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DOI: http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.

2014v16n2p246
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a importância da territorialidade como conceito de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade


para compreensão dessas dinâmicas híbridas e Estadual Paulista (UNESP - Presidente Prudente)
multidimensionais. De tal forma se faz presente a e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
relação rural-urbano como complexidade. Também compõem o Grupo de Estudos Urbanos (GEU), for-
faz parte dos textos a demonstração das particu- mado durante os encontros da Associação Nacional
laridades e diversidades da Região Amazônica, de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia (Anpege).
contribuindo finalmente para a compreensão do Os pesquisadores deste grupo buscam na Geografia
fenômeno urbano. o debate e a compreensão da realidade brasileira, a
partir de questões do urbanismo contemporâneo.
Referências bibliográficas É uma obra que procura construir um exercício
reflexivo por meio de uma Geografia Urbana,
ASCHER, F. Les nouveaux principes de l’urbanisme. todavia, as discussões articuladas no livro podem
Paris: Éditions de l’Aube, 2004. ser inseridas e trabalhadas no campo da História
CHOAY, F. L’urbanisme, utopies et réalités: une antho- Urbana, da Gestão Urbana, da Requalificação
logie. Paris: Editions du Seuil, 1965. Urbana, da Sociologia Urbana, ou seja, nos mais
diversos campos que têm como recorte de estudo o
espaço urbano. Hoje esse espaço é flexível, permeável
e carece de análises e discussões consideráveis sobre
sua dimensão, espacialidade e relações.
O que torna o livro apreciável é que ele prima
pelo rigor teórico-metodológico, fazendo com que
A produção do espaço sua leitura seja lenta, cuidadosa e ruminativa. O pen-
urbano: agentes sar e o refletir devem ser “digeridos em camadas”. A
e processos, escalas notoriedade desta obra só foi possível em razão dos
e desafios workshops promovidos pelo GEU; nesses encontros,
os pesquisadores debatiam os textos de cada autor,
Ana Fani Alessandri Carlos, propiciando um longo processo de amadurecimento
Marcelo Lopes de Suouza coletivo a partir de distintos pontos de vista. Atual-
e Maria Encarnação Beltrão Sposito (Org.) mente, o meio acadêmico vem sofrendo com a intole-
São Paulo: Contexto, 2013. rância à “lentidão” da produção do conhecimento. O
que se observa é um “ fast food acadêmico” estimula-
Dirceu Piccinato Junior do a partir dos números estabelecidos pelas agências
Arquiteto e urbanista pelo Centro Universitário Moura de fomento à pesquisa e que devem ser alcançados
Lacerda (CUML); mestre e doutorando em Urbanismo pelos pesquisadores. São sinais da superficialidade de
pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas nossa sociedade de consumo, em que o tempo lento
(PUC-Campinas), Brasil. do devir filosófico vem sendo gradativamente substi-
E-mail: piccinato.jr@gmail.com tuído por informações relativas e imediatistas. É nes-
sa contracorrente que se destaca a obra, por recusar
Organizado pelos Geógrafos Ana Fani Alessan- o pragmatismo acadêmico e demonstrar ao leitor o
dri Carlos, Marcelo Lopes de Souza e Maria Encar- elevado grau teórico da produção do conhecimento
nação Beltrão Sposito, o livro A Produção do espaço sobre o espaço urbano.
urbano: agentes e processos, escalas e desafios é resultado A Produção do espaço urbano: agentes e processos,
de reflexões de um conjunto de pesquisadores que escalas e desafios é composto por onze capítulos, ou
vêm se dedicando ao debate sobre o fenômeno urbano olhares, sobre a mesma temática, embora os recortes
brasileiro. Tanto os organizadores da obra como ou- analíticos sejam diversos, assim como as perspecti-
tros geógrafos da Universidade de São Paulo (USP), vas teórico-conceituais abordadas pelos autores são
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universida- multidisciplinares.

