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Românica
1. A Filologia Românica....................................................................................................03
5. Referências bibliográficas............................................................................................31
2
1. A FILOLOGIA ROMÂNICA
1. A Filologia tem como objecto todos os discursos que os homens pronunciam ou têm
pronunciado. O discurso (fr. discours), propriamente dito, é uma manifestação lingüística (facciosa) que o
falante considera como conclusa e que tem por finalidade modificar a situação.
(…)
Quando o discurso, considerado pelo falante como concluso, tiver tido o êxito da persuasão ou
quando tiver fracassado em conseqüência do êxito da parte contrária, o discurso passa a ser um facto
detalhado da história e perde toda a função actual. Um tal discurso consumível é um discurso de uso único
(pragmático). A função do discurso que se radica na modificação da situação e a consumptibilidade do
discurso mantêm entre si uma correspondência mútua.
(…)
Ao lado do decurso da situação histórica que é linear e consome o discurso, existe outro decurso
cíclico inerente ao ritmo de ano (e a outros ritmos de tempo). Decerto o decurso cíclico está determinado
por natureza e não pode ser modificado pelas pessoas mediante acção ou discurso. Mas o homem, perante
esta sua dependência do decurso cíclico, sente-se impelido a manifestar o seu interesse neste decurso por
meio de discursos confirmativos (laudatórios) ou mediante discursos que evocam o fenômeno através de
uma cooperação fictícia. Este discurso é um discurso litúrgico que se repete anualmente (ou conforme
outros ritmos de tempo). Um tal discurso litúrgico permanecerá de ana em ano constante no seu teor, para
assim exprimir o regresso da mesma realidade da situação, o que é importante focar. Deste modo, o
discurso litúrgico é um discurso de uso repetido (literário) e representa, fenomenologicamente, aquilo que,
liberto da sua ligação ao ritmo litúrgico do tempo, se chama poesia ou (bela) literatura. O uso repetido
pressupõe a conservação do discurso na memória de, pelo menos, uma pessoa (geralmente de toda uma
escola de cantores ou também do conjunto da comunidade celebrante) ou através da escrita. Assim nasce a
tradição literária.
(…)
A filologia tem por objecto os ‘textos’ (‘obras’), ao passo que a lingüística propõe-se alcançar o
conhecimento do instrumento ‘língua’ também como da ‘capacidade’ de ‘actividade’ discursivas.
a) Filologia
2. A filologia tem como objecto de conhecimento as ‘obras’ ou ‘textos’, tanto os textos de uso único
pragmáticos como também os textos de uso repetido literários. A filologia que concentra a sua atenção nos
textos literários de uso repetido chama-se ‘ciência da literatura’.
A tarefa social dos filólogos refere-se, de facto, aos textos de uso repetido: os filólogos são
encarregados de vigiar a tradição litúrgica e também literária da comunidade. A tarefa de vigiar realiza-se
em três campos concêntricos:
1) A tarefa básica dos filólogos consiste em salvar textos da destruição material. Esta salvaguarda
pode-se exercer de várias maneiras.
(…)
2) A tarefa central dos filólogos consiste na conservação do sentido que se deve dar ao teor do
texto. Pressupõe-se o facto de que o sentido dos textos não se evidencia no mero teor do texto. (…)
3) As duas tarefas dos filólogos citadas não só se referem a um texto único mas sim a múltiplos
textos. Esta multiplicidade implica, como terceira tarefa do filólogo, a integração dos textos em conexões
mais amplas (…).
A filologia românica tem de cumprir, nas obras compostas em línguas românicas, a tarefa tripla de
crítica textual, interpretação de textos e a integração superior dos textos (na história da literatura e na
fenomenologia literária).
(…)
3
2. O LATIM LITERÁRIO (LL)
Muitas informações sobre a Roma antiga chegou-nos por meio do latim literário,
i.e., do latim escrito. Sua pronúncia, conhecemos somente através prescrições de
escritores, gramáticos e intelectuais latinos da época, para uma prosódia latina “correta”.
Daí a pronúncia baseada em tais informações ser denominada de reconstituída.
Há no entanto certas críticas aos falares dos camponeses que nos deixam entrever a
diversidade lingüística no seio da Roma antiga, conforme notamos nos Documentos 2, 3 e
4. Na verdade, Festo e Varrão nos revelam variações diastráticas dos ditongos ae e au,
fazendo-nos cientes de que a monotongação já se dava na antigüidade.
A pronúncia reconstituída, por sua vez, oficializou-se no ensino internacional com
a VII Conferência Internacional de Instrução Pública (Genebra, 1938). Porém, tal
pronúncia, como os documentos nos mostram, não corresponde totalmente à realidade do
latim falado na antigüidade. Trata-se de um artifício para a leitura dos textos clássicos.
1
116-27 a.C.
2
Século II d.C..
3
Século VI d.C..
4
Os ditongos no LL são pronunciados com total clareza e distinção das vogais,
igualmente ao português formal. Ex. audire (pronunciam-se distintamente o a e depois o
u). Os hiatos também devem ser pronunciados respeitando a grafia. Ex. tuus (pronunciam-
se distintamente as duas vogais u).
2.1.2 As consoantes
Segue-se abaixo somente a pronúncia reconstituída das consoantes latinas que
apresentam alguma divergência com a pronúncia portuguesa.
C – Pronuncia-se uma oclusiva velar surda como em CASA, tanto antes de A, O e U, quanto de E e de I.
D – Corresponde ao nosso D. Entretanto, não sofre a variação carioca, quando antecede o I.
G – Pronuncia-se uma oclusiva velar sonora como em GATO. Assim, G não tem variação de pronúncia
antes de E e de I.
H – Letra considerada apenas como um sinal de leve aspiração, correspondendo ao espírito do grego.
Q – Corresponde ao nosso Q. Servia para representar a oclusiva velar surda que antecedia a vogal U
pronunciável, assim como em QUANDO ou QUARTO.
