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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

JULLY LIEBL
ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARIA JOSÉ CORACINI

REPRESENTAÇÕES DE LÍNGUA EM PROFESSORES


BRASILEIROS MIGRANTES: UMA QUESTÃO DE
IDENTIDADE

CAMPINAS
2008
JULLY LIEBL

REPRESENTAÇÕES DE LÍNGUA EM PROFESSORES BRASILEIROS


MIGRANTES: UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE

Monografia apresentada ao Instituto de Estudos da


Linguagem, da Universidade Estadual de
Campinas como requisito parcial para a obtenção
do título de Licenciado em Letras – Português.

Orientadora: Profa Dra Maria José Coracini

CAMPINAS
2008

i
AGRADECIMENTOS

À minha família, pelo apoio.

Aos amigos de São Bento, pelo incentivo.

Aos professores que tive na graduação e à minha turma.

Aos meus amigos do IEL e UNICAMP.

Às meninas e aos agregados da minha república, pelo ombro amigo.

Ao grupo das reuniões de quinta, pelas conversas, discussões e risadas. Em especial, ao


Daniel, amigo, companheiro de pesquisa, de turma e tantas outras atividades. À Lígia, minha
“segunda orientadora”, pelas “mãos de fada” e amizade. À Angela, pelo interesse na minha
pesquisa e valiosas sugestões. E à profa. Maria José Coracini, pela orientação, paciência e
convívio, sinto-me privilegiada por ter sido apresentada ao “mundo da pesquisa” por você.

E aos professores que concederam as entrevistas.

ii
“o peixe dentro da água não consegue saber o que é a água”
(trecho de uma entrevista que faz parte dos corpora)

iii
RESUMO

Neste trabalho, observamos, no dizer de professores de língua portuguesa, migrantes no


estado de São Paulo, quais são as representações de língua, de identidade nacional e quais são
as representações que eles têm de si mesmos,enquanto professores. Para isso, foram realizadas
análises de entrevistas informais e de redações escritas por professores migrantes. As teorias
que serviram como base para nosso estudo foram a análise do discurso, na tensão com a
desconstrução, a psicanálise e estudos sobre o conceito de identidade. Pretendemos, então,
contribuir para as discussões em Lingüística Aplicada no que tange à reflexão do ensino da
chamada língua materna (no caso do Brasil, o português), e, conseqüentemente, para a
formação de professores.

Palavras-chaves: Identidade – Discurso - Sujeito

iv
ABSTRACT

In this work we observed, based on Portuguese teacher discourses, what national identity and
language representations migrant teachers of São Paulo State have, besides their
representations of themselves, as teachers. In order to accomplish this task, informal
interviews and written compositions produced by these migrant teachers were analyzed. The
theories in which we based our study were the discourse analysis, in the tension with the
deconstruction, the psychoanalysis and studies related to the identity concept. Our aims are
therefore to contribute to the discussions, on Applied Linguistics, concerning mother
language teaching reflections (in the case of Brazil, Portuguese) and, as
a consequence, teacher training.

Key-words: Identity – Discourse - Subject

v
LISTA DE SÍMBOLOS

Símbolo: Indica:
E Entrevistado
R Recorte
/ Pausa
// Pausa longa
: Alongamento de vogal
Uso de letras maiúsculas Ênfase
[inc] Fala incompreensível

Símbolos usados na transcrição das entrevistas gravadas em áudio.

vi
SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO 1
2 – OBJETIVOS 4
2.1 - OBJETIVOS GERAIS 4
2.2 - OBJETIVOS ESPECÍFICOS 4
3 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 6
3.1 - IDENTIDADE E(M) DESCONSTRUÇÃO 6
3.2 - IDENTIDADE NACIONAL E LÍNGUA 7
3.3 - PROFESSOR (EM FORMAÇÃO) 8
3.4 - DIS(CURSO) 9
4 – METODOLOGIA 11
5 – ANÁLISES 12
5.1 – ENTREVISTAS 12
5.1.1 - Os entrevistados 12
5.1.2 - Eixos temáticos 12
5.1.2.1 - Eu e/ou você 12
5.1.2.2 - O outro e o corpo 15
5.1.2.3 – Hesitações 18
5.2 – REDAÇÕES 19
5.2.1 - Os autores 19
5.2.2 - Eixos temáticos 20
5.2.2.1 – Formação 20
5.2.2.2 – Exaltação 21
6 – CONCLUSÃO 25
REFERÊNCIAS 27

vii
1 - INTRODUÇÃO

Esta monografia é resultado do projeto de pesquisa que desenvolvi durante minha


graduação e das disciplinas intituladas “Investigação Científica”, que compõem o currículo de
Letras. Esta pesquisa foi realizada entre agosto de 2007 e julho de 2008 e se insere no projeto
de pesquisa da Profa. Dra. Maria José Rodrigues Faria Coracini "A suposta uni(ci)dade da
língua materna: entre a memória e o esquecimento", orientadora desta monografia, que teve
apoio financeiro, através de uma bolsa de Iniciação Científica, pelo PIBIC/CNPq (Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica).
O estudo na área do discurso e a realização do projeto foram motivados pelo meu
interesse na Lingüística Aplicada, pelo fato de ser migrante (nasci em Santa Catarina e moro
no estado de São Paulo há cinco anos), além do desejo de atuar como professora.
Em São Paulo, vivi algumas experiências que me fizeram questionar a concepção
vigente de que o Brasil é um país monolíngüe. Em alguns momentos, tive, e ainda tenho, que
explicar o significado de algumas palavras que são comumente usadas na região Sul e, por
isso, hoje, fico atenta para não usá-las (por exemplo: guria (menina), penal (estojo escolar),
apurar (apressar)), numa espécie de auto-censura. Além disso, quando comecei a conhecer as
pessoas com quem convivo hoje e a estudar francês, um aspecto da língua me chamou muito a
atenção: o uso dos verbos pronominais. Eu sempre perguntava: como você se chama?, mas
sempre ouvia: como você chama? Foi, na verdade, através da língua francesa, que faz uso do
pronome (Comment tu t’appelles?), como os falantes do sul, que me dei conta da diferença
lingüística, ou melhor, que notei o “estranhamento”.
Outro exemplo: certa vez, tivemos aula com uma doutoranda que era gaúcha e seu
sotaque era percebido facilmente. No final da aula, alguns colegas meus foram lhe perguntar
sobre sua cidade natal, pois estavam muito curiosos. Nesse momento, quando ainda estava
escrevendo o projeto da minha pesquisa, questionei-me se o mesmo poderia acontecer comigo
quando eu entrasse numa sala de aula para ser a professora, se a maneira como falo seria um
fator que geraria curiosidade ou, até mesmo, preconceito. Confesso que, quando entrei numa
sala de aula como professora, o “estranhamento” que eu imaginava que poderia ocorrer não se
concretizou e até senti um certo desapontamento. Esse fato, porém, não abalou meu interesse
pela pesquisa; pelo contrário, interpretei-o como um “dado” a mais para minha pesquisa.
Além dos questionamentos pessoais, outros surgiram durante as disciplinas
cursadas na graduação e, principalmente, dentro do grupo em que realizei minha pesquisa.