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O primeiro “olhar” é de Mauricio de Almeida mercadoria. Hoje, debater a produção do espaço


Abreu, cujo texto se intitula Sobre a Memória das urbano pressupõe inserir-se na lógica da produção
Cidades, que foi originalmente publicado na revista capitalista que, inevitavelmente, segundo a autora,
Território (edição de número 4), em 1998. Mauricio transforma toda a produção em mercadoria. Pode-
fazia parte do GEU e a presença desse trabalho coa- se observar que a noção de produção vincula-se à
duna em larga medida com as discussões atuais do produção do homem, às suas condições de vida na
urbano: entender o que está por trás da valorização sociedade, ou seja, à reprodução das relações sociais
do passado nos dias atuais, conceituar o que é me- que acontecem em tempo e lugar determinados e
mória das cidades e debater o papel da Geografia no em escalas diversas.
resgate dessa memória urbana. O texto articula dis- O quarto “olhar” é de Pedro de Almeida Vas-
cussões referentes às memórias individual e coletiva concelos: A utilização dos agentes sociais nos estudos
e à História para construir uma memória urbana; de geografia urbana: avanço ou recuo? O texto pro-
segundo o autor, esta última é o elemento essencial cura analisar a produção e transformação do espaço
da identidade de um lugar, do espaço intersubjetivo. urbano valendo-se de determinadas escalas utiliza-
Portanto, para cristalizar a memória de um lugar é das na Geografia Urbana, tais como capitalismo,
necessário trabalhar a recuperação da história do lu- capital, subdivisões do capital imobiliário, finan-
gar que se concretiza no lugar. ceiro, etc. Entretanto, parte o autor da necessidade
O segundo capítulo, Sobre agentes sociais, escala de entender essas “noções financeiras” a partir da
e produção do espaço: um texto para discussão, de au- Sociologia, da História e da Geografia. É pertinente
toria de Roberto Lobato Corrêa, sugere duas linhas nesse texto examinar as diversas possibilidades de
de investigação sobre a produção do espaço urbano: ação dos agentes sociais no espaço urbano, tendo
uma primeira considera o espaço como resultado da como parâmetro as diferentes estratégias e práticas
ação de agentes sociais; enquanto a segunda refere- espaciais que podem, em determinados momentos,
se à dimensão espacial na qual a dimensão humana seguir interesses convergentes e, em outros, interes-
acontece. Mas se deve, em ambas as linhas, consi- ses divergentes. Há uma listagem dos diversos agen-
derar as escalas espacial e conceitual. Nesse sentido, tes sociais, o que, todavia, não esgota o assunto, mas
é fundamental destacar que essas escalas emergem aponta outras possibilidades de olhares.
de uma dimensão variável no espaço e da ação hu- Lugar e centralidade em um contexto metropoli-
mana. É uma discussão pertinente porque o autor tano, de autoria de Angelo Serpa, é o quinto capítu-
indica dois temas de pesquisa a serem desenvolvi- lo do livro. Nesse trabalho, o autor estabelece uma
dos: o primeiro deve delimitar uma área qualquer da reflexão sobre os conceitos de lugar e de centralida-
cidade e fundamentar a produção desse espaço por de em uma conjuntura metropolitana. Margeando
meio da ação de um ou de diversos agentes sociais e a discussão, há uma tentativa de enfatizar as rela-
suas ações estratégicas e práticas nas espacializações ções entre agentes, escalas e conflitos como forma
de contradições e conflitos; já o segundo tema pro- de conferir importância ao processo de produção do
põe analisar as ações estratégicas e práticas de um espaço, alicerçada num tempo material e simbólico.
determinado agente social, mas em uma espaciali- Para desenvolver a reflexão proposta, o autor parte
dade multiescalar. do pressuposto de que todos os lugares são centros e
Da “organização” à “produção” do espaço no mo- fenômenos da experiência humana, portanto, a rela-
vimento do pensamento geográfico é o texto elabora- ção centro e periferia, por exemplo, dilui-se quando
do por Ana Fani Alessandri Carlos, que se propõe a se busca explicar as desigualdades, mas não as dife-
pensar as relações sociais e a dimensão espacial. Para renças. Entender o lugar é entender também o meio
a autora, quando uma sociedade produz-se em um vivido. Se os centros das cidades hoje são centros de
espaço determinado, como condição de sua própria consumo, a periferia é centro da diversidade social e
existência, inevitavelmente produz um espaço que cultural no espaço metropolitano.
lhe é próprio, histórico, marcado por especificida- O capítulo de Glória da Anunciação Alves,
des (signos). Isso significa pensar o espaço como cujo título é A mobilidade/imobilidade na produ-

