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Filosofia Patrística
e Escolástica
Aula 9

por Olavo de Carvalho

coleçáo

História
Essencial da
Filosofia
filo6oft PÀt ístict e E§aolÁíiaâ

DorOlÂvo ale Caxrl}to

cob{Ao Hi§t&ià Dr§erclâl & Büoroüq

Á.omDan}tÁ esta Púlicqáo DVD, !ú


que náo pade ter Endido ú.pât6d!ment!'

rmõd$ no trúneil, üÍil de 2007


co;!Íiahl ô 2oo4 hy olavo dc csfltlho

IoO Olrv§ ilà Cri?.!üo


M{do iaât l}o

B!üror
EdIe Manoel ilê Oliv€in Fllto

Ptoôeio Gráú4ô
Mótrü6 §chsüd! e Dlsnff Rizzolo

Ih{6rdl*o
Álexandd Gi€g

Teêrê Mâii. IâÍretllo PEreirâ

ôd.dtrsltos ôlltÔral§ d€§tâ ediçáo perteieêo à

Ê Re1ürãcôaç EditltÀ, LiÍ&th e Dtstrihri&ra Ltdl'


al6iÍa ltutal 45321
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Filosofia Patrística
e Escolástica
Àula 9

por Olavo de CiuYalho

fssencial da
(l)lcQáo Hisiória Essencial da Filosofia
nilosofia Pahísticâ e Escolásticâ - A[la 9
por Olavo de Carvalho

Esse fenômeno da filosolia cÍistá é, desde o inÍcio, mancado por


uma série de peculiaridades. A pdmeira peculiaridade é que a lilosofia
cristá surge de dentro do cristianismo, o qual evidentemente náo suIge
como uma doutrina, mas como üm acontecimento - um acontecimento
de escala mâcÍoscópica que de Íepente inaügura as ba§es de uma nova
civilizaçáo.
É dam que o alcance desse acontecimento foi percebido muito
lentamente, à medida que o cdstianismo se expressava sob a folma de
doutrina e assim conquistavâ as populações eiÍ tomo. Mas o fato de
que hoje tomemos ónhecimento do cristianismo como uma doutrina
é al8o que com freqüência distorce a nossa üsão originária porque. sc
você examrnar o Evangelho, vai ver que lá úo há propriamente doutrina
alguma. o que há é uma narÍativa de âcontecimentos que sáo testemu_
nhos que, evidertemente, trazem uma men§agem doutrinal implícita,
mas aí é que está todo o problema.
DuraÍte alguns s6culos, haveÍá uú esfoÍço de exterioÍizaçáo dessa
semente cristá sob a {orma de doutrina, até tomar â forma que mÍhecê_
úos hoje. Para se ver como ulÍa coisa podc estar distante da outra, não
custa lembÉr que, por exemplo, a primeirâ teologia moÍal sistemáticâ
aparece no século XVIII. Isso quer dizeÍ que, até esse século, havia,
pelo lado morâ1, diferengas de interpretaçáo enormes entle üma mqui-
diocese e outra, entre um padrc e outro, entre um teólogo e outro. É só
no século XVIII que isto se unifica. Isto é para você lazer uma idéia de
até que ponto o cristianismo nâo é uma doutrina, e muito menos uma
doutrina filosófica.
Tanbém é necessário ver que, para todos âqueles que participaram
desses acontecimenlos. o sentido disso era bastante auto-evidente e nâo
tinha scquer porque sel formulado cm palavras. Essa formulaçáo em
palavras lbi surgindo iustanenieà mcdidâ que pessoas que náo tinham
participado dâquilo, ou que pelo menos náo comurrgavam da sensibilida-
de cristá, íaziam pcrguntas para as quâis os cristàos náo tinhamrcspostâs
prcntas- Entáo ai era ncccssário pcnsar c trânslbnnar a vivênciâ dircta
Íruma expressáo douti'inal, porén âinda ÍragnrcntáÍiâ.
Duranto todaaíasc iniciál da filosofia cristá, quc óa chanadâ "fase
patística", cxistcn cntáo algumas coisâs bâstánte singulares. Primeiro,
porque os padres da lgreja não lazem um esforço para explicar nada, a
náo scr quando recebcm uma objeçáo. Isso quer dizer que praticamente
todos os assuntos dâ literatura pâtrística sáo decididos não pelos padres,
mas pelos seus adversários, na medida em que esles suscilavam obje-
çóes. Esta é a caracteristica principal dos padres: cles náo defendiam
o cristianismo, exceto qüândo âlâcado, e atacado cvidentemenie nos
pontos que chamavam â atenção dos advcrsários. Isio significa que a
iniciativa de formaçáo da cxprcssáo doutriráriacristá vem dos adversá-
rios e náo dos próprios crisiâus. Islo é inteiÍamente natu ral, de vez que,
se aquelas primeiras geraçÕes ainda estavam impregnadas do impacto
dos acontccimcnto§ (dos milagrcs, da rcssurreiçáo, ctc.), para quc sc
vai ter que expor isto em doütrina? É üm negócio que parocia iá oslaÍ
suficientementeexplicadoou desnecessitado dc qualqucr cxplicrção.
Veja:sede lãto Deus se manifestâ na Terra sob ft)rrrrâ hurrl.rnu, âpâ
rcce como seÍ humano. se encama num ser humâno, viv( ullla !,ida de
scr humano, morre, ressuscita, fala com os discípulos dcpois dc nrorio
e sobe aos céus, se tudo isso âconteceu, então, cvidcltcrtl(.rlc, cstc é
o acontecimento central da históÍia, E se é o aoontccilll(xrlo crinlrâl da
história, ele é que é a medida de todâs as coisas. lirtflo, ls rrttlictlçõcs
hümanas e as doutrinas hümanâs peÍdiam nllrilí irrl)ortlnri , nrio sc

.-
ia corrscguir achar uma cxplicâçáo melhor do que aquela que os íalos
tr s'rx,{ jx (5ravam nrostrando. \unüa podemos esqueccr quc ãs pli-
nrc irâs gcraço€s de cristáos aindâ têm o impacto, comodizem, de quenl
viu Dcus. E quandovocê oviu, acho que náo sobmm muitas perguntas
qoc vocô queira fâzer, porque o fato mesmo já tem üma força, náo digo
cxplicátiva, mas uma forçâ de evidência muito grandc.
o próprio sentido da palavra "tevelaçáo" quer dizer que algo foi
Drosirado, c aquilo que foi moslrado não prccisâ sel demonstrado.
Ilma vez que você viu, náo tcm que explicar que aquilo existe e o que
ó, ctc. O próprio Cristo, quando se apresenta, já diz quem é e o que
veio fazer Então, toda a órbila dos acontccimentos humanos perde
nuita importância em facc disso, e náo podemos esqueccr que, alinal
dccontas, as elaboraçôes de doulrinas, teorias, opiniões, etc. sáo apenas
fatos humanos-
Podemos entáo dizeÍ quc cxistc aí üm certo desinteÍesse doutrinal
dessas primeiras geraçôss: a eles pârecia muito mais importânte atcn-
der ao apelo de Cristo de maneira mais dircta através dâ mclaní)ia, da
conversáo e da âdoçáo dc unr novo rumo dc vidâ, c isto iá os manlinha
suficiente entcocupados.
Náo observamos cntrc os s('guidorcs dc CrisL(), rro cotrtcço, ncnhu-
ma discussáo. A discussáo $urgc juslanrcnte pc[) hdo dc lbra. Sáo os
adversários, os descrentes, os âdeDlos dâ rcligirio anliga ou os adeptos
dojudaísmo que colocâm objcçoos c obri!ânr aqucles primeiros padres
a reflctir e pensar, coisa quc clcs por si náo tcriam rcalmcnte por que
lãzer Mâs note que isto - o lato dc a doutrina, a oxpressáo doulÍinal
cíistã nascer de uma caüsa, por a$sirrr dizcr, opositiva é natural, por_
quc no fim das contas toda doutrina é assim. A mente humana sempre
fun.iona dialeticamentc, funciona poÍoposiçoes. É como aquele caso do
Santo Agostinho, qüe quando lhe pcrguntavâm o que é o tempo dizia:
"Quando náo peÍguniâm cu seii quando perguntam cu náo sei mâis"-
Pode hâver um cerlo tipo de saber espontâneo que está impregnado em
você pclo simples Iâio de você estar vivo e de ter presenciado certos
âcontecimentos, mas cujo sentido doutrinal você não seriâ capâz de
expressar em sentenças, em afirmaçóes, e a necessidade de fazêlo só
surge em funçáo de um estimulo extemo,
Em Ézáo disso também acontece uma outra peculiâridâde, que ocor-
re à medida que a cultura toda se crisiiânizâ, quer dizer, todo mundo
vai sc convcrtendo ao cristiânismo, e essa cultüra cristá é a pÍimeira na
hisiória humanâ que não cda os seus púprios instmmentos de exprcssáo
escrita-dito de outro modo, náo c a os seus próprios gêneÍos literários.
Se observar o conjunto da literaturâ patrísiica, você vê que todos os
gêneros literários que eles praticavilm cram greco-romanos ou iudaicos,
eram os gêneros Iiterâios antigos. Podemos classilicá-los basicamente
em três tipos-
Primeiro, há aquelas obras que teriam unl sentido doutrinal ou
científico, aquelas que estáo tratando realmentc de idéias e doutrinas.
Destas, uma parte é apoloSctica, seriâ â dc'fesa da lileratura cristá, defesa
e elogio da Íeligiáo cristá; üma outra parte é constituída de discussóes
polànicas, respostas a obicçóes; e umâ terceira parte é constiiuída de
pequenos tntados sobre pontos muito deteminados. Somando tudo
isso, náo se forma üm edifício doutrinal de maneiÉ alguma, náo se forma
nada, éum caleidoscópio. Um segundo tipo sáo obrâs de tipo históÍico:
sáo relatos, diários, confissóes, cârtâs, etc. E o terceiro ó a litcratum
propriamerte litúrgica, litutgia: hinos da Igreia, prcces, etc.
a
Tudo isso sáo gêneros que iá existiam antigamente, cqueoscristãos
selimitam a continuar prâticândo com um conteúdo cristao, mas com a
estftrtura e com as formas herdadas da tradição antorior Basla cstc fato
para se ver que as necessidades expressivas dcsses princiros cr'istáos
náo eram táo foÍes. Se tudo âquilo que você tem â dizer pode continuar
sendo dito, embora seja totalmente novo, cmborâ no quc diz rcspe;to âo

__
(olllcúd() clc nao caiba dc mancira âlgunra nos nroldes do pcnsânrcnto
$cco-ftnnano, sc âpcsar disso você continua cscrcvendo nos mcsmos
rn{)ldcs literários... É claro que esses moldes sáo deficientes em relação
ir(, conteúdo que você está tentândo exprimir Sevocê tem um contcúdo
l(Íâlmonte novo, é fâtal que tente algum arranio formal, cde um novo
gônero liieráÍio, uma coisaassim, para poder se expressat E náo fizeram
nada disso. Isto mostra quc náo haviâ muitâ iniciativa de expressáo dou-
trinal por parte deles. O quehâvia, amaiorparte do que se produzia ali
cra cvidentemente a apologética, eram prc8açóes pâra ver se convertiam
as pes§oas aocristianismo, i§tosim. Mas, quânto à explicaçáo doutrinal
do cístianismo, náo havia reâlmente muito inteÍesse.
O que vai criar os pÍimeiros esforços de orgânizaçáo doutrinal é
cxâtamente a lenta acumulaÉo dess€ mâteriâl pairísiico. Daqui a pouco
eles começam a empilhar Sáo milhâres de cârtas, milhares depequenos
tratados, milhares de sermóes, etc. Chega uma hora enl que os suieibs
vêem que existe uma imensa literatura cristâ, e a constataçáo da cxis-
tência dessa literatura já sugere a necessidâde de se cncontrâr alSuma
unidade por trás dela.
Ài temos a moiivaçáo filosófica pl()priârncntc d i1â, lâ1v0, nütll ifcstâda
da sua maneira mais pura. Quândo dctini â Íihs(Íia co ) unidade do
conhccimenro na u nidade da cuns! iincia I vi(,'v( rsir, crn rarüsucâsióes
você observa isto, assim, com tanta clârczu quanlo ncssa transiçâo da
fase patÍística para a fase cscolásticâ. Porquo ó iustamcnte o acúmulo
da massa de escritos e da massa de opi[i(_)cs cm circulaçáo que sügere
â algumâs mentes cristãs a neccssidâdc dc unilicâÍ, de encontrar uma
coerência por trás de tudo âquilo. E cssâ motivaçao náo cra âpenas de
ordem intelectuâ], pois isso se Íeflctiria imediatamcnte na condução da
Fópriâ vida cristâ daqueles indivíduos. Thatava-se, novâmente, de coeÍir
o conjunto do conhecimento parâ encontrar um modo dc existência
pessoal que traduzisse aquilo sob forma de vida humanâ, de biografia
humana, de tal odo que esÍa vida assinr conduzida retroativamente
csclarcccssc âquclc mesmo conteúdo que a havia inspjrado. Tenr-seestâ
intcrpenetraçâo dâ idéia de unidade do conhccimcnto com a idú;â dc
unidadeda consciênciae, portanio, tambóm uDidâde da própriâ conduta,
então podcmos considerar essâ uma molivaçao lilosólica genuina.
Esie eúbrço de sistenatização, poróor, lambérr náo podc começâr
âssim, sem mais nem mctros, mas tcrá quo pcrcorrcr umâ série de ela
pas. Por exemplo, o problcna quc sc colocavâ era cxâtamente de uma
multiplicidade dedocumentos escritos, cortaro pr(tprio Evangelho,
sern

sem contar o qüe haviê sobrado dc dcpoimcntos orais transmilidos


pela própriâ tradiçáo dâ Igrcia, à qual a Igrcja deu sempÍe quase lanta
;mportância quânio aos Evangelhos.
Dianle de iudo isso, o que fazcr? Náo sc podc permitir a sirnples
coniinuaçâo da acumulaçáo qudntitativa, porquc dâquia poucojá não se
sâbe mais se aquilo que se está pregando ú crisl ian isnro or náo, poiânto
é naiural a lentativa de cncontrar algunra ordcn por lrás dc ludu isso.
Mas a ordcm qucvoca vaicncoDtrâr, en primeiÍo lugar ela tcm que ser
puramente nlaie â1, que é a ordem dos próprios documcntos. Vocô vai
terqueiuntaÍ os documcnios, clâssificáios, colocârâ data de cada üm,
sabcr dc onde vicram, c isto iá é trabâlho paÍâ muiia gente durante mu ito
tcmpo. Tenos âi. na tbÍmÂção do começo da Escolástica, unra làse quc
poderíamos dcnominar quase quc a "fase íiiológica", que ó â dc você
rcunir c ordenar a documentaçãu e separar os docunronlr)s válidos dos
docunenios inválidos, eníin, delimiiarqualó o campo rratcrialcm cima
do qual depois você vâi fazer suâ tcntativa de sislcDr tizltç.r,.
uma vez reunido e ordenado esse maierial, poriur, o quc j?i nnplica
prcblemâs absoluiamente medonhos dc interprctaçáo dc texto porque
aí já havia pâssado cinco ou scis sóculos , enl scguida coDreça uma
oulrâ lãse: a da comparaçáo dos docurreoios cnlre si parâ ver se sc
]

consegue iirar de dois documcntos uma mcsma alimrâçào, um nesrno

l0
juizo l'ormâl, às vezes com diferença de modalidadc de expressão... Esta
scgunda tàse é chamada - nào por mim, mâs pelos historiadores de
"[asc concordísticâ".
Vocó vai tcntar fazeÍ a concordância cntrc todos os documentos,
c aquilo que 1(:)Í absolutamcntc discorde de tudo você iira forâ e diz:
"lsto aqüi rão vale, isio aqui ibi umê opinião pcssoal enitida, é um
clcpoinrcnto duvidoso". Já não se 1ü14 mais só dc coteiar documenbs,
Irâs do cxtrairdc dcntro (lclcs alirnra((')cs fi)rmais (lüc podcm n:io cstar
nclcs. íssir)r, lil.ralrrcDtc. 'liirla sc (lc lrâdtr/i'1,)s cnr
iüí/o! lornlâis dc
liDr) d(trrlrinâl (lu( Dr)ssx scr (.lrlno ronIIÍr(l's Ur) s(u errrterido ki-
l1i(1' Vlrx* s(lt!Í'rtr., (k unr ltl(lo. v(nc l(.lr Lrl' di§cllr$) âpologólico
,,1',,'rl',,l,hli,. ld,r ul||,,(:,flx,nr rrrrxlit.r pc\trJJl l-..vrdcnlc
"Irr
rtrx.c[ s ll (' cslir) (liscr, snrdo no nresnn) plâno. então não tclil icito de
vocr lirrcr conrDar.rçao dirctai vai pÍecisar puxar dos dois afinnâçales
quc pcrlcnçanr à Dresma clave, por assim dizer, parâ daí comparâr o
cr)ntcúdo c veÍ se batc ou náo. E isso tem qüe seÍ feilocom docuÍnentos
c nrâis documcntos.
Notc bcm, esse prcblema não foram os padrcs que buscaram, Eles
sinplesmente encontraram o problemâ, assim conro as objcçóes e â
resisiência do público também náo tbram elcs quc buscaram. Eles sim-
plesmentc cncontrârâm c toraÍn forncccndo cxpli!_açóes à Dledida quc
âs pessoas solicitavam. Ora, ó iDrpossívcl que públicos absolutamente
desencontrados c diierentes cntre si coli)câsscrl pLrgunlas nâ ordcn)
dc modo que simplesmentc colocionando ís resp()slas sc iivcssc um
sistcnâ. Náo é assim- os plânos dc âbordagcrn são dcscnconirados,
os níveis dc intcresse també não balcnr... litcralura pâtrística é um
^
monte de gente làlando dc um morlc dc assuntos para um monte de
gente- No entario, tudo isto icln que ter unra unidadc no fundo. Por
quê? PoÍquc tudo isto é o cristianismo. A unidâde ai iá se enconira
somente no fundot nâ supcrficic Dâo tem nenhuma.

