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ARARAQUARA – S.P.
2013
NOEMI MARQUES DE CARVALHO
Bolsa: CNPq
ARARAQUARA – S.P.
2013
Carvalho, Noemi Marques de
Taxa de câmbio e estratégia de crescimento econômico de longo
prazo da China / Noemi Marques de Carvalho – 2013
128 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências e Letras
(Campus de Araraquara)
Orientador: Eduardo Strachman
Presidente e Orientador: Prof. Dr. Eduardo Strachman – UNESP/ FCL – Campus de Araraquara
Membro Titular: Prof. Dr. José Luís da Costa Oreiro - UFRJ - Universidade Federal do Rio de
Janeiro
Membro Titular: Prof. Dr. José Ricardo Fucidji - UNESP/ FCL – Campus de Araraquara
From its economic reorientation in 1978 and early implementation of a series of structural
economic reforms, China has achieved average product growth rates of two digits over the
past three decades, not to mention the overall improvement of several of its macroeconomic
and social indicators. Its economic performance, therefore, puts it in a prominent position
regarding both other transition economies and developing economies. China's approach to
economic reform was not conventional or based on big bang strategies but based on a hybrid
modus operandi between market and state planning, or dual-track reform. The Chinese model,
over time, has established itself as an export-led growth model, with strong growth and share
of exports and investments in GDP. The administration of Chinese economic policy in a
coordinated, coherent and cohesive manner, from the use of policy instruments with multiple
objectives has enabled the country to achieve significant macroeconomic stability, a much
broader economic policy objective than mere price stability, for instance. In this sense,
China's management of its nominal exchange rate, and together with the establishment of
controls over capital flows, has secured the country with isolation from financial crisis,
strengthen its export performance , kept its interest rate and inflation in a low level, as well as
played an important role in promoting China's macroeconomic stability, thereby contributing
to the growth of total factor productivity and investment in fixed capital, and hence to the
growth of long-term product, just as supported by the concerning literature.
Keywords: China; nominal exchange rate management; real exchange rate; macroeconomic
stability; long run economic growth.
LISTA DE TABELAS
1 INTRODUÇÃO 11
2 TAXA DE CÂMBIO E CRESCIMENTO ECONÔMICO DE LONGO PRAZO 17
2.1 Regimes Cambias, Estabilidade Macroeconômica e Crescimento Econômico de
Longo Prazo 17
2.2 O Regime Cambial Chinês e seu Desenvolvimento Econômico 29
2.2.1 A evolução do Câmbio e o Cenário Econômico na China 29
2.2.2 Como a China Conseguiu Manter sua Taxa de Câmbio Estável e Desvalorizada
entre 1994 e 2010 37
2.2.3 Perspectivas sobre a Manutenção do Câmbio Chinês Estável e Desvalorizado 49
3 REFORMA E TRANSFORMAÇÃO ECONÔMICA NA CHINA 57
3.1 A Economia Chinesa Pré-reforma Econômica de 1978 57
3.2 Reorientação Econômica 62
3.3 Implementação da Reforma Econômica 66
3.3.1 Reforma da Agricultura e da Terra (1979-85) 67
3.3.2 O Desenvolvimento das Empresas TVEs (Townships and Village Enterprises) e seu
Papel na Economia Chinesa em Transição 71
3.3.3 Indústria e Empresas Estatais 77
3.3.4 Investimentos, Poupança e Crescimento Econômico 81
3.3.5 Comércio Internacional 94
4 TAXA DE CÂMBIO E ESTRATÉGIA DE CRESCIMENTO ECONÔMICO DE
LONGO PRAZO DA CHINA 104
4.1 Da Natureza da Reforma Econômica Chinesa - Duas Visões 105
4.2 O Modelo de Crescimento Econômico Chinês 112
4.3 Regime Cambial e Estratégia de Crescimento Econômico da China 115
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 121
REFERÊNCIAS 123
11
1 INTRODUÇÃO
gerados pelas reformas, nos mais diversos setores, como aqueles produzidos na agricultura,
indústria ou setor público, todas variáveis que potencializaram o crescimento econômico. A
participação da formação bruta de capital fixo no PIB cresceu de mais de 28%, na década de
1980, para 32,9%, em 1990-2000, atingindo 45,6%, em 2009 (WDI, 2011). O comportamento
da taxa de poupança mostra desempenho similar a este da formação bruta de capital fixo,
passando de uma média de participação no PIB de 35%, nos anos 1980, para mais de 40%,
nos anos 1990, alcançando 53,6%, em 2009 (WDI, 2011).
Além disso, a maior abertura comercial do país, a partir da década de 1990 e,
particularmente, depois de sua entrada na OMC, levou a saldos comerciais cada vez mais
expressivos. Seu grau de abertura – medido como exportações mais importações sobre o PIB
– elevou-se consideravelmente, desde 1978, e a parcela do comércio exterior sobre o PIB
doméstico também se elevou continuamente, de pouco mais de 17%, no início dos anos 1980,
para mais de 47%, em 1993, atingindo pouco mais de 70%, em 2006 (WDI, 2011). A
participação das exportações no PIB elevou-se, ao longo do tempo, de modestos 6,6%, em
1978, para 12,2%, em média, nos anos 1980, 19,9%, na década de 1990, até atingir parcelas
cada vez maiores do PIB, como em 2006, quando alcançou 39,1%.
Esse movimento de ampliação dos superávits comerciais, dado pelo forte desempenho
das exportações chinesas, demonstra o sucesso do esforço exportador feito pelo país, a partir
do final da década de 1980, reforçado na década de 1990. Em grande medida, como será
visto, a ascensão da China como nação exportadora superavitária é atribuída à escolha e
manutenção de seu regime cambial rígido e competitivo.
Assim, a evolução do regime cambial da China, desde o final dos anos 1970 até 2005,
continuando no período atual, mostra que a taxa de câmbio chinesa, durante grande parte da
década de 1980, manteve-se fixa, ainda que fosse desvalorizada frequentemente, segundo
objetivos econômicos e ondas de abertura da economia, passando por um período de flutuação
administrada, com banda restrita. Em 1994, houve uma unificação da taxa de câmbio e o
regime cambial passou a ser, oficialmente, de flutuação administrada, embora, na prática, a
moeda tenha sido de facto fixada ao dólar, desde 1995 (PRASAD, 2004). Com essas
mudanças, houve pequenas apreciações do yuan com relação ao dólar, de 8,7 yuan/dólar, em
1994, para 8,3, na metade de 1995 e, a partir de 2005, houve uma nova apreciação frente ao
dólar de 2,1%, para 8,11 yuan/dólar. Entretanto, em termos reais, o yuan se manteve em nível
competitivo e estável.
A oposição ao regime cambial chinês cresceu quando, países com grandes déficits em
conta corrente com a China, como EUA e Japão, propagandeavam que o nível do yuan estaria
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sendo mantido desvalorizado espuriamente, sendo esta a razão principal dos desequilíbrios
comerciais globais. Assim, avolumou-se uma quantidade de trabalhos acadêmicos que
apontam as vantagens, desvantagens, riscos e viabilidade de manutenção de tal política, pela
China, a longo prazo, assim como aqueles que procuram estimar, estatisticamente, o quanto a
taxa de câmbio chinesa estaria desvalorizada, relativamente ao seu nível de “equilíbrio”.
Goldstein e Lardy (2006) mostram que há diversos fatores que deveriam pesar na
decisão do governo chinês em direção à flexibilização da taxa de câmbio, como, por exemplo,
a limitação que um regime cambial fixo imporia a sua política monetária e em seu controle
das flutuações macroeconômicas, além da contribuição do câmbio fixo para os superávits
comerciais e a enorme entrada de fluxo de capitais de portfólio, motivados por uma
expectativa de apreciação do yuan. Para se ter uma idéia, intervenções do governo no
mercado de câmbio, para prevenir uma valorização do yuan, teriam sido da ordem de 11%,
12% e 14% do PIB, nos anos de 2003, 2004 e 2005, respectivamente.
Outros dois motivos para a flexibilização cambial seriam que um yuan desvalorizado
estaria estimulando sobremaneira os investimentos em bens comercializáveis, elevando o
risco para estes setores e para os bancos, no caso de uma eventual valorização da moeda
chinesa, sem mencionar o enorme e constante acúmulo de reservas internacionais, expondo-as
ao risco de depreciação. Há ainda o risco de países da zona do euro, Japão e, especialmente,
EUA, com quem a China tem intenso comércio, retaliarem sua posição inflexível quanto a
câmbio, com medidas protecionistas. Mesmo assim, estas pressões não têm sido definitivas, a
ponto de fazerem os chineses flexibilizarem esta taxa, ao menos de modo significativo.
Frankel (2005) também lista uma série de motivos que tornariam o tempo de vida de
um yuan fixo frente ao dólar esgotado. Entre estes, o fato de que a economia chinesa estaria
sobreaquecida e com crescentes pressões inflacionárias, as quais poderiam ser amenizadas
com uma flexibilização cambial e consequente apreciação da taxa de câmbio. Além disso, ele
lembra que, para sustentar duas metas de política (equilíbrio interno e externo), seria preciso
que se utilizasse não apenas um instrumento, isto é, a taxa de juros, mas dois, por exemplo, a
taxa de juros e também o câmbio. A dúvida é se os chineses têm qualquer equilíbrio
econômico externo como objetivo.
Chang (2008) estimou, através de uma regressão não-linear, a porcentagem em que o
yuan estaria desvalorizado frente ao seu valor de equilíbrio, obtendo como resultado que a
sub-valorização do yuan, em 2004, deveria ser de 32% e, em 2005, de 35,8%. A despeito dos
modelos que tentam calcular com certa precisão o grau de sub-valorização do yuan, em
relação ao seu valor de equilíbrio, fornecendo material para os críticos do regime cambial
16
chinês, alguns autores apontam para as enormes dificuldades para mensurar taxas de câmbio
de “equilíbrio”, exacerbadas, no caso de países em desenvolvimento, pois estes, devido a
substanciais mudanças estruturais, podem ter instáveis suas variáveis econômicas relevantes
subjacentes (PRASAD, 2004). Além disso, estudos empíricos que buscam relacionar a
importância de uma taxa de câmbio estável e competitiva para o crescimento do produto dos
países, a partir de estudos de casos, inclusive com a China, são inconclusivos e ambíguos, ao
encontrar alguma correlação positiva entre essas variáveis. Em grande medida, ressalta-se,
seus resultados dependem muito do modelo empregado, não dando conta da complexidade
estrutural e da inter-relação econômica entre os determinantes do crescimento de países, como
a China, na determinação da causalidade.
Esse trabalho, portanto, tem como objetivo central, à luz da abordagem peculiar da
reforma econômica pela China, assim como das características estruturais de sua economia,
buscar estabelecer a ligação entre o regime cambial chinês e sua estratégia de crescimento
econômico de longo prazo. Para tanto, divide-se, além dessa introdução, em três capítulos,
mais as considerações finais. No primeiro, é feita uma breve discussão teórica sobre a relação
entre regimes cambiais, taxa de câmbio, estabilidade macroeconômica e seus impactos sobre
o crescimento econômico de longo prazo, para, em seguida, descrever-se a evolução do
regime cambial chinês e de suas taxas de câmbio nominal e real, a partir do início das
reformas econômicas, em 1978, até 2010, destacando-se alguns determinantes de sua
estabilidade, assim como algumas especulações sobre sua manutenção futura. No segundo
capítulo é feita uma breve análise das principais reformas econômicas, suas inovações e
impactos sobre o crescimento econômico chinês, e evolução da inserção internacional
comercial e financeira da China, no período de 1978 a 2010. O terceiro capítulo ocupa-se,
inicialmente, do debate existente entre duas principais escolas de pensamento sobre a
abordagem chinesa para a reforma econômica e sua influência no sucesso econômico chinês.
Em seguida, procura-se delinear as principais características do modelo econômico chinês e,
ao fazê-lo, analisar a importância do regime cambial chinês desempenhada em seu modelo
econômico e no crescimento econômico de longo prazo. Finalmente, as consideraçãos finais
sumarizam os principais achados do trabalho.
17
Este capítulo tem por objetivo, primeiramente, realizar uma breve revisão teórica
sobre a relação entre taxa de câmbio e regimes cambiais, estabilidade macroeconômica e
crescimento econômico de longo prazo. Em seguida faz-se uma sintética avaliação sobre a
evolução do regime de câmbio chinês, desde a sua unificação, em 1994, até 2010, destacando-
se alguns dos fatores que permitiram a administração, neste período, da taxa de câmbio de
facto fixa, ou altamente administrada, pela China, além de ressaltar seu crescente e alto
volume de reservas internacionais e a existência de controles de entrada e saída na sua conta
de capital. Adicionalmente, especula-se sobre as perspectivas de manutenção pela China de
seu regime cambial, à medida que o país avança na amplitude e profundidade de suas
reformas orientadas para o mercado, e em meio a pressões não só políticas, mas também
econômicas internas e externas, para maior flexibilização na condução de sua política
cambial.
Os debates teóricos à respeito de regimes cambiais são muito antigos. Muitos são os
autores que se debruçaram sobre a análise do melhor regime cambial para cada economia, seja
ela desenvolvida, seja em desenvolvimento. Afinal, qual seria o melhor regime que
encorajaria o crescimento econômico, mantendo, ao mesmo tempo, a estabilidade doméstica e
evitando volatilidade externa e crises? Sobre este tema, diferentes e variadas proposições
foram feitas, ora em favor de regimes cambiais mais rígidos, ora de mais flexíveis, como
também dos sistemas intermediários1. As diferentes proposições sobre a escolha do regime
cambial ideal para cada país levam em conta vários fatores, como: o tamanho do país, o grau
de abertura econômica, o tamanho do PIB, o grau de integração em mercados de capitais
internacionais, diversificação em bens transacionáveis, além de outros (ZHANG, 2001).
Frankel (1999), ao analisar e avaliar as diferentes abordagens teóricas existentes sobre
a aplicabilidade, as vantagens e desvantagens, e a preferência por determinados regimes
monetários de metas cambiais, para diferentes países, propõe que a escolha entre regimes
1
Gabriel e Oreiro (2008) apresentam uma breve, porém rica, revisão dos principais argumentos teóricos sobre a
relação entre fluxos de capitais, fragilidade externa e a escolha do melhor regime cambial.
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2
Frankel (1999, p. 14) define área monetária ótima como sendo “uma região não tão pequena e aberta para a
qual seria melhor atrelar sua moeda a um vizinho, nem tão grande para a qual seria melhor dividi-la em sub-
regiões com diferentes moedas”. Trocando em miúdos, área monetária ótima é uma região para a qual é “ótimo”
ter sua própria moeda e política monetária. Quanto a “estratégias bem sucedidas de saída”, ele se refere às
estratégias necessárias a serem adotadas por países que, por apresentarem cenários de alta inflação doméstica,
fixam suas taxas de câmbio e, posteriormente, ao pretenderem mudar de regime cambial, devem avaliar qual o
melhor momento de fazê-lo, bem como o melhor novo regime cambial a ser adotado.
3
Segundo a “visão bipolar”, ou “visão dos dois cantos”, regimes de política cambial intermediários (ou soft
pegs), entre a fixação rígida da taxa cambial nominal (hard pegs) e regimes de flutuação pura, não são
sustentáveis nem para países desenvolvidos nem para países em desenvolvimento, em grande parte, devido à
“trindade impossível”, (i.e., a impossibilidade de se manter no longo prazo três objetivos principais, quais sejam,
uma taxa de câmbio fixa, mobilidade de capitais e uma política monetária dedicada a objetivos domésticos).
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no mercado cambial, pois, nesses dois casos, ele não administra a taxa de câmbio. Assim, por
haver uma forte relação ente política cambial e política monetária, nos casos de regimes
cambiais extremos, têm-se que: (i) o banco central não intervém diretamente no mercado de
câmbio, nem promove ajustes na política monetária de modo a influenciar o comportamento
da taxa de câmbio; em outras palavras, a política monetária é direcionada inteiramente a
objetivos domésticos; (ii) o banco central intervém, ao fixar a taxa de câmbio
indefinidamente, direcionando a política monetária completamente a objetivos externos
(MONTIEL, 2003).
Nos dois casos de regimes cambiais extremos descritos, é no momento de sua escolha
que se determina todas as decisões sobre a política cambial. Nos demais casos, ou arranjos
cambiais, diferentemente, cabe ao banco central decidir como coordenar a intervenção no
mercado cambial com a política monetária, de modo a influenciar tanto os objetivos de
política externa como os domésticos. Com essa finalidade, ao definir a política cambial, a
autoridade monetária tem que decidir se opta por um regime cambial extremo, no qual não há
questões adicionais sobre a administração do câmbio ou, ainda, se opta por um regime
cambial intermediário, que deverá ser administrado continuamente.