R – Representava uma vibrante múltipla como o R italiano. Por produzir uma vibração na ponta da língua,
lembrando um rosnado, os antigos a chamavam de canina littera.
S – Representava sempre uma sibilante surda, como em SALA.
T – Corresponde ao nosso T. Entretanto, não sofre a variação carioca, quando antecede o I.
X – Corresponde sempre ao X de TAXI.
4
43 a.C.-17 d.C.
5
Por exemplo, logo no primeiro verso transcrito, temos modici, que, na verdade, é
flexão de modicus. Em seguida, surge tangunt, flexão do verbo tango. No verso seguinte,
vemos primo, flexão de primus, e assim por diante.
Dessarte, é mister que tenhamos alguma noção da morfologia latina para
localizarmos as palavras num dicionário de latim. Vejamos algumas peculiaridades do LL
que serão depois confrontadas com o latim vulgar (LV).
Ex.:
Petrum Paulus videt. (Paulo vê Pedro)
Paulus (nominativo) = sujeito
Petrus Paulum videt. (Pedro vê Paulo)
Paulum (acusativo) = objeto direto
Paule, tu Petrum vides? (Paulo, tu vês Pedro?)
Paule (vocativo) = vocativo
Petrus cum Paulo manet. (Pedro permanece com Paulo)
Paulo (ablativo) = adjunto adverbial
Petrus ad domum Paulī ambulat. (Pedro caminha para a casa de Paulo)
Paulī (genitivo) = adjunto adnominal
Petrus Paulō veniam petit. (Pedro pede licença a Paulo)
Paulō (dativo) = objeto indireto
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nauta, por apresentar as mesmas terminações, quando flexionada em todos os casos
(via/nauta – viae/nautae – viam/nautam – vias/nautas – etc.).
No LL havia assim declinações, isto é, substantivos com comportamento
morfológico semelhante:
1a declinação: via, nauta, poeta, porta, etc.;
2a declinação: lupus, magister, vinŭm, etc.;
3a declinação: patĕr, carmen, orator, digressio, sol, aetăs, civis, mare, pax, etc.;
4a declinação: manŭs, sensŭs, gradŭs, etc.;
5a declinação: diēs, digeriēs, rēs, etc..
Bem como os substantivos, os adjetivos se organizavam em grupos, as chamadas
classes. Por conseguinte, o LL apresenta adjetivos de primeira classe, do tipo bonus, a, um
(triformes); e adjetivos de segunda classe, do tipo insignis, e ou felix (biformes ou
uniformes).
Os adjetivos de primeira classe seguem os modelos de primeira e segunda
declinações. Dessarte, para flexionarmos o adjetivo bonus, a, ŭm, utilizaríamos o modelo
de primeira declinação para a forma feminina (bona) e os modelos de segunda declinação
para as formas masculina e neutra (bonŭs e bonŭm).
Os adjetivos de segunda classe, por sua vez, seguem modelo de terceira
declinação. Por conseguinte, o adjetivo insignis, e segue o modelo de civis e mare, e o
adjetivo felix segue o modelo de pax, ambas as palavras pertencentes à terceira declinação.
Veja no apêndice I o modelo de flexão de adjetivos.
ATIVIDADES PRÁTICAS
1.0 – Proceder à análise morfológica das palavras grifadas abaixo (usar o apêndice I).
Dum licet et modici tangunt praecordia motus,
80 Si piget, in primo limine siste pedem;
Opprime, dum nova sunt, subitī mala semina morbī,
Et tuus incipiens ire resistat equus.
Nam mora dat vires; teneras mora percoquit uvas
Et validas segetes, quod fuit herba, facit.
85 Quae praebet latas arbor spatiantibus umbras,
Quo posita est primum tempore, virga fuit;
Tum poterat manibus summa tellure revelli;
Nunc stat in immensum viribus acta suis.
2.0 – Flexionar os vocábulos latinos abaixo em caso e número (usar o apêndice I).
a) modicŭm e) subitŭm e) equus i) arbor
b) primus f) semen f) mora j) manŭs
c) limen g) morbus g) validus
d) nova d) tua h) herba
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2.3 ASPECTOS DA MORFOLOGIA VERBAL DO LL
8
2.3.2 As desinências número-pessoais passivas
No sétimo verso do Documento 8, temos uma forma verbal que apresenta outra
grande peculiaridade da morfologia verbal latina: comparatur.
Comparatur é núcleo do predicado verbal de uma oração que se encontra na voz
passiva (Nossa Lésbia é comparada contigo?). E aqui temos mais um diferencial do
sistema verbal latino: o verbo, em latim, assinala em sua desinência número-pessoal a voz
verbal.
Assim, ao participar de uma oração na voz passiva, o verbo, em determinados
tempos, passa a apresentar dnp’s de voz passiva. Então, no caso de comparatur, o número
é singular, a pessoa é a terceira do discurso, e a voz é passiva.
Vejamos as dnp’s de voz passiva:
número pessoa voz ativa voz passiva
primeira -o ou -m -or
singular segunda -s -ris
terceira -t -tur
primeira -mus -mur
plural segunda -tis -mini
terceira -nt -ntur
No entanto, tais desinências só podem ser usadas com tempos de ação inconclusa
(presente, futuro, pretérito imperfeito). Para formarmos a voz passiva dos tempos
de ação conclusa, fazemos uma construção muito parecida com a voz passiva da
língua portuguesa: particípio passado + verbo auxiliar.
