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Doutrina

Fundamentos Ético-Filosóficos para a Preservação dos Bens


Culturais Digite seu Email
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Autor:
GUIMARÃES, Bergson Cardoso Lembrar minha Senha
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RESUMO: A preservação dos bens culturais deverá estar abrigada por uma basilar concepção, instalada em fundamentos éticos e
filosóficos, dando fulcro conceitual à ideia de patrimônio cultural. O conceito de homem, aliado à imagem de sua inserção no
mundo da cultura e da natureza, deverá estar posto frente ao significado de valor, da norma, da ética e da moral em uma
sociedade moderna de permanente risco e conflito. O acesso aos bens culturais é direito fundamental do ser humano. Os marcos
teóricos e regulatórios dessa realidade não poderão prescindir da análise e fundamentação filosófica, que irá identificar a
relevância, o sentido e a proteção do patrimônio cultural na chamada pós-modernidade.

PALAVRAS-CHAVE: Fundamentos Éticos e Filosóficos. Bens Culturais. Patrimônio Cultural. Direitos Coletivos Fundamentais.

Introdução

Fundamentar algo é dar sustentáculo ou perquirir das bases que tornam concretas a existência de um ser. Assim, buscar
fundamentos é meditar e pesquisar sobre os princípios que se concretizam na formação de um ente material ou de uma ideia.
Nesse contexto, a concepção principiológica - o princípio, por exemplo -, deve ser compreendida essencialmente não como início
de algo, inauguração geométrica de uma forma, mas, sobretudo, como fundamento. Por consequência, é impossível compreender
o fundamento de uma coisa se não se pensar através de conceitos.

A arte de pensar envolve o trabalho mental de vencer obstáculos - aporias - para se chegar ao conceito mais concreto possível. Os
conceitos tornam-se, assim, construções ideais essenciais à maturidade intelectual, e formam-se como resultado de um processo
crítico, reflexivo, dialógico, que vão além das visões meramente emocionais que temos do mundo. Esse envolvimento consciente
com o ato de pensar visa vencer a mera opinião - doxa - para alcançarmos uma posição de concreta racionalidade ante a realidade
que experimentamos em nossa existência.

O que é Justiça? Qual a definição que temos do Direito? O que é igualdade? O que é Coragem? Qual o real conceito de Ética? O
que se entende por Cultura? Qual o conceito de Patrimônio Cultural? Trabalhar os conceitos, como ato definidor de nossa
realidade concreta, é buscar fundamento e sentido à vida em meio à abrangente complexidade, tão prenhe de crenças e pré-
conceitos.

Existe uma clássica passagem no Mênon, de Platão, em que Sócrates é retratado em diálogo com o jovem Mênon que almejava
se tornar, na sociedade grega, um reconhecido General. Esse aborda o filósofo e lhe questiona se virtude é coisa que se ensina,
se é possível transmiti-la. Aí começa o processo dialético, e consequentemente as aporias de Sócrates, no sentido de que uma
definição deve dar conta da unidade de uma multiplicidade, ou seja, aquilo que Mênon entendia como virtude era uma construção
sua, particular, opinião que não passou por um processo crítico, fruto de sua visão emocional de mundo. Portanto, sua visão não
era o conceito real, nuclear, buscado e revelado por Sócrates através da reflexão dialógica que se dá início. Assim, a obra retrata o
processo racional que se inicia. Antes de responder se virtude é coisa que se ensina, Sócrates muda a questão para perguntar: o
que é virtude?

Portanto, ao buscar questionar acerca dos fundamentos éticos e filosóficos para a preservação dos bens culturais faz-se
necessário dialogar em torno dos conceitos de patrimônio cultural, interesse, cultura, ética, de valor, norma e bem, por exemplo, de
forma a buscar vencer o relativismo de uma postura muitas vezes emocional, incerta e destituída de memória. Mesmo as variadas
formas de manifestação cultural de povos, comunidades e nações diferentes, deverão estar analisadas por uma racionalidade que
se quer mais abrangente e verdadeira possível, além de identificada com os princípios universais do ser humano.

1 Homem, Cultura e Natureza

"O homem é produto do meio". "O que muda o jovem são suas companhias". Quando ouvimos alguém dizer tais expressões, ou
outras parecidas, geralmente aplicando fórmulas colhidas e repetidas no senso comum, pode-se inferir que o interlocutor está
concebendo o homem como resultado direto de sua cultura. E cultura, nesse contexto, vem aqui compreendida como um conjunto
de valores, saberes, costumes, modos de vida, comportamentos, influências geográficas perante o ambiente em que se vive.

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Nessa perspectiva, nossa vida estaria determinada principalmente pelas influências do meio, que se fariam presentes num
determinado tempo e espaço.

De outro lado, quando alguém afirma que "tudo é genético", e ouvimos opiniões, como "pai e avô eram assim", "puxou para
fulano", tais impressões podem estar convergindo para a ideia de que o ser humano é determinado em suas ações e pensamentos
pela natureza. E natureza, termo equívoco, pode aqui ser compreendida como as determinações físicas, biológicas e corporais que
herdamos de nossos ancestrais. Essas determinações, de certo modo, segundo essa tendência de pensamento, seriam
preponderantes em nosso comportamento, e formariam o núcleo essencial do conceito de homem. Dessa forma, a ambivalência
entre natureza e cultura tornam-se essenciais para a análise do que é realmente significativo para a humanidade em termos de
patrimônio a ser legado e protegido.