Em geral, regimes cambiais podem ser avaliados segundo critérios de seus efeitos
sobre (i) custos transacionais internacionais; (ii) estabilidade de longo prazo dos preços
domésticos; e (iii) sobre os custos de ajustamento a choques macroeconômicos (MONTIEL,
2003). Levando-se em conta tais critérios, é possível avaliar o desempenho dos regimes
cambiais extremos (currency board e regime cambial plenamente flutuante).
Os regimes cambiais tipo currency board têm como principal vantagem os benefícios
da credibilidade, ou seja, favorecem o estabelecimento de um ambiente de política
macroeconômica crível, seja pela perda da autonomia da política monetária e remoção da
opção de imprimir moeda para financiar déficits governamentais, seja pela inexistência de um
emprestador de última instância. No entanto, em uma perspectiva mais geral, não está claro se
o regime currency board é mesmo capaz de estabelecer a confiança, já que a perda da
autonomia da política monetária e a inexistência de um emprestador de última instância
podem, ao mesmo tempo, criar desconfiança, no mercado, sobre a determinação do governo
de não abandonar o sistema, no caso de a economia doméstica se tornar mais vulnerável a
choques. Um exemplo neste sentido é o da Argentina, a qual, devido à hiperinflação dos anos
1980 e à falta de credibilidade da autoridade monetária, adotou, em 1991, o regime cambial
de currency board, fixando o peso argentino a US$ 1 por peso. Após 1991, este sistema
adotado pelo governo argentino havia se transformado em um modelo de estabilidade de
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quando a flexibilidade da taxa de câmbio real de curto prazo não é tão custosa, como, por
exemplo, quando instrumentos financeiros estão disponíveis para barganhar tal risco e alocá-
lo de modo eficiente. Em outras palavras, taxas de câmbio flutuantes seriam adequadas para
países com bancos centrais fortes, com sistemas financeiros avançados e com a habilidade de
usar políticas monetárias e fiscais de uma maneira contracíclica flexível. Assim, pode-se dizer
que esses critérios são provavelmente mais fáceis de serem atendidos por países
industrializados ou por economias emergentes relativamente avançadas.
A escolha entre qual regime cambial deverá ser adotado, portanto, deve levar em conta
múltiplos objetivos, os quais deverão ser classificados por ordem de prioridade, uma vez que
um único tipo de regime cambial não é o melhor para todos os objetivos macroeconômicos
pretendidos. Por isso, é conveniente que países, à luz de suas diferentes preferências, ou
enfrentando diferentes circunstâncias, possam escolher diferentes regimes cambiais, assim
como um mesmo país possa escolher diferentes regimes, em diferentes momentos no tempo,
conforme mudem as circunstâncias (MONTIEL, 2003).
Desse modo, muitos países não têm todas as condições sob as quais os regimes
cambiais extremos são benéficos, como, por exemplo, um banco central com boa reputação (e
por isso querem usar a taxa de câmbio como âncora nominal), ou, ainda, querem garantir
alguma autonomia monetária, já que a política fiscal não é muito flexível. Para esse países,
Montiel (2003) crê que regime cambiais intermediários são mais apropriados para enfrentar
vários compromissos característicos de regimes extremos, tais como objetivos entre
estabilização do nível de preços e promoção de ajustamento.
Todos os regimes cambiais apresentam vantagens e desvantagens, porém, o mais
relevante para o crescimento econômico de longo prazo de um país não é o regime cambial
per se, senão a manutenção da taxa de câmbio real em nível estável e competitivo.
O fato é que a administração macroeconômica de curto prazo pode afetar a taxa de
crescimento da capacidade produtiva da economia. Segundo Montiel (2003, p. 8), três são os
potenciais canais de influência: (i) a taxa de crescimento da produtividade total dos fatores;
(ii) a taxa de crescimento da força de trabalho; e (iii) a taxa de crescimento do estoque de
capital.
Uma vez que o crescimento do tamanho da força de trabalho é influenciado por fatores
demográficos de longo prazo, restam dois outros canais através dos quais eventos
macroeconômicos de longo prazo podem afetar a taxa de crescimento da capacidade
produtiva de longo prazo. Em uma economia de mercado, aponta Montiel (2003), a alocação
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dos recursos é guiada por dois tipo de preços: preços relativos intratemporais e preços
relativos intertemporais.
A taxa de câmbio real é um desses preços relativos intratemporais, provendo os
incentivos que guiam a alocação de recursos entre amplos setores da economia, como os
setores produtores de bens comercializáveis e os de bens não-comercializáveis. Desse modo,
se tais preços não estão em seu nível “correto”, por não refletirem reais escassezes sociais, os
recursos da economia, como o capital, não serão empregados em atividades tão produtivas
quanto possível, se esses preços estivessem em seus níveis “corretos”, levando à redução do
crescimento da produtividade total dos fatores na economia.
Preços intertemporais, como a taxa de juros, dão os incentivos para a mudança na
alocação de recursos entre o consumo presente ou futuro, ou, em outras palavras, entre o
adiamento do consumo e a acumulação de capital. Assim, caso a taxa de juros, por exemplo,
esteja em um nível “errado”, ou muito elevado, economias com tecnologias altamente
produtivas não poderão implementá-las, devido à impossibilidade de realizar a acumulação de
capital necessária para isso, resultando, no final, em taxa de crescimento da economia menor
do que em uma situação de taxa de juros adequada e em nível menor.
A taxa de câmbio real, ou ainda, os desalinhamentos significativos e persistentes da
taxa de câmbio real, desempenha papel fundamental para a estabilidade macroeconômica e
consequente crescimento econômico de longo prazo, juntamente com outros fatores,
especialmente no contexto de países emergentes. Montiel (2003, p. 10) caracteriza uma
situação de instabilidade macroeconômica como aquela em que “a evolução futura de
variáveis macoeconômicas-chave é difícil de prever”, argumentando que a estabilidade do
ambiente macroeconômico doméstico é importante, na medida em que permite que os preços
“corretos” da economia transmitam, de modo eficiente, suas informações.
Um dos sintomas de instabilidade macroeconômica, seguindo este paradigma, seria o
desalinhamento persistente e grande da taxa de câmbio real de um país, que, em geral,
verifica-se com maior frequência nos países em desenvolvimento, juntamente com outros
sintomas, como insolvência fiscal (esperada), inflação alta e fragilidade do setor financeiro.
O primeiro efeito negativo da instabilidade macroeconômica é gerar incerteza,
particularmente incerteza sobre a trajetória futura dos preços relativos, que pode se consolidar
permanente ou transitória. Esse tipo de incerteza é importante, pois tem a ver com a
realocação de recursos de um tipo de atividade econômica para outra, já que esses
movimentos frequentemente involvem custos fixos, como aqueles de investir em capital físico
irrecuperável (sunk costs). Dados tais custos fixos, os preços relativos que determinam a
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outros, é possível extrair uma série de regularidades empíricas sugestivas dos dados
analisados, já que muitos dos trabalhos existentes sobre crescimento empírico cross-country
lidaram com cada um dos problemas estatísticos existentes, de modo a minimizar seus
impactos negativos nos resultados (MONTIEL, 2003).
Assim, a literatura econômica existente, que trata de estabelecer as prováveis
correlações entre taxa de câmbio real estável e em patamar desvalorizado com maior
crescimento econômico é crucial tanto do ponto de vista descritivo quanto para a prescrição
de políticas (ITO; ISARD; SYMANSKY, 1999).
Rodrik (2007) afirma que a taxa de câmbio real é uma variável política, embora seja
uma opção de política “second-best”, sendo a estratégia “first-best” aquela que elimina as
falhas institucionais e de mercado. Ele afirma que a manutenção de uma taxa de câmbio real
desvalorizada beneficia o crescimento econômico, especialmente os de países em
desenvolvimento, pois equivale a um subsídio de produção, além de uma taxa de consumo
sobre os bens comercializáveis.
Eichengreen (2008), ao fornecer um survey da literatura existente sobre a correlação
entre taxa de câmbio real e crescimento econômico, enfatiza a existência de dois focos
narrativos principais que ligam a taxa de câmbio real a maior crescimento econômico: (i) o
que analisa as vantagens da manutenção da taxa de câmbio real desvalorizada; e (ii) o que
foca na volatilidade da taxa de câmbio real, e não no seu nível, como fator gerador de
instabilidade econômica e, portanto, de maior ou menor crescimento econômico. Ele observa
que, embora a taxa de câmbio real seja um preço relativo e, portanto, esteja fora do controle
direto das autoridades, manter o câmbio real desvalorizado é uma variável potencial de
política econômica, a qual se traduziu, ademais, em estratégias bem sucedidas de
desenvolvimento econômico, em muitas das economias do leste asiático, incluindo a China.
Gala e Libânio (2011), ao analisarem, do ponto de vista teórico, a relação entre nível
de câmbio e desenvolvimento econômico, reforçam a ideia de que o nível do câmbio real tem
papel fundamental na dinâmica macroeconômica, do ponto de vista de longo prazo. De modo
geral, o nível da taxa de câmbio determina a especialização setorial da economia,
principalmente ao prover estímulos à indústria e afetar, assim, a dinâmica produtiva.
O câmbio real, ao determinar a rentabilidade da produção de manufaturas, por meio da
relação preços comercializáveis/não comercializáveis, define a viabilidade de setores
econômicos importantes para o aumento da produtividade geral da economia, como a partir
dos aumentos de produtividade no setor industrial. Esse aumentos de produtividade no setor
industrial podem ocorrer, por exemplo, quando há a transferência de trabalhadores de setores
26
de baixa produtividade para atividades industriais de alta produtividade. Além disso, outros
fatores podem levar o produto da indústria a aumentar a produtividade geral da economia,
como as economias de escala, aumentos de produtividade por “learning by doing” e outras
formas de aprendizado, externalidades positivas e transbordamentos (“spill-overs”)
tecnológicos4.
É possível dizer, então, que a política cambial, com a manutenção de uma taxa de
câmbio real competitiva e pouco volátil, pode ter efeitos duradouros na composição setorial
da economia, promovendo a diversificação produtiva, aumentando a produtividade total dos
fatores e influenciando o crescimento econômico de longo prazo.
Como visto, os regimes cambiais extremos não são os mais adequados para serem
adotados por economias emergentes (Montiel, 2003), já que as circunstâncias sob as quais
eles podem ser benéficos para as economias dos países que os adotam estão longe de serem
universais. Levando-se em conta que a taxa de câmbio nominal pode desempenhar dois papéis
macroeconômicos-chave, ou seja, servir como âncora nominal para a economia, influenciando
o nível de preços no curto prazo, e determinando o produto, a produtividade e, assim, até
mesmo influenciando o nível de preços e a taxa de câmbio real, no longo, parece ser da maior
importância uma política de administração da taxa nominal de câmbio.
Taxas de câmbio administradas podem ser uma boa opção para economias emergentes,
pois combinam características de ambos os regimes cambiais extremos já discutidos. Usar a
taxa de câmbio nominal como uma âncora nominal ou para estabilizar a taxa de câmbio real
pode permitir que a taxa de câmbio seja usada para realizar ajustamentos, quando desejados,
através de movimentos na taxa, dentro de uma certa banda delimitada 5. Assim, ao colocar a
paridade dentro de uma banda, preserva-se um certo grau de autonomia da política monetária.
4
Gala e Libânio (2011) também apresentam, sinteticamente, uma outra forma de abordar os efeitos do nível do
câmbio real sobre a especialização setorial da economia, usando a Lei de Thirlwall. Segundo essa, a taxa de
crescimento de longo prazo de uma economia é dada pela relação entre o crescimento das exportações e a
elasticidade-renda das importações, sendo que a elasticidade-renda das importações não é independente do
padrão de especialização da economia, já que os diferentes setores respondem distintamente em relação à
importação, à medida que a economia cresce. Conclui-se, então, que o padrão de especialização da economia
afeta sua taxa de crescimento restrita pelo Balanço de Pagamentos.
5
Montiel (2003) organiza um modelo de taxa de câmbio administrada, sugerido para economias emergentes, que
combina bandas cambiais, o estabelecimento e anúncio de uma paridade central para a moeda doméstica, assim
como margens de flutuação ao redor da paridade, acompanhado do compromisso do Banco Central de manter tal
paridade dentro do intervalo da margem estabelecida. De acordo com ele, a paridade, nesse modelo, pode ser a
taxa de câmbio nominal, com a principal vantagem desse modelo sendo combinar vantagens dos regimes
cambiais extremos, garantindo maior grau de flexibilidade da política monetária, que pode combinar as
27
propriedades da âncora nominal de uma taxa de câmbio fixo com as vantagens de ajustamento de uma taxa de
câmbio flexível.
28
é um clássico exemplo de país que adotou com êxito o controle de capitais, especialmente
durante a crise financeira asiática em 1997, já que, ao fazê-lo, conseguiu, assim como alguns
poucos países (como Taiwan e Colômbia, por exemplo) manter sua política cambial de
atrelamento inalterada, fornecendo, assim, importante elemento de estabilidade à sua
economia e também às economias regionais e global.
Esta seção avalia a evolução do câmbio chinês, desde o começo da década de 1980,
com o início das reformas econômicas, passando pela unificação cambial, em 1994, e pela
conversibilidade da conta corrente, em 1996, até o ano de 2010. Com as mudanças, no tempo,
da taxa de câmbio chinesa, o que se pretende identificar é: (i) quais foram as razões
econômicas e/ou políticas que determinaram a escolha e adoção de um regime monetário de
metas cambiais, que, apesar de de jure ser considerado um regime cambial de flutuação
administrada, de facto tem se mostrado, desde a unificação cambial em 1994 e ao longo dos
anos seguintes, um regime cambial altamente atrelado ao dólar americano; (ii) como o
governo chinês conseguiu, ao longo do tempo, manter o câmbio basicamente fixo em relação
ao dólar; e (iii) qual a possibilidade de manutenção do câmbio chinês fixo, no longo prazo.
De acordo com Frankel (1999), a escolha entre regimes cambiais – se fixo, flutuante
ou outro – deve depender das circunstâncias individuais de cada país. Ademais, como visto,
ele postula que nenhum regime é bom para todos os países, o tempo todo, o que validaria
diferentes abordagens teóricas e empíricas sobre políticas macroeconômicas, especialmente
políticas cambiais. Portanto, a generalização da adoção, por diferentes países, em todos os
momentos, de um determinado regime cambial considerado ideal por alguns, não seria
garantia de sucesso, dadas as especificidades de cada país, em certas épocas.
Neste sentido,a evolução e a determinação do regime cambial chinês está intimamente
relacionada ao regime econômico do país, como um todo (KANAMORI; ZHAO, 2006). No
período de planejamento central, entre a metade dos anos de 1950 e o final da década de 1970,
a política cambial chinesa, do mesmo modo que em outras economias de comando central,
estava subordinada à política comercial, a qual, por sua vez, era apenas um resíduo na política
de centralização da decisão sobre materiais. Assim, o regime cambial chinês (renminbi ou
30
yuan)6 experimentou três fases de desenvolvimento histórico, quais sejam, um único regime
de taxa oficial, um regime dual track (sistema em que duas taxas cambiais diferentes
conviviam) e um regime de flutuação administrada.
Como mostram Kanamori e Zhao (2006), em 1970 a taxa de câmbio chinesa foi
estabelecida em um valor oficial em relação ao dólar americano, porém, logo após a
suspensão da conversibilidade do dólar americano em ouro, em agosto de 1971, o renminbi
começou a se apreciar frente ao dólar. A China, então, em 1972, estabeleceu uma taxa de
câmbio efetiva entre o renminbi e o dólar e, com o colapso do sistema de Bretton Woods, a
taxa cambial chinesa permaneceu atrelada a uma cesta de 15 moedas, até 1980, quando houve
uma importante reforma do regime cambial, em consonância com as reformas econômicas e a
política de abertura econômica.
A partir de 1980, então, um novo regime cambial passou a vigorar, qual seja, um
sistema dual track. Entre 1981-85 coexistiam na China duas taxas de câmbio, uma taxa oficial
e outra relacionada ao comércio e, a partir de 1985-93, coexistiram outras duas taxas de
câmbio, uma taxa oficial e outra de swap markets.
No período 1981-85, a razão da coexistência de duas taxas cambiais foi econômica. O
governo chinês objetivava, assim, prover estímulos e incentivos à diferentes transações
externas relacionadas ao comércio, ou seja, a empresas e coorporações engajadas no comércio
externo. De acordo com o desempenho dessas empresas e coorporações nacionais no
comércio externo, medido pelos seus lucros, era-lhes concedida uma taxa de câmbio
diferenciada, formada pela taxa oficial mais um “preço de equalização” (KANAMORI;
ZHAO, 2006, p. 2).