A depender do tempo, um verbo auxiliar expecífico será empregado. No caso do
pret. perf. do ind., é o verbo esse no pres. do ind. (sum, es, est, sumus, estis, sunt). Assim,
a voz passiva do perfeito fica:
amatus, a, ŭm sum amati, ae, ă sumus
amatus, a, ŭm es amati, ae, ă estis
amatus, a, ŭm est amati, ae, ă sunt
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2.3.3 Tempos e modos
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2.3.3.1.2 tempos de ação conclusa: pretérito perfeito, pretérito mais-que-perfeito, futuro
perfeito. É válido lembrar que em tempos de ação conclusa não se empregam as dnp’s
passivas. Para a formação da voz passiva, utilizam-se formas perifrásticas ou analíticas.
a) pretérito perfeito: rp + dnp’s especiais de pretérito perfeito do indicativo:
RP DNP’S ESPECIAIS
infestav- -i infestavi
infestav- -isti infestavisti
infestav- -it infestavit
infestav- -imus infestavimus
infestav- -istis infestavistis
infestav- -erunt infestaverunt
Voz passiva:
PARTICÍPIO VERBO AUXILIAR
infestatus, a, ŭm sum
infestatus, a, ŭm es
infestatus, a, ŭm est
infestati, ae, ă sumus
infestati, ae, ă estis
infestati, ae, ă sunt
Voz passiva:
PARTICÍPIO VERBO AUXILIAR
infestatus, a, ŭm eram
infestatus, a, ŭm eras
infestatus, a, ŭm erat
infestati, ae, ă eramus
infestati, ae, ă eratis
infestati, ae, ă erant
Voz passiva:
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PARTICÍPIO VERBO AUXILIAR
infestatus, a, ŭm ero
infestatus, a, ŭm eris
infestatus, a, ŭm erit
infestati, ae, ă erimus
infestati, ae, ă eritis
infestati, ae, ă erunt
RI VT DMT DNP
aud- -i- -a- -m / -r audiam / audiar
aud- -i- -a- -s / -ris audias / audiaris
aud- -i- -a- -t / -tur audiat / audiatur
aud- -i- -a- -mus / -mur audiamus / audiamur
aud- -i- -a- -tis / -mini audiatis / audiamini
aud- -i- -a- -nt / -ntur audiant / audiantur
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b) pretérito imperfeito: para 1a, 2a e 4a conjugações, ri + vt + dmt -re- + dnp’s
ativas e passivas.
RI VT DMT DNP
infest- -a- -re- -m / -r infestarem / infestarer
infest- -a- -re- -s / -ris infestares / infestareris
infest- -a- -re- -t / -tur infestaret / infestaretur
infest- -a- -re- -mus / -mur infestaremus / infestaremur
infest- -a- -re- -tis / -mini infestaretis / infestaremini
infest- -a- -re- -nt / -ntur infestarent / infestarentur
Para a 3a conjugação, ri + vogal de ligação -e- + dmt -re- + dnp’s ativas e passivas.
RI VL DMT DNP
leg- -e- -re- -m / -r legerem / legerer
leg- -e- -re- -s / -ris legeres / legereris
leg- -e- -re- -t / -tur legeret / legeretur
leg- -e- -re- -mus / -mur legeremus / legeremur
leg- -e- -re- -tis / -mini legeretis / legeremini
leg- -e- -re- -nt / -ntur legerent / legerentur
Voz passiva:
PARTICÍPIO VERBO AUXILIAR
infestatus, a, ŭm sim
infestatus, a, ŭm sis
infestatus, a, ŭm sit
infestati, ae, ă simus
infestati, ae, ă sitis
infestati, ae, ă sint
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Voz passiva:
PARTICÍPIO VERBO AUXILIAR
infestatus, a, ŭm essem
infestatus, a, ŭm esses
infestatus, a, ŭm esset
infestati, ae, ă essemus
infestati, ae, ă essetis
infestati, ae, ă essent
ATIVIDADES PRÁTICAS
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3. O LATIM VULGAR (LV)
15
ATIVIDADE PRÁTICA
16
fames non famis 145 turma non torma plasta non blasta
105 clades non cladis pusillus non pisinnus bipennis non bipinnis
Syrtes non Syrtis meretrix non menetris 190 +h+ermeneumata non
aedes non aedis aries non ariex erminomata
sedes non sedis pe{rsica} non pessica tymum non tumum
proles non prolis 150 dys{entericus non strofa non stropa
110 draco non dracco disinte}ricus bitumen non butumen
oculus non oclus opobalsamum non mergus non mergulus
aqua non acqua ababalsamum 195 myrta non murta
alium non aleum mensa non mesa zizipu{s} non zizup{u}s
lilium non lileum raucus non ra[u]cus iunipirus non {iu}niperus
115 glis non {gl}iris auctor nun autor tolerabilis non toleravilis
delirus non delerus 155 auctoritas non autoritas basilica non bassilica
tinea non ti{nia} ip{se} non ip{sus} 200 tribula non tribla
exter non extraneus linteum non lintium viridis non virdis
clamis non clamus a{ } non { }a constabilitus non
120 vir non vyr terraemotus non constab[i]litus
virgo non vyrgo terrimotium Sirena non Serena
virga non vyrga 160 noxius non noxeus musium vel musivum non
occasio non occansio coruscus non scoriscus museum
caligo non calligo tonitru non tonotru 205 labsus non lapsus
125 terebra non telebra passer non passar orilegium non orolegium
effeminatus non anser non ansar hostiae non ostiae
imfimenatus 165 hirundo non herundo Februarius non Febrarius
botruus non butro obstetrix non ops{etris} clatri non cracli
grus non gruis capitulum non capiclum 210 allec non allex
anser non ansar noverca non novarca rabidus non rabiosus
130 tabula non tabla nurus non nura tintinaculum non
puella non poella 170 socrus non socra tintinabulum
balteus non baltius neptis non nepticla Adon non Adonius
fax non facla anus non anucla grundio non grunnio
vico capitis Africae non tondeo non detundo 215 vapulo non baplo
vico caput Africae rivus non rius necne non necnec
135 vico tabuli proconsolis 175 imago non { } passim non passi
non vico tabulu proconsulis pavor non paor numquit non nimquit
vico castrorum non vico coluber non colober numquam non numqua
castrae adipes non alipes 220 nobiscum non noscum
vico strobili non vico sibilus non sifilus vobiscum non voscum
trobili 180 frustum non frustrum nescioubi non
teter non tetrus plebs non pleps nesciocobe
aper non aprus garrulus non garulus pridem non pride
140 amycdala non amiddula parentalia non parantalia olim non oli
faseolus non fassiolus c+a+elebs non celeps 225 adhuc non aduc
stabulum non stablum 185 poples non poplex idem non ide
triclinium non triclinu locuples non locuplex amfora non ampora
dimidius non demidius robigo non rubigo
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3.1.1 Vocalismo e ditongos no LV
Destacamos a seguir algumas dentre várias transformações vocálicas do LV.
