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2014v16n2p246
R E S E N H A S
ção do espaço metropolitano, visa a discutir como o perspectiva do que lhes falta e não do que elas têm.
processo de mobilidade urbana vem contribuindo Outro exemplo: ausência de investimento adequado
para a produção do espaço urbano, de um lado, e significa depositar todas as esperanças em inves-
reforçando, por outro, a segregação socioespacial. timentos e ações do Estado ou em uma “parceria
Tomando como parâmetro analítico a metrópole, a público-privada” que nem sempre se realizam. Con-
autora procura caracterizar as transformações pelas ceitos significam e implicam.
quais passam o espaço urbano e a sociedade, apon- O capítulo de número nove, Mercados públicos:
tando para dois aspectos das cidades: a homogenei- vestígios de um lugar, texto elaborado por Silvana
zação elitista dos espaços e a pluralidade de lugares Maria Pintaudi, é deveras interessante por se pro-
marcados por uma população de baixos recursos por a analisar a presença ainda marcante dos mer-
financeiros. Surge, assim, uma contradição da me- cados públicos na cidade de Barcelona (Espanha).
trópole: grandes investimentos para a mobilidade Os mercados públicos despontaram no cenário ur-
de capitais e a imobilidade de uma parcela da po- bano como mais um elemento ordenador do espaço
pulação metropolitana, fruto da não continuidade urbano durante o século XIX, todavia, remanesce
territorial da ocupação. em Barcelona um número considerável desse tipo
O sétimo capítulo, intitulado A produção do de edifício em pleno século XXI – funcionam 41
espaço urbano: escalas, diferenças e desigualdades so- mercados na cidade atualmente. A autora trabalha
ciais, de Maria Encarnação Beltrão Sposito, busca na perspectiva de conjecturar uma análise acerca de
explicar as articulações entre o aumento das rela- uma relação espaço-tempo que tenha contribuído
ções econômicas que ocorrem no plano nacional e para a permanência de espaços comerciais históricos
internacional e as consequências dessas relações nas frente às novas dimensões da vida social do consu-
dinâmicas da produção do espaço urbano e na (re) midor, e não mais do comprador de objetos.
definição socioespacial, ou seja, o fim da ideia de Para compreender o “ leviatã urbano” – a cidada-
cidade como unidade espacial. Para a autora, nada nia como nexo político-territorial é o texto de Márcio
pode ser explicado tendo como circunscrição de Piñon de Oliveira, décimo capítulo do livro. Nesse
análise apenas uma escala espacial, mesmo que se trabalho, o autor procura construir o conceito de
esteja referindo-se à escala internacional. Todo en- cidadania a partir das leis e do território em que o
tendimento necessita de articulações entre as escalas cidadão se encontra inserido. Considerando a ideia
espaciais e de relações, segundo os movimentos de de que uma cidade é um conjunto de territórios,
ação, as dinâmicas do espaço e os processos sociais. consequentemente, a cidadania não é única, mas
O espaço não pode ser mais visto, essencialmente, formada também por diferentes cidadanias que se
a partir do que está localizado. As localizações se inter-relacionam e constituem o espaço da cidade,
ampliaram e, hoje, acontecem em múltiplas escalas. portanto, a cidadania só poderá ser entendida como
A cidade, a palavra e o poder: práticas, imaginá- uma prática historicamente construída e espaciali-
rios e discursos heterônomos e autônomos na produção zada, circunscrita pelas leis do Estado que buscam
do espaço urbano é o oitavo “olhar”, apresentado por estabelecer sua possibilidade de realização.
Marcelo Lopes de Souza. De cunho essencialmen- O último olhar desta obra é o texto de Arlete
te teórico, o autor procura desmistificar conceitos Moysés Rodrigues, A matriz discursiva sobre o “meio
que são atribuídos a agentes produtores do espaço ambiente”: produção do espaço urbano – agentes, es-
urbano frente à perspectiva do poder. Segundo o calas, conflitos. A autora objetiva apontar questões e
texto, ao ressignificar espaços, concomitantemente aspectos teórico-metodológicos sobre uma temática
vão se ressignificando relações e grupos sociais, e o ampla, mas pertinente diante dos agressivos pro-
inverso também ocorre. Souza procura analisar con- cessos de urbanização que estão sofrendo as cida-
ceitos e contextos de cunho pejorativo, cujo olhar des brasileiras: o “meio ambiente”. Está instituída
é da minoria em relação à maioria. A expressão es- uma crise que desencadeia problemas ambientais,
paços carentes, por exemplo, define os espaços resi- os quais, consequentemente, desdobram-se sobre o
denciais das populações menos favorecidas, sob uma espaço da cidade. Não se trata, porém, de uma crise
do modo de produção, mas de uma crise provocada o espaço urbano, suas escalas de relações e ações e
por ele. Em outras palavras, a crise ambiental decor- seus níveis organizacionais. Em outras palavras, to-
re do sucesso do modo de produção, que, contra- mando a perspectiva do lugar e de seus habitantes,
ditoriamente, gera problemas sociais e ambientais. a espacialidade se constrói a partir de articulações
Nos dias atuais, a produção do espaço urbano financeiras e socioculturais distantes e estranhas,
tem se caracterizado por relações, processos e ações, mas que, de certa maneira, acabam se impondo à
ocasionando uma relatividade ou até mesmo uma consciência daqueles que irão viver sob essa ação.
dificuldade de se estabelecer o que seja este espaço. Assim, as discussões presentes no livro buscam ex-
Os agentes sociais, que podem ser entendidos como plicar a necessidade de reinterpretar e de reconhecer
aqueles que são vistos como indivíduos, como as o espaço em suas divisões e recortes, desafiando-nos
empresas, as parcerias público-privadas, as organi- a exercer permanentemente a tarefa de atualização
zações sociais, culturais e econômicas, etc., agem di- dos conceitos.
retamente na definição do que é espaço, entretanto, Entender todo esse processo torna-se crucial,
há várias formas de entender o espaço em razão das tanto na interpretação do que a realidade é como no
diversas escalas de lugares que são (re)estruturados. esforço de alterá-la. Sob esse aspecto, é concernente
Para fundamentar a reflexão acerca dos caminhos a leitura rigorosa e cuidadosa do livro. Foi muito
possíveis de serem traçados para construir uma ideia pertinente e significativo os organizadores abrirem
de produção do espaço urbano, quanto mais com- os estudos a partir de uma ótica histórica – o pri-
plexas as divisões do trabalho, maior a diversificação meiro capítulo. O peso da História se faz ainda mui-
e complexificação dos agentes e de suas ações. to presente nas manifestações culturais, nas escalas
Quanto à divisão do trabalho atual, há uma social e espacial e, particularmente, nas dimensões
total superposição dos diversos níveis da divisão do “imateriais”: leis, normas, conjunturas que influen-
mesmo, o que significa que as divisões do trabalho ciam ainda hoje as relações sociais, jurídicas e cultu-
internacional, nacional e local se entrelaçam de ma- rais no Brasil. São diversos os exemplos em que sub-
neira necessária e coerente, conforme a lógica da siste essa “imaterialidade” do passado nas ações do
produção e do consumo. Essa situação redefine, de presente. As ações, os agentes e as relações vivificam
um lado, a própria divisão do trabalho e, de outro, o espaço da cidade, assim como o transformam.