econdmica so alemio colabora | cial, e pressionada pelo Executivo, que a Suprema Corte cedeu e em 1934 comegot © cidadio tipico | a reconhecer as necessidades socials. Julgou naqucle ano o caso Home Building @ empresitio endin | Loan Assocation v, Blaisdell. Esrava em jogo aconstitucionalidade de uma ei do Es 2 se espera gue ten! | tado de Minnesota que permitia aos devedores hipotecérios de financiamentos de, triunfarna socied | casa propria uma morat6ria. A decisio sustentou que 2 lei era constitucional, pois lecimento e livre. \ era dever do Estado garantir a prépria existéncia da comunidade em casos de emés GERT E KOETZ | géncia, e a situagio social dos devedores era uma destas emergéncias. - Seu ‘No Brasil,a introducio de um pensamento social nestes termos fez-se debait® 4 borado por eruditos acs de um perlodo autoritirio ¢ assim nossa tradigio juridica encontrou-se perpletzs\ > na de calcular juridics” As intervengées do Estado, embora st reconhega as vezes que sio necessirias pi atmiracig pela. i garantir alguma ordem social, sio associadas no imagindrio juridico com 0 aut missio encarregada pel Ficarismo puro e simples. A Revolugio de 30, que levou a0 poder Gevilio VarBis. #- ensino, cujocelaor era foi também a que abriu caminho para sua permanéncia na chefia do Executivo PSE A chocira para os primeit mais de uma década usando de poderes ditaroriais. ts “Recomendav © exposigdes, ndo o 2 Censino juridico com lige eis, ou orginico. imicos, on so- Fisica, da qui- es artisticas, ficas, obtidas Ges causais, as is conseqiién- plicitamen- bo Stelo xX ao Século 1%: Inovagtes Republicans 947 te compreendidas como regularidades de eventos. Para o positivismo des primeiros {.//)) republicanos, a regularidade sociolégica e 0 dircito equivalem, Fazet leis & promo- [s Social, que de qualquer modo vai dar-se tio inexoravelmerite quanto a evolugio das espécies. Ebom lembrar que para este tempo o paradigma de ciéncia 4 histéria niacural”, assim como no século XVII o paradigma de ciéncia (¢ racio- nalidade) havia sido a geometria. © discurso de Reynaldo Porchat, em 1927, no centendrio dos cursos juridi- cos, continua esta tradi¢io: "0 conceito da nova ciéncia, desprezando as teorias abstratas ou metafisi-| as, filhas da razdo pura, demonstra que a vida jurfdica [,..] ndo ¢ mais do que | ‘um puro mecanismo de forcas que se entrecruzam e se entrelacam. [..] Esten-) \ yx dido sobre essas bases, 0 estudo do direito, chega-se & conclusio de que nao é | cle mais do que uma fangao que pertence ao organismo social, da mesma for- | ‘ma que pertence ao organismo animal a fungao da nutricio, da respiragio, da y reproducio” (PORCHAT, 1928:368). © determinismo é evidente. As trans- | formagées sociais sao orginicas, nao revoluciondrias e devem seguir sempre} na linha indicada pela evolucao da sociedade, como na evolugio das espécies. © £ preciso voltar os olhos para as sociedades mais progressistas. ‘A Repiiblica, tao liberal em ideais, deveria ser calma em termos politicos. A. revolugi0 nfo poderia ser legitimada pelos juristas. Os autores franceses, dizia Pedro Lessa, que fizeram ¢ influenciaram a Revolugio, “cram todos uns desequi- librados, $6 a razao calma e superior de Montesquicu poderia legar ensinamentos | ce conselhos..” (p. 510). Nada, portanto, de sufrigio para os analfabetos, as mu- | Iheres... Calma nas reformas. Calma também recomendada por Joio Mendes de ‘Almeida Jr., monarquista conformado com a Reptiblica ¢ catdlico conan ‘Os métodos de ensino juridico experimentados nos Estados Unidos, o método de | casos, nao deveria ser introduzido entre nés. Nao, bom mesmo era o método dos | Estatatos da Universidade de Coimbra de 1772, Sua argumentacao ¢ uma erudita defesa do método dedutivo, dos principios gerais que dio firmeza, para os casos particulares, com muita conferéncia... Recusou-se também a aceitar os exames de Estado, seja da forma francesa, seja da forma alema, Nada como conservar 0s professores examinando seus alunos, como era da nossa tradicio. Em resumo, se- ria melhor conservar tado como estava, apenas aperfeigoando aquilo que nio se aplicava adequadamente, por falta de rigor e disciplina dos préprios responsaveis (ALMEIDA JR, 1916: passim). 