1
O Brasil é tido como um país homogêneo quanto à sua língua - o português.
Contudo, essa afirmação é inadequada, pois muitas línguas são faladas e muitas são as suas
variantes, visto que, além das inúmeras línguas indígenas1, o Brasil recebeu (e ainda recebe)
imigrantes de várias partes do mundo, que se instala(ra)m nas diferentes regiões do território
nacional.
Mas, existe mais um fato a ser considerado quando dizemos que no Brasil uma
única língua é falada: as mudanças pelas quais a língua passa. Como afirma Coracini:

Todo ato de enunciação, todo uso de língua transforma o sujeito e


transforma a língua, assim como o uso da língua (que nunca é apenas
uma) pelo povo invadido, castrado, submetido ao poder do
colonizador transforma o colonizado, o colonizador e a própria língua
e, com esta, a cultura de um e de outro, pois ele a altera, movimenta-
a, deixa na língua e em si mesmo uma espécie de cicatriz, de marca,
de ferida (CORACINI, 2007, p.49-50).

Assim, pelas transformações e movimentações que ocorrem nas línguas e pela


quantidade delas, podemos perceber que o Brasil não é um país monolíngüe. Cabe, portanto, a
pergunta: quando alguém migra, como será que passa a se identificar, a compreender a sua
“língua” - ou o seu idioma como quer Derrida (1996 [2001]), para quem o idioma é singular,
pertence ao sujeito que nele imprime suas características, culturais e idiossincráticas - e a ser
compreendido pelo outro?
É a escola a grande responsável pelo ensino da língua padrão, o português culto,
como se essa fosse a língua materna de todos os que nasceram no Brasil; está também entre os
seus objetivos fazer com que todos sejam iguais, que não existam diferenças e que a
instituição-escola seja um lugar homogêneo. Althusser identifica a escola como um aparelho
ideológico do Estado e define seu funcionamento da seguinte maneira:

Desta forma, a Escola, as Igrejas “moldam” por métodos próprios de


sanções, exclusões, seleção etc...não apenas seus funcionários mas
também suas ovelhas. (ALTHUSSER, 1970 [1985], p.70)

Assim, Althusser nos mostra o poder homogeneizador da escola e de outras


instituições.

1
Só muito recentemente foram oficializadas três línguas indígenas (Nheengatu, Tukano e Baniwa) no
município de São Gabriel da Cachoeira no Amazonas.

2
E quando o professor é o migrante, quando ele fala outra variante que não aquela
dos habitantes desse local (alunos, outros professores, coordenadores), quando ele usa
palavras, expressões, sintaxe diferentes, como é visto? Como o professor se compreende e é
compreendido pelos outros? Esse professor fala "errado", e, então, deixaria de ser um modelo
a ser seguido?
Sobre essas e outras questões, que surgiram no decorrer do trabalho, refletimos a
partir dos nossos corpora, constituídos de entrevistas informais feitas com professores
migrantes no estado de São Paulo e de redações de professores escritas para o concurso “O
professor escreve a sua história”2, promovido em 1996 pela Secretaria da Educação do Estado
de São Paulo.

2
Acesso concedido pela Profa. Dra. Marisa Lajolo.

3
2 - OBJETIVOS

2.1 - OBJETIVOS GERAIS

Com esta pesquisa, pretendemos contribuir para discussões em torno do ensino de


língua materna e de identidade nacional na área da Lingüística Aplicada, tendo como foco o
discurso do sujeito professor migrante brasileiro, como, também, atentar para questões como
ensino de língua, ser/estar entre línguas e formação de professores.

2.2 - OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Problematizamos algumas questões a partir das seguintes perguntas de pesquisa:

(1) Qual é a relação que o sujeito, professor migrante brasileiro, tem com a sua
língua materna?
(2) O sujeito professor percebe-se “entre línguas” dentro do seu país?
(3) Quais são as conseqüências do processo de migração para a sua formação
como professor de língua portuguesa?

Partindo da perspectiva de que a identidade é móvel, fragmentada, descentrada e


definida pelo "olhar" do outro, queremos observar como o sujeito migrante se vê no seu país
(Brasil), que, muitas vezes, é tido como homogêneo por inadequadamente dizer-se que tem
uma única língua, o português, desconsiderando as diferenças regionais e individuais. Neste
ponto, problematizaremos questões identitárias - o que é ser brasileiro - e questões sobre a
língua – é possível demarcar de uma vez por todas e para todos os brasileiros uma língua
materna?
Trataremos, também, de outras questões, como as representações que o sujeito tem
de si próprio, de língua e de língua materna.
Está no imaginário dos alunos, pais, funcionários de instituições escolares e nos
próprios professores uma representação do que é ser professor, como ele deve agir nessa
função social (ou como Naffah Neto diz “papel”), como deve se comportar.

Podemos dizer que o papel funciona como uma espécie de armadura


invisível que recobre o corpo, modelando-o e reduzindo o seu espaço

4
de movimentação livre na direção de ações socialmente permitidas ou
desejáveis para a manutenção do status quo (NAFFAH NETO, 1985
[1988], p.30).

E no caso dos professores migrantes de língua portuguesa, é esperado que ele fale
corretamente, que utilize a norma padrão da língua. Mas, se esse não for o caso, como ficará a
representação do professor?
Sabemos da importância de compreender-se a si próprio para que o professor
compreenda também seus alunos migrantes em sala de aula, já que esse deveria ser um espaço
de interação e reflexão. Esquecemo-nos, porém, de que como sujeito, o professor precisa
vivenciar experiências que lhe possibilitem dizer-se mais do que dizer, para que perceba a
necessidade de proporcionar experiências semelhantes aos seus alunos. E sabemos quão raras
são essas oportunidades. As redações e as entrevistas-relatos constituem algumas delas.
Desta forma, neste trabalho, queremos contribuir para as discussões sobre língua
materna e formação de professores, além da questão da identidade nacional, que está presente
no migrante de forma mais evidente do que nos outros sujeitos não-migrantes, pois nele se dá
um choque de culturas, embate com a nova cultura e realidade, além de serem cobradas do
migrante características do seu lugar de origem - por exemplo, o sotaque - que, ao mesmo
tempo, podem ser questionadas e até reprimidas.

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3 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Em nossas leituras, dedicamo-nos ao estudo das concepções de identidade e


língua, com o objetivo de observar, nos corpora, as representações que permeiam o dizer de
professores migrantes e discutir a unidade da língua portuguesa no Brasil. A seguir,
pretendemos expor algumas reflexões resultantes de nossas leituras e discussões.

