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POLÍTICAS SOCIAIS NO MEIO RURAL: A CONQUISTA DO PROGRAMA

NACIONAL DE HABITAÇÃO RURAL

Andréa Fão Carloto1


Carima Atiyel

RESUMO: O trabalho tem como objetivo apresentar, a partir de uma perspectiva histórica, alguns
elementos norteadores que permitem discutir o papel das políticas sociais, trabalhando especialmente a
demanda por moradia digna, no meio rural, em um contexto de mudanças, onde estruturam-se as
relações entre o Estado e a sociedade. Três pontos serão salientados na discussão: a compreensão
de direitos humanos, enquanto construção histórica e social; o segundo refere-se à necessidade de
desenvolvimento social no campo, propulsor para a produção de mudanças capazes de responder as
necessidades da população rural; e em um terceiro momento serão apresentadas as experiências de
implantação do Programa Nacional de Habitação Rural.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Humano à moradia; Movimento dos Pequenos Agricultores;
Programa Nacional de Habitação Rural.

INTRODUÇÃO

O presente estudo aborda o eixo temático intitulado “Direitos Humanos, lutas e


políticas sociais” tendo como intuito trabalhar o direito humano à moradia no meio rural,
tecendo reflexões a cerca do papel dos movimentos sociais, mais especificamente tendo por
base a experiência do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no Rio Grande do Sul,
frente a luta pela conquista e desenvolvimento de ações voltadas a essa demanda.
Dessa forma, pretende-se trazer aqui alguns elementos para o debate abordando
reflexões a cerca de três aspectos centrais. O primeiro diz respeito a concepção de direitos
humanos aqui utilizada, bem como faz-se necessário compreendermos as políticas públicas
como elementos fundamentais para a materialização dos direitos então positivados. Tendo
por base essas reflexões pode-se discorrer, em um segundo momento, a cerca da
necessidade de desenvolvimento social do campo, fato que apresenta-se como uma
demanda latente historicamente construída, alicerçando diversas lutas sociais neste espaço,
impulsionando também o surgimento do Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR).
Esse Programa e as experiências de sua implementação apresentam-se como a terceira etapa
do presente trabalho.
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Universidade Federal de Santa Maria. andreafcarloto@hotmail.com
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OBJETIVO

Discorrer sobre a contribuição dos movimentos sociais, em especial do Movimento


dos Pequenos Agricultores para a conquista do direito à moradia no meio rural e a sua
materialização pelo Programa Nacional de Habitação Rural.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A escolha do método para a realização deste trabalho decorre de “[...] determinada


posição (perspectiva) do sujeito que pesquisa: aquela em que se põe o pesquisador para, na
sua relação com o objeto, extrair dele as suas múltiplas determinações” (NETTO, 2011, p.53).
O método do materialismo histórico e dialético, aqui utilizado, foi elaborado por
Marx, quando ele “[...] empreendeu a análise da sociedade burguesa, com o objetivo de
descobrir a sua estrutura e a sua dinâmica” (NETO, 2011, P.18). A partir dessa análise, Marx
foi determinando e construindo um método de conhecimento, para dar conta da realidade
social estudada. Seu método unifica a dialética de Hegel (invertida-parte do concreto e não do
ideal do que seria este concreto) e o materialismo de Feuerbach (re - trabalhando também sua
relação entre real e ideal), rompendo com o idealismo e com a naturalização acerca da
realidade social.
Assim, este estudo, pautado pelo método do materialismo histórico e dialético “[...] de
investigação considera um conjunto, um todo concreto e procura descrevê-lo” (PRATES,
2000, p. 140), exprimindo o caminho metodológico através de aproximações sucessivas da
realidade.
Na proposta evidenciada iremos realizar estudos e interpretações baseados na pesquisa
qualitativa, pois: [...] ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das
adaptações, das crenças, dos valores e das atitudes. (MINAYO, SOUZA, 2011, p.21). Iremos
desenvolver uma pesquisa qualitativa, com delimitações e definições coesas ao longo do
estudo, objetivando a singularidade das intervenções realizadas, caracterizando-se através
da descrição da realidade observada em todo contexto envolvido.

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Neste estudo, utilizaram-se diversas fontes: livros, revistas, artigos, teses,
monografias, para uma melhor compreensão do objeto em estudo.