Enfim, o que determina realmente o comportamento humano e a rede de interações sociais em que se vive? Sua cultura ou sua
natureza? Ou existiria uma série de atuações históricas internas e externas que fariam com que o homem se tornasse o que
atualmente é na modernidade? Dentro desse debate nascem as teses que podem ser chamadas de culturalistas ou naturalistas.

A busca pelo conceito do homem - e consequentemente sua inserção em seu tempo, seus objetivos fundamentais, seu melhor
modo de vida na sociedade, as leis e direitos que estabelecerão o cimento da garantia da ordem, da segurança e da justiça que
almeja - terá que passar, necessariamente, pela identificação dos conceitos de cultura e natureza.

Talvez seja por isso que natureza e cultura tenham se tornado dois termos dos mais difíceis de conceituar, em todas as línguas do
planeta. A complexidade do que se entende por natureza e cultura revela-se na forma multifacetária do relacionamento do homem
com as representações - criadas pelo próprio ser humano - mantendo viva sua obra, sua espécie, e o que se constrói nesse
mundo. Construções essas verificadas através de suas concreções psíquicas, no plano material e imaterial.

A descoberta do DNA, na década de 1950, influenciou fortemente a compreensão da sociedade como fruto da natureza, e não
propriamente da cultura. Porque, a partir de então, o conhecimento sobre a biologia humana cresceu sobremaneira e revelou que
poderiam ser possíveis mudanças radicais na ordem histórica através de bases biológicas. Passou-se a defender que em verdade
não havia grandes mudanças no modo de ser humano, ao longo de sua existência, ou seja, somente a manipulação genética
poderia criar hipóteses de grandes transformações.

O Projeto Genoma Humano, por exemplo, estabeleceu que muitos problemas secularmente atribuídos à cultura ou à forma de
educação, em verdade seriam questões de índole genética. Apesar disso, hoje em dia já não existe unanimidade em torno da tese
da preponderância da natureza sobre a cultura. E há uma corrente de pensamento radical, principalmente dentro da antropologia,
segundo a qual a biologia não desempenha papel superior no comportamento humano. A condição humana seria determinada pela
cultura.

O fato é que se trata de uma falsa dicotomia a oposição entre a natureza - as forças biológicas - e a cultura - as influências da
formação e do meio. Essa dupla identidade humana forma-se através de uma complexa interação de condições naturais, mitos,
saberes, realidades geográficas, criando variáveis histórias que se influenciam mutuamente. Portanto, o conhecimento cultural
acaba influenciando a natureza e vice-versa; com isso, a natureza vai moldando, muitas vezes, a atividade cultural. Nessa
complexa relação torna-se impossível identificar até que ponto o homem é influenciado por suas concepções biológicas ou
culturais de forma estanque.

A palavra cultura deriva de lavoura, trabalho da terra, colheita, produção de alimentos. Está ligada ao latim colere que também
significa cultivar. No plano etimológico, pode-se dizer que a palavra natureza deriva de cultura. Cultura dá a ideia de cuidar da
natureza. Os vocábulos criam uma relação íntima entre o artificial, construído pelo homem (cultural), e o natural, que sofre as
consequências dessas ações. Natureza (Phýsis em grego) vem do latim natura, aquilo que se dá por nascimento, que não tem a
vontade e a incidência do trabalho humano.

A busca pelo significado desses conceitos deve ser considerada, uma vez que tais ideias estão, necessariamente, presas ao
conceito de homem, como dito. Daí vem a pergunta clássica da antropologia filosófica: O que é o homem?

Henrique Cláudio de Lima Vaz adverte que "a interrogação filosófica encontrou-se, desde os fins do século XVIII, com o rápido
desenvolvimento das chamadas "ciências do homem" (human sciences ou Geisteswissenschaften); (...) como já sucedera com a
Filosofia da Natureza, a situação da Antropologia Filosófica em face dos novos saberes sobre o homem assume inicialmente as
características de uma crise" (VAZ, 2004, p. 4-5).

A palavra crise vem do grego krísis, cuja base semântica revela depuração, processo crítico para mudança, sofrimento ante a
necessidade de escolha, de decisão e julgamento. Dessa forma, poder-se-ia dizer que a crise nasce da ausência de uma
concepção unitária de homem no mundo moderno, trazendo reflexos nos valores culturais em discussão.

Assim, todo o processo civilizatório, os bens, as construções humanas, os direitos culturais, por exemplo, terão que ser entendidos
a partir da concepção do conceito de homem perante a natureza e a cultura que o envolve. Os direitos fundamentais deverão, por
conseguinte, ser abarcados em meio à crise aludida por Henrique Vaz, que teria uma matriz histórica (formada pelo entrelaçar-se
no tempo das diversas imagens do homem que dominaram sucessivamente a cultura ocidental, como o homem clássico, o homem
cristão e o homem moderno) e uma matriz metodológica (provocada pela fragmentação do objeto da Antropologia Filosófica nas

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múltiplas ciências do homem, muitas vezes apresentando peculiaridades sistemáticas e epistemológicas dificilmente conciliáveis)
(VAZ, 2004, p. 4-5).

