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A partir deste número a Revista de Desenvolvimento Econômico passa a oferecer

aos seus leitores textos clássicos da literatura econômica que versam sobre a Bahia e o
Brasil. Além de colaborar para a preservação da memória de contribuições intelectuais que
foram muito importantes para os estudiosos da economia regional a RDE pretende, com
esta iniciativa, tornar accessíveis às novas gerações trabalhos preciosos de difícil acesso
nos dias atuais.
Inaugurando a série é divulgada uma análise da economia estadual nos séculos XVIII e
XIX realizada por Rômulo Barreto de Almeida, considerado por muitos o maior
economista baiano do século XX. A matéria selecionada foi apresentada na primeira
conferência de um Curso de Economia promovido pelo Instituto de Economia e Finanças
da Bahia (IEFB), em 7 de novembro de 1949 e posteriormente publicada pela Revista de
Economia e Finanças (IV (4), p. 70-78. Salvador, 1952) daquele Instituto. Vinte e cinco anos
depois foi reeditada pela CPE na revista Planejamento (Salvador, 5(4): 19-54, out/dez
1977) da qual se extraiu o texto seguinte.
O Editor

TRAÇOS DA HISTÓRIA ECONÔMICA DA BAHIA


1
NO ÚLTIMO SÉCULO E MEIO
Rômulo Barreto de Almeida

1. Conjuntura internacional res livres e até mestres, leiloou os e não cuidavam de melhorar os mé-
Nos últimos decênios do século escravos que já escasseavam e enca- todos de trabalho. Certo, houve
XVIII, refizera-se a Bahia da crise receu o preço de tôdas as utilidades, imprevidência por parte de muitos,
que, com raras interrupções, perdu- ao mesmo tempo em que, com os não fazendo reservas nos anos bons.
rava desde a primeira metade do sé- embargos ao comércio com as Minas Falava-se também na “ganância” dos
culo XVII. É verdade que, no fim Gerais, era a Bahia impedida de com- intermediários e financiadores. E
dêste, o desenvolvimento do merca- pensar os seus prejuízos com o lu- ainda os impostos eram pesados, não
do europeu para o fumo, atenuou a cro dos fornecimentos para os ser- considerando o estado de depressão
dependência do açúcar. Mas a expor- tões do ouro. Enquanto a competi- da lavoura, e sendo lançados e
tação do fumo não poderia substi- ção das colônias de outras potências coletados de surprêsa e em épocas
tuir a da principal lavoura e indús- européias crescia, os custos de pro- muita vez impróprias. Mas todos
tria, fixadora por excelência de civi- dução também se elevaram assim êsses fatores foram realmente secun-
lização. E o açúcar teve a sua crise inevitavelmente. dários face àqueles dois que aponta-
agravada com a febre de mineração Costumava-se imputar a deca- mos. Também não era a baixa quali-
no século XVIII, a qual arrebatou dência da indústria açucareira à cul- dade dos produtos a responsável
para a aventura os seus trabalhado- pa dos produtores, que esbanjavam pela decadência das exportações.

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nais ultrapassada nas exportações hispano-inglêsa. Cuba sucedeu de-
A guerra da por Pernambuco ou pelo Rio, seria pois ao Haiti como primeiro produ-
independência americana naturalmente a primeira beneficiária tor de açúcar, mas já a partir de 99
dessa conjuntura favorável, salvo, no se instalou uma crise que se foi agra-
e a “revolução industrial” tocante ao algodão, a maior vanta- vando em consequência do conflito
gem do Maranhão e de Pernambuco, europeu, para só vir a ser superada
abriram uma larga apesar de na Bahia, já desde o I sé- a partir de 1818.6
oportunidade para o culo, segundo um exagêro quinhen-
tista, “os moradores preferiam à
Dessa forma a situação interna-
cional permitiu durante um bom
algodão. A primeira cana o algodão, cuja cultura se dá período a recuperação da nossa de-
melhor na terra” 4·. cadente economia colonial. Foi ela
remessa do Brasil A “grande guerra” inglêsa con- ainda que possibilitou o Alvará da
tra Napoleão reclamou maiores con- Abertura dos Portos, em 1808, que,
foi em 1767...

Mestres dos engenhos brasileiros
foram contratados para engenhos
sumos, sendo êste fator talvez mais
importante do que o efeito restritivo
sobre a navegação, já que nessa épo-
ca a Inglaterra desenvolvia estupen-
bem conhecido, dispensa maior ex-
tensão. Êste ato de fundamental im-
portância, todavia, precisa ser balan-
ceado sem o entusiasmo irrestrito de
das Caraibas, o que indica sua repu- damente sua frota. As Índias Ociden- outrora, pois há, por exemplo, indi-
tação. Em 1687, um arguto Viegas tais Francêsas tiveram sua produção cações de efeitos negativos sôbre a
escrevia num relatório para o rei: e seu comércio perturbados. O co- navegação nacionaI.7 ÊIe veio entre-
“As causas da diminuição e total ruí- mércio do Oriente também sofreu tanto eliminar intermediários e as-
na em que se acha o comércio dos (caso do algodão e da sêda). Logo as sim possibilitar maior preço ao ven-
frutos do Brasil não procede de se colônias espanholas entraram em dedor nacional e menor preço ao
obrar mal, se não de ser muito o que polvorosa. importador. ÊIe animou o comércio,
dele das Barbadas e da Índia vai à Para se medir a importância da introduziu novas idéias, confortos e
Europa”. O Rei não “acharia remé- situação internacional sôbre o nosso instrumentos de trabalho, embora
dio para que sejam mais finos” (os comércio, vamos acrescentar alguns tivesse também fomentado as im-
açúcares). Os holandêses nos 24 anos dados, sôbre o açúcar, o café e o portações de novidades e bugigan-
de Pernambuco não acharam meios fumo. O Brasil havia sido reduzido gas, em parte no comércio a crédito,
de mais perfeitamente fabricá-lo e no final do século XVIII a pouco mais que viriam imperceptivelmente gra-
com menor custo.2 de 10% do comércio internacional do var o nosso balanço de pagamentos.
Nesse final do século XVIII, po- açúcar.5 Quando menos, a metade O seu saldo positivo deve ter sido
rém, certas condições internacionais das áreas fornecedoras esteve con- grande, como fator de enriqueci-
extremamente favoráveis permitiam flagrada, ou perturbada por dificul- mento e progresso.
uma nova vida ao comércio de ex- dades de navegação, bloqueio, etc. Esta quadra entre a guerra da in-
portação e um desafogo para os se- Quanto ao café, um dos fatores do dependência dos Estados Unidos e
nhores de engenho tradicionalmen- seu desenvolvimento no Brasil foi a a nossa independência, foi, assim,
te endividados. A guerra da inde- destruição dos cafesais de Haiti pe- para a Bahia, uma época de prospe-
pendência americana e a “revolução los negros sublevados na guerra de ridade e capitalização, mas não, to-
industrial” abriram uma larga opor- independência dessa ilha francêsa, davia, isenta de problemas.
tunidade para o algodão. A primei- os quais também destruíram os en-
ra remessa do Brasil foi em 1767, e já genhos de açúcar. Haiti foi por mui-
“a começar de 1786 as exportações to tempo a maior produtora mundi-
variam de 150 a 200 mil libras por
ano.3 Passou a ser o algodão um fa-
tor de equilíbrio do balanço comer-
cial da Colônia. Além do algodão,
al de café e de açúcar, enquanto
Jamaica e outras colônias inglêsas
experimentavam uma temporária
decadência açucareira.
“ Esta quadra
entre a guerra da
todos os demais produtos tiveram a Cuba, única colônia espanhola independência
procura aumentada, em consequên- exportadora de açúcar, encontrou a dos Estados Unidos
cia dos dois fatores históricos que partir de 1763 até 1779 condições
indicamos, e das guerras napoleô- muito favoráveis, pois passou a su- e a nossa independência,
nicas, que iniciavam um grande ci- prir as necessidades totais da Espa-
clo de perturbações internacionais, nha, cêrca de 500.000 arrobas, desde foi, assim, para
dos quais advieram, até a indepen- que esta levantou direitos proibiti-
dência, condições favoráveis ao nos- vos para o açúcar estrangeiro Entre
a Bahia, uma época de
so comércio. 79 a 85 a produção cubana de açú- prosperidade e
A Bahia, principal centro comer- car e de fumo foi prejudicada por
cial e produtor, só em anos excepcio- medidas internas e pela guerra capitalização...
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“ ... as complicações Outros alvarás haviam concedi- genho pioneiro, Pedro Antônio Car-
do liberdade de navegação e outras. doso. Manoel Ferreira da Camara
e abusos não haviam “Posto que não tenham nunca tido Bittencourt Sá, proprietário do En-
inteira observância, contudo servi- genho da Ponta, no Iguape, refor-
acabado, como de resto ram para adoçar as violências dos mou fornalhas, economizando dois
executores fiscais e municipais”, se- têrços da lenha, e introduziu várias
até hoje não se gundo êsse lúcido Desembargador outras inovações da técnica indus-
extinguiram dos nossos João Rodrigues de Brito.10 trial e agrícola. Agostinho Gomes
A Mesa de Inspeção d’Agricul- trouxe também melhoramentos na
hábitos fiscais e tura e Comércio era uma instituição lavoura e na pecuária, e lançou gran-
organizada segundo lei do meiado des projetos, um dêles o de uma fun-
burocráticos...

do Século XVIII para “exames e qua- dição de cobre e ferro. Todos eram
lificações”, segundo as quais os gê- versados na ciência da época, inclu-
neros pagavam impostos e eram sive na economia política, ou seja, na
2. Condiçoes internas marcados contra fraudes, bem como “ nova doutrina”, do “profundo
Enquanto isto, as regulamenta- para decidir outras questões do co- Smith”. Ao lado deles, homens letra-
ções, exigências, “taxas, almotaçarias mércio. Havia queixas. Ferreira da dos de oficio, como José da Silva Lis-
e condenações”, que caracterizavam Câmara disse que “se não estivesse boa, depois o Visconde de Cayrú, se-
o “regime exclusivo” (referência ao organizada ... não aprovaria sua cria- cretário da Mesa de Inspeção d’
mercantilismo, agravado na explo- ção”, provavelmente em respeito às Agricultura e Comércio, e o Desem-
ração colonial) do Século XVIII, e que idéias da época, mas atestou “a con- bargador João Rodrigues de Brito,
“atravessavam” e oprimiam a pro- fiança que a Mesa tem merecido do cuja resposta ao inquérito da Câma-
dução, foram consideràvelmente re- público, que é o melhor Juiz do con- ra do Salvador, tenho a impressão
duzidas com o Alvará que visava ceito dos empregados”: negociantes que é um documento definitivo não
“extingui-las” e dar “liberdade do e lavradores “distantes, guiados por só da história econômica da Bahia,
preço” o qual era mandado execu- aquela qualificação, concluem mais mas da história das idéias econômi-
tar em 1799. Um dos consultores do facilmente os seus ajustes”. O De- cas no Brasil, pela clareza com que
Senado da Câmara da Bahia, em sembargador Brito e Gomes Ferrão expõe a administradores as idéias de
1807, atribuiu a êsse ato “progressi- Castelo Branco coordenava a Mesa. Adam Smith, de Sismondi, e de Say,
vo aumento da lavoura, principal- Mas Sequeira Bulcão considerava a e as aplica no exame de uma situa-
mente das farinhas, que são o pão da Mesa uma defesa do lavrador, “de ção regional. Êsses homens represen-
terra, e dos legumes” 8, Mas as com- comum sujeito ao negociante” 11, tavam um ambiente, na época per-
plicações e abusos não haviam aca- observação esta última também de feitamente atual no mundo, como
bado, como de resto até hoje não se José da Silva Lisboa, em carta citada aliás acontecia com Azeredo Couti-
extinguiram dos nossos hábitos fis- por W. Pinho12. nho, Arruda Câmara e outros na re-
cais e burocráticos, ainda de acentua- Homens adiantados encontra- gião de Pernambuco. Nesse tempo,
da feição “patrimonialista9. Narra o vam nesse período o clima favorá- a Bahia teve grandes governadores:
principal dêsses consultores as fre- vel para idéias novas que traziam da D. Fernando José de Portugal, depois
qüentes medidas contra a exporta- Europa. Felixberto Caldeira Brandt Marquês de Aguiar, o Conde da
ção, os vexames da obrigatória pas- Pontes, depois Marquês de Barbace- Ponte, o duro e lúcido Conde dos
sagem dos gêneros pelo “Celeiro” da na, trouxe a primeira máquina a va- Arcos e o Conde da Palma, homens
Cidade e os sofrimentos dos lavra- por instalada num engenho de açú- enérgicos e influenciados pelas idéi-
dores e barqueiros: “Fora do celeiro car no Brasil, tomou a si a emprêsa as novas. Havia um clima de inicia-
êles têem de mais a mais de susten- de naveqação a vapor, inaugurando tivas.
tar os assaltos dos Meirinhos, e ren- em outubro de 1819 o vapor de Ca- Uma Praça de Comércio, origem
deiros que Ihes saem ao cais a pedir choeira, uma das maravilhas no fol- da atual Associação Comercial, foi
conta das licenças, finanças, entra- clore do sertão, e cuja máquina, vin- fundada pelo Conde dos Arcos, na
das, guias, regimentos, carlotações, da da Inglaterra, foi montada num base de sugestões do Desembarga-
visitas, e mil outras formalidades, barco construido no estaleiro da Pre- dor Brito e outros, como uma bolsa
que o sistema regulamentário tem guiça. Caldeira Brandt ainda fez par- de mercadorias, para facilitar as ope-
inventado exames, aferições ilegais, te do grupo que estabeleceu o pri- rações mercantis e moralizar o co-
selos de pipas, lotações, para surpre- meiro Banco (1817), filial ao primei- mércio.
ender coisas à singeleza dos barquei- ro Banco do Brasil, promoveu o le- Até 1815, a mão de obra vinha
ros, e lavradores rústicos, que em vantamento de uma planta do Re- facilmente da Costa da Mina. Mas a
conclusão de seus sofrimentos, e per- côncavo e iniciou a abertura de um Inglaterra havia extinto em 1807 o
das, perdem até a vontade de voltar caminho entre São Jorge dos Ilhéus seu tráfico, com bons motivos de or-
com outra carregação, e vão espalhar e o Arraial da Conquista!”. Tivemos dem econômica, e não mais lhe con-
por tôda parte o descoroçoamento”. nessa época um outro Senhor de en- vinha permitir essa vantagem a con-