ll
O que chamamos de Filosofia Escolástica nasce desse problema.
Elâ é umâ cspócie de resíduo, de efeito colâteral, do esforço de reu-
nião, interpretaçáo e concordância dos vários documentos. Como isso,
evidentemente, Íequer um monte dc tócnicas, não só liieráriâs mas
também lógicas, acaba se tornando necessário adestrar as pessoas paÍa
essas técnicâs, e é aí que surge o reaproveitamenlo do legâdo filosófico
grego. O suieito decisivo era Boócio, que ó tido gemlnrente como o
primeiro dos escolásticos, o indivíduo quc rcúnc os mâteriais gregos
qüe tinham sobrado sobre lógica e dá àquilo üma Íormulaçáo cscolar
para o treinamento dos padrcs. Mas é claÍo que isso é só um âspecto
pequeno do trabalho â seÍ feito, seria somente a preparação técnica
de um aspecto dâ educaçáo necessária para que depois os camaradas
fizessem todo esse serviço.
Como isso também e umâ ubra colcliva. c ncccssário se assegurar
de geraçáo em gemção, a continuidade da compreonsáo dâquilo tudo.
Se estamos trabâlhândo aqui para iuntar a literatüÍa cristá o lhc dar
uma formulação coerente, mas o suieito quc cstá fazendo isso morre
no meio do caminho, o outÍo que vai continuâr tâmbém tem que ser
adestrado para poder trâbâlhâr dentrc de uma linha coerente- A ciü-
lizâçáo do Ocidente nasce disso. Praticamentc iodas as nossas hâbi-
lidâdes de leiiura, a nossa consciência de tempomlidade histórica, a
nossa consciênciâ da importância dos documentos, tudo, ludo nasce
disso- E náo é necessário dizer que, passado muito tempo, às vezes
basta um pequcno aJastamento do cristianismo para quc tudo isto se
perca também iunto.
Passada essa fase filológica, e passâda a fase concordísticâ, quando
se pode finalmente chegar a um ponto em que â doutriDa crisiâ pode
começar a ser expressa sistematicamente, aí surgem Dovos problemas
ãinda piores. Sempre que você vâi sintetizar uma nrassa de materiâl
heteÍogêneo tem que encontrar, teÍ os princípios cm Íunção dos quais

1Z

_..-l'
você vai fazer a síntese. A síntese náo âpârece sozinha: você tem que
rr:r xma Íâzáo de sinteiizar assim e náo assado-
O pÍimeiro princípio que é adotado para isto é o pressuposto de
quc o conteúdo dos Êvangelhos, dc toda â mensagem c stá e de toda
a documentâQáo cristá deve ser râcional de algum modo, ou seja, deve
nodcr sercxpresso de maneira râcional e poder serdiscutido e p&vâdo
dc NaneiÍa racional. Esteé o primeiro ponio, e esseprincípio ninguém
liDhu pcnsado até cntáo. Durantc saculos, isio nem tinha passâdo pela
cubiiça dos cristtiosi sccra raci(nrâl ou iffilcional, cssâquestáonáo exis_
tc. Mas, dc fljp{rrlc, dizcrrri "Vu,nos odcn r islo c bolar uma síntcsc
(lÍuo ó (lu! vÍrnos luzcr isvi' Sc vnrrx,s liucl sob ft) r dc doutrina,
o nrxkú) (u(. (rÍrh('(x rrx)s c o (ltlc hcrd{rrÍ,s íc l'latáo c
(.rlto krlos ([rrr,rp[cssllr ^ri§l.Íclcs,
nllli! ou ntcnos conx)iilc§ cxprcssariâm.
issl,
liDtro c cvidcntc (ltlc â doulrinâ lcnr que tor uma oryanizaçáo lógica,
partindo dc priDcípios quc ou sejam logicamente su stentáveis ou §ciam
documentalmcnte sustentáveis, com base no primeiro testemunho que
ó o Evangeiho".
Aconteceque este pressuposto implica um outro mâis profundo: se
o uonjunto da Revelaçáo cristã é ücional, e a Revelaçáo cri§tá é o que
o próprio Cristo trouxe, e Gisto é o próprio loSos criado! é â pÍópria
força instituidora da realidade, isto significa que a realidâde como um
todo tâmbém tem que ser racional. Então vcja como um simples trâbalho
de você pegar a pâpelada e botar em orde acaba lcvando-o a âssumir
pÍincípios fi losóficos.
Uma vez assumido esse princípio, isto náo qucr dizer que você vai
conseguir aplicá-lo facilmente a toda aquclâ mâssa dc alirmações, e
nem que esta râcionalidade hipotótica do coniunlo do reâI, Íacionalj-
dade hipoiética do coniunto da I{evclâção cristã, vá se mostraÍ a vocô
nâ primeim. Quando se Íala de "oÍdcm racionâI", essa ordem vâi das
prcmissas para as conseqüências. E câdê as premissas? Entáo ela ne_

13

'_
cessário, cm primeiro lugâr, explicitâr essas premissas tal como estâvâm
no Evangelho. Âgora, leia o Evangelho e vejâ se é lácil tirar alguma
prcrni!54 doutrinâl dâli. Quais sãô os primcims prin(ipios mais Bcrais
e quais os princípios derivados?
Veja o eslorço monstro de passagem de um discurso milopoótico para
um discurso iógico estrulurado. Tcnr que se pâssar por todas as fases,
retódca c dialética no meio. Nunca houvc um eslbÍQo tão grânde nesse
sentido, e por isso mcsmo isto âqüi é a espinha dorsal da civilizaçáo.
E não só da civilizaçào ocidcntal, poÍqüe no mundo islâmico se terá
exatamente o mesmo problema logo depois. O mundo islâmico náo
fârá senáo imitar este mesmo procedimcnto, com algumas diferençâs
específicas. Umâ providência que eles iomarâm, e qu€ talvez tenha sido
sábia, é resgüardar os aspectos náo racionalizáveis da dout na- Isto é,
entreosvárioselementosquecompócnadoutrina,tântocristáquÂnto
jslámica, existe em prinreiro lugar a Revelâçáo; cm scgundo, a tradiçâo,

aquilo queloi sendo transmitido; o existe â coniinuidadcda Rcvolação,


isto ó, Deus pode dizer mais alguma coisa que Ele náo disse ântes.
No mundo cristão, o eslorço de unificaçáo é total, e no mundo
islâmico é pârciâ|. Existcm várias tentaiivês diferentes, existem esco-
las teológicas diferenies que, embora diveÍgindo, são âdmiiidas como
igualmcnte ortodoxas. E âinda existc a possibilidade das revelaçõ€s
pessoais feitas a santos e místicos, os quâis náo têm a obrigaçáo de dar
conta do conteúdo doutrinal daquilo. Isso queÍ dizcr que clcs podem
enunciar a revelação que lhes foi feita, mesmo que ninguém entcnda-
Quando isto acontece! essâs sentenças sáo coLocadas à mâÍgem da
discussáo teológica, e elas podem ser aceitâs poÍ qucm assim deseie.
lsso no mundo islâmico. Mas isto íoi assim porque lá nâo cxiste uma
inÍituiçâo chamadâ lgreiâ. No mundo islâmico nào se iem clero, todo
muçulmano é o saccrdote da sua própria família. Mas como no Ocidente
há a o.ganizaçáo centmlizada e hierárquica, tambóm o csforço de sis-

t4
lcrratiAçáo tenr quc scr um só, unificado, e a doutrina que se obtiver

tcnr quc scr unilbrme para todos.


I)ara vocós teÍem idóia da trabalheira, é só leÍem âlgumas atas dc
(lnrcítios. À elaboraçáo começa no nivel dos estudiosos, dos filólogos
( dos lcaÍogos. Dcpois, podc-se chegâr em ccrtâs dúvidas que náo se
crnrscguc rcsolvet naquelc plano e que requeirâm decisôes doüirinais.
lir'sils dccisócs, quem podc tomar? Somcnte â autoridade eclesiástica,
urláo vti lá pâra ocârdcâ|. lúâs c sco caÍdeâlnáo souber? Então vai ler
(tuc Dcrguntar para {) Grncilio. Il sc o (}nrcili(r náo souhcr? Daí o Con-
(ilio (rnrsullí r) l)tp0. I':s( í) I'aprr rrrro $ruhcf' l:nlao o l'trpa pcrgunta
p{flr l)r.uri. ftrn(no brlti(r (l(,|)apr c cssa. O l'üpü cxislc sobrctudo para
^ rlrr(l, sc rrirr8Uanr ülliis soubcr, vâi teÍ quo sc ajoelhar e
irsot (, o suir,it0
li(.rrr ft.lr r(lo ílú l)cus lirlal alguma coisa para ele. Enquanto não falar,
llc DIo podc abrir a boca.
Mcsmo sem chegâr ató essaúltima instância, em que é necessário
o Pãpa consultar o prôprio Deus, antes disso iá houve muito traba_
lho a ser feito, e, como eu disse, quândo iermina a fase filológica e
concordística, a da simples conparaçáo dos documentos dois a dois,
vai comsçâr essâ fase da sistematizaçáo. Ai é que o cristianismo pela
primeirâ vez cria o scu p meiro góncro litcrário. O gênero literário é

o que se chamasumr. O que é a suma? Éum compêndio organizado da

doutrina c stá. O fato mesmo de quc cxistam várias sumas mostra como
náo fácil lâzêlas, porque, se tivessom accrtado na primcirâ, teriaüma
ó

só. Mas âté chegar à suma âinda vai corrcr unt pouco mais dc tinta aí.
Uma vez âdotâdos esses dois prcssupost(,s i§to ó, de que o conteúdo
da Revclaçáo é racional c de que, portanto, o universo é racional ,no
momento deseencontr quâis sáo os princípios quecstruturam racio_
nâlmente aÍealidade, vai-se teÍ quc puxar esses principios dedentro do
próprio Evangelho, e o fato é que existem inúmeÍâs maneiras de fâzer
isso. Aí comeQam a surgir ptoblemas-

l5
Um problema é que o suieito tenta uma sintese, mas esta síntese
deixa de foÉ eoisas impoÍantes que, üma vez levâdas em consideÍaçáo,
derubâm a síntese. O suieito faz uma arma(áo lógica toda arumadinha
e diz: "Olha, está aqui â estrutura da doutrina cristá". Daí aparece um
outro suieito e diz: "Olha, mas tem uma frase lá no Evangelho que o
senhor esqueceu e que desmente isto". Entáo tem que começar tudo

A segunda possibilidade de erro é o erro de pcrspectivâ: o indivíduo


náo hierarquizou as coisas direito, colocou elementos acidentâis no
centlo e o essencial Iorâ. lsto também Pode âcontecer o tempo todo.
E pode acontecer o simples erÍo de interpretaçáo: o sujeiio eniendeu
errado. Dai é que começa a hâver â pululaçáo das heresias.
Heresiâ é o quê? Éuma doutrina cÍistá. Pâra uma doutrina PodeÍ ser
considerada herética ela tem quc s€r cristá, em primeirc lugar. A gente
náo pode dizer que o budismo é uma hercsia- Nâo, o budismo é outro
negócio, é outÍa religiáo. Umâ heresia é uma falsadoutrina cristá, é uma
falsaversáo da doutrinâ cristá. Ora, a possibilidade dcaParecimento da
heresia é enormemente vasla pelo simples fato de que o material básico
que se tem, que é o Evangelho, é um discurso miiopoético que tem por
si mesmo várias camadâs de sentido. Estou dizendo isto para vocês
terem idéia do monumento de trabalho intelectual que esses camaradas
fizeram, e como sem isso náo seríamos absolutâmente nada aié hoje.
Na passagem do mitopoéiico para o discurso lógico, a própda plu_
râlidade de sentidos possÍveis tem que seÍ articulada de algum modo
que acabe sendo conveÍgente para os principios que sc está qucrendo
esiabelecer, e isso também náo âcontece por si, tem que scr enconuado,
depuÍâdo um a um. Mâis ainda: dentrc do Evangelho, como discurso
mitopoético, existe um monte deexpressóes paradoxais. É só vasculhar
um pouco que se enconttâ. A própria doutrina da Tlindade: Deus é
um em essência sob â lbrma de três Pessoâs, lrês hipóstases, tÍês per-


sonificaçóes, que permanecem inteiramente distintâs sendo umâ só-
Àí lá se tem um problema diâléiico monstro. Segundo: o problema da
Encârnâçáo, O que quer dizeÍ "e o verbo se fez carne"? Podemos en-
tendeÍ isso, porexemplo, poeticaments- Podemos eniender que, âqüilo
quc num ce o plano de rcalidade é um indiúduo humano, num oütro
plâno é üm discurso.
se em cima desse nível de vida que ocupamos, que é o nível hu-
mano, exisiissc um outro plano constituído inteiramente de discüÍso,
cnláo lcsus cquivâlcria a um deierminado discurso, como numa peça
dc leÂtro cnr quc, cada uflr dc Dós, :ro nrcsnn) tcDrpo cu sou eu, mâs
nâ(luclooll1ro ph ) sr)u o pc$onâ8crr (tuccstoü rcprcscntândo. Então
sc prxlcÍinnr dislirguir csscr ü,is plâIr)s. Mfls se há uora divcrsidadc de

ll|rÍ,s, crLar) sc col{)cn o pr)ble'na da hicrarquiâ de realidâde, pois, se


cxistc urr plano cspiriiual, que é causa e Íündamento deste daqui, do
rrrundo scnsível, entáo cm quc scntido o Jesus Cristo camal é táo IÊal
quanto o Jcsus Cristo consideÊdo como logos, como verbo divino? Aí
já suÍgem mil explicâçóes difercntes-
Agora, veia o lado mais dÍamático da históriar todos os indivíduos
que conscrvavam dentro de si, através da iradiçâo, o eco do impacto
originário da presença de Jesus Cristo, podemos dizer que sintética e
compactamente eles sabiam a solução de tudo isso, mas náo sabiam
verbalmente. Nesses momentos, csses individuos sáo o único güia
possivel- Quer dizeÍ que a interpretaqáo coffeta é dada por uma cspó-
cie de afinação entre a alma do indivíduo c a inspiÍaçáo originríria do
cristianismo. Sem isso náo adiânta elc ter todas âs técnicas possíveis,
polque vai se confundir com as técnicas ou no meio delas.
Éjüsiamente aí que as figuras dcsscs grandcs intérpretes da religiáo
cristâ, como Sânto Tomás de Aquino, âpârecefi como proüdenciais.
Por quê? Porqüe se tem deum lado a Revelaçáo, que é o elemento por
assim dizer"fático", é o fato, é o dado; por ouiro lado tem-se o elemento