Assim, a avaliação dos direitos fundamentais se defrontará com as correntes do naturalismo e do culturalismo, de forma a justificar
o que necessariamente deverá ser protegido pelas leis e constituições, regulando, perpetuando e salvaguardando valores
essenciais ao homem do presente e do futuro.

2 Valor, Moral, Ética e Norma: Raízes Conceituais

Vivemos tempos em que se aumenta sobremaneira o hábito de falar-se em valores, ética e moral. A busca desmedida pela
identificação do que é correto, político, real, belo, sadio, justo, por exemplo, é resultado de uma rede de conflitos de toda ordem,
que atinge a concepção social, no plano coletivo, e até psíquico, colhidos na análise do comportamento individual. O ritmo da vida
moderna, o padrão insustentável de consumo, o estresse, as alterações do ambiente, o aumento da população, o crescimento das
várias formas de disputa pela sobrevivência, o individualismo, tudo isso, dentro de uma multifacetária produção cultural e
mercadológica, são manifestações que criam condições mentais as quais o ser humano ainda não se adaptou biologicamente. E
tal realidade, como se sabe, gera transtornos de variados matizes.

No entanto, nesse cenário cresce, de fato, a necessidade de situar-se conceitualmente o valor, o comportamento ético, a força
moral que norteará o homem em sua empreitada rumo ao seu crescimento integral e a uma vida mais sadia e mais feliz. A
identificação do patrimônio cultural - seu real significado e validade - emerge como fator de incalculável importância nessa
discussão, em face da necessidade da concreção de uma racionalidade mais real possível.

Tratando da temática do homem e seus valores, o filósofo Johannes Hessen, no livro Filosofia dos Valores, lembra um pensamento
de Kant, que refletindo a profunda seriedade de sua obra e suas indagações sobre o "sentido da vida", menciona que "a
preocupação mais grave para o homem deve ser consistir em saber como há de ele cumprir a sua missão no mundo e o que tem a
fazer para conseguir ser verdadeiramente homem". Hessen lembrava que "sabido é que o sentido de uma coisa é a medida em
que essa coisa poder servir para a realização de um valor" (HESSEN,1980).

Daí a conclusão de que não se pode falar na identificação dos valores culturais, e consequentemente dos bens que representam
esses valores, sem a plena consciência de que o real desenvolvimento humano, rumo à construção de uma civilização mais justa,
equilibrada e ordenada, passará pelo concreto desenvolvimento e aceitação histórica desses mesmos valores no seio da cultura
humana. A noção de valor está ligada, portanto, à realização do bem, constatando-se o que é mal, o que é melhor, revelando-se o
que é pior, dentro de um processo de humanização em que as noções prescritivas instalam-se como essenciais à identificação do
sentido da existência.

Assim, a norma, como criação humana no campo da cultura, surge como realidade prescritiva, ligada à mesma família dos valores.

O processo dialógico busca identificar os conceitos em sua realidade prática. A ética, portanto, pode-se dizer que é atemporal. A
ética é uma rede de princípios, teorias, costumes e valores, que transcende as diferenças do tempo e mesmo geográficas. A ética
delimita as fronteiras das relações humanas e nossa posição frente ao ambiente. Já a moral é epocal, marcadamente temporal.
Muitas situações que são vistas hoje em dia como naturais, moralmente aceitáveis, há 40 ou 50 anos, por exemplo, eram tratadas
como imorais e reprováveis.

Embora tendo origens etimológicas parecidas, a busca pela realidade do conceito fez retratar atualmente a ética e a moral de
formas diferentes. Ética, numa vertente mais primitiva, vem do grego ethos que significa morada do homem, casa, abrigo, gruta,
lugar onde se está protegido. É a imagem da morada que nos primórdios da civilização vai identificar que o homem é um animal
diferente, mais articulado, com linguagem própria. O conforto da proteção espelha o sentimento de grupo, de solidariedade, de
sobrevivência conjunta. Numa outra vertente Ethos (com o E grande, o epsílon em grego), com a evolução do significado, e
conforme era usado na Grécia antiga, denotava costume, comportamento igual, caráter. Aqui, nessa concepção, as práticas
aceitáveis são aquelas que o grupo social desenvolveu como boas a todos, coadunadas com o bem individual e geral. É sabido
que moral também vem da noção de costume, através do latino mores, mos, mas o vocábulo moral atingiu uma formação
conceitual diferente da palavra ética. A moral está atualmente ligada à ideia de dever e de comportamentos práticos.

