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JULLY LIEBL
ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARIA JOSÉ CORACINI
CAMPINAS
2008
JULLY LIEBL
CAMPINAS
2008
i
AGRADECIMENTOS
ii
“o peixe dentro da água não consegue saber o que é a água”
(trecho de uma entrevista que faz parte dos corpora)
iii
RESUMO
iv
ABSTRACT
In this work we observed, based on Portuguese teacher discourses, what national identity and
language representations migrant teachers of São Paulo State have, besides their
representations of themselves, as teachers. In order to accomplish this task, informal
interviews and written compositions produced by these migrant teachers were analyzed. The
theories in which we based our study were the discourse analysis, in the tension with the
deconstruction, the psychoanalysis and studies related to the identity concept. Our aims are
therefore to contribute to the discussions, on Applied Linguistics, concerning mother
language teaching reflections (in the case of Brazil, Portuguese) and, as
a consequence, teacher training.
v
LISTA DE SÍMBOLOS
Símbolo: Indica:
E Entrevistado
R Recorte
/ Pausa
// Pausa longa
: Alongamento de vogal
Uso de letras maiúsculas Ênfase
[inc] Fala incompreensível
vi
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO 1
2 – OBJETIVOS 4
2.1 - OBJETIVOS GERAIS 4
2.2 - OBJETIVOS ESPECÍFICOS 4
3 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 6
3.1 - IDENTIDADE E(M) DESCONSTRUÇÃO 6
3.2 - IDENTIDADE NACIONAL E LÍNGUA 7
3.3 - PROFESSOR (EM FORMAÇÃO) 8
3.4 - DIS(CURSO) 9
4 – METODOLOGIA 11
5 – ANÁLISES 12
5.1 – ENTREVISTAS 12
5.1.1 - Os entrevistados 12
5.1.2 - Eixos temáticos 12
5.1.2.1 - Eu e/ou você 12
5.1.2.2 - O outro e o corpo 15
5.1.2.3 – Hesitações 18
5.2 – REDAÇÕES 19
5.2.1 - Os autores 19
5.2.2 - Eixos temáticos 20
5.2.2.1 – Formação 20
5.2.2.2 – Exaltação 21
6 – CONCLUSÃO 25
REFERÊNCIAS 27
vii
1 - INTRODUÇÃO
1
O Brasil é tido como um país homogêneo quanto à sua língua - o português.
Contudo, essa afirmação é inadequada, pois muitas línguas são faladas e muitas são as suas
variantes, visto que, além das inúmeras línguas indígenas1, o Brasil recebeu (e ainda recebe)
imigrantes de várias partes do mundo, que se instala(ra)m nas diferentes regiões do território
nacional.
Mas, existe mais um fato a ser considerado quando dizemos que no Brasil uma
única língua é falada: as mudanças pelas quais a língua passa. Como afirma Coracini:
1
Só muito recentemente foram oficializadas três línguas indígenas (Nheengatu, Tukano e Baniwa) no
município de São Gabriel da Cachoeira no Amazonas.
2
E quando o professor é o migrante, quando ele fala outra variante que não aquela
dos habitantes desse local (alunos, outros professores, coordenadores), quando ele usa
palavras, expressões, sintaxe diferentes, como é visto? Como o professor se compreende e é
compreendido pelos outros? Esse professor fala "errado", e, então, deixaria de ser um modelo
a ser seguido?
Sobre essas e outras questões, que surgiram no decorrer do trabalho, refletimos a
partir dos nossos corpora, constituídos de entrevistas informais feitas com professores
migrantes no estado de São Paulo e de redações de professores escritas para o concurso “O
professor escreve a sua história”2, promovido em 1996 pela Secretaria da Educação do Estado
de São Paulo.
2
Acesso concedido pela Profa. Dra. Marisa Lajolo.
3
2 - OBJETIVOS
(1) Qual é a relação que o sujeito, professor migrante brasileiro, tem com a sua
língua materna?
(2) O sujeito professor percebe-se “entre línguas” dentro do seu país?