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correntes. Era natural que as razões
sentimentais fossem exaltadas, e
que, mais uma vez, a Inglaterra pro-
curasse escudar os seus interesses no
interêsse geral da civilização. Em
1815 consegue de Portugal um tra-
tado abolindo o tráfico ao Norte do
Equador. O tráfico, depois, cai. 13
Apesar da abundância de escravos,
ou por isto mesmo, o rendimento do
seu trabalho não parecia satisfatório.
Já se falava na superioridade do tra-
balho livre. A idéia de obter colonos
européus se reforçava, e já em 1818
se estabelecia a Colônia de Leopol-
dina. A colonização se tornou uma
preocupação de Miguel Calmon14.
Os negros já se organizavam, faziam
reivindicações, e as suas sedições e
arruaças se repetiam. Não era tran-
quilizador. A pressão, já depois da
revolta dos Malês, em 1835, se ate-
nuou, com a redução do tráfico e a
exportação de braços para os cafesais
Figura 1 – Processo do fabrico açúcar em Hispaniola, século XVI. Girolamo
do Vale do Paraíba, fluminense e
paulista. Benzoni, Americae pars quinta nobilis & admiratione . .. (Frankfort, 1595)
Fonte: http://people.ufpr.br/~lgeraldo/imagensengenhos.html. Acesso em 5/11/2009.
Comparava-se a produção dos
trabalhadores livres que, no fumo, já
eram cêrca de um têrço. Mas, o esta- maior desvantagem da Bahia, pode- riadas fontes de proventos da Bahia,
do da instrução era dos mais atraza- mos imaginar o que eram naquele e para Maracás, Caetité e Rio das
dos. Deve-se nessa quadra, ao Con- tempo! A navegação na Bahia de Velhas - o velho caminho das Minas,
de dos Arcos, um número relativa- Todos os Santos era o grande recur- que Martius descreveu17. O algodão,
mente grande de novas escolas. A so. Ao longo da costa também. O que dava com gôsto nas terras altas,
situação, não obstante, deveria ser Arsenal de Marinha fôra reformado, reclamava caminhos. C. Brandt co-
superior à do resto do país, confor- as construções navais de desenvol- meça o Ilhéus-Conquista. De Cama-
me indicações, além de outras, dos veram, ao menos até o Acôrdo com mú para o interior outro havia sido
Revs. Kidder & Fletcher, já tempos a Inglaterra!16. Veio a navegação a iniciado por D. Fernando José de
depois15. vapor no Recôncavo e na Costa. O Portugal.
O preconceito contra o trabalho Conde da Palma tratou da navega- Um dos grandes, senão o maior
prático era rígido e tanto impedia a ção no Jequitinhonha. Mas o desem- problema do açúcar, era a lenha para
aplicação na produção de pessoas de baraço dos navios, a atracação e o de- as fornalhas e a madeira para as cai-
padrão social, e naturalmente enge- sembarque eram lentos e desanima- xas. Sequeira Bulcão, que, da Vila de
nho mais alto, como a aprendizagem dores. As embarcações, saveiros e São Francisco, respondeu à Câmara
técnica. Impressionou muito a al- sumacas, eram muito maltratadas. O com muito bom senso, porém menor
guns viajantes, como Agassiz, esse transporte terrestre então longe fica- brilho de linguagem e nenhuma eru-
preconceito no Brasil. va das “facilidades” de naveqação, dição (razão talvez do menor desta-
Os problemas na Bahia nessa Na zona dos canaviais, o massapè que que se tem dado à sua carta),
quadra encontram uma exposição atolava meses seguidos. A marcha nota que o preço do açúcar “animou
excelente nas quatro cartas que res- do Exército Libertador foi penosa- avultar as safras”, mas “não tendo
ponderam aos quesitos do Senado mente retardada por essa circunstan- matos suficientes, não podiam moer
da Câmara. Já nos referimos às com- cia. Os rios e riachos, sem pontes, mais”. Previa que muitos engenhos
plicações criadas pela administração criavam obstáculos sempre prenhes “virão a não existir em breve tem-
pública e aparêlho fiscal coloniais, as de imprevistos. Clamava-se por pon- po”. “As caixas são um artigo, que
quais se bem amenizadas, ainda con- tes. O sertão era servido por limita- tendo chegado ao auge da carestia e
tinuariam (até hoje), talvez como das estradas coloniais. As principais que jamais deixarão de subir de pre-
uma consequência do próprio siste- saiam da Cachoeira, para o Norte, ços pela dificuldade, e distância das
ma econômico. Os transportes, se via Jacobina, onde o ouro continua- madeiras”.... Ferreira da Câmara, na
ainda hoje (1949) representam a va a ser uma das pequenas, mas va- sua esplêndida Carta, quando se re-

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tendência qeral que seria denomina- na quadra inicial que focalizamos.
O Clima da Bahia da de “lei dos rendimentos decres- “A irregularidade dos preços é o
já tem sofrido muito após centes” 20. “A lavoura do açúcar, bem flagelo da lavoura”, dizia o Des.
como tôdas as mais, se tem aumen- Brito. Este fato sempre foi agravado
a destruição das florestas tado”, mas sem grande vantagem. pela ausência do crédito, a não ser
“Outros muitos engenhos, que des- os próprios adiantamentos dos co-
do Recôncavo, e a graçadamente com o excesso dos merciantes.
queima das planícies. preços se edificaram em maus terre-
nos, têm causado a ruina dos seus
Naquela época, então, faltava a
própria base para o crédito real: um
Mas receio que o Brasil proprietários, e a infelicidade dos Registro de Hipotecas. O Desembar-
que já existiam, bem como daqueles gador Brito lamentava que em lugar
venha compreender que se erigiam em bons terrenos” de remediar a falta de capitais, se ti-
(aludia à concorrencia na compra vesse adotado “o expediente de con-
isto somente quando já for das caixas e, ao que se depreende ceder aos lavradores o privilégio de
demasiado tarde... também, da mão de obra). E adiante: não poderem rematar-se as fábricas

fere à inexequibilidade das leis inter-


vencionistas, mesmo as “exceções”,
” “Os mesmos engenhos abundantes à
proporção que se trabalham seus ter-
renos diminuem na sua produção, fi-
cam mais distantes os matos e por
de seus engenhos por execução dos
credores”, remédio que “veio agra-
var o mal” 23 . Em 1836, Miguel
Calmon (futuro Marquês de Abran-
favoráveis aos interêsses gerais, isso cresce a despêsa, fazendo-se ne- tes) numa espécie de Relatório da
como a de 1609, sôbre a conservação cessário maior número de braços, e Sociedade de Agricultura, Indústria
dos bosques e matas, ressaltava: “ora de fábricas, não podendo ter interêsse e Comércio considera também o re-
se há 198 anos, quando apenas êste vantajoso os seus proprietários, e la- gistro Hipotecário um dos proble-
país tinha saído da barbaridade, ha- vradores, sem que haja maioria no mas fundamentais da lavoura.24
via já falta de lenha, e madeiras;... preço do açúcar ... “21. Problemas de organização. judi-
que diremos do estado presente?” 18 Um outro problema era o do ca- ciária, política e administrativa eram
Passado o meio século, o geólogo pital de movimento. A lavoura vivia apontados entre os que requeriam
Charles Fred Hartt se impressiona- nas mãos dos grandes comerciantes, medidas tranquilizadoras para a
va profundamente com a devastação e indiretamente dos importadores produção e o espírito de iniciativa.25
das matas por meio das queimadas, estrangeiros – situação que conti-
através do litoral bahiano, e dizia nuou constante, sobretudo pela ins- 3. Abastecimento
coisas que têm sido confirmadas por tabilidade natural dos preços dos Uma situação nada lisonjeira era
geólogos e geógrafos modernos: produtos agrícolas de exportacão22, a do abastecimento. Vimos que os
“mas há um agente que tem estado apesar de ter melhorado muitissimo pequenos produtores, quase sempre
em atividade no Brasil, cujos efeitos
podemos dificilmente sobrestimar, e
que é a queima das regiões e matas
e campos pelo homem”. E conclui,
adiante, de uma análise do proble-
ma: “A destruição total e descuida-
da das florestas nas costas brasilei-
ras, a menos que acabe, acabará por
produzir uma ruína certa para o
país. O Brasil deve o seu clima e a
sua capacidade de produção agríco-
la às suas florestas, e é absolutamente
necessário que essas sejam preserva-
das em grande parte do país, espe-
cialmente na costa. O Clima da Bahia
já tem sofrido muito após a destrui-
ção das florestas do Recôncavo, e a
queima das planícies. Mas receio que
o Brasil venha compreender isto so-
mente quando já for demasiado
tarde” 19.
Relacionado com o problema das
matas, Sequeira Bulcão mostra cons- Figura 2 – Paisagem com plantação (O Engenho), por Frans Post (1689)
ciência, sem traço de eruditismo, da Fonte: http://people.ufpr.br/~lgeraldo/imagensengenhos.html. Acesso em 5/11/2009.

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fôsse lícito de tirar partido do seu caso de poderem os pequenos lavra-
É muito ordinário suor, e indústria”.26 dores de abastecimentos disputar ao
ouvir aos que nada O fornecimento de carne à Bahia, máximo as vantagens do mercado,
era dificultado pela falta de mangas dando como consequência um supri-
produzem e ainda àqueles perto da Capital ou no caminho das mento mais ou menos regular, em
boiadas. O Desembargador Brito vista de instabilidade dos preços e
que se dão ao gênero de atribuia êste mal à antiga proibição mercados dos artigos de exportação.
cultura mais lucrativo, que de se criar gado nas dez leguas de
beira-mar (para não disputar terras
Se êstes caiam, nos próprios enge-
nhos se cultivava mais a mandioca e
é o da cana, queixarem-se à lavoura da cana; essa proibição terá o milho, reduzindo ainda mais as
prejudicado a do fumo, carente de compras aos pequenos agricultores,
da carestia da farinha, que adubo animal). quando os preços já em si seriam
A velha Lei que obrigava os la- menores. Acrescentem-se, como fa-
talvez é o que menos vradores do Recôncavo a plantar 500 tores de desequilíbrio, a instabilida-
convém a cultivar, e covas de mandioca por escravo já de natural das safras, tanto dos arti-
não se obedecia, se é que não estava gos de exportação, como dos gêne-
fabricar nesta Capitania, incluida nas referidas revogações. ros de abastecimento, agravada com
Era um dos exemplos do Desembar- a falta ou impossibilidade de arma-
de quem lhes faz o grande gador Brito de leis que prejudicam a zenagem e de crédito. Em suma:
bem de comprar aqui todos, por contrárias “aos princípi-
os da divisão do trabalho desenvol-
êsses lavradores em regra suporta-
vam o pior das crises de depressão e
onde ela se acha em vidos por Smith”. F. da Câmara, que eram impedidos de aproveitar o me-
“sustentava 250 pessoas”, timbrou lhor das crises de alta.
abundância,para vender em declarar que não plantava “um A situação do abastecimento não
só pé de mandioca, para não cair no podia se regularizar, e será talvez
onde ela é rara, e absurdo de renunciar a melhor cul- por isto que, voltando atrás das exal-
necessária... tura do país pela pior que nela há”.27 tadas idéias liberais de 30 ou 20 anos


os mesmos transportadores, encon-
travam entraves descoroçoadores,
Tal o prestígio dos princípios teóri-
cos vigorantes na época.
Apesar de ter aumentado a la-
voura, a situação dos pequenos la-
antes, a Câmara da Cachoeira reins-
taurava, numa postura, a obriga-
toriedade das 500 covas.28
Durante o período considerado,
no desembarque, no fisco, na com- vradores era má.”Fui testemunha há houve um grande impulso na acli-
pulsória entrega ao Celeiro Público, ano e meio, estando na povoação de matação e cultura de plantas exóti-
na distribuição dos talhos de açou- Nazaré, da desgraçada sorte do culti- cas, inclusive árvores frutíferas. Ao
gue, na incerteza e especulação dos vador de mandioca” (ainda F. Câma- que parece, a fruta pão e a jaqueira
preços, que entretanto estavam su- ra, para quem a solução era a liber- tiveram nessa ocasião maior difusão
jeitos a provisões quanto a máximos, dade de preço e do mais). no Recôncavo. Os quintais, as chá-
apesar da citada medida liberadora A tragédia, porém, era que, além caras e os jardins se terão enriqueci-
dos preços. Os lavradores eram tra- da diferença de poder econômico e do, e isto não terá pequena impor-
tados como uma classe tributária da político contra o cultivador da man- tância sôbre a alimentação regional.
grande lavoura de exportação e das dioca, outros fatores estruturais
populações urbanas, que tinham a eram também desfavoráveis a uma 4. Mudanças de perspectivas
seu serviço as autoridades. Ferreira próspera economia de abastecimen- A situação favorável, apesar dos
da Câmara, liberal esclarecido, se to. Enquanto os preços de exporta- pesares, da economia bahiana no
opunha a isto: “É muito ordinário ção estavam altos, todos os recursos comêço do século, se altera depois
ouvir aos que nada produzem e ain- se voltavam para êsses produtos profundamente, em razão principal-
da àqueles que se dão ao gênero de nobres: açúcar, algodão, fumo. Dimi- mente de dois fatores: os prejuízos
cultura mais lucrativo, que é o da nuiam, ao menos relativamente, as materiais da guerra da independên-
cana, queixarem-se da carestia da lavouras de subsistência: menor pro- cia, e a mudança da conjuntura in-
farinha, que talvez é o que menos dução, enquanto havia mais dinhei- ternacional.
convém a cultivar, e fabricar nesta ro procurando farinhas, grãos, car- A contribuição em bens, além das
Capitania, de quem lhes faz o gran- nes etc.: preços altos. Êstes preços, vidas, para a independência, “foi um
de bem de comprar aqui onde ela se fora as arbitrariedades desanima- golpe terrível para a vida econômi-
acha em abundância,para vender doras, provocariam naturalmente ca-financeira. Esta desconjuntou-se,
onde ela é rara, e necessária; como maior produção pelos agricultores e, desde então, começa a série infin-
se os Lavradores de pão devessem isolados. Consequência: os preços dável das desgraças que nos perse-
ser considerados como pessoas de tinham que cair. O equilíbrio não se guiram durante todo o século XIX”,
inferior qual idade à sua, a quem estabelecia, entretanto, mesmo no diz Gois Calmon.29

RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano XI  Nº 19  Janeiro de 2009  Salvador, BA 87



para a qual “deliberou entrar com 20 da eram vendidos para o Sul. E por-
... a situação ações”. “Se mais não tem ela feito, que os pioneiros não eram imitados?
internacional já não era seja essa falta arguida à nossa habi- porque o novo engenho importado
tual indiferença, à nossa apatia, e não pelo govêrno do Presidente Gonçal-
mais tão favorável aos a defeito intrínseco da instituição”.30 ves Martins (antes de 1852) para ven-
Queixa-se Calmon, revelando porém da, não encontrou comprador? É que
nossos produtos. O que havia iniciativa e cooperação. certas condições internas desanima-
algodão Em tôda a parte os pioneiros são
minoria. Se o espírito de emprêsa e
vam, como a dos transportes no
massapê, e aquela apontada por
e o fumo haviam sido de associação era fraco, devemos Sequeira Bulcão (o número de enge-
buscar a razão numa economia ale- nhos crescera numa média de 3 anu-
favorecidos pela nova atória, vagando nas incertezas da almente entre 1728 e 1827). Com a
produção natural e sobretudo do lei dêste ano, liberando completa-
guerra da Inglaterra com comércio estrangeiro. mente, a média subiu a 23, até 1834,
os Estados Unidos, mas Focalizemos a nova situação dos segundo Gois Calmon. Ainda há a
principais produtos: acrescentar a ostentação de muitos
isto também já havia senhores. Mas sobretudo as condi-
4.1. Açúcar ções desfavoráveis do comércio in-
passado...
Realmente a queda de produção

foi sensível, “inúmeras casas, ricas
A indústria do açúcar foi aperfei-
çoando, mas os mercados continua-
vam muito inseguros: havia uma es-
perança - que parece ter sido vã -
ternacional vinham se acentuando.
O sucesso desses senhores mais adi-
antados era relativo e não raro du-
vidoso. Os preços do açúcar e a com-
de haveres antes da guerra”, cairam (1836) numa lei francesa abrindo a petição favorecida de outras fontes
na miséria, como parece ter sido o importação do açúcar bruto. A crise não permitiam, de um lado, a capi-
caso da Torre. A lavoura da cana e a se tornaria secular, apenas com hia- talização essencial aos novos empre-
do fumo foram mais sacrificadas, e tos de melhores safras ou de melho- endimentos privados e públicos, e
em anos de preços maus. res preços. Mas a tendência geral dos por outro não abriam perspectivas
Entrementes, a situação interna- preços era a queda (em 1837, em li- claras de amortização dos investi-
cional já não era mais tão favorável bras esterlinas, um terço do preço de mentos novos. O conselho do Mar-
aos nossos produtos. O algodão e o 1821, cujo nível só se estabeleceu, quês de Abrantes (Miguel Calmon)
fumo haviam sido favorecidos pela passageiramente, exatamente um a Cotegipe, quando êste tomou pos-
nova guerra da Inglaterra com os século depois). Depois de C. Brandt, se dos engenhos, ilustra a situação:
Estados Unidos, mas isto também já ou Pêdro Antônio Cardoso, muitos “apenas ocorre-me um cuja eficácia
havia passado. Restava o consumo outros instalaram máquinas a vapor, abono. Nada compre fiado. Ainda
crescente de algodão pela indústria melhoraram as variedades da cana. outro - vá lentamente (quero dizer
inglêsa, o qual nos deixava alguma Certamente o esfôrço técnico pode- sem comprar máquinas e aparelhos
oportunidade. O açúcar de beterra- ria ter sido maior, além de continua-
ba se desenvolvera na Europa sob o do como foi: pouco cooperativo, mas
bloqueio britânico, e os concorren-
tes coloniais do açúcar de cana já se
restabeleciam.
tanto privado como público. Real-
mente, se era difícil se reunirem em
associação, vemos que os bahianos
não desanimavam: os Calmons, os
“ Os preços do
açúcar e a competição
Nas circunstâncias em que vimos
Gonçalves Martins, os Cotegipes se
favorecida de outras
se declarar novamente a crise inter-
mitente de nossos “produtos coloni- repetiriam. Não faltou iniciativa e fontes não permitiam, de
ais”, os governos e os particulares arrojo. As últimas invenções era ex-
continuavam a tomar medidas pro- perimentadas com avidez. Muitas um lado, a capitalização
gressistas. A Sociedade d’Agricultu- foram feitas lá mesmo no Recôncavo.
ra, Comércio e Indústria, criada em O engenho de Manoel Jacinto de essencial aos novos
1832, sob a Presidência de F. da Câ- Sampaio e Meio, de tão inovador, empreendimentos
mara, substituido depois por Miguel passou a ser reputado fantasista e
Calmon, distribuia sementes, publi- conhecido como o “engenho da Fi- privados e públicos, e por
cava memórias sôbre as principais losofia”. Melhorou-se extraordina-
culturas e um “jornal”, ajudava a riamente o rendimento da lavoura, outro não abriam
com a “caiana” (de 1 para 4), econo-
preparação e a vinda de técnicos, e
mizou-se lenha com novos proces-
perspectivas claras de
até procurou acumular capital para
ajudar emprêsas produtivas: uma sos, as novas máquinas reduziram as amortização dos
delas, a Companhia de Colonização necessidades de animais e de braços,
que já não vinham da África, e ain- investimentos novos...
88 Ano XI  Nº 19  Janeiro de 2009  Salvador, BA

RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
“ Na Europa impossível vencermos nós a concor- 4.2. Fumo
rência. (A exceção foi o café, favore- Quanto ao fumo, “elemento cer-
Continental, o açúcar de cido pelo desastre de Haití, mais exi- to, constante, e de todos os tempos,
gente de terreno, porque não se en- desde os coloniais,32 cultura que era
beterraba, terrivelmente contraram áreas coloniais tão propí- “uma das mais valiosas desta Pro-
cias como as do Vale do Paraíba e víncia,33 apesar de ter sido sempre
protegido, elevava a sua terra roxa de São Paulo). Na Europa antes do pobre que do rico, sofreu
produção, de 4% da Continental, o açúcar de beterraba, com a redução do tráfico uma que-
da vertical: de 767 mil arrobas em
terrivelmente protegido, elevava a
produção mundial de sua produção, de 4% da produção 1815, para 64 em 1934 (tendo excep-
mundial de açúcar no meado do sé- cionalmente no período atingido 800
açúcar no meado do culo, a 68% na safra 1900-1, caindo mil em 1821). Cêrca de metade da
safra, em fumo negro, rôlo, era o
século, a 68% na embora depois, mas continuando
pagamento na África dos escravos,
sempre acima dos 30%, nos períodos
safra 1900-1... normais”. que em si mesmo era um grande ne-


dispendiosos) empregando os meios,
Nossa posição apenas se alivia-
va em anos de excepcional procura,
de safras ruins ou perturbações nas
gócio.
O fumo se. desenvolvera a prin-
cípio nos “campos areuscos de Ca-
choeira”, mas especialmente São
áreas concorrentes, como parece ter
já mais ou menos conhecidos de pou- sido o período de lutas em Cuba pela Gonçalo, Inhambupe, que parece ter
par o excesso braçal...” independência. A fôrça da produção sofrido o maior golpe, e Brejões.
A insegurança era o signo do açú- cubana avultou depois com a “pre- Perdemos além disso o comércio
car. Honra a Cotegipe que, desejan- ferência cubano-americana”, a par- continental europeu, com a Indepen-
do como tantos outros empreende- dência e o péssimo tratado com Por-
tir da última década de século – mais
dores, mais o gôsto da experiência e tugal. O fumo em folha tinha garan-
outro fator de consolidação da crise
do exemplo do que a segurança do tido o mercado português, através
açucareira no Brasil. O Recôncavo
patrimônio, se lança em instalações do qual ia à Espanha a alhures. Não
não podia se salvar no mercado in-
modernas e dispendiosas; um servi- soubemos conservá-lo. Depois da
terno, dada a limitação dêste e a lo-
ço para a indústria do açúcar de todo Independência, tanto que, em 1835,
calização mais favorável dos cana-
o Brasil, pois dessa experiência, Miguel Calmon reclamara ainda,
viais de Pernambuco e de Campos e
“comêço da decadência da fortuna como oportuna, a renegociação do
Baixada Fluminense, além de outras
particular do seu fundador”, o Ins- Tratado, fazendo o confronto nosso
circunstâncias.
tituto Fluminense de Agricultura com o comércio florescente entre os
publicou um folheto de utilidade Entre 1873 e 1890, a crise no Estados Unidos e a Grã Bretanha.
geral.31 Recôncavo açucareiro, que já vinha Todos os gêneros coloniais ficaram
O principal fator de tudo era o de antes, se tornou aguda. Ela inspi- sem o apoio da preferência lusa, im-
comércio internacional. O pequeno rou em 1888 a isenção total de im- portante, na escala da época, en-
Portugal já não nos comprava com postos para o açúcar. Em meio da quanto eram excluídos ou desfavo-
preferência, a não ser talvez o das li- crise, 1879, o Presidente da Provín- recidos no comércio de outros paí-
gações tradicionais ou de sangue en- cia contratou 6 “centrais”. ses, particularmente da Inglaterra,
tre as casas de negócio daqui e de lá. Outros empreendimentos se su- que, apesar do tratado de 1810, “não
A Espanha tinha suas colônias, cederam, sobretudo de1892 em dian- consome produto algum nosso, afo-
que também (Cuba e Filipinas) reco- te, com a relativa reanimação nos ra o algodão”, segundo o testemu-
meçavam a fornecer aos Estados preços internacionais, e quiçá tam- nho de Miguel Calmon34.
Unidos e agora com progresso cres- bém a expansão monetária interna, Os esforços que vinham de Pom-
cente. A Inglaterra tinha as Indias com o seu efeito de capitalização for- bal35 para enfrentar a concorrência
Ocidentais e a própria lndia. A Fran- çada. do tabaco havanês prosseguiram. A
ça tinha as suas Antilhas. A Holanda Assistimos nesse período a um
acabava de desenvolver o parque
açucareiro de suas lndias Orientais.
É claro que êsses parques, tendo
mercados assegurados pelas tarifas
esfôrço maior de reequipamento,
com a instalação de várias “centrais”.
Foi a época encabeçada por um gran-
de empreendedor prematuramente
“ O fumo em folha
tinha garantido o mercado
aduaneiras, pela navegação, pelo falecido Jayme Vilas Bôas. português, através
aparelhamento comercial e financei- Fora anos excepcionais, a lavou-
ro das grandes potências, podiam ra da cana pôde se manter um pou- do qual ia à Espanha a
ainda imobilizar capitais em grandes co mais pela queda do câmbio, mas alhures. Não soubemos
conjuntos de produção e realizá-Ia nem isto a salvou. Sua nova oportu-
numa escala tal, que seria de todo nidade foi a guerra de 1914-1918. conservá-lo...
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Ano XI  Nº 19  Janeiro de 2009  Salvador, BA 89
“ A situação o mercado da Europa Central. O con- 4.4. Café e cacau
sumo mundial se ampliou. E as pe- Hartt observa, na fase de prospe-
do fumo só veio a culiaridades dos fumos bahianos ridade do café no sul pais, que na
contribuiram para manter a prefe- região costeira e Recôncavo, a irre-
melhorar e estabilizar rência de muitos fumantes. E assim, gularidade das estações não o favo-
ampliado o consumo interno, e res- recia.39 O café que em quantidade
mais tarde, com o taurado o mercado mundial, depois relativamente pequena foi sendo ex-
desenvolvimento das de longo processo e várias peripéci-
as, chegou o fumo no final do século
portado vinha a princípio quase ex-
clusivamente da extremo sul do Es-
fábricas de rapé, a ser o nosso principal produto de tado, da Colônia alemã para cima de
exportação, atingindo em 1902 a sua Caravelas, a qual teria fracassado
de charutos e de maior exportação. com a abolição da escravatura.40 De-
Mas, tal como outros produtos pois ganhou o café os municípios da
cigarros...