Exemplificando essas diferenças entre ética e moral, Adolfo Sánchez Vázquez, em seu clássico trabalho Ética, esclarece que os
problemas éticos caracterizam-se pela sua generalidade e isso os distingue dos problemas morais da vida cotidiana, que são os
que se nos apresentam nas situações concretas. Vázquez defende que se a ética revela uma relação entre o comportamento
moral e as necessidades e os interesses sociais, ela nos ajudará a situar no devido lugar a moral efetiva, real, de um grupo social
que tem a pretensão de que seus princípios e suas normas tenham validade universal, sem levar em conta necessidades e
interesses concretos. De outro lado, a ética, quando define o que é bom, não o reduz àquilo que satisfaz meu interesse pessoal,
exclusivo, evidentemente influirá na prática moral ao rejeitar um comportamento egoísta como moralmente válido (VÁZQUEZ,
1989, p. 9-10).

Em outro quadrante vem a ideia de lei, da norma a regular a vida social. Lei, norma, vem do grego nómos, que tem um campo
semântico amplo. Nómos, numa noção mais primitiva, significa pastagem. Remete à concepção das pastagens, divisão de pastos,
área dos rebanhos, onde fazia-se necessária ordem e normas costumeiras pertinentes "ao seu, ao meu, ao nosso".

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Os estudos seminais de Plínio Fernandes Toledo, acerca da interpretação filosófica do direito a partir da análise de sua forma
objetiva na transição da oralidade para a escritura, revelam que essa passagem histórica para a prática mais acentuada da escrita
foi ampliando a noção do termo ethea, no sentido de abrigar os costumes do esconderijo humano, que constitui o lar e a família,
abrangendo também os sentimentos e reações particulares com respeito aos íntimos e inimigos (TOLEDO, 2002, p. 27).

Toledo informa, baseando-se em pesquisas de Eric Havelock e no clássico Hesíodo, que "a norma ética mantinha, nesse sentido, a
coesão pessoal, o caráter, e a unidade familiar, funcionando como lei particular restrita ao genos. Já os nomoi associavam-se à
distribuição de pastagem, considerando os costumes e o hábito de um ponto de vista mais geral e mais social" (TOLEDO, 2002, p.
27).

Portanto, nómos (lei, regra, norma) provém de némo, que traduz a ideia de partilhar, de distribuição (CAIRUS, 2004, p. 20-24).

Nesse sentido, Henrique Cairus ensina que o nómos, nascido sob a égide da partilha, é definido pela sua feição necessariamente
coletiva. Assim, o hábito de um grupo, quando integra sua identidade, tende a criar mecanismos que lhe assegurem a permanência
e, por conseguinte, que garantam a uma coletividade a permanência de sua identidade. Esse mecanismo consiste no retorno do
hábito sob a forma de norma (CAIRUS, 2003). Plínio Toledo chega a defender que nómos e ethos correspondem àquilo que se
poderia denominar de aproximadamente o público e o privado, ou à lei política e familiar: o código da lei pública e o padrão do
comportamento privado (TOLEDO, 2002, p. 27).

Assim, não há dúvidas de que a ideia de valor, como os conceitos de lei, ética e moral, como braços de uma mesma raiz, atingem
uma tênue identidade familiar, conquanto inerentes ao fazer humano. A emergência da desorientação ética, na qual se confrontam
a mensuração desqualificada dos valores, cria no homo faber a necessidade premente de identificar os bens naturais e culturais
relevantes que marcam seu caminho histórico. A cultura humana está assentada na realização de valores, que se materializam na
busca dos entes ideais e reais. A ligação entre o passado e a modernidade será feita por uma complexa dinâmica de
comportamentos, diálogos de culturas, elegendo o patrimônio a ser tutelado por uma ordem definida de proposições morais, éticas
e normativas.

A definição dos valores, subentendidos na obrigação de amparo ao patrimônio cultural, passarão pela avaliação histórica e
artística, como processos de legitimação coletiva, na qual o sujeito individual cederá espaço ao interesse humanista e universal. A
ética e a moral trabalham, dessa forma, subsidiando a confecção da norma, frente às forças da destruição. Nesse aspecto, a
vontade de destruição, o niilismo, são componentes presentes na natureza humana, que, presos ao imediato e ao valor
estritamente material/econômico, não se faz capaz de vislumbrar a importância mesma da transmissão do ser, do ter, do pensar e
do saber, que não imperam sem memória e sem razão. Sem esses instrumentos o homem teria que prescindir de poder olhar para
si mesmo. Aqueles processos de destruição muitas vezes se fazem em momentos de caos coletivo. Exemplo disso foi a destruição
de cidades históricas e sítios arqueológicos durante a ocupação americana no Iraque, em 2003, quando ladrões e saqueadores
chegaram mesmo a espoliar a Biblioteca e o Museu Nacional de Bagdá. A guerra trouxe a dilapidação de parte de um patrimônio
de 8 mil anos de história, trazendo um inestimável prejuízo sociocultural a toda a humanidade.

3 Socioambientalismo: Bens Culturais e Direitos Fundamentais no Processo Civilizatório

A linguagem é a característica humana que, junto ao pensamento, diferencia o homem dos outros animais. O homem, como diria
Pascal (1), é frágil como um caniço, mas o ato de pensar o capacita a transformar o mundo que o circunda. A cultura se valoriza
enquanto serve ao homem para pensar a significação - e impor um significado - ao que produz, cria, interage e se encontra na
natureza.