a) a perda da quantidade vocálica: o único vestígio da quantidade vocálica que
sobreviveu no LV foi sua conseqüência no timbre da vogal. As vogais médias “e” e “o”
mantiveram seus timbres originários, isto é, fechadas, se provenientes de vogais longas, e
abertas, se oriundas de vogais abertas.
Ex.: pŏpulum (povo) X pōpulum (choupo); ŏs (osso) X ōs (boca).
b) modificação do quadro vocálico: a perda da quantidade vocálica fez com que
um novo quadro de vogais se desenhasse na região que compreendia o antigo Império
romano. Na Ibéria, Gália, Récia e Dalmácia, temos as seguintes alterações mais
importantes:
ĭ = ē: 48. Byzacenus non Bizacinus;
ŭ = ō: 20. columna non colomna; 59. turma non torma.
c) mudança na natureza do acento: outra conseqüência da perda da quantidade
vocálica. No LL, o acento era tonal, tornando-se a tônico no LV.
Em LV não há oxítonos. As palavras se dividem em paroxítonas e proparoxítonas.
Para uma palavra ser em LV proparoxítona ou paroxítona, depende da quantidade da
penúltima sílaba da palavra na forma proveniente do LL. Sendo longa, a palavra fica
paroxítona. Sendo breve, a palavra torna-se proparoxítona:
audīre – paroxítona, pois a penúltima vogal (ī) é longa.
capĕre – proparoxítona, pois a penúltima vogal (Ĕ) é breve.
Com isso, passa a haver posições átonas e tônicas nas palavras, e uma grande
tendência do LV, registrada pelo Appendix Probi, é a queda de vogal átona (apócope),
proveniente de vogal breve.
Ex.: 3. specŭlum non speclum; 4. mascŭlus non masclus; 7. vernacŭlus non vernaclus.
d) redução de ditongo: os três ditongos mais comuns do LL (ae, au e oe)
costumavam ser monotongados no LV: 60 c+a+elebs non celeps; caelu > celu; quaerit >
querit; poena > pena; auricula > oricla.
e) modificação dos hiatos: alguns hiatos do LL reduziram-se a uma única vogal
no LV: coorte > corte; mihi > mi; mortuus > mortus. Os hiatos formados por e, i + vogal
ou o, u + vogal ficaram no LV com a estrutura de semivogal i ou u + vogal: 55. vinea non
vinia; coagulare > kwagulare.
3.1.2 O consonantismo do LV
Destacamos a seguir algumas dentre várias transformações consonantais do LV.
a) a africação da labial sonora b: b passa a v em posição intervocálica, ao passo
que se mantém em posição inicial – 44. bravium non brabium; 70. alveus non albeus; 91.
plebes non pelvis; 93. tabes non tavis; 198. tolerabilis non toleravilis; mas 127. botruus
non butro.
b) desaparecimento da aspirada h: a manutenção do h na escrita das línguas
neo-latinas tem caráter diacrítico ou, às vezes, erudito, nada tendo em comum com o
antigo h aspirado do LL – 207. hostiae non ostiae; 225. adhuc non aduc.
c) sonorização de oclusivas surdas: 78. calatus non galatus; 151. opobalsamum
non ababalsamum; 188. plasta non blasta.
d) queda de consoantes finais (apócope): 34. lanius non laneo; 127. botruus non
butro; 143. triclinium non triclinu; 217. passim non passi; 219. numquam non numqua;
223. pridem non pride; 224. olim non oli; 226. idem non ide
e) redução das geminadas: 126. effeminatus non imfimenatus; 182. garrulus non
garulus; 199. bassilica non basilica.
18
3.2 ASPECTOS DA MORFOLOGIA NOMINAL DO LV
Postmodum autem, cum viderent se nullo modo posse ingredi in civitatem, voluerunt siti
eos occidere qui in civitate erant. Nam monticulum istum quem vides, filia, super civitate
hac, in illo tempore ipse huic civitati aquam ministrabat. Tunc, videntes hoc, Persae
averterunt ipsam aquam a civitate et fecerunt ei decursum contra ipso loco 5 ubi ipsi
castra posita habebant.
Secundus
Prime suae ubi
que isse salute
rogo domina
ut me ames 6
19
preposição contra exige acusativo. O fenômeno se explica pela queda do -m final de acus.
sing. (ipsum locum), abrindo a sílaba final e, por conseguinte, alterando a vogal (u > o).
No Documento 12, observamos o mesmo fenômeno. Ao invés da forma salutem,
complemento do verbo isse(t), encontramos salute, o que causa a impressão de ser
ablativo. Novamente temos um acusativo com forma de abaltivo. Notar que os
documentos são de épocas distintas, embora apresentem um traço em comum.
Dessarte a apócope da desinência de acusativo singular promove uma
simplificação no sistema morfológico. Os casos acusativo e ablativo começam a ser
mesclados num só, já que o acusativo, tanto quanto o ablativo, no próprio LL também
apresenta emprego adverbial como em: posse ingredi in civitatem (adj.adv. de lugar).