Inglaterra preferia os fumos da Vir-
gínia, a França o das Antilhas. Nós
tropicais - a exceção única no nosso
caso foi a do café - encontraram-se
nas colônias terrenos favoráveis. A
técnica e o capital dos grandes paí-
orla do Recôncavo e algumas roças
isoladas aqui e acolá, como as que
criaram esplêndida variedade do
“café da Chapada” (Diamantina).
estávamos com a nossa principal ses mercantis haviam certamente de Mas só excepcionalmente se obser-
rota de comércio para o “fumo bran- voltar-se para elas e não para os vou o regime de maiores plantações
co”, cortada. Sofria ainda o comér- “Campos de Cachoeira”. Assim, nas como as do Vale do Paraiba.
cio fumageiro das especulações em Índias Orientais Holândesas as cul- A produção foi pequena, mas das
Gilbraltar, e ainda os reflexos da turas do fumo se desenvolveram lar- que contrlbulram pela variedade,
episootia entre 1829 e 1832, que de- gamente. Em Sumatra, de 50 fardos para reduzir o desequilíbrio na eco-
vastou os rebanhos próximos e sa- em 1864, já em 1903 produziam nomia exportadora do Estado. Essa
crificou o exterco necessário às ma- 255.000. Java passava de 182 em 1890 produção, porém, chegou a avultar
lhadas. Acrescentava ainda Miguel para mais de 400.000 em 1910.37 nas quadras dos preços altos, pre-
Calmon como um dos fatores secun- ponderando em parte entre 1893 e
dários da crise o “doce prurido do 4.3 Algodão 1903, sendo a maior safra em 1898.
ganho”, e mostrava que a importân- O algodão, em 1835, estava esta- Sua importância comercial foi sus-
cia vulgarmente atribuida aos im- cionário, se não regredindo, segun- tentada pelos esquemas de valoriza-
postos não era considerável. do Miguel Calmon, e prosseguiu ção posteriores ao Convênio de
A situação do fumo só veio a aproveitando algumas oportunida- Taubaté, mas isto não impediu a de-
melhorar e estabilizar mais tarde, des ocasionais, nenhuma porém cadência das lavouras.
com o desenvolvimento das fábricas como a da Guerra de Secessão dos O cacáu surgiu aos poucos, to-
de rapé, de charutos e de cigar- Estados Unidos, quando o algodão mando vulto depois de 1890. E foi
ros,36que aliás importavam fumos: a atraiu tudo, e foi um mal depois.38 A providencial. Abriu uma nova fase
fábrica de Areia Preta “preferia com- indústria terá favorecido, depois do em nossa economia. As exportações
prar aqui as 300 a de Virginia”, diz meado do século, e já antes a indús- sofriam uma crise cada vez maior.
Miguel Calmon, que apresentava tria mineira, desenvolvida sob a pro- A exportação do cacáu só em 1838-
um programa de aperfeiçoamento teção da distância dos portos, a pro- 39 superou 1.000 sacas (1.322). No
da lavoura fumícola. dução do algodão no sertão bahiano. período inicial parecem ter tido in-
As malhadas foram melhorando O Sertão de Caiteté fornecia mais a fluência considerável os alemães da
o produto e fornecendo mais às in- Minas que à Bahia, para cujas fábri- fracassada colônia estabelecida no
dústrias crescentes. Ao lado disso, a cas o algodão importado era mais Rio Almada, por ocasião da indepen-
guerra de Secessão favoreceu nossa acessível. dência, bem como espanhois fixados
exportação. A expansão do consumo Pequeno o mercado interno, con- no rio Cachoeira, ao lado do elemen-
mundial no final do século foi outro tinuava o produto na dependência to nacional. Garimpeiros das “la-
fator favorável, dando margem para do externo, incerto, em geral adver- vras” precisavam de emprêgo. A
todos, apesar da superioridade de so, pelas mesmas razões apontadas população crescente do Recôncavo
Virgínia, de Cuba, e das Índias Ori- ao tratarmos do fumo e do açúcar, e municípios vizinhos encontrou
entais Holandêsas, e do próprio de- apesar do aumento do consumo uma esperança. A zona cacaueira,
senvolvimento da’ produção euro- mundial. sobretudo Ilhéus e Itabuna, mas tam-
peia na faixa mediterrânea. Uma No comêço dêste século, o algo- bém desde a Barra do Rio de Contas
outra guerra nos favoreceu: a da in- dão bahiano havia declinado a pon- até Belmonte, atrai os mais enérgi-
dependência de Cuba. Com o desen- to de não chegar a suprir as própri- cos aventureiros disponíveis, inclu-
volvimento do comércio alemão, as fábricas no Estado. O transporte sive de Sergipe.
desprovido ao menos relativamente para o sertão devia ter sido o grande Em 1893 se registrou uma expor-
de colônias, chegamos a consolidar fator negativo. tação superior a 100.000 sacos. Em

90 Ano XI  Nº 19  Janeiro de 2009  Salvador, BA RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


“ ... as condições estufas.41 Muito precária, ou ao me- ria ter sido suprido em parte por
nos lenta, é a experimentação indi- uma política corretiva; e afinal o fato
ecológicas eram vidual e isolada, que frequentemen- de que, numa zona despreparada,
te leva ao desânimo e ao descrédito, em vez de promover o Estado as in-
excelentemente propicias pela perda de dinheiro. versões públicas necessárias a utili-
Êste fato deve explicar, ao menos zar tôda a produtividade potencial
ao cacaueiro, mas o custo em parte, a resistência do nosso la- da zona, êle lançou mão avidamen-
e a dificuldade dos vrador comum ás inovações. É que te das receitas do cacáu para cobrir
faltou a experimentação pelas esta- as aperturas crônicas de um orça-
transportes, [...] e ções oficiais e um trabalho de infor- mento sobrecarregado com um
mação e de assistência técnica, além grande território carente de peque-
descuidados pelo caráter do crédito e estímulos para essas ins- nos e estéreis auxílios, e sobretudo
sinecurista dos talações. com a necessidade de dar emprêgos
O transporte, as condições gerais públicos a desempregados de tôdas
orçamentos públicos, de negócio e a ignorância de grande as categorias. Foi o Estado um fator
parte dos plantadores, o número de descapitalização e até hoje a zona
retiravam grande parte do dêstes, impediam um melhor trata- do Sul, que é o novo núcleo econô-
mento do cacau. A qualidade sem- mico do Estado, não superou certas
que a terra oferecia aos pre foi baixa na grande massa das precariedades iniciais, nem mesmo
pioneiros, e estimulavam exportações. Cêrca de 3/4 não atin- a melhor integração com o Sudoeste
giam o tipo “superior”. A padroni- e o Recôncavo.
os intermediários... zação era dificil, quase inexistente,

1911 superou a 500.000 sacas. A


” apesar da manipulação dos depósi-
tos de exportação. Não parece, po-
rém, que a fraude tenha sido um fa-
4.5. Minerais
Na exportação, um fato novo foi
de grande importância: a redesco-
Bahia sucedeu ao Equador em 1905 tor importante, como em outros pro- berta do diamante. Diamantes havi-
como maior produtor mundial. com- dutos. am sido achados na Bahia, no perío-
petindo com S. Tomé. Para o fim do Entrementes, a procura mundial do colonial. Há referência, por exem-
século em diante, as tradicionais crescia. A Bahia foi vencida pela plo, às minas de Jacobina, em 1755,
plantações do Pará se haviam desor- Costa do Ouro, depois de 1910. Êste mas foram tôdas interditadas. “De-
ganizado até o quase aniquilamento fato, porém, e a própria instabilida- las se perdera a memória, até que em
pelas cheias e pela atração da borra- de dos preços, não anularam a van- 1822, Spix e Martins tornaram a
cha. Mas, as plantações coloniais tagem do cacau relativamente a ou- achar as jazidas de Sincorá. Em cur-
africanas concorrentes começaram a tras culturas, e a produção bahiana to prazo, tôda a Chapada Diamanti-
se preparar. Não obstante exportar foi também crescendo. Em 1935 es- na revelou suas prodigiosas rique-
cêrca de 1.000.000 de sacas em 1920, tava duplicada a cifra de 1920. Mas zas em gemas; novos “placers” fo-
a participação no comércio mundial nessa época a Costa do Ouro já atin- ram encontrados.42
diminuía. gia mais do duplo da produção bra- Foi em 1842, que a Lavras Dia-
Na região que se abria, depois de sileira. mantinas se revelaram. E a explora-
três séculos de inospitalidade da flo- Destaquemos como traços carac- ção ali foi mais importante do que
resta e do indigena, as condições eco- terísticos dessa história atual, que é as cifras revelariam, porque grande
lógicas eram excelentemente propi- outro episódio admirável de desbra- parte se exportava de contrabando.43
cias ao cacaueiro, mas o custo e a vamento, em que o comércio e o ho- A lei de 6-9-1852, facilitando o
dificuldade dos transportes, dificeis mem do povo não foram assistidos regime de exploração mineira, e a de
pelo terreno, salvo o aproveitamen- de orientação e facilidades: as flutua- 26-9-1867, revogando a proibição aos
to de alguns trechos fluviais, como ções de preços e mercados que, as- estrangeiros, parecem ter estimula-
o Jequitinhonha, e descuidados pelo sociados à falta de transportes, de do a mineração.
caráter sinecurista dos orçamentos comunicações, de crédito e à impos- A prosperidade das lavras e êsse
públicos, retiravam grande parte do sibilidade de armazenamento, per- grande esteio para a Bahia, só foram
que a terra oferecia aos pioneiros, e mitiam o fácil contrôle pelos impor- abalados, mas então seriamente, com
estimulavam os intermediários. tadores estrangeiros e o melhor pro- a descoberta das grandes minas da
Não faltaram tentativas de raci- veito dos grandes intermediários e África do Sul, a partir de 1867. De-
onalização da cultura e do tratamen- únicos financiadores e informantes; pois dêste fato, ainda continuou,
to da amêndoa do cacau, muitos fa- a imprevidência e megalomania de porém mais modesto, e muito incer-
zendeiros procuraram inovar, adap- grande parte dos lavradores nas épo- to, o comércio de diamantes, aliás até
tar processos usados em outras cir- cas boas: o completo abandono das hoje. Os carbonados vieram aliviar
cunstâncias, inventar melhores sis- produções de abastecimento em ra- a situação. Encontravam-se com os
temas de barcaças, taboleiros e até zão do próprio sistema, o que pode- diamantes, mas não tinham valor. A

RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano XI  Nº 19  Janeiro de 2009  Salvador, BA 91



ção”, determinaram a organização Ainda hoje, porém, avultam, no
Fora dos de uma companhia inglêsa, depois cenário devolvido à condição primi-
diamantes, de animadoras análises nos Estados tiva, ruínas impressionantes dêsse
Unidos e Europa, e de cuja consti- empreendimento.
a contribuição das tuição, Hartt já dá a notícia.45 Vemos No começo do século atual, sur-
depois que essa Companhia Interna- giu uma fase, das areias monazíticas,
demais minas foi muito cional de Maraú produzia no fim do das quais já antes da guerra de 1914
secundária; o ouro século, ao lado de velas em larga es-
cala, o “petróleo” (querozene) de
exportavam das praias do sul do Es-
tado uma quantidade pequena regis-
sempre pingou marca “Brazolino”. Sua história, se trada nas estatísticas, mas a tradição
está feita, não conheço, e seria quiçá oral referia longas quantidades carre-
alguma coisa...