O estudioso dos mitos e das religiões, Mircea Eliade, já explicava, por exemplo, que para o homem religioso, a Natureza nunca é
exclusivamente "natural". A experiência de uma Natureza radicalmente dessacralizada é uma descoberta recente, acessível
apenas a uma minoria das sociedades modernas, sobretudo aos homens de ciência. Para muitas pessoas, a Natureza apresenta
ainda um "encanto", um "mistério", uma "majestade" em que se podem decifrar os traços dos antigos valores religiosos (ELIADE,
2001, p. 126). Esses ensinamentos do mestre romeno, magistralmente expendidos ao longo de suas respeitadas obras, mostram
que a ligação do homem com o meio ambiente, com seu meio natural, guarda uma simbologia e uma identidade cultural que deve
ser compreendida sob o enfoque da necessidade de se identificar a natureza antropológica e social do homem com seu espaço
ecológico; indissociáveis que estão do conceito de cultura.

Aqui cumpre analisar aquilo que ficou conhecido como socioambientalismo. Esse movimento nasce no Brasil dentro de uma
perspectiva, no dizer de Juliana Santilli, de que as políticas públicas, voltadas à proteção do patrimônio cultural e do meio
ambiente, só teriam eficácia social e sustentabilidade política, se incluíssem as comunidades locais e promovessem uma
repartição socialmente justa e equitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos naturais (SANTILLI; SANTILLI,
2009, p. 220).

Esse movimento eminentemente brasileiro, nascido a partir da análise de questões socioambientais bem típicas de nosso país, e
da natureza de nossos conflitos, produziu, também, uma interpretação própria acerca da qualificação dos bens a serem tutelados.
Nessa linha, assevera Carlos Frederico Marés de Souza Filho que "o que havia de comum entre o ambientalismo e as práticas de
defesa de direitos sociais eram os direitos coletivos, não individuais e que se contrapunham ao sistema que tem como paradigma e
fundamento o individualismo proprietário" (SOUZA FILHO, 2005, p. 15-16).

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Assim, vai se consolidando dentro desse movimento a visão de que nascem novos direitos que se sobrepõem aos direitos
individuais já existentes. Novas Constituições foram prevendo a necessidade de o Estado intervir no domínio econômico e na
propriedade privada, fazendo surgir normas infraconstitucionais que protegeriam a natureza ou o meio ambiente: os direitos difusos
(SOUZA FILHO, 2006, p. 22-23).

Souza Filho chama, no entanto, esses direitos ou interesses de socioambientais e conclui:

"O bem cultural - histórico ou artístico - faz parte de uma nova categoria de bens, junto com os demais ambientais, que não se
coloca em oposição aos conceitos de privado e público, nem altera a dicotomia, porque ao bem material que suporta a referência
cultural ou importância ambiental - este sempre público ou privado - se agrega um novo bem, imaterial, cujo titular não é mesmo
sujeito do bem material, mas toda a comunidade. Este novo bem que surge da soma dos dois, isto é, do material e do imaterial,
ainda não batizado pelo direito, vem sendo chamado de bem de interesse público, e tem uma titularidade difusa, e talvez outro
nome lhe caiba melhor, como bem socioambiental, porque sempre tem que ter qualidade ambiental humanamente referenciada."
(SOUZA FILHO. Op. cit. 2006. p. 25)

Os chamados bens culturais podem ser vistos, dessa forma, como uma espécie de bens socioambientais, que se destacam pela
composição de seus valores paisagísticos, históricos, artísticos, bibliográficos, arqueológicos, etc.

Sabe-se que a Constituição Federal de 1988, fazendo referência expressa aos bens culturais, colocou que "constituem patrimônio
cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de
expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos,
documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de
valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico" (art. 216 da CF). Observa-se, portanto,
que nessa disposição normativa emergiram conceitos que devem ser valorados e compreendidos para implementação efetiva da
regra.

O patrimônio cultural de um povo, por exemplo, revela-se na capacidade de preservação e valorização do conjunto de bens
materiais e imateriais que, reconhecidos pelo seu valor intrínseco, são distinguidos pela sociedade como essenciais à perpetuação
de sua identidade. Dessa forma, os chamados direitos fundamentais compõem-se de um conjunto de direitos e garantias do ser
humano que buscam a implementação do respeito a uma vida digna, sadia, com a perspectiva de desenvolvimento geral, com
liberdade, solidariedade, igualdade, na qual se incluem os direitos e deveres perante o reconhecimento e a preservação dos bens
culturais.

Se pensarmos o chamado processo civilizatório como um sistema contínuo de acontecimentos e conquistas socioeconômicas,
além de políticas e culturais, impõe-se atenção à formação do Estado, à imposição da ordem e da democracia, ao aumento da
consciência reguladora de autocontrole, novos modelos de conduta, enfim, elementos esses que somados a estruturação das
instituições formam o que compreendemos como civilização.

O que mais marcadamente caracteriza uma civilização é a posição de seu desenvolvimento cultural, social e filosófico, refletido na
forma de vida prática de seu povo e nos valores que sustentam as relações em comunidade. O grau de desenvolvimento é medido,
por exemplo, pelas manifestações artísticas e simbólicas, pelo domínio de técnicas originais e ancestrais, pela religião, a
organização social, a economia e pelo grau de desenvolvimento institucional.