DIREITOS HUMANOS: UMA CONSTRUÇÃO SÓCIO HISTÓRICA

Tendo em vista que evidenciam-se hoje muitas leituras e várias concepções em disputa
na sociedade a cerca da temática Direitos Humanos, considera-se de fundamental importância
esclarecer o entendimento que embasa o presente estudo. Assim, aqui, entende-se que os:

[...] direitos são construção histórica, produtos da vida em sociedade, da luta existente entre
classes e/ou segmentos sociais pela conquista de seus interesses. São resultados de
processos concretos de disputa, não dádiva divina ou premissa estabelecida previamente
para a vida dos indivíduos sociais (RUIZ, 2013, p.78)

Tendo clareza dessa perspectiva de entendimento a cerca da temática, deve-se atentar


para a compreensão de que este processo histórico não se apresenta de forma evolutiva linear
e/ou isento de conflitos. Pelo contrário, faz-se necessário compreender que é um processo
repleto de tencionamentos e resistências apresentando, por vezes, avanços e conquistas, e
que por vezes também está sujeito a recuos e retrocessos (BRITES, 2013).
A trajetória dos Direitos Humanos data dos séculos XVII e XVIII, com a emergência
da burguesia revolucionária. Podemos dizer que: “O capitalismo e sua classe dirigente
cumpriram um papel histórico revolucionário: foram, há dois séculos, alavancas que
impulsionaram a humanidade para além do feudalismo e do absolutismo” (p.28). A burguesia,
nesse período, bebeu nas fontes do direito natural, positivando os direitos civis e políticos,
também conhecidos como direitos individuais, considerados inerentes à pessoa humana. Isso
demonstra o empenho desta classe em transformar a sociedade visando atender aos seus
interesses.
Com o passar do tempo, no decorrer dos próximos séculos – XIX e XX – fica evidente
que “[...] passaram – o capitalismo e a burguesia – a cumprir a função de entraves à busca
humana por liberdade e igualdade reais (não apenas jurídico-formais) e pela sobrevivência
com dignidade para todos” (TRINDADE, 2013, p. 28). Baseado nisso, que nesses séculos,
começam a emergir os direitos sociais e econômicos embalados pela efervescência das lutas
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operárias. As primeiras conquistas populares desse período manifestaram-se na área
trabalhista. Pode-se dizer que os direitos sociais e econômicos, por sua vez não tiveram a
mesma efetividade prática garantida, sua implementação foi subalternizada, tendo em vista
que estes não atendem os interesses da classe dominante como os citados anteriormente.
Já no final do século XX, acompanhando os direitos já estabelecidos surgem os “[...]
chamados direitos dos povos ou da solidariedade (meio ambiente, biodiversidade etc.) e os
direitos ligados à comunicação e à democratização das informações” (FORTI, 2013, p. 33).
Todos esses direitos por sua vez foram e ainda hoje são implementados de distintas
maneiras, com intensidade diferenciada de acordo com as mais diversas realidades locais.
Mesmo que eles tenham sido positivados ao longo dos tempos, através de instrumentos como
as declarações, tratados e constituições, tendo como principal marco a Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948, faz-se de grande relevância salientar a relação de
complementariedade existente entre estes direitos, o que “[...] faz com que possam ser
compreendidos como direitos humanos e assim sejam chamados, independente das
diferenças de períodos históricos e das condições de origem de cada um deles” (FORTI,
2013, p. 33).
Tendo por base essa exposição de caráter temporal pode-se observar que os Direitos
Humanos são uma construção social histórica, porém salienta-se aqui que estes direitos não
devem se sobrepor, não devendo ser encarados como “gerações” de direitos, como
muitos autores defendem, e sim como “dimensões” “[...] todas sendo consideradas de igual
importância para a dignidade da pessoa humana” (TRINDADE, 2013, p.23). Apesar de
defender-se essa percepção aqui, e também em diversos espaços da academia, ela ainda não se
apresenta como uma prática concreta expressa majoritariamente no cotidiano da sociedade.
As lutas históricas inscritas na produção e reprodução das relações sociais
impulsionam a positivação dos Direitos Humanos que apresenta-se diretamente atrelada a
necessidade de implementação de mecanismos/ações práticas para dar conta das necessidades
incitadoras do conflito. Assim, chega-se ao foco deste estudo, as políticas sociais:

“[...] as políticas sociais podem ser entendidas como um instrumento útil, como uma
mediação para transformar as lutas de classe, ou, melhor dizendo, os elementos conflitivos
e manifestos delas, convertendo-as num elemento de pacto entre classe opostas”
(PASTORINI, 1997, p. 91).