A confusão entre nominativo e vocativo, por sua vez, é oriunda do próprio LL. Nas
cinco declinações, temos apenas um momento em que o vocativo se diferencia do
nominativo: lupus (nom.sing.) X lupe (voc.sing.). Feita a ressalva, só restam
neutralizações: vita (nom.sing)/vita (voc.sing); puer (nom.sing.)/puer (voc.sing), etc..
Outra fusão de casos ainda ocorre no LV: dativo e genitivo. O dativo de posse
(discipulīs est schola = a escola é dos alunos) é confundido com o genitivo (schola est
discipulorum = a escola é dos alunos), e o dativo de objeto indireto é substituído por ad +
acusativo (scribĕre epistulas ad aliquo em lugar de scribĕre epistulas alicui).
Por meio dessas transformações, o antigo sistema nominal do LL, que
compreendia seis casos (nominativo, acusativo, ablativo, dativo, genitivo e vocativo), é
reformulado no LV, passando a três casos (nominativo/vocativo, acusativo/ablativo e
dativo/genitivo).
20
3.3 ASPECTOS DA MORFOLOGIA VERBAL DO LV
21
O LV suprimiu ou transformou alguns tempos do sistema verbal do LL. Vejamos
as alterações.
22
3.4 ASPECTOS DA SINTAXE DO LATIM VULGAR
8
c. IV século d.C..
23
4. A FORMAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Este segmento será dedicado ao estudo de alguns dos processos fonológicos que
atuaram na formação do português a partir do LV. Conforme vemos no Documento 15, o
conhecimento de tais processos pode ser muito útil não só à história da nossa língua, bem
como à compreensão de textos que ainda apresentem uma ortografia “arcaica”.
No primeiro verso, por exemplo, temos a palavra fea. Sua forma pode ser
explicada, tendo por base o adjetivo foeda do LV, cujo ditongo oe se reduziu a e, tendência
comum no falar do povo (foeda > feda*). Posteriormente, houve o amortecimento e
síncope da dental (feda* > fea).
9
Feia. Do lat. foeda.
10
Crase da DMT -e-, de subjuntivo (louve), e a vogal inicial da preposição en (> in).
11
Agora. Do lat. ha hora, por hac hora, ou de ad horam.
12
Flexão do verbo loar (século XIII). Forma divergente de louvar, do latim laudare.
13
Idiota, parva, tola (século XIII). De etmologia obscura. Sabe-se que deriva de sandeu, sandea.
14
Verbo perdoar.
15
Aver (século XIII) Ter, possuir. Do lat. habere.
16
Forma apocopada de grande. Do lat. grandis.
17
Do lat. cor, com uma terminação que talvez se possa explicar por um sufixo aumentativo de reforço.
18
Razão. Do lat. ratio, -onis.
19
Vida. Derivado do emprego figurado do lat. via (caminho, percurso). Cf. vie no francês.
20
Louvação. De loar.
21
Trovar (século XIII). Do provençal trobar, a partir do lat. *tropare, de tropus.
22
Mas, no entanto, porém. Do lat. per hoc.
23
Um. Do lat. unus.
24
Bom. Do lat. bonus.
25
Vida. Derivado do emprego figurado do lat. via (caminho, percurso). Cf. vie no francês.
24
4.1.1 VOCALISMO E DITONGOS
a) alteração e manutenção do o: o proveniente de ŏ ou de ō do LL tanto em
sílaba fechada quanto em sílaba aberta mantém-se (nŏvum > novu- > novo, pŏrtam >
porta- > porta, flōrem > flore- > flor, prōrsam > prorsa- > prosa);
b) alteração e manutenção do i: i tônico originalmente longo no LL mantêm-se
(vīta > vita- > vida; vīnum > vinu- > vinho; amīcus > amicu- > amigo); i tônico
originalmente breve no LL tende a passar a e (pĭnna > pinna- > pena; pĭlus > pilu- > pelo;
sĭccus > siccu- > seco);
c) alteração e manutenção do u: u proveniente de ŭ do LL tanto em sílaba aberta
quanto em sílaba fechada passa a o (gŭlam > gula- > gola; ŭndam > unda- > onda); mas u
proveniente de ū do LL mantém-se (lūnam > luna- > lua; virtūtem > virtute- > virtude);
d) modificação de ditongos: ae e oe tendem a reduzir-se a e desde o LV. Houve
maior resistência por parte do ditongo au, que ainda assim passa ao ditongo ou em casos
como aurum > auru- > ouro e paucus > paucu- > pouco, reduzindo-se em certas regiões
da Europa a o (esp. e it. oro, poco);
e) surgimento de ditongos: os grupos ac, ec, oc e uc tendem a ter o c vocalizado,
após dental, e a desenvolver os ditongos au, ei, oi e ui (actus > actu- > auto; pectus >
pectu- > peito; nox > nocte- > noite; fructus > fructo- > fruyto26); o grupo al deu em LV o
ditongo au, que passou a ou/oi (falx > falce- > fauce-* > fouce/foice).
26
Português do século XIV.
25
4.2 ASPECTOS MORFOLÓGICOS
26
des i ar vive: vedes que poder
que lhi51 Deus deu, mais que non cuidaria.
E, se mi52 Deus a mim desse poder
qual oj'el53 á, pois morrer, de viver,
já mais54 morte nunca temeria.
4.2.1.1 Artigos
a) artigo definido
Já no LV uma nova classe gramatical começava a surgir por meio do desvio de
emprego do pronome demonstrativo: o artigo. Na passagem “super civitate hac” do
Documento 11, a Peregrinatio Aetheriae, flagramos o demonstrativo hac sendo usado
como artigo definido.
Com as neo-latinas, no nosso caso o português, o artigo deixa de ser um emprego
especial do pronome demonstrativo para se tornar uma classe gramatical com inclusive
formas próprias; o, a, os, as.