De 1985 até 1993, as múltiplas taxas de câmbio relacionadas ao desempenho no
comércio externo deixam de existir, dando lugar a outras duas taxas. Uma delas era a taxa de
câmbio efetiva, estabelecida em 1985, que seria usada para todo o comércio, apesar da
permanência de uma cota de retenção de moeda estrangeira para determinados produtos. Em
1986, cria-se uma segunda taxa cambial, a taxa de câmbio swap, baseada em taxas
estabelecidas em comum acordo entre compradores e vendedores. Essa segunda taxa de
câmbio iria permitir, a partir de então, a retenção de moeda estrangeira, inicialmente, para
coorporações de investimento estrangeiro distribuídas em diversos centros, além de empresas
6
Enquanto renminbi é o termo formal ou oficial usado para se referir à moeda chinesa, emitida pelo Banco
Popular da China, yuan é a unidade atual da moeda chinesa. Como o termo yuan tem sido generalizado para
designar a moeda chinesa (ou renminbi), principalmente no Brasil, ele será utilizado ao longo de todo o texto
como equivalente a renminbi.
31
chinesas estabelecidas nas quatro Zonas Econômicas Especiais e, mais adiante, essa
permissão iria se estender para todas as entidades domésticas autorizadas a reter ganhos em
moeda estrangeira (KANAMORI; ZHAO, 2006).
A taxa de câmbio efetiva, no período de 1985-93, era mantida, cabe lembrar,
artificialmente sobrevalorizada em relação à taxa de câmbio swap, o que, ao longo do tempo,
acabou por gerar uma pressão de desvalorização, fazendo-a convergir cada vez mais para o
nível da taxa swap (determinada pelo mercado). Após 1992, com a implementação de um
novo pacote de reformas econômicas na China, ainda mais profundas que as anteriores, a
pressão de desvalorização da taxa de câmbio efetiva se concretizou, levando a taxa de câmbio
swap no mesmo sentido. Essas pressões acabam por influenciar a taxa de câmbio de mercado,
que dispara e desvaloriza muito a moeda chinesa, pondo fim ao sistema cambial dual track.
Em 1994, o sistema de pagamentos externo sofreu importantes progressos, abolindo-se
a taxa de câmbio dual, que foi unificada à taxa de mercado, em clara tendência de ampliar os
sinais de mercado no mercado financeiro. Os mercados de moeda swap foram abolidos e a
conversibilidade parcial da moeda chinesa passou a ser estabelecida através do sistema
bancário. Criou-se uma taxa de câmbio nacional unificada, cuja determinação era feita
diariamente pelas autoridades nacionais, em resposta a forças de mercado, permitindo que
indivíduos autorizados pudessem converter moeda estrangeira em qualquer banco de câmbio
autorizado pelo governo chinês (NOLAN, 1996). Mais adiante, em 1996, anuncia-se a
conversibilidade da conta corrente.
Com a unificação cambial da moeda chinesa, em 1994, segundo Kanamori e Zhao
(2006), o yuan foi atrelado ao dólar americano e permitido flutuar dentro de uma estreita
banda, entre 8,26 e 8,62 yuans por dólar, por mais de uma década. Além do dólar americano,
a moeda chinesa teve seu valor estabelecido a uma taxa de referência, com relação ao dólar de
Hong Kong e ao yen japonês, baseada no preço médio ponderado das transações de moeda
estrangeira do comércio, do dia anterior. Assim, os movimentos da taxa de câmbio do yuan
contra o dólar americano, por exemplo, foram limitados a 0,3% para cima ou para baixo da
taxa de referência anunciada, e não ultrapassando o 1%, para o caso do dólar de Hong Kong e
do yen japonês.
A taxa de câmbio efetiva nominal da China, apesar das estreitas margens permitidas
para sua movimentação, a partir da unificação de 1994, sofreu flutuações importantes, se
32
considerado o período de 1994 a 2010, como pode ser visto no Gráfico 17. Do mesmo modo, a
taxa de câmbio efetiva real chinesa sofreu variações ao longo de 1994-2010 (Gráfico 1),
seguindo as mesmas tendências que a taxa de câmbio nominal efetiva, nos movimentos de
valorização ou desvalorização, mas em níveis ou patamares diferentes. Assim, entre meados
de 1994 e 2001, e entre os anos de 1997 e 2010, as taxas de câmbio efetivas real e nominal
chinesas seguiram a mesma tendência de valorização ou desvalorização, embora se
mantivesseam em patamares de valor distintos. Essas taxas se aproximaram ou convergiram
para valores mais próximos, entre os anos de 2002 e 2006.
Porém, ainda que as taxas de câmbio efetivas nominal e real chinesas tenham variado,
ao longo do período de 1994 a 2010, é importante notar que o intervalo no qual essas
flutuações se deram é estreito e, em média, pode-se dizer que a moeda chinesa se manteve
desvalorizada; quando plotada com as mesmas taxas cambiais do dólar americano, como
mostraremos abaixo, nota-se como o yuan se manteve muito atrelado ao dólar, especialmente
em termos nominais, no período 1994-2005, mas também, e por tempo considerável, em
termos reais, ainda que essa tendência tenha se alterado, exatamente a partir de 2005.
Quando as taxas de câmbio efetivas real e nominal chinesas são colocadas contra as
respectivas taxas de câmbio efetivas real e nominal dos EUA, como mostrado nos Gráficos 2
e 3, é possível notar como, por um longo período após a unificação de 1994, até 2004, a taxa
de câmbio efetiva nominal chinesa se mantém próxima ou atrelada ao dólar, seguindo a
mesma tendência de valorização ou desvalorização, embora o câmbio chinês se mantenha ora
em patamar ligeiramente mais elevado (mais valorizado), ora ligeiramente mais baixo (mais
desvalorizado). Essa tendência de proximidade e de direção entre as taxas de câmbio efetivas
nominais da China e dos EUA só é revertida, como pode-se ver, a partir de 2005, quando elas
se descolam, num movimento oposto, de desvalorização, por parte do dólar americano, e de
valorização do yuan chinês.
7
Em todo o trabalho, adota-se a definição do BIS (Banco de Compensações Internacionais) de taxa de câmbio
efetiva nominal e real, sendo a primeira o valor da moeda doméstica contra uma média ponderada de taxas de
câmbio bilaterais e, a segunda, o valor da moeda doméstica contra uma média ponderada de taxas de câmbio
bilaterais ajustadas pelo preço ao consumidor relativo. Todos os gráficos de taxas de câmbio efetivas nominais
e/ou reais do trabalho seguem as definições dadas, de modo que se tem as respectivas taxas de câmbio expressas
como índices. Assim, admite-se o índice 100 (= 2005) como referência: qualquer valor acima desse índice
indica uma valorização e, valores abaixo de 100, indicam uma desvalorização.
33
Na comparação das taxas de câmbio efetivas reais entre China e EUA (Gráfico 3),
nota-se, diferentemente das taxas de câmbio efetivas nominais, um cenário um pouco
diferente. Assim, embora as taxas de câmbio efetivas reais dos dois países sigam tendências
de valorização ou desvalorização semelhantes no período de 1995 a 2004, o diferencial de
patamar de seus valores é relevante, como fica patente para os valores entre os anos de 1994 e
2000, com o yuan mais valorizado o período todo, em termos reais, frente ao dólar. Entre os
anos de 2001 e 2005, ambas as moedas têm suas taxas de câmbio efetivas reais mais próximas
e com tendência de desvalorização, mas, novamente, como no caso das taxas de câmbio
efetivas nominais, a partir de 2005, há uma mudança notável entre os níveis das taxas reais
dos dois países, num movimento com tendências opostas (de 2005 a 2008), de
aprofundamento das diferenças entre os patamares de seus valores, com a “distância” nominal
entre as moedas se mantendo, desde então, em 2009 e 2010, mas não em termos reais, pois
ocorre uma nova desvalorização do yuan frente ao dólar, nesses anos.
Esses movimentos ou flutuações das taxas de câmbio efetivas real e nominal da moeda
chinesa no período considerado acima, refletem tanto pressões de mercado quanto fatores
externos. Kanamori e Zhao (2006) dividem o período de variação da taxa de câmbio chinesa
desde a unificação, em 1994, até 2006, em três momentos: (i) transição pós-integração (1994-
1997); (ii) período de pressão para desvalorização, gerada pela crise asiática (1998-2001); e
(iii) período de pressão para valorização (2002-2006).
34
Gráfico 2 – Taxas de câmbio efetivas nominal* - China e EUA (1994-2010) (2005 = 100)
De 1994 até 1997, a taxa de câmbio efetiva nominal chinesa teve uma trajetória
ascendente, de valorização estável contra a taxa de câmbio efetiva nominal do dólar dos
Estados Unidos. A taxa de câmbio efetiva real chinesa também se apreciou, devido à
depreciação frente ao dólar do yen japonês e demais moedas dos países atingidos pela crise.
Com a crise asiática, no período 1998-2001, houve pressão para a desvalorização da moeda
35
chinesa, mas de modo a evitar mudanças bruscas no seu valor, o governo chinês
comprometeu-se a não permitir tal desvalorização e, de fato, o câmbio chinês variou muito
pouco no período, em termos nominais e reais, mostrando, até mesmo, leve valorização com
relação ao período imediatamente anterior, em termos nominais e reais, mantendo-se, ao final
de 2001, no mesmo nível de valorização de 1998.
Nesse período, a economia chinesa passou por um período de deflação (ver Gráfico 4),
devido a mudanças na demanda externa e interna (FEYZIOGLU, 2004). Externamente, a
demanda estava enfraquecida, como reflexo direto da crise asiática, exercendo pressão para
baixo sobre os preços, não somente devido à diminuição da atividade econômica chinesa
como um todo, mas também pelo desvio das exportações de alguns bens para mercados
locais. Do lado da economia doméstica, por sua vez, quem exerceu pressão deflacionária
sobre os preços foi o lento crescimento da renda rural. Outros fatores também contribuíram
para a queda de preços, nesse período, na China, entre eles, a taxa de câmbio, que apesar de
ter se mantido atrelada e muito próxima ao dólar americano, flutuou significativamente,
registrando apreciação nominal cumulativa de 35%, entre 1994 e 2002, depreciação de 15%,
entre 2002 e 2003, seguindo esse movimento até 2005, a partir de quando voltou à trajetória
de apreciação, até pelo menos 2009.
Para reverter a deflação, o governo chinês adotou políticas macroeconômicas mais
acomodativas, como uma política fiscal ativa, aumentando o déficit fiscal de menos de 1% do
PIB, em 1996, para 3% do PIB, em 2002, além de uma política monetária também mais
expansionista (FEYZIOGLU, 2004). A queda dos preços domésticos chineses tornou seus
produtos de exportação mais competitivos, e a política fiscal ativa contribuiu para melhorar o
ambiente de investimentos e o bem estar social (KANAMORI; ZHAO, 2006) .
De 2002 a 2006, as pressões sobre a moeda chinesa se inverteram, no sentido de
desvalorização nominal e real de sua taxa de câmbio. De 2005 a 2009, as taxas de câmbio
efetivas nominal e real chinesas sofrem expressiva valorização, descolando-se, tanto em
termos reais quanto nominais, da moeda americana (Gráficos 2 e 3). Esse descolamento,
observado entre 2005 a 2010, da tendência e do patamar de valor das taxas de câmbio efetivas
reais e nominais da China e dos EUA está relacionado, em grande parte, com o início da crise
do subprime nos EUA, em 2007, devido aos seus efeitos de apreciação das moedas nacionais,
no caso de países com fundamentos macroeconômicos relativamente ruins, gerada pela
especulação de agentes financeiros que esperavam obter rendimentos e vantagem lucrativa
sobre aplicações financeiras e, no caso dos EUA, o dólar se desvalorizou devido ao
36
aprofundamento da crise financeira, que provocou uma crise de confiança geral no sistema
financeiro, além da injeção de liquidez realizada pelo Federal Reserve.
Ainda que as taxas de câmbio efetivas nominal e real chinesas tenham variado, ao
longo do período de 1994 a 2010, é importante notar que o intervalo no qual essas flutuações
se deram é estreito e, em média, pode-se dizer que a moeda chinesa manteve-se desvalorizada,
e quando plotada com as mesmas taxas cambiais do dólar americano, nota-se como o yuan se
manteve muito atrelado ao dólar, especialmente em termos nominais, mas também, e por
tempo considerável, em termos reais, ainda que essa tendência tenha se alterado, a partir de
2005.
Wang (2004) realizou estudo econométrico para estimar quais as principais fontes ou
tipos de choques macroeconômicos que determinaram as flutuações da taxa de câmbio real,
do produto e dos preços relativos chineses, no período de 1980 a 2002, utilizando-se de um
modelo de auto-regressão vetorial (VAR), considerando três tipos de choques
macroeconômicos: choques de oferta, de demanda real e choques nominais; e seu impacto
sobre as variáveis selecionadas. Os resultados obtidos por ele, dão conta que a principal fonte
de variação da taxa de câmbio real, no período estudado, foram os choques de demanda
relativa real, enquanto que para as variações de produto e preços relativos, foram os choques
de oferta.
Segundo Wang (2004), esses resultados mostram que os choques de oferta foram
quase tão importantes quanto os nominais, na determinação das flutuações da taxa de câmbio
37
real da China, resultado que seria diferente dos de países industriais, para os quais choques de
demanda real e nominais teriam, teoricamente, maior importância. O que em parte poderia
explicar esses resultados, segundo Wang, é o fato de que no período considerado no estudo, a
China passava por reformas estruturais e choques de produtividade, muito maiores do que nos
países industriais, legitimando o maior peso relativo dos choques de oferta no país. Além
disso, ressalta Wang, o fato de a China ter mantido, ao longo do período considerado em seu
estudo (1980-2002), um regime cambial praticamente fixo, somado à manutenção de
controles de capitais, poderia ter contribuído para limitar o papel dos choques nominais nas
variáveis estudadas, como a taxa de câmbio real.
2.2.2 Como a China Conseguiu Manter sua Taxa de Câmbio Estável e Desvalorizada
entre 1994 e 2010
entrada de capitais, impostos sobre entrada ou saída de recursos financeiros do país ou,
adicionalmente, de restrições quantitativas sobre fluxos de capitais. Controles de capitais têm
sido usados por diversos países emergentes, como Índia, Rússia, Chile, Colômbia, Taiwan e
China, na busca principalmente por, entre outros motivos: (i) maior estabilidade da taxa de
câmbio nominal; (ii) redução do risco de contágio por crises cambiais; (iii) tornar maior a
autonomia da política monetária, no caso de países com câmbio rígido ou fortemente atrelado;
e (iv) reduzir a instabilidade financeira e os seus efeitos deletérios sobre o nível de atividade
econômica de um país e de seus indicadores macroeconômicos.
No caso chinês, desde 1996, havia vários controles sobre os mercados monetário e de
capitais: aos não-residentes, por exemplo, não era dada a permissão para operar em mercados
como o monetário, de títulos e de derivativos doméstico; tinham apenas permissão para
comprar algumas modalidades de ações das empresas. Ao mesmo tempo, residentes podiam
operar nesses mercados, desde que com a aprovação anterior do Banco Popular da China e da
Administração Estatal das Operações Cambiais (Safe), mas ainda assim sujeita, em alguns
casos, a limites quantitativos, obedecendo sempre à regra de que emissão de títulos no
exterior e contratação de empréstimos externos deveriam ser registrados e incorporados no
Plano Estatal da Dívida Externa (GAO apud SICSÚ; FERRARI FILHO, 2006, p. 214).
Uma gradual e maior flexibilidade ou relaxamento desses controles de capitais mais
severos foi realizada ao longo do tempo, como em 1997, quando transações cambiais relativas
à conta corrente foram permitidas, em compasso com a redução de tarifas e quotas de
importação. Essas medidas de maior liberalização das operações de entrada e saída de
capitais, à medida que permitiu maior acesso à compra de moeda estrangeira, tornou mais
livre a instituições estrangeiras a operação no mercado financeiro e cambial doméstico chinês,
fazendo crescer as expectativas de mercado para novas e crescentes medidas de liberalização
e, até mesmo, da conversibilidade da conta de capitais.
40
8
Para uma discussão teórica e aplicada mais abrangente e ilustrativa, ver Sicsú, J. e Ferrari Filho (2006).
42
investigados. Entretanto, como ressaltam Carvalho e Sicsú (2006), outros estudos obtiveram
resultados contrários ao de Rodrik (1998), apontando para a existência de correlação positiva
entre controle de capitais e crescimento econômico de longo prazo. Portanto, no geral, os
resultados de tais estudos ou análises ainda são bastante inconclusivos e contraditórios, em
parte devido à própria metodologia ou aos dados empregados.