3.1 - IDENTIDADE E(M) DESCONSTRUÇÃO

Em “A identidade cultural na pós-modernidade”, Hall (1992 [2004]) traz três


concepções de identidade: a do sujeito do Iluminismo, a do sujeito sociológico e a do sujeito
pós-moderno. No período do Iluminismo, o sujeito era visto como centrado, unificado,
racional, voltado para si mesmo, pois se acreditava que ele tinha uma essência e que sua
identidade - uma vez adquirida - permanecia a mesma até o final de sua vida ou sofria poucas
modificações.
Segundo a noção de sujeito sociológico, o sujeito não é autônomo nem auto-
suficiente; é influenciado pelo mundo moderno e se desenvolve na interação do interior com o
exterior, estando, assim, “costurado”, unificado à estrutura social e estabilizado por ela. Nesse
caso, a identidade é concebida como uma soma de “identidades” adquiridas ao longo da vida
do sujeito e que ele poderia usar quando e como quisesse (por exemplo, num momento
assumiria a identidade de mãe, no outro a identidade de professora, em outro, a de mulher e
assim por diante).
Já na pós-modernidade, a identidade do sujeito é vista como híbrida e flexível. O
sujeito não possui uma identidade fixa, não permitindo a existência de um “eu” unificado. E
como a identidade é formada e transformada constantemente, podendo ser constituída de
identidades contraditórias, a identidade está sempre sendo deslocada, desestabilizada. Assim,
ela constituiria um processo sempre em “desconstrução”.
A desconstrução, proposta por Derrida, não é modelo, método, análise, crítica, ato,
operação ou instrumento. Ela é ao mesmo tempo tudo e nada (DERRIDA, 1987 [2005]). É um
acontecimento que permite a compreensão de como um conjunto foi construído, articulado.
A perspectiva descontrutivista sugere a impossibilidade de se desprender de uma
cultura, como podemos observar, num processo migratório: o migrante, não abandonará a
cultura local, de “seu” estado e cidade, mesmo que esse seja o seu desejo, pois aquela cultura,
mesmo em constante mudança, o constituiu e ainda o constitui.

6
É possível apenas se deslocar entre culturas diferentes, sendo constituído por
traços de todas elas. A “desconstrução”, embora seja, por vezes, empregada no lugar de
destruição, não pretende o abandono da epistemologia ocidental, caracterizada pela
racionalidade, pelo pensamento dicotômico e busca da consciência e da verdade, já que nela
nos inserimos e nela nos constituímos sujeito. Pretende, sim, problematizar o que parece
natural e evidente na cultura ocidental.
Derrida (1996 [2001]), em “O monolinguismo do outro: ou a prótese da origem”,
assume a identidade como perturbação, e não como a somatória de características que
distinguem os indivíduos ou as culturas. Assim, a identidade não é nem uma soma de todas as
possíveis “identidades” que o sujeito acumularia ao longo de sua vida nem identidades-cabide
(Bauman, 2004 [2005]) que o sujeito usaria de forma consciente, na medida de seus interesses
e necessidades (concepção sociológica). Cada experiência de vida (por exemplo, o processo
de migração) perturba e desestabiliza o sujeito, transformando sua identidade, sem eliminá-la,
levando-a sempre à “desconstrução” e não à destruição, uma vez que “velho” e “novo”
continuam convivendo.

3.2 - IDENTIDADE NACIONAL E LÍNGUA

Julgamos relevante pensar no deslocamento, físico e subjetivo, provocado pelo


processo migratório no que diz respeito tanto (1) à identidade nacional, questionando sua
suposta homogeneidade - afinal, todos os brasileiros não são iguais - como (2)
reconhecimento da nacionalidade pela língua.
Sabemos que a noção de identidade nacional traz a idéia de unificação: por mais
diferente que cada habitante de determinado país possa ser, a identidade nacional os
representa como um todo. Assim, podemos dizer que ela é uma estrutura de poder cultural,
pois, forçosamente, tenta incluir todos num mesmo padrão, impõe uma hegemonia e uma
generalização, fruto de uma política. Por esses motivos, Hall (1992 [2004]) afirma que não
devemos entendê-la como uma unificação e, sim, como um discurso, que constitui o sujeito e
é constituído por ele, para representar uma unidade, já que estão presentes, numa mesma
cultura nacional, inúmeras diferenças de gênero, classe social, dentre outras, diferenças que
sempre estarão presas a jogos de poder, contradições e conflitos.
E assim, com relação às diferenças, apoiamo-nos novamente em Derrida (1987
[2005]) que, com o conceito de différance afirma que não existe a chegada a um significado, a

7
um ponto final, a um momento em que as diferenças serão resolvidas, afinal, só temos a
garantia de que elas existem.
Em “O monolinguismo do outro”, ao narrar sua experiência de vida escolar,
Derrida (1996 [2001]), argelino de origem, expõe como a escola afetou sua concepção de
língua. Graças à contribuição da escola - cujos professores são, como afirma o autor, os
vigilantes da língua pura - que tudo fez para que ele adquirisse o gosto pela “pureza da
língua”, pela língua francesa-padrão, ele não suporta ou não admira outro francês que não seja
o francês puro, castiço, defendendo-o acirradamente, como se fosse de fato francês, ou mais
até do que os nativos da metrópole.

3.3 - PROFESSOR (EM FORMAÇÃO)

Destacando o modelo de professor e de escola como os legítimos guardiões da


língua, é possível relacioná-lo à interdição, proposta por Foucault:

Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode
falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não
pode falar de qualquer coisa (FOUCAULT, 1971 [2006], p.9).

A interdição categorizada por Foucault como mecanismo de exclusão, e que


relacionamos com certo modelo de professor, discute a relação entre proposições verdadeiras
e falsas. Assim, o professor de português seria aquele que domina o discurso verdadeiro sobre
a língua e isso seria esperado pelos outros (alunos, pais, coordenadores). O professor exerce o
poder porque lhe é atribuída a verdade, o saber. E essa interdição está presente na formação
discursiva educacional, onde ela se materializa.
E quando pensamos em professores, refletimos também sobre sua formação. Essa
formação que, muitas vezes e erroneamente, é pensada como se fosse determinada por um
tempo, como um curso, e por instituição, como uma universidade, excluindo, assim, as
próprias práticas desses professores e suas histórias de vida (ECKERT-HOFF, 2008). Esse
pensamento faz com que a experiência migratória do professor seja deixada de lado em sua
formação, uma perda, já que faz parte da constituição desse sujeito:

O sujeito se constitui, pois, pela dispersão e pela multiplicidade de


discursos e, ao anunciar, o faz ocupando várias posições, que marcam
a sua heterogeneidade, logo, compreendemos a formação do
professor como um processo múltiplo, não-linear, com uma

8
pluralidade de vozes, de práticas e de saberes acumulados em todo
percurso histórico-social-ideológico do sujeito (ECKERT-HOFF,
2008, p.43).

3.4 - DIS(CURSO)

“(...) é a palavra que fala do sujeito e não o sujeito que controla a palavra.”
(ECKERT- HOFF, 2008, p.29)

É a partir dessa perspectiva teórica que entendemos e refletimos sobre o nosso


objeto de análise: o discurso. O discurso é entendido aqui como um objeto sócio-histórico
(ORLANDI, 1999 [2005]), que carrega, na sua materialidade lingüística, outros dizeres.
O discurso, segundo Foucault (1971 [2006]), é um conjunto de enunciados que
pertencem a uma formação discursiva – enunciados que apresentam certa regularidade e que
são possíveis ou não de serem ditos. Porém, a formação discursiva não é fechada nem
totalmente aberta, é um processo de reprodução e transformação de enunciados (BRANDÃO,
2004 [2006]).
Como o discurso é permeado por outros, ele é heterogêneo e está em constante
formação; o sujeito “divide o espaço discursivo com o outro” (BRANDÃO, 2004 [2006], p.
60). Além de ser disperso:

O discurso não é atravessado pela unidade do sujeito e sim pela sua


dispersão; dispersão decorrente e das várias posições possíveis de
serem assumidas por ele no discurso (BRANDÃO, 2004 [2006], p.
35).