589. Procede o artigo definido do pronome demonstrativo latino ille,
illa, illud. Da primitiva forma, que seria elo, ela, dão testemunho el, usado
unicamente em el-rei, e, por outra parte, lo, evidente nas contrações dos plurais
tôdolos, âmbolos, e pelo, polo, ainda usadas no século XVI e outras da
linguagem popular, como ulo (u = onde), mailo (= mais o). Excluídos êstes
casos, aparece por tôda a parte, desde a mais remota fase da língua portuguesa,
o vocábulo já sem vestígios do radical, inteiramente gasto, e reduzido à
terminação átona o, a, (escrito às vezes ho, ha). (SAID ALI: 1971, 123)
Quanto aos fatores internos que agenciaram tais transformações, Coutinho expõe:
O -i- deu regularmente -e-; a consoante dupla -ll- simplificou-se. A
queda do e inicial resultou de ser o artigo palavra proclítica: elos campos, ela
casa, donde los campos, la casa. Em certos casos, tornava-se o -l- intervocálico:
de lo chão, a la pedra, pera los rios. Nesta posição, êle caía. Surgiram então o, a,
os, as. Estas formas, que a princípio só apareciam nas circunstâncias
mencionadas, depois se generalizavam. (COUTINHO: 1972, 251)
b) artigo indefinido
O artigo indefinido da língua portuguesa provém do numeral cardinal unus, una. Já
no LV e no LL de alguns autores como Plauto e Petrônio observava-se o desvio do
emprego do numeral para a marca da indefinição peculiar ao artigo indefinido. Segundo
Ismael de Lima Coutinho, a transformação se deu da seguinte forma:
unu > ũu > um
51
Pronome oblíquo lhe.
52
Meu. (do lat.vulg. mi > lat.clas. mihi, dativo de ego).
53
Contração das palavras oje e el. Oje corresponde à grafia de hoje (do lat. hodie < hoc die).
54
Jamais. Do lat. jam magis.
27
unos > ũos > ũus > uns
una > ũa > uma
unas > ũas > umas
4.2.1.2 Pronomes: destacaremos aqui algumas inovações com relação ao LV, a saber, os
pronomes pessoais de terceira pessoa e os pronomes oblíquos.
a) pronomes pessoais de terceira pessoa: os nossos pronomes pessoais de
terceira pessoa surgem dos demonstrativos latinos ille, illa. A transformação se dá no
singular assim: ille > ele, illa > ela. As formas de plural (eles, elas) advêm por analogia às
de singular, não derivando diretamente do LV.
b) pronomes pessoais oblíquos: os pronomes pes. oblíquos derivam em parte
também dos demonstrativos ille, illa. Um outro pronome latino que entrou na formação
dos oblíquos foi o reflexivo se, para a 3a pes.. Os demais surgem dos pronomes pes. de
suas respectivas pessoas (primeira pessoa → comigo; segunda pessoa → contigo; etc.).
Como o próprio nome diz, os pron. oblíquos provêm de casos oblíquos, isto é, dos
demais casos, exceto o reto (nominativo = sujeito). Sendo assim, os oblíquos originam-se
dos demonstrativos latinos em casos oblíquos (acusativo, ablativo, dativo e genitivo).
Vejamos as transformações nos esquemas abaixo:
número pessoa pronomes transformação
me me (acus.) > me
1a mim mihi (dat.) > mi > mim
comigo mecum (abl.) > mecu- > mego > migo > comigo
te te (acus.) > te
Singular 2a ti tibi (dat.) > ti
contigo tecum (abl.) > tecu- > tego > tigo > contigo
se se (acus.) > se
3a o illum > illu- > elo > lo > o
a illam > illa- > ela > la > a
lhe illi (dat.) > eli* > li > lhi > lhe
si sibi (dat.) > si
consigo secum (abl.) > sego > sigo > consigo
nos nōs (acus.) > nos
1a
Plural conosco nobiscum (abl.) > noscum > noscu- > nosco > conosco
vos vōs (acus.) > vos
2a
convosco vobiscum > voscum > voscu- > vosco > convosco
4.2.1.3 A perda da flexão de caso: o sistema flexional do latim chegou ao português com
apenas dois tipos de flexão: gênero e número. A flexão de caso deixou-nos apenas
resquícios na formação dos pronomes oblíquos, conforme vimos acima.
28
Por conseguinte, não há alteração da terminação de substantivos, adjetivos e
pronomes em decorrência da função sintática, mas somente uma mudança no
posicionamento do vocábulo na frase: Pedro viu Paulo (Pedro = suj. / Paulo = obj.dir. ) X
Paulo viu Pedro (Paulo = suj. / Pedro = obj.dir.).
29
4.3 ASPECTOS SINTÁTICOS
Documento 17: Carta do leitor Cláudio Vieira Peixoto Filho ao jornal O Globo
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda vai completar um ano e
já provoca indignação até mesmo no segmento dos denominados petistas de carteirinha.
Os aposentados e pensionistas foram massacrados pela famigerada reforma da
Previdência. Os desempregados, apavorados, observam o espetáculo do desaparecimento
dos empregos. A classe média aperta o cinto até o último furo. As classes pobre e
miserável já estão desiludidas. Pergunta-se: onde está o PT que parecia conhecer o
caminho das pedras para o desenvolvimento econômico e social?
30
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALI, M. Said. Gramática histórica da língua portugesa. 7.ed. Rio de Janeiro: Livraria
Acadêmica, 1971.
CATULO. O livro de Catulo. Tradução, introdução e notas de João Ângelo Oliva Neto.
São Paulo: EDUSP, 1996.
FARIA, Ernesto. Fonética histórica do latim. 2.ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica,
1970.
HORTA, Guida Nedda Barata Parreiras. Os gregos e seus idiomas. 4.ed. Rio de Janeiro:
J. Di Giorgio & Cia. Ltda., 1991. 1° tomo.
MEIER, Harri. Ensaios de filologia românica I. 3.ed. Rio de Janeiro: Grifo, 1974.