(3) Quais são as conseqüências do processo de migração para a sua formação
como professor de língua portuguesa?
4
de movimentação livre na direção de ações socialmente permitidas ou
desejáveis para a manutenção do status quo (NAFFAH NETO, 1985
[1988], p.30).
E no caso dos professores migrantes de língua portuguesa, é esperado que ele fale
corretamente, que utilize a norma padrão da língua. Mas, se esse não for o caso, como ficará a
representação do professor?
Sabemos da importância de compreender-se a si próprio para que o professor
compreenda também seus alunos migrantes em sala de aula, já que esse deveria ser um espaço
de interação e reflexão. Esquecemo-nos, porém, de que como sujeito, o professor precisa
vivenciar experiências que lhe possibilitem dizer-se mais do que dizer, para que perceba a
necessidade de proporcionar experiências semelhantes aos seus alunos. E sabemos quão raras
são essas oportunidades. As redações e as entrevistas-relatos constituem algumas delas.
Desta forma, neste trabalho, queremos contribuir para as discussões sobre língua
materna e formação de professores, além da questão da identidade nacional, que está presente
no migrante de forma mais evidente do que nos outros sujeitos não-migrantes, pois nele se dá
um choque de culturas, embate com a nova cultura e realidade, além de serem cobradas do
migrante características do seu lugar de origem - por exemplo, o sotaque - que, ao mesmo
tempo, podem ser questionadas e até reprimidas.
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3 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
6
É possível apenas se deslocar entre culturas diferentes, sendo constituído por
traços de todas elas. A “desconstrução”, embora seja, por vezes, empregada no lugar de
destruição, não pretende o abandono da epistemologia ocidental, caracterizada pela
racionalidade, pelo pensamento dicotômico e busca da consciência e da verdade, já que nela
nos inserimos e nela nos constituímos sujeito. Pretende, sim, problematizar o que parece
natural e evidente na cultura ocidental.
Derrida (1996 [2001]), em “O monolinguismo do outro: ou a prótese da origem”,
assume a identidade como perturbação, e não como a somatória de características que
distinguem os indivíduos ou as culturas. Assim, a identidade não é nem uma soma de todas as
possíveis “identidades” que o sujeito acumularia ao longo de sua vida nem identidades-cabide
(Bauman, 2004 [2005]) que o sujeito usaria de forma consciente, na medida de seus interesses
e necessidades (concepção sociológica). Cada experiência de vida (por exemplo, o processo
de migração) perturba e desestabiliza o sujeito, transformando sua identidade, sem eliminá-la,
levando-a sempre à “desconstrução” e não à destruição, uma vez que “velho” e “novo”
continuam convivendo.
7
um ponto final, a um momento em que as diferenças serão resolvidas, afinal, só temos a
garantia de que elas existem.
Em “O monolinguismo do outro”, ao narrar sua experiência de vida escolar,
Derrida (1996 [2001]), argelino de origem, expõe como a escola afetou sua concepção de
língua. Graças à contribuição da escola - cujos professores são, como afirma o autor, os
vigilantes da língua pura - que tudo fez para que ele adquirisse o gosto pela “pureza da
língua”, pela língua francesa-padrão, ele não suporta ou não admira outro francês que não seja
o francês puro, castiço, defendendo-o acirradamente, como se fosse de fato francês, ou mais
até do que os nativos da metrópole.
Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode
falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não
pode falar de qualquer coisa (FOUCAULT, 1971 [2006], p.9).
8
pluralidade de vozes, de práticas e de saberes acumulados em todo
percurso histórico-social-ideológico do sujeito (ECKERT-HOFF,
2008, p.43).
3.4 - DIS(CURSO)
“(...) é a palavra que fala do sujeito e não o sujeito que controla a palavra.”
(ECKERT- HOFF, 2008, p.29)
Os dois esquecimentos postulados por Pêcheux & Fuchs (1975 [1997]) nos
mostram como se dá a relação entre sujeito e discurso: o primeiro esquecimento seria o de que
não temos controle sobre o nosso dizer. Temos a ilusão de que somos a origem do nosso
dizer, esquecemo-nos de que o que falamos é uma retomada de um já-dito.