17
"sistemâtizaÇáo". que é a part€ racional e humana do negócio. Esta aqui
tem que ser um cco dâquela) mas acontcce que âquela náo se truduz
em sistematização poÍ si mesma: évocê mesmo que tem que fâzer, náo
ó Deus que vai fazer para você. Entáo vocô está fâzendo o máximo de
esforço racional construlivo e, ao mcsmo tempo, tem que estar ligâdo
à fó originária.
Náo pode haver maior tensào no espírito do que esta, pois vamos
supor qúc o indivíduo num ceÍto momento se concentra, rezâ, lê a Bl
blia, reza, e ele tem a resposia de Deus. Ele tem para si, náo sob forma
de douÍrina, mas sob formâ de rcsposta fática, respostâ real. Podemos
dizer: esse indivíduo coíhece Deus, mas ele náo conhecg Deus dou-
t nalmente- O lado douirinal é ele que vai fazer, e pâra esse trabalho
doutÍinal o esÍorao é exaiamente o contrário do esforço contemplativo
do homem quc cstá rczando. É un csforço oonstrutivo, arquitetônico
c 1âmttr:m ânâlítico.
Nâ iensáo entrc a 1õ c a inspiraçáo origináriâ e o esforço racionâl
construtivo, ali ó que surge iustamcnte todo o drama das heresias, das
interpretações paÍciais, dos erros, dos desvios. E precisamos entendeÍ
que, quandoum suieito cometiaumerro desses, os que cometiam effos
eram participantes do mesmo esforço; nâo era niÍguém que e§tava a
fim de sacanear, não. Havia um esforço coletivo de sistcmatizâçâo e
expressáo da rcligiáo crisiá, e lá pelas tantas um dos pedrciros come_
qou a construiruma parte do edifÍcio que náo combinâ com o resto. O
que vâmos lãzer? Às vezes náo se pode iogar Íora o quc o §ujcito fez.
Por quê? Porqüe às vezes o erro delecontém dentro dc si objcçóes que
podem ser prcciosas para esclarecer aqui o coniunto, cntáo náo se pode

iogar fora. Mâs tâmbém náo se pode dcjxâr como cstá- Isso quer dizer
que, com câda novo heresiarca qu€ apareciâ, âs discus§ôe§ podiâm se
pÍolongar por anos e anos- Hoje temos a idéia de que, se âparccia um
sujeito hercsiâra, meiia-se o cara na fogueirâ- Se tivesse sido assim
lcriü sido tácil, mas a doutrina crisiã não existiria.
Quando se chcga a construir o tribunal da Inquisiçáo, que foi em
1214, 1218, iá é numâ fâse muitissimo avânçada.lá é séctrlo Xlll, que
c a culnrinaçáo dâ EscolásÚca. Eles já têm Sânto Tomás de Aquino,
l)uns Scol, etc. A funçáo básica do tribunal da Inquisiçáo é examinar o
n tcrial cristáo, cxaninar tudo aquilo que está sendo distribuido como
'a
doutrinâ crisiá, e v€r seó. Mâs acontece que, às vezes, você também não
síhc sc ú, oú pcÍccbc quc tcm âlgo crrâdo mas nâo sabe o quê- PoÍque,
rn)lc hcnr, â intcrprct çiodo Ilvíngclhoóa trânsposiçáodo miiopoético
l).lr o ân litiro, clltru, a $crnprc ullr pÍolíon diÍiuil: há vários níveis
dc illtcrprclrçnt,, css(§ vr'r, ios tiv0is larl quc scr aÍticulados dc rnuilas
Ixrrr.irnscD(x nllill,s hr(l)s dilcrcntcs... Notc que, scvocêdcr u salio
dt.rlcz sr,cLrkrs c chcgur ar) súculo XX, vcrá que no dominio do direiio,
pol cx(i0rpl(). sonronlo ll() sóculo XX aparcce um sujeito que diz que o
cditicio do dircilo tcm que sertodinho rucional ebâseâdo numâ premissâ
riDica, como é a norma fundamental do Kelsen. Também a mim parece
(ibvioque, se nãotivesse havido todo esse gigantesco esforço, ninguém
tcria pensado nisso.
lsso quer dizer que toda a Escolástica é üma imensaapostanas pos-
sibilidades da expressáo racional hu mana de um conteúdo divinamente
revelado. Éaaposta mais dilícil que pode haver. Você também tem que
levar em conta que esse edifício da doulrina cristãainda náo está pronto.
Ele continua. De Concilio cm Concílio, cssc ncgócio ainda continua e
âs discussões teológicâs aindâ continuam. E váo conlinuar até o finl dos
tempos, pelo pÍóprio caráter iníiÍito da Revclâçto originituia. Aqu ilo tem
possibilidades quevocê não cntcndc, só entendc quando clas se rcvclam
nâ históriâ, quândo elâs âparecem dc alguin modo.
o {a1o de dizeÍmos que a Revelaqáo cristâvem numa lórmula mito-
poética náo querdizerqucela seja "mito" no conceito oposto à "histó-
ria". Normalmente o pessoal faz muita distinQào de mito ehistóriâ, mas

l9
acontccc quc umacoisaó um mito que foi inventado, umâ história que
foi invcntada, e outra coisa é um mito que aconteceu. A vida, paixâo e
moíe de Nosso SenhorJesus Cristo aconteceu. Éum con,unto de fatos
históÍicos com um sentido mitico. Semprc que isto acontece, tem_se
ali compactâdo um coniunto de possihilidades cujo desdobÍamento
tcmpoÍal será a Hisiória de uma civilizaçáo.
Assim como o ciclo judaico começa com o Gênesis e vai terminâr
na Jerusalém Celestc, o ciclo cristâo começa com o nascimento deiesus
Cristo evai tcrminar no Jüízo Final. lsso também quer dizeÍ que tinha
ali üm outrô elemento que só âos poucos foi sendo expÍesso, que é o
fato de qüe esta Revelaqào trazia dentro de si um modelo do desenvol-
vimento tcmpoml futuÍo em direçáo âo ruízo Final, continha algo que
vamos chamar de " Filosofia da História". Mas também nâo é exato dizer
quc é uma filosoíia da históriâ, porque tinha uma§ementc miiopoética
de múltiplas filosoÍiâs da hiskíria possíveis, todas iSualmente cri§tàs,
das quais a primeira expressáo é a de Santo Agostinho em scu livro
A Cidaile de Deus. PoÍém, esta possibilidade qüe Santo Agostinho é o
pdmeiÍoa cxplorar fica mais ou menos entreparênteses dutânte algum
tempo, e o problema da filosofia cristá da história só vai voltar a se
colocâr müito tempo depois.
Isto é para vocês terem idéia de como o edifício doutdnal nâo está
pronto. Podemos dizer tâxativamente que náo existe uma filosofiâ
cdstá dâ história. Náo existe uma doutrina cristá da históriâ. Existe a
possibilidade de umâ, existe a semcnte de umaque está dada no próprio
Fvangelhu, afinal de conlas o Etangelho diz que âs (oi§as conrccaram
assim e vão acabar assado- Como isso deve ser interyrctado? Se este é
o ârcabouço eterno da história humana, como é quc isso se lÍadüz nos
termos da história ieal?
Por exemplo, veja o problema que isto colocainstantaneamente paÍa
a própria Igreia como instituiçáo. Se a Igreia tem que durar no tempo,

zo
r,,r lrrzr) l,inâlnàoóparaamanhá-asprimeirasgeraçõescristâsacha-
vr r (üo iâ scr râpidinho , então a Igreja pas§a a tet um papel que se
l)rrll»ga no tempo. Qual é o papel da lgeia? Tirar essas pessoas destc
lrund{r c voltá-las para o outro? Sim, podeÍia ser Porém, ató lá, elâs
larr quc cstar crcscidinhas, é preciso alimentálas, vestilas, educá-las,
Ircparálas e, enquanto isso, darlhes ummeio de subsistência. Entáo a
lgreia, enquanio simples pofiadoÉ da Revelaçáo, é uma coisa, e a lgrejâ
cnquanto lbrçâ histo câmente atuante é outra. Qual é a ârticulaçáo
dclas? Você sabe? Eu não. Nem você sabc nem eü. Mas esse iá ó um
oulro problema que a Filosofia Escolástica inteira ncm mcxeu. Ficolr
lá com Santo Agostinho e depois, muito mâis tardc, no sa'culo XX, vai

É nesse momento que, a pârtir de elementos biblico§, pode surgir


uma inierprctaçáo herética, mesmo náo tcndo a interpretaçáo certa.
ou seiâ, náo temos a doutdna cristá dâ história, mas o suieito pode
propor uma que a gente perceba que náo é a certa. Mas vamos percebê_
la, daro, d€ maneira obscüra. Veja que um teólogo cristão no século
xx é colocado de novo na mesma situâçáo dos primeiros padres: ele é
obrigado a desenvolver um aspecto da doutdna, no qual ele não tinha
pensado aindâ, pâra Íespondcr â uma vcrsáo herética que se adiantou
c veio pdmeirc.
Sempre que óâssim, quando você cstá trabalhando num domínio em
que o lâdo adversário e que tem a ini( iâliva. vo(i (r,nrcçu por râciocinar
e por tent& responderlhe na clavc dclc, c cssâ clavc ó cvidcntemente
inâdequada àquilo que você mesmo qücr dizcr Ató você achar a mo_
dalidade de expressáo e de articulaçáo corrcta para aquilo, passa-se
algum tempo. É fácil perceber que hojc, por exemplo, a Teologiâ dâ
Libertaçáo tem muito mais iniciativa do quc a respostaâ elâ. Náo exi§te
nenhuma teologia organizada da hislória que responda à Teologia da
LibertâÇáo. Tentando Íespondet você vâi responder nos termos dela,

2t
aos ponios que ela levantou, do jeiio quc ela levântou, no nível que
levantou. 'ILdo isso está inadequâdo: você está tÍâbalhando ainda com
os instrumenlos do adversário, e alé encontrar os seus próFios isso
é um problema. Veia como seria imporiantc hoje o problema de uma
tmlogiâ crisÍá da história.
A diferença básica da Revclaçáo crislãpaÍa a Teologia da Liberiâçáo,
e iambém da filosolia da história de Sanlo Agostinho para a Têologia
da Libertaçào, é que na primeirâ, na tcologia cÍistá, o fim da história
náo faz parteda história. O fim da históriaé a etemidade. Nâo sc pode
dizer que o Juízo Final seja um acontecimento dcntro da históriâ, ao
contrário, ele â âbarca toda. Éum momento em que todos os momentos
anteriores estáo contidos, porque todos seráo julgados ali dentro.
Náo ó prcciso scr muito esperto para ver que isto náo pode ser um
acontecimenLo deniro dahistória. Scria a mesma coisa quedizeÍ: "Olha,
o iulgamenlo do crimo náo faz parte do crime". Ao passo quc, para â
Teologia da Libcrtaçáo, a culDinaçáo dos tempos ó dcntro da história,
quc é exatamente aquele negócio caractcristicamente revolucionárjo,
gnóstico. de que a históriâ vai paraÍ, vai chegar num ce o patamar
de peÍfeição c dali parâ adiârrte o que vai acontcccr é ouÍo negócio
especificamente diferente que iá náo será mais a história. Como KaÍl
Mârx dizia: "Passarcmos da pré-história para a verdadcirâ históía".
Seria o que se pode châmar de "o fim da história" ou "o começo da
história". Pode ser o fim ou o começo, agora, história é que não seÉ.
Éntáo haverá dentro do tempo umâ espécie de pamdâ do tcmpo na quat
unla ccía socicdàde lemporalmenle e\istcnlc scrá corrro umâ e\pócie
de Jcrusâlém Celesie plantada estaticâment€ na suâ perleição por náo
se sabe quanto tempo,
O simples fato de â idéia da eternidadc scr rcbatidâ para dentro
de um certo tempo deteÍminado, por isso você iá vô, esse negócio não
pode ser cristáo! Cristo náo disse que â história ia tcrminar deniro da

22
hisi(iria. Falou qüe ia tcrnlinaÍ tüdo, é todo o orbe da manifestaçáo e

dâ cxislência que scráabsoÍvido ncssc moDrcnio eierno doJuízo Final.


liln teÍmos cristáos, porguntar "Quandoóo Juizo Final?", o]uízo
se vocô

Finâl foi ontem, é hoie c scrá âmanhã, cstá scnrpre dc certo modo nesse
nurrncnto mesmo. É pcrmanente-
Apenas dentm dâ nossa escala podr,'mos vcr: â nossâ vidâ temporal
ó como sc fosse um certo raio que, partindo do círcuk), vâi rcbalcr nâ
superficie da esfera, comparuda a todos os ou tn)s raios quc csláo làzcndo
a mesmacoisa naquelemomcnto. Do ponlo dovislâdcssc único raio, a
csfeÍa está no fim, poÍque é só láquevocôvâi cncontrara §upcrlicic dela,
nras naveÍdadeéo raio que está dentro dâ eslera. Há unl dcsnivcl entrc
umâ percepçáo fundada na temporâlidâde humana e umaoutra fundada
Da eternidade. Atemporalidade humânâ podc ser compÍeendida desde
a etcrnidade, mas o contrário nao pode. Sevocê tentar compleendeÍ â
ctemidade dentro da temporalidade humana, o que fârá? lnventará umâ
pseudo-etcrnidade, que será a suposta forma final dâ sociedade, nâ qual
tudo será etemamente bclo (como é em Cuba, por exemplo).
É claro que essa é uma idóia deuma estupidcz monulnentâI, mas âs
idéias mais cslúpidas, quando expostas com uma certa complexidade,
embora se tornem mais cstúpidas aindâ, poÍ câusa disso mesmo elas
criam dificuldades e bloqucios scm lim. l§so quu dizcr quc, mcsmo o
teólogo cristáo sabendo que isto ó làlso, conú ó (luc ric vai responder
a este negócio?

IAlrlilo: O Espínosa tfieshlo üiticaut cssa t isdo de que a etemiihcle


é ape aswna so a ale quantidades discrclas de tefipo.l
É. entáo os caras conlundiam a ctcrn idâdc com a perenidade. Vâmos
supor que você conseguisse criar uma socicdade perene, uma sociedade
quenunca maisacâbe. Elanào scria ctcrna;teve um começo numcerto
momento e simplesmentc vai paraÍ por ali mesmo- Éclaro que náo vai

23
haver sociedade nenhuma âssim, mas, sc houvesse.,. Também pode
acontecer qüe esse caráler estático dâ sociedade perÍeita final, perce-
bendo-se que isto é um absurdo, pode-se atenuar a idéia, dizcr: "Náol
Hâverá uma outra têmporâlidade, um outro nível de tempo", entâo a
idéia se torna aparentemcnte menos absutda.
Também nào é necessrírio dizerque, nesse ínterim, nos últimos tre-
zentos anos, toda a compreensáo dcsse edifício doutrinâl crisiáo "foi
pam a Cucüia". As pessoas náo são mais capazes de uu esforço deste
tamanho, nâo há mais rnnguém que seia capaz disto. No entanto, paÍa
respondcr a isto, para responder à teologia falsa, seÍia preciso ter a teo-
logiâ verdâdeira- E câdê a ieologia verdadeira? Não vejo outramaneira
sonáo reconquistá-la toda, rcconquistar os instrumentos intelcctuais
todos quc csse pessoal tinhâ e rcfazer dentro de si esta traietória que
loi a da Íormação da Escoláslica.
Muito bcm, os princípios nos quais a Escoláslicâ se bascou - a ra-
cionâlidadc dâ mcnsagcrÍ crisiá e, portanto, a racionalidade do real em
geral , isso nào inplicavâdc mâneira alguma a cxclusáode um elemento
dc mistório, um clcmenio incxplic.ável, só que esse inexplicável ia ser
reduzido ao mínimo e somcnie àquilo que estivesse no Evangelho. Vocô
náo vai inventâr [ovos mistéÍios, Se tem ponios ali que Deus reseúa â
explicação parâ si, entáo não seria nem um pouco râcional você ientar
explicartudo. Para explicar orestojá cstádificil, quanto mais esses pe-
dêços. Por oütro lado, esscs doi s pressupostos implicavam, para os que
trabalhavam nessa obra, â adoçáo de uma certâ técnicâ, e esta técnica
escolástica é iustamente o que vâi criar o modelo das sdmas.
As sumas são sempre organizâdâs :tssim: tcm-sc a colocaçâo do
problema na forma de uma pergunta; as várias altcrnalivas, as várias
respostas possiveis;os aÍgumentos pró e conÚa cada uma;â soluçáo do
pmblcma; e aí se tem a cítica final das soluções quc foram abandona-
das, que íoÉm impugnadas. Cada capítulo de umâ suma é organizado