A identificação do patrimônio cultural e da memória são temas, portanto, que entram no século XXI com inegável destaque e
crescente importância em face da reflexão em torno da cultura de um povo, suas tradições, o planejamento das cidades, os
projetos e ações que podem redundar em novas consciências individuais e comportamentos sociais. Torna-se difícil conceber o
processo civilizatório sem o reconhecimento do patrimônio cultural de uma determinada sociedade, de uma nação, historicamente
determinada. Consequentemente, dentro de um caráter imagético, é impossível materializar a vida de um povo sem a identificação
dos bens e valores culturais que se manifestam das mais variadas formas.

4 Fundamentos para o Reconhecimento e Proteção dos Bens Culturais

Todo direito tem um objeto sobre o qual o sujeito, ou a coletividade, exerce um poder ou está preso por uma relação que é
garantida pela ordem jurídica. Esse objeto, mesmo que num sentido imaterial, tem sempre um valor que pode ser econômico,
cultural, histórico ou de interesse vital à sobrevivência. O objeto se integra ao patrimônio do indivíduo ou à sua própria
personalidade, e, também, pode se revelar primordial ao interesse coletivo. Aí reside a noção de bem jurídico.

Dessa forma, a identificação dos bens culturais passa por um processo de avaliação de seu significado e valor, sendo que uma
comunidade perderia parte de sua identidade sem a existência concreta de uma determinada ideia revelada, muitas vezes, em
vários tipos de bens. Assim, no aspecto jurídico, bens podem ser definidos como as coisas materiais e imateriais que adquirem um
valor econômico, social, cultural, e, dessa forma, se tornam objeto de uma relação jurídica, sendo, consequentemente, protegido
pelo direito.

Ao tratar dos bens públicos, o Código Civil de 2002, em seu art. 99, ainda adotando uma concepção dicotômica do direito (público
e privado), conceitua como bens públicos "(I) os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; (II) os de

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uso especial: tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial
ou municipal, inclusive os de suas autarquias; e (III) os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito
público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades".

É verdade que existem autores que criticam essa concepção dicotômica, estampada no Código Civil de 2002, classificando-a
mesmo como inconstitucional e esclarecendo que, nesse aspecto, repete-se uma concepção do século XX, que tinha como
substrato ideológico o século XIX (2).

De fato, na compreensão do art. 225 da Constituição Federal, que criou uma terceira espécie de bem, que não é público nem
privado, está assentada a compreensão do bem socioambiental como o "bem de uso comum essencial à sadia qualidade de vida".
Aqui se incluem os bens culturais que devem ser preservados perante as gerações presentes e futuras.

O processo de reconhecimento e valorização dos bens culturais vai crescendo de importância porquanto a existência do "homem-
massa" - expressão que pode ser inicialmente atribuída ao filósofo Ortega y Gasset, que, nos anos 30, prenunciava a existência de
uma sociedade cada vez mais massificada culturalmente - surge justamente num contexto de nivelamento de normas, costumes e
produções culturais. A avaliação do que deve ser eleito como um bem cultural, busca romper com a massificação e criar um
sentido maior na existência humana, através das produções originais do instinto e da razão.

John Rawls, na sua famosa obra-prima Uma Teoria da Justiça, asseria que "(...) o bem de uma pessoa é determinado pelo que é
para ela o mais racional plano de vida, dadas circunstâncias razoavelmente favoráveis. (...) em uma sociedade bem-ordenada, as
concepções que os cidadãos têm acerca de seu bem estão de acordo com os princípios de justo que são publicamente
reconhecidos e incluem um lugar apropriado para vários bens primários" (3). Portanto, o sentido do fazer (homo faber) está preso à
própria ideia de cultura que venha a ser produzida por uma determinada comunidade, nação ou povo. De uma forma ampla, os
bens culturais ali emergidos é que ditam, muitas vezes, o real significado de suas existências, o relacionamento social e
principalmente os desígnios do futuro.

O crescimento da importância da análise do patrimônio cultural e, consequentemente, seu reconhecimento e proteção, é explicado
também pelo fato de que, no mundo moderno, as chamadas diferenças culturais dos indivíduos ou das nações, acabam por ter
mais influência do que o estabelecimento de políticas econômicas, por exemplo. Novas teses defendem que, no mundo
contemporâneo, a macropolítica é marcada certamente não tanto pela colisão de interesses econômicos ou ideológicos, mas pelo
que se entende por "choque de civilizações" (4).

Nesse contexto, o respeito pela cultura alheia e sua liberdade em manifestar-se através de seus instrumentos, dentro de um plano
de racionalidade, exige a necessária tolerância, que se deve fazer presente num mundo cada vez mais padronizado e uniformizado
em seus comportamentos. A destruição de culturas antigas, impetradas pelos novos colonizadores, com vários exemplos ao longo
da história humana, é marcada principalmente pela incapacidade demonstrada de absorção dos saberes da cultura aniquilada,
sem que se pudesse compartilhar e agregar as conquistas e identidades culturais de tradições e técnicas riquíssimas.