Os dois esquecimentos postulados por Pêcheux & Fuchs (1975 [1997]) nos
mostram como se dá a relação entre sujeito e discurso: o primeiro esquecimento seria o de que
não temos controle sobre o nosso dizer. Temos a ilusão de que somos a origem do nosso
dizer, esquecemo-nos de que o que falamos é uma retomada de um já-dito.
O segundo, que é do nível do semi-consciente, afirma que não temos controle
sobre os sentidos do nosso dizer. Acreditamos que o nosso ouvinte compreende exatamente o
que falamos e que o sentido é único e transparente. Porém, por um simples ato que, muitas
vezes, nos ocorre - por exemplo, durante uma conversa, repetir o que foi dito, mas de outra
maneira - e por isso é da ordem do semi-consciente, revela essa ilusão.

9
Pêcheux, que se coloca na perspectiva discursiva, defende que o significado,
atribuído ao que dizemos, não é fixo, podendo perfeitamente não ser aquele que queríamos, e
que a língua não é uma estrutura sedimentada, completa.
A língua não é uma simples estrutura que se repete: ela está sempre acontecendo,
significando e sendo interpretada em um determinado contexto histórico. Por essa razão,
acreditamos que a língua está em constante movimento, o que faz com que, ao narrar sua
história, os entrevistados estejam interpretando as próprias memórias, pois, para que ocorra a
lembrança, faz-se necessário o esquecimento; isso justifica a constatação de que, quando se
retoma um “fato” passado, outra significação venha à tona. Trata-se da

Memória que é sempre esquecimento; narração que é sempre ficção,


sempre transformação do passado que se faz presente e já é
futuro.”(CORACINI ,2007, p.51).

É a partir dessa concepção de língua(gem) que as entrevistas e as redações, que


constituem os corpora, são analisadas a seguir.

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4 - METODOLOGIA

Durante a pesquisa, fizemos leituras teóricas sobre Psicanálise e identidade, para


uma melhor compreensão do sujeito e suas representações sobre língua materna, a partir do
olhar que questiona sua unidade e que aborda a formação do professor de língua portuguesa,
além de leituras sobre a Análise do Discurso, na tensão com a Desconstrução. Foi com esse
olhar que fizemos nossas análises dos corpora.
O primeiro corpus é constituído por quatro entrevistas informais, a partir de
perguntas abertas, com pouca interferência da pesquisadora (eu e/ou a Profa. Dra. Maria José
Coracini) para que os relatos pudessem acontecer da forma mais espontânea possível. As
entrevistas seguiram o padrão de narrativa-relato, em que a entrevistadora fazia perguntas
abrangentes sobre a vivência de migração, como por exemplo:

eu gostaria muito que você comentasse / que você falasse o mais


espontaneamente possível sobre a sua vinda pra cá / pra São Paulo /
você é mesmo de onde? (Trecho de entrevista constituinte de nosso
corpus)

Foram gravadas em áudio, com uma duração que variou de 30 a 60 minutos cada,
realizadas com migrantes de três regiões do Brasil (Nordeste, Centro-Oeste e Sul) que estão
vivendo no estado de São Paulo e que atuam, ou atuaram, como professores de língua
portuguesa neste local. Essas entrevistas foram transcritas por mim e outros alunos que
também estavam realizando seus respectivos projetos de Iniciação Científica.
O segundo corpus é constituído de nove redações ou trechos de redações que
foram escritas por professores da rede pública de ensino para um concurso promovido em
1996, pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, sobre o “Professor escreve a sua
história”.
Selecionamos algumas redações em que os professores retratavam sua migração
para o estado de São Paulo e relacionavam esse fato à sua formação como professor. Foram
poucas as redações que tratavam dessa questão. De aproximadamente três mil redações lidas,
nove diziam ser escritas por professores migrantes.
Tanto o primeiro quanto o segundo corpus fazem parte também do arquivo do
projeto "A suposta uni(ci)dade da língua: entre a memória e o esquecimento", da Profa. Dra.
Maria José Rodrigues Faria Coracini.

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5 - ANÁLISES

5.1 - ENTREVISTAS

5.1.1 - Os entrevistados

O primeiro entrevistado (doravante E1) é pernambucano e vive em Campinas há


quatro anos; ele é formado em Letras e, atualmente, é aluno da pós-graduação. Ele lecionou
no estado de São Paulo numa faculdade particular e ministrou cursos de formação continuada
para professores do ensino público.
O segundo entrevistado (doravante E2) é do sexo feminino; nasceu no Rio Grande
do Sul e está em Campinas como aluna de pós-graduação. E2 lecionou num projeto de
alfabetização para alunos do ensino fundamental; atuou, também, no estágio docente para
alunos da graduação do curso de Letras e participou como professora do curso de formação
continuada para professores da rede pública.
O terceiro entrevistado (doravante E3) também é do sexo feminino e gaúcha. Está
há três anos em Campinas e fazendo doutorado na Lingüística. E3 atuou como professora no
estado de São Paulo, como estágio, em turmas do curso de Letras.
O último entrevistado (doravante E4) é do sexo feminino, doutoranda na
Lingüística Aplicada, brasiliense, morou em Campinas e em São Paulo e, atualmente, reside
em Natal, no Rio Grande do Norte. Foi professora no estado de São Paulo em cursos de
formação para professores e auxiliou em aulas para monitores desses cursos.

5.1.2 - Eixos temáticos

As análises apresentadas, a seguir, foram divididas em eixos temáticos. Dessa


forma, observamos os vestígios deixados no discurso dos professores migrantes para tecer
nossas interpretações. Mas não deixamos de observar e interpretar o que não está incluído nos
eixos temáticos.
Sublinhamos nas transcrições os vestígios que estão sendo interpretados em cada
momento.

5.1.2.1 - Eu e/ou você

12
Aqui, observamos como o sujeito professor migrante se apresenta, através do uso
dos pronomes eu ou você e de outros pronomes oblíquos e possessivos. Prestamos atenção,
também, à forma como o entrevistado se nomeia.

Freqüentemente, E1 se diz preparado para enfrentar qualquer preconceito em


relação à sua origem nordestina:

E1-R13: não eu não sei se eu me sentia mal / eu acho é assim eu não


me sentia mal talvez porque a minha formação / tenha sido muito
voltada pra questão da variação

Nessa fala, percebe-se que existe certa resistência em aceitar a existência de


preconceito. Resistência essa, conforme Foucault (1971 [2006]), que existe porque há
relações de poder, já que, segundo o filósofo, onde há poder há possibilidade de resistência.
No caso de E1, podemos interpretar o poder como sendo a língua-cultura do lugar em que ele
se encontra no momento da entrevista e a resistência ao preconceito, como a repetição da
palavra “eu”, muitas vezes seguida de “não” em sua fala.
Em outro momento da entrevista, E1 se afasta novamente do preconceito,
resistindo em ocupar um lugar, desta vez, através do uso do pronome “você” e não “eu”.
Dessa forma, E1 se afasta do lugar que ocupa e do preconceito que poderia sofrer, fazendo
uso de um pronome que generaliza o sujeito da oração (você = a gente, qualquer pessoa).