31
NASCENTES, Antenor. Dicionário ilustrado da língua portuguesa da academia
brasileira de letras. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1972.
SARAIVA, António José & LOPES, Óscar. História da literatura portuguesa. 6.ed.
Porto: Porto Editora, s.d..
SÉGUIE, Jaime de. Dicionário prático ilustrado. Porto: Lello & Irmão Editores, 1962.
vol. III – história e geografia.
SILVA NETO, Serafim da. História do latim vulgar. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,
1977.
32
APÊNDICE I: PARADIGMAS DE FLEXÃO CASUAL DE SUBSTANTIVOS E
ADJETIVOS DO LL
substantivos
I II IV V
Caso rosa lupus magister vinŭm senatŭs rēs
Nominativo sing. rosa lupus magister vinŭm senatŭs rēs
Nominativo plur. rosae lupi magistri vină senatus res
Acusativo sing. rosam lupum magistrum vinŭm senatum rem
Acusativo plur. rosas lupos magistros vină senatus res
Ablativo sing. rosā lupo magistro vino senatu re
Ablativo plur. rosis lupis magistris vinis senatibus rebus
Genitivo sing. rosăe lupī magistrī vinī senatūs rei
Genitivo plur. rosarum luporu magistroru vinoru senatuum rerum
m m m
Dativo sing. rosaĕ lupō magistrō vinō senatui rĕi
Dativo plur. rosīs lupīs magistrīs vinīs senatĭbus rēbus
III
caso carmen patĕr orator meretrix oratio fons sol pars civităs civis
Nom. s. carmen patĕr orator meretrix oratio fons sol pars civităs civis
Nom. p. carmină patres oratores meretrices orationes fontes soles partes civitates cives
Acus. s. carmen patrem oratorem meretricem orationem fontem solem partem civitatem civem
Acus. p. carmină patres oratores meretrices orationes fontes soles partes civitates cives
Abl. s. carmine patre oratore meretrice oratione fonte sole parte civitate cive
Abl. p. carminibu patribu oratoribu meretricibu orationibu fontibu solibus partibu civitatibu civibus
s s s
Gen. s. carminis patris oratoris meretricis orationis fontis solis partis civitatis civis
Gen. p. carminum patrum oratorum meretricum orationum fontium solum partium civitatum civium
Dat. sing. carmini patri oratori meretrici orationi fonti soli parti civitati civi
Dat. p. carminĭbu patrĭbu oratorĭbu meretricĭbu orationĭbu fontĭbu solĭbus partĭbu civitatĭbu civĭbus
s s s
adjetivos
Primeira classe Segunda classe
triforme biforme uniforme
Caso masc. fem. neutro masc./fem. neutro masc./fem./neutro
Nominat. sing. bonus bona bonŭm insignis insignĕ felix potens
Nominat. plur. Boni bonae bonă insignes insigniă felices potentes
Acusativo sing. bonum bonam bonŭm insignem insignĕ felicem potentem
Acusativo plur. bonos bonas bonă insignes insigniă felices potentes
Ablativo sing. bono bonā bono insigni felici potente
Ablativo plur. bonis insignibus felicibus potentibus
Genitivo sing. Bonī bonăe bonī insignis felicis potentis
Genitivo plur. bonoru bonaru bonoru insignium felicum potentium
m m m
Dativo sing. bonō bonaĕ bonō insigni felici potenti
Dativo plur. bonīs insignĭbus felicĭbus potentĭbus
33
34
APÊNDICE II
1:1
in principio creavit Deus caelum et terram
1:2
terra autem erat inanis et vacua et tenebrae super faciem abyssī et spiritus Deī
ferebatur super aquas
1:3
dixitque Deus fiat lux et facta est lux
1:4
et vidit Deus lucem quod esset bona et divisit lucem ac tenebras
1:5
appellavitque lucem diem et tenebras noctem factumque est vespere et mane dies
unus
1:6
dixit quoque Deus fiat firmamentum in medio aquarum et dividat aquas ab aquis
35
Simulado para a Segunda Avaliação (PR1)
1.0 – Abaixo foram transcritos, numa coluna, um grafite de Pompéia e, na outra, sua
conversão para o LL. Identificar o original, justificando fonologicamente.
Tradução – Quem mexer ou defecar aqui que faça doze deuses e Diana e Júpiter irados.
2.0 – Abaixo foram transcritos, numa coluna, uma hipotética inscrição parietal e, na outra,
sua conversão para o LL. Identificar o original, justificando morfologicamente.
soror mea insignem fratrem Octavii amat soror mea insigno fratro Octavii ama
3.0 – Abaixo foram transcritos, numa coluna, uma hipotética inscrição parietal e, na outra,
sua conversão para o LL. Identificar o original, justificando sintaticamente.
Flavius ad amico Marco: a te missas litteras Flavius amico Marco: te missas litteras Tuliae
ad Tulia omnes sciunt omnes sciunt
Tradução – Flávio ao amigo Marco: todos conhecem as cartas mandadas à Túlia por ti.
4.0 – As passagens abaixo foram extraídas da Editio Princeps dos Lusíadas (1572) com a
ortografia da época. Leia-as e, a seguir, proceda às questões propostas.
a) b)
c)
36
I – Sabendo que a palavra céu se origina de caelŭm, explicar a ortografia ceos no primeiro
verso de a).
5.0 – “Monstrat numos brasilianos dominaĕ armillăe Livia. Domina armillăe numos
brasilianos Liviăe pulchros existimat. Domina armillăe Liviaĕ armillam vendit.”
Com relação às frases latinas acima, um aluno procurou respeitar a seqüência
original das palavras e fez a seguinte tradução: “Mostra moedas brasileiras dona bracelete
Lívia. Dona bracelete moedas brasileiras Lívia belas estima.” Comente-a morfo-
sintaticamente.