O segundo, que é do nível do semi-consciente, afirma que não temos controle
sobre os sentidos do nosso dizer. Acreditamos que o nosso ouvinte compreende exatamente o
que falamos e que o sentido é único e transparente. Porém, por um simples ato que, muitas
vezes, nos ocorre - por exemplo, durante uma conversa, repetir o que foi dito, mas de outra
maneira - e por isso é da ordem do semi-consciente, revela essa ilusão.
9
Pêcheux, que se coloca na perspectiva discursiva, defende que o significado,
atribuído ao que dizemos, não é fixo, podendo perfeitamente não ser aquele que queríamos, e
que a língua não é uma estrutura sedimentada, completa.
A língua não é uma simples estrutura que se repete: ela está sempre acontecendo,
significando e sendo interpretada em um determinado contexto histórico. Por essa razão,
acreditamos que a língua está em constante movimento, o que faz com que, ao narrar sua
história, os entrevistados estejam interpretando as próprias memórias, pois, para que ocorra a
lembrança, faz-se necessário o esquecimento; isso justifica a constatação de que, quando se
retoma um “fato” passado, outra significação venha à tona. Trata-se da
10
4 - METODOLOGIA
Foram gravadas em áudio, com uma duração que variou de 30 a 60 minutos cada,
realizadas com migrantes de três regiões do Brasil (Nordeste, Centro-Oeste e Sul) que estão
vivendo no estado de São Paulo e que atuam, ou atuaram, como professores de língua
portuguesa neste local. Essas entrevistas foram transcritas por mim e outros alunos que
também estavam realizando seus respectivos projetos de Iniciação Científica.
O segundo corpus é constituído de nove redações ou trechos de redações que
foram escritas por professores da rede pública de ensino para um concurso promovido em
1996, pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, sobre o “Professor escreve a sua
história”.
Selecionamos algumas redações em que os professores retratavam sua migração
para o estado de São Paulo e relacionavam esse fato à sua formação como professor. Foram
poucas as redações que tratavam dessa questão. De aproximadamente três mil redações lidas,
nove diziam ser escritas por professores migrantes.
Tanto o primeiro quanto o segundo corpus fazem parte também do arquivo do
projeto "A suposta uni(ci)dade da língua: entre a memória e o esquecimento", da Profa. Dra.
Maria José Rodrigues Faria Coracini.
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5 - ANÁLISES
5.1 - ENTREVISTAS
5.1.1 - Os entrevistados
12
Aqui, observamos como o sujeito professor migrante se apresenta, através do uso
dos pronomes eu ou você e de outros pronomes oblíquos e possessivos. Prestamos atenção,
também, à forma como o entrevistado se nomeia.
E1-R2: você tinha que ficar / os r você tinha que marcar o a aberto
fechado e aí você era chamado / como se tivesse pronunciando o
nome da pessoa errado / é essa marca de identidade (...) mas toda vez
a chamada era uma coisa assim que / você estava se expondo a cada
paLAvra e você via a reação das pessoas
Nesse recorte, E1 admite o estranhamento por parte do aluno, pois reconhece que
estava na posição de objeto exposto (você estava se expondo a cada paLAvra e você via a reação
das pessoas). Segundo o dicionário Aurélio, “expor” significa, dentre outros sentidos,
apresentar em exposição, tornar evidente, exibir. Portanto, interpretamos o uso do verbo
“expor” como um indício da exibição de algo individual e diferente de quem o observa: o
sotaque nordestino.
3
Para melhor organização, na frente dos trechos retirados das entrevistas, enumeramos o entrevistado e o
recorte. A numeração dos recortes obedece a seqüência em que são apresentados.
13
Ao contrário de E1, E3 se serve dos pronomes “eu”, “me” e “meu” diversas vezes
para se afirmar, ocupar seu lugar e se reconhecer como diferente das pessoas de São Paulo, já
que durante toda a entrevista, ela conta os estranhamentos com os paulistas, caracteriza-os
como mentirosos e individualistas:
Esses dois excertos apresentam a expressão “pela língua”, forma pela qual a
entrevistada se diz ser reconhecida. “Pela língua” nos dá uma idéia de continuidade, ao
contrário de “na língua”; além disso, mostra que a língua a constitui e continua constituindo.