À despeito da literatura sobre a eficiência macroeconômica ou não dos controles de
capitais, o fato é que a China tem conseguido, com a sua adoção, mas não apenas, obter um
ambiente econômico e financeiro sem grandes ou expressivos sobressaltos negativos, entre os
anos de 1994-2010, além de ter ajudado a manter seu regime cambial, com taxa de câmbio
nominal e real previsível (apesar das flutuações) e competitiva, mesmo em períodos de alto
risco de contaminação por crises financeiras, como a crise asiática de 1997-1998, e a mais
recente crise financeira internacional do subprime, com auge em 2008.
Outro fator importante e decisivo para a manutenção do regime cambial chinês estável
foi o crescente e expressivo acúmulo de reservas pela economia chinesa, a partir dos anos de
1990. O volume de reservas totais acumuladas pela China, que no final da década de 1990 era
de pouco mais que US$ 23 bilhões, na década de 2000 teve este valor multiplicado por várias
vezes, em trajetória ascendente, alcançando no final de 2010 o expressivo montante de
aproximadamente US$ 2,875 trilhões (Gráfico5). Acredita-se que esse crescimento notável do
acúmulo de reservas pela China seja uma clara evidência do movimento de absorção dos
superávits no balanço de pagamentos e sustentação do regime vigente antes de 2005 9, de
câmbio praticamente fixo e atrelado fortemente ao dólar.
De fato, o balanço de pagamentos da China, desde a década de 1990, e mantido nos
anos subsequentes, tem tido robusto desempenho positivo. Do lado comercial, o saldo da
balança comercial, que durante a década de 1990 chegou a mostrar desempenho negativo e na
média do período não chegou a ultrapassar os US$ 50 bilhões, nos primeiros anos da década
de 2000 teve desempenho positivo mais estável, e a partir de 2004 mudou para uma trajetória
ascendente, chegando a registrar o valor de US$ 350 bilhões em 2008, valor sete vezes maior
do que o registrado na década de 1990. Da mesma forma, o saldo em transações correntes da
China teve trajetória semelhante à do saldo comercial, registrando em 2008 o montante
superavitário de US$ 430 bilhões. Esse desempenho vigoroso e positivo do resultado líquido
9
Em 2005 o Banco Popular da China anunciou que o país adotaria, a partir de então, regime cambial de
flutuação administrada, atrelando o yuan a uma cesta de moedas. A partir de 2005, com o anúncio do “novo”
regime cambial, há valorização nominal da taxa de câmbio chinesa até 2010, em relação à taxa de câmbio
americana, acentuada no ano de 2008, embora tenha se mantido virtualmente atrelada ao dólar no período.
43
da balança comercial chinesa, assim como no saldo em transações correntes, é sem dúvida um
fator de grande relevância para a formação das expectativas dos agentes econômicos externos
e domésticos sobre a estabilidade econômica do país, bem como da manutenção de seu regime
cambial. Afinal, resultados positivos em transações correntes obtidos por um país,
especialmente de modo sistemático e robusto, da maneira como sucedeu com a China,
significam uma redução do seu passivo externo líquido, e consequentemente, maior
capacidade de pagamento externa.
Do ponto de vista do fluxo de entrada de capitais externos, também pode-se observar
um crescimento significativo no seu montante. De acordo com dados apresentados por Ferrari
Filho e Paula (2006), o montante de entrada de capitais externos na China, em 1984, foi de
US$ 2,8 bilhões, saltando em 1988 para US$ 10,3 bilhões, e em 1998 esse valor já era mais de
cinco vezes maior, alcançando US$ 58,6 bilhões. Além disso, outro dado importante apontado
por esses autores é a mudança na composição dos capitais externos entrantes na China, no
período.
De modo geral, houve uma redução, ao longo do tempo, da participação absoluta e
relativa dos empréstimos externos, de 48,2%, em 1984, para 18,8%, em 1998, ao mesmo
tempo em que aumentou a participação absoluta e relativa do IDE, no mesmo período, de
48,2% em 1984, para 77,7% em 1998. Essas mudanças na composição do capital externo
entrante na economia chinesa refletem, em parte, o estímulo e a preferência dada pelo
governo chinês à entrada de IDE, desde o estabelecimento em 1984 das Zonas Econômicas
Especiais, e as restrições à contratação de empréstimos no exterior à entrada de capitais de
curto-prazo, mais voláteis.
O ingresso de IDE na China, que de 1979 a 1999 aconteceu em fases 10, intensificando-
se após 1992, quando entrou em execução um novo pacote de reformas econômicas e
incentivos, cuja intenção era fortalecer a política de open doors e aprofundar o caráter pró-
mercado das reformas. O volume de IDE, a partir de então, mostrou forte crescimento:
enquanto em 1993 o montante da entrada de IDE na China foi de pouco mais de US$ 25
bilhões, representando mais de 6% do PIB, em 2005 o valor do IDE chegou a pouco menos
que U$ 125 bilhões, ou pouco mais que 5% do PIB, e em 2010 alcançou por volta de US$ 180
bilhões, quase 7% do PIB.
10
Para mais detalhes sobre o ingresso de IDE na China, seus determinantes, tendências e impactos econômicos e
estruturais, na economia chinesa, ver OCDE (2000).
44
rentabilidade oferecida pelos títulos do Tesouro americano. Por outro lado, à medida que as
reservas aumentam, e com elas as intervenções do governo em mercado aberto e suas
operações de esterilização monetária, pode-se aumentar o incentivo dos bancos a emprestar
mais dinheiro ao público, fomentando o consumo e a inflação. Na China, este problema foi
por várias vezes contornado, a partir da obrigação imposta pelo governo, aos bancos chineses,
de manterem depósitos compulsórios, junto ao Banco Central. Essas medidas auxiliares, como
a exigência de proporção crescente de depósitos compulsórios – ainda que estes sempre
tenham sido diminutos, na China – sobre os depósitos bancários, tiveram o papel de evitar
“desequilíbrios” econômicos inflacionários, de consumo, além de terem consequências,
igualmente, sobre a manutenção de outras políticas monetárias, como a cambial. Às vezes, no
entanto, essas mesmas medidas, ao tentarem impedir efeitos desestabilizadores na economia
chinesa, causaram ou criaram potenciais distorções e perdas de eficiência.
Assim, pode-se afirmar que, com a adoção, pela China, de um regime cambial ‘fixo,
porém ajustável’, a partir de 1994, o país adotou todas as medidas necessárias para defender o
seu uso e sua manutenção, de modo a resguardar e garantir a sua eficácia e objetivos
pretendidos.
A afirmação de que o governo chinês trabalhou ativamente para manter seu regime
cambial, com taxa de câmbio em nível estável e fortemente atrelada à moeda dos EUA, de
1994 em diante, leva a perguntas, como por exemplo, sobre qual seria a real taxa de câmbio
de “equilíbrio” chinesa, a partir da qual poder-se-ia avaliar o nível de valorização ou
desvalorização de sua moeda, nesse período. Diversos estudos, utilizando-se de diferentes
modelos de aferição, em busca da determinação desta taxa de câmbio de equilíbrio, têm sido
realizados.
Wang (2004), faz referência a uma série de estudos realizados para determinar a taxa
de câmbio de equilíbrio da China, mas ressalta que a avaliação dos resultados desse tipo de
estudo deve ser sempre cautelosa, uma vez que a determinação de taxas de câmbio de
equilíbrio é um desafio, devido à complexidade das forças que determinam as taxas de
câmbio 11. Além disso, no caso da China, assim como para todos os países em
11
De acordo com Montiel (2003), taxa de câmbio real de equilíbrio é o valor da taxa de câmbio real de equilíbrio
consistente, simultaneamente, com o equilíbrio interno e externo, condicionado a valores sustentáveis de
variáveis exógenas e políticas. Equilíbrio interno, nessa definição, refere-se à situação na qual os mercados de
bens nontradables e de trabalho estão ambos em equilíbrio, correspondendo a um equilíbrio macroeconômico de
curto-prazo com pleno emprego. Por outro lado, equilíbrio externo refere-se a situação na qual o déficit em conta
corrente da economia é igual ao valor dos afluxos de capitais sustentável que ela pode esperar receber. Desse
48
modo, a taxa de câmbio real de equilíbrio não resultaria de qualquer equilíbrio macroeconômico, mas sim de um
equilíbrio que é sustentável.
12
O efeito Balassa-Samuelson diz que a diferença na produtividade entre países ricos e pobres no setor de bens
comercializáveis pode ser grande, diferentemente do setor de bens não-comercializáveis, onde a diferença é
muito menor. Como resultado, a taxa de câmbio efetiva real seria maior em países mais pobres, ou seja, as
moedas, nos países mais pobres, tendem a ser subvalorizadas, exceto quando se remove o efeito
Balassa-Samuelson dos dados brutos (CHANG, 2008).
49
Há diferentes visões sobre a manutenção, pela China, de uma taxa de câmbio efetiva
nominal estável e atrelada ao dólar americano, após a unificação de sua taxa de câmbio
nominal. Dentre tais visões, pode-se destacar três principais (KANAMORI; ZHAO, 2006): (i)
a que acredita que o yuan deveria continuar atrelado ao dólar americano e mantido em nível
estável, cujos principais representantes são Robert Mundell, Ronald McKinnon e Paul
Krugman; (ii) a que insiste no argumento de que o yuan se manteve durante a maior parte do
período 1994-2010 subvalorizado e que, portanto, deveria ser rapidamente valorizado, de
modo a evitar-se seus efeitos negativos – tendo como principais proponentes Fred Bergstein,
Morris Goldstein e Nicholas Lardy; e (iii) a de que a China deveria se preocupar mais em
reformar seu regime cambial, do que com a valorização ou desvalorização do yuan.
Goldstein (2004) e Goldstein e Lardy (2006), alguns dos principais críticos à evolução
e manutenção do regime cambial chinês fortemente administrado e estável com relação ao
dólar, desde 1994, em diante, acredita que a moeda chinesa está artificialmente subvalorizada,
já que a obtenção de altos e crônicos superávits em transações correntes pelo país, ao longo do
tempo, só foi e continua sendo compatível com uma taxa de câmbio estável e valorizada, a
partir da intervenção ou manipulação do câmbio, pelo governo chinês, através de operações
nos mercados de reservas internacionais. Goldstein (2004) pondera, ainda, que o FMI não se
opõe à escolha dos países membros por regimes cambiais, como o câmbio fixo ou pouco
ajustável, muito menos à sua manutenção, pois admite que essas intervenções possam ser
feitas ou por períodos curtos de tempo ou em pequena escala, ou ainda em direção a um ou
outro nível “correto” de taxa de câmbio – mas diferentemente do que a China pratica,
movendo-se sempre em uma única direção de taxa de câmbio (valorizada), procurando manter
a taxa de câmbio “errada” e sua moeda desvalorizada.
Além disso, Goldstein (2004), Goldstein e Lardy (2006) e outros autores que
defendem a revalorização e a flexibilização do yuan, argumentam que essa medida ajudaria a
reparar as distorções causadas virtualmente na alocação de recursos em outros países, como,
por exemplo, nas economias de seus principais parceiros econômicos e comerciais, como
EUA, Japão, União Européia e Coréia do Sul, devido ao baixo valor da moeda chinesa.
Quanto o yuan deveria ser revalorizado, entretanto, é um assunto bastante discutido e
controverso, variando, em geral, de acordo com o modelo de estimação utilizado para aferir o
grau de desvalorização da moeda chinesa.
Robert Mundell (2004) está dentre aqueles que apóiam a manutenção de uma moeda
chinesa estável, proporcionada pela intervenção no mercado de câmbio, e pelo controle de
capitais, argumentando que, uma vez que o regime cambial chinês não é flexível, a apreciação
51
significativa e acelerada do yuan traria sérias consequências, como crises monetárias e fiscais
locais e globais. Isso se refletiria em investimentos estrangeiros mais baixos, em menor
crescimento econômico, no aumento de empréstimos bancários inadimplentes (non-
performing loans), em perdas maiores para as empresas estatais, aumento do desemprego,
bem como em instabilidade de fatores no sudeste asiático, que acabariam por afetar o futuro
do yuan na região, além de maior probabilidade de crises financeiras, pelo risco de perda de
controle pelas autoridades financeiras que a especulação monetária poderia provocar.
Há, portanto, por parte de alguns estudiosos, a expectativa de que, no futuro, a taxa de
câmbio chinesa se aprecie, baseada geralmente na hipótese de Balassa-Samuelson (1964), que
implica numa relação positiva entre crescimento econômico e taxa de câmbio real, para países
em desenvolvimento, causada pelo crescimento da produtividade nos setores de bens
comercializáveis dos países em desenvolvimento e nos preços crescentes nos seus setores de
bens não-comercializáveis. No caso chinês, embora a produtividade do setor de bens
comercializáveis tenha aparentemente crescido mais do que a de bens não-comercializáveis,
confirmando a hipótese de Balassa-Samuelson13 nesse sentido, o seu efeito sobre a taxa de
câmbio real chinesa foi, e ainda tem sido, neutralizado, por forças diversas, e a perspectiva,
segundo alguns estudos, é de que esse comportamento da taxa cambial chinesa, qual seja, de
depreciação, persista, a depender de vários fatores (GOLLEY; TYERS, 2007).
Golley e Tyers (2007) estimaram, através de um modelo dinâmico de economia
global, os efeitos de uma variedade de choques relacionados ao crescimento econômico
chinês, que poderiam afetar sua taxa de câmbio real, de 2000 a 2035. As variáveis
consideradas como choques ao crescimento econômico chinês foram: (i) aumento da
produtividade total de fatores setoriais; (ii) aumento da taxa de aquisição de habilidades pela
força de trabalho; (iii) relaxamento da política de controle de natalidade; (iv) reforma
financeira, que faria baixar o prêmio de juros da China; e (v) reformas comerciais que
aumentem a abertura comercial do país. Os resultados obtidos mostraram que os choques (i),
(ii), (iii) e (v), são forças depreciadoras do câmbio chinês, isto é, o aumento de cada um deles
causaria a depreciação da moeda chinesa, sendo o inverso, a redução de cada um deles,
também verdadeiro.
13
Golley e Tyers (2007) argumentam que, embora a caracterização do processo de crescimento pelo efeito
Balassa-Samuelson seja uma abstração útil, ele tem suposições questionáveis e que não funcionam, em muitos
aspectos, para o caso chinês, como por exemplo, ao supor que o setor de bens não transacionáveis em países em
desenvolvimento não tenha ganhos de produtividade, falhas na Lei do Preço Único ou supor que ganhos de
produtividade se traduziriam em maiores salários (dada a suposição de pleno emprego e arbitragem no mercado
de trabalho).
52
sobre a necessidade de que a China permaneça não cedendo a tais pressões, exercidas por
países como EUA, bem como outros parceiros comerciais e econômicos, trazendo à memória
o impacto deletério que a flexibilização e contínua apreciação do yen japonês nas décadas de
1970 e 1980 causou à economia do Japão14. A pressão dos EUA sobre o regime cambial da
China, com quem tem seu maior déficit comercial – assim como se deu com o regime cambial
japonês nas décadas de 1970 e 1980 – não resultou em diminuição do seu déficit comercial
com a China, assim como não o fez com o Japão, naquela época.
A política monetária chinesa não parece ter sofrido perda de autonomia ou de
efetividade na sua execução. Pelo contrário, um certo grau de autonomia foi obtido a partir da
adoção de rígido controle sobre o movimento de capitais, evitando, ao mesmo tempo, que
choques propagados a partir do país âncora – através da taxa de juros – atingissem sua
economia doméstica. Um claro exemplo disso deu-se em novembro de 2008, quando, por
conta da crise econômica global, a China enfrentou expressiva queda no seu crescimento
econômico. De modo a reverter tal situação, o governo chinês autorizou um pacote de
estímulos no valor de 4 trilhões de yuans (aproximadamente US$ 146,5 bilhões, em
novembro de 2008) para 2009 e 2010, montante que somava 14% do PIB em 2008 (YU,
2010). A principal fonte de financiamento desses recursos foi o governo central, com um
quarto de participação nestes 4 trilhões, através de concessão direta e taxas de juros
subsidiadas. A segunda principal fonte de financiamento para o pacote de estímulos eram
créditos bancários. Ao mesmo tempo, os governos locais também propuseram seus próprios
planos locais de estímulo monetário, injetando mais cerca de 18 trilhões de yuans, a partir,
principalmente de recursos de bancos comerciais. Para sustentar tal política fiscal
expansionista, o governo chinês adotou, desde 2008, uma política monetária também
expansionista, permitindo alto crescimento do crédito, a partir da redução das operações de
esterilização em mercado aberto (i.e., deixando de vender títulos do Banco Central chinês).