74
,r\siIr, e à conclusâo final entáo servirá depremissa para demonstrâções

Iistc proccsso é chamado de clarificação, de esclarecimento, de


Irancirâ qucaquilo que esiá embutido seja desdobrado e exteriorizado
(lc lgurn modo, sempre pclo método dialético da confrontaçáo de al-
tcnrativâs, que ou se sintetiza numa tcrceira, ou se coÍtâumadelas, ou
sc invcnta outra, de modo que! aparlirdâs primciras questoes, as qües-
locs seguintes vâo se ramificando. Por exemplo. se vocô pegar a § rfl
contra os Eentios, que é marâvilhosamcntc organizada, Santo Tornás
vai oolocâr ali um prim eiro capítulo sobre os primcims principios, sobre
Dcus, a etemidâde, o ser; depojs vai desrendo para qucstôcs câda vez
mais dctalhadas e particularizâdâs sobre todos os princípios secundários
que estruturam isso, até chegar em questõesdâvidâ prática, moral, etc.
Iudo isso linha que estar articulado. Náo é um discurso lineat porquc
há diversas questoes iniciais. Essâs questões iniciais se entremesclam,
depois âs conclusõcs vâo sendo mescladas, e a única imagem fisica
que se pode lâzer disso ó iustamente a imagem do que surgemaistardc
como arquitetura gótica.
A arquitetura gótica tambóm: sc você partc do topo da catcdral, vê
que ela se eslftturu como unr processo dc ramjticâçáo, dc desdobra-
mento, como se fosse um quadro sinóptico, ullla c()lunâdc châves;tem
uma chave âqui, temoutra ali, c as duâs sc cnlrctnt.sclam no mcio. isto
terá conseqüênciâs, mais tardc, tarnbior na inrâginâçâo musical, na
concepçáo do espaqo, no§ gênercs lilcrári(,s, clc.
Veia, aindâ raciocinamos dcntm dcssc esqucnrâ. Ttrdo isso, todo esse
edifício está pressuposlo, por excnrplo, na oryanizaçáo das nossas gÉmá-
ticas, está pressuposto na organizaçâo dc q ualq ucr cstrutura empresarial,
lsto realmente a espinha doÍsalda humanidade. Se você quiser sãbcÍ
é

por que a civilizaçáo do Ocidcntc sc impôs a todas as demâis, é só por


causadisso. Ela tem unidade or8ânica, as outras náotinham. Isso queÍ

25
dizer que, mesmo depois da Reforma, do Renascimento, mesmo depois
de uma ampla descÍistianizaçáo do mundo, ainda estamos dentro dessa
oÍganicidad€ escolástica e gótica-
Nao sei o que âconteceria se isso fosse perdido ou esquecido de
todo, mas na passagem parâ a Filosofia Moderna obseÍamos iá àlgu-
mas catástofes cognitivas que suagem da perda de p€rcepção dessa
organicidade. Essâ perda, evidentemenle, nâo é vista como tal pelos
personagens que a üvenciâm a explicaçâo que eles dâo do que está
acontecendo é outra completamente diferents- Só para adiantar o
expediente, só pâra dar um exemplo da trânsiçáo do escolástico para
o modemo... PaÍa compreender uma certa filosofia, nada é mclhor do
que você ter idéia do que veio antes e do que veio depois. Vimos um
capítülo antes, e, âgora, se pe.guntarem: 'rE o câpÍtulo seguinte?". No
capitulo scguinte se tem o contrastc.
A Escolástica, segu indo Aristóteles (adaptândo-o c aperfeiçoando-o
cnoÍnremente, porque as cxplicaçóes de Aristóteles também sáo enor-
memcntc compactadas e obscuras), nos comentários de Sânto Tomás
de Áquino â Aristótcles, que é talvez a melhor obm dele, Aristóteles
aparece todo organizado como uma igreia gótica. Você tem mil chaves,
as châves váo se entremesclando... Ou seia, aquilo tem uma estrutura
poliíônicâ, na verdadc. É cunoso aié o sujeito falár dc polifonia, porque
durantc todo o peÍíodo gótico o canto ó o gregoriano, que é monofônico.
Mas a arquitetura iá era polifônicâ, entáo a polifonia iá estava dadâ nâ
estrutura da igreiâ.

IÁluno: (.-.) o senhot chama tafihitfi de poliíonia nesse caso,


nào é?l
São várias melodias simultáneas que têm que se articular de âlgum
modo. No cânto gregoriano, o coral podia teÍ mil c quinhentas pessoas,
iam lodos canrar eÀâlâmentc â mesma nelodia.

26
i^luno: Mrs (...) essas üátias melodias üessupôetfi que sejam
ot\!fiizadas de ocotclo com essa u ídade? O suieito mais alto parcce
que (...).1
Sc náo tiver nenhuma conexáo entre elas não soarácomo polifonia,
mâs apenâs como mixóÍdia. O pessoâl âté tcntou no sécülo XX fazet
nras náo dá nadâ.

[Alrro Mas essa conexao (...) é (...) hie iryuica e...]


Veja, se você tem várias mclodias, tem essas váriâs chaves, e elas
vão se entremesclando; tem umâ mclodia aqui, outra aqui, outm ali,
mas dentro váo se misluÍâr VoLê podc até tocar, por exemplo, uma
cm seqüência à outra: toca uma, dcpois toca ouira, dcpois toca outra.
Diz: 'Agora vamos misturâr para vcr no que dá'r. É exâtâmente assim,
é como você ter as várias torÍes dâ igreja; sáo as várias chaves que váo
descendo, mas lá pâÍa baixo clas váo cruzar
Antes de dar esse exemplo é preciso dar mais üma explicaçáo: esta
unidadc orgânica do pensâmento cristáo ó obtjda também graçâs â um
fator sociológico, que é a organização dâ vida intelcctual na época. À
câstâ dos intclectuais medievais era constilu ída inteiramente de pessoas
dedicâdas a esta funçáo. A coisa era tão complicada, 1áo complicâda,
que se tinha que estar continuamcÍlc rcciclando as novas geraqoes
para prepamr novo§ individuos para continuâr aq!ilo. [iâ uma cspécic
de uma gigântesca polifonia doutrinâl qu(.podifl continuar por muitas
geraÇÕes, e que de tato continua ató hoic.
Aos poucos, os procedimenlos para o troinanrcnto e a preparaçáo
dessa gente acabam adquirindo uma ccrtà unidâde e marcando o estilo
de pensamento da época por unl ccrto estilo de vidâ intelectual. O
indivíduo que se dedicava à vida intclcctual tinha que ter basicamente
duas hâbilidades, duas qualificaçÕes: primeiro, iinha que ser um cristáo,
ou seja, tinha qüe ter âlguma vivência diÍeta daquilo que se falava na
doutrina cristá; em segundo lugâ4 ele devia ser um técnico de leitura,
porque o material todô com que se trâbalhava eram t€xtos. A interpre-
taçáo do texto à luz da inspiraçáo crisiá que sc recicla âtravés da prece,
da vida cristã, etc., essa é a ocupação desses indivíduos. Eles só fazem
isso otempo todo, portânto, havia desde logouma imensa comunidade
de obictivos pâra todos eles, o que também significa que todos sabiam
do que todos estâvám falando.
lsto só aconteceu nessa época, Se você pegaÍ as elites universiririas
de outras épocâs, isso não âcontece de mâneim alguma, euer dizerque,
seexisle, poÍ exemplo, uma discussáo entre o teólogo eo heresiârca, os
dois se entendem peúeitamente. Se entendendo teoricâmcnte é possível
a prova. Veja queâ condenaçáo dc um indivíduo porheresia só se faria
depois dc esgoiadas lodas as possibilidades da persuasáo racional.
euer
dizcr que, só sc o indivÍduo náo se rendia à argumentâçáo racional, aí
sim eles diziam: "Entáo o cara é obstinado, náo adianta conversar..
Temos quo nos livrar dolc!".
Isso também quer dizer que a arie da intcrpretaçáo de tcxtos chegâ
aí a requinies que hote as pessoas iá não consegucm imaginâr por
excmplo, a interyretaçáo de uma únicâ sentença do Evangelho pode se
prolongar por milhares e milhares de páginas, e aquilo náo se esgota.
Náo se esgota mesmo. Por outro lado, tudo aquilo vai esiar âÍiculado
com outm interpretaçáo dc outra íÉse, e assim por diante. Há um
esforço pernanentc de unilicaçáo de todo o conhecimento na alma do
própdo teólogo, islo é, do próprio cristáo.Isso é FilosoÍia no seu estado
mais puro, é â unidade do conhecimento na unidade dâ consciência e
vice-vcrsa. Isto se observa em todos os filósofos (do período), todos,
sem exceçáo.
O fato de que houvesse uma lÍnguâ internacional c o fato de que
as universidades se compusessem de um público que vinha dc vários
países, de viírias classes sociais, fâzia também que a âquisição da con-

2A
,ll\ri, dc estudantc, dc intelectual, cortasse os laços do indivíduo com
ir suâ r)r'igem social. Â partir da hoÉ em que ele vestiu o uniforme de
cstudante, ninguém mais peÍguntava de onde ele vinha, qucm era seu
p ii quem em sua máe, se em nobre ou mendigo, se em da França ou
lla Alemanha. Tinla é que mostrar que era capiu de uma convivênciâ
dcntro das normas da vida estudantil e intelectual
Quândo tudo isso não se destaz no mundo modemo, mas é aban-
donado por uma parte dâ intelectualidadc em favor da vida inleleclual
LoÍÍo lrcelancet, é evidente qüe â primeira coisa quc acontcce é que se
pcrdc a possibilidade do diálogo internâcionâ|, nào sc tcm mais isto. E
isso acontece tustamente quando surye uma nova intelectuâlidadc já
náo universitária, mas palaciana, dâ qual fazem partc Dcscartes, Ma-
quiavel, Thomas Hobbes, etc, Eram ou âristocrâtas- como Descarte§, ou
servidores da classe aristocrática, como Maquiavel e Hobbes.lá üüâm
num ambiente completamente diJerente, e, evidentementc, também
as suas regras de convivência com as pessoas eram muito diferentc§.
veja, por exemplo, que qualquer livro de filosofia medieval que você ler
começa, geralmente! com umâ invocaçáo a Nosso SenhorJesus Cristo,
à Virgem Maria, alguma coisa assim. A pârtir do século XY XVI, os
novos livros de filosofia comcçam com u,n exóÍdio que em gcrâl é ba-
jülaçáo de âlgum rei, nobrc ou príncipc, alguórn quc dcu dinhciro paÍa
o sujeito escreveÍ aquilo. Basl isso parâ vocó dizcr: "Virou bagunça"-
Começou aí a corupgáo.
Náo havendo mâis a condiçáo do diílogo irtcrnacional, não se lem
mais a íiscalizaçáo sistemática. Náo sc podc csquccer que, dentro da
universidade mcdieval, o que quer qüe se disscsse cra dito parâ todâ a
congregaçáo, eniáo ia aparecer m uita gcnto discordando e reclamando,
e a algum acordo ia ter que se chegar ali. Àté quesechegava... Osu,eito,
quando alcançava a culminaçáo de sua carreira de professor, erâ conüdâ-
do a fazer uma sessáo do que eles chanravam q,restiones quodLibetalesl

29
o suj{jit() ticâva ali nâ Irente de ioda a congregaçáo - professores e cstu-
dânlcs- e tinha que responderbem â qualquer peÍgunta soble quâlqueÍ
coisa. Era uma monstruosidade, evidentemente, todo o conjunto dos
conhecimentos quehâviaali, o sujeito iinha que demonstrar que domi-
nava, É claro que era um universo de conhecimenlos mais limitâdo do
quc hoie, mas mesmo assim era um negócio monstruoso,
As ptóptias q estio es quoilLibetales mostravam a unidade de prc-
ocupâção da universidâde. Univenidadc não qucria dizer outra coisa
senão o conjunto dos estudantes e professores. Mais tarde vai-se inter-
pÍ:lar como tlioersitas literarum et scíentiatum (universalidade das
ciências e dâs letràs), mas isso é un sentido posterior. No começo, uni-
vcrsidadc quer dizer apenas "o universo de estudântes e professorcs".
Os novos intclcctuais que surgem dentro da casta aÍistocrática náo
perlencem â cstc univ.{so, c o público a que eles se dirigem é em geral
mcnos qualilicüdo irt(l(.cluülm(nt( do quc cle\. I unr publico quc lcm
maisdinhoiro, Inas lcü mcnos quâlilica(ão inÍelcctual. Entào, oconvite
ao charlatanismo aí iá ó imediato... Basta isso para se ver que a Filosofia
Modernâ não pode sel sériâ eln relâçáo à outiâ, é impossível scr; mas
podia pclo mcnos ter salvo as aparências. Para teridéia de como é que â
coisa muda repentinamenlc, você pode comparar, por exemplo, a teoria
da pelcepção que os escolásticos defenderam a partir de fuistótclcs com
qualqucr das teorias da percepçáo que aparecem em seguida.
Sobre apercepçáo, os escolásticos c Aristótcles diziam quc todo ob-
jeto tem em si, articulâdâs) uma multiplicidade de lbmras sinultâneas.
Por exemplo, se você pega um sapo, ele tem a fomra cspacial de sapo, e
por isso mesmo ele tem, considerado num outro plano, a forma visível
de sâpo. A forma visível não éâ mesmacoisaque a formacspâciâI, mas
cstáo juntas, náo sáo separáveis, Ao mesmo tempo, ele eÍrite um som
de sâpo, e se você o fritar e comer ele vaitcl gosto dc sapo- Esses vários
aspectos -o espacial, visíve], auditivo, tátil, etc. sâo as váriâs formas

30
.Ijr snrtosc inscparávcl compõe o objeto. No quc consiste a perccpçáo?
(\)nsistc âpenas na coÍreta leitura dessas várias Iormas, Se você o toca,
scntc o lormato cspacial de sapo; se o vê, interpreta aquilo como sâpo.
So, no lim, você icm idéia de que é um sapo, isso ocorre por quê? PoÍ_
quc, alóm de teÍ todas as formas sensiveis, ele tem a lbÍma intcligívcl
do sâpo, senâovocê náo inieligiria que é üm sapo. Sepcrcebeque éum
sapo, se percebe que este se enquadra nun conccito assim, é porque a
forma d€le é o coüespondente obietivo do que este conceito afirma.
Veiaque, no meio dctodoo prucesso sensitivo, exisic a inteligência-
Éa inteligênciaque intelige a íorma inteligível. Abaixo dela, há âs várias
oulras capâcidades que também são intelectuais, aseu modo, que tam-
bém sâo inteleciivas, a seu modo, que sáo capacidades de vocô apreender
cssas várias folmas articulâdamente num mesmo obieto sem esquecer
que vêm desse mesmo objeto. Aí você tem o desdobmmento dâs suas
faculdades nosvános sentidos: a visão pega os aspectos visíveis, o tâto
pega os aspectos espaciai§, etc.; ao mesmo tempo, o primciro nível da
síntese é simplesmenie â rcuniáo de todos esses scntidos num obicto
único, e a isso eles chamam "o scntido comum" «) se s s cofiu is),
que iá é um rudimento da intcligência.
Á teoria é bastante clegante, e de fato náo há nada que possa der-
Íubá-la; qualquer oulrâ coisa que você acresccnte, náo vejo como.,-
Náo creio que seja negável, por exemplo, que os seniidos próprios
como úsáo, audiçáo, etc. não captam as formas correspondcntes aos
outros sentidos. Ou seja, o olho não ouve, o ouvido náo vê, cada um
só pega o scu. Então, como é que você sabc que tudo estáno mesmo
objeio? Evidentemente, é porqucvocê tem a capacidadede fazcr isso
se você pega é porque pode fazer isso, Não sabcmos como funcio-
na, mas sâbemos que esta função existc, c a isto eles chamavam o
se süs con1ul1is, qu,e é a identificâçáo dâ fonte unitaria dos váÍios

31
Em pdmeiro luga! isso quer dizeÍ que Àristóieles e o§ escolásticos
viam o processo de peÍcepçáo como um simples processo de iaÍormaçáo:
entrada de infoÍmâção e sintese de infoÍmaçóes. Isto foi muitas vezes
irabalhâdo e Íetrabalhado em müitas versôes diferentes, cada vez mâis
elegantes. Derepente, apârece Thomas Hobbes e diz: "Istoé tudouma
besteiralO queacontece é o seguinte: o objeio da Percepçáo pÍessiona
o nosso corpo. e o nosso curPo de dentro reaSe a pressao. E assim que
se dá a peÍcepção". Por exemplo, se vocô apertar o seu olho, vê üma
luz; apertâr o ouúdo, ouve um som; quândo ouve um som de fora é
se
porque você está sendo aportado. lsto é o que na fâse modema se chama
uma "teoÍia da percepção". Mâis ainda, ele diz: "Os estímulos que vêm
do objeto apârecem em você como representaçôes. Se um obieto aper-
tou seu ouvido, você ouve um som, mas o som que você ouviu é uma
representâção. Esta reprcsentâçáo não está no objeto; o som que você
ouve nao é o som quc o objcto cmitiu, porqüe sc fos§e o som do objeto
ainda cstariâ nele e náo cm você. Portanto, em Princípio, náo há muita
rclaçáo entre o quc você oúve e o som quc foi ouvido fora"-
Mas isso nâo é üma coisa sóda. E as pessoas até hoie estudam isso
como se lbsse uma coisa digna de atençâo, quando é evidentemente
umâ bobagem! Mas é umâ bobagem exprcssa, âssim, com um tom de
superioridade: "Náo, aqueles cams vinhâm com aquelateoriâ da forma,
chamava espécies, que é da teoria da espécie, isso é tudo uma besteirâ,
na verdâde é assim: aperto seu olho, vocêvêumâ luz, puxo sua orelha,
você ouve um somi e) mais aindâ, o som que você ouviu náo tbi aquele
que emitiu! o som que e§tá em você não é o mesmo que está no objeto,
porque se estivesse Iá você não teria ouüdo nada". E assim vai. As
teorias de Descartes náo sáo melhores do que essa,
Isso é paÍâ vocês terem idéia do que é uma catástrofe intelectuâI.
Quando se passa de um esforço coletivo orgânizado durante séculos,
com milhóes e milhões de discussões enormemente cuidâdosas, para de

32
repente um sujeito que lá no castelo do conde tal inventou um náo-sei-
quê, e quando teve dinh€iro para publicâr o livm ele publicou. Só posso
entender isso como uma promoção de uma pseudo-intelectualidade,
promoçáo pÍoposital feita pela casta aÍistocrática para ver se disputava
um poucodo espaço com o clerc. só posso €ntender isto. 'Ah, ele§ tém
üm monte de intelectuais, vamos arrumâr uns tamhém. Pega uma grana
aí, tem um tâl de Hobbes, dá um dinheiÍo para c|e...". E, evidentemente,
sempre apareceráo pessoas talcntosas e ncccssitadas de dinheircque
aceitaráo isso, ou entáo algum aristocÍaiâ pode semeter alazersuas
própriss especulações depois qüe se aposenta, como, por exemplo,
fez Descartes,
Tendo este antecedcnte, este conseqüente da Escolistica, vocês iêm
reâlmente uma idéia do que foi isto e da força estruturante que isto
ainda tem residualmente em todas as nossas discussóes- Isto tem mais
forçá do que qualqucr Filosofiâ Moderna, porque nenhuma delâs abarca
um universo assim tão grande. Só podemos encontrar um paralelo de
esforço coletivo pÍosseguido ao longo de tanto tempo no marxismo.
O marxismo tem 150 anos mais ou menos, c cle é umâ colctividade
organizada que está [alando mais ou menos das mesmas coisas. Náo
deixa de ser uma escolástica, à sua maneira; é um esforço filosófico ao
mesmo tempo pessoal e coleiivo, da parte de câda um, e nâ qual c:rda
um, pariindo de suâ experiênciâ, de suâs veÍificações pessoais e de sua
própria busca de unidade do conhecimento na unidade da consciência
e vice-versa, propóe algo à coletiüdade, que lhe devolve com correçóes.
Neste sentido, o mârxismo é evideltemente uma escolásticâ.
Uma outra seria a psicanálise, Mas é evidente que nenbuma dessas
tem seja a amplitude de assunto scia a clovação dc inspiraçáo, e muito
menos tem a perfeiçáo técnica e â honradez intelectual da Escolástica.
Isso quer dizer que ainda dependemos da Escolástica, e para toda a
humanidade, quer saiba, quer náo, ela amda ó o ponto de referência.