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Observa-se que as políticas sociais diferem de acordo com o tempo e o espaço. Com o
surgimento dos Direitos Sociais, trilha-se o caminho, mesmo que longo e moroso, para
o surgimento de práticas diferenciadas das anteriores no âmbito social, que mostravam-se
exclusivamente punitivas e repressivas. Pode-se dizer que a partir daí as políticas sociais
propõem uma nova forma de enfrentamento, constituída em meio a um processo conflituoso,
fruto de uma relação múltipla “[...] que envolve ao menos três sujeitos protagônicos: as
classes hegemônicas. O Estado intermediador e hegemonizado pelas classes dominantes e as
classes trabalhadoras e subalternas como beneficiários das políticas sociais” (PASTORINI,
1997, p. 86). Tendo por base essa perspectiva que envolve diretamente a luta de classes como
alicerce das políticas sociais buscar-se-á entender os camponeses como sujeitos agentes do
processo de construção da política social, e materialização do direito a moradia digna,
implementada por meio do Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR).

MOVIMENTOS SOCIAIS E O DIREITO À MORADIA

No intuíto de facilitar o entendimento a cerca da insersão do MPA, que


identifica-se como um movimento camponês, no cenário da luta de classes, trabalhar-se- á de
forma sintética o conceito de campesinato.
O surgimento do campesinato como grupo social acompanha a história da
humanidade, participando, coexistindo e resistindo em todos os tipos de sociedade. No Brasil
o campesinato demonstrou sua resistência ao modelo concentrador aqui implantado que mais
tarde beneficiou em larga escala o sistema capitalista. Dessa forma:

A agricultura brasileira traz a marca, a presença e a resistência de outros sujeitos,


abrigados no conceito de “camponês”, que não tem uma característica comum e
natural, mas recolhe a peculiaridade de cada época histórica, revelando, em suas ações ou
passividades, as relações sociais, políticas e culturais estabelecidas através das lutas pela
criação e recriação de sua vida (CADONÁ, 2004, p. 23).

Assim, compreende-se camponeses como: “[...] trabalhadores e trabalhadoras da terra,


não se confundem com latifundiários, fazendeiros, senhores e outros setores que mantém a
terra, muitas vezes, apenas em vista da especulação” (CADONÁ, 2004, p. 25).
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Trazer esse conceito de campesinato torna-se oportuno para facilitar a compreensão a
cerca do papel e da posição que esses sujeitos ocupam no cenário histórico do meio rural
brasileiro, o que é explanado a seguir.
No decorrer do tempo, devido ao avanço do capitalismo, as cidades assumiram grande
destaque na produção econômica e passaram a concentrar a maioria da população
brasileira, instigando a população do campo a migrar para as cidades em busca de inserção no
mercado de trabalho. Essa é a expressão do projeto de afirmação e expansão capitalista, a
partir da mudança do modelo agrário-exportador para urbano- industrial, como foco da
produção econômica (KRAEMER, 2006).
Diante disso, a população camponesa sofreu ainda mais, visto que quando o meio rural
não representava mais centralidade para a produção, caiu no “esquecimento” das políticas
públicas que vinham sendo desenvolvidas para dar conta, ainda que minimamente, das
necessidades da grande maioria da população.
Esse processo de “esquecimento” construiu-se com a expansão do capitalismo no
Brasil. O que ocorre, é que o capitalismo, no decorrer de seu desenvolvimento, apropria-se do
processo de urbanização, utilizando-o a seu favor. A partir daí, a centralidade urbana mostra-
se como essencial para o capitalismo, destacando-se como centro da produção no país, devido
à expansão da indústria. O urbano, então, começa a sua caminhada em busca da sobreposição
ao modelo agrário de produção e sustentação econômica que predominava no Brasil até o
início do século XX.
Esse “esquecimento” atingiu a área social, tendo em vista que “Os
investimentos em políticas sociais e de infra-estrutura de lazer, saúde, educação e
outras, foram e continuam sendo direcionados ao urbano, mesmo em municípios onde a
metade ou até mais da metade das pessoas vivem no campo [...](ARL, 2008, p. 161).
Consequentemente políticas que vinham sendo desenvolvidas neste meio foram reduzidas ou
quase extintas.
A demanda por moradia também é reflexo do processo de “esquecimento” social do
campo – construído historicamente – e que se materializa diretamente na realidade
socioeconômica atual. Dessa forma, pretende-se abordar a política de habitação, tendo em
vista que moradia é um Direito Humano, e também assegurado, dentre os direitos sociais pela