A última entrevistada, E4 brasiliense, se denomina natalense:
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questão de ressaltar esses dois acontecimentos. Ressaltando a educação paulista, ela deixa as
outras regiões num patamar de inferioridade, tanto o Nordeste como o Centro-Oeste.
Por fim, ela revela que usa o léxico do Nordeste para mostrar a todos sua origem:
E4-R6: algumas palavras eu: eu: usava até de forma proposital por
exemplo é: pra finalizar a aula eu dizia pessoal um abraço arrochado
Na entrevista, o sujeito não termina a frase “então aí tem um”; podemos, porém,
identificar, como complemento dessa a palavra “preconceito” ou algo que se assemelhe à
percepção negativa de uma diferença lingüística, notada pelos alunos. Destacamos, ainda, a
escolha do “aí tem um” que mostra a suspeita da existência de algo provocado pelo fato de o
professor de língua portuguesa ser migrante e a resistência em nomeá-lo.
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No excerto acima, podemos observar o início como uma generalização “todas”
seguida de uma hesitação que pode ser interpretada como a visão do professor, todos, não
importa a região ou ambiente educacional, estranham sua origem e o fato de ser professor.
A presença do outro é explícita quando E1 fala: como é que um nordestino com
esse sotaque vai tá dando aula de / língua portuguesa?. A dúvida do outro é significada pelo
sujeito professor migrante como preconceito e está relacionada ao corpo, pelo elemento
“sotaque”. Através dessa pergunta, podemos perceber a formação discursiva que reproduz a
visão de um modelo esperado de professor: um professor sem sotaque (nordestino).
Já E2, em seu discurso, aponta para a presença do outro da seguinte forma:
Nesse recorte, há a relação explícita entre a língua do sujeito e seu corpo. Pelo
sotaque, as pessoas a identificavam como gaúcha, da mesma forma que E1 era identificado
como nordestino. Porém, E2 se nomeia como “eu” e afirma essa posição com o pronome
possessivo “minha”. Essa reação pode ser encarada como a diferença na recepção de
migrantes nordestinos e sulistas; como a recepção ao sotaque nordestino foi negativa e a do
gaúcho foi positiva, o nordestino se afasta desse lugar, apenas menciona a fala do outro, e a
sulista assume, fazendo uso dos pronomes em primeira pessoa.
O discurso do outro aparece de forma direta e é significado pela entrevistada como
uma diferença entre ela e as pessoas do lugar em que se encontra; mas, ao mesmo tempo, está
sendo reconhecida pelo outro através de sua origem.
Quando perguntada sobre o estranhamento sentido pelo outro, dentro da sala de
aula, enquanto E2 lecionava num projeto de alfabetização para crianças do ensino
fundamental, ela responde:
Nesse trecho, E4 faz muitas pausas como se não tivesse muita certeza sobre o fato
de seus alunos a reconhecerem como nordestina e, ao mesmo tempo, falarem impropriedades
sobre o Nordeste.
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O outro aparece na forma de discurso direto e indireto. Quando E4 discute mais
profundamente sobre o que poderia ser estranhado, pelo fato de ser migrante, ela se apropria
do discurso indireto, num gesto de afastamento.
A relação entre língua e corpo é reforçada quando E4 faz um paralelo entre a
“nordestinidade” que estava dentro dela e o sotaque mencionado pelo outro. Pela indignação
do sujeito, percebemos que isso o afeta e produz sentido.
5.1.2.3 - Hesitações
Ser professor migrante, para E1, apresenta, também, vantagens para seus alunos,
no sentido de ter a possibilidade de conviver com a diferença lingüístico-cultural, o que é
sempre uma experiência enriquecedora e educativa:
Contudo, quando E1 mostra o fato de que ser migrante traz vantagens, ele aponta,
apenas, vantagens pedagógicas e procura se afastar enquanto falante dessa língua, isto é, em
nenhum momento do relato, ele se pronuncia sobre as vantagens de ser migrante com relação
a ele mesmo. Além disso, a hesitação “assim” no meio de sua fala e a escolha pelo adjetivo
“interessante”, que pouco significa, reforçam essa idéia.