480 Direko na Hieéia* Lopes 3 Orrabalho Hum problema quando se olha para as sociedades capitalistas. Ali, com ares- salva dos Estados Unidos, a escravidio tinha desaparecido havia muitos séculos. O novo ator social era 0 proletariado. Da situagao de desprezo a que eram reduridos 0 assalatiados diaristas no Antigo Regime, o emprogo por salério convertera-se na condigéo comum (CASTEL, 1995). © Brasil era ainda uma terra de recente escra- vidio, muitos ex-escravos ainda vivendo de empregos domésticos. A aboligio fora feita progressivamente, sem que aos libertos fosse dada qualquer alternativa de s0- brevivencia, Os cribunais ainda tinham que lidar com questées assim valendo-se de um idedrio inadequado. © Tribunal de Justica de So Paulo, em decisio de 13, de agosto de 1915, exigia para a prova de servigos domésticos um contrato formal: “Nao se fez prova alguma de contrato de locacio de servigos ¢ se trabalhos a autora teve em casa do réu, 0 réu, por seu curno, deu-the moradia, alimentou-a, assstit-a em moléstias, tc. (Revista das Tribunais, apelagao n° 7.283). Trabalhar por abrigo e comida, nada de salérios... Mesmo que os contratos se possam provar verbalmente, ‘ou que no direito comercial se admita informalidades, quando se chega aos pontos cessenciais da ordem social é preciso ser rigoroso. Pedro Lessa estd atento a estes novos atores, que reivindicam regulagio de salérios, limites de horas ttabalhadas, assisténcia e previdéncia por caixas de so- corto miituo, corporagées (sindicatos). Qualquer pessoa de bom coragio accitaa justiga destes reclamos: mas como conciliar igualdade e seguranga com estimelos egoisticos da produgio, “que seria suprimir o progresso da espécie humana, pois no hé desenvolvimento intelectual ¢ moral sem certas condigées de bem-estar material"? (LESSA, s.d.:536). Ou seja, como conciliar reivindicagdes justas den- tro de uma ordem que funciona segundo regras do utilicarismo?... “A distribuigéo das riquezas de consumo segundo as necessidades de cada um, além dos graves in- convenientes apontados, criaria um numeroso exército de funcionarios publicos que, cerceando a liberdade e sob um regime inquisitorial, teriam por missao averi- guar as necessidades de cada individuo ou de cada familia” (p. 534). A Republica nao deveria cair nesse crro. © Brasil havia praticamente acabado de deixar o regime escravocrata ¢ ainda - nao disciplinara o novo sistema de trabalho livre. Fra ainda uma sociedade rural com a grande maioria da populacao vivendo nos campos ou em cidades pequenas. Achava-se em vigor ainda o Livro IV das Ordenagies, Titulos 28 a 35, a respeito de- criados de servir, estabelecendo soldadas minimas (por cada ano de servigo), mas voltados res ou a? novos tr senhoria tado, en trato. Nc o Brasil Asi Rio de (a Light tos operd 1917, na sé oaum theres, de 1919, reg dem-seo: 4 Aju OS creto né § nalidade concentr siscema n existiria’s como ai dos jutzes para nom do tribun Nare se pode di ma dadec traordindt constituci tiga da dec coma res- 1s séculos. O m reduzidos yertera-se na vente escra~ boligio fora ativa de so- t valendo-se scisao de 13 cato formal: rosaautora a, assistiu-a « por abrigo ssbalmente, 208 pontos ‘gulagio de tixas de so- slo aceita a vestimulos mana, pois bem-estar justas den- istribuigao sgraves in »s piblicos isso averi- Repablica tac ainda dade rural, pequenas. cspeito de vigo), mas ’o Ste XI a Seelo 3X: Inovagies Republicans 249) voltados a uma espécie de relagio de trabalho familias, dos achegados aos senbo- 170s ou amos. Nada da relagio de trabalho industrial e capitalista. Assim é que estes novos trabalhadores, que néo sio nem 0s criados (tutelados dentro de um sistema senhorial amo-criado), nem escravos, nem trabalhadores livres de oficio regulamen- tado, encontram-se num limbo em que vigoram as liberdades do mercado edo con- trato. No final do século XIX, embors jé fossem uma forga viva nas cidades grandes, © Brasil nao dera atengdo ao tema, pois estava ainda resolvendo a “questao servil”. A situagao altera-se rapidamente durante o inicio do século XX, sobretudo no. Rio de Janeiro ¢ em Sao Paulo. Grupos internacionais passam a investir no Brasil (a Light & Power instala-se em 1904) ¢ a indastria téxtil se expande. Movimen- 105 operiirios crescem, mas 0 tratamento dado & questio serd ainda repressivo. Em 1917,na grande greve geral de So Paulo, coloca-se na pauta das reivindicagées nao 's6 0 aumento de saldrios, como também o problema do trabalho de menores ¢ mu- | Iheres, do descanso remunerado, garantia de emprego, direito de associagao. Jd em. 1919, regula-se apenas a indenizacéo por acidentes do trabalho em 1925 conce- dem-se os 15 dias anuais de férias 2 empregados da industria ¢ do comércio. 