33
Não a Escolástica consid€rada como conteúdo filosófico, mas como
forma de organização da atividade intelectuâI arraigada, por um lado'
na realidadc, na expeÍiência efeiiva, e, Por oütro lado, elaborada num
ediÍicio doutrinâl comum.

ÍAluno Efi estudo ila Wrcepção'. captamos os obieÍos a paÍti de


al|umas categolias perceptiüas, nào é? E essa...l
Essas âfirmâçôcs - por exemplo, "câptamos a parth de certas ca-
tegorias cognitivas" , quando Kant diz isto, o que ele está fazendo?
Qualquer escolástico concordaria perfeitamente com isto, mas acres_
centaria iflediatamente: "Você captâ de acordo com certas categorias
p€rceptivaq porque o obieto emite de acotdo com certas categoriâs
emissivas". Quâlquerescolástico mata a isso na primeira. Ou seja, você
só podc captar aquilo que está na suâ estrutura de percepçáo, porque o
obieto só podc emilir aquilo que está na sua estrutura de emissáo. Se
um sapo quisercântarcomo um rouxinol, ele não pode- Esia informaçáo
auditiva ele náo passará para você.

lAluno: E isre uma lei de incerÍeza--. Pot exefiplo, os cães (...)


ttào têh a especulaitlade, eles não cofise*uefi perceber qüe eslõo em
Írcnte a üm espelho (.--), então eles aêem alqo parciaL A ge te não
Wderia estat (...)?1
Esse é um dos motivos pelos quâis você tem o cachorro, e nâo é o
cachorro que tem você- Quando você pcga um animal que tem uma
limitação perceptiva que você não tem, e ao mesmo tcmpo vocô pode
ter uma limitaçáo que ele náo tem, a qual dos doi§ incumbe saber
disso, avocê ou ao animal?

IAlDno: Vejo mais, has ôo eteistiiam uisões, oisões mais compLe'


Ías, mais complexas, fiao (,..)?\

34
N4as claro que existcm, ó cvidente que existem! Se aparecer ali um
anjo, clevêvocê, vê o cachorÍo, entende tudo que você está percebendo,
o que o câchono está percebendo e a articulaçáo dos dois, etc. Mas,
note bemr tudo isto pressupõe uma estrutura não somente do sujeito,
rnas também do obieto. Ou seia, a idéia de formas a priotí dà percep-
çáo, só existem foÍmas, prioli da percepçáo porque existem foÍmas 4
p/íori da emissáo.
O objcto para o Kânt nen existe, ele só pcnsa no sujcito. Esie é o
problema qüe estudaÍemos quando cntrarmos Da Filosofia Moderna,
que é o problema da prio dâdc cognitiva do suieito, que é uma das
rnaiores cretinices queâlguém iá pôde terpensado ao longo dahistóriâ
- você achar que o sujeito é ceúo para si mesmo e o objeto é apenas um
lenômeno que se apresenta QuâlqüeÍ escolástico de décimo quinto
a ele-

escalão, táo logo você dissesse isso ele iá perguntariar "Mâs como você
poderia ser sujeito sem ser obicto tambóm?". Você náo pode conceber
o sujeito em si.
Vamos definü: sujeiio é aquele que recebe a informaçáo- lsso náo
é um raciocínio que se encontra em ncnhum Íilósofo escolástico, mas
que faço partindo dc uma inspirâçáo quc scriâ aristotólica - náo ianto
escolásticâ quanlo aristotélica. Quc diria Aristótclcs se cstivesse ouvindo
uma coisâ dêssas? Ele diria: "Muito sjmplos: o suicito é aquele que re-
cebe a intbrmação e o obieto é aquele que a cÍtilc". Você podc conceber
algum ente que somente receba informaqocs scm iamais emiti-lâs? Ou
outro que só as emita sem jamais reccbô-lâs? I mpossívcl, hein? Portanto,
tudo aquilo que é suieito sob ceúo aspccto c obieto sob outro ou sob
o mesmo aspecto, se você tem estroturas 4 2/rori do conhecimento
cnquanto suieito do conhecimento, vocô também as tem enquanto ob-
jeto, por isso que posso falar das suas cstru{uras- Nessemomento iá
e é

estou transfomando-o em obieto. Estou descrcvcndo as suâs estruturas


a pro do conhecimento, entáo, paÍa mim você é objeto.
Você dizcr que a coisa-cm-si é inacessível, ela é iâo inace§sível quanto
o sujeito-cm-si, o que Santo Agostinho iá tinha percebido. É]e dizia;
"Isso acoisamais simples domundo. Nâo sei tudo a meu rcspeito". E
é

se você não sabe tudo a seu respeito, também náo sabe â lespeito de um

sapo. Mas isso faz parte da sua estrutura e faz parte da estrutura do sapo
tambóm. você náo pode saber tudo a respeito do sapo por quê? Porque
o sâpo lambém não pode marufe§tar tudo o que ele é simultaneamcnte.
O coitado dô sapo só pode emitir certas informações a cada momento
Ele tem uma forma de existência tempoÉI, náo tem a simultaneidade da
mânifestaçAo; portânto, ele náo pode ser conhecido na suâ inteireza Por
outÍo sertemporâI, pois ele tâmbém nâo exisie em sua inteieza. Entáo'
se você náo sabe tudo a respeito do sapo, issô náo é uma deficiência
sua, é uma deficiência do sapol E o conhecimento que você tem dele é
limitâdo porquc elc é limitado; portanto, esse conhccimenio é perfeita_
mente adcquado à Iormâ dc existôncia delel
Isto aqui qualqueÍ escolástico perceberia no pÍimeiro momento.
Mâs acontece que, quando Kânt abre a boca para falar desse negócio,
os escolásticos jánáo emm mais escolásticos, eram e§colásticos já con_
taminâdos de racionalismo clássico, como Christian WolÍf, que era um
escolástico meio espinosano, meio cartesiano. Náo eram mais escolás-
ticos de verdâde. Mas Santo'Ibmás de Aquino, nem precisariâ
se fosse
pensar, dormindo ele diria isso: "Olha, aüsa esse idiota qüe é assim,
assim, assim". Ele náo conhece o sapo_em-si porque o sapo tamÉm
náo está lá em-si! Como é que o sapo iâ estar_em_si, que sapo é esse?
O sapo teria que estâr presente com a totalidade dos seus momentos
num só momento. seria o suPersapol

ÍAl!ji.a: (...) exíste sentidos q eo cao tem, de audiçAo, qüe ào


Íemos, fi,áo é? Sons que escapaian ile nossos (...) . EnÍão tafibém seia
peigoso a Ce te subestimar a capacídaile ile outro ser achanda que ele

'
t;cupaz ile alguma caísã, poryüe aí ós é que estatíamos itcolrcndo
(t üro. Pode ser que ele seia sen§íztel e não Wcebenos.l
Isso, só que sabemos disso e ele náo- A única difercnça éa seguints
(islo iá está na Bíblia): todas âs capacidades que os animais iêm sáo
lincares, elas váo numa certa diÍeçáo à custâ da perda de outras; o
único bicho que sintetiza tudo isso é o ser humano; de caaa, o único
bicho que sabe da existênciade todos os demais bichos é o ser humano.
Por exemplo, as minhocas jamâis soubeÍam da existência de elefantes,
ncm sâberâo; os elefantes náo existcm para elâs. Este é o conceito do
von Uexkül|, um biólogo: cada bicho vive num círculo de experiências
üuito limitado e determinado que se chama seu urn za,elÍ, o "mundo em
tomo", e nesse mündo em torno só tem um certo número de coisas.
Enxetgalx,os o umwelt de cada bicho e enxeÍgamos aquilo articulado
com o de outro bicho, outro bicho, outro bicho, e tudo isio e§tá em
nosso rrraulÍ. Pode haver criaturas superiores  nós, mas de naturcza
espiritual que enxerguem mais; dos aninrais viventes, nós é quc cstamos
enxergando mais. Enláo. o que estào achando ruim? É cla(, quc unr
lobo, por exemplo, pode teÍ muito mais faro...

IAhf,nai O senhot e te ile a pelcepção como uma intqraqao dc


ptuces\o, q e ilas sefisa@es geÍam-se imogens, das i age s Eeru-se a
percepção? Sensaçoes auditiaas Seram imaqens audiliaas; sensaçoes
gustaÍioas, íma,ens gttstatiÚas, um co junto ile ímaqen| que os sefi-
lidos ptoporciona ?l
Logicamente explicado é assim, mas a estrutuÉ lógica de um pro-
cesso náo é a sua €strutura reâI, poÍque você vai ter que desmembÉr
os vários elementos paÍâ saber dislinguir, No prccesso real ludo isso
vem mislurado. Dizemos: "Há lá as sensaçócs. agru pzüTros âs sensaçoes,
etc.". Isto sena assim se você pegasse um processo que é instântâneo
e o desdobmsse, fizesse uma espécie de câmera lenta. Essâ é ap€nâs a

37
cÍrururâ lógicâ, nào é o proccsso rcal.
Essâ é outm conlusáo quc nenhum escolástico lãria o que ú a
cstrulura dc um proccsso com o que ó a sua realidade temporal. Tem-
poralincntc, tudo isso é quase simultânco. fâz se ludo isso âo Drcsmo
tempo Não vou ter primciro a seDsaçao dc mariclâda no dedo pârâ
dcpois peÍceber quc dei umâ martelâda no dcdo, pelo amor dc Deusl
Voce iem a scnsação no mesmo instantc em quc tem a pcrccpçáo. Mas
que são coisas distintas, sáo. O ialo da martclada no dedo é distinio da
dor, claro, só que se percebe como síntcsc. Então essc proccsso - vai
üâs scn.â(o(. pura i' flndgcnr ctc. .. nLrnca p(n\r qLrc a\ c,,i\a\ ruo
reãLncnte assilni elas são csqucmaticamente assim. Todo csse esquema
se dá dc fato dc mancira quase siÍruliânca e absolutamenle inscparável,
porquc ô isso rrcsmír {lue nos dá a vivênciâ do quc ó 'rcalidadc": éa
inscparâbilidàdc dos âcidcnlcs.

lAlüna: U ú ouh'a peryunta. ptuíessor, para podet esclarccer uttl


pouco mlis. que é unl assu lo mttila Íot'le, nàa é? Thúe uút mo efito
en q11e o senhor critícou a ttoçáo de repÍesetúaçAq no settlíào de
que o obielo fiAo está rcpÍesentado Íto sujeito, poryue ele lldo podeia
eslat defilrc do suieito, poÍque eLe (.. ) entrar no s jeilo aaí causar

Vcia, qualquer um dc nós percebe claramentc a dilerença enireoquc


é u seÍ e a rcprcscntação dele. Por excmplo, o que cstá prcscntc aqui
na minha frentc sáo vocês ou são suas repft:sentaçócs? Posm ltchâr os
úllro\ ou pn.\o ir ar. a c,qu.n3 ( con\crvar srras r"pksrnlrcL,r\. trra§ i§su

nao os colocará presentes âli em pcssoâ, e âqui vocÔs cslão prcscntes


cm pcssoa. Como é que conscguimos perceber csiâ difcrença se tudo
que caplamos sáo rcprcscntâções? Você icr u'na reprcsentaQão ó uma
coisa, tcr uma percepçào é outra completamenie diÍ'crcn1e. Mâs se você
rcduz tudo a represcntaçáo c, pior âinda, se disser: 'A rcpÍeseniação
rsrrisónasuamenlc, naolcmnadâavercomunr eslímulolora, cnlao
você eslá é úuilo doido, porque sc losse assim náo podcria n(rnl dizer
o quc cstá dizcndo.
E isto o que clÉmopd,?lare. A parulâxe é o següinle: o sujcito cstá
dizendo uma coisa que pelo iato dc clc dizcr para podcr dizer ele tem
quc saber quc Dâo é âssini, senâo náo conscguiÍia nenl dizer llntão elc
cstá muito doidol Está vivcnciando uniê cl,isa. mas est:i diTcndo outrâ
coürplctarnente dilerenlc Vejâ: o suiLrito rcúnc urra plalaia dc pcssoâs
rcais cdiz: "Náo hápcrccpçàodo rcal, s(i rrprcscntaçi(i' M s paraqucrlr
vocô cstá dizendo issdl Pirrà nirssâs rcprclcnlaçocs r,!r pârâ rxls? Sc a
para nossas rcprcscDla(oe§. voca ncnr tÍccisaÍiâ tcr vindo enr pcssoa.
Marldassc â sua represcnlaçáo.
Você está entcndcndo? Cá enirc nós, vocês podon achâr quc sou
(\ug(rdJo. \'loJcrna rcrn crü({dr'. r'urrrr
nrcs püra rr,rm toda d Filosôfra
palhaçada. Eu. aos 50 ânos de idâde, lui chegando a esta conclüsão.
N áo queria âcrediia! lãlava: "Nãoé possivel, istoécômico dcmais parâ

ser verdâdeiro. e ao nresmo ienrpo é trágico. Náo podc sci . Mas. olhe,
não vejo escapatória.

l{lúna: A pessoa pe e a tloçàa de quc a ?.rpeti4n.iarcal, colrcÍela.


loneceu-lhe os elzntentos para ela podet lrabalh.ü cofi a ifiaqitúçao
c a nenlótiít, e Íiüi só coü a itta\i qaol Lln rai paru unl pLano de
ifiaqi fiar o que ntto pode e sai (... ). I
ÉissomcsmolFicâ só coln a imaginaçio eâ menróriâ, troca os enles
por suâs representaçoes.
Vcja. por cxemplo: sc o Kant diz _â coisa-cin-si é inacessível".
csculc. o livro do l(ant cm-si é âccssivell' Isso aqui é a lilosoiia de
Kant ou é âpenas o seü aspeclo lcnonranico? () sirrpics fâio dc sc cs-
crever unr livro já dcsmcDtc isioi A câpâcidâde qu{-'esse pessoâl iinha
dc sc transpor a um mundo hipotútico e dcpois, em nome delc, ncgar
o próprio mundo no qual sc instalou parâ poder fazer a hipótcse, clâ é
âbsolutamcnie fantáslica.

Íl\lrno: Titlha, nào tem?l


Tenr ainda, porque esse negócio virou um vício. E hoje quâse que
lâmcrlo o tempo qüe peÍdi estudândo csse lilósolb. Não precisava mais
do qüe qüinze minutos para cada um.