Ela fala com hesitação, o que é marcado pelo uso de “assim”, que não sofria
preconceito de professores e colegas – o que mostra certa incerteza sobre o que estava
falando. Porém, de repente, lembra o preconceito que seus alunos, professores num curso de
formação, tinham e hesita, mais uma vez, em proferi-lo.
5.2 - REDAÇÕES
5.2.1 - Os autores
4
O nome foi abreviado para manter o anonimato.
19
Quatro redações contam a história de professores que nasceram em Minas Gerais,
três que nasceram no Ceará, um que nasceu na Paraíba e outro que é de origem nordestina,
mas não especifica o estado nem a cidade.
5.2.2.1 - Formação
Neste trecho, podemos observar que a migração para outro estado faz parte da
formação do professor como a realização de um concurso. Assim, a mudança para outro
estado é vista como uma etapa de um processo natural, apesar de mostrar que as mudanças
possam ser cansativas pela repetição das palavras e pelo uso da expressão “Lenga Lenga”.
Em outra redação, lê-se:
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De forma singular, esta redação conta um evento específico (uma festa do dia das
bruxas) e não propriamente a história cronológica da formação do professor. Contudo,
quando o professor escolhe usar expressões mineiras e ressalta que faz isso através do
“mineirando”, podemos perceber que ele nasceu em outro estado e atualmente dá aula em
São Paulo. E isso, ao lado de um evento que traz para o Brasil algo da cultura inglesa, aponta
para a miscigenação presente em sua formação. Também, percebemos que ele deseja marcar
e mostrar a todos a sua origem quando fala que vai “mineirando o nosso causo”.
5.2.2.2 - Exaltação
Exaltar, elevar, deixar ser superior é o que aparece com maior freqüência nos
discursos. Tanto a profissão quanto o lugar para onde vieram são exaltados como superiores:
21
(Redação 5)
(...)
Alfabetizei-me contudo,
No lugar onde nasci,
Mas, os métodos pedagógicos,
De certo não conheci.
(...)
(...)
22
Pelo uso das conjunções adversativas “contudo” e “mas”, a visão de um nordeste,
onde a educação é precária, é evidente. O uso da primeira conjunção é estranho e está fora
dos padrões normativos da língua portuguesa, mas significa o dizer do sujeito.
As expressões “celeiro de produção”, “lugar de gente que faz” e “o orgulho da
nação” são do senso comum e fazem parte de discursos sobre o estado de São Paulo. O autor
dessa redação reproduz esses enunciados, trazendo, para sua formação como professor, os
sentidos que a eles são conferidos, um lugar que possibilita o crescimento profissional e a
prosperidade dos sujeitos.
Nos seguintes excertos, o que chama a atenção é a escolha lexical do sujeito
professor migrante:
23
Por último, deixamos um excerto que revela explicitamente o preconceito que
migrantes sofrem atuando como professores no estado de São Paulo. O preconceito não
apareceu em nenhuma outra redação, apenas nesta:
Essa redação foi escrita por um migrante originário de Belo Horizonte, Minas
Gerais, tal como aparece registrado no começo do texto. Aqui, além do sotaque mineiro, a
raça é fator determinante para o sujeito ser alvo de preconceitos. Porém, a menção à relação
entre migração e preconceito é feita de uma maneira muito rápida e o único comentário que o
sujeito tece a respeito é que “foi muito difícil”. Mas, como é dito e marcado, interpretamos o
acontecimento como significativo.
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6 - CONCLUSÃO
Sabemos que a análise não se esgota aqui, apesar de ser esse o nosso desejo. Mas
com a análise dos recortes acima, podemos tecer algumas conclusões que envolvem nossos
objetivos e o que encontramos nos corpora.