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Constituição Federal de 1988, que expressou as reivindicações e as necessidades do povo
brasileiro, que vinham sendo pautadas pelos movimentos sociais e pela sociedade civil,
organizados em torno da conquista e ampliação de direitos civis, políticos e sociais, no
contexto da redemocratização do Estado.
Mesmo com a Constituição Federal de 1988 o direito a moradia só foi incorporado
diretamente no texto constitucional como direito social, no ano 2000, doze anos após a
promulgação da Constituição, através da Emenda Constitucional n° 26, o que ocasionou uma
relevante mudança de foco, assim a moradia “[...] deixa de ser apenas fruto da capacidade
econômica ou produtiva das pessoas. [...] o acesso à moradia passa a depender também do
Estado, que se apresenta como o principal responsável pela salvaguarda dos direitos sociais”
(PAGANI, 2009, p. 124).
A moradia digna “[...] não se resume ao simples acesso à unidade habitacional que o
indivíduo reside, vista essa unidade de forma isolada do contexto social que o cerca”
(PAGANI, 2009, p. 119). Assim, o direito à moradia pressupõe condições de habitabilidade
relacionadas basicamente a três fatores: infraestrutura; estrutura social; e mobilidade.
Proporcionando aos sujeitos condições de desenvolvimento.
Mesmo a moradia sendo assegurada constitucionalmente e trabalhada como política
pública, na área urbana desde a década de 1930, a demanda habitacional no Brasil ainda é
grande. Além disso, evidencia-se ainda que o meio rural ficou por muito tempo esquecido,
pois somente no final da década 1990, começaram a ser desenvolvidas ações nesta área.
A estratégia governamental de desenvolvimento e modernização agrícola aplicada no
Brasil ampliou políticas públicas de ordem econômica e com o passar do tempo, constatou-se
que estas não eram suficientes para a permanência das famílias nesse meio, sendo que muitas
vezes essas políticas inclusive favoreciam o êxodo rural. A partir daí entende-se que a
permanência das famílias no campo depende também do seu desenvolvimento, inclusão social
e mínimas condições de vida, dentre as quais a moradia digna (BOLTER, 2013).
Esse cenário acirrou-se durante a década de 1990, quando o referencial neoliberal
passou a ser disseminado no Brasil, estabelecendo-se na contramão do proposto pela
Constituição Federal de 1988, visto que nessa concepção os investimentos do Estado voltam-
se para o mercado em detrimento dos gastos com a área social (MONTAÑO, 2009).

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O MPA, constituiu-se neste contexto, “[...] nascido no campo da resistência contra a
expropriação e a exploração” (FERNANDES, 2003, p. 4). No final da década de 1990
ocorreram as mobilizações que impulsionaram o seu surgimento, em decorrência da
necessidade de mais políticas públicas governamentais voltadas aos pequenos produtores
rurais. Essas mobilizações, neste momento em especifico, decorreram de dois fatores, quais
sejam, a demanda de acesso ao crédito para os pequenos agricultores que enfrentavam o
arrojo das políticas neoliberais, além de, encontrarem-se assolados pela seca que atingia o Rio
Grande do Sul e Santa Catarina, em 1996.
A partir dessas reivindicações aconteceu em 1996 o denominado “acampamento da
seca” (MPA, 2013). Esse acampamento tomou proporções maiores que as esperadas, tendo
duração de três semanas, reunindo em seu ápice cerca de trinta mil pequenos agricultores.
Devido a proporção do ato, o governo não pôde ignorar a reivindicação. Assim, os
agricultores obtiveram como conquista, naquele momento, o “cheque seca”, um auxílio de
quatrocentos reais aos pequenos agricultores, o que na época equivalia a 3,5 salários mínimos
(CADONÁ, 2004).
Esse momento foi o grande impulsionador para o nascimento do Movimento dos
Pequenos Agricultores, daí surgiram as primeiras articulações dos pequenos produtores rurais,
consolidando-se como movimento social (CADONÁ, 2004).
Ao longo dos anos evidenciam-se várias conquistas do movimento como:

[...] a construção do próprio movimento, a recuperação e a afirmação do conceito de


campesinato e da identidade camponesa, a elaboração do plano camponês, a conquista do
crédito com subsídio em pleno desenvolvimento do neoliberalismo no Brasil, a conquista
do crédito de habitação para o campo, entre outras (MPA, 2013).

No ano 2000, acontece em Ronda Alta/RS, o primeiro Encontro Nacional do MPA.