ÍAlüra: O senhar acha que Nieízschê aai (...) do reaL, assim?l


Ácho que ficaranl maLucos, náo posso chamar isso dc outra coisâ
senáo maluquice. Por quepodiam fazeÍ maluquice? Porque eram caras
quc filosoiàvam sem iiscalizaçáo, cram amâdores, não linham uma
coDlunidadc organizâda dc gcnte habiliiâda para cobrâr. Dcscartcs
cscrevia:'Ah, agoravou lá lcr pâra Criíina da Suóciâ". O que
a minha
a rainha Cristinà cntcDdc dcssc ncgócio? É oulra idiolal Apcnas icm
mâis dinheiro. Qucro dizcr: "Vocô fãz succsso com isso no mcio de
um nronlc de rico booó e acha que é grande coisa. Você a um trouxa e
enganou outro unr pouco mais trouxâ. Agorâ, pega um bando de caras
habilitados e explica isio a eles".
O fato ó o seguinte: â separaçáo socioló8ica dessas categoÍias de
pessoas era táo profunda quc já náo havia mais um escoláslico que
se interessêsse cm cxaminâr isto. Nê época ainda haviâ cscolásticos,
na época dc Descaíes hâviâ escolásticos muito habilitados, as nâ
Espanhâ. Enláo, até Descartes chcgarna Espanha, isso lcvou nrais dois
sóculos Mas, imagino, oqucdiriaum FranciscoSoarcs lendo Descartes?
Acho quc iâ dar risada. Náo posso conceber outra rcaçáo polsÍvel. potque
são erros absolutamente pueris. Tudo isso é o fenômcno da parala-xc. Vai
vivendo e aprendendo, náo é?

l{lúno: Mas eles conseguiam co tafiinat o rneio utiaercitario. )

40
Claro. claro I TYôs séculos dessabobagem só podiam icrminar lnesüo
r,) malxisn1o, nessacoisatoda. Eu diria assim: é unla câtástrole intelec-
tual loÍÂdo comum. Mas isso náo querdizer.. não podemos idcalizaro
pe ríodo cscolástico. Por qüê? Porque dentro dele você tinha as sementes
(lcssa cojsa todâ já. A idéia mesma dcvocô fazer oma exposição uniiá a
r sistemática de aoda a doutrina, poÍ un lâdo. é uma idóiâ rrajcslosa,
I)âravilhosa, mas, c se náo der parâ Íâzct isso? I1 sc a paricquc devcsse
scr dcixada ao mistério e à expcdôncin dircla dcvcssij ser um pouco
nrâior, como lbi ieito na Igrcia OricDtâl'l làlvcz iLrtrciurassc nrcllxn:
Você náotem uma suNa nâ lgÍcja Oricntâl A Igrcjâ Oricnlalconli
n ua na lâsc patÍsticâ alé hojc. sa)escrcvc sobrc aspcctos delemrinados.
"Viu, vamos aqui rcsolvcr todos os problenas da origem do mundo, o
pÍoblema dacultrrâ, dâ hislóriâ, iudo, tudo baseado na Rcvelaçáo cristã"
- clcs nunca tentâram fazer isso. É isto: "Vâmos pcgando os problemas
à nledida queeles âpârcccm". Evê-seque, ao longír dos tempos, algrcja
Oriental sobrcviveu mclhor do que a Ocidental. Ela sobrcviveu melhor
âo comunismo do que a nossa sobrevivcu ao capitalisnn,. Eles sobrc-
\ i!11n melhor i porrrdà do quc ao dirh( iru: l'l p rqu. rlrurrrrr li,rçr a

mais tsm, talvcz tcnha LrInâ Ilcxibilidadc rnâi(n tnn'quc... NuDr nruseu
nâ ltáiiavem iudo mislurâdo: "listá uqui unr quadro do sóculo XV com
unrâ eslátüâ do século ll. c dai... '. lir dissc: "Mlls c il5sinr rrcsoro?". E o
guia dissc: "Essâs coisas prccisârrr dc (rrr porc(, d. coDfusáo". Igreia
O ^ Por
entãl também, essas coisas prccistur dc unr poLrco dc conlusão
quê? Porqüe é mais fácil pcgâr a roisa às v./cs p( n inspiração poótica do
qüe explicar iudo; cxplicar tudo vai lcvlr rnuilo lc po.Aliás.csseéum
dos princÍpios do esoterismoi "Não cr pliq uc nada. Você d;sse. Iintendeu,
entendeü; não enÍendeu, cntcndcssc'. L oulra via possível.

lÀlr]Ji.a: Essa idéia de leprcsenlaçào tantbénl ntto deoin dÍú .t deti-


oa, a possibiLídade de Íoàos aqueles suieilos percebercm de nqneia
dilerenle a mesma missato?)
4l
E conro é que elcs iam pcrccbcr quc perceberam de manejras dilê,
rcntcs a mcsma? Qüe "nrestuâ'i é cssâ?
Éclaroque clestêm dc pcrceber dc maneiras diierenles pelo sinplcs
tàto de que sáo pessoas diíercntcs, c cstão em lugares diferenies, não
podcm ocupar o mesmo lugar no cspaço. Também dificilmcntc tcrão a
nlesma idade, a mcsma cstrutura física, etc. Iodo muDdo é um pouco
diferente, en{áo, entre â lbnnâ do objctoc a lorma do scu coÍpo eslabe-
lccc-seum diálogo que é dilerentcdecadaulll para cada um.'Ah, isso é
uma limitâção suâ." 4h, ó? Espcra aí, você nào pode vero mesmo objeto
exaiamenie da mesma mâneira quc elc vô. Mâs o objcio tem a capacidâde
dc sc mostrar para vocé exatamente da mesma mâncirâ quc se mostra
para ele? lirmbém náo tcm. Vocô está vendo? Bota aqui um livro. 'Ab,
só cstou vcndo csse lado, o oulro iá cstá vcndo csse outro lado. Muito
benl, isso é uma limilâção cognilivâ." É o livro? Elc podc tcr a capa e
â coDtracâpa do mesnr) lado? Fllc não podc tâmbónr. llÍtào, esta sua
limitação cognitiva ó â lilnitação da cstrulrra do mundo rcâll

I^lúna lb rna úelha histótia que diz (...) que dàt di heitu é
umacoisa, dar Ík»es é oultít, e o natnorudo queüaí dar a rcso paru a
túfiofada é ouÍro..- ()s muiÍos seiíidos que a tnesma...l
Senr sombÍa de dúvida. Agora, parâ ser todas essas co;sas ela tem
que ser a mcsmai porque se lossem duas rosâs já nâo valcria.
I
l:s1a muttiplicidade dcaspectos 1ãz parte da eslrutura do objcto. Tudo
já tcm esla capacidâde de lervários aspcctos e dc mosirá-los de âcordo
conl ángulos diferentes. O que ele náo tem ó a capacidadc dc trocar.
Por exemplo, você chcga cm casa c tcm lá uma mulhcr Você achâ que
ela ó a sra mulheÍ e o seu lilho êcha que é a mão dclc. Dá para 1rccar?
Conlo ó quc ela podcria? Ela lambém náo pode. Vocô náo podc irocar
de posição, nem cla, entáo clsa náo ó umâ limitação cognitivâ. O que
os caras cs1ão querendo nos vender como uma limitação cognitiva é a

12
rsirulura do mundo real, Dcus do Céul Que ú fcilo todinho de aiustes,
dc perspectivas entre {ormâs, como iá dizianr os escoláíico§. Um mes-
nro objeto é umâ sínlese de ibrmas clilercntcs, irlscparávcis nele, e que
sc mostram dilêrcntemcnic parâ obscÍvadorcs ditcrcnlcs en sitüaÇoes
dil(r(nle.. ma\ quc rambim ni,', sr,' lÍn lfi\

lAlnlno: Pot acaso o lettà,ttu,Io da Nt tluxc, llner lizado (...), o


senhot cn passant peh íttlla lo esalí iÍ)debdaacamu i
^tplica
rlade?l
Náo, náo explico assiln. digo só: cstâ ú umadas coisas que ieria quc
scr lcvâda em considcrâçào. Oul.a acho quc ó a corrupção pura c simples.
lsso iá ó a corrupçáo pelâ lisonia, em primeiro lugar Já se lrata de um
público literátio para o qual se escreve na sua lingua nacional porquc o
idiotâ nao sabe latiIn Trata-se de um público que tem outms cxigôncias
qucjánào sáode orden intclcclual sáo. poÍcxcnrplo, da oldem da cli_
quctapâlâciana, essaco;sa toda. Querdizcrquca tnensâgem intclcctual
é liltradâ por muitas camâdas dc cxiSôn{ias qlrc â distorccm dc âlgum
nrodo. No mcio pâlaciano. podia scr que à elcgância sonoru do cscrito
fosse considcrada mais inpoíânic do quc o scu conteúdo, ao pâsso
que. no mcio cscoláslico. as pcssoas nem se interessavam por isso. Era
um mcio de cie tisias intcrcssâdos em ciência, cm conhecimento. Aí é
diferente, c o ncgócio literário e.a fora, cra outro departâmcnto.

(...) eru uma coisa tdo Íorle, enlào, ne!úlibafircnle (.-.) que
l{lütto:
fieparece que tem que lerais aLgutna coisa aí Ou seia, tudo befi, o
suieito efi melido porque nào ha ia pessoí\s itltêrcssodas em (..-)-l
Náo, espera ai. o porquô dessc ncg(;cio, isto já é um abacaxi do
lâmânho de unl bonde. Estou mc dcdicando há algun tempo, e vou
dcdicar mais alguns anos, à dcsctiçáo do quc aconteceu. Agora, sabcr
por qüe acontcceu, você tem o resto da suâ vida pam invcsiigâr, c não

+l
vai dar tempo, Só pâra pegâr aütor por autor e ver como é a estrutura
da cxpressáo dele estar deslocada em relâçâo à estrutura do conteúdo
do que ele está djzendo cà situaçáo de discurso, isto iá é um problemão.
VeÍ como isto aconteceu sistematicamente, a paíir deuma certa época,
tcntar mais ou menos ver quando começou, qüem entrou ncssa, quem
náo enirou, isto já é um problemâ.
É assim: estou cdando um conceito hisiórico, a "era da paralaxc".
Você criar o conceito histórico... Vocô tcm uma estrutura que pcrmite
a descrição unificada de um grupo de fenômeno§. Só na horâ em que
você pegou a unidadc do fenômeno é que Íaz scniido tentar investigar,
ialvez, as causas dele. As minhas pretensóes nào chegam a ianto, saber
por que isto aconteceu..- Em primeiro lugar, já é suficiente, para que você
saia de dentro dcssa órbita, dizer: "Não sei por q ue aconteceu, mas cssc
negócio aí náo quero ráo". Sevocê soubcrâs causas, melhorainda. Mai
sem dúvida, entrc as inúrnerâs câusas, vocô podc dizcr que a c âçáo da
nova classe inlclcctual palacianâ é ccrlamcntc unradelas. Por ouiro lado,
isto tambóm nâo aconteceria se náo tivcsse havido antes a opçáo pela
exposiçâo global s,stemática. Entáo, antes de iÍvestigar propriamente â
causa, a gcnlc lcm quc \ er uma lisla de condiçôt's scm a\ quais a coisa
nao aconlcceria. Des\as condiçoes. algumas serao causas

ÍAlunot (-..) O suieiÍo cofiseque escleoer uma coísa sem... (...) ele
es i substitui do o mufido pot uma outra coisa que ndo exíste, por
efietfiplo, ou íantasia... ele esíá sübstihrinílo a realídade por üfia
Íahtasia (...)?l
Ainda existe uma outlavariável quc eu náo tiDha levado en consi-
demçáo até agora, mas queestou corneçando examinar Tcm um ouilo
a

pÍoblema que é o ncgócio da escrita ciliada, quc foi csiudada pelo Leo
Strauss. Leo Slrâuss descobriu que muitas das obras de filosofiaesc tas
nesse período têm uma cspéci€ de linguâgem cifrada e que, sem você
rncxer com isso, náo consegue entender direiio Às vezes, um âutor
parece estar ilizendo uma tremenda burrada, mâs não é üma tremenda
quc
burrada, éum eÍro propo§ital que ele está pondo ali Parâ atenuar o
elc mesmo ilisse antes. Por exemplo, háum estudo do Leo Strâuss sobre
Maquiavel onde ele diz: "Olha, Maquiavel parece ruim, mas vamos ver a
escrita cifrada". E quando tcrmina dc veÍ iá é muito Pior Estâvontade
de ocultar partes do pensamento às vezes ó para driblaÍ uma censurâ,
um prctesto público, uma coisa assim, c às vezcs é sacanâgem Pura e
simples.

pot que
ÍAluro: Uma úez peryu tei pafi um proíessot lti da USP
detemli ados aulorcs escreoíarfi (Le loú1a tão complicada o prcÍessot
rcspo íLeu: "Se fiào Íosse assin, não Íeria graqa" l
É, vamos ttizer, por motivo lúdico, entáo. Quc coisâ, hdn?

lÀlüno: Mas há ma coisa intercss\fite sobre


isso ("') la lo o
mortismo- a tes do mafiis 1r.. nos moÜifie los rc oluciofiários ( ")
nao teria sido possíael se (-- ) nào coneçasse a...1
Sem esse fl:nômcnoda parâlaxc náo havcria os movimentos Íevolu_
cionários dc ieito nenhum.

ÍAltrno Não, não é só isso! L,stoudize ilo que a parula@ é' entre
outrus caisas. uma forma de substiÍüi a tealidade pot ('- )' pot ufia
Íantasia, ao é? Mas ela oem nessa fiaré o mesfio fiofienlo em
que

se tem ha série ile erpetiêficias tle consltui modelos nateruiÍicos'


(k
não só (.--)- E se tentat criat um m do mais petÍeito do q e ek é "1
lsso, e â mesnussima coisâ. mcsmissimà coisa'
o munalo alc Galileu tambéméum mundode paralaxe, éummundo
onde as coisas Íão acontecem como acontcccm aqui' TambÉm é is§o
A\rr1o: (...) Ayota, toda essa teüüt1cia decriarunl tnutdo peieito
ou de deddit cono é que o fiu tlo deaetia se\ e subsliluit esse poÍ
aquele (... ) nle parcLe obüia que Íoi ünt prcssuposto paru qualquet 1...)
das ideologiasedas utopias. Achoqueéparu lú queestá antecípa ào,
pt'olessor. esse pt ocesso-. -l
Certamcnlc.
Olhc. âcho Draisquc c]âânlecipa O proccsso conrcça na csicrâ intc,
lcclu al, e só nrujl o aos pou.os vai sc uanspondo para â esferâ ideológicâ.
polilil:a, cssâ coisa toda. Iodo o elro coneça enuc intclcctuais. começa
nu circulo pcqueno. mâs quando aquela estrutura dc pcnsamcnto
dornina as pessoas, {luando clas conreça r a rcpetir âqueles nlesmos
pcnsamenlo náo necêssâriamentc as idôias. mas o nlesn)o
circu iios dc
csqucnra, o nreeno rn«lo dc pcnsar. isso se inprcgla alémâi§ tãcil cnlc
do quc o conlcúdo das i(liiâs , pârâ sair disso nao ó qualquer unl quc
conscguc. V,cô prccisr sabor conro í quc I mra(liUra loi moniada
1i:xistcm inunrcrcs, irúrrcros csqucrnas dc pensanrenlo: sào i.,p.,i,
lugarcs cornuns quc cstáo inpregnâdos na csirutura de raciocjnio dos
câmarâdas. Não são convicçóes. nâo sào crcnças, são c§querÍas de
peDsâmenlo, modos de rnontar o raciocinio. Ufia vez que vocô âdoiou
aq!ilo. mesmo que discordc do sujciio acaba chegaodo onde ele quer.