4 Ajustica eo sistema legal Supremo Tribunal Federal, criado por deczeto do governo provisério (De- cxeto n? 848, de 11 de outubro de 1890), passara a ter 0 controle da constitucio- nalidade das leis. Nao havia na Primeira Republica (como até 1965), um controle concentrado de constitucionalidade. Q sistema adotado ¢ em tudo andlogo ao norte-americano, segundo Pedro Lessa (1915:100 00 ss). O judicial review existiria apeni 05, € 0 Supremo néo dispunha de mecanismos como a avocatéria (writ of certiorari) anglo-americana para intervir em decisées dos juizes inferiores. Ouvia os recursos extraordindtios. Foi-the dada auronomia para nomear seus funciondrios, mas suas decisoes nao teriam poder vinculante do tribunal estadunidense. Na reforma republicana, desaparecera o recurso de revista. Em seu lugar, se assim. se pode dizer, srgia o recurso extraordindvio, Mas o extraordindrio permitia a refor- ma da decisio diretamente pelo Supremo, enquanto a revista era uma cassagio. O ex: traordindrio teria lugar quando se negasse validade a lei federal ou se questionasse a constitucionalidade de lis, enquanto 0 recurso de revista era cabivel em caso de injus- tiga da decisio, entendida como negativa de vigéncia de texto expresso de lei. 50. 0 Deltona Hiss + Lopes 1 | A grande reforma insrodusida pea Repiiblica foi sem divida.o-conteole nist de difuso, A partir de 1891 todos os juizes poderiam deixar d car uma lei qualquer por consideré-la contraria Constituigio. Mas se 0s julzes:: Passaram a ter o poder de conhecer da constitucionalidade das leis, eo Supremoa 4 poder de revé-la, a cultura juridica continuou estranha ao precedente vinculante, instrumento corriqueiro do direito norte-americano, Freqiientemente, o Supremo, jana Primeira Repiblica, era obrigado a conhecer repetidas vezes de assuntos seme, thantes, sem dispor de um mecanismo de generalizacio de suas interpretagées. Desapareceram também 0 contencioso administrative co Conselho de Estado: sem que os administrativiscas se dessem conta da profundidade disto, Continuaratn aplicar doutrinas francesas,feitas para um Estado em que nao havia judicial review € que, portanto, nada tinha em comum com o modelo republicano adotado, Este. fato deve ser observado porque a rigor esta discrepincia entre insticuig6es e dourt- | Ras persiste até hoje no Brasil. O dircito administrativo continua a ser ensinado | explicado por douttinas curopéias, ‘enquanto o modelo de administracio ¢ cada ver. | mais americanizado, [ 1 Ez Qutra mudanga substancial foi a federalizacio da justiga: passou a haver uma ’ 3 justign estadual eta justiga federal. O Supremo Tribunal Federal Toi crlado ‘S& 0" “Dgctet i848, de 1T de ourubro de 1890, do Governe Provisétio, com 15 mem: bros nomeados pelo presidente da Repiblica, vindos em sua maiotia do antigo S premo Tribunal de Justiga imperial, A organizagao judiciécia ca lei processual foram deixados & comperéncia des: import Estados: 0 Regulamento n°737, de 1850, sobreviveu em muitos lugares ¢ sobrevi fant veu na esfera federal, Os ministros do Supremo seriam nomeados pelo president dlo, par os outros julzes feder Nio se. premio € nomeados pelo presidente da Republica. O ld do DF; G2" Repiblica seria um dos membros do Supremo (art. 58, § 25), Neste passo, come: Janciro, * gam as sobrevivencias de nossa propria tradigao judiciéria, em que o magistrade ral doR “promotor” faz parte do tribunal. Nao havia concurso para ingresso na carreiran eee esfera federal, Na esfera estadual tampouco. Nos Estados onde se procurava cia: © concurso, os resultados destes eram apenas habilitadores dos candidatos: de tro dos habilitados, os respectivos tribunais ou governadores, agiam livrements