A relação entre o professor migrante e sua língua de seu lugar de origem tem
importância na sua constituição como sujeito e fica evidenciada quando o professor está em
outro lugar, que não na sua terra natal. Muitos tentam reforçar que vieram de outro lugar,
através de costumes ou de uso de palavras que pertencem ao vocabulário de sua região.
A expressão “língua materna” não aparece nos corpora e talvez seja um indício de
que não existe uma distinção entre língua materna e estrangeira - é apenas língua. E essa vai
sendo constituída e constitui o sujeito. Com o relato do sujeito professor migrante que nasceu
em Brasília, mas que se diz natalense e diz afirmar essa posição na e pela língua, reafirmamos
essa hipótese: sujeito e língua se constituem e continuam se constituindo, não havendo limites
definidos entre língua materna e estrangeira.
Podemos concluir, também, a partir dos registros analisados, que o Brasil não pode
ser considerado um país monolíngüe, já que dentro dele, migrantes percebem-se entre línguas,
além de sentirem um estranhamento – por vezes, um sentimento de inferioridade não revelado
– perante os habitantes da região em que se encontram no momento da entrevista - São Paulo.
Esse sentimento de inferioridade é resultado do discurso sobre o estado de São
Paulo, que habita o imaginário dos migrantes, discurso esse que é reproduzido pelos
professores entrevistados. O sudeste é tido como um lugar de oportunidades e onde as coisas
acontecem, além de ser um lugar onde a educação é mais valorizada e acessível a todos. Em
contraponto, o nordeste é lembrado pelas diferenças econômicas e sociais em relação às
outras regiões do país e essas diferenças também refletem-se na área da educação e na própria
“língua”.
Dos recortes analisados, é possível concluir que o preconceito em relação ao
professor de língua portuguesa migrante está presente nas entrevistas e redações: muitas
vezes, ele não é admitido explicitamente, mas, à medida que o entrevistado vai narrando suas
experiências, resvalam – de forma consciente ou inconsciente – “fatos” que envolvem o
preconceito ou palavras que apontam para a sua existência. O sujeito professor migrante
utiliza artifícios que apontam para o preconceito: afasta-se desse discurso, hesita em proferi-lo
ou aponta vantagens pedagógicas para compensá-lo.
25
O preconceito é mais evidente com os nordestinos, pois a representação que
muitos têm dessa região é a de um lugar muito pobre e sem condições econômicas. A
educação deles é vista como deficitária e, portanto, professores nordestinos que migram para
outro estado passam a ser vistos como incapazes de lecionar português.
O sotaque é apontado como o fator principal para que o nordestino seja alvo de
preconceitos. Por ser a primeira característica reconhecida pelos outros e por trazer consigo
(na própria língua) o discurso de um nordeste pobre e com a educação precária.
É importante ressaltar que o processo migratório tem influência na formação do
professor de língua portuguesa, pois ele passa por eventos que o fazem refletir sobre “sua”
língua-cultura. Apesar de serem os nordestinos os que mais sofrem com o preconceito,
percebemos que são eles também que podem, na sua formação e, conseqüentemente, na
formação de seus alunos, discutir e refletir sobre língua(gem) e migração.
Relacionando a migração com o ser professor, podemos observar também a
representação idílica que muitos sujeitos têm do que é ser professor. O lugar de destino desses
migrantes, o estado de São Paulo, é tido como superior em muitos aspectos. Com relação a ser
professor, a maioria se posiciona na defesa da profissão, cheia de ideais. Não há dúvidas de
que a situação professor migrante carrega, sem dúvida, sofrimento, mas os sujeitos
professores migrantes não se mostram arrependidos pela “escolha” que fizeram: as
experiências são múltiplas e as oportunidades mais amplas, de modo que voltar à terra natal
parece significar “andar para trás” na estrada da vida.
Essas conclusões estão imbricadas: ser professor, ser migrantes, sofrer preconceito
fazem parte e constituem o sujeito:
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REFERÊNCIAS
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Jorge Zahar Editor, 2005.
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Mariani et alii. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.
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