lt\ltJno Mas utna dascoisas. para qüe a pessoü coneceausaressa


latleiru, é o falo de eh se conLlencer (...). que rcciacitúr daquela
maneia é melhar do que os outros ÍacíoLhlios q e contüeeüdeü ít
rcalidade conrc ela é.1
Não. vou dâr unl cxcmpio, uma convicÇão da socicdàde brasileira:
"Exislcln não sci quantos brasileiros iãmintos. Dc qucm ú a culp.r?".
Supôe-sc quc â siiuação tenha de ier unlautü detcrminâdo c, pior, quc
o rr,tor l(nha du .(r umJ p(\n,a da rrualidad( L (lJro qu(. §c ( Jm
prcssrposto absurdo, você chcgârâ uma siluaçáo, coÍno dizia o NelsL,n
liodrigues: ' subdcscnvolviürcD1o nào se improvisâ. ó obra dc saculos '
Sc ú obra dc séculos, os culpâdos já morrcrârnl Mas vocôicln quc âchar
irlguóln âgorâ, enito cstá cirnlundindo o culpado conl unl bodc cxpiâ
l(lrio. Sacriticá-lo náo vai rcsolvcr o problcÍrâ, cvidenlenrentc, porqrc
cssa ú uÍra opcrüçro puramcntc nrúgica. Isto sigrtilica qnc o sacritício
do bodc expiatório só visa rcsolver o problc ra sübiciivaDrenic, isto é,
lanÍasticanrente. Na rcâlidade, clc visa a oulÍa coisa. Sua ação tcnr um,1

k)gica. o prciexto conr quc vocô a ius(ilic.r tcm outrrr ligict{. lintao, tcrrl
e

que pegâr a lógica do prclexto c descobrir {lLral ú â l(;gica rcalombutidâ


por baixo sc ó qüc tcm irlS(lrlla, pol1luo ৠvczcs a lógiua rcâl iânrbónr
c loucura. Mas cssas co'sas csfao...
Uma coisa quc mc espaniâ é a scguiúc: todo sDjeilo que, porcxem
plo, tcnl dinheiro, iá scnlc quc é culpado dc tcr dinhe,to, náo é isso?
TcIn um suiciio quei para adquirir podcr, or8ânizou uma âtividadc
econômica ató de n1âneira que dessc lucro. paü que o lucro viessc para
elci c tem um outro que, nao podcndo organizar unt.t âtividâdc cconô
mica, organizou o ressenlÍ cnto alhcir,, organizou â raiva colciivÂ, c
ganha coDr isso. PoÍ quc voca âcha qüt {) prinrciro Ú Drai§ indeccnlc do
quc o segundo? Mâs coln qlrc âuto|idadc unr lidcr populisra quâlqucr
lãla conil? os ricos. 5c o rico sobc organizândo trabalho c produção de
riqueras. c clc sobc oÍganizardo Íidio, rcsvjnlinrenio e promessas de
vingança? Essc ó o capital dclc.
Échro quc sua aiividadcó muiio ouircl Ela
ais imorâL do quc â do
pode ató. cm cerlo rnomcnto, set neccssária- mas cla ó imoÊl cm si, e
devcriâ scr evilada a todo preço... Ê claro quc s0 dcvcriâ permilir que
um certo númcrode pessoas se dcd;câssc a r llrr p(irüriâ dcssa rncdianlc
liccnçâ cspccial. luas, hojc cm dià. k)do rrundo qlrcr lazer isso, e acha
muiio dccenle. 'O.ganizo isso aq1ri. mas nào ganho nada
Se disscssc:
com isso, não gânho mandato dc dcpuiado. náo viro govcrnadol não
viro p.esidcnte da llepúblioa. coniinno scndo o Inesnrrt', âinda pode

+1
ser Mas você conhece um suicito que faça uma coisa dessas sem subir
nâ vida?
Mais ainda: o sujeiioque organiza umaaiividade cconómicâ só ganha
dinhciro. OIhe, o dinheiro só tem o poder dc comprar o que os outros
quiseren vendcrpârâele, é um podcr limitadissimo. Vocô, náo, âdquiÍe
poder dcgovcrno:pode mandar prcnder as pessoas. podc mandaÍbater
nclas, pode làzer um montc dc co;sa. Você tcm coisâ nuilo melhor do
que o outro ganhou, que é só dinheiro. Você tãz um irabalho pior e
ganha muito maisl
Essc raciocinio, iáo logo cnunciâdo, vê_se quc ele é óbvio. No cn_
tanro, a idéiâ, quando as pessoas falam em "iustiçâ social". o quc esiâo
querendodizcr? Queooulroqucganhoudinheiroorganizandotrabalho
é mais imorâl que aquele quc está orgâniTando crime. O capital dclc
ó csse: sc não houvcr pcssoas ressenlidas. acâbou o problema, clc náo
consegüc. Náo intcrcs§a se o rc§sculi,ncnto ó justo oü iniusto se lc,r
injusto vai luncionâr do rncsnrc nn)do.
Gcrâlnrenie, as pcssoas quc se intcrcssâui por isso, que cstáo em_
pcnhadês nisso, elas de lãto não sc intcressân eÍr pcgar o culpado
verdâdciro. O culpado vcrdadciro é o que nlcnos intcrcssa. Interessa o
scguinte: tem um outro que lambém lenr pode! ele enião qucr tirar o
poder deste. "Seja cl(r o culpâdo ou não, é cle que ienros quc iirar de
lá. então, parâ todos os eleitos, se náo é o culpado fica §cndo." Podc
scr o FHC ou qualqucr outro. E, assim, a rclaçáo de causa e clcito quc
as pcssoas vêem cntle a presença de um su;cito no govcrno c a sua
própÍia situaÇáo vitál e;mediaia.() sujeito eslá gânhando pouco, a
culpâ ó instâ ianeamcntc desse mesno prcsidcntc que cstá lá naqucic
momento. Mas não tem nexo causal, cntrc a polílica económica do
FHC e a sua siluaçáo náo tem nexo ncnhum, ncrrhun. A nào ser que
vocô scja um luncionário público. um olicialdas R)rças Armadas, efaz
um iempão que vocô náo ganha um aumcnto. Você acha que ganhâr

+8
aumento é natural. quando não é. É quc você simplcsmente tem um há,
bitor no tempo da inflação tinha aumenlo dc ,,)i", e agora vocô
continuâ
qucrcndo. Oulrâ coisa: você âchâ quc o seu trabâlho merccc aquela
rcmuncração. Você Dunca parou para pcDsar assjm: ,,Espera âi, mas o
quceslou làzcndo para mcreccr? Qualó â nriD hâ conirjbuição cieiiva?,,.
Assim que vocé lbr mcdir isso: "Pam qoc scrvc o rncu scrviço? Elc náo
se e pârâ nada'r... Há um montc dc trDci{n)ário pribliro seguro dc quc
o cârgo dclc não seÍve para nnda, no cnl nto, clc acha injusto rào ter
âumcnto. Náo tem isto?
Vor. achaouc,r r'r,isa tu.lir (:,F,ara, th( pàEàn.rn pcri vu(L nàn
|àzer nâdâ? Dar aunrcnlo... E ao rnesmo tcmpo iinha,sc aposcntadoria
intcgral. O conce;to do justiça quc eles têm... c dcpois dizcm quc os
outros sáo corruplos. O iuiz Lalâu? O juiz Lâiâu pcrto de você é um
saniol Tem cvidcntemcntc uma menialidadc de delinqücnte.

[Alrna O sefihot soube da piãtla tlo rlia? I)izeü que o Lula lalou:
"Esqueqit o que nào escÍerri".l
Vcja, esses prcblcmas polílicos hojc jú su'Xcn) dc llnrâ basc outtulal,
social, psicol(igica 1cn'ivcl. tlstarrros criando unra l1açáo dc dclinqilcntcs
nrcsnro. Ele acha quc as pessoas não pagârcn) pck) que Jlc ào lez éutl:l
supremo insulto à dignidadc. É a primcirâ raçâo na história quc ostá
sendo constluida com basc ncsses pressuposlos: quândo vocô nasce, já
tcm direiio à renluneração pelo falo de ter nascido... Tudo isso ó elêjto
sem causa. e no fim concluo assin: ,,Náo, tem lá uns....'. É o negócio
do motorista: "Há uns quinhentos bandjdos, se matâr acabâ ludo, fica
tudo bem".

[,{luna:NAq d so/rç.ia... f...) ]


A soluçáo... é fuzilar os quinhcntos.

19
qão l
l\lúÍra: Efifio! (...) O cotlsutno sem üod
O consumo sem Produçâo. . l'i

lllrto:'têt1 u raciocíltio nais ou enas assi,n cottlo o senhot


laz, paú (...) um co i nío ie interesses .)
(. mais a dishibuiQao de

rcnda, e de cobtat imposlo porque distribü rcntla é que ( '-)'l


A noçâo mesDra de alisúibuição dc r€nda, 5c perguntarcrn sobrc a
distribuição de rendâ, digo: náo icm quc dislribuir renda nenhuma, ou
você tem rcnda ou não tcml

dirciÍo de cobrcr
l^luno: Pois á, ,,as il id éia de qüe a estatlão len
imposÍo, ort mais ünposlos. pltâ podet dar pttta o fiais pobrc' E
scmprc utido de tinha (...)...1
dislribuicão dc rcndê parâ o F:stado. qucm Ú que náosabc? "Va-
Isio ó
ganhar
nnrs ganhar unr pou{Irinln) dessc Viio dislribuir â rcnda vâmos
u pcdacinho."... l\4as cles vão gar)har um pcdaço Druito nraior. é claro'

Alun,,:Pol'sr.,xr§u,,/ciolnioqu? t tt.. Lurcg ittP- nào* ttata


tdmbén de cobtat por serúiço que ele prcstalt PÍeslo serÚiço a al
guém (-..) pago ilnposto (...) Íoi aquilo queseria pa\o depois paruco -
lratar coleíi,)afienle. porque fiào pode cotllrutar i diaidüaltllel1te l
É. moralmcnte falanilo, istocsláccrto, mas orâciocinio nãoseâplita
pclo seguintc: o Estado náo pode scr considerado âpenas um parccjro
de negociaçáo, porque elc tem soberania sobcraniâ significa que cle
mandaern vocô evocênáoÍranda nelc. Se ele náo livcr soberaniâ, então
náo lenr Estado ncnhlrú. Se vocô for considcrá-b conlo seu clicnte'
trata sc dc Lr clicnte muilo espcciâ1, porque elc pode tomar tudo que
vocô tcbater cnr vocô, botá_lo nâ cadciâ e vocô não podc fazcr nada
.

com ele. Isto é â definiÇáo de Estado Você colocar limitcs à ação do


Eslado a partir dc uma idóiâ dc direito quc soÍncnte ele fundamenla- aí

50
v()cê se colocou âinda mais na mão dclc. Qüando com€ça a discussào
''Quel» deve cuidat diss(r aqui, â inicialivâ privada ou o Esiado? ,
vocô iá sâbc quc ó o EstadÍ). Quando lcvânlou a dúvida, sâbe, ó claro.
quc é o Estâdo. Qucln ó quc adrninistrâ a discussao? Quen é que vai
dccidir, no tim das contâs? É a iniciâtiva privada que vai decidir se
cla dccidc? Não, quen decide se ela decide é o Estado. Qucn dccidc
sobr(r â órbiia da sua âiuação é o própÍ;o llslado. Somenic o tsstado
sc limita a si mesDro, e só sc lirriia naquilo quc clc não pode lâzcri
aquilo quc não consegue Ia,,rr oslti lora dâ aluuçao dclc.

lÀluno:Mrs, srliio. iss{, ,tuo seúa tinu ,t.n lLDt l. ) unú to tl


nos Esíados Unidos de úAo eülrat e,n co tpcliçia com a úiLiatiuo
ptaada. ún qu? rta pdp lalpi'l\\o ttna tr,'op ,t
reera? Se ele e ltur ent cot petiçào Dai set um ioqadot (...).l

lAlu|]á Mas quen é que aai dizet...?l


Mâs é sentprc assín, o Estado ó scnprc assim. Elc ó unr dos joga-
dores e é juiz âo esnnr leDrpo; eslá semprc ncssa posição dupla, c foi
inventado para isso. Por isso a quc Nietzschc dizia que esse é ô mais
liio dos monstros: â partir da horâ cDi quc o invcntou, Iilcu filho, vocô
eslá terradol E as doutrirâs libcrais todus nio podeD Dadâ contra isto,
nada. Quanto mais clas ârgu mcD iàrn, nrâis li)rlalcconr obicho. Só existe
um selor que pode ser êutônonn) c porlc dtlr uDrâ râstcira no Esiadol
csse setor chama-se cultuÍa. Dcsdc quc voca nro pergunte qucm deve
administrara cullrra, seé o Estâdo ou r inieiaiiva privada. Qucin dcvc
adminislrar o Esiêdoe a inicialiva privâda ó â ruliura, porquca cultura
somosnósmesmos,oquesabcnrc,s,oqucpcnsaDros Quenâdministrao
Estâdoc a iniciativa privàdâsâoos scrcs h u rnanos i âdm inislraú a pâdiÍ
das idéias quc cles tôm.l,nláo vocô náo podc adlninistmra culturâ, ó a
cuhura quc tcnl que adotinislrá'lo.

5l
ente üfia
l{luno: E é pot isso que üfi Estado nu dial setia certa
ililadtúa. paryue ào hti u a culÍ ra |nüfidial q e possa - )
Sem sombra de dúvida.

l\lúnà: Porque a soberufiia ào tem (. .) soberutia')


Ecssâ sobcrânia nâo tem liniie o Êsiadonundial é pordefiniçáo,
o Estaalo onipotentc. Pio\ a pÍimcirâ coisa que acaba com o Estâdo
mundial é o dircito de asilo. Você vai pedir asilo onde, na Lua? Nào
quero um Estado Írundiâl porque náo tenho para onde corret Ponto'
!-ssc é o argumento delinitivu Agora. para você acâbar com o Estâdo
mundial basta tazcr um oulro Esiado. Iá parou parâ pensar nisso? Estâdo
mündial? É lá tbÍa, âqui ó outro Estado-

lAluno. Pois r rre,3l/rtu c frlo \e!utttte q u toaqtte'àol?um


P.

Lstailo, um rlos aryrL lenbs paío cobrur uis inposÍos ("'), só


paru
prestaçõo de sefliCos, é que aocê tefi que assistiÍ a essa (-"). o seia'
(:otfio se pu(lesse se/ tln| Eslaào (...) dLs outru! Ou e sei que laço,
au não sei (...).1
Se você simplesmenlc não sabe. É monslruoso náo sei sc vocô

prificípio élico
lAluno: Nro, tliio! Não lenho como o se,ufule: o
básica, tlas cioiliza.los pelo ne os (éo qüeconstilui 'neu arqumenlo)
é de qüe as pessoas só poden ser rcsponsabilizadas pelos se s atos,
e

não pelos alos das auias. ]


Esperaaí, você está raciocinando dentro danoção dedireitos, e isso

náo tem soluçáo Por csse lado.

lAluno: N.io i o cdso?...]


só existem pemntc o
Quanto majs você ialar dc direitos' os direitos

,2
I \lrdol "Síi
qucrcmos proclatnar mais um dircitol ' O Eslâdo, qrân1(,s
(iircilos vocôquiserele lhe dá, porquc éele mesmo que vâi gârantir Ertíio
cadâ uovo dircito tetn Iá mais uma vaÍa especiêlizada. mais uma dclc
ll.rria especiãlizada c mais uln imposto para financiar. para subsidiar a
tlplicâção daquele direito. lintáo teÍn que sâir lora dâ coisa de direiio.

lAlüno: Sim, mas a nleru Íorya rctótica desses at\unrctllos nào tem
tlgunla iillLuência sobrc o Eslado? Sobrc os oultrs...l
Tcm, tcm influêrciadco Estado, se scntirqucvocêlem razão, achar
quc ele d€ve assegurâr os scus dircitos c quc pâra isso clc prccisa icr
{)s rneios. Essa pâlavra- "direiio". é uma palavra rnaidital Cadâ vez quc
ialaln: "Vocô tcm um dircito'. digo: 'Pclo amor de Deus! Tenho tcrror
dc ler direilo. Vocô icm direito, vocé tcm problcmas"-
É o tal negócio: quando você nasceu. nirguónr pcrguntou sc vocô
tinha o "dircito" dc nâsccr ou não; hojc iá rrccistl icÍ. ârr conq istár {,
dirciio, não é? Artigamcntc âs pessoas âpcnlls ntlsei:rnrl I) írplrcccu
unra novela de rádio qua cllanlily-n () tlitcila fu rrsc.r. prrnl(). ai jrl
cornplicou.
Na hora cm quc comcçaram a dclcndor (r dircito de nascer pl{nrto,
comcçaram a natar criancinhâs Nâsccr Duncâ loi un) dircito, cÍa ünra
rcãlidade pura c simpics. Agora, ludo quc cntra dcntro dâ csfcrâ d.)
diÍeito. da esfem do iuÍidico. enlÍâ nâ esfera cstâtâl; e lodo o chamado
'progrcsso das inslituiçocs" ó o que o Miguel Reale chama "o prccesso
dc 'iurislãçáo' da socicdadc": tudo vai vn ando iurídico. tudo. Nos Esia-
dos Uridos, porexenplo. você náo podc entür sozinho commulherno
clcvador, porquc cla vai dizcr quc você t'cz assódio scxual. En1ão agora
já há unla Ici: cntrou sozinho no clcvador iá ó suspcito. Chcgou a cssc
ponlo, é â lei que regula os hoDrcDsl
Como quc começa isso? Ioicsso "dircilo". Quer mais direito, mais
ó

dircilo, c, assim, todo dircib dc unl ó obrigaçâo dc outro. Quanto mai§


direitos vocô tiver, mais está incomodando o oülro. A minha idéiâ é â
seguinie: náo quero direito a nada, vou lãzcndo c cstá acabado. Não
quero saber se tenho direito ou náo, tenho poder de fâzer c pronto.

