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ISSN 2177-2789
VOL. VII Nº 17 DEZEMBRO/2016
ABSTRACT – In this article we propose to hold a discourse in the study in the current
political scenario. In this controversial scene of power struggles, where political alliances
are made and unmade in a continuous game of opposites, many statements are dispersed.
The corpus chosen for analysis consists of two statements that currently were present in
political discourse and disseminated in the media - the impeached terms and blow
successively representing the position of opposition to the government and the position of
the government. Based on this discursive space composed of government and opposition,
we intend to rely on the theoretical and methodological assumption Maingueneau (2008)
concerning interincomprehension as a form of translation and creating simulacra of the
discourse of the other. Also in Foucault (2008), we find theoretical support of the nature of
the statement and how it goes beyond language to establish itself as discourse.
KEYWORDS – Discouse; Enunciation; Interincomprehension
1
Doutoranda em Estudos de Linguagem pelo PPGL/UFMT na linha de pesquisa Práticas textuais e discursivas:
múltiplas abordagens.
Introdução
dos efeitos de sentido no discurso, a língua, pensada como uma instância relativamente
autônoma, é o lugar material em que se realizam os efeitos de sentido”.
Recentemente, em decorrência da disputa política no cenário nacional, duas palavras
foram despertadas de seu estado mudo/dicionarizado e postas em uso produzindo sentidos
positivos ou negativos de acordo com a formação discursiva que delas fazia uso. Ei-las:
impeachment e golpe.
Ao longo da história, bem como em se considerando atividades comuns de
interlocução, o uso do termo vocabular golpe é mais recorrente que o termo impeachment
no vocabulário nacional. Por exemplo, em referência histórica aparece em expressões como:
golpe de estado, golpe de 64, golpe militar etc. ou em falas comuns: duplo golpe de
boxeador, golpe de um charlatão, golpes financeiros ou mesmo em jargões humorísticos
como o da boneca Maria Santa “Olha o golpe” etc. Já o termo impeachment, emprestado
do inglês, cujo significado literal é impedimento, dificilmente seria usado em situações mais
cotidianas de interlocução tendo seu uso mais restrito a situações político-jurídicas. Se
24 postos em paralelo, eles não têm uma relação de significados ou sentidos preestabelecida,
não são sinônimos, antônimos, ou mantêm qualquer parentesco etimológico que possa ter
se evidenciado histórica ou linguisticamente.
Obviamente o aparelho linguístico detém-nos, mas não os juntou como obra do
acaso. Seu relacionamento é obra do universo discursivo e todo o aparato extralinguístico
que o circunda. Dada a flexibilidade da língua, juntos na atual conjuntura da política
brasileira, tornam-se elementos associados. Primeiramente, foi utilizado o termo
impeachment e, por conta dele, veio então o termo golpe como uma espécie de tradução
negativa feita por posicionamentos ideológicos opositores.
Como não tratamos aqui especificamente de significados de vocabulário e/ou
estudos morfológicos ou sintáticos da língua, mas sim da construção de sentidos
discursivamente constituídos, traremos à discussão conceitos basilares sobre a noção de
enunciado em Foucault (2008), pois a nosso ver a definição que o filósofo traz sobre
enunciado é muito bem-vinda para diferenciar o que é apenas um termo linguístico do que é
um enunciado. Na sequência teórica, nos valeremos de contribuições do analista de discurso
27 trocas incessantes, vai-se criando uma rede de interação semântica entre as formações
discursivas. É, pois, nesse momento de interação que os sentidos tornam-se manifestos de
acordo com as posições enunciativas envolvidas no espaço regulado de trocas.
seus respectivos lugares de dizer, não podem “compreender” os sentidos outros que vão
contra a sua própria constituição. Em lugar de uma compreensão positiva do enunciado
Outro, uma posição discursiva criará simulacros dele, “para constituir e preservar sua
identidade no espaço discursivo” (MAINGUENEAU, 2008, p. 100).
Esse processo de interincompreensão é uma manifestação cabal de que os sentidos, ao
contrário do que comumente pensamos, não são imanentes às palavras, mas vêm a ser
positivos, negativos, polêmicos, ambíguos etc. no interior das formações discursivas, ao
abrigo das quais são produzidos, isto é, ganham “vida” e materializam-se nas atividades
linguageiras cotidianas.
A interincompreensão (= tradução versus simulacro) é um processo operante no
nível “constitucional” das próprias formações discursivas, ou seja, ela é um mecanismo
necessário e regular nos processos discursivos, de forma que os sentidos serão estabelecidos
de acordo com o tipo de tradução efetuado entre os discursos.
Daí decorre que um mesmo enunciado, por exemplo, poderá ser entendido de
Figura 1
Charge2
2
Disponível em:< http://www.psdb.org.br/imprensa/charges/page/2/>. Acesso em: 17 abr. 2016.
3
<http://www.pt.org.br/rui-falcao-militancia-petista-esta-convocada-para-deter-o-golpe/ >Acesso em 25 de
abril de 2016.
4
(Publicado no jornal Folha de S. Paulo – 23/04/16. < http://www.psdb.org.br/senado-deve-aprovar-
processo-de-impeachment-de-dilma-rousseff-sim-por-cassio-cunha-lima/> Acesso 25 de abril de 2016.
Maingueneau, 2008, p. 106) declara que o discurso político “não pode suportar que haja
outro discurso político”, pois “sua tendência mais profunda é anular o discurso do outro”.
Na intenção de anular esse discurso outro, a ação principal é a de traduzi-lo com
representações negativas/simulacro. Para que o simulacro se torne fortalecido, outras
expressões são utilizadas, formando com ele um campo semântico. Por exemplo, no
primeiro excerto a carga de sentido de “golpe” é reforçada por outras expressões como
“combate, luta, deter”, relacionadas a duelo/resistência, termos que seriam comuns a um
discurso de tendência esquerdista.
Já o segundo excerto mostra a posição dos que são favoráveis ao afastamento de
Dilma Rousseff e não enxergam golpe algum no que seria um legítimo e
constitucionalmente previsto processo de impeachment da presidenta. Por isso seus
enunciados a respeito do processo político em questão estão sempre associados a termos
como “instituições, democracia, Constituição”, o que não necessariamente remete à luta,
mas sim à ordem.
33 Para Maingueneau (2008, p. 100), “de fato, não se dirá que o enunciador de um
discurso ‘interpreta’ seus próprios enunciados; esse é um privilégio reservado a uma
instância exterior. Ou seja, o enunciado pertence a uma formação discursiva, mas os efeitos
de sentido que ele pode provocar não, pois sua interpretação é totalmente dependente do
Outro.
Conclusão
Foucault abriu caminho em um terreno que até então era relegado pela filosofia e
pela linguística: o discurso. Sua teoria é basilar aos posteriores estudos do discurso e para a
constituição da disciplina Análise de Discurso.
Sem dúvida, um analista do discurso, principalmente de vertente francesa, reconheceria de
imediato um espaço discursivo constituído por dois discursos díspares que disputam um
mesmo espaço de poder e conhecimento na sociedade,
Os simulacros decorrem, então, da inevitável rejeição/distorção de cada parte em
relação à outra. Como diz Maingueneau (2008), nenhum discurso interpreta a si mesmo, a
interpretação vem do outro lado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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34
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médio: posições discursivas. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem – MeEL).
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