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ção do espaço metropolitano, visa a discutir como o perspectiva do que lhes falta e não do que elas têm.
processo de mobilidade urbana vem contribuindo Outro exemplo: ausência de investimento adequado
para a produção do espaço urbano, de um lado, e significa depositar todas as esperanças em inves-
reforçando, por outro, a segregação socioespacial. timentos e ações do Estado ou em uma “parceria
Tomando como parâmetro analítico a metrópole, a público-privada” que nem sempre se realizam. Con-
autora procura caracterizar as transformações pelas ceitos significam e implicam.
quais passam o espaço urbano e a sociedade, apon- O capítulo de número nove, Mercados públicos:
tando para dois aspectos das cidades: a homogenei- vestígios de um lugar, texto elaborado por Silvana
zação elitista dos espaços e a pluralidade de lugares Maria Pintaudi, é deveras interessante por se pro-
marcados por uma população de baixos recursos por a analisar a presença ainda marcante dos mer-
financeiros. Surge, assim, uma contradição da me- cados públicos na cidade de Barcelona (Espanha).
trópole: grandes investimentos para a mobilidade Os mercados públicos despontaram no cenário ur-
de capitais e a imobilidade de uma parcela da po- bano como mais um elemento ordenador do espaço
pulação metropolitana, fruto da não continuidade urbano durante o século XIX, todavia, remanesce
territorial da ocupação. em Barcelona um número considerável desse tipo
O sétimo capítulo, intitulado A produção do de edifício em pleno século XXI – funcionam 41
espaço urbano: escalas, diferenças e desigualdades so- mercados na cidade atualmente. A autora trabalha
ciais, de Maria Encarnação Beltrão Sposito, busca na perspectiva de conjecturar uma análise acerca de
explicar as articulações entre o aumento das rela- uma relação espaço-tempo que tenha contribuído
ções econômicas que ocorrem no plano nacional e para a permanência de espaços comerciais históricos
internacional e as consequências dessas relações nas frente às novas dimensões da vida social do consu-
dinâmicas da produção do espaço urbano e na (re) midor, e não mais do comprador de objetos.
definição socioespacial, ou seja, o fim da ideia de Para compreender o “ leviatã urbano” – a cidada-
cidade como unidade espacial. Para a autora, nada nia como nexo político-territorial é o texto de Márcio
pode ser explicado tendo como circunscrição de Piñon de Oliveira, décimo capítulo do livro. Nesse
análise apenas uma escala espacial, mesmo que se trabalho, o autor procura construir o conceito de
esteja referindo-se à escala internacional. Todo en- cidadania a partir das leis e do território em que o
tendimento necessita de articulações entre as escalas cidadão se encontra inserido. Considerando a ideia
espaciais e de relações, segundo os movimentos de de que uma cidade é um conjunto de territórios,
ação, as dinâmicas do espaço e os processos sociais. consequentemente, a cidadania não é única, mas
O espaço não pode ser mais visto, essencialmente, formada também por diferentes cidadanias que se
a partir do que está localizado. As localizações se inter-relacionam e constituem o espaço da cidade,
ampliaram e, hoje, acontecem em múltiplas escalas. portanto, a cidadania só poderá ser entendida como
A cidade, a palavra e o poder: práticas, imaginá- uma prática historicamente construída e espaciali-
rios e discursos heterônomos e autônomos na produção zada, circunscrita pelas leis do Estado que buscam
do espaço urbano é o oitavo “olhar”, apresentado por estabelecer sua possibilidade de realização.
Marcelo Lopes de Souza. De cunho essencialmen- O último olhar desta obra é o texto de Arlete
te teórico, o autor procura desmistificar conceitos Moysés Rodrigues, A matriz discursiva sobre o “meio
que são atribuídos a agentes produtores do espaço ambiente”: produção do espaço urbano – agentes, es-
urbano frente à perspectiva do poder. Segundo o calas, conflitos. A autora objetiva apontar questões e
texto, ao ressignificar espaços, concomitantemente aspectos teórico-metodológicos sobre uma temática
vão se ressignificando relações e grupos sociais, e o ampla, mas pertinente diante dos agressivos pro-
inverso também ocorre. Souza procura analisar con- cessos de urbanização que estão sofrendo as cida-
ceitos e contextos de cunho pejorativo, cujo olhar des brasileiras: o “meio ambiente”. Está instituída
é da minoria em relação à maioria. A expressão es- uma crise que desencadeia problemas ambientais,
paços carentes, por exemplo, define os espaços resi- os quais, consequentemente, desdobram-se sobre o
denciais das populações menos favorecidas, sob uma espaço da cidade. Não se trata, porém, de uma crise