Apesar de terem sido muitas vezes eficazes em promover a aceleração ou novo ânimo
na atividade economômica da China, as ações de política monetária expansionista chinesa,
ativas não apenas em 2008, mas durante vários momentos, ao longo do período pós-reformas
econômicas (ver Gráfico 7, que mostra a evolução do crescimento do M2), também
suscitaram, contudo, desconfiança e preocupação, por parte de alguns analistas. Muitos
14
Kanamori e Zhao (2006) apresentam estudo elucidativo sobre a evolução do yuan, a partir de sua unificação,
em 1994, e revalorização ao longo dos anos posteriores, analisando as diferentes abordagens teóricas existentes
sobre a determinação de taxas de câmbio e de como a experiência cambial do Japão, nas décadas de 1970 e
1980, tem a ensinar a China sobre a tomada de decisões de políticas macroeconômicas.
54
acreditam que, por várias vezes, a política monetária expansionista foi demasiadamente
frouxa, causando uma rápida expansão do crédito e da oferta monetária, levando a taxas de
juros próximas de zero. Desse modo, tornar-se-ia evidente a falta de justificativas econômicas
sólidas para tais expansões, em grande medida explicadas por interferências governamentais,
e não de mercado, o que tenderia a elevar a desconfiança dos agentes econômicos quanto a
indicadores econômicos futuros da China, como inflação, estrutura empresarial e bolhas de
ativos (pelo excesso de liquidez no mercado de ações e imobiliário) (YU, 2010).
Ainda que muitas das restrições e implicações impostas pela operacionalização de um
regime cambial rígido, como o chinês, tenham sido administradas ou neutralizadas, com
sucesso por seu governo, de maneira a serem minimamente deletérias ao ambiente
econômico, não há como ignorar ou não considerar os desafios impostos pela sua
manutenção, ao longo do tempo. Há diversas visões e argumentações sobre a factibilidade da
manutenção, no médio ou longo prazos, de um regime cambial chinês altamente administrado
e rígido e, de modo geral, a maioria delas aponta para uma gradual flexibilização do yuan, no
futuro, seguida de uma também gradual e moderada abertura da conta de capitais,
acompanhando o maior e progressivo desenvolvimento do mercado financeiro doméstico da
China.
De acordo com Shen (2001), o sistema de controles da conta de capital, pela China,
um dos sustentáculos do seu regime cambial, já mostrou que tem falhas, exatamente o que se
espera para um país crescentemente integrado com a economia global, ou seja, um sistema
cada vez mais distorcido e ineficiente. Cada vez mais aumentam as entradas de capitais
camufladas e não-oficiais, assim como saídas de capitais, refletidas nos altos números dos
erros e omissões nas estatísticas do Balanço de Pagamentos chinês. Assim, defende-se que,
antes que os movimentos de capitais não-oficiais aumentem e precipitem sérias
consequências, como até mesmo uma crise financeira, seria prudente e conveniente que o
governo chinês intensificasse o desenvolvimento dos mercados financeiros domésticos, bem
como da política cambial, junto com uma gradual liberalização da conta de capitais.
Prasad (2012) argumenta que, embora a China seja ainda de jure um país com rígido
controle de capitais, tem havido uma nítida tendência de afrouxamento de vários desses
controles. Em 2007, por exemplo, o governo aumentou para $50.000 yuans (cerca de US$ 1,7
mil) anuais o montante para compra de moeda estrangeira por residentes, para envio ao
exterior, para fins pessoais. Além disso, alguns investidores institucionais chineses (como
fundos de pensão e companhias de seguros) e corporações têm sido incentivados pelo governo
a realizar saídas de capitais, com a principal finalidade de compensar e diminuir as pressões
para apreciação do yuan, advindas dos recorrentes superávits comerciais e fluxos de entrada
de capitais. Do mesmo modo, controles na entrada de capitais também têm sido gradualmente
relaxados. Ainda de acordo com Prasad (2012), esses movimentos de afrouxamento dos
controles de capitais devem-se, grandemente, à crescente e ativa promoção do yuan como
moeda internacional.
De fato, à medida que a importância econômica e geopolítica da China aumenta, em
âmbito global, sua moeda também carrega perspectivas de ascenção igualmente global, o que,
consequentemente, joga luz sobre a viabilidade da manutenção de um yuan rigidamente
atrelado. Dentre as seis maiores economias mundiais, a China é a única cuja moeda não é
moeda de reserva, embora seu uso em transações transfronteiriças financeiras e de comércio
só aumente.
Prasad (2012), ao analisar o recente papel do yuan, no sistema monetário
internacional, avaliando as possibilidades reais e potenciais da moeda chinesa ascender em
importância e abrangência global, num futuro próximo, diz que a China preenche muitos dos
pré-requisitos típicos de moedas internacionais, como, por exemplo, tamanho da economia,
crescente abertura da conta de capitais e políticas macroeconômicas comprometidas com
baixa inflação e níveis sustentáveis de dívida pública. Entretanto, dois são os maiores desafios
56
a serem superados pela economia chinesa, para a ascenção do yuan como reserva monetária
internacional, quais sejam: (i) coordenar a abertura da conta de capitais com outras
importantes políticas, como flexibilização da taxa de câmbio e desenvolvimento do mercado
financeiro, de modo a melhorar o trade-off entre custo/benefício destas ações; e (ii)
desenvolvimento do próprio mercado financeiro doméstico, tal que se fortaleçam os bancos,
criem-se mercados de títulos governamentais e coorporativos sólidos e líquidos, bem como
mercados de taxa de câmbio spot e de derivativos.
Em outras palavras, considera-se que – apesar do esforço e avanço do governo chinês,
no aperfeiçoamento do ambiente econômico interno, e da tomada de importantes políticas de
promoção de maior abertura financeira e econômica, as quais tem garantido crescente papel e
uso do yuan regional e até mesmo globalmente – é preciso que se trilhe ainda um importante
caminho, rumo à promoção da moeda chinesa como moeda internacional. Grande parte desse
esforço e de seu sucesso está ligado à maneira e à velocidade com que a China promoverá a
abertura de sua conta de capitais e o desenvolvimento de seus mercados financeiros, além das
políticas que irão dar suporte a esse processo de transição, como a cambial, e as implicações
de todo esse movimento para o crescimento e estabilidade de sua economia.
Portanto, diante de tais perspectivas, vê-se que que o futuro da manutenção do regime
cambial chinês dependerá também das projeções e objetivos do governo chinês, para sua
economia e moeda, no médio e longo prazo, em âmbito interno, regional e global. Apesar
disso, o comércio e a integração com mercados globais já torna e tornará ainda mais difícil,
para o governo chinês, administrar com rigor o valor externo de sua moeda 15.
Se ao que parece a China tem crescentemente tornado mais aberta a sua conta de
capitais, talvez essa seja uma sinalização para uma também prospectiva maior flexibilização
do valor do yuan, com o objetivo de elevar o papel de sua moeda, no sistema monetário
global. Dados os desafios e manejo necessários para que esses objetivos sejam atingidos, no
médio e longo prazo, sem que causem distúrbios ou instabilidades na sua economia, a
abordagem que a China vem adotando para essas reformas não parece destoar daquela que a
norteou, desde as primeiras reformas em 1978, ou seja, “liberalização da conta de capitais
com características chinesas” (Prasad, 2012).
15
Segundo Prasad (2012), os saldos de comércio da China com seus parceiros, envolvendo transações realizadas
com yuans, têm produzido um comportamento tipo “one-sided pattern”, ou seja, um padrão unilateral, no qual o
maior saldo de comércio em yuans é para importações feitas pela China (quando comerciantes estrangeiros
adquirem moeda chinesa). O saldo em yuans nas exportações feitas pela China, por sua vez, é pouco. Uma
explicação dada a esse padrão de uso do yuan, em transações comerciais, é a de que isso revelaria o desejo dos
exportadores estrangeiros para a China de continuar a antecipar a apreciação do yuan, via saldo comercial.
57
Em outras palavras, o governo chinês está procedendo, no seu ritmo, a uma crescente
abertura da conta de capitais. O que se espera, portanto, para os próximos anos, é uma conta
de capitais aberta, porém com inúmeros controles sobre entradas e saídas de capitais, através
de medidas administrativas e outras. Essa reforma, ao mesmo tempo, demandará mudanças
complementares, como por exemplo, a do regime cambial chinês.
Oficialmente, no vigésimo plano quinquenal elaborado pelo governo chinês, com os
principais objetivos a serem atingidos entre os anos de 2011 a 2015, indica-se que medidas
adicionais serão tomadas para a liberalização da conta de capitais, além de se ressaltar os
objetivos de reforma do sistema financeiro e progresso rumo à conversibilidade da conta de
capitais, embora nenhum detalhe seja dado sobre como isso será feito. Ademais, no que se
refere ao aprimoramento do mecanismo de formação da taxa de câmbio chinesa, contudo,
pouco ou quase nada tem a dizer este mesmo vigésimo plano quinquenal.
16
Para mais detalhes, ver Naughton (1996a) e Nolan (2004).
58
17
Na década de 1950, os produtos agrícolas totalizavam mais de 40% do total de exportações e, se considerados
os produtos agrícolas processados, somavam mais de 60% dos ganhos em moeda estrangeira da China, até a
década de 1970 (LIN et al., 1994).
60
18
Deng Xiaoping, líder político chinês entre 1978-1992, considerado por muitos como o grande arquiteto do
movimento de reforma econômica da China, foi também exilado em 1966, ano de início da Revolução Cultural,
permanecendo por sete anos no campo, onde cumpriu trabalho agrícola e trabalhou como operário em uma
oficina de concertos de tratores (KISSINGER, 2011).
61
primeiro estágio de reforma na China, ainda que não antes de os chineses reconhecerem que
tal tecnologia ocidental importada não era uma panaceia para seus problemas econômicos,
mas que seria preferível à necessidade de uma reforma mais radical, ou estrutural. O sucesso
dos países conhecidos como “tigres asiáticos”, à época, também pode ser apontado como
tendo influenciado o governo chinês a buscar a reorientação econômica e o crescimento
acelerado, pois se podia reconhecer em países como Taiwan, Singapura e Hong Kong, o
dinamismo de suas economias capitalistas, assim como o papel das mudanças tecnológicas na
transformação que ocorria no mundo capitalista (NAUGHTON, 1996a; NOLAN, 2004).
Durante a Terceira Plenária do 11º Comitê Central do Partido Comunista Chinês, em
dezembro de 1978, promulgou-se o slogan que definiria as subsequentes reformas e política
econômica, sob o comando de Deng Xiaoping: “Reforma e Abertura”. As políticas de
“modernização socialista” propostas e aprovadas pelo Comitê Central ecoavam as Quatro
Modernizações, anteriormente propostas por Zhou Enlai, em janeiro de 1975 (KISSINGER,
2011).
O objetivo geral da reforma econômica, a partir de 1978, era melhorar o desempenho
da economia chinesa, de modo que ela se modernizasse e prosperasse, permitindo a elevação
do padrão de vida da maioria da população, num movimento ascendente e contínuo, movido
por taxas de crescimento econômico altas e sustentadas. Para isso, as reformas de 1978 teriam
de retificar os desequilíbrios estruturais causados pela adoção de uma estratégia econômica
equivocada, sob o governo de Mao Tsé-Tung, assim como melhorar os incentivos (LIN et al.,
1994). Declarando que “pobreza não é socialismo”, mas que “enriquecer é glorioso”, Deng
Xiaoping proclamava que a China precisava obter tecnologia, especialização e capital
estrangeiros, para remediar suas deficiências.
A população chinesa, em 1980, era de pouco mais de 981 milhões (Tabela 2),
representando aproximadamente 22% do total da população mundial (Tabela 3). Diante de um
cenário econômico interno difícil, com elevado desemprego e pobreza, a numerosa população
tornava os desafios sociais e econômicos impostos aos dirigentes chineses ainda maiores.
Afinal, isso significava a promoção de emprego e redução da pobreza de uma população que
crescia, em média, à época, aproximadamente 1,3% ao ano. Assim, como parte do esforço
reformador da economia, que teve início em 1978, o governo chinês introduziu em 1979 uma
polêmica e controversa – ainda atualmente – política de planejamento familiar, a “política do
filho único”, cujo objetivo central era o de reduzir o número de futuros nascimentos por
mulher, estabelecendo que cada família ou casal estava autorizado a ter apenas um único
filho, cabendo punições e multas a quem desobedecesse.
64
1980 981, 2
1990 1.135,1
2000 1.262,6
2010 1.337,8
Fonte: WDI 2011 – World Bank (elaboração própria).
1980 22,0
1990 21,4
2000 20,6
2010 19,4
Fonte: WDI 2011 – World Bank (elaboração própria).
Os dois motivos apontados por Halpern (1985), que justificariam a adoção desta
estratégia, são de ordem epistemológica e política. O primeiro se explica pela crença, por
parte dos membros da comissão citada, de que nem a discussão teórica nem estudos analíticos
de experiências passadas da China ou de outros países proveriam o conhecimento suficiente e
necessário que as reformas requeriam, ou seja, o entendimento da reforma viria apenas com a
sua implementação, conforme a alusão proferida certa feita por Deng Xiaoping, segundo a
qual, a transição da economia chinesa deveria ser feita “tateando pedras para cruzar o rio”,
i.e., experimentalmente e não a partir de sérios estudos prévios. Em segundo lugar, supõe-se
que os reformadores acreditavam ser possível superar investidas de interesses e outras
potenciais oposições políticas internas às reformas apenas com a adoção imediata de reformas
parciais e experimentais, já que suas limitações, conforme fossem sendo implementadas,
tornar-se-iam patentes e um provável consenso político seria gerado, levando naturalmente a
mudanças mais globais e aprofundadas.
Portanto, para Halpern (1985), Perkins (1988), Naughton (1996a), dentre outros19, a
abordagem da reforma pela China foi gradual e experimentalista. Dada a complexidade da
transição de uma economia socialista para um novo modelo econômico, mais aberto e
parecido com o das economias de mercado, mas sem nenhum “roteiro” prévio de medidas ou
19
Prasad et al. (2004), Nolan (2004), dentre outros.
66
modelo econômico ideal a seguir, exatamente delineado e ajustado à sua realidade, a reforma
econômica na China foi sendo implementada em etapas, seguindo um cronograma e
fundamentação econômica baseados, essencialmente, na experimentação. Este fato, junto com
a coordenação do Estado, fez com que fossem criadas instituições econômicas não ortodoxas,
mas com características chinesas, que tiveram papel fundamental no sucesso dos resultados
alcançados durante as décadas seguintes.
Alternativamente, outros autores defendem a argumentação de que o sucesso do
modelo, ou da abordagem da China para a reforma de sua economia, medido em termos de
efetivo e rápido crescimento econômico e melhora social e dos padrões de vida de sua
população, deve-se não ao caráter incremental e experimental das reformas empreendidas,
mas pela convergência entre as instituições chinesas e as de economias de mercado (SACHS;
WOO, 1997).
Há, portanto, duas correntes de pensamento, notadamente divergentes, que analisam as
causas do sucesso econômico chinês, a partir das reformas de 1978. Este assunto será
abordado com mais detalhes no capítulo 3.
20
Para uma leitura mais detalhada e aprofundada sobre o processo de reforma econômica chinesa, a partir de
1978, ver Naughton (1996a) e Nolan (2004).
67
macroeconômica, em parte devido ao fato, ressaltado por Nolan (2004), de que, como o
modelo para o qual o sistema estava se movendo não estava claro para os reformadores, o
balanço final entre planejamento e mercado ainda era incerto, da mesma maneira como o era
o ritmo e a maneira que a reforma deveria prosseguir. Como a inflação aumentara
consideravelmente, após a liberalização dos preços, refletindo o impacto do sistema dual-
price e das mudanças nos preços relativos, na terceira fase as autoridades recentralizaram
muitos controles de preços, numa atitude mais conservadora, bem como administraram outras
rígidas políticas contracionistas, a fim de controlar a inflação de dois dígitos. Apesar dessas
medidas terem alcançado seu objetivo, pois foram eficazes no controle dos preços, acabaram
produzindo uma indesejável e acentuada desaceleração na economia, elevando as perdas nas
empresas estatais e rápidos aumentos nos débitos inter-empresariais, que ameaçaram causar
ainda maior instabilidade na situação macroeconômica.
Na quarta fase, cabe destacar o ano de 1992, no qual o Partido Comunista Chinês,
durante seu 14° Congresso, abraçou formalmente a visão de Deng Xiaoping de que o sistema
de mercado não era incompatível com os ideais do socialismo, apelando para o
estabelecimento de uma ‘economia socialista de mercado’. O ano de 1992 inaugurou,
portanto, um novo período de reformas significativas, marcado pela implementação de
importantes mudanças, que tinham como objetivo criar uma economia de mercado com bom
funcionamento. Dentre as novas reformas implementadas, incluía-se a reestruturação do papel
e função do governo, o desenvolvimento de planos para acelerar reformas empresariais,
financeiras e sociais, além do estabelecimento de um cenário favorável e apropriado para uma
posterior e mais fundamental ‘globalização’ da economia chinesa, em uma nova e quinta fase,
iniciada em 1998 e que vai até o presente. Faz parte deste novo enfoque uma abertura mais
ampla e geral da economia, culminando com a adesão da China à Organização Mundial do
Comércio (OMC), em 2001, e a consequente adoção dos compromissos impostos a seus
integrantes, o que, na prática, traduziu-se em maior liberalização do comércio e abertura de
setores como o agrícola e o de serviços.