nas nomeagées (cf ALMEIDA JR., ec al., 1897). Para que os concursos se impo- nam, serd Constituigao de 1934. Assim, a miagisiratura @ uma E econtra Suprem jero de antes Ff ouaup oF ty ‘ue) someorpu soupaitp sosx, controle de n deixar de se 0s jutzes Supremo o vinculante, © Supremo; untos seme- sages. ode Estado ontinuaram cial review lotado. Este besedoutri- censinado ¢ to € cada vez ahaver uma lo por -m 15 mem- o antigo Su- >eténcia dos © ese sobrevi- > presidente imindicados dorgeral da 1ass0, come- magistrado, acarreirana vcurava criar idatos: den- «livremente sos se impo- ‘mura €uma ue no eram ‘Do Séailo XK a Séeulo Xt InovaaesRepublcanat 351 Na Justiga Federal, os jufzes eram nome: _garantias de ina- movibilidade ¢ irredutibilidade de vencimentos.O que foi objeto de uma disputa politica em 1897, quando o Congresso aprovou o imposto progressivo sobre a ren- da (vencimentos) dos funciondrios da Unio. © Supremo protestou, alegando que a imedutibilidade de vencimentos garantida na Consticuicao de 1891 impedia 0 Congresso e o Executivo de langarem e cobrarem aquele imposto (RODRIGUES, 1991, v. 1:137-139). A justiga estadual foi deixada completamente aos Estados, que a organizariam segundo os principios repiblicanos. Mas nio se regulava a matéria na carta federal: ndo se exigia concurso piblico para as nomeagées. Diversos foram os casos em que a inconstitucionalidade das leis foi declarada por juzes de primeira instancia. Uma série de casos mostra que a defesa da proprie- dade privada e da liberdade de iniciativa foi objeto da maior reveréncia. Assim, a defesa da propriedade nao acompanhava necessariamente a defesa da democracia politica e muito menos da democracia social, Varia decisées na Primeira Republica disseram respeico ao poder de policia. 0 Rio de Janeiro foi palco destas quest6es: a cidade precisava ser modernizada, segun- do os novos governantes. Entre as medidas de modernizagio, estava a disciplina da higiene publica: a erradicacéo das epidemias, a sanitarizagio do espago puiblico, a ‘vacina obrigatéria, o controle da venda de génetos alimenticios. A Apelagio Civel nt 928 (O Direito 97/223) julgada pelo Supremo Tribunal Federal em 27 de agosto de 1904 é tipica. © Distrito Federal havia proibido a “importagio” ea venda de carne verde de fora da cidade, justificando a medida em termos de saiide piiblica, Exigia-se que o gado fosse vistoriado antes de ser abai do, para evitar a venda de alimento contaminado por alguma doenca do rebanho. ‘Nao se conformou com a regta o Bardo de Mesquita, que pediu 20 juizo federal do DE mandado de manutengéo para importar carne verde e vendé-la no Rio de) ¥* Janeiro. Obteve a ordem ea sentenga final confirmou a liminar dada. O juiz fede-| ral do Rio de Janeiro justificou sua decisio dizendo que o Distrito Federal atents va contra direito de propriedade do autor, contra o exercicio de inchistria liciea, e contra a liberdade de comércio garantida pela Constituigio. O recurso subin ac Supremo que o reformou, para dizer que direitos pessoas ndo poderiam ser ob-| jeto de mandado de manutengio, Deu razao ao Distrito Federal, sem entrar no mérito da questao. © tema voltaria em outra oportunidade, especificamente na Apelagio Civel ne 1,252, julgada em 6 de maio de 1908 (0 Direito 106/400). Pedro Rodrigues de gee fee Pea eas € g g ersos direitos. 3520 Direiona Hse + Lopes Franga Leite impetrou um mandado proibitério contra a Fazenda do Municipio ¢ contra 0 prefeito do Distrito Federal para que nao impedissem a entrada de carne verde ou sua venda no agougue (proibicéo de consumo de carne de gado que nfo tenha sido examinado em pé pelo servigo de vigilincia de sade), © juiz federal de primeira instancia naturalmente concedeu a ordem. Desta vez, porém, a questio de fundo foi enfrentada e, contrariamente & versio liberal jacobina” de que a regu- lamentagio daquela atividade constituia violagao do dircito de propriedade e livre iniciativa, o Supremo Tribunal declarou que 0 decreto no contratiava os arts. 34, V,€ 72, pat. 24, da Constituigio, “porquanto a regulamentagio do fornecimento de alimentagio & populacio, assim como a do fornecimento de Agua, luz, esgoto et pertencem exclusivamente & policia do Estado, ¢ sio licitas as rescriges postas ali: P*O% P berdade de profisséo, desde que se trata de servigos que devem ser executados ou fiscalizados pelo Estado”. Em resumo, admitia-se o poder de policia ao lado da liber- dade de iniciativa econdmica. Mas nio foi apenas vigilincia dos géneros alimenticios que suscitou debate. Os- valdo Cruz havia enfrentado a “revolta da vacina” em 1904 na cencativa de sanear 0 Rio de Janeiro. A revolta envolveu muitas questbes, ameagas de golpe de Estado, resis- ‘téncia A incerferéncia do Estado modernizador na vida privada e um grande ntimero de questdes sociais, culturais ¢ politicas (CARVALHO, 1996: passim). Também estas questies de higiene piblica terminaram chegando ao Supremo e também elas foram ‘num primeiro momento discutidas dentro dos parimetros liberais. O Conflito de Jurisdigao n* 210 (O Direito 115/552) julgado em 13 de outubro de 1909 ¢ um bom exemplo. Ant6nio Ferreira Lima pediu e obteve do juiz da 1* Vara Federal do Rio de Janeiro um mandado de manutengéo para néo proceder a reparos no prédio de sua Proptiedade € ndo cumprir ordens da autoridade sanitéria. O problema que foi ao } processo civil conhecimento do Supremo nesta ocasiio também nio dizia respeito ao mérito, mas. nas substancia: Acompeténcia do juiz federal. Depois de muitas dificuldades, para tratar destas ques- 4930 ¢ 0 curso ‘es sanitirias havia sido criado um juizo especializado no Distrito Federal, o juiz de. futra oportunic Sade Pablice,O pedido de manutengio contra as ordens adminisacvas fora ape: | rimcin sentado perancojuiz federal, © Supremo Tibunal Fedral decid que nto eramad 1340 8p te missiveis mandados de manutengio contra atos da Saide Piblica,e que a controvérsa je 1890) aboli sobre o assunto deveria ser julgada pelo juiz de Satide Publica. itaseee O tema nao estava pacificado de vez, ¢ 0 juiz federal continuava concedendo fm 1891 a pens roresio contra as intimagbes do servigo de satide do Rio. Em 17 de novembro b privagao de it de 1909, o Supremo decidiu novamente: “As medidas administrativas emanadas #48 € pristo disc da Diretoria-Geral de Satide Publica nao constituem turbagao da posse. Nao sio © a perda de cm Reformas © Municipio e trada de carne gado que no juiz federal de “ém, a questio de que aregu- tiedade e livre a os arts. 34, snecimento de t, esgoto etc, Ses postas i li- xecutados ou ‘lado da liber- sudebate. Os- vade sancat 0 Estado, resis- cande némero Também estas ém elas foram ) Conflito de 109 €um bom al do Rio de prédio de sua ma que foi a0 > mérivo, mas srdestas ques- eral, 0juiz de vas fora apre- ‘nao cram ad- reontrovérsia concedendo le novembro as emanadas osse. Nao so Do Stoulo XIX 2 Séelo 1: InovasiesRepabianss 959 admissiveis mandados de manucencéo nem proibitérios contra atos da autorida- de piblica no exercicio regular de suas atribuigdes” (Agravo Civel n? 1.211, 0 Direito 115-553). No caso, Antonio José da Fonseca Moreira pediu mandado de manutengio de posse para nao proceder aos melhoramentos exigidos pela Admi- nistrago e também por sentir-se vurbado na posse do seu imével que a Diretoria de Saiide havia inspecionado. “O STF tem sempre repelido os mandados proi- bitdrios contra atos de autoridade pablica no exercicio regular de suas atribui- sees.” diz 0 acérdio, Se bem que para os trabalhadores nao houvesse muita jurisprudéncia favord- vel, para os proprietérios o direito estava consolidado. As cidades nao poderiam ser remodeladas, pois a exigencia de recuos ¢ alinhamentos feria os direitos de propriedade, ¢ “a cimara municipal é obrigada a indenizar os recuos que faz € os prejutzos causados com alinhamentos que alteram plantas jé aprovadas” (Tribu- nal de Justiga de So Paulo, n° 7.882, julgada em 10 de agosto de 1915). Os de- tentores de cargos piblicos uinham direito a que nao se desmembrassem 0s seus cargos para nao lhes diminuir os vencimentos (‘Isibunal de Justica de Sio Paulo, ‘embargos n°7.480, julgados em 21 de setembro de 1915). Indenizagio por danos morais também se aceitava. © que ndo era comum eram as indenizagies por aci- dentes, coisa ripica da sociedade industrial. 