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do modo de produção, mas de uma crise provocada o espaço urbano, suas escalas de relações e ações e
por ele. Em outras palavras, a crise ambiental decor- seus níveis organizacionais. Em outras palavras, to-
re do sucesso do modo de produção, que, contra- mando a perspectiva do lugar e de seus habitantes,
ditoriamente, gera problemas sociais e ambientais. a espacialidade se constrói a partir de articulações
Nos dias atuais, a produção do espaço urbano financeiras e socioculturais distantes e estranhas,
tem se caracterizado por relações, processos e ações, mas que, de certa maneira, acabam se impondo à
ocasionando uma relatividade ou até mesmo uma consciência daqueles que irão viver sob essa ação.
dificuldade de se estabelecer o que seja este espaço. Assim, as discussões presentes no livro buscam ex-
Os agentes sociais, que podem ser entendidos como plicar a necessidade de reinterpretar e de reconhecer
aqueles que são vistos como indivíduos, como as o espaço em suas divisões e recortes, desafiando-nos
empresas, as parcerias público-privadas, as organi- a exercer permanentemente a tarefa de atualização
zações sociais, culturais e econômicas, etc., agem di- dos conceitos.
retamente na definição do que é espaço, entretanto, Entender todo esse processo torna-se crucial,
há várias formas de entender o espaço em razão das tanto na interpretação do que a realidade é como no
diversas escalas de lugares que são (re)estruturados. esforço de alterá-la. Sob esse aspecto, é concernente
Para fundamentar a reflexão acerca dos caminhos a leitura rigorosa e cuidadosa do livro. Foi muito
possíveis de serem traçados para construir uma ideia pertinente e significativo os organizadores abrirem
de produção do espaço urbano, quanto mais com- os estudos a partir de uma ótica histórica – o pri-
plexas as divisões do trabalho, maior a diversificação meiro capítulo. O peso da História se faz ainda mui-
e complexificação dos agentes e de suas ações. to presente nas manifestações culturais, nas escalas
Quanto à divisão do trabalho atual, há uma social e espacial e, particularmente, nas dimensões
total superposição dos diversos níveis da divisão do “imateriais”: leis, normas, conjunturas que influen-
mesmo, o que significa que as divisões do trabalho ciam ainda hoje as relações sociais, jurídicas e cultu-
internacional, nacional e local se entrelaçam de ma- rais no Brasil. São diversos os exemplos em que sub-
neira necessária e coerente, conforme a lógica da siste essa “imaterialidade” do passado nas ações do
produção e do consumo. Essa situação redefine, de presente. As ações, os agentes e as relações vivificam
um lado, a própria divisão do trabalho e, de outro, o espaço da cidade, assim como o transformam.

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