5 Patrimônio Cultural e Pós-Modernidade

Embora não haja consenso em torno do conceito de pós-modernidade, esta expressão poderia ser entendida por uma forma de
manifestação cultural mundializada, revelada através de posições ideológicas, sociais, políticas e artísticas, por exemplo. A pós-
modernidade é caracterizada pelo predomínio de uma visão capitalista e fruto, de certa forma, do fim das utopias socialistas do
século XX. A pós-modernidade, enfim, busca identificar tempos de cisão, nos quais se revelam o fenecimento de ideologias, de
crise de movimentos políticos, de quebra de comportamentos, de renovações estéticas, representações, discursos e linguagens.

O crítico marxista Fredric Jameson (5) chama esse "final de tudo", característico da pós-modernidade, de "milenarismo invertido".
Isso no sentido de que os prognósticos, apresentando sempre posições catastróficas ou redencionistas, que caracterizaram os
últimos anos, foram substituídos por decretos sobre o fim disso ou daquilo: fim da arte, da ideologia, do Estado do Bem-Estar
Social, "crise" do leninismo, da social-democracia, das classes sociais, etc. Dessa forma, a pós-modernidade liga-se a um
determinado período histórico, marcado pelos cacos da modernidade; enquanto a expressão pós-modernismo refere-se, em geral,
a uma determinada forma de cultura contemporânea, como sempre faz questão de diferenciar Terry Eagleton (6).

No entanto, no cenário da pós-modernidade impende lembrar a existência, também, de uma produção cultural execrável e
superficial que, paradoxalmente, busca e, ao mesmo tempo repudia, tudo que é passado, questionando a ideia de qualquer
progresso no campo da razão e da arte. Assim, num tempo em que o produto kitsch procura transmutar-se em patrimônio cultural,
cresce a necessidade de reflexão em torno da essencialidade do patrimônio mesmo, não só como mero indicador simbólico de um
passado ou de uma cultura especial, mas fator identificado com uma verdadeira forma de validade, na evolução da sociedade
humana. A mera mercadoria, transformada em patrimônio cultural, pode aprofundar a crise relacionada aos referenciais culturais;
esses sim, imprescindíveis à identificação da realidade.

Analisando a questão do patrimônio natural, François Ost chama atenção para o fato de que nossa época perdeu, pelo menos
depois da modernidade, o sentido do vínculo e do limite das suas relações com a natureza. "As duas representações atualmente
observáveis desta relação são disso testemunha: a que faz da natureza um objeto e a que, por uma simples alteração de signo, a
transforma em sujeito" (7).

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No jogo de espelhos entre o sujeito e o objeto que emerge da pós-modernidade nasce, assim, outro fenômeno que é o boom do
passado. A globalização criou uma acentuação dos fluxos culturais com uma consequente universalização das mercadorias e
produtos. A corrida ao passado é visível em grupos que sentem um alheamento de suas origens, história e identidades. A
desorganização do espaço e do tempo deverá ser identificada para evitar-se os equívocos quanto à proteção dos bens culturais.
Várias confusões conceituais estão presentes nessa analisada pós-modernidade, em face da necessidade de preservação de uma
memória histórica e social válida, além de culturalmente eficaz.

Pierre Bourdieu vê o patrimônio como um espaço, um campo simbólico, onde se produzem representações em conflito, geridas
pelos atores sociais que alternam o processo de legitimação da produção cultural, com a consequente valoração dos bens
simbólicos (8). Já Norbert Elias analisa o processo civilizador como influenciado pela constante negação da proporção instintiva da
vida humana. Esse alcance se daria através da emergência do imperativo constante de autocontrole como meio ativo de regulação
da vida social (9). Aqui a identificação dos bens culturais entraria como parte desse processo de criação de referências racionais e
autocontrole, como defesa da desordem.

O fato é que ainda não estão de todo identificadas o verdadeiro grau de desconstrução da identidade de homem moderno pela
influência da indústria cultural. Isso porque não se pode falar em um processo cultural homogêneo que permita abarcar todas as
diferenças sociais postas em comunidades e grupos marcados pela exclusão.

Conclusões

Fosse possível uma conclusão em torno de conceitos complexos, pode-se registrar que os fundamentos éticos e filosóficos, que
alicerçam a necessidade de preservação dos bens culturais, revelam-se na constante pesquisa do real interesse desses mesmos
bens ao processo de evolução cultural e civilizatório do ser humano.

A percepção, a memória, a linguagem, recolhidas na formação do conhecimento, dão gênese a um quadro racional de forma a
organizarmos e darmos sentido às significações manifestadas no comportamento humano individual e social. Tal rede de
significados deverá ter uma análise ética de molde a dar concreção ao conteúdo de patrimônio cultural.

Na fundamentação reflexiva do patrimônio cultural a ser reconhecido e tutelado, não se poderá abrir mão da reflexão em torno do
conceito de homem, cultura e natureza. Tal pesquisa dialógica fornecerá as bases para identificação concreta dos direitos
fundamentais em face do interesse, do valor e da criação da norma perante a preservação dos bens culturais. Assim, a busca
pelos mesmos conceitos fundamentais, como valor, lei, ética e moral, por exemplo, revelados como de uma mesma raiz, formarão
um caminho inevitável a ser percorrido, em face do necessário reconhecimento de uma racionalidade mais identificada possível
com as necessidades humanas, tanto no aspecto da valorização cultural como em relação ao respeito e conhecimento do mundo
natural.