5 Reformas legislativas na Primeira Republica Muita legislagio fot reformada: o Cédigo Penal, alei das sociedades andnimas, | © processo civil e penal, que foi delegado A competéncia dos Estados. Algumas refor- ‘mas substanciais, em termos de cultura juridica, civeram que aguardar a Revolucio de 1930 ¢ 0 curso da era Vargas. Isvo tudo, porém, jé comega aser familiar e pode esperar contra oportunidade para nossa reflexio. ‘A primeira reforma foi a do Cédigo Penal, de 11 de outubro de 1890 (apro- vado pelo Decreto n® 847). Antes dele, jé 0 Decreto n? 774 (de 20 de sexembro de 1890) aboliraas penas de galés, reduzindo a 30 anos as penas perpétnas, com: purando, como de patio’ pisveania: A prdptis Constnigao ‘epublicana aboliu ¢m 1891 apenade morte. O modelo penal passou a ser quase que axchusivamenre a privasio de liberdade, incluindo-se a priséo com trabalhos para vadios e capoci- prisio disciplinar para menorés. Foram mantidos o banimento, a suspensio. ca perda de emprego. O advento das correntes cientificistas (sociolégicas, natu- 4) 0 Dire na inl = Lopes ralistas, antropolégicas) logo reivindicou reformas no novo cédigo, que afinal sd vieram a acontecer em 1940. O dircito privado conhecia algumas transformagées importantes. Investimen- tos estrangeiros, inicio de induserializagSo, grande comércio internacional, tudo | regado a cultura liberalista resultou em reforma da Lei das Sociedades Andnimas | (Decreto n® 434, de 4 de julho de 1891), na disciplina dos tieulos de divida das com- panhias, ou debéntures (Decreto Legislative n* 177-A, de 15 de setembro de 1893) | edos culos 20 portador (inclusive agdes, pelo Decreto Legislativo n* 149-B, de 20 de julho de 1893), para nao falar na aprovagio do Cédigo Civil em 1916. Impor- tante lembrar que 0 encithamento, actise financeira do inicio da Repéblica, refletia- se em instituigoes do capitalismo liberal. A constituicéo de sociedades andnimas sem controle favorecia o surgimento de especulacées puras ¢ simples, até queem 13 de outubro de 1890 foi exigido que o capital das companhias fosse integralmente subscrito, que fossem depositados em dinheiro pelo menos 30% de seu valor e que ‘pelo menos 40% fossem integralizados, para que as agées respectivas pudessem ser negociadas na bolsa. Os bancos foram também beneficiados, e aceitou-se o sistema de pluralidade de bancos de emissio — a0 invés de um banco central - cujos fundos garantidores seriam apélices do Tesouro ¢ nio suas préprias rescrvas metilicas. Em outras palavras, a cultura jurfdica, durante a Primeira Republica, como até hoje, aliés, apenas confirmava a arguta observagio de Marx sobre o controle das classes proprietarias no Estado: “A esta propriedade privada moderna corcespon- de o Estado moderno, o qual, comprado paulatinamente pelos proprietiios pri- vados através dos impostos, cai completamente sob o controle destes pelo sistema da divida piblica, ¢ cuja existéncia, como é revelado pela alta e baixa dos valo- res do Estado na bolsa, tornon-se completamente dependente do crédito comer- cial concedido pelos proprietérios privados, os burgueses” (MARX; ENGELS, 1979:97). Este crédito dos grandes proprictirios é sempre garantido pelo Estado, _ cortigido astronémica e impiedosamente pelos tribunais e termina sendo pago pela classe trabalhadora ou pelos economicamente mais fracos. “As poténcias econémicas privadas geralmente detém o controle das divi- das de Escados que, por essa razio, dependem delas ¢ elas os mantém sob seu dominio. Esses Estados nao hesitam em converter as dividas de seus proteto- res em dividas publicas, que tomam assim a seu cargo. Elas serio entio honra- das, sem compensagio alguma pelo conjunto dos cidadios. Ironia: recicladas para o setor puiblico, essas dividas do setor privado anmentam muito a divida que afinal sé Investimen- cional, tudo sAnénimas idadascom- v0 de 1893) 49-B, de 20 916. Impor- ica, refletia- 8 andnimas équeem 13 tegralmente valor e que udlessem ser seo sistema ‘jos fundos zeilicas ‘acomo até ontrole das cortespon- etétios pri- velo sistema a dos valo- lito comer- ENGELS, velo Estado, © pago pela ile das divi- ém sob sew 1s proteto- xtéo honra- :recicladas ito a divida ‘o Salo Mao Sean: Isvaghes Repacmns 955 |) que compere aos Estados, colocando estes tltimos ainda mais sob tutela da {economia privada” (FORRESTER, 