37
APÊNDICE III
Investigador da Universidade de Compostela defende que um acordo entre dois fidalgos de Braga
constitui o mais antigo testemunho escrito em língua portuguesa
Luís Miguel Queirós
Na segunda metade do século XII, em pleno reinado de D. Afonso Henriques, dois irmãos, Gomes
Pais e Ramiro Pais, presumíveis fidalgos da região de Braga, assinaram entre eles um pacto de não agressão.
Não seria nada de estranho, na época, entre parentes com propriedades contíguas, mas o documento que
formaliza este acordo, conservado na Torre do Tombo, em Lisboa, apresenta uma característica invulgar:
não está redigido em latim. José António Souto, professor de História da Língua na Universidade de
Santiago de Compostela, acredita que se trata do mais antigo documento escrito em galego-português até
hoje identificado.
O investigador galego, que ontem apresentou a sua descoberta na Universidade do Minho, em
Braga, durante uma Jornada de Edição de Textos Medievais, não foi o primeiro a dar notícia da existência
deste pergaminho. Mas ninguém até agora atendera à sua peculiar configuração linguística. E se se aceitar o
conjunto de deduções que levou Souto a fazer remontar o documento, que não está datado, a um ano anterior
a 1175, parece não haver dúvida de que este trivial protocolo de família tem direito a ostentar o título que o
professor de Compostela lhe pretende conferir.
Uma professora da Universidade Clássica de Lisboa, Ana Maria Martins, já publicara vários textos
da segunda metade do século XII alegadamente redigidos em galego-português. Mas o mais antigo dataria
justamente de 1175 e há quem defenda que, dada a sua reduzida dimensão, é impossível demonstrar que não
está escrito em latim.
Souto utiliza, de resto, com alguma relutância a designação de galego-português, argumentando
que se o termo tem a vantagem de deixar claro que as actuais regiões de Portugal e da Galiza utilizavam um
só idioma, pode também sugerir, erradamente, que se trata de uma língua que não é exactamente o
português. Um escrúpulo revelador da sua costela "lusista", que na Galiza designa não apenas os que se
interessam pela cultura portuguesa, mas, mais especificamente, os que contestam a norma oficial do galego,
contaminada de castelhano, e defendem que esta devia aproximar-se do português actual.
A própria distinção entre latim e galego-português nos textos do século XII está, aliás, sujeita a
controvérsia, já que se crê que o latim era lido "à romance" - a língua oral - e que o galego-português não
constituiria, afinal, mais do que a transcrição gráfica desta oralidade. Ou seja, a distinção é evidente para
nós, leitores de hoje, mas não para os falantes da época.
Os primeiros testemunhos do galego-português surgem, por norma, nos chamados "documentos de
prova", categoria em que se pode inserir este pacto entre irmãos, a par de uma grande variedade de textos,
desde inventários de dívidas a testamentos. Já actos jurídicos mais minuciosamente regulamentados, como,
por exemplo, o contrato de venda de uma propriedade, eram redigidos em latim. A razão é simples: os
escrivães recorriam, nesses casos, a fórmulas pré-estabelecidas. Só quando não dispunham de uma norma
obviamente aplicável é que, por assim dizer, tinham de "inventar" em galego-português. Não são raros,
também, os documentos mistos, designadamente cartas de foro em que se utilizam as fórmulas latinas
habituais, mas nas quais se recorre ao galego-português para a descrição das terras em causa.
A carne e o pêlo
Um dos motivos de interesse do documento redescoberto por Souto é a extensão do texto, no qual
um dos irmãos assegura que não exercerá quaisquer prerrogativas nas propriedades do outro, e este último
promete protegê-lo contra eventuais agressões de terceiros. Souto presume que os irmãos Pais seriam
fidalgos bracarenses, uma vez que o manuscrito esteve conservado na Mitra de Braga antes de ser
transferido para a Torre do Tombo. "Para garantir a conservação destes documentos", explica, "era habitual
confiá-los às instituições religiosas". O investigador ainda tentou apanhar o rastro destas personagens noutra
documentação da época, mas, embora tenha descoberto muitos Gomes Pais e outros tantos Ramiro Pais, não
conseguiu encontrar nenhum documento que reunisse ambos.
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A juntar a esta contrariedade, havia ainda que ultrapassar a desagradável circunstância de o
documento não estar datado. O texto especifica apenas que o pacto entraria em vigor em Maio e caducaria
passados dois anos. Mas Souto foi bafejado por um golpe de sorte. É que, no verso do pergaminho, alguém
redigiu um contrato de venda relativo a uma herdade em Cabreiros, perto de Braga, comprada por um tal
Alvito Moniz a uma Elvira Midiz. E o contrato, esse sim, está datado de 1175.
Souto imagina que o elo de ligação entre os dois textos seja um provável notário ou escrivão
comum. Ora, este só terá redigido o segundo documento quando o primeiro deixou de ter utilidade, ou por
ter expirado o respectivo prazo de validade, de dois anos, ou porque um dos irmãos morreu nesse ínterim.
Na primeira hipótese, o pacto data, o mais tardar, de 1173, mas poderá ser ainda mais antigo.
Poder-se-ia ainda perguntar o que dá ao investigador tanta certeza de que o pacto é anterior à
venda. O argumento é simples e parece não merecer contestação. Os escrivães utilizavam preferencialmente
o interior do pergaminho, o lado da carne, porque fixava melhor a tinta. A parte exterior, a do pêlo, era mais
impermeável e, por isso mesmo, a tinta penetrava profundamente. O documento apresentado por Souto
comprova isso mesmo, já que a mancha de tinta é muito mais visível e consistente no texto do pacto do que
no da venda. Assim sendo, a única razão plausível para alguém escrever no "lado do pêlo" era o "lado da
carne" já estar preenchido. Conclusão: o acordo dos irmãos Pais é anterior a 1175 e, até ver, constitui o mais
antigo vestígio escrito da língua portuguesa.
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