De outro ponto, o chamado socioambientalismo revela-se como um movimento essencialmente brasileiro que se dirige à
identificação do patrimônio cultural e dos valores ambientais perante a análise do modo de vida das comunidades locais, grupos
com produção sociocultural diversificada.

Os bens socioambientais agregam os interesses culturais pertinentes à justiça social, à necessidade de inclusão, à eficácia
participativa e reconhecimento de culturas diferenciadas, instalando-se como direitos fundamentais coletivos que se sobrepõem
aos interesses individuais. O bem cultural instala-se, nesse aspecto, como sendo de interesse difuso, como uma espécie de bens
socioambientais, que vêm formar o patrimônio cultural brasileiro.

Conclui-se, também, que os fundamentos para reconhecimento e proteção dos bens culturais é que influenciarão a confecção da
prescrição normativa, revelada no interesse e no valor com que os bens de ordem material e imaterial (bens jurídicos) serão
inscritos num direito objetivo (ordem jurídica). Dessa forma, a validade do patrimônio cultural na modernidade e pós-modernidade,
entendidos aqui como períodos históricos determinados, deverá estar sempre assentado no valor de civilização, como testemunho
da história e da memória imprescindível à manutenção e evolução da racionalidade e da cultura humana.

Referências

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.

CAIRUS, Henrique. Quando o nómos não é a lei. In: Influência, Arte, Debates, Cultura, Direito, Oriente, São Paulo, Uninove, 2004.
ISBN: 85-89852-06-7. p. 20-22. Cultura oriental e América Latina: debate sobre influências do pensamento oriental na formação do
direito. São Paulo, nov. 2003, Workshop em 12.11.2003, Faculdade Uninove, Organização Carlos Eduardo de Abreu Boucault.

EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Águas no novo Código Civil (Lei 10.406/02). In: 7º Congresso Internacional de Direito
Ambiental - Direito, Águas e Vida, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003.

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HESSEN, Johannes. Filosofia dos valores. 5. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1980.

JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2006.

OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.

PASCAL, Blaise apud IDE, Pascal. A arte de pensar. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

SANTILLI, Juliana; SANTILLI, Márcio. Desenvolvimento socioambiental: uma opção brasileira. In: PÁDUA, José Augusto (Org.).
Desenvolvimento, justiça e meio ambiente. São Paulo: Peirópolis, 2009.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens culturais e sua proteção jurídica. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2005.

______. Apresentação. In: SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005.

TOLEDO, Plínio Fernandes. Uma interpretação filosófica do direito a partir da análise de sua forma objetiva na transição da
oralidade para a escritura. In: BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, José Rodrigo (Org.). Hermenêutica plural. São
Paulo: Martins Fontes, 2002.

VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia filosófica. v. 1. São Paulo: Loyola, 2004.

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 11. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.

Notas

(1)PASCAL, Blaise apud IDE, Pascal, 1995, p. VII: "O homem é apenas um caniço, o mais fraco da natureza; mas é um caniço
pensante".

(2)Vide, nesse aspecto, FIORILLO, 2003, p. 401-408.

(3)RAWLS, 2000, p. 437-438.

(4)Autores como Samuel P. Huntington defendem que "a política mundial está sendo reconfigurada seguindo linhas culturais e
civilizacionais. Nesse mundo, os conflitos mais abrangentes, importantes e perigosos não se darão entre classes sociais, ricos e
pobres, ou entre outros grupos definidos em termos econômicos, mas, sim, entre povos pertencentes a diferentes entidades
culturais. As guerras tribais e os conflitos étnicos irão ocorrer no seio das civilizações. Entretanto, a violência entre Estados e
grupos de civilizações diferentes carrega consigo o potencial para uma escalada na medida em que outros Estados e grupos
dessas civilizações acorrem em apoio a seus 'países afins'". (In: Choque de Civilizações. São Paulo: Objetiva, 2006. 456 p.)

(5)JAMESON, 2006, p. 27: "Em visita ao Brasil, para uma Conferência em 2011, Jameson lembrou que a política pós-moderna é
marcada pelas disputas territoriais. Dessa forma, a ecologia diz respeito a isso, como as guerras pelo petróleo, a cizânia árabe-
israelense, o Código Florestal no Brasil. As transformações contemporâneas convergiriam para um centro estrutural: as mudanças
do capitalismo. O crítico estadunidense lembrou nessa conferência que nos recentes protestos árabes que ocorreram em onda nos
países árabes, assistimos ao fenômeno das multidões instantâneas, interligadas pela tecnologia, anônimas, aparentemente
uniformes e fazendo revolução. Isso seria uma representação clara da política pós-moderna, ao lado da disputa territorial".

(6)EAGLETON, 1998, p. 7.

(7)OST, 1995, p. 10.

(8)BOURDIEU, 1989.

(9)ELIAS, 1990.

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