uma das mais interessantes mono- gadas como lastro pelos navios, so-
grafias para a história econômica da bretudo alemães, nas praias desertas.
Bahia. Em que medida fatores inter- Já perto, na guerra de 1914, hou-
partir de 1870, começaram a ser com- nacionais resolveram a sua sorte? ve um surto de manganês (Santo
prados por preço modesto para cor- A tradição local, segundo dois Antônio e Jacobina), para não entrar
te de diamantes, polimentos, etc. depoimentos autorizados que ouvi, nos mais recentes acontecimentos no
Depois, sua aplicação industrial é de que o fracasso da refinaria se setor da mineração.
avultou, sobretudo a partir da per- deveu a um desentendimento do Certo é que não faltaram idéias e
furação do Túnel de São Gotardo, e gerente inglês John Grant, denomi- iniciativas, desde a de Agostinho
por ocasião da abertura dos canais nado no local João Branco, com os Gomes nos primeiros anos do século.
de Suez e do Panamá. Tornou-se operários, do que resultou um am- No meiado, Antônio de Lacerda,
então um negócio altamente lucrati- biente de terror e o abandono da figura que ainda não conquistou o
vo, de que a Bahia era praticamente emprêsa tropical, apesar de ser ela relêvo a que faz jús em nossa histó-
o único detentor, pois a contribuição remunerativa. ria, é uma expressão de ciência e de
de Bornéo foi muito pequena. Os Antes, porém, teriam os inglêses empreendimento, voltada para os
carbonados começaram a rarear, e a verificado que as retortas instaladas recursos da Bahia. EIe é o homem a
queda de produção por volta de 1900 segundo um modêlo desenvolvido quem os cientistas estrangeiros se
era sensível, enquanto a procura para as tufas duras e pobres da Es- dirigem, e que a êles fornece uma
mundial crescia. O preço entre 1895 cócia, eram inadequadas para a série de revelações sôbre a geologia
e 1908, embora variando desde 25 marauita, pois só retiravam cêrca de bahiana. É o homem também dos
dólares, chegou a altura de 85 dóla- 5% de um minério com teor acima maiores empreendimentos industri-
res o quilate. Êsses preços de mono- de 30%. A companhia distilou então, ais da época. Não visando fruir, mas
pólio perduraram com a primeira longo tempo, óleo crú importado. produzir, suas sucessivas emprêsas
guerra, mas pouco se encontrava Foi assim, de qualquer maneira, a não serviram a êle nem aos seus.
para exportar, e logo depois os primeira distilaria de óleo no país.
carbonados quase desapareciam das Liquidada a Companhia Interna- 4.6. Outras catas
cotações, substituído no seu emprê- cional, depois do incidente, ficou o Coincidiu com o surto do cacáu
go por produtos industriais. seu acervo com a Companhia Extra- um outro, menos considerável embo-
Seu grande acontecimento foi o tiva Mineral Brasileira, fundada em ra, e que favoreceu outras zonas nos
achado em Brejo da Lama, em 1895, 1891, e que passou ao contrôle do últimos anos do século passado e pri-
vendido nas lavras por 114 contos, Com. Augusto Ferreira, um grande meiros dêste: o da borracha. O sertão
na Bahia por 121 contos e nos Esta- empreendedor bahiano que teve possuia maniçobeiras e mangabeiras,
dos Unidos por 32.000 dólares.44 grande influência de Mauá. das quais também se extraia precio-
Calculavam-se os embarques Anos depois, o Com. Ferreira pro- so leite que, embora inferior ao da
anuais de carbonados da Bahia na curou associar novos capitais na Eu- seringueira da Amazônia, ainda ob-
entrada dêste século, entre 4 e 5 ropa, tendo seu intento frustrado com tinha preços fabulosos.
miIhões de dólares, enquanto tôda a I Guerra. Retomou-o logo depois do A principal espécie explorada na
a exportação de diamantes do Brasil Armistício, trazendo um especialista Bahia era a chamada maniçoba de
em 1906 teria sido de 5 miIhões. americano e tentando voltar a produ- Jiquié, existente no Sul do Estado,
Fora dos diamantes, a contribui- zir, mas o rendimento das máquinas cujo produto era o primeiro cotado
ção das demais minas foi muito se- não o permitiu. Encarregou a uma fir- em Londres depois da borracha de
cundária; o ouro sempre pingou al- ma de Hamburgo o estudo de novas seringueira. O quilo do produto sêco
guma coisa. Outras muitas e varia- instalações. A morte porém o levou e rendia para o produtor cêrca de cin-
das jazidas, distantes e mal conheci- desde então sucessivas dificuldades co cruzeiros em 1909. Um homem
das (ainda hoje) eram riquezas em impediram aos herdeiros e ao próprio cortava por dia até 300 árvores, com
potencial. Os depósitos de turfa de Govêrno do Estado de reviver o em- rendimento médio de 100 a 200 gra-
Maraú, “que têm atraído tanta aten- preendimento.46 mas por árvore, o que dava um pou-

92 Ano XI  Nº 19  Janeiro de 2009  Salvador, BA RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


co menos da quarta parte em produ- período a importação de xarque do fruta-pão, e outras fruteiras, inclusi-
to seco.47 A produção diária de um Rio Grande. ve a laranja e a banana que hoje são
trabalhador chegava a 10 K, para Para alimentação, se desenvolve- comerciáveis. O café, com a irregula-
mais, ou sejam superior a 50 cruzei- ra também um rebanho ovino nume- ridade das estações, não progredia
ros daquela época no ano melhor. roso (o segundo do Brasil), conquan- muito. O cacau veio depois. O resul-
Desde 1890, porém, os preços foram to de pequeno porte. Era o gado do tado é que as condições locais, favo-
muito favoráveis, declinando depois pobre, como a cabra. Esta chegou a recidas ainda pela pesca, fomenta-
de 1910. proliferar, como uma providência, vam a pequena economia fechada.
As condições do trabalho nos nos sertões agrestes, constituindo o Quase tôda a alimentação consu-
maniçobais bahianos eram mais fa- primeiro rebanho do Brasil. Sua in- mida não passava pelo mercado, e
voráveis do que as da Amazônia. O fluência na alimentação popular foi quando aparecia,nas feiras munici-
número de árvores cortadas, quan- e é sensivel, não obstante os reba- pais, se cotava a preços muitos mais
do havia densidade, o terreno, a co- nhos caprinos serem de baixos baixos do que os vigorantes nos cen-
agulação ao ar livre e o custo da vida caracterlsticos para carne e para lei- tros maiores.
eram mais baixos. Apesar do preço te. Ofereceram êles, ainda, um pro- As matas são um fator de sufici-
menor (8 s. para a maniçoba, 9 para duto reputado de exportação, graças ência local, salvo em algumas zonas.
a hévea no final de 1908), sua extra- à secura do ar do Nordeste - as suas O comércio das madeiras, florescen-
ção era talvez mais rendosa que a da peles, notadamente a variedade de- te e outras épocas, sobretudo do
seringueira. Mas sua frequência era nominada “Uauá”. “brasil” se reduzira. Mas as matas
pequena. A exportação de couros e peles, forneciam lenha, carvão, material
Apesar de certo esfôrço de culti- um esteio da economia regional, para casa e todos os utensllios, e para
vo,48 a Bahia não podia contribuir constituiu um sub-produto regular as construções navais.
com muito para o mercado. A frau- dos rebanhos. Essa variedade de produção tor-
de imperou nesse comércío49, como A pesca foi outro grande recur- nava relativamente fácil a vida no
aconteceu também na Amazônia. so. Para a rala população da costa e Recôncavo e litoral e no sertão me-
Mas não foi êste o fator do fracasso, da bôca dos rios, ela foi abundante. nos assolado pelas sêcas.
e sim a competição da hévea do Ori- No Rio São Francisco também não A variedade de recursos de abas-
ente. Os preços caíram e com a abun- faltava pescado. tecimento, num sistema de economi-
dância do produto melhor, a crise A pesca da baleia foi uma impor- as fechadas e de serviços domésticos,
para a maniçoba veio antes do que tante indústria, e ela não fornecia perturba até hoje as comparações de
para a seringueira. apenas óleo. Pescava-se ainda no padrões de vida, particularmente de
Muitos outros produtos extrati- comêço dêste século de 350 a 450 alimentação, bem como falseia a
vos, como o sal, a araroba, o azeite baleias por ano. A pesca da garopa comparação da renda social.
de baleia, as peles de cabra (além das chegou a ser florescente em Pôrto Entretanto, continuava o abaste-
de boi), a carnaúba, ipeca, tucum, Seguro. Na costa, a impressão dos cimento a sofrer a precariedade e ir-
piassava, figuravam sempre numa viajantes era de vida fácil. Ainda hoje regularidade de certos fatores, prin-
grande variedade e numa frequência o é em lugares mais saudáveis e com cipalmente dos seguintes: - os gran-
irregular nas exportações bahianas. pouca gente. des preços dos produtos de expor-
Mas é fora de dúvida que eram tação, que desviavam trabalhadores
4.7. Abastecimento empregados tradicionalmente méto-
Retomando o quadro que bos- dos distribuidores. E não se desenvol-


quejamos para o perlodo inicial, a via, se não muito limitadamente (caso
situação do abastecimento terá me- surubim, no S. Francisco, e o cama-
Culturas que se
lhorado no final do século. Mas, con- rão sêco, no Recôncavo), a prática da adequavam fàcilmente à
tinuava sujeita às irregularidades conserva. lmportavam-se então gran-
crônicas. des quantidades de bacalhau portu- região costeira, úmida e
Os rebanhos se desenvolveram guês, que também atendiam a hábi-
na Bahia desde o I século. As regi- tos culinários tradicionais. florestal, não encontravam
ões pecuárias continuaram a expan- A crise dos produtos de exporta-
dir-se, apesar das sêcas, pragas, sal- ção e o aumento das populações teri-
escoamento no comércio:
vo talvez a do São Francisco, duran- am levado ao desenvolvimento das jaqueira, fruta-pão,
te o período considerado. economias fechadas de auto-abaste-
A Bahia se autoabastecia e expor- cimento, fomentada pela cultura de e outras fruteiras,
tava gado, pelas divisas Norte, em- quintais e chácaras. Há também uma
bora o importasse para engorda do razão ecológica. Culturas que se ade-
inclusive a laranja e a
Norte de Minas. É provável que seu quavam fàcilmente à região costeira, banana que hoje são
balanço de carne fosse favorável, úmida e florestal, não encontravam
apesar de continuar durante todo o escoamento no comércio: jaqueira, comerciáveis...
RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Ano XI  Nº 19  Janeiro de 2009  Salvador, BA 93

Matando o povo melhoramentos nos portos, cami-
Do lado na mercadoria51 nhos no Interior e linhas telegráficas,
do interior foram trabalhos do século passado,
No final do século, o dramático não continuados quiçá, na mesma
que fornecia farinha e episódio de Canudos desorganizou progressão, nêste século. Muitas des-
a produção do Nordeste, agravando sas obras pioneiras se fizeram con-
outros gêneros, o menos quiçá o seu empobrecimento. Mas as cluindo a redução dos indígenas nos
protegido e que pagava tropas e os fornecimentos militares
espalharam muito dinheiro, em pro-
sertões da Ressaca e da Conquista,
onde ainda no comêço dêste século
mais caro as veito ao que parece do comércio da se subjugavam e extinguiam aldeia-
capital e outras cidades. Resultou a mentos selvagens. Essas realizações
importações, a queixa carestia e mais uma vez a farinha fi- materiais contribuiram considerà-
cou pela “hora da morte”. Foi assim velmente para dominar a paisagem
era permanente...
e fazendeiros das culturas de abas-
tecimento; - as sêcas nos Estados do
” também um dos fatores ocasionais
de crise de abastecimentos.

5. Obras públicas
difícil do Estado, abrindo caminho
para realizações presentes, e se mais
não puderam alcançar, não se deve
tanto às más administrações, mas
Nordeste, que provocavam intensa As grandes obras ou serviços sobretudo às condições econômicas
procura de farinha e outros gêneros públicos requeridos para o desenvol- gerais da Província e Estado, que não
na Bahia, e resultavam em carestia; - vimento da Bahia encontravam fre- asseguravam a amortização dos ca-
as sêcas e as epidemias no próprio quentes iniciativas, mas arrojadas e pitais requeridos.
Estado (a febre amarela, a variola, e temerárias, face ao vulto dos capitais
o cólera, que devastou no meiado do locais, Também as tendências econô- 6. Indústria52
século, além do paludismo), diminu- micas, e quiçá as más administrações Além da do açúcar, vemos o
indo a produção; - as deficiências de (pois melhores deviam ser em face florescimento das de produtos do
transportes de armazenagem e de daquelas condições gerais menos fumo, estas urbanas (Capital e Ca-
crédito, impossibilitando estoques e animadoras), sem embargo de figu- choeira a principio). Em 1835, fala-
fomentando a especulação dos in- ras excepcionais como Gonçalves va-se na “indústria nascente de fa-
termediários; - o baixo padrão social Martins e J. M. Wanderlei, não atrai- zer charutos”, antes importados da
e político da agricultura de abaste- am o capital forasteiro, como o Sul, Havana, Nova York e Gibraltar. Mas
cimento, subordinada ao prestígio lá pelo fim do século. É enorme e a de rapé já era ampla, e a Bahia ti-
dos senhores de engenho e das po- admirável, porém, a lista de proje- nha monopólio. Contava a Bahia três
pulações consumidoras urbanas, tos e de realizações, em que avulta- fábricas, e já no ano seguinte referia
que forçavam medidas arbitrárias ou ram as obras do pôrto na quadra de o mesmo informante mais uma.
imediatistas em prejuizo dos peque- 1830-40, a Estrada de Ferro visando Um suiço teria aperfeiçoado a
nos agricultores. Talvez dos únicos o São Francisco (1858 em diante), técnica indígena. 53A fábrica de cigar-
atos que revelem uma reação seja um novo atêrro em 1867, companhia de ros Leite & Alves, filial do Rio, foi
que, apoiado ou inspirado na cam- carris, 1869, a estrada de ferro (Cen- estabelecida em 1856, e a de charu-
panha abolicionista, dá preferência tral da Bahia) que deveria alcançar tos Danemann, em 1873, mas antes
à produção de trabalhadores livres, Santa Isabel do Paraguassú, e ponte havia pequenos fabricos.54
na segunda metade do Século.50 sôbre o Rio Paraguassú (1884), Estra- Na indústria de tecer, Calmon
O normal, porém, é a sucessão de da de Ferro Nazaré, concedida em (1836) se refere a uma, “a braço”, no
gritas dos consumidores e de gritas 1870, o novo projeto de docas, obje- Cabeça. A importação, só de tecidos
dos produtores, enquanto nas zonas to de uma companhia fundada em de algodão, em 1835, era de 3.984
mais prósperas, como se tornou o Londres por Mauá, a qual se dissol- contos: 47% da importação bahiana,
caso típico da cacaueira, os trabalha- veu em face de “moras e complica- em que todos os tecidos participa-
dores ganham mais, mas passam re- ções da administração” (1870), as vam com 65% Pernambuco já tinha
lativamente pior, embora sejam mais companhias sucessivas de navega- uma fábrica “em grande escala”.
capazes de importar confortos con- ção no Recôncavo e litoral ao longo Depois se foram instalando ou-
vencionais e superfluidades. do século, o Serviço de Navegação tras na Bahia, para panos grossos as
Do lado do interior que fornecia do São Francisco, a Cia, de Gás, au- quais cresceram em número e certa-
farinha e outros gêneros, o menos torizada em 1861, os planos inclina- mente em qualidade de artigos, de-
protegido e que pagava mais caro as dos e os elevadores, a estrada de fer- pois da revogação do Tratado Inglês
importações, a queixa era permanen- ro de Santo Amaro, mais tarde a de em 1810, pela clarividente ação do
te e nunca poupava o govêrno: Ilhéus-Conquista, e afinal as vulto- Ministro Alves Branco, que era um
sas obras do pôrto da Bahia, a partir bahiano, em 1844. Uma dessas fá-
Governo novo de 1911. Os faróis da Bahia, Morro bricas, a de Valença, ficou conheci-
tá na Bahia. de São Paulo e Abrolhos, ao lado de da no meiado do século, como “a