A percepção dos reformadores chineses, inicialmente, foi a de que havia três principais
setores com grandes problemas que deveriam ser enfrentados: agrícola, energético e de
empregos. A reforma da agricultura, de longe, foi considerada a mais urgente, pelos líderes
chineses, que julgaram essencial o aumento do fluxo de recursos para o setor, de maneira a
fomentar o aumento da produtividade do trabalho e a eficiência produtiva.
O emprego na agricultura, em 1980, respondia por 68,7% do total da mão-de-obra
empregada chinesa, além de que 80% da população vivia em áreas rurais. Apesar disso, o
crescimento da agricultura no período anterior às reformas do final da década de 1970, havia
sido muito lento, mal conseguindo acompanhar o ritmo do crescimento populacional, apesar
do enfoque dado à auto-suficiência agrícola. A partir de 1978, entretanto, o cenário de baixa
produtividade agrícola sofreu uma inversão, passando a ter taxas de crescimento ascendentes
nos anos seguintes, até 1984, essencialmente devido à reforma agrícola que teve lugar nos
anos seguintes (ver Tabela 4). Em 1984-87, entretanto, o crescimento da agricultura foi
menor, se comporado ao período imediatamente anterior, de 1978-84, em grande parte devido
ao mau desempenho da produção de grãos e algodão. Apesar disso, o período 1984-87
registrou respeitáveis 4,1% de taxas de crescimento médias anuais da agricultura.
(como evidenciado na tabela 4), mas a mudança considerada mais importante, por alguns,
para explicar o bom desempenho do setor agrícola, foi a substituição da agricultura coletiva
por um sistema familiar, ou sistema de responsabilidade familiar (LIN, 1992).
A estrutura institucional agrícola prevalecente na era Mao, formada por propriedades
rurais coletivizadas, há algum tempo davam lugar, ainda que secretamente, ao sistema de
propriedades de gestão familiar (LIN et al., 1994), mas foi somente em 1981 que o governo
chinês reconheceu oficialmente o sistema de responsabilidade familiar, quando 45% das
propriedades rurais coletivizadas já haviam sido desmanteladas e descentralizadas,
alcançando, em 1983, 98% dos coletivos agrícolas no novo sistema.
Na descoletivização das propriedade rurais chinesas, no começo dos anos 1980, o
principal critério utilizado para repartição das propriedades rurais foi o de equidade, com o
uso da terra sendo igualmente distribuído per capita, nas várias regiões. Quanto ao direito de
propriedade sobre as áreas rurais das famílias individuais, este continuou nas mãos do Estado.
No novo sistema agrícola, os produtores ficavam autorizados a vender o excedente de
sua produção_ antes vendida primeiramente ao Estado, por preços fixados_ no mercado local,
normalmente a um preço superior ao fixado pelo governo. Esta restauração das propriedades
rurais individuais, e a mercantilização dos excedentes produzidos por elas, permitiram a
elevação dos incentivos à produção agrícola e sua maior eficiência, corrigindo, segundo Lin et
al. (1994), um dos grandes problemas da economia chinesa pré-reformas, qual seja, o baixo
nível de incentivos aos trabalhadores e a má alocação dos recursos entre os setores
econômicos21. Desse modo, o produto agrícola cresceu de 2,9% ao ano, de 1952 a 1978, para
7,6% ao ano, de 1978 a 1984.
A mudança na política rural levou a três consequências não antecipadas, quais sejam,
agricultura familiar, elevada poupança das famílias e rápido crescimento da indústria rural
(NAUGHTON, 1996a). O acelerado e robusto desempenho da produção agrícola chinesa,
proporcionado pelas progressivas medidas de desregulamentação no comércio varejista,
crescente autonomia das famílias na produção sob o novo sistema de responsabilidade
familiar, e pela crescente produtividade, dentre outros fatores, conduziu, paralelamente, a um
21
Segundo Perkins (1994), o sistema de responsabilidade familiar resultante da descoletivização incorporou nas
propriedades rurais familiares alguns elementos dos direitos de propriedade requeridos para gerar incentivos
orientados para o mercado. Entre eles, inclui-se o fato de que as propriedades rurais familiares eram, agora,
naturais maximizadoras de lucros, uma vez que haviam adquirido o direito de manter parte de suas rendas
ganhas.
70
grande movimento de aumento do esforço poupador dos camponeses, que na década de 1980
esteve em torno de 13-15% de sua renda corrente (NOLAN, 2004).
Houve, portanto, uma acentuada mudança na estrutura de composição da poupança
nacional, entre 1978 e 1984, com declínio relativo na poupança do governo e manutenção da
parcela referente à poupança das empresas, mas acentuada elevação da participação relativa
da poupança das famílias, no total da renda nacional (NAUGHTON, 1996a). Segundo Nolan
(2004), estes montantes foram majoritariamente depositados em instituições oficiais, como
cooperativas de crédito e o Banco da Agricultura, garantindo aos poupadores segurança, uma
vez que a “usura” não era encorajada. Como resultado, entre 1980 e 1988, houve um
crescimento massivo do crédito na área rural chinesa, levando os empréstimos por camponês,
consideradas as duas instituições juntas citadas, a aumentarem quatro vezes mais em termos
reais22.
Há que se ressaltar, no entanto, que o aumento da poupança das famílias do campo, no
período considerado, ainda que possa ter sido canalizado, por meio das instituições de crédito,
para novos investimentos no mesmo setor, não pode ser considerado como o único ou um dos
mais importantes motivos causadores ou potencializadores do crescimento do setor agrícola,
e, extensivamente, da economia chinesa, no período, como alguns podem pensar. Na verdade,
deve-se levar em conta que o aumento da poupança das famílias se deu como consequência da
elevação da renda das mesmas, viabilizada a partir das medidas de reforma agrícola e de
mudança da política rural chinesa, empreendidas no começo da década de 1980, que
permitiram que novos fluxos de recursos fossem liberados e direcionados para o setor, seja a
partir da maior liberalização dos mercados rurais, seja pela descoletivização das propriedades
agrícolas ou ainda pelo maior acesso ao crédito, ou remonetização da economia familiar,
mudanças que efetivamente aumentaram a produtividade agrícola, a renda e a poupança das
unidades familiares rurais.
22
Um ponto a se destacar é que a queda da chamada poupança pública – a qual, como se sabe, corresponde
exatamente ao inverso de uma ampliação do déficit público – amplia, concomitantemente, a poupança privada,
pelo que, então, o aumento desta última parece ter sido tão somente resultado da mudança de estratégia de
financiamento e gasto do setor público, conjugada a modificações no saldo de transações correntes. De qualquer
forma, um aumento do déficit público – e, se possível, do saldo de transações correntes – no sentido explicado
acima, realmente eleva os recursos financeiros disponíveis ao setor privado. A divergência possível com os
autores acima citados é que este aumento dos recursos financeiros do setor privado não se dá por decisão dos
agentes “poupadores”, mas sim por conta dos investimentos e dos resultados do setor público e das transações de
bens e serviços com o exterior
71
23
Para uma leitura mais ampla e minuciosa sobre o processo de reforma agrícola chinês, bem como dos vários
determinantes de seu sucesso, ver Lin (1992), e Oi (1992, 1995).
24
Como explica Masiero (2006), as comunas e as brigadas eram as antigas divisões administrativas internas
chinesas, sendo que as primeiras, conquanto constituíam-se de vinte ou mais vilas, eram responsáveis por
coordenar a administração política e econômica de tais vilas. Dentro das comunas, uma ou mais vilas formavam
72
as brigadas e, em cada brigada, de vinte a trinta famílias vizinhas formavam unidades chamadas de grupos de
produção.
25
De acordo com Oi (1995), os principais objetivos desta reforma fiscal, a partir de 1980, eram tornar as
localidades fiscalmente auto-suficientes, reduzir a carga fiscal do Estado central e fornecer incentivos para as
autoridades locais promoverem o desenvolvimento econômico. Uma das principais reformas fiscais foi o
estabelecimento do sistema de responsabilidade de imposto, que requeria a submissão de apenas parte das
receitas das localidades aos níveis de administração mais elevados, permitindo-as reter todo ou a maioria do
restante.
73
Uma das mais importantes mudanças empreendidas pelo governo chinês com relação
às empresas rurais foi o relaxamento do monopsônio estatal sobre a compra de materiais
agrícolas, tornando disponível a essas empresas o seu processamento. Com esse movimento
de maior liberalização na produção e processamento de produtos agrícolas, para longe do
modelo inicialmente muito restritivo da industrialização rural, abriu-se uma janela de novas
perspectivas e racionalidades, que englobavam desde o processamento de bens agrícolas, a
produção de energia, até a exportação de produtos, etc.
Dessa forma, por meio de diversos contratos de responsabilidade estabelecidos entre
as autoridades locais e as famílias produtoras rurais, garantiu-se maior autonomia a tais
famílias na utilização de implementos agrícolas e outras ferramentas, além de maior liberdade
quanto aos métodos de produção. Como resultado, unidades familiares passaram
crescentemente a se especializar na comercialização e industrialização de insumos agrícolas e
de outros empreendimentos comerciais diversos que atendessem às necessidades crescentes
da agricultura familiar.
A grande diversidade da industrialização rural chinesa e seu crescimento são
características notáveis do período pós-reformas econômicas, desencadeadas a partir do
encorajamento das indústrias rurais a tomarem o controle do processamento agrícola e
produzirem para os mercados consumidores, o que, de maneira ampla, deu-lhes a liberdade
necessária para entrarem nas mais diversas atividades lucrativas. O sucesso das TVEs,
entretanto, pode ser atribuído a um número maior de fatores, que vão desde: (i) sua alta
lucratividade, decorrente do abrandamento do monopólio estatal sobre a indústria, o qual
permitiu às TVEs entrarem em mercados previamente protegidos, além da existência de
nichos de mercado vazios, que as TVEs passaram a preencher, identificando demandas
suprimidas do mercado; (ii) baixos impostos cobrados das TVEs, já que parte de suas rendas
líquidas ia para projetos locais, que favoreciam a agricultura; e (iii) acesso facilitado a capital,
na forma de acesso facilitado à benefícios creditícios, dentre outros fatores
(NAUGHTON, 1996a; OI, 1995).
O desenvolvimento das TVEs, que mantinham estreita inter-relação com a estrutura
rural coletiva (NAUGHTON, 1996a), adicionalmente às medidas adotadas pelo governo para
fomentar a produção agrícola, também fortaleceu o sistema rural coletivo, à medida que
potencializou o aumento do volume de recursos disponibilizados nas áreas rurais, para
desenvolver a agricultura.
Outro importante desdobramento do crescimento das empresas TVEs a partir da
década de 1980, foi o aumento do emprego industrial rural gerado por elas. Como a tabela 5
74
mostra, enquanto no final de 1980 o emprego rural nas TVEs representava apenas 9,4% do
total da mão de obra empregada no setor rural, no final de 1990 este índice mais que dobrou,
atingindo 19,4%, continuando a crescer nos anos seguintes e alcançando, em 2002, 27,1%. O
aumento do emprego neste setor desempenhou papel crucial na absorção de grande
contingente de mão de obra pouco qualificada na China, presente em abundância no país, já
que as TVEs eram empresas essencialmente trabalho-intensivas26.
O Gráfico 9 mostra a evolução da composição setorial do emprego na China, entre
agricultura, indústria e serviço, como porcentagem do emprego total. Nele, é possível
visualizar que a mudança na evolução da participação relativa do emprego na agricultura foi a
mais expressiva, pois saiu de um patamar de participação percentual, em 1980, de 70% do
emprego total, para 40% em 2008. Enquanto isso, as participações relativas dos setores
industrial e de serviços no total de empregos tiveram aumento ao longo do período de 1980 a
2008, com destaque para a participação do emprego no setor de serviços, que mostrou melhor
desempenho. Este emprego no setor de serviços, que em 1980 representava aproximadamente
13% do total, em 2008 correspondia a aproximadamente 28%. O emprego na indústria
também cresceu em participação relativa, de cerca de 18%, em 1980, para aproximadamente
28% em 2008.
De acordo com Sachs e Woo (2003), o trabalho que alimentou a rápida expansão do
setor industrial não-estatal (como nas TVEs, por exemplo) veio da agricultura e não do setor
estatal, o crescimento da China teria sido, então, construído sobre a oferta de trabalho rural.
Sachs e Woo (2003) ainda chamam a atenção para o fato de que a China foi capaz de
desencadear um crescimento sustentado, pois o valor marginal do trabalho na agricultura (63
yuans) era muito mais baixo se comparado ao da indústria (1.027 yuans), da construção (452
yuans), do transporte (739 yuans) ou ainda ao do comércio (1.809 yuans). Quando as reformas
se iniciaram, e voltou-se ao sistema de responsabilidade familiar, o excedente de trabalho
agrícola aumentou ainda mais, devido ao aumento da produtividade das unidades agrícolas
familiares, sendo parte desse excedente de trabalhadores absorvido pela indústria rural.
As TVEs também foram importantes, à medida que puderam atender à crescente
demanda reprimida por bens de consumo e, neste sentido, contribuíram significativamente na
26
Segundo Lin et al. (1994), sinais de mercado (como ter que pagar preços de mercado por inputs, além de poder
vender produtos a preços de mercado) induziram as TVEs a adotarem tecnologias mais
trabalho-intensivas e concentrarem-se em indústrias de menor escala. Isso, de acordo com eles, fez a estrutura
industrial dessas empresas alinhar-se mais de perto com as vantagens comparativas regionais e até mesmo
internacionais da China.
75
Tabela 6 – Evolução das Exportações das TVEs – China (1989-2002) em 100 milhões de
yuans e em %
aumento do IDE nessas regiões foi, ao final do período, bastante expressivo, passando para
um montante de U$ 10,3 bilhões, com uma taxa de crescimento anual do IDE de 11%, apesar
de alguns anos de pior desempenho, como 1989 e 1990 (com 6,2% e 2,2%, respectivamente),
devido aos protestos da Praça da Paz Celestial (OCDE, 2000).
A terceira fase é marcadamente a mais dinâmica em termos do fluxo de entrada de
IDE, pois iniciou uma nova fase de abordagem política e econômica para a reforma chinesa.
A partir de 1992, Deng Xiaoping, à frente das decisões para a modernização da economia
chinesa, decide que é fundamental, para o melhor desempenho da economia chinesa, um
aprofundamento das reformas. Como resultado, a China adotou uma nova abordagem do
processo de industrialização e captação de IDE, deixando de lado regimes especiais e
implementado políticas nacionais mais abrangentes de “open door”, para a atração de IDE.
O gráfico 11 mostra a tendência crescente da entrada líquida de IDE para a China,
entre os anos de 1982 e 2010, bem como da sua participação no PIB, especialmente a partir de
1992, com a ampliação e aprofundamento das reformas e maior abertura externa. No período
de 1985 a 1995, o fluxo de IDE esteve ao redor dos US$ 12 bilhões, em 1997 este valor mais
do que duplicou, continuando a subir nos anos seguintes, ultrapassando os US$ 150 bilhões
anuais, entre os anos de 2006 e 2010, apesar da crise subprime que atingiu a economia global.
Quando comparadas as médias de entradas líquidas de IDE da China com os demais
países em desenvolvimento, como Brasil, Índia, Rússia, Argentina e México, no período entre
1982 e 2010 (Tabela 7), torna-se evidente o maior direcionamento do fluxo de entrada de
capitais para a economia chinesa, superando a média desses países em mais que o triplo de
entrada de investimentos na primeira década de 2000. Além disso, a entrada líquida de IDE na
China supera em grande número a do seu vizinho desenvolvido, Japão, desde 1982, diferença
que foi mantida e ampliada, nas décadas posteriores. Os EUA, por sua vez, mantêm, em todo
o período analisado, um valor de entradas líquidas de IDE superiores que a China.
Ao mesmo tempo, entre 1982 e 2010, o fluxo de saída de IDE da China nunca chegou
a representar 1% do seu PIB. A média calculada, de 1982 a 2010, do fluxo de saída de IDE da
China, como parte do PIB, ficou em 0,38%, abaixo da mesma média para os EUA, de 1,25%,
e Rússia, de 1,67% (calculada entre 1994 e 2010) (WDI 2011).