E1-R2: você tinha que ficar / os r você tinha que marcar o a aberto
fechado e aí você era chamado / como se tivesse pronunciando o
nome da pessoa errado / é essa marca de identidade (...) mas toda vez
a chamada era uma coisa assim que / você estava se expondo a cada
paLAvra e você via a reação das pessoas

Nesse recorte, E1 admite o estranhamento por parte do aluno, pois reconhece que
estava na posição de objeto exposto (você estava se expondo a cada paLAvra e você via a reação
das pessoas). Segundo o dicionário Aurélio, “expor” significa, dentre outros sentidos,
apresentar em exposição, tornar evidente, exibir. Portanto, interpretamos o uso do verbo
“expor” como um indício da exibição de algo individual e diferente de quem o observa: o
sotaque nordestino.

3
Para melhor organização, na frente dos trechos retirados das entrevistas, enumeramos o entrevistado e o
recorte. A numeração dos recortes obedece a seqüência em que são apresentados.

13
Ao contrário de E1, E3 se serve dos pronomes “eu”, “me” e “meu” diversas vezes
para se afirmar, ocupar seu lugar e se reconhecer como diferente das pessoas de São Paulo, já
que durante toda a entrevista, ela conta os estranhamentos com os paulistas, caracteriza-os
como mentirosos e individualistas:

E3-R3: de trabalhar a língua / então assim é a única coisa que me


difere / eu acho que eu difiro do pessoal / desse pessoal / pela língua /
sabe esse é meu GRANde diferencial / onde eu entro

E3-R4: é assim eles me reconhecem pela língua eles já sabem não


preciso nem falar tu / e eu tenho [inc] / eu eu porque tem uma
musicalidade no ritmo da / do gaúcho que é um ritmo entende?

Esses dois excertos apresentam a expressão “pela língua”, forma pela qual a
entrevistada se diz ser reconhecida. “Pela língua” nos dá uma idéia de continuidade, ao
contrário de “na língua”; além disso, mostra que a língua a constitui e continua constituindo.
A última entrevistada, E4 brasiliense, se denomina natalense:

E4-R5: Ah já eu sou eu so sou uma: uma nordestina híbrida [risos]


por quê? Porque assim NA VERDADE eu eu sou brasiliense de
nascimento mas os meus pais os meus avós bisavós são todos
nordestinos e todos do rio grande do norte então é: meu pai era
caminhoneiro daí o que que acontece ele quando meus pais se
casaram foram pra brasília foram pra construção de brasília daí os
filhos nasceram em brasília mas quando eu / e lá eu fiz não eu SÃO
PAULO olha veja que coisa interessante é: no quando eu era criança
muito pequena antes de ir pra escola eu morava em brasília MAS é:
quando eu tinha uns cinco anos meus pais vieram para são paulo
capital e eu fui ALfabetizada em são paulo numa numa escola
estadual de: vila maria joão vieria escola estadual / será que era
estadual? Escola estadual de primeiro grau joão vieira veja que
interessante eu fui alfabetizada em são paulo e vou ser doutorada em
são paulo [risos] né?

No excerto acima, notamos a presença de várias justificativas para que E4 seja


reconhecida como natalense. Isso se deve ao fato de ela ser brasiliense e não reconhecer essa
posição. Essa interpretação se apóia, também, no uso de “eu”, que, em alguns momentos, é
acompanhado de hesitações, como a repetição seguida de “eu”, pausas e reformulações da
fala.
Quando E4 conta que foi alfabetizada em São Paulo e está fazendo o doutorado
em Campinas, percebemos que ela valoriza a educação do estado de São Paulo, pois faz

14
questão de ressaltar esses dois acontecimentos. Ressaltando a educação paulista, ela deixa as
outras regiões num patamar de inferioridade, tanto o Nordeste como o Centro-Oeste.
Por fim, ela revela que usa o léxico do Nordeste para mostrar a todos sua origem:

E4-R6: algumas palavras eu: eu: usava até de forma proposital por
exemplo é: pra finalizar a aula eu dizia pessoal um abraço arrochado

Ainda acompanhado de hesitações, o uso do “eu” afirma a origem que E4 toma


como verdadeira para si, natalense e não brasiliense.

5.1.2.2 - O outro e o corpo

A princípio, pensamos em dois eixos temáticos: o primeiro seria “o outro” e o


segundo, a relação “corpo-língua”; porém, debruçando-nos mais sobre as entrevistas,
percebemos que tal divisão não poderia ser feita, pois esses dois itens estão extremamente
relacionados, como mostramos a seguir.
Neste item, observamos a presença explícita da fala de outro no discurso do sujeito
e a relação dessa com o corpo. O outro aparece pelo uso do discurso direto ou indireto e é
interpretado como constituinte do sujeito, já que é dito e significado pelo entrevistado. O
corpo aparece numa relação com a língua e alguns vestígios sugerem a relevância para o
sujeito, pois reproduzem, no corpo e com o corpo (nos exemplos, através do sotaque), a língua
do lugar de origem; tal reprodução é percebida, evidentemente, pelos outros.

O preconceito, impregnado na subjetividade de E1, mais uma vez, está presente


em seu discurso e, no recorte que se segue, percebemos que provoca sofrimento:

E1-R7: e todas / a formação de professor no teia do saber que eu


participei dois anos // abri a boca / os professores se assustam um
pouco assim / como é que um nordestino com esse sotaque vai tá
dando aula de / língua portuguesa? / então aí tem um

Na entrevista, o sujeito não termina a frase “então aí tem um”; podemos, porém,
identificar, como complemento dessa a palavra “preconceito” ou algo que se assemelhe à
percepção negativa de uma diferença lingüística, notada pelos alunos. Destacamos, ainda, a
escolha do “aí tem um” que mostra a suspeita da existência de algo provocado pelo fato de o
professor de língua portuguesa ser migrante e a resistência em nomeá-lo.

15
No excerto acima, podemos observar o início como uma generalização “todas”
seguida de uma hesitação que pode ser interpretada como a visão do professor, todos, não
importa a região ou ambiente educacional, estranham sua origem e o fato de ser professor.
A presença do outro é explícita quando E1 fala: como é que um nordestino com
esse sotaque vai tá dando aula de / língua portuguesa?. A dúvida do outro é significada pelo
sujeito professor migrante como preconceito e está relacionada ao corpo, pelo elemento
“sotaque”. Através dessa pergunta, podemos perceber a formação discursiva que reproduz a
visão de um modelo esperado de professor: um professor sem sotaque (nordestino).
Já E2, em seu discurso, aponta para a presença do outro da seguinte forma:

E2-R8: e quando eu vim pra cá né? as pessoas marcavam muito você


é do sul você é gaúcha mas como é que essas pessoas sabem? / está
escrito na minha cara? [risos] né? é só abrir a boca e né?