1997:30). De relevancia foi também o Decreto n? 3.078, de 1919, que instituiu as socie- dades por quotas de responsabilidade limitada, a forma mais importante de socie- dade a consagrar, depois da andnima, a separacio completa de responsabilidade dos sécios. Também merece destaque 0 Decreto n® 2.681, de 7 de dezembro de 1912, ue instituin a responsabilidade objetiva das ferrovias por danos causados a passa- geiros ou propriecérios marginais em casos de acidentes. Reformulou-se ainda a le- gislagio de faléncias (Lei n® 2.024, de 17 de dezembro de 1908). Como sevé, houve uma série de medidas que compatibilizavam o ordenamento juridico com uma for- ma de desenvolvimento e modemnizagio dos negécios. Sem um tratamento global e sistemético vinha surgindo a legislacio social. Em dezembro de 1889, Deodoro recebeu projeto para por fim ao servigo por empreita- dae limitar a jornada de trabalho didria, com repouso semanal obrigatério e férias anuais de 15 dias. Em Sio Paulo em 1911 o Departamento Estadual do Trabalho ctiou o Patronato Agricola para arbitrar disputas entre imigrantes e fazendeiros (Lei cestadual n° 1299-a) ¢ cm 1922 surgiram os Tribunais Rurais do Estado. Em 1919, foi editada.alei de acidentes de trabalho e risco profissional, reformada em 1923 (cf. KOERNER, 1997). Em 1921 reformava-se o regime de locagées previsto no entio recente Cédigo Civil, dando novas regras para o inquilinato, com cardter mais pro- tetivo (sob pressio da Liga dos Inquilinos ¢ Consumidores do Distrito Federal), re- ‘vogando “cxigéncias absurdas dos senhorios”, quanto a prazo minimo, benfeitorias, direito de preferéncia, penas por despejos maliciosamente requeridos etc. 6 As reformas da era Vargas ‘Osanos 30 sio de transformago profunda. £ 0 tempo do grande conflito entre .0,\liberalismg'e corporativismo, Os movimentos operarios se ampliavam ‘ein toda parte. Na Europa, 6 fim da Primeira Guerra Mundial foi marcado pelas re- -volugdes na Russia ¢ na Alemanha em particular. O México jé adotara em 1917 uma constituigéo que inscria, pela primeira vez. na histéria, os direitos sociais dentro da carta de direitos fundamentais. Em 1919, a Alemanha, pata por fim a0 proceso revolucionatio, adotara a Constituisao de Weimar. De outro lado, 0 capitalismo financeiro ¢ a insuficiéncia das regras individualistas, privatistas e meramente con- 356. 0 Distt na latin * Lope tratuais dos cédigos era evidence. Era preciso reorganizar 0 mercado. Keynes tev sensiv crevia sobte os limites do sistema de mercado ¢ de suas regras financeiras. turaju Assim € que no Brasil cambém os anos 30 sio o resultado de muita insatisf: 7 “a como sistema eleitoral, com o predominio das oligarquias cafeeiras, com nossa = 4 N fato ur posigio no mercado internacional. Sao Paulo havia experimentado uma greve getal em 1917 €0 movimento operirio, a despeito da repressio ¢ da expulsio dos estran: geiros que o lideravam, continuava ativo. Os tenentes promoviam rebelides € revo- hug6es, o Partido Comunista fora criado em 1922. Deu-se aqui também a discussio “4 centre liberais,socialistas e corporativistas (FERREIRA, 1993). O dircito privado deveria conhecer alguma mudanga. Foram feitos projetos de reforma, como o do Cédigo de Obrigagées, que viia a conter matéria civil ecomer <4 ial, ¢ 0 do Cédigo de Familia (¢ sucessdes), mas no vingaram. As reformas foram. centéo feitas parccladamente. Para reorganizar o investimento e promover a indus trializagio foi reformada a Lei de Sociedades Andnimas (aprovada em 1942, com. Be 9 Decrcto-lei n® 2,627), que modernizou substancialmente a legislagao societéria. ae Em 1945, foi aluerada a legislagao de faléncias (Decreto-lei n®7.661). O Decreton® 4,657, de 4 de setembro de 1942, estabelecen as regras gerais de dircito internacio- 4 Ao nal ptivado e de interpretagéo da ei, constituindo-se na famosa “Lei de Introdugio parece a0 Cédigo Civil”. © seu notério ar. 5? manda o juiz levar em conta os fins sociaisa juridico que se destina a norma juridica. _ sees E também do perfodo Vargas alei de usura (Decteto n? 22,626, de 7 de abril ee de 1933, que estabeleceu limite de juF0s; rompendo com a liberdade de contra: © Alg tagdo herdada do século XIX). Na mesma ordem de