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melhor em todo o Império e talvez Sul Kidder fala numa boa serraria de
América”55. Terá sido sucedida, na Valença, que faria materiais mais ela-
O desenvolvimento
importância do empreendimento, borados.58 da indústria no Sul não
pela Fábrica Luís Tarquinio, na Boa Em 1841, uma “Companhia para
Viagem, de que trataremos adiante. introdução e fundação de fábricas encontrava paralelo na
Até 1890, há noticia de mais nove úteis”, não vingou, pois “faltava o
fábricas instaladas na Bahia. Mas as indispensável aparelhamento bancá- Bahia. As razões
condições locais não poderiam, por rio”.59 No mesmo ano, com um pri- principais parece-nos
um lado, ser muito favoráveis, dada vilégio provincial, em 1843, houve
a crise na maior parte da década de uma iniciativa de fábrica de papel. terem sido:
70 e quasi tôda a de 80. Teve que vender os maquinismos
Em 1890 e 1891, criam-se cinco pouco depois. ritmo fraco de
companhias do ramo textil: a União Em 1869, Aristides Novis & Cia.
Fabril, consórcio de cinco fábricas obtém um outro privilégio para uma
capitalização, a
existentes, uma de capitais bahianos, fábrica de papel. decadência política da
estabelecida em Sergipe, Estância; Em 1860 inaugurou-se a fábrica
outra - a poderosa Companhia Pro- de chapéus Bastos & Cla., com 250 Bahia na República,
gresso Industrial da Bahia, com operários.60
10.000 contos de capital, é a mais Em 1891 cria-se outra emprêsa de efeito e novamente causa,
notável de tôdas, a emprêsa de Luís
Tarquinio: a Companhia Empório
chapéus com 1.500 contos. Em 1872,
havia quatro fundições destacáveis.
as dificuldades de
Industrial do Norte. Esta emprêsa Em 1877, privilégio da Companhia transportes, e a carência
construiu o conjunto fabril que terá Salinas de Margarida. Em 1861 hou-
de energia...

sido o mais moderno naquele mo- ve uma Exposição em que os produ-
mento, e a experiência social mais tos industriais bahianos figuravam.
avançada da época. Luís Tarquínio, Entre 1890 e 1891, fundam-se para camente, ao que parece, os sujeitos
tendo o apoio de um outro homem outros ramos afora os referidos, uma ao imposto de consumo), eram 83 na
esclarecido, Leopoldo José da Silva, serie enorme de emprêsas, para ser- Bahia (12° no Brasil), mas com um
ambos enriquecidos no comércio, raria e mobiliário, biscoitos, álcool, capital de cêrca de 28.000 contos (7°
começou realizando uma larga obra carruagens, etc. Nessa fase chama- lugar), e uma produção de 25.000
de saneamento, planejou sua fábri- da do “encilhamento”, ainda mal contos (8° lugar), e com 10.009 ope-
ca, rejeitando as comuns ofertas de estudada no Brasil, as empresas rários (8° lugar).62
fábricas completas e escolhendo a estabelecidas na Bahia apresentaram A indústria bahiana também se
melhor em cada centro ou de cada um coeficiente de solidez relativa- aproveitou da 1ª. guerra mundial,
experiência, e, ao mesmo tempo, mente elevado. Foi uma época cons- mas numa escala menor, pelo esta-
projetou a vila operária, que já teria trutiva, em suma. Depois, contavam- do de desânimo em que estava ante-
sido inaugurada (naturalmente a se no Estado 123 fábricas. Certo é que riormente. A porcentagem da Bahia
primeira parte) em 1892, na qual, a expansão monetária foi a excessos no total da indústria nacional, apu-
utilizando as sugestões de idéias e desastrosos, mas atendia inicialmen- rada no Censo de 1920, em capital
experiência socialistas do Seco XIX, te a necessidades do país que, por aplicado (3,5%), fôrça motriz (4,0%),
institui realmente um sistema origi- um lado saía do trabalho escravo operários (5,7%) e produção (2,8%)
nal de valorização do trabalhador e para o regime das “fôlhas de paga- caiu no Censo de 1940 para respecti-
de estímulo à eficiência. É uma ex- mentos”, e que requeria mais nume- vamente 1,9%; 2,3%; 3%; e 1,3%.
periência realmente admirável, es- rário em circulação; e, por outro, pre- O desenvolvimento da indústria
pantosa. (O livro de Péricles Madu- cisava abrir novos meios de vida no Sul não encontrava paralelo na
reira de Pinho deve ter maior divul- para substituir a crise das lavouras Bahia. As razões principais parece-
gação, inclusive em versões para a e das exportações. Ruy Barbosa teve nos terem sido: ritmo fraco de capi-
infância e a juventude).56 o mérito de bem compreendê-Io, su- talização, a decadência política da
Em outros ramos, encontramos perando os preconceitos de raiz co- Bahia na República, efeito e nova-
em Miguel CaImon (1836) referência lonial: sua política monetária e adu- mente causa, as dificuldades de
a fabricos de cerveja, de vinagre e de aneira partia dessa consciência. Pena transportes, e a carência de energia,
livros em branco, além de ferrarias, é que, na sua curta e agitada gestão, que, para vencê-las, não encontra-
cujos produtos, mais caros natural- não tivesse levado a cabo sua expe- vam recursos na economia colonial
mente que os inglêses, eram porém, riência, e que a inflação tivesse sido bahiana, as quais terão sido também
como o portuguêses, preferidos a deixada a excessos que êle procura- causa de outra carência, a quase nuIa
êles.57 As telhas e louças de Nazaré e va prevenir.61 imigração. Tôdas estas causas estão
Aratuipe já tinham fabrico regular e Em 1912, os estabelecimentos in- intimamente relacionadas entre si e
reputado de há longo tempo. dustriais reputados “grandes” (uni- ainda com outro fator, que é frequen-

RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano XI  Nº 19  Janeiro de 2009  Salvador, BA 95



Mas a influência é evidente. E a re- era o sistema “odioso, vexatório”, o
O espírito de ferência de M. Calmon à concorrên- qual obviamente dificultava também
iniciativa e indústria, cia das enxadas britânicas às bahia- as importações essenciais, como de
nas, que eram preferidas, embora resto ainda hoje, e assim não tinha efei-
tão vivo e tenaz na mais caras, como não podia deixar to protetor.
de ser, esclarece o problema. Nessa Oliveira Lima aponta o efeito ru-
história ainda recente quadra e até recentemente, a tarifa inoso do Tratado sôbre as incipientes
da Bahia, havia aduaneira dos Estados Unidos impe-
dia a concorrência de similares
manufaturas nacionais, citando o
lúcido Hipólito da Costa e seu “Cor-
de desencorajar-se inglêses muito mais baratos. reio Brasiliense”. Deve-se ainda
Parece-nos claro que não pode prestar atenção ao efeito dêsse ato
e evadir-se em deixar de ter desencorajado, quan- sôbre a imigração: suas possibilida-
do não impossibilitado, o desenvol- des seriam limitadas face à concor-
grande parte...

temente personalizado nas figuras


” vimento do artezanato e da indús-
tria na Bahia, a política livre--cam-
bista imposta pela Inglaterra e favo-
recida pelas idéias acadêmicas, e
rência dos produtos importados. O
mesmo O. Lima, conquanto não a
propósito do Tratado, cita Tollenare
sôbre as poucas profissões (serviços
de Pedroso de Albuquerque e Perei- pela falta de informação sôbre os fa- locais por sua natureza), únicas para
ra Marinho, e de outros ricos comer- tos, na época. Miguel Calmon, se- as quais havia oportunidade para es-
ciantes, salvo talvez Aristides Novis, nhor de engenho de visão geral, po- trangeiros.
antes e depois dêles: os quais, sendo rém, reclama : “Alguma proteção de No final do século, Oliveira Mar-
os financiadores, e acumulando ca- mais às fábricas, que a despeito de tins, estudando a experiência brasilei-
pital em sólidos estoques e em segu- tantos inconvenientes, estão sendo ra, acentua o “caráter colonial” de nos-
ras operações, acostumados aos aza- fundadas, entra igualmente na clas- sa economia fazendo paralelo com os
res dos negócios na Bahia, eram os se dos meios favoráveis ao nosso in- Estados Unidos. Diz êle: “Abandonan-
arrematantes de lavradores e indus- tento. A indústria nascente carece do pelo plantio d’êsse arbusto enri-
triais nas crises intermitentes, os dessa proteção: os povos mais cul- quecedor (o café) a cultura e o fabrico
grandes compradores por “10 réis de tos deram antigamente, e ainda hoje dos gêneros essenciais à vida interna
mel cuado “, nos frequentes momen- oferecem exemplos do que vos digo. de uma nação, prostrai a sua vida co-
tos de apertura. Dêles recebiam ter- Não apliquemos os principios da li- lonial, adia para mais tarde a sua
ras, os engenhos e as ações das fá- berdade do Comércio, até o ponto definitiva constituição econômica. As
bricas.63 O interesse dêles nos empre- extremo de estorvar, que se avigore teorias da livre-troca, olhando apenas
endimentos de produção era secun- a nova Indústria Nacional”.64 Era u’a para o lucro imediato, esquecem as ne-
dário, quando não fosse nulo. Não manifestação de quem contrariava cessidades futuras.66
tinham tirocínio industrial. O espí- fortes preconceitos da época.
rito de iniciativa e indústria, tão vivo Só revolucionários, como os 7. Comércio, finanças e condi-
e tenaz na história ainda recente da federalistas’ do Forte do Mar, (1833), ções gerais
Bahia, havia de desencorajar-se e depois de condenar a permissão de O comércio da Bahia avultou
evadir-se em grande parte. E com estrangeiros no comércio a retalho, com o desenvolvimento da navega-
isto, a natural perda da experiência avançavam: “e também devem so- ção a vapor e a abertura dos portos.
industrial; enquanto a indústria frer grandes direitos tôdas as obras Já em 1824 contavam-se 19 trapiches,
evoluia noutras partes. feitas importadas para esta Provín- situação talvez só igualada pelo Rio,
A história industrial da Bahia e cia, a fim de em nada prejudicar as então pôrto do café. Os negociantes
mesmo do Brasil, porém, está por fábricas e oficinas de marcineiros, estrangeiros aflulram em grande
fazer-se. alfaiates, sapateiros e a todos que ti- número frequentemente como agen-
Infelizmente não encontramos verem estabelecido qualquer ramo te-s de grandes casas, sobretudo
mais amplas fontes de documenta- de indústria na Província, mesmo inglêsas, mas também francêsas e
ção sôbre as pequenas indústrias, sendo estrangeiro”.65 alemãs, e trazendo crédito. De sua
naturalmente variadas, que deveri- Embora a tarifa de 1810, cobrada influência, sem falar nos portuguê-
am existir na Bahia no comêço do sôbre pautas de valores, tivesse sido ses (não creio que da falta de comer-
século XIX, e como elas foram afeta- às vezes de incidência realmente mai- ciantes brasileiros), parece ser uma
das pelas alterações econômicas do or, quando ocorreu baixa de preços, a expressão os 4 nomes anglo-saxões
novo século, particularmente o Tra- regra parece ter sido o inverso, segun- numa comissão de 6, nomeada pelo
tado de 1810 com a Inglaterra (tarifa do Palmela, citado por Oliveira Lima: govêrno da Sabinada para gerir os
aduaneira básica de 15%, que vigo- dos direitos não se percebia senão armazéns tomados aos “marôtos”.
rou até 1844). As observações refe- “metade ou menos” em consequência Já vimos a posição do comércio
rentes a outras partes do Brasil não da fraude nas avaliações; o pior da ta- no crédito e no contrôle da lavoura
deixarão de ser válidas para a Bahia. rifa, segundo um documento francês, e de indústria.

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frente Minas e São Paulo (103 mil). duções se equivalessem, salvo, po-
Pela falta É provável que a velocidade de cir- rém, nas épocas de exportação de
de crédito, e pelas outras culação em São Paulo já fosse bem pedras preciosas, mais fáceis de sub-
maior, exigindo relativamente me- trair da fiscalização.
condições internas e nor massa de moeda, mas a cifra da Miguel Calmon “não tem escrú-
Bahia é expressiva do capital existen- pulos”, segundo diz, de estimar a
externas de nossa te em reservas de gavetas e pés de exportação de 1835 (quando ainda
economia, o comércio, se meia (Pernambuco 53mil)67 não havia diamantes) em 10.000 con-
Gois Calmon apresenta uma lis- tos, quando, segundo os dízimos,
em parte financiava ta dos bancos, dos quais, pela sobre- teria sido de 5.800. Mas convém no-
vivência, destacamos o Banco Eco- tar que uma das razões porque as-
fregueses, mesmo na nômico e o Banco da Bahia. Mas hou- sim estimava (além da rebaixa dos
ve numerosos outros de grande pro- preços, do contrabando, das “guias
crise, e os aliviava do pior, jeção em suas épocas. A vida bancá- de outros portos”) era a idéia de
em parte se locupletava ria na Bahia teria que sofrer dos ex- equilíbrio que supunha deveria ha-
cessos e desorientações, nos dois sen- ver com a importação de 9.000, em
dos paradeiros e tidos, da política financeira do po- cifras oficiais. (A propósito da ori-
der central, sob a pressão de uma gem das importações, de um total de
das aperturas...