Nesse recorte, há a relação explícita entre a língua do sujeito e seu corpo. Pelo
sotaque, as pessoas a identificavam como gaúcha, da mesma forma que E1 era identificado
como nordestino. Porém, E2 se nomeia como “eu” e afirma essa posição com o pronome
possessivo “minha”. Essa reação pode ser encarada como a diferença na recepção de
migrantes nordestinos e sulistas; como a recepção ao sotaque nordestino foi negativa e a do
gaúcho foi positiva, o nordestino se afasta desse lugar, apenas menciona a fala do outro, e a
sulista assume, fazendo uso dos pronomes em primeira pessoa.
O discurso do outro aparece de forma direta e é significado pela entrevistada como
uma diferença entre ela e as pessoas do lugar em que se encontra; mas, ao mesmo tempo, está
sendo reconhecida pelo outro através de sua origem.
Quando perguntada sobre o estranhamento sentido pelo outro, dentro da sala de
aula, enquanto E2 lecionava num projeto de alfabetização para crianças do ensino
fundamental, ela responde:

E2-R9: as crianças desse projeto de alfabetização dizem que falava


muito esquisito [risos] / é: mas não vi nenhuma representação
negativa nisso

Apesar de ser um estranhamento sentido pelos alunos, esse é interpretado por E2


como indiferente, já que a professora não via nenhuma representação negativa e não
menciona nada positivo, devido ao fato de ser uma professora migrante. O discurso do outro
aqui é indireto, uma hipótese para essa escolha é o fato de o sujeito professor migrante tentar
16
se afastar dessa caracterização – muito esquisito -, que pode ser tomada como depreciativa.
Outro ponto que reforça essa hipótese é o fato de E2 não se colocar na frase, como poderia ter
feito: dizem que eu falava muito esquisito.
E3 deu aula para alunos do curso de Letras e o que conta sobre essa experiência
revela as diferenças de formalidade na relação entre professor e aluno e a preparação deste. A
única diferença que menciona, quando responde a uma pergunta sobre um possível
estranhamento com sua linguagem, é o sotaque:

E3-R10: não / com o: com o sotaque sim / com o sotaque: há


estranhamento porque aí eles / mas a senhora é do sul / tu és do sul
você é do sul / mas enquanto alunos foi uma experiência muitíssimo
boa / muito melhor do que eu tive no rio grande do sul / se eu fosse
comparar a uma experiência aqui e uma experiência lá / acho que
aqui o aluno / é: talvez seja até bem mais preparado / pela
concorrência /

Nesse excerto, o outro aparece através de uma pergunta na forma de discurso


direto, semelhante ao primeiro excerto de E2. Há a diferença ditada pelo outro, mas o
reconhecimento diminui os efeitos negativos que a primeira pode causar.
É interessante notar o uso da conjunção adversativa “mas” em “aí eles / mas a
senhora é do sul”, que pode servir como indicador da visão que E3 tem, que ser do sul pode
ser um estranhamento pelo fato de ser professora em São Paulo.
Vejamos outros excertos:

E4-R11: E AÍ é: eu me tornei natalense sabe? Então hoje quando as /


perguntam assim ah de onde você é? Eu digo imediatamente eu sou
de natal não sou mais brasiliense eu sou natalense e aQUI na na: na
unicamp todo mundo me reconhece como nordestina como natalense
tal mas LÁ em natal todo mundo quando conversa comigo diz assim
mas escuta de onde que você é? Que nordestina você não é então por
isso que eu digo que eu sou um bicho meio hibrido

E4-R12: parece que eles não enxergavam / a a nordestinidade que


estava dentro de mim / entende? / eu não sei se / eles há algumas
vezes é: mencionavam por exemplo as relações de sotaque né?

Nesse trecho, E4 faz muitas pausas como se não tivesse muita certeza sobre o fato
de seus alunos a reconhecerem como nordestina e, ao mesmo tempo, falarem impropriedades
sobre o Nordeste.

17
O outro aparece na forma de discurso direto e indireto. Quando E4 discute mais
profundamente sobre o que poderia ser estranhado, pelo fato de ser migrante, ela se apropria
do discurso indireto, num gesto de afastamento.
A relação entre língua e corpo é reforçada quando E4 faz um paralelo entre a
“nordestinidade” que estava dentro dela e o sotaque mencionado pelo outro. Pela indignação
do sujeito, percebemos que isso o afeta e produz sentido.

5.1.2.3 - Hesitações

Neste item, preocupamo-nos com as hesitações presentes no discurso dos sujeitos


professores migrantes, participantes desta pesquisa. Essas hesitações são representadas por
palavras como: “assim”, “essa” e “talvez” ou mesmo por uma espécie de gaguejo (ahn, é é
é…). Elas representam uma pausa para a reformulação do que estava sendo dito.

Ser professor migrante, para E1, apresenta, também, vantagens para seus alunos,
no sentido de ter a possibilidade de conviver com a diferença lingüístico-cultural, o que é
sempre uma experiência enriquecedora e educativa:

E1-R13: então isso gerava eu acho era até um conflito assim


interessante pra poder ajudar a aprendizagem

Contudo, quando E1 mostra o fato de que ser migrante traz vantagens, ele aponta,
apenas, vantagens pedagógicas e procura se afastar enquanto falante dessa língua, isto é, em
nenhum momento do relato, ele se pronuncia sobre as vantagens de ser migrante com relação
a ele mesmo. Além disso, a hesitação “assim” no meio de sua fala e a escolha pelo adjetivo
“interessante”, que pouco significa, reforçam essa idéia.

Além de o uso do substantivo “conflito” caracterizar a reação dos alunos, ele


reforça a negatividade que o fato de ser migrante traz para sua posição de professor. Em
outros momentos, essa caracterização é retomada pela palavra “embate”:

E1-R14: eu fico pensando / talvez alguns traços e algumas marcas na


minha forma de falar sejam porque eu sou de uma origem humilde de
periferia e o que talvez o que esses professores estejam realmente é:/
notando por exemplo uma coisa que criou embate eu falar numa aula
eu falar rezitro no lugar de registro / e ai o que tava em jogo ali era
18
esse z / né essa / mas na verdade não era uma marca da variante
nordestina / era uma marca da variante nordestina / mais uma marca
de uma classe social

No recorte acima, o entrevistado reconhece que o que pode gerar o preconceito é a


classe social. No começo do excerto, E1 conta que ser de origem humilde influencia essa
visão; porém, ele não completa a frase “o que esses professores estejam realmente é” e faz
uma pausa, que indicia mais uma vez a relutância em aceitar e nomear o preconceito. Mas
acaba, através do uso da palavra “embate”, caracterizando a reação dos outros à sua forma de
falar.
Quando perguntada sobre algum estranhamento que teria sentido atuando como
professora em São Paulo, E4 revela:

E4-R15: Então assim dos professores e dos colegas eu não senti


nenhum tipo de preconceito MAS eu dei aulas no cefiel no curso com
a professora A.4 é: letramento nas séries iniciais e o: o que foi
interessante é que assim DANdo o curso de formação eu PERcebi a a
a: visão que ainda hoje perdura entre os professores é: de de ensino
fundamental e médio quando pensam em nordestino

Ela fala com hesitação, o que é marcado pelo uso de “assim”, que não sofria
preconceito de professores e colegas – o que mostra certa incerteza sobre o que estava
falando. Porém, de repente, lembra o preconceito que seus alunos, professores num curso de
formação, tinham e hesita, mais uma vez, em proferi-lo.