Esse espaço apresenta-se como um divisor de águas visto que o movimento discute e organiza
suas bases. Atualmente o movimento está organizado em dezessete estados brasileiros e tem
como principais pautas as condições para produzir e para viver bem no campo (MPA, 2013).
Dessa forma, a partir do “[...] grande esforço de elaboração teórica a respeito do
campesinato: suas formas de ser, de viver e de produzir, o seu papel na sociedade, as suas
possibilidades e os meios necessários para tal” (MPA, 2012), resultou a elaboração de um
projeto estratégico. Esse projeto começou a ser debatido no Segundo Encontro Nacional do
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MPA, em 2003, sendo esse debate estendido por quase toda a primeira década do século XXI,
e ainda hoje sendo aprimorado. Esse projeto estratégico foi denominado Plano Camponês,
que:
Além de afirmar o campesinato como sujeito político, apresenta um conjunto de ações
econômicas, políticas e culturais que traduzem concretamente os objetivos do movimento:
produção de comida saudável e qualidade de vida no campo (MPA, 2013).

O Plano Camponês assenta suas bases em dois pilares: condições para produzir e
condições para viver bem no campo. A partir desses pilares centrais apresentam-se como
eixos do Plano Camponês: Produção; Educação/Formação; Qualidade de Vida; Comunidade
Camponesa; e Soberania Alimentar/Energética/Genética/Hídrica (MPA, 2012).
A moradia camponesa2, integrante do eixo Qualidade de Vida apresentou-se como a
primeira pauta nacional do MPA, ainda em 1998, dada a importância estratégica desta para
conter o êxodo rural (MPA, 2013). A moradia ganha destaque, nas reivindicações tendo em
vista que:

As ações, políticas e programas públicos de habitação até então existentes não conseguiam
ser acessados pelos pequenos e médios agricultores, visto que os mesmos não dispunham
das condições exigidas pelos programas habitacionais urbanos. Sendo a habitação um
fator central no processo de desenvolvimento e inclusão social das famílias, necessitava-
se encontrar alternativas viáveis para o problema (BOLTER, 2013, p. 97).

A primeira conquista do MPA, referente à habitação surge em 2002, com a construção


de 2.032 casas, espalhadas em mais de cem municípios do estado do Rio Grande do Sul
(MPA, 2013). Essas habitações foram construídas a partir de um projeto piloto no meio rural,
constituía uma parceria do governo estadual com as organizações sociais. Vale ressaltar que
essa foi uma conquista inédita para o campesinato, visto que: “Foi a primeira vez na história
do país que se construíram casas com recurso público nas comunidades camponesas
brasileiras” (MPA, 2013).
Em 2003, com base nessa experiência do Rio Grande do Sul, foi criado o Programa de
Habitação Rural (PHR), uma linha de crédito específica para a habitação rural, sendo este

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A moradia camponesa é compreendida como algo muito mais amplo que a unidade habitacional, tendo em
vista que somente essa unidade não garante a permanência das famílias no campo. Assim, trabalha-se a
questão da moradia na perspectiva de um conjunto de fatores que envolvem o cotidiano das famílias
camponesas, contemplando assim necessidades econômicas, ambientais e de qualidade de vida.
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vinculado ao Programa Nacional de Habitação. Durante a sua execução, as organizações
sociais apresentaram a necessidade de algumas alterações, principalmente no que tange ao
enquadramento dos beneficiários do Programa (BOLTER, 2013).
De acordo com o Relatório da Fundação João Pinheiro (2007), o déficit habitacional
no Brasil está em torno de 6.272.645 unidades habitacionais, sendo que destas 1.092.882
situam-se na área rural, dessa forma demonstra-se a necessidade de continuar expandindo o
processo de desenvolvimento rural que valorize a inclusão social e melhores condições de
vida para as famílias camponesas visando a permanência no campo.
Dadas às proporções do déficit habitacional no campo e as experiências ocorridas em
torno das reivindicações camponesas, canalizadas através das organizações sociais, a
habitação camponesa consolidou-se em 2009, como Programa Nacional de Habitação Rural
(PNHR):

[...] que passou a integrar o Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, junto à CAIXA
e ao Ministério das Cidades. Instituído pela Portaria Interministerial nº 326, de 31 de agosto
de 2009, com diversas alterações das proposições iniciais, o mesmo tem hoje como objetivo
principal financiar a construção, reforma ou ampliação da moradia dos agricultores
familiares (BOLTER, 2013, p. 100).