Não se pode, entretanto, despre-
economia débil e flutuante, sofren-
do as crises internas de crescimento
e ainda mais, pela sua situação re-
flexa, as crises oriundas de fora; po-
8.813 provenientes do estrangeiro,
5.657 eram inglêsas).
Com aquela reserva, podemos
ressaltar, pela sua fundamental im-
zar o papel que êle teve com os lon- lítica crescentemente formulada sem portância, o constante deficit no co-
gos adiantamentos que fazia ao In- atenção aos interêsses da Província mércio durante o século passado.
terior até há bem pouco tempo. Êle e do Estado, que ia cedendo terreno Raros exercícios eram favoráveis.
era o batedor dos caminhos e o cor- na economia e na fôrça política. Só na última década se registrou
reio das noticias e das ldéias’”: (A Também é de destacar, entre as saldo, mas pequeno. Além do deficit,
história do caixeiro-viajante ainda grandes casas estabelecidas na Bahia, é importante acentuar a estrutura
está por ser escrita, e não tem pouco e que existem hoje, (1949) a Cia. Ali- das. importações. Ainda em 1816, os
de romântica, ao lado de sua grande ança, Morais & Cia., e, depois de escravos constituiam mais de 25% do
importância econômica e cultural). 1890, Magalhães & Cia. As casas de total. Considerados na importação,
Pela falta de crédito, e pelas outras comércio em 1912 eram 16.094 sexto são êles bens de produção. Antes dos
condições internas e externas de nos- lugar no Brasil, sendo as casas “liberais princípios”, as atividades
sa economia, o comércio, se em par- atacadistas 257, quinto lugar, no to- internas exigiriam relativamente
te financiava fregueses, mesmo na tal brasileiro de, respectivamente, mais bens de produção; ferramentas,
crise, e os aliviava do pior, em parte 251.221 e 2.91066. Ainda nessa épo- matérias primas, etc. Depois, entra-
se locupletava dos paradeiros e das ca, e por algum tempo mais, numa riam preponderantemente artigos de
aperturas. É certo também que mui- tendência decrescente, o comércio consumo. Assim, na importação do
tas das queixas sôbre êle vinham dos bahiano alcançava todo o norte de exterior, em 1835, êstes representa-
devedores imprevidentes e pródi- Minas, Goiás e o sertão de Pernam- vam quando menos 88%, assim mes-
gos. Todavia, as fortunas foram fei- buco e Piauí, além de Sergipe. mo se computarmos entre os bens de
tas pelo comércio. Na falta de dados sôbre a renda produção os 6% de artigos não es-
E contudo, apesar de terem estas social ou produção total liquida do pecificados.
atingido em alguns casos um vulto Estado, e ainda sôbre entrada e saí- Tenho a impressão de que se
considerável, o comércio bahiano, da de capital e outros pagamentos, deve estudar a influência que terá
acompanhando as condições da eco- que nos permitissem um balanço tido no futuro o”crédito em merca-
nomia geral da Província e depois do geral das contas, a melhor aferição dorias” que o comércio importador,
Estado, foi decaíndo de sua impor- numérica da situação de uma região sobretudo inglês, proporcionou a
tância relativa, sem embargo de seus econômica, mormente tão sujeita ao Bahia, já desde antes da abertura dos
capitais ainda serem consideráveis intercâmbio com o Exterior, e depois portos, segundo o testemunho do
no comêço dêste século. Supomos com outros Estados do Brasil, é o Des. Brito, e talvez muito mais de-
que as grandes aplicações bahianas balanço de comércio (também cha- pois: influência benéfica na medida
em apólices, que ficaram famosas, mado balança comercial. Mesmo os em que representou bens de produ-
provinham de reservas do comércio. dados sôbre êste são falhos. G. ção, e quiçá maléfica na extensão em
Uma estimativa oficial da circu- Calmon e outros logo ressaltam que que fomentou o padrão de consumo
lação monetária em 1907 atribui à o valor das exportações e das impor- suntuário de u’a minoria de senho-
Bahia 96 mil contos, num total bra- tações era diminuido para escapar res e de doutores, o qual estava aci-
sileiro de 743 mil, tendo apenas na dos impostos. É provável que as de- ma das possibilidades normais, gra-

RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano XI  Nº 19  Janeiro de 2009  Salvador, BA 97



Assim, a Bahia, produtora que similares em todo o mundo: basear-
O deficit no passou a ser de moedas estrangeiras, se em impostos indiretos, particular-
comércio com o exterior era indiretamente uma das financia- mente sôbre as exportações.
doras das importações essenciais à Houve reduções de direitos de
sanou-se, passando industrialização de outras áreas, às exportação para facilitar ao açúcar
quais pagava ainda preços mais ca- enfrentar a crítica competição mun-
a Bahia, com o cacau e a ros do que os dos artigos importa- dial. Mas no caso do cacau, isento até
variedade de pequenas dos, e isso enquanto continuava su-
jeita às instabilidades dos mercados
1860, daí em diante subiu de 6% até
atingir 18% no comêço do século,
exportações, a contribuir exteriores para sua produção. Nem quando só o imposto de exportação
as suas vendas ao resto do país nem sôbre o cacau, explorando as condi-
para a receita líquida de o orçamento federal tinham o papel ções excepcionais da Bahia no mer-
de compensar a desvantagem. cado mundial, e estimulando certa-
cambiais do país.

vando a futura balança de pagamen-


” O comércio interno passou a for-
necer não só o xarque, ou quase so-
mente êle, como na primeira metade
do século XIX, mas uma variedade e
mente os concorrentes, já represen-
tava cêrca de 28% da receita tributá-
ria do Estado. O imposto de expor-
tação foi crescendo a partir do fim
tos e concorrendo para as quedas de quantidade maior de produtos ma- do século, para só declinar ultima-
câmbio. Êsses hábitos suntuários nufaturados e primários. Não tendo mente.
contribuíram (e ainda hoje) para desenvolvido a indústria do açúcar A flutuação nas receitas, se bem
agravar as crises, impedindo a for- antes da limitação, nem as manufa- que ligeiramente atenuada na Bahia
mação de melhores reservas nos turas, como Pernambuco ao menos, por uma certa variedade das expor-
anos bons. Constituem, em suma, a Bahia passou a grande freguês da tações (o que sempre tornou menos
um fator de maior descapitalização, indústria e da agricultura do Sul e aguda a crise estrutural), refletia sen-
além de desequilíbrio no balanço de mesmo de Pernambuco. Essa produ- sivelmente a sorte dos grandes pro-
pagamentos, Êle era aliás encoraja- ção nacional protegida se levantou dutos’ (ainda hoje e do cacau). Dai a
do a princípio pelo liberalismo adu- sob o guante do desequilíbrio crôni- incerteza e os deficits, agravados
aneiro, e depois pela tarifa anti-eco- co nos pagamentos internacionais do pela imprevidência.
nômica e de inspiração aristocrática, Brasil, o qual determinou as quedas O que sempre agravou o defeito
como bem observou Luis Tarquínio de câmbio sucessivas, e criou uma estrutural do sistema tributário, re-
O que aliás também acontecia com o necessidade de menor dependência tardando a sua superação, que deve
restante sistema fiscal. do exterior. A 1ª. guerra mundial veio vir de uma economia mais intensiva
O deficit no comércio com o ex- trazer-Ihes um grande impulso. e diversificada, é a baixa produtivi-
terior sanou-se, passando a Bahia, Embora as quedas de câmbio ti- dade das despêsas públicas. Êste fa-
com o cacau e a variedade de peque- vessem “estimulado nossa amorte- tor transforma a receita pública em
nas exportações, a contribuir para a cida capacidade de trabalho”, como processo de descapitalização e em-
receita líquida de cambiais do país. observou G. Calmon, referindo-se às pobrecimento, como é patente na
O saldo no comércio exterior re- exportações bahianas, elas não fo- zona cacaueira. É de interrogar, po-
sultou da melhoria das condições ram suficientemente utilizadas, ao rém, se, face à carência de recursos
internacionais para os nossos produ- lado das tarifas de intenção ou efei- para obras e serviços, nas condições
tos (fim do século), mas sobretudo to protecionistas que se iam ocasio- do Estado, e diante da pressão por
da transferência do deficit para o nalmente adotando, para a criação empregos públicos, decorrente da
comércio interno; e coincidiu com a na Bahia de atividades produtivas falta de absorção em atividades lu-
queda do prestígio político da Bahia visando o seu próprio mercado e os crativas e atraentes (entra aqui tam-
no país e o surto do café e das ativi- mercados nacionais. As outras con- bém o preconceito contra as ativida-
dades criadas com os seus lucros e a dições da nossa economia explicarão des comerciais e industriais, particu-
imigração, chamando para São Pau- o fato. larmente artezanais), poderiam as
lo tôdas as energias. A não ser a Enquanto isso, as indicações são administrações públicas refreiar essa
episódica sedução do “ouro negro”, no sentido de que a evasão de capi- tendência.
era inevitável que a produtividade tais foi muito maior que as entradas, Não se tem estudado ainda a na-
sem paralelo de São Paulo nessa qua- mesmo sob a forma ilusória de gran- tureza e a experiência do nosso apa-
dra atraísse os capitais e a mão-de- des empréstimos públicos de duvi- relhamento fiscal. Mas é de supor,
obra, sobretudo num país tão afeito dosa aplicação. Além disso, a Bahia por exemplo, que êle venha tendo na
à mobilidade e particularmente de sempre foi altamente tributária ao história o efeito de acelerar as altas e
zonas onde as atividades fixadoras orçamento federal. de agravar as baixas, ora aplicando
já estabelecidas eram reduzidas (in- O principal característico das fi- sôfregamente receitas não previstas
dústrias e agricultura com elevados nanças da Província, depois do Es- naquelas ocasiões, ora retraindo-se
capitais fixos e empregos estáveis). tado, é uma constante em economias de aplicações, pelo fracasso das

98 Ano XI  Nº 19  Janeiro de 2009  Salvador, BA RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


previsões orçamentárias, quando as a “febre” de iniciativas, Logo vem a refletem a descapitalização, mas que,
despêsas públicas deveriam ter um sêca de 1893, Em 1900 o cacau avul- se vencidas, criam as condições para
papel regulador. Êsses desequilíbrios ta, e num crescendo, mas sofre tam- superar outras dificuldades, viriam
foram acentuados pelos empréstimos bém frequentes flutuações e sobres- retardar a recuperação da Bahia, con-
para “tapar buracos”, para obras des- saltos. O fumo se havia restabeleci- vidando os capitais e muitos homens
tinadas a “inglês ver”, isto é, a mos- do, O açúcar veio a ter uma nova de iniciativa a buscar emprêgo fora.
trar “melhoramentos” ou “progres- oportunidade com a Guerra de 14, Por condições históricas, teve a
sos” figurativos, em que encontrava O café ganhou preços bons, Enquan- Bahia que pagar tributo ao Sul. Du-
derivação um complexo de nobreza to isso, sempre continuaram as cri- plo tributo de comprar mais caro as
sem dinheiro ... ou quiçá um certo tra- ses de origem climatérica e as espe- mercadorias (tecidos e artefatos de
ço litúrgico da nossa cultura. culações nos preços internacionais, São Paulo, queijos e manteigas de
Condições mais favoráveis de A Bahia não conseguia capitalizar. A Minas), e de fornecer braços e capi-
aplicações no Sul do pais determi- única “fronteira” era o cacáu. O ser- tais. Só condições muito melhores de
naram um fluxo de transferências de tão manda excesso de braços para transportes e energia aliados à rea-
lucros auferidos nos anos bons, Ca- São Paulo: 50% da população de al- nimação do fim do século, teriam
rências elementares de transportes e guns municípios entre 1920 e1940. podido resistir à absorvente atração
de energia (elementares, porque ain- Numa curva de longa tendência de São Paulo.
da abaixo dos sofriveis padrões nas (médias móveis em longos períodos) A decadência relativa da educa-
melhores zonas do pais) terão sido, poder íamos figurar êsse período da ção não é mais do que uma decor-
e continuam sendo, as principais ra- história da Bahia por uma alta no rência da situação geral, refletida nas
zões desta evasão. comêço do século, uma baixa nas finanças do Estado, embora possa ser
décadas 20 e 30, uma recuperação no um motor do desenvolvimento eco-
8. Conclusão meiado (décadas 40 e 50), logo inter- nômico, na medida em que se ante-
Concluindo o panorama esboça- rompida, uma ligeira reanimação no cipe a êste (como é o caso ainda dos
do, relembremos, embora sem insis- comêço dos 60, para cair em segui- dispendiosos programas de saúde
tir neles, alguns fatos relevantes. da com a guerra do Paraguái até pública). Sem outras condições de
Depois da Guerra da Independência 1890, quando se registra nova alta. desenvolvimento, e assim de emprê-
e de um recesso nos negócios inter- Nessa sucessão de crises, que não go, os recursos tradicionais de boa
nacionais, recrudesceram as desor- corespondiam às crises do sul do educação acadêmica na Bahia con-
dens e rebeliões, ora de escravos e pais, e cuja história precisa ser feita tribuíram mais para fornecer pesso-
negros forros, ora de nativistas com mais vagar e melhor análise, a al às zonas mais progressistas do
(mata-marotos) e de “federalistas”. Bahia se foi recolhendo no tempo. país do que para levantar a Bahia; e
Na década de 1840, registrou-se A variedade de exportação lhe foram sem dúvida minados por uma
certa reanimação. Na de 1850, sem- assegurou, apesar de tudo, um gráu certa sonolência, a do alheiamento
pre em altos e baixos, houve maio- menor de instabilidade que outras do sistema produtivo atual e da vida
res iniciativas, mas veio o cólera de regiões e estados do país, A varie- moderna.
1855, a sêca entre 57 e 61, e o descon- dade de produções de consumo in- O apanhado histórico mais rea-
trôle de crédito, que deu em falênci- terno, apesar das crises de abasteci- lista, porém, não autoriza o ceticis-
as, Entre 60 e 65 a Guerra de Seces- mentos se terem sucedido intermi- mo quanto à energia do homem.
são veio salvar, mas logo a Guerra tentemente, lhe manteve um padrão Nunca lhe faltou bravura para en-
do Paraguái exigiu muito da Bahia. de vida não-monetário que, embora frentar as situações, embora lhe ti-
O desgaste foi grande, “Negros para baixo, ainda se compararia favora- vesse falecido frequentemente o “sa-
o café” e soldados para a guerra. A velmente com o de outras regiões ber fazer”. Os fracassos trouxeram
Bahia não pôde aproveitar os lucros brasileiras aparentemente em me- nas zonas mais velhas o espírito da
do período, anterior, embora se re- lhor situação. Mas, face à fraqueza poupança e o temor, aliado à falta
gistrassem vários empreendimentos. das exportações, reduzia-se sua ca- de experiência para iniciativas arro-
Logo a seguir, vem a moléstia da pacidade de importar os confortos jadas, mas as zonas novas continua-
cana em 1873, a concorrência dos que se iam impondo nos hábitos ram a despertar o espírito do empre-
diamantes do Cabo, a escassez de modernos, enquanto as condições endimento e do risco, talvez levado
gêneros, o êxodo de escravos para o econômicas gerais não favoreciam a até ao exagêro do puro aventureiris-
Sul. Esta crise, segundo Gois Cal- criação e manutenção de atividades mo e do jôgo, estimulados pelas ins-
mon, se prolonga até 1890. Em 1880, industriais no Estado. Eis aqui o re- tabilidades da economia colonial de
há muitas falências, seguidas de cuo no tempo. exportação.
“contínuo abatimento e desânimo”, Os obstáculos naturais aos trans-
Leia todos os números da RDE
Reanima-se a economia no começo portes, a carência de energia, numa acessando o site:
dos anos 90, com melhores preços, e época em que a eficiência passou a www.ppdru.unifacs.br
cacáu que aparece, a borracha e ser medida pelo fator H. P. de que Arquivos prontos
para download.
carbonado, o crédito, até demasiado, dispõe o homem, deficiências que

RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano XI  Nº 19  Janeiro de 2009  Salvador, BA 99


NOTAS sil, e que consiste em utilizar a má- Bahia, (outro trabalho fundamental).
1 quina exatorial e administrativa Também W Pinho - “História ...”.
Mantida na íntegra a redação ori-
como um adendo do patrimônio da 22
ginal. Cartas. pg. 66.
corôa e do seu domínio privado
2 23
Wanderley Pinho - História de Um sôbre a coisa pública. Temos so- M. Calmon du Pin e Almeida - Dis-
Engenho do Recôncavo - Rio 1946 brevivência dêsse regime nas par- curso na Sociedade d’Agricultura
- pg. 197 - (Este livro é um dos ticipações em multa e nas atitudes Ind. e Comércio daBahia - 31-1-
acontecimentos mais relevantes “patronais” frequentes dos funcio- 1836. Os trabalhos de M Calmon
da bibliografia nacional nos últimos nários, diante dos contribuintes, merecem uma reedição
anos). que são ainda meros tributários 24
Ver especialmente a carta do Des.
3 9
Segundo uma fonte cito J. Lucio de Des. João Rodrigues de Brito, in Brito.
Azevedo, Épocas de Portugal Eco- Cartas Econômico-Políticas (com 25
Cartas. pg 99.
nômico, Lisboa 1929, pq, 456. prefácio magnifico de Gois Calmon)
ed. Gov. Estado da Bahia,1823, pg. 26
4 Cartas. pg 100.
P. M. Gondavo, cit. Oliv. Martins - 34 e 86. 27
O Brasil e as Colônias Portuguêsas Gois Calmon – Retrospecto. Tam-
10
- 5a ed., Lisboa 1920 - pg. 33. “Cartas Econômicas - Políticas” cit: bém B. Amaral - História da Bahia
5 11 da Independência à República -
Estimativa das Exportações de W. Pinho (História...) pg. 215.
Bahla. 1923. repositório precioso
Açúcar no final do Seco XVIII, se- 12
J. P. Calógeras - O Marquês de de informes e documentos.
gundo fontes americanas; em to-
Barbacena, 2ª ed. 1936, e Gois 28
neladas: Colônias Francêsas - Gois Calmon - Prefácio às Cartas
Calmon, prefácio às Cartas Eco-
95.000; Colônias Inglêsas - 80.000; ... ci t.
nômico-Políticas.
Extremo Oriente - 50.000; Brasil - 29
13 Miguel Calmon - Discurso cit. 1836.
35.000; Antilhas Dinamarquesas - Luiz Viana Filho - O Negro na
Bahia. 30
28.000; Cuba em 1802 - 40.000) Wanderley Pinho - “Cotegipe e seu
15.000; diversos - 3.000. (M. H. el 14 tempo” pgs. 687 e 697, onde há
Pedro Calmon - O Marquês de
- gamal - Le Problàrne International um quadro da situação do Recôn-
Abrantes.
du Sucre - L.G.D.J. Paris, 1941 - cavo Açucareiro do meiado do sé-
15
pg. 7.O dado sôbre o Brasil supe- Kidder & Fletcher - Brazil and the culo passado. A “Hist. de um en-
ra as indicações nacionais). (R. Brazilians, 1857, pg. 483 e 490. genho do Recôncavo” dá um ex-
Simonsen - H. Econômica,2~ ed. 16 celente registro dos esforços
O. Lima - D. João VI no Brasil -
quadro à pago 172 e W. Pinho - H. técnicos da indústria açucareira
sôbre os efeitos da Abertura dos
de um Engenho. pg. 254). bahiana.
Portos e do Tratado 1810. Sebas-
6 31
Ramiro Guerra y Sanchez - Azucar tião Ferreira Soares, “Esboço ... Pratt International Trade in Staple
y Poblacion en Ias Antillas - 3a ed. Crise Comercial da Cidade do ‘Rio Commodities. Mc. Graw - 1928. pg.
- La Habana 1944. Ver também de Janeiro em 19-9-1864" apud 277.
Fernando Ortiz - Contrapuento Cu- João Carneiro da Fontoura, “Do- 32
bano dei Tabaco y dei Azucar G. Calmon - Retrospecto.
cumentação para o histórico das
Habana, 1940, sobre os aspectos 33
tarifas aduaneiras no Brasil, 1808- Miguel Calmon (memórias sôbre o
capitalistas da indústria açucareira 1889” pg. 17. Tabaco – 1835).
e popular da do fumo, semelhan- 17 34
tes ao que aconteceu no Brasil. Ele Martius - Através da Bahia. Idem - Segundo a cláusula XX
refere também o contrato de mes- 18 dêsse Tratado baseado na “reci-
“Cartas Econômico-Políticas”.
tres nas colonias portuguesas procidade” e “mútua conveniên-
pags. 115 e 96.
7
cia”. a Inglaterra ressalva sua proi-
Alvará de 21-2-1765, mandando 19
Ch. Fr. Hartt. Geologia e Geogra- bição de importar açúcar, café e
observar na Bahia pelo Ofício de fia Fisica do Brasil - Brasiliana. pg. outros produtos permitindo porém
11 de 6 de 1799 (34 anos de dife- 351 Hartt fez duas viagens ao Bra- a Portugal (cl. XXII) impor direitos
rença - ap. Carta J. Diogo G. F. sil a partir de 1865. Quanto a tra- proibitivos sôbre tais produtos das
Castelo Branco aos Vereadores, in balhos modernos de grande inte- Colônias britânicas.
“Cartas Econômico-Políticas”, do rêsse para a ecologia bahiana. ver 35
Des. J. R. Brito e outros (Quanto à Roberto Simonsen - Hist. Econô-
P. Gouroit - Les Pays Tropicaux
data do ofício, o Des. Brito dá 11- mica do Brasil. p.203 e 216.
20
7-1798, v. pg. 86). Cartas. pgs. 115 e 116 36
Miguel Calmon - Mem. sôbre o Ta-
8 21 baco. 1835.
Referência ao regime de adminis- Gois Calmon. “Ensaio de Retros-
tração estatal, pré-democrática, pecto sôbre o Comércio e a Vida 37
Miguel Calmon - Fatos Econômi-
bem estudada por Max Weber, que Económica na Bahia entre 1823 e
cos - Rio 1913.
os sociólogos Guerreiro Ramos e 1900” – D. Oficial do Estado. ed
38
Emílio Williams expuseram no Bra- comemorativa do Centenário da Gois Calmon - Retrospecto

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39 48 58
Har t t, op. cit. 273 - Zehntner. ci- L. Zehntner - op. ci t. Dados do Ministério da Fazenda,
tando J. R. Souza. refere colonos 49 apud “Annuaire du Brésil Écono-
B. Amaral - Hist. da Bahia
espanhois que abandonaram o mique” 1913 p.234. O total brasi-
50
café pelo cacau. pg.35. Miguel Calmon. “Memória sôbre o leiro desses grandes era de 3.664
40 Tabaco” 1835 e “Discurso” 1836 enquanto o total geral dos estabe-
Informação que o A. ouviu de Braz
51 lecimentos industriais que paga-
do Amaral. A colônia efetivamente Uma das trovas cantadas tradicio-
vam o imposto de consumo era de
adquirira a feição de uma “plan- nalmente na roda das casas de fa-
11.335. O inquérito promovido pelo
tation” tropical com escravatura rinha do Recôncavo colhida pelo
Centro Industrial do Brasil em 1907
(ver Handelmann - História do Bra- Autor.
parece ter falhado inteiramente na
sil. 475 e 646). 52
Estas as informações a seguir coleta. A. cifras desse inquérito só
41
L. Zehntner - Le cacaoyer dans sôbre indústrias são retiradas de aparecem melhores quanto ao D.
I’Etat de Bahia - Berlln, 1914. Gois Calmon, “retrospecto”. Péri- Federal.
42 cles Madureira de Pinho “Luiz 59
R. Simonsen - H. Econômica do Ver Góis Calmon e Madureira de
Tarquínio”, Bahia, 1944. Além de
Brasil - II pg. 83 Ver também Pinho.
M. Calmon. “Discurso”... 1836.
Calógeras – Formação Histórica do 60
53 Roberto Simonsen, “Evolução In-
Brasil. Kidder. op. ci t . pg 497.
dustrial do Brasil’: abre o caminho,
43 54
Fato acentuado por G Calmon ana- Op. cit. - A fábrica era do mesmo mas não chegou a fazer o 3° vo-
lisando o balanço comercial da Dr. Bernardino. fundador da de te- lume de su.!’ “História”.
Bahia in “Retrospecto”, bem como cidos. 61
Miguel Calmon: “Discursos” –
Hartt , 337 Diz êste”Tanto quanto 55
Gois Calmon - “Retrospecto” de 1836. Desconhece-se geralmente
posso asseverar a produção anu-
que são geralmente os informes a no Brasil a tarifa cobrada pela In-
al de diamantes da Província não
seguir. glaterra para a maioria dos nossos
pode ter sido inferior a três milhões
56 produtos, as limitações de navega-
de dólares” (6.000.000$) A expor- Madureira de Pinho “Luiz Tarquí- ção e a proteção inglêsa para os
tação segundo os dados oficiais, nio” - pg. 36. seus produtos. Os tecidos por
foi, no exercício 62-63 de 1.647 57
Quanto aos números, G Calmon - exemplo. Ricardo, consolidador da
contos e no 64-65 de 1.381 con-
“Retrospectos”; deve-se, porém economia política clássica, foi no
tos.
advertir sôbre a variação do con- Parlamento um “oportuno” prote-
44
Artigo da Revista Internacional das ceito Fábrica. A política do Minis- cionista.
Repúblicas Americanas. tr . e ou- tro Ruy Barbosa. que sempre en- 62
Gois Calmon “Retrospecto”. Na in-
tros informes “Boletim da Agricul- controu mais o desfavor que o tegra Braz do Amaral - Hist. da
tura”, Bahia jan -março 1909 - pg. aplauso. mesmo entre ruistas, pre- Bahia.
123. cisa ser melhor examinada. Raros
63
45 historiadores. como Caio Prado Jr. O Brasil e as colônias portuguesas.
Hartt. op. cit. 292. em nota poste-
e Roberto Simonsen. reconhece- 5ª. edição, p.174.
rior ao texto.
ram o seu alcance. Recentemen- 64
46 Boletim Estatístico – Exposição.
Agradeço ao Prof Manoel J Ferrei- te. o sr. Humberto Bastos. “A Eco-
1908, p.167.
ra. Ilustre sanitarista e filho do nomia Brasileira e o Mundo Moder-
65
Com. Ferreira o acesso que me no”, pg. 167. teve o mérito de pó- Dados do Ministério da Fazenda
permitiu a uma interessante docu- Ia em foco. Em uma monografia 1913.
mentação a respeito. especial que já anuncia estar em 66
P. Madureira de Pinho, - Luiz
47 provas promete desenvolver a tese
G Dutra - Maniçobeiras de Jiquié - Tarquínio, pg. 23.
de que “Ruy Barbosa foi o Ministro
in “Boletim de Agricultura” Bahia - 67
da Indepencência econômica do G. Calmon - Retrospecto, pg. 394,
Vol XIV out-dez. 1909 pg 170.
Brasil”. do D. Of. do Centenário.

Editoração de livros, jornais e revistas.


Criação de fotovídeos a partir de fotografias
antigas, digitais ou não. Impressão de
convites, cartões de visitas
e em mídias de CD ou DVD com qualidade
fotográfica.

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MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO
REGIONAL E URBANO
O ÚNICO DA SUA CATEGORIA
NO ESTADO DA BAHIA

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