5.2 - REDAÇÕES

5.2.1 - Os autores

Selecionamos nove redações que, de alguma forma, abordam a migração e a


formação do professor. Temos apenas as redações e nenhuma informação sobre os
professores que as escreveram, a não ser que, na ocasião, eram professores da rede estadual
paulista, no ensino fundamental.

4
O nome foi abreviado para manter o anonimato.

19
Quatro redações contam a história de professores que nasceram em Minas Gerais,
três que nasceram no Ceará, um que nasceu na Paraíba e outro que é de origem nordestina,
mas não especifica o estado nem a cidade.

5.2.2 - Eixos temáticos

Dividimos as interpretações das redações em dois eixos temáticos: formação e


exaltação. A formação compreende os efeitos que a migração causou/causa na formação de
professor. E a exaltação é subdividida em duas partes: exaltação da profissão e do estado de
São Paulo.
As redações foram numeradas aleatoriamente para melhor organização.
Sublinhamos, nos excertos dos textos, os vestígios que interpretamos.

5.2.2.1 - Formação

A palavra “formação” não é mencionada, mas percebemos os efeitos que a


migração traz para a formação do professor pelos vestígios deixados em seu discurso e que o
sujeito faz questão de revelar:

Apesar de tantas mudanças! De cidades, de Estado, de escolas no


mesmo bairro. Concursos e mais concursos! Demora em
aproveitamento funcional. Lenga Lenga da política.
(Redação 1)

Neste trecho, podemos observar que a migração para outro estado faz parte da
formação do professor como a realização de um concurso. Assim, a mudança para outro
estado é vista como uma etapa de um processo natural, apesar de mostrar que as mudanças
possam ser cansativas pela repetição das palavras e pelo uso da expressão “Lenga Lenga”.
Em outra redação, lê-se:

O nosso mestre em questão, levantou-se cedo, para organizar uma


bela festa do dia das bruxas, contudo “mineirando” o nosso causo,
deu tudo errado, a filmagem atrasou, depois não conseguia-se ligar a
filmadora, “o trem num funciona”, no desfile de horrores, a mais feia
das bruxas cai, o assistente de filmagem senta-se na abóbora com
uma vela acesa dentro.
(Redação 2)

20
De forma singular, esta redação conta um evento específico (uma festa do dia das
bruxas) e não propriamente a história cronológica da formação do professor. Contudo,
quando o professor escolhe usar expressões mineiras e ressalta que faz isso através do
“mineirando”, podemos perceber que ele nasceu em outro estado e atualmente dá aula em
São Paulo. E isso, ao lado de um evento que traz para o Brasil algo da cultura inglesa, aponta
para a miscigenação presente em sua formação. Também, percebemos que ele deseja marcar
e mostrar a todos a sua origem quando fala que vai “mineirando o nosso causo”.

5.2.2.2 - Exaltação

Exaltar, elevar, deixar ser superior é o que aparece com maior freqüência nos
discursos. Tanto a profissão quanto o lugar para onde vieram são exaltados como superiores:

A influência, o despertar para a profissão veio desde o primeiro dia


de aula, quando a minha primeira professora, dona Benedita, a qual
chamávamos carinhosamente de dona Ditinha, lá no Sul de Minas
Gerais, nos saudou no primeiro dia de aula com um sorriso e nos
disse que iria nos preparar para enfrentar o futuro, e que seria uma
felicidade se dalí, uma escola rural saisse uma professora no futuro,
professora esta que teve o processo de alfabetização com ela.
(Redação 3)

O uso da palavra “dali”, na redação com a ortografia errada de acordo com a


norma padrão da língua portuguesa, e “lá” remetem à distância que, hoje, a professora tem de
sua terra natal, mas, como ela mesma faz questão de registrar na sua história de formação, o
fato de ter sido despertada para a profissão em Minas Gerais mostra como esse acontecimento
fez e ainda faz parte da sua constituição como professora.
O uso da expressão “uma felicidade” indica que ser professor é algo elevado,
ainda mais se fosse alguém daquele lugar – escola rural de Minas Gerais.
Observemos mais dois excertos extraídos de redações de professores:

Nascida de pais pobres, no sertão nordestino.


Vim para São Paulo, tangida pelo destino.
Aqui vi meus pais sofrerem, demasiadamente!
O estudo foi a herança que nos deixou, minha gente!
(Redação 4)

Sou nordestina, do Estado do Ceará, nasci no sertão região do Cariri,


onde a Escola e a Educação acadêmica ainda é privilégio de poucos.

21
(Redação 5)

Nesses dois trechos, percebemos a relação entre o sofrimento que passavam no


Nordeste e a falta do ensino na região. Uma vez que, em São Paulo, retratam a educação
como objeto de valor; tanto financeiro, com o uso do substantivo “herança”, quanto social
através do substantivo “privilégio”.
Essas professoras afirmam a existência de um contraste entre a região Nordeste e
Sudeste em relação à educação; mostram que o sofrimento também faz parte da vida em São
Paulo, mas é ,nesse lugar, que acreditam que a educação é acessível e valorizada.
O seguinte sujeito professor migrante traz, no seu discurso, sob a forma de poema,
semelhanças com os já citados; e, mais uma vez, reforça o contraste entre a educação no
nordeste e sudeste:

Venho de longe, bem longe,


Estado do Ceará.
Terra de Chico Anízio, Rachel de Queiroz,
Tom Cavalcanti e José de Alencar.

(...)

Alfabetizei-me contudo,
No lugar onde nasci,
Mas, os métodos pedagógicos,
De certo não conheci.

(...)

Eu sonhava mais e mais,


Com uma vida diferente.
Não queria terminar,
Vivendo igual a minha gente.

Viajei para São Paulo,


Celeiro de produção,
Lugar de gente que faz,
O orgulho da Nação.

(...)

Com muita honra pertenço,


A área da educação,
Lutei muito e consegui,
Exercer a profissão.
(Redação 7)

22
Pelo uso das conjunções adversativas “contudo” e “mas”, a visão de um nordeste,
onde a educação é precária, é evidente. O uso da primeira conjunção é estranho e está fora
dos padrões normativos da língua portuguesa, mas significa o dizer do sujeito.
As expressões “celeiro de produção”, “lugar de gente que faz” e “o orgulho da
nação” são do senso comum e fazem parte de discursos sobre o estado de São Paulo. O autor
dessa redação reproduz esses enunciados, trazendo, para sua formação como professor, os
sentidos que a eles são conferidos, um lugar que possibilita o crescimento profissional e a
prosperidade dos sujeitos.
Nos seguintes excertos, o que chama a atenção é a escolha lexical do sujeito
professor migrante:

Uma criança interiorana de Jardim no estado do Ceará em 1973.