83
Estes dados sobre o fluxo de IDE para a China revelam, portanto, uma preferência dos
investidores por aplicar no país, o que tem diversas explicações27, como, por exemplo, as
expectativas positivas dos investidores estrangeiros, à medida que a reforma econômica se
seguia e a economia chinesa registrava grande crescimento econômico, assim como
perspectivas positivas da manutenção deste crescimento, com boa infraestrutura, política
preferencial, dentre outras. Adicionalmente, a teoria fornece duas explicações para o maior ou
menor fluxo de IDE para os vários países: (i) fluxo orientado pelo mercado doméstico; e (ii)
fluxo orientado pelas exportações. No primeiro caso, a vantagem da China, em relação às
demais economias emergentes do resto do mundo para atrair IDE é o tamanho de seu mercado
potencial e o crescimento sustentado de sua economia, ao passo que, para o segundo caso, é
preciso que o país hóspede ofereça competitividade em custos para a atração de IDE, outra
vantagem da economia chinesa (OCDE, 2000).
A maior abertura econômica externa da China teve importantes impactos na estrutura
econômica e social do país. À medida que se tornava um destino promissor e rentável para o
fluxo de IDE, em montante sustentadamente crescente, a indústria chinesa crescia em
importância e em participação no total da atividade econômica.
Como já mostrado (Gráfico 10), a participação do setor primário no PIB decresceu, no
período avaliado, seguido do aumento da importância e parcela dos setores secundário e
terciário. A mudança na composição do emprego, como resultado da participação crescente
dos setores secundário e terciário na economia também foi acentuada. A parcela do emprego
total nesses dois setores, em 2007, somou aproximadamente 60% da mão-de-obra chinesa,
contra 30%, em 1980.
Com isso, a composição da localização geográfica da população chinesa também se
alterou muito, levando a movimentos migratórios crescentes, em geral do campo para as
cidades (ver gráfico 12), já que, com a elevação da participação da indústria na economia
chinesa, muitos trabalhadores migraram para os centros urbanos industriais, em busca de
emprego e melhores salários. Esses centros urbanos industriais se formaram ou se
avolumaram em determinadas áreas da China, em especial na área costeira do país, sempre a
mais populosa, em função, principalmente, da instalação de indústrias de capital estrangeiro,
nessa região e próxima a centros produtivos, comerciais e financeiros, como Hong Kong e a
ilha de Taiwan. A parcela do total da população chinesa vivendo em aglomerações urbanas
27
Para mais estudos sobre as causas dos fluxos de IDE para a China, pós-reforma econômica, ver Cheng e Kwan
(200d0), Buckley, P. J. et al. (2007) e OCDE (2000).
85
com mais de 1 milhão de pessoas (estimada em 2000 pelo Banco Mundial) cresceu
expressivamente, de 7,8%, em 1978, para 14,5%, em 1999, e 20,6%, em 2010 (ver gráfico
12). No gráfico 13 é possível ver o ritmo de crescimento dos movimentos migratórios
populacionais na China, entre 1978 e 2010, da população urbana e rural. Nota-se que a
população rural chinesa acentuadamente decresceu no período, apresentando média de
decréscimo no período de -0,39% ao ano, mas com este decréscimo se ascentuando ano a ano,
atingindo pouco mais de 2% ao ano, em 2010, enquanto a população urbana cresceu, na
média do mesmo período, 4,08% ao ano.
A participação da formação bruta de capital fixo (FBKF) no PIB acompanhou essa
trajetória industrial e de serviços ascendente, além do impacto favorável, como visto, do IDE,
proporcionando taxas de poupança igualmente elevadas. O gráfico 14 mostra a evolução da
FBKF na China como parte do PIB, assim como a participação no PIB da poupança bruta
entre os anos de 1979 e 2010. Na década de 1980, nota-se que a FBKF manteve-se entre os
25% e 32,5% do PIB, sofrendo uma expressiva elevação a partir de 1992, alcançando os
37,5% do PIB, em 1993, e mantendo a trajetória ascendente, embora errática, para alcançar no
final de 2010 o montante de 45% do PIB.
O comportamento da poupança bruta do país, como parte do PIB, que já era elevado
na década de 1980, para os patamares da maioria dos países em desenvolvimento, elevou-se
ainda mais, nas décadas seguintes, igualando-se, por vezes, ao montante da FBKF, como
ocorreu entre 1999 e 2002, e em 2010.
As taxas de FBKF como parte do PIB da China são muito maiores quando comparadas
às de outras economias em desenvolvimento, o que é, sem dúvida, um dos principais motores
do seu crescimento econômico rápido e sustentado, ao longo das décadas de 80, 90 e 2000, e
também uma consequência direta, como visto, da forte entrada de IDE, nesse período. É
importante notar, ainda, a crescente participação da FBKF do setor privado, na China, que se
elevou de algo em torno de 7,5%, em 1995, para mais de 22,5%, em 2010. Esses números
mostram a crescente participação da propriedade privada na FBKF chinesa, ao longo do
tempo, especialmente a partir da primeira década do século XXI (e mais especificamente, a
partir de 2004-05) representando, em 2010, metade dos 45% da FBKF como porcentagem do
PIB na China.
86
Com relação à participação da poupança bruta chinesa no PIB, ela já era alta desde a
década de 1980, quando representava mais de 30% do PIB. Na década de 1990 e na seguinte,
esse movimento de crescimento de sua participação no PIB manteve-se, embora com
flutuações, alcançando o nível de participação no PIB de mais de 45%, em 2010.
87
anos da década de 2000, o maior contribuidor na sua taxa de crescimento, responsável por
metade dos 16% de seu crescimento. De acordo com Ma e Yi (2010), esse movimento reflete
uma renda disponível do governo chinês mais alta e, ao mesmo tempo, um consumo do
governo estável, resultando em maior poupança e investimento do governo. Assim, o
consumo e as despesas do governo chinês têm divergido entre si, ao longo do tempo,
especialmente na primeira década de 2000 28. Enquanto o consumo do governo se manteve
estável, em uma média de 15% do PIB entre as décadas de 1990 e 2000, as despesas passaram
de 11%-12% do PIB, na década de 1990, para 18%-20% na década de 2000. Ou seja, o
governo chinês tem comprometido sua renda disponível mais com investimentos (e poupança)
do que com consumo em serviços públicos. As explicações para o aumento da propensão
marginal a poupar do governo chinês, especialmente na década de 2000, abrangem a
necessidade de acumulação de ativos de pensão para fazer frente a uma população que
envelhece com rapidez, incentivos fornecidos aos governos locais para que invistam mais do
que ofereçam serviços públicos, assim como um peso maior exercido sobre os governos
locais, que ao terem que arcar com a maior parte dos gastos sociais, vêem-se sob crescentes
pressões de financiamento.
Assim, nota-se que as causas determinantes das altas e crescentes taxas de poupança
bruta setorial chinesa, desde a década de 1980, são múltiplas, abrangendo desde tendências
seculares econômicas e demográficas, até mudanças institucionais-chave29.
Como resultado do abrangente conjunto de medidas empreendidas em sua reforma
econômica, e da abertura econômica e comercial, o PIB chinês experimentou um crescimento
crescente e robusto, já na década de 1980, o que perdurou pelas duas décadas seguintes, até
nossos dias. Quando as taxas de crescimento do PIB chinês, entre 1979 e 2010, são
comparadas às de outros países emergentes da América Latina e Caribe, Índia, ou de regiões
como Leste Asiático e Pacífico (apenas países em desenvolvimento), nota-se o vigor do
28
Aqui, a principal distinção que Ma e Yi (2010) fazem entre despesas, (“expenditures”), e consumo é que,
gastos do governo com investimentos fazem parte das suas despesas e não do seu consumo.
29
Um ponto importante a ser destacado é que a poupança total, na China ou em qualquer outro país, é uma soma
das chamadas poupanças privada, pública (contábil e conceitualmente equivalente ao inverso do déficit público)
e externa (contábil e conceitualmente equivalente ao déficit em transações correntes), sendo esta poupança total
determinada pelo nível de investimentos, e não o inverso (contabilmente, como se sabe, I = S pri + Spub + Sext),
ainda que este ponto, infelizmente, ainda gere controvérsias entre economistas. Assim, logicamente, com
transações correntes fortemente superavitárias (ou, em outros termos, com uma forte “despoupança” externa) e
taxas de investimento elevadíssimas, as duas poupanças remanescentes, em conjunto, necessariamente terão que
ser elevadíssimas, a fim de respeitar a igualdade contábil acima.
90
crescimento econômico chinês ao longo do tempo, superior aos demais países e regiões
selecionadas, durante quase todo o período avaliado (Gráficos 15 e 16).
O PIB per capita chinês também se elevou consideravelmente, principalmente a partir
do meio da década de 1990 (Gráfico 17), de pouco mais de US$ 100 dólares (correntes)
anuais, em 1970, para US$ 314 dólares (correntes) anuais, em 1990, mais que dobrando, duas
décadas depois, em 1997 (US$ 703 dólares correntes), e alcançando US$ 4.428 dólares anuais
em 2010.
Ainda que o PIB per capita seja uma medida padrão empregada na distinção entre
países “ricos” e “pobres”, ele não é ideal para medir o bem-estar da população. Uma medida
mais apropriada para esse fim, embora claramente não suficiente, é obtida comparando-se o
consumo per capita das famílias, o que mede o gasto final privado das famílias com bens e
serviços, incluindo bens duráveis, a preços de mercado.
91
Gráfico 17 – PIB per capita anual – China (1970-2010) – em US$ correntes e taxa
de crescimento anual
O gasto anual per capita com consumo final das famílias na China, medido em dólares
do ano 2000, cresceu pouco menos que nove vezes em quarenta anos (Gráfico 18), de U$ 100
92
Gráfico 18 – Gasto per capita com Consumo Final das Famílias – China (1970-2010) –
em US$ constantes de 2000 e taxa de crescimento anual
Gráfico 19 - Gasto per capita com Consumo Final das Famílias – Brasil, México, China
e Índia (1970-2010) – em US$* constantes
Gráfico 20 - Gasto per capita com Consumo Final das Famílias – Estados Unidos, Japão,
Coréia do Sul e China (1970-2010) – em US$ constantes de 2000
movimento de maior liberalização comercial exigiu das empresas chinesas preparação prévia,
a fim de que estivessem preparadas para enfrentar competição crescente.
Posteriormente, o acesso da China como membro da OMC (Organização Mundial do
Comércio), em novembro de 2001, seguido de mudanças, possibilitou ao país aproveitar a
oportunidade e os ganhos advindos de sua integração internacional. Como resultado do acesso
do país à OMC, importantes reformas foram realizadas, como a substancial redução de tarifas
e o desmantelamento de barreiras não tarifárias, promovendo a melhora do acesso ao mercado
internacional.
Como consequência da adesão da China à OMC, os fluxos do comércio internacional e
de capitais chineses cresceram rapidamente, com exportações e importações crescendo
fortemente, assim como sua participação no comércio mundial (Gráfico 22), além do
crescente volume de entrada de IDE para o país (Gráfico 11).
Entre 2003 e 2005, apenas, as exportações e importações chinesas cresceram,
respectivamente, 32,8%, e 31,1%, alcançando quantias em dólares muito expressivas, como
por exemplo, em 2005, US$ 762,6 bilhões em exportações e US$ 660,2 bilhões em
importações. O montante continuou a crescer e, em 2010, esses valores já alcançavam os
U$ 1,58 trilhões em exportações e US$ 1,39 trilhões em importações.
O grau de abertura30 da economia chinesa (Gráfico 23), o qual, em 1970, era de pouco
mais de 17% do PIB, saltou para mais de 30%, em 1988, e para quase 45%, em 2000, a partir
de quando passou a ter um crescimento acentuado, alcançando o valor de pico de mais de
70% do PIB em 2006, quando teve forte queda, até 2009 – reflexo da crise financeira
internacional que se acentuava – para novamente voltar à trajetória ascendente, a partir
daquele mesmo ano. Fica evidente, então, o crescimento da importância do setor externo, para
a economia chinesa, ao longo do tempo, bem como de seu impacto no crescimento e na
dinâmica do comércio internacional31.
30
Grau de abertura ou coeficiente de abertura é definido como a participação do comércio de mercadorias
(exportações e importações) de um país no seu PIB, ou, em termos matemáticos,
Coeficiente de abertura = (X+M)/Y.
31
Para uma análise detalhada e rica sobre a influência da China na economia, comércio e mercados globais, ver
Garnaut; Song et al. (2007), Gaulier; Lemoine; Ünal-Kesenci (2007).
97
32
Gaulier; Lemoine; Ünal-Kesenci (2007, p. 211) citam alguns dos autores de tais estudos.
99
33
Os dados contidos nesse parágrafo são de Gaulier; Lemoine; Ünal-Kesenci (2007, p. 221).
100
de bens finais da região. Essas mudanças seriam cruciais não só para o futuro da economia
asiática, como também da economia mundial.
reforma foi reativo e deslocado, mais do que regular”, apesar de o mesmo Naughton (1996a,
p. 23, tradução nossa), mais adiante, afirmar que, no longo prazo, “o padrão da reforma foi
moldado mais por condições econômicas e pela interação entre economia e política do que foi
por ideologia ou política.”.
Para Naughton (1996a), o processo de reformas implementado na China não constituiu
uma estratégia de reforma econômica, pois – considerando-se que estratégia econômica
implica no estabelecimento consciente da sequência de reformas a serem empreendidas ou, ao
menos, na definição de alguns princípios sob os quais futuras contingências terão respaldo –
esse definitivamente não foi o caso chinês. Ao mesmo tempo, isso não quer dizer que as
reformas na China não tiveram, em determinados momentos, certo comprometimento com
uma específica estratégia de reforma. A abordagem da reforma econômica pela China é
descrita, por ambas as escolas citadas, como tendo sido dual-track, ou seja, a partir de 1978,
com o início das reformas, passou a vigorar, na economia chinesa, dois caminhos: um do
mercado e outro do planejamento. A convivência paralela entre esses dois mecanismos de
coordenação (mercado e planejamento) foi aumentada, ao longo do tempo, seguindo o ritmo
de aprofundamento e dilatação do processo de reformas, nas variadas esferas econômicas,
desde as reformas agrícolas, passando pelo estabelecimento das ZEEs, da reforma industrial,
dentre outras.
O elemento geral distintivo da reforma econômica empreendida na China, portanto,
argumenta Naughton (1996a), adveio da interação entre a política governamental e os
resultados não-previstos da mudança econômica, resultando, quase sempre, em substancial
coerência ex post. Assim, muito embora o curso das reformas não tenha seguido,
sistematicamente, uma estratégia de desenvolvimento econômico ou blueprint (PERKINS,
1988) previamente definida, a sucessão gradual e cumulativa de reformas econômicas é
considerada, pelos membros da escola experimentalista, como bem sucedida, em seus
resultados econômicos, transformando a economia chinesa.
O principal ponto de divergência entre as duas escolas abordadas se dá sobre a
efetividade da “estratégia” dual-track, adotada por aquele país. Os experimentalistas
acreditam que o bom desempenho da economia chinesa se deveu ao caráter dual-track da
107
economia, a partir das reformas empreendidas em etapas, de modo gradual e cumulativo 34,
enquanto a economia crescentemente se abria às forças de mercado domésticas e às
oportunidades, criando, assim, instituições inovadoras que, sob propriedade e planejamento
estratégico estatais, impulsionaram a atividade econômica no país e seu crescimento
econômico. Desse modo, segundo os experimentalistas, a China demonstrou a viabilidade, a
partir do sucesso econômico de sua “estratégia”, de se implementar uma transição econômica
progressiva, contrariando o argumento daqueles que defendem que a reforma econômica para
países com economias em transição deveria ser feita de modo rápido e descontínuo 35.
Comparativamente, portanto, esse seria o principal motivo pelo qual a China obteve melhores
resultados econômicos que outros países, com economias em transição, mas que adotaram
reformas big-bang, como a Polônia.
Em contraposição, a escola convergente discorda da importância da reforma dual-
track, adotada pela China, afirmando que, apesar do êxito econômico obtido em muitas das
reformas implementadas, este não é consequência das inovações institucionais criadas, mas
sim, em grande medida, de essas instituições terem sido permitidas convergir para aquelas de
economias de mercado não-socialistas. Neste sentido, assegura-se que a estrutura
economômica chinesa, no início das reformas, é um dos principais motivos do seu rápido
crescimento econômico, apesar das reformas graduais36 (WOO, 1999). Ademais, afirmam que
o caráter gradual das reformas econômicas apenas fizeram e fazem protelar importantes
34
Nesse ponto, o fato de se dizer que o caráter da abordagem da reforma econômica, pela China, tenha sido
gradual ou incremental, não significa que o ritmo de implementação das reformas tenha sido lento, muito menos
seus resultados. Antes, o que se pretende é marcar a distinção entre o “modo chinês de reforma” e o modelo big
bang, sugerido pelo mainstream economics, para os países de economias em transição.