O Programa de abrangência em todo território brasileiro, visa atender “[...] a


população que vive no campo como os agricultores familiares e trabalhadores rurais, ou
pertence a comunidades tradicionais” (PMCMV, 2009). Tendo como público alvo as famílias
com renda bruta anual de até sessenta mil reais.
Para acessar ao Programa a população deve ser organizada por Entidades
Organizadoras – EOs. Essas são divididas em:

[...] de caráter público (prefeituras, governos estaduais e do distrito federal, e respectivas


companhias de habitação, quando houver), e de caráter privado como entidades
representativas dos grupos associativos (entidades privadas sem fins lucrativos, sindicatos,
associações, condomínios e cooperativas) (PMCMV, 2009).

Essas entidades organizadoras trabalham na seleção dos beneficiários e no


desenvolvimento dos projetos habitacionais, prestando contas aos agentes financeiros do
Programa (Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil). Até o final de 2011, o MPA como
Entidade Organizadora, através da formação da Cooper Hab já havia concluído a construção
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de 10.218 casas, distribuídas em nove estados, sendo que o Rio Grande do Sul destaca-se com
mais de 5.500 unidades habitacionais concluídas (MPA, 2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos apontamentos deste trabalho que inicialmente procurou traçar reflexões a
cerca dos Direitos Humanos, compreendendo estes como construção histórica, advinda das
lutas sociais. Salienta-se que os Direitos Humanos já existem positivados como normas
jurídicas, o que demonstra um avanço da sociedade, porém é importante dizer que ainda é
necessária muita luta para que esses direitos de fato sejam implementados no cotidiano
popular, tendo em vista, que a ordem vigente atualmente apresenta-se como um grande
obstáculo para que isso de fato aconteça, violando de diversas formas estes direitos e
impedindo a sua materialização e consequentemente a plena realização das potencialidades
humanas.
Evidencia-se também que o Capitalismo além de ser um entrave para a real efetivação
dos Direitos Humanos também contribuiu para o “esquecimento” social do campo, pois ao
apropriar-se da constituição das cidades, direcionando a centralidade econômica para o
meio urbano, que é tido como o centro da produção, consequentemente as políticas
públicas foram direcionadas para esse espaço atendendo as necessidades do capital.
Compactuando com isso, evidencia-se, ao longo da trajetória da política de habitação
no Brasil, que ela cumpre funções importantes para o desenvolvimento e sustentação do
sistema capitalista. Com isso, atende mais as necessidades da iniciativa privada (para quem
destina recursos) e das classes dominantes, capazes de pagar pelo acesso à moradia digna.
Enquanto isso, as necessidades da classe subalterna mostram-se cada vez maiores,
demonstrando a ampliação das desigualdades sociais, que se acirram devido à política
habitacional desenvolvida ao longo dos anos.
Constata-se que, ainda hoje, cerca de 70 anos depois dos primeiros indícios de
intervenção do Estado brasileiro na questão habitacional, o problema está longe de ser
solucionado. Pode-se analisar mais a fundo esta questão, com a tentativa de responder a
seguinte pergunta: Em que contribuiria para a acumulação capitalista a resolução da questão
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habitacional? Realmente parece não ser de interesse da classe hegemônica solucionar esta
questão, visto que esta necessidade rima de forma ampla com lucro, dado que a terra e o
direito de morar encaixam-se perfeitamente no mercado.
Mesmo assim podem-se apontar alguns avanços nesta área principalmente na esfera
institucional, com legislações e órgãos públicos criados para trabalhar com essa demanda.
Com isso, não se pode pensar que os movimentos sociais perderam ou esgotaram seu papel
de participação e tencionamento, nessa perspectiva, coloca-se como tarefa para a
população, continuar lutando por novos marcos jurídicos e também pela concretização real do
que já foi conquistado, visto que, muitas legislações não se materializam na prática, mesmo
após anos de sua regulamentação.
A conquista da PNHR representa um avanço significativo para população camponesa,
diante do seu histórico “esquecimento” social, porém, diante do déficit habitacional brasileiro,
evidencia-se que ainda há muito a ser feito para acabar com a demanda por moradia tanto na
cidade, quanto no campo. Devendo ser levado em consideração que o sistema capitalista
apropria-se das necessidades sociais, inclusive de moradia, acarretando a substituição desta
enquanto direito dos cidadãos, pela concepção de mercadoria. Assim, ocorre a sobreposição
da primazia da desigualdade social sobre a igualdade social. Visto que na sociedade
capitalista o direito à moradia digna é majoritariamente comprado pelo preço estabelecido no
mercado imobiliário.

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