(...)
Tornou-se um nobre professor, sem esquecer que a “Deus pertence”,
procura estar na realidade o máximo possível; ainda que o mundo
encantado seja eternamente a sua melhor maneira de se expressar
como homem sonhador e como gente.
(Redação 6)

Daí nasceu a inspiração para tornar-me professora. De procedência


humilde enfrentando as dificuldades do Estado da Paraiba, com
muita persistência consegui a formatura do Curso Superior.
(...)
Decepcionada com tudo que jà havia assistido, rsolvi vir continuar
minha carreira que tanto sonhei em São Paulo, especificamente no
Estado. Logo adaptei-me, porèm estamos distantes do tempo em que
eu freqüentava o banco escolar.
(Redação 8)

Nesses excertos, misturam-se as exaltações sobre a profissão de professor e sobre


o estado de São Paulo. As escolhas lexicais revelam a relação que o sujeito professor
migrante faz entre a profissão de professor e um mundo encantado, nobre e cheio de sonhos,
representações idílicas do que seja ser professor. Essas representação podem ser
conseqüência do
vestígio ao mesmo tempo da nostalgia de um passado em que
(imagina-se) o professor ocupava lugar de destaque na sociedade, e
da complexificação e conseqüente adaptação (nem sempre real) do
profissional às necessidades atuais do mercado e do público de
alunos (CORACINI, 2003, p. 245)

23
Por último, deixamos um excerto que revela explicitamente o preconceito que
migrantes sofrem atuando como professores no estado de São Paulo. O preconceito não
apareceu em nenhuma outra redação, apenas nesta:

Em dezembro de 1989, vim para São Paulo e logo consegui trabalho


como caixa de supermercado durante um ano. Em janeiro fiz
inscrição na delegacia de ensino e em 1991, consegui engressar-me
na escola como estagiária, foi muito difícil devido o preconceito que
sofri das colegas e alunos, para com o meu sotaque e questão racial.
Fiquei um ano como estagiária para conseguir uma classe e a
qualquer momento poderia perder pois a professora havia afastado
por tempo determinado.
(Redação 9)

Essa redação foi escrita por um migrante originário de Belo Horizonte, Minas
Gerais, tal como aparece registrado no começo do texto. Aqui, além do sotaque mineiro, a
raça é fator determinante para o sujeito ser alvo de preconceitos. Porém, a menção à relação
entre migração e preconceito é feita de uma maneira muito rápida e o único comentário que o
sujeito tece a respeito é que “foi muito difícil”. Mas, como é dito e marcado, interpretamos o
acontecimento como significativo.

24
6 - CONCLUSÃO

Sabemos que a análise não se esgota aqui, apesar de ser esse o nosso desejo. Mas
com a análise dos recortes acima, podemos tecer algumas conclusões que envolvem nossos
objetivos e o que encontramos nos corpora.
A relação entre o professor migrante e sua língua de seu lugar de origem tem
importância na sua constituição como sujeito e fica evidenciada quando o professor está em
outro lugar, que não na sua terra natal. Muitos tentam reforçar que vieram de outro lugar,
através de costumes ou de uso de palavras que pertencem ao vocabulário de sua região.
A expressão “língua materna” não aparece nos corpora e talvez seja um indício de
que não existe uma distinção entre língua materna e estrangeira - é apenas língua. E essa vai
sendo constituída e constitui o sujeito. Com o relato do sujeito professor migrante que nasceu
em Brasília, mas que se diz natalense e diz afirmar essa posição na e pela língua, reafirmamos
essa hipótese: sujeito e língua se constituem e continuam se constituindo, não havendo limites
definidos entre língua materna e estrangeira.
Podemos concluir, também, a partir dos registros analisados, que o Brasil não pode
ser considerado um país monolíngüe, já que dentro dele, migrantes percebem-se entre línguas,
além de sentirem um estranhamento – por vezes, um sentimento de inferioridade não revelado
– perante os habitantes da região em que se encontram no momento da entrevista - São Paulo.
Esse sentimento de inferioridade é resultado do discurso sobre o estado de São
Paulo, que habita o imaginário dos migrantes, discurso esse que é reproduzido pelos
professores entrevistados. O sudeste é tido como um lugar de oportunidades e onde as coisas
acontecem, além de ser um lugar onde a educação é mais valorizada e acessível a todos. Em
contraponto, o nordeste é lembrado pelas diferenças econômicas e sociais em relação às
outras regiões do país e essas diferenças também refletem-se na área da educação e na própria
“língua”.
Dos recortes analisados, é possível concluir que o preconceito em relação ao
professor de língua portuguesa migrante está presente nas entrevistas e redações: muitas
vezes, ele não é admitido explicitamente, mas, à medida que o entrevistado vai narrando suas
experiências, resvalam – de forma consciente ou inconsciente – “fatos” que envolvem o
preconceito ou palavras que apontam para a sua existência. O sujeito professor migrante
utiliza artifícios que apontam para o preconceito: afasta-se desse discurso, hesita em proferi-lo
ou aponta vantagens pedagógicas para compensá-lo.

25
O preconceito é mais evidente com os nordestinos, pois a representação que
muitos têm dessa região é a de um lugar muito pobre e sem condições econômicas. A
educação deles é vista como deficitária e, portanto, professores nordestinos que migram para
outro estado passam a ser vistos como incapazes de lecionar português.
O sotaque é apontado como o fator principal para que o nordestino seja alvo de
preconceitos. Por ser a primeira característica reconhecida pelos outros e por trazer consigo
(na própria língua) o discurso de um nordeste pobre e com a educação precária.
É importante ressaltar que o processo migratório tem influência na formação do
professor de língua portuguesa, pois ele passa por eventos que o fazem refletir sobre “sua”
língua-cultura. Apesar de serem os nordestinos os que mais sofrem com o preconceito,
percebemos que são eles também que podem, na sua formação e, conseqüentemente, na
formação de seus alunos, discutir e refletir sobre língua(gem) e migração.
Relacionando a migração com o ser professor, podemos observar também a
representação idílica que muitos sujeitos têm do que é ser professor. O lugar de destino desses
migrantes, o estado de São Paulo, é tido como superior em muitos aspectos. Com relação a ser
professor, a maioria se posiciona na defesa da profissão, cheia de ideais. Não há dúvidas de
que a situação professor migrante carrega, sem dúvida, sofrimento, mas os sujeitos
professores migrantes não se mostram arrependidos pela “escolha” que fizeram: as
experiências são múltiplas e as oportunidades mais amplas, de modo que voltar à terra natal
parece significar “andar para trás” na estrada da vida.
Essas conclusões estão imbricadas: ser professor, ser migrantes, sofrer preconceito
fazem parte e constituem o sujeito:

O sujeito é, assim, fruto de múltiplas identificações – imaginárias


e/ou simbólicas – com traços do outro que, como fios que se tecem e
se entrecruzam para formar outros fios, vão se entrelaçando e
construindo a rede complexa e híbrida do inconsciente e, portanto, da
subjetividade. (CORACINI, 2007, p. 61)

Portanto, temos que considerar o processo migratório como constituinte e


significativo para esse sujeito; no caso desta pesquisa, principalmente nas questões que
abordam o sujeito como professor de língua portuguesa, já que tudo está relacionado, como
numa rede de fios. Essas questões aparecem somente em contato com o outro, com o
estranho, como um dos entrevistados mencionou: “o peixe dentro da água não consegue saber
o que é a água”.

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