ÍAlúlla. Prcfessot, fica íLitícil paru a maiotia das pessoas percebet


o que eflana d4 culturu, etem üfia esleú à patÍe, e que seÍia pretiso
úolÍat (...) paru o domífiio cullural (...).1
Clâro, claro. Voltar para o domínio cultural. aquilo ser permanente
menie Iluidilicado na discussáo, em vez de sc consolidarcm instituiqôes
c lcis. Aquilo que é costume lem que continuâr como costume-
Cada direito quc vocô der para um, está criândo obrigaçáo paÍa to-
dos os oulros. Aconiece que o ouiro também quer unl dircito para cle,
quc iâmbórn vai seÍ obÍigâçào para você. Assim, vai ficar todo mundo
se âpcrtando, sc apcriândo, c no fim ninguém pode nada. Isto é oulrâ

l^funo: Mas aí é cono se losse uma rcali&tde que é i suslenláúeL,


fiao é? L que acc,filece no Btasil. Poryue, se ninguêm pode porcaria
nenhuna, é óbüio que ndo dá para fianlet isso. Se ao üao cofieçat
a b rhr, sinpLesme te... Enúo, ele que tem dircito a ludo fido pode

Comcçam a ignorar os direitosl i-, o seguinte: temos que parâr de


disculir direitos c comcçar a discutir poder Eu digo: não quero mais
direito nenhum, quero o poder dc lãzer, qucro o podcr dc tãzer o que
qrcÍo la:/.eÍ. pod qüer dizeÍ ler meios e1êiivos de Íazcr.

ÍAlJJna: Ufi,t EaÍatúia do que o oulro ..1


Não garênlia do que o outro vai me dar náol Tenho que conquistar
parâ mim- Tenos que voltar um pouco ao conccito romanoi "Você só
tem direito àquilo que você tem o poder dc fazcr". Sc você não tcm o
poderdeíázer, dizerquc tem umdjrcilo signjlicâque um outro tem que
ter o poder de garânri-lo para você. Só quc o poder dc garanti-lo para
você tem quc ser duas vezes Drâior do que aqucle quc você precisaria
tcr para garantir parâ si mcsmo.
Por ercmplo, você tem â sua tãzelldinha. pergunto: ,,Vocé tem fa-
zcnda? Vocô tem dirhciro pârâ contrat& iagunços para tomar conta
da fazendâ?". "Não, mas tcnho dirciro à proteção.', Untào precisâ da
polícia. Só que â polícia prccisa do scguinrc: prccisa da poticiâ para
proteger você e para protegcr a dclcgacià. D isrr) ó fiajs podcr Não cra
mclhor dojeito antigo? "Olha, só lcn) dirciro à rcrrâ querri tcln mcios dc
ptotegô-Ia", conio tàlava l,ord Acloo sobrc
o conceilo anrigo c o conccito
modemo de Iibcrdêdc. O .onceiro aniigo da Iibcrdadc cra podcr: vocô
cstá livre para fazcr somentc aquilo quc podc tãzet sc vocô Dáo pode
não adianta dizer quc tem â liberdade O concciro modcrno da tiberdade
é que unt outro the garanlc, e oulro lhe garantc não porque cle quei
]uas porque é obrigado a isso. Qüândo você vê o número de policiais
delinqücnies... Por quc tem um monte de policial delinqücnte? por câusa
disso, porquc tem bâsiarÍc policial. Isso náo tem cscapalória.

lAluno:Mas erse p]o.?s so de iutislIçno ' cull iú a da sociedatle,


|1a tnelida em que chega a un pulto cm q c i ittsusletltaiüel, mesmo
que rngue üai (---) fiais tla{la.l
Tudo é sustentável, ató vivcr nunr citInpo dc concenlraçáo é sus-
tcntável. O cara podia passar o Ícsto d vida naqucla porcêriâ, o ser
humano süporta tudo. Vai iicar csprcDr cndo, csprcmenclo... Você jáviu,
por exeniplo, algum regimc toialilário cairdusdc dcniro. ser dcffubado
desdcdentro pelo seu próprio povo? Nunca âconleceu. para o nâzismo
cair ele precisou scr invadido por virte püiscs, soltârcm um monie dc
bombas, liquidarem o país inteiro-.. O nazisrno caiu porque a Aicma-
nha caiu. Quàndo tcrminou, acabou o Dâzismo. nrâs tambóm acàbou
a Alcnanha; nào tcm mais nazismo, não tem nenhum alemáo ali'
E

o comunismo, como é que caiu? Caiu tâmbém de foÉ Criaram


uma

situaqáo alesde fora. Ninguém alerruba desde dentro- O totalitarismo


ó

indestrutível pôr defi nição.

ÍAlrÍto: E o da Amética Latina?)


Aquele é um Íotalitarismo em formaçáo, e cle podc ser aboÍtado'
Mas depois de moniaalo todo mundo comcça a gostâr, c quando cai
fica com saudade. Esse é um vício mâldito.

lAl$no: É o caso da Rússia, ao é?l

ÍAlünat E por que Íícou assim?l


Porque náo sc sâbc vivcr dc oütra mancirâ mais' Náo sc iem outra
referÔncia.

l\lúÍto: lsso é como úÍ laldamento fiorul para as açoes


que efi'

úoLaa a busca ila defiubaiLa de tolaLitaisfios, etc Eles âo podem


se autodesÍtuit inteÍ ame Íe, enfuo . l
Á]guém iem que dcrrubar de fora.

lAlnno lúaasão do haque-t

ÍAlrno: E isso, então, é pot defiliçào aáIído')


Não sci se é válido. Veiâ, esse "válido" também enlrâria no aspecto
moÉ1. Mas isso náo ó um problema moral' ó um problema técnico' só
pode scr leito assim. Se é váido porque só pode seÍ tbito assim, isso
eu náo sei, só sei que é o único ieito. Quanto mais você restÍingir
o
melhor
cnfoque... Tudo o quevocê puder resolver fora dâ esfera moral é
que
para você, simplificâ, porque moral sempre implica uma decisáo


é uma responsabjlidade sua. Mas tem coisa§ sobÍe âs quai§ você náo
tem ingerência, não icnl poder de mcxer, enlão, por que vai assumir â
rcsponsâbilidade moral? Por cxcmplo, quando se prende um criminoso,
prende-se para puni lo ou prende para reeducá_lo? Essaé uma decisáo
moral terÍível, pois, se você pÍende para puni'lo, cntão assumiu o lugar
dc Deus: se você prende para reeducálo, assumiu â responsabilidâde
de reeducá-lo, coisa que você náo vai conscgu;t lazer Entáo, por quc
não iustificar assim: "Nós o prcndcNos sinrplcs enlc porquc náo o
agücnlamos nas ruas. Náo é por causa delc, náo, é por nossa causa. Não
tenho nada conlra ele, só icDho a nlcu favor, pois náo dá pára a gentc
agúentar ele aqui."l' Está enlendcndo? Você está conlêssando-..

[Aluna: (..-) essa nelhora ê dele?]


Inteirâmenle dclc. Se clc quer ficar lá denirc se castigando ou me
lhorâÍ, isso é problema dclc. Náo assumínos essa rcsponsâbilidadc.
Veia, qualquertribo deindios sabe disso!os índios nâováo se livrardo
delinqüenie. do suicitomâligno, portaisou quais moiivos. mas simples-
mcnte por isso: "Náo esiâmos agüentaÍdo, lira o carâ daqui".

L{lrna: É pot isso que os centros de rcabilitaçào paru íotitômanos


nos últit11os tempos tlào prendem: se quet sair, sai. d.epois de üfi lempo
üolla... Porque a rcabilitaçao i posta ao é rcobilitaÇ.Lo.1
No lim tenta. Mas é o tal ncgócio: sc íe rlcixa so1to, também tem
outro problena. náo é? Enfin, todo essc pcssoâl está âssumindo uma
respoÍsahilidâde moÍal queestá acima da suâ capacidade, eumadas suas
pdmeiras obrigaçõcs morais ó exatameDtc a dcnáolazer isso. Nenhum
scr humano é superiora si mcsmo. Éo tàrnoso "náo iulguc pârà náo seres
julgado" - ou seja, vocô deve julgar o mínimo, o nrínimo que vocô sejâ
obrigado a julgar por foÍça da sua posiçáo. Entáo, a p meira obigação
moral é ter poucâs opiniôcs morais, reduzir os iulgamentos morars

51
âo mírirno. Quândo Deus diz 'â vingança é minha", Eic sabc iulgar e
âgücr)ia o lranco. A gcnte náo sabc, a gente náo âgüentâ, cntáo vamos
nos âbster de julgar tudo o quc pudermos rcsolver sem julga ento...
':^h. tem coisa que não dá..." lirm coisa que ó responsabilidadc §ua
nlesmo. Hoje a socicdade, o Estado, é um Dcus, it ga tudo - e qüanio
nrais responsabilidade motal atirar sobre suas ptóprias costas melho!
porque o Estado náo dá responsabilidâdc, clc cobra mais imposto. Por
exemplo: 'Agora somos responsáveis pclos pobrcs, dá unr dinhciro aí".
Se issovâi tàzer bcln para os pobres eu náo sci, mâs para o Estado, isso
vai. O benefÍcio âo pobre é apcnas uÍra hipritese remota iá o autncnto
dâ arrecadaçáo é imcdiâlo, e no fim das contas é somentc isso que
intcrcssa. Issc bicho crcscc. Como é quc sc diz? Essc é pioÍ que Aids,
a pior qúc...

l\lrno: É boa t exptessâa que o NiL'aldo (:oÍdeirc usa: 'co sumí


dores de impastos"-]
Exakmenle.

l|lunaj E isso coneça como? Collsufii inlpostos-..)


O Estado voraz? Na Rcnasccnçâ. Curioso é que uma das causâs
da Revolução Frâncesa tbi juslamente cssc negócio dc imposlo - tinha
imposto para tudo quânto ó lado, cstava cstrângulando todo mundo
Daí clcs I'oram tá, coÍl.tram a cabeça do rci c lizoranr uln oulro Estado
con nais imposlos aindal É incúvel!

I(funa: Mas a liberlaçào dos llslados Llnidos ú1 Llçlaterra tambétn


loi por causa de impostos. )

Isso. mas daí iá inventâram aié o Imposto dc llcnda, qüc nâo exis-
tiê e que d umâ imomlidade. O Inposto de Renda ó uma imoralidade,

58
lAluna: Os porres es/áo semprc ali (...)l
No Brasil. uma vcz acharâm qüe o negócjo estava muito burocrati-
zado, inventâram o MinisléÍio da DesburocratizaÇáo. Lcmbram disso?
O ministro era o Hólio Beltráo.

|Alrnà: IúMgino quanlos il poslos, q antos-..|

ÍAlrno: A CPMP eru proaistjrfu c a{,otu . I


Clarol A coisâ mais linda qLrc cu vi ioi, umâ vcz. unra conta que o
jo]Lnal O Globa le1 Ele conlou todos os câsos dc corrupçáo que cíavanr

scndo invcstigados, qual era o prejuízo global, e viu que aquilo ludo
oustâva nenos do que uma CPL

l|l§na: O senhot sabe qua la sLtbiLt o reco,thecirnento de Lona


lima lo\o etn seguida, o dia 26 de dezenlbrc? 500t'h. E Íao, se o
conÍrulo litet um locadot, um Íiador, duas ksla utltas c fiAo sei o
qué... Olha que dinheiro q e üai tlút|u i4 do cotúutbl l:oi dc R$
1,8opara quuseR$7,00... AOAB jã ettrnu isto tttu sana a,eaclo
q e issa ai se rcoertet, mas as dep lados Íiatfttil is$o tto tlía 26 de
dezenún, aqoztaran. É o ais absuub tl? lLtdo tttlu oco teceu os
últitnos fieses.-.1
Nossal Mas antigamcntc crâ um nadirl (. .) Vocú podc lerccrtcza do
seguintc: onovo govcrnuquecstáaí. uáohlvcrtidirrhciroqucchcguepâra
clc. coisâs queele quer fazcr, iüdo cuslr diDhcirr. c clc nunca sabe de
^s
ondevâiiirá lo. Quer nrais, c mais, c nrais. iss0 nrio dá para parâr Não
vcio soluçâo para isso em escala naciirrâ1. rrcnr úrlernâcional, nem coisa
nenhuma. !l a s,iuação nâ quâl cslfl )s, c nao somos obrigados a ter
soluçáo para nada. Pclo rncnos ó boln vocô síber cooro é quc cstá para,
pclo menos pessoalnenie, "lirâr ur poüco da scrillsâ".
É chro que todo essc pcrÍodo da Histór'iâ moderna tem esse lado
alucinatório mesmo, e só agora pcrccbi onde é que comcaa isso e quâl
é a estrutüra inierna do ncgócio. Isso agora sci como é. A ial da para_

laxe entra por trás de tudo isso: o sujeito está vendo uma coisa, mâs
ele cstá râciocinándo sobre ouira completanente diferenic, assim náo
pode acerlar nuncâ.

l{l',lno Ten ü íilme en catlaz que é sobÍe loltcula,


que está aí
o quaL aparece um caÍa qüe começa a prcielat ifiagefis nos outtos
pe$anagens- Aí Ltm suieila tú BÍavo Íe2 u cottlentáfio; ele anenala
o come tátio dizendo que a rcalidade é só mais uma conz)efiçao.l
É... O significado dcssa matédâ é tambémsó rma convençáo. Sc cu
quiscr lcr o conlrário posso ler, por que não?

l{fut1o: Ii$lâo prucisa tla let u t louqui ho de Sohal.l


Prccisam lcr Sokal, Alârr Sol(al, âquele quc cscrcvcu um artigo to-
dinho r?orrs€r7se, mas tudo em linguagenr científica, mardou para uma
revisia e publicarân.

l(luno: O atti&o teutaúa proonr qtrc a +ÍaaitJade é u|fi concelío


socia I menÍe con stÍúíclo. l
É, um cxperirnen to como cssc nlosirâ que esse pessoal cstá realmente
no mundo da lua! Agora, o que vamos tàzcr? Náo veio outra coisa a
tazer scnão construir paralelamcntc a isso outrâs modalidadcs de üda
intclectuâI. Porque ,)em ficar combatendo isso... O quc você vai làzer
(om à uni\ersidad.:'solr. urra bombá lá. ign,'r(-d. prssc u margcm.
Diga: "Não quero saber disso, é um bordel, não tenho nada a ver com
issol". Quândo se vê, por cxcmplo, nessâ segünda mctâde do século
xx, ê obra toda doxâvicr Zubiri, que talvez scjaa obra filosólica mais
importantc, ela náo tem nada a vcr com a univeÍsidadc, nada, nâdâ,
cstá totâlmenie à margem.

ó0
Quer dizer que, so o proccsso da paralâxc comcça colll umâ inie'
lccÍ.,Jlidadc ÍreelatrceÍ, acho quc tcm quc scr oulra intelectualidade
h'eeLaficer paía clrÍar- Mas tcol q uc scr u nrí ir)iclc cllualidadc Írcelancet
investida da antiga rcsponsabilidadc univcrsil/üia. porque a noderna
náo tem responsabilidadc nenhunrâ, podc iazcr quâlqlrcr coisa. Eles
conquistaram o privilégio social de podoÍ cscrcvcr qualqucr bcstcira.
Agora, como é que se vai conscrtar cssa inslituiçr'll)? Irica aquela idéia:
as universidadcs devem ser eslâtâis ou privadus? Sou a l;rvrn d.r sxiiuçáo
de todas por igua,, estatais e privadas.

6l
M§ts útç'q.d.â§brtt*fet@dt Parxtu§r,ít ai4x.
li{dii coisrn' lt'lir

ffnií'Bilf4!, 199§.r

@l$nN,rri{iitiirá.erii.àÊdi6,
Its&iil Bd4.Íà6íi n
Dadc Inlmacionais dc Catolosêçáo .a Puhlicaçio «lr')
(Cdnea BrasileiE do rivm, SII lklsil)

Hhlórid eesunciâl da nbsonâ/


por olavo ds Cnrvalho - São Paülo: É Roalizaqócs, 2004.

Conleúdo: sula 1: Históna d.s hktdnos da nlosotu -


aula 2: O pújeto seático aula 3: Sócratesc PlatÁo
aúla 4, Artlótela - aula 5: Pré-sráticos -
aula 6: Período heleústico I aü,a 7: Psíodo hcloniíico II-
,trlâ Â Advênr. d..risiienhm. -
aula 9: Filosofa parÂtim e escolástim

1. rilosoÍa - Estudo c ensino 2. Filosoôa ' Hbtória


3. Filmôiã - lnlÍúdúçóê 4. PâdEs dâ Igrejâ primitiE l. TÍú1o

Índices párâmláloe. sisr..nático;

Este livrc é a lransciÉo da aúlÀ que


loi gÉvada no dia r3 de dezemhrc de 2002,
na E Reâlizações, em sáo Pado ' SB Brasil.

hpresso p€lâ Prol lam a


É Raliaçô6, abfl de 2007.
Os ripos úsados sáo dâ famíia Dulch.
O papel é ChÀmois Bulk 90 8/m, pda
o miolo e súpftmo 250 r/m, para a capÀ.

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