35
Essencialmente, os experimentalistas divergem da abordagem para a reforma econômica de países com
economias em transição chamada big-bang, preferida pela escola convergente. Genericamente, estratégias big-
bang baseiam-se no binômio “abertura-desregulamentação”, o que supõe melhoras da qualidade do sistema de
preços – removendo-se, para isso, controles de preços, e adotando-se a conversilbilidade da moeda – além da
recomendação de ampla privatização dos setores produtivos domésticos. Segundo os experimentalistas, a
adoção, pela China, de estratégia divergente da big-bang, deveu-se aos altos custos de ajustamento de curto-
prazo para a economia, envolvidos nessa estratégia, inclusive os de ordem política (NOLAN, 2004). Assim, de
modo a minimizar importantes choques de curto-prazo, com consequentes custos econômicos, políticos e sociais
altos, a China adotou estratégia de reforma econômica peculiar. Mas há ainda mais custos a considerar nas
estratégias radicalmente liberais, tipo big bang. Para um relato, cf. Toye (2003).
36
Por esse motivo, afirmam os convergentes, qualquer tentativa de generalização e aplicação da mesma
abordagem de reforma chinesa, para outras economias em transição, seria vã. Essa hipótese é definitivamente
rechaçada pelos experimentalistas, que defendem o contrário, isto é, a mesma abordagem gradual da reforma
econômica chinesa pode e deveria ser adotada por economias em transição, com sucesso.
108
medidas para a economia chinesa, como um todo, além de gerar novas tensões (SACHS;
WOO, 1997).
Para os convergentes, ainda, o fato de a economia chinesa, ao longo do tempo, ter
buscado harmonizar suas instituições mais com aquelas de economias de mercado e não tanto
buscado inovar em termos institucionais, atesta sua tendência em harmonizar-se
economicamente com as economias de mercado não-socialistas em vez de buscar, como meio
e fim, outras inovações distintas.
Há, na literatura, muitas outras avaliações sobre as causas do sucesso econômico
chinês, pós-reformas econômicas, além da visão das duas escolas até aqui analisadas.
Headey et al. (1998), num esforço de reunir as diversas versões ou teorias sobre o
crescimento econômico chinês pós-reforma, dividem-nas em dois grandes corpos de literatura
que procuram explicar as causas da excepcionalidade deste desempenho econômico. O
primeiro deles é composto por estudos quantitativos (YUEH, 2013; LIN, 1992; SACHS,
WOO, 2003) e que, na maioria das vezes, decompõe o crescimento econômico chinês em
termos de trabalho, capital, tecnologia e/ou componentes de mudança estrutural. Muitos
desses estudos quantitativos atribuem às mudanças institucionais, desde o início das reformas,
as principais fontes de crescimento econômico chinês.
Nesse primeiro corpo de literatura, portanto, são enfatizados como principais fontes do
crescimento econômico chinês: (i) o realinhamento da economia de encontro às suas
vantagens comparativas; e (ii) a importância dos incentivos. No que diz respeito a (i),
argumenta-se que o rápido crescimento econômico chinês, desde a reforma, deve-se,
essencialmente, ao realinhamento da economia chinesa, de uma estratégia errada, qual seja,
com foco no desenvolvimento da indústria pesada, para uma estratégia de desenvolvimento
econômico de acordo com suas vantagens comparativas, ou seja, em direção a setores mais
trabalho-intensivos. Assim, afirma-se que as reformas econômicas na China, à medida que
alocaram mais eficientemente trabalho e capital, contribuíram grandemente para impulsionar
a eficiência econômica do país, reiterando a importância da adesão às vantagens comparativas
na criação de crescimento baseada em atividades econômicas trabalho-intensivas e orientadas
para as exportações.
Para Headey et al. (1998), entretanto, essa explicação tem dois problemas. Primeiro, as
vantagens comparativas são quase sempre indentificadas ex post, ou seja, depois de o evento
relevante ter acontecido, não sendo, em geral, algo que se define previamente à
implementação de reformas. Segundo, essa análise não explica ou detalha o processo de
transição bem sucedida da China, já que, igualmente, outras economias da América Latina e
109
África, no final da década de 1970, também tentaram mover suas economias de setores
capital-intensivos para atividades mais trabalho-intensivas, mas sem sucesso minimamente
comparável ao chinês.
Com relação ao item (ii), ou à importância dos incentivos, defende-se que a instituição
de mudanças, como o sistema de responsabilidade familiar, na reforma do sistema agrícola,
assim como, posteriormente, as reformas no setor empresarial estatal, com a implementação
do sistema de responsabilidade empresarial e gerencial, ao aumentar o poder discricionário de
seus principais integrantes e condicioná-los ao binômio “desempenho-recompensa”, forneceu
combustível, em forma de incentivos, para a obtenção de resultados econômicos
crescentemente positivos. A descentralização realizada dentro do governo chinês, ao
implementar importantes reformas fiscais, também é considerada uma importante variante da
explicação que considera os incentivos importantes na determinação do crescimento
econômico chinês, condicionando os agentes políticos ao conhecido binômio “desempenho-
recompensa”, pelos motivos já explicitados no capítulo anterior.
O segundo corpo de literatura, assim considerado por Headey et al. (1998), afirma que
três foram os princípios ou “estratégias” que regeram a tomada de decisões dos reformadores
econômicos: (i) reformas na margem (ou dual-track); (ii) experimentação e aprender fazendo
(learning by doing); e (iii) pressão, como catalisadora para a reforma econômica. De modo
geral, considera-se que essas estratégias serviram para, simultaneamente, promover o
aprendizado econômico e superar a resistência política à reforma, vale dizer, seu papel
econômico teria sido o de promover a auto-descoberta, em face à incerteza, fazendo uso, para
o avanço das reforças, da pressão causada pela previsão de um cenário global para a economia
chinesa de fracasso econômico, seguido de disrupção social e política. As explicações dadas
por esses itens (i), (ii) e (iii) são compartilhadas, em geral, por todos os autores da escola
experimentalista, como visto.
Como qualquer país, a economia chinesa tem aspectos únicos, mas talvez o fato de ser,
ao mesmo tempo, uma economia em transição e em desenvolvimento, constitua a principal
razão do “paradoxo chinês”.
Como já visto nos capítulos anteriores, com as reformas econômicas, uma maior
orientação da economia chinesa para o comércio externo foi dada, primeiramente, com as
ZEEs, as quais gozavam de privilégios especiais, inclusive cambiais, para fomentar seu
desempenho exportador. Mais adiante, a partir de 1992, o país experimentou uma rápida e
volumosa entrada de IDE na sua economia, em busca de acesso ao mercado chinês e a
extensos incentivos, tendo que se associar, na forma de joint-ventures ou investindo em
110
exportações brutas, isto é, quando não levado em conta o conteúdo das importações e da
demanda doméstica, alcançaria um terço. Em outras palavras, afirma-se que a dependência do
crescimento chinês com relação às exportações tem sido bastante significativa, apesar do alto
conteúdo de importações de suas exportações.
Ainda segundo Akyüz (2010), estimativas dão conta que, entre 2004 e 2007, mais de
60% das importações chinesas foram usadas direta ou indiretamente nas suas exportações,
contra 15% das importações para consumo doméstico, evidenciando que a China ainda se
mantém muito fechada a importações, exceto para a realização de exportações e investimentos
orientado para estas. Parte dessa discrepância provém do fato de a parcela dos salários na
renda nos setores exportadores do país ser bem menor do que aquela na economia como um
todo, assim como é maior a parcela dos lucros nos setores exportadores, comparativamente a
outros setores da economia. Enquanto dois terços do valor adicionado nos setores
exportadores vão para os lucros brutos, menos de um quinto desse valor vai para os salários.
Como resultado, o multiplicador do consumo sobre a renda gerada nos setores exportadores
chineses é bem menor do que no resto da economia.
A partir de uma análise de tabelas de insumo-produto, He e Zhang (2010) concluem
que a dependência da China das exportações é menor do que mostrada pelos indicadores
convencionais. Ademais, eles acrescentam que, embora as exportações tenham, de algum
modo, levado ao crescimento dos investimentos no país, não há evidências suficientes de que
tenham impulsionado, significativamente, o consumo doméstico na China. Desse modo, He e
Zhang (2010), assim como Akyüz (2010), sugerem uma distribuição desigual entre os ganhos
do comércio, entre produtores e consumidores, em detrimento desses últimos. Do lado da
oferta, por sua vez, os resultados apresentados por He e Zhang (2010) indicam que a
contribuição das exportações para o crescimento econômico é melhor compreendida a partir
de seu papel na promoção do crescimento da produtividade total dos fatores – cujos ganhos
foram obtidos a partir das reformas relacionadas às exportações, principalmente, anteriores à
entrada da China na OMC – do que no seu impacto sobre a demanda doméstica, através do
multiplicador.
Fortalecer a demanda doméstica, considerada por muitos como a principal medida
rumo a uma trajetória de crescimento econômico de longo prazo sustentável, para a economia
chinesa (XIAO, 2008; AKYÜZ, 2010; HE e ZHANG, 2010; YUEH, 2013), não supõe o
abandono do enfoque dado pelo país às exportações ou aos investimentos. Antes, como
afirmam He e Zhang (2010), é possível e desejável que o crescimento seja alcançado em
112
Como já visto, no final da década de 1970, a economia chinesa, devido à sua estratégia
de crescimento econômico centrada no desenvolvimento da indústria pesada, enfrentava
grandes desequilíbrios estruturais entre os setores de sua indústria, além de falta de incentivos
para trabalhadores e produtores, e má alocação dos recursos entre os setores econômicos.
Com isso, o setor industrial de bens de consumo e o setor agrícola foram negligenciados,
tendo reduzida sua produtividade e participação no produto total da economia. O desemprego
elevado, nesse contexto, era também reflexo dos desequilíbrios econômicos setoriais e das
distorções criadas pela estratégia de crescimento econômico adotada até então.
Com a insustentabilidade, pelos mais diversos motivos, da manutenção do modelo ou
estratégia de desenvolvimento de economia de comando totalmente centralizada, a China viu-
se diante da iminente necessidade de reorientação econômica (não apenas a China, mas vários
dos demais países que, assim como ela, passaram a constituir os chamados países com
economias em transição – NOLAN, 2004). Diante do renovado desafio, qual fora, o de
perseguir o crescimento e desenvolvimento econômicos, o governo chinês precisou reformar
seu sistema econômico, iniciando esta reorientação, em 1979. As reformas econômicas
implementadas na China, sinteticamente apresentadas no capítulo anterior, conduziram a
inovações institucionais e produziram profundo impacto e resultados positivos na estrutura
econômica como um todo do país, à época e ao longo dos anos seguintes, sobretudo nos
setores industrial e agrícola, quando se intensificaram e dilataram seu escopo e abrangência.
O resultado, ao longo do tempo, produzido pelo movimento de reforma econômica
estrutural na China, é bem conhecido: taxas de crescimento econômico sustentadamente altas,
assim como dos índices de formação bruta de capital fixo, poupança bruta nacional, ingresso
de IDE, melhora de índices sócio-econômicos, com redução maciça do número de pobres e
miseráveis no país, elevados superávits comerciais e no Balanço de Pagamentos, obtenção de
elevados montantes de reservas internacionais, além do alcance de múltiplos objetivos de
política econômica.
Assim, pode-se dizer que a nova estratégia de crescimento econômico adotada pelo
país, a partir das reformas empreendidas, foi bem sucedido, ao promover o crescimento do
113
inclusive o Brasil. Essa, portanto, deve ser uma nova e promissora característica do modelo
econômico chinês, promotora de crescimento econômico.
37
De acordo com Bresser-Pereira e Gala (2012), duas são as fontes da tendência estrutural de apreciação da
moeda nacional de economias emergentes: (i) a doença holandesa; e (ii) o fato de lucros e/ou juros de mercado
serem mais elevados nos países em desenvolvimento. Assim, enquanto a doença holandesa (ou “maldição dos
recursos naturais”) provoca uma primeira sobrevalorização do câmbio, os fluxos de capitais atraídos pelas taxas
de lucro e de juros, continuam a apreciá-lo, até que se alcançam déficits em conta-corrente.
120
sintomas de instabilidade macroeconômica que, por sua vez, afeta direta e negativamente o
crescimento econômico de longo prazo.
Na transformação estrutural da economia chinesa, segundo o modelo proposto nesse
trabalho, a administração do câmbio nominal, como instrumento de política macroeconômica,
desempenhou um papel macroeconômico estabilizador imprescindível e, a partir disso, criou
as condições para um ambiente econômico propício ao crescimento expressivo dos
investimentos em capital fixo, do crescimento da produtividade total dos fatores, da expansão
rápida e crescente das exportações e das reservas internacionais, assim como a melhora geral
de seus indicadores macroeconômicos e sociais.
Mais do que a adoção de uma política cambial adequada e impulsionadora da
estabilidade macroeconômica e do crescimento do produto e do emprego, o regime
macroeconômico, ou o conjunto das políticas macroeconômicas domésticas adotadas de
forma coerente e coesa pela China, sustentaram o círculo virtuoso de crescimento e
transformação econômica, que tem feito o desempenho econômico chinês ser tão bem
sucedido e relativamente estável.
Desta forma, o objetivo da política econômica, que deve ser considerado de forma
ampla, como o alcance da estabilidade macroeconômica, engloba não apenas a estabilidade de
preços, mas inclui o crescimento econômico sustentado, a estabilidade financeira e a
estabilidade de preços (OREIRO; PAULA, 2012). Esse objetivo, portanto, vai muito além da
adoção de uma ou outra política econômica ótima, requerendo um conjunto de políticas
econômicas coordenadas, para o alcance de múltiplos objetivos macroeconômicos e, com
isso, a estabilidade macroeconômica.
O exemplo bem sucedido, até o momento, do modelo econômico chinês, portanto,
parece demonstrar a importância de objetivos macroeconômicos múltiplos, assim como o uso
de políticas e instrumentos macroeconômicos diversos e coordenados, para o alcance da
estabilidade e do crescimento econômicos de longo prazo.
Em alguma medida, a estabilidade da taxa de câmbio chinesa, em conjunto com a
existência de controles nos fluxos de saída de capitais, tem garantido ao país a obtenção de
múltiplos objetivos de política econômica, desde seu isolamento a crises financeiras e seu
forte desempenho exportador, às baixas taxa de juros e inflação. Apesar disso, esse é apenas
um dos aspectos do crescimento econômico chinês que, como visto, tem diversas outras
importantes fontes.
121
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O notável desempenho econômico chinês, alcançado nas últimas três décadas, a partir
da implementação de reformas estruturais em sua economia, a partir de 1978, logrou a
melhoria de muitos de seus índices sociais e macroeconômicos, com considerável estabilidade
econômica e social.
A abordagem da China para sua reorientação e reforma econômica não foi
convencional, ou seja, ela não adotou uma reforma do tipo big-bang, como fizeram outras
economias em transição. Antes, o seu caráter distintivo reside naquilo em que inovou, isto é,
na adoção de reformas dual-track e no seguimento das políticas a partir das consequências
previstas e não previstas da mudança econômica, em grande medida por elas causada, de
modo experimental
Desse modo, a partir de reformas estruturais em setores-chave da economia, como o
setor agrícola e industrial (estatal e privado), novas mudanças e reformas econômicas
estruturais foram feitas e ampliadas, com o passar do tempo, melhorando tanto os incentivos a
trabalhadores e empresários e a gestão microeconômica, quanto a alocação de recursos entre
os setores na economia, superando, progressivamente, uns dos grandes problemas para o
crescimento econômico causados pela adoção de uma estratégia anterior equivocada, centrada
na indústria pesada.
Nesse processo de reorientação econômica, o papel do Estado chinês foi fundamental,
seja fazendo política industrial, corrigindo falhas de mercado, realizando importantes
reformas econômicas, preservando bons fundamentos econômicos, além de adotando medidas
gerais de estímulo à atividade econômica.
A administração da política econômica chinesa, de forma coordenada, coerente e
coesa, a partir do uso de um instrumental de política com objetivos múltiplos, tem permitido
ao país obter significativa estabilidade macroeconômica, objetivo de política econômica mais
amplo do que , por exemplo, a mera estabilidade de preços.
Nesse sentido, a política cambial chinesa, ao administrar a taxa de câmbio nominal,
em conjunto com o estabelecimento de controles nos fluxos de capitais, tem garantido ao país
proteção contra crises financeiras, um forte e perene desempenho exportador, baixas taxa de
juros e inflação, exercendo importante papel na promoção da estabilidade macroeconômica
daquele país, contribuindo, assim, como previsto na literatura, para o crescimento da
produtividade total de fatores e dos investimentos em capital fixo e, consequentemente, ao
crescimento de longo prazo do produto.
122
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