idéias, estabelecendo regras. = Porrant que reduziam a “autonomia da vontade” veio a/eé de lavas (Decreto n? 24.150, de, de 27 de 1934), s6 revogada em 1991, para iméveis comerciais, pela qual haveria a reno- ee vacao compulséria dos contratos de locagéo comercial (criando 0 que se passov Ee mesmo) a chamar a “propriedade comercial’, ou ponto). Também é deste periodo novale: de Roos gislagéo do inquilinato, restritiva dos despejos ¢ dos aumentos de aluguéis, num Od rempo em que a construgéo civil para fins residenciais era dominada pelo cons. formava trutor-locador: alguém que construia casas para alugar, enquanto a urbanizagio dar orde crescia aceleradamente, De indole semelhante foi o Decreto-lei n° 58, de 1937, mocoa regulando os loreamentos urbanos. Por ele foi dado aos compradores de lotes + J editado a prestagio 0 direito de obter a adjudicagio compulséria do imével prometido a « goes Pen venda (o decreto-lei sé foi revogado em 1979, quando sobreveio a Lei n* 6.766): ram-sed Houve, pois, uma transformagio substancial no direito privado, em ateas muito 4 casos € p did ; a ‘be Steslo MEX no Selo XX Inovagtes Repubtcanss 297 zynesjies | _sensiveis. Como, no entanto, nao houve uma alteracao geral dos cédigos, a cul- a tura jurfdica sobreviveu: toda a legislago aprovada foi cida como excepcional, de modo que continuavam em vigor 0s “principios” gerais individualistas, ‘a insatisfa- _——— ,com nossa NoMMireito piblidp, as mudangas nao foram menores. © que ocorreu foi de reve geral faco uma alteragio do modelo de Estado, que sobreviveu & queda de Vargas. Do dos estran- ponto de vista dz economia e da politica, & clara a alteragio do modelo (SAN- TOS, 1994; FIORI, 1995). Do ponto de vista juridico, « situagio é-a-mesma. Scria ficl perceber as mudangas na esfera consticucional: em{1934, 1937, 1946: Mas hi um nivel de direito publico, administrativo, financeiro, econémico ¢ ti- butério em que o modelo se expressa mais como continuidade do que como rup- rojetos de ja ey ce tura. Neste nivel encontram-se a grande maquina de administragio indireta, as ‘ilecomer- : : a : i; oes autarquias, os conselhos reguladores de atividades econdmicas ¢, num primeiro mas fors : at a momento, a justica do trabalho. A reforma administrativa do Estado faz-se com ‘era indus- (0s concussos piiblicos que vio a pouco ¢ pouco substituindo as nomeacSes e per- mitindo que se estabeleca uma burocracia profissionalizada, saida da ascendente classe média urbana, Ao lado de Oliveira Viannal Francisco Campos, autor da Cara de 1937, com- parece como figura relevante. De ‘excepcional capacidade, encarna o autoritarismo juridico do novo perfodo, Foi cle quem fez a reforma dos cursos juridicos em 1931, junto com a qual se dava também inicio & organizagio das universidades brasileira. Foi a sua reforma que criou a “Introdugio & Ciéncia do Direito’. 1942, com societiria. Decreto n® aternacio- ntzodugio 3 sociais a 7 de abril de contea: Algumas reformas no ambito do dircito piblico foram extraordinariamente im- (> 2 pigs portantes, embora acompanhando as tendéncias internacionais. © Decreton?23.501, ¢iy.sid 14.150, de de 27 de novembro de 1933, por exemplo, marcou a saida do Brasil do sistema mo- 0°" netirio do ouro, abolindo ¢ proibindo a cléasula-ouro nos negécios particulares. jaa reno- s negécios par ae mesmo jélhaviam feito todos os paises da Buropae desde o comego de 1933 0 governo pais de Roosevelt promovera a mesma reforma nos Estados Unidos da América, uéis, num © dircito penal foi também objeto de reforma, Em 1932, enquanto nio se re >elo cons- formava 0 cbdigo, o Decreto n* 22.213 ~ Consolidagao das Leis Penais - procurou banizacéo dar ordem a legislacio extravagante. O ideal passou a ser a diminuigio do formalis- de 1937, mo eo aumento do controle do juiz sobre o processo. O Cédigo Penal ¢ finalmente 5 de lotes editado em 1940, pelo Decreto-lei n* 2.848, acompanhado da Lei das Contraven- ametido a ‘goes Penais, para as infrages menos graves. As penas privativas da liberdade torna- 6.766). ram-se dominantes no sistema penal brasileiro. A multa ficou reservada para alguns as muito ‘casos e para as contravenges sobrecudo.

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