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AGOSTINHO: O PAPEL DA LINGUAGEM NA APROPRIAÇÃO DO

CONHECIMENTO COMO UMA TENTATIVA DE REORGANIZAÇÃO


SOCIAL DO IMPÉRIO ROMANO.

Luana Martins – RA 94326


Maikon Gomes – RA 85275
Márcia Fancelli – RA 92777
Oziel de Souza – RA 64595
Sheila Landuci – RA 95663

RESUMO
O presente artigo aborda o papel da linguagem na apropriação do conhecimento como uma
tentativa de reorganizar socialmente o império romano, em Agostinho, e tem por objetivo
contextualizar o conceito de linguagem, ainda expor o papel da palavra para a formação da
filosofia cristã e discorrer o papel da educação na reabilitação social do império romano. Esses
objetivos serão apresentados por meio de uma análise do diálogo com seu filho Adeodato
encontrado na sua obra De Magistro.

PALAVRAS-CHAVE: Agostinho. Magistro. Filosofia Cristã. Educação. Conhecimento.

INTRODUÇÃO

O século IV foi marcado por um período de declínio social do império romano,


dilacerado por disputas internas, corrupções generalizadas, ineficácia da escravidão,
favorecendo as invasões bárbaras e o paganismo. Esse período coloca a elite romana numa
situação de desconforto em relação a filosofia cristã e exige um resgate dos ideais cristãos,
Agostinho exerce papel fundamental no ato de injetar novos ânimos de fé para o
reestabelecimento social de Roma.

VIDA E OBRA

Aurélio Agostinho nasceu em 354 em Tagaste na Numídia, província romana no norte


da África, hoje localizado na Argélia, falecendo em 430, numa cidade aos arredores de Hipona.
Em sua infância recebeu orientações cristãs de sua mãe, Mônica, que o direcionou aos
estudos de retórica, tornando-se mestre na cidade de Cartago. No entanto em sua autobiografia
“Confissões”, escrita entre 397 e 401, encontramos relatos de uma juventude promíscua, e por
meio de um relacionamento com uma concubina, nasce Adeodato.
Aos dezenove anos, abandona os prazeres da carne sendo levado por Cícero a se entregar
aos prazeres da sabedoria. O deleite com a obra o leva aos ideais do maniqueísmo1. Porém se
sentia angustiado, pois não encontrava ali uma só referência ao nome de Cristo, figura
importante nas orientações maternas, que o apresentava como salvador (AGOSTINHO, 1980).
Em suas trajetórias, chega a Roma e se torna professor de retórica. Posteriormente em
Milão, conhece os sermões de Ambrósio, passando a admirá-lo pela forma como interpretava
as Escrituras. Em 386 converte-se ao cristianismo, e após um ano de recolhimento e meditação
é batizado, retorna à África dedicando-se a vida monástica e passa a produzir algumas de suas
principais obras, dentre elas: Confissões, Contra os Acadêmicos, Contra os Maniqueus, De
Magistro e Cidade de Deus, sua última obra.
Santo Agostinho foi o primeiro pensador que desenvolveu concepções de uma noção de
interioridade com prenúncio de subjetividade (neoplatonismo). Interioridade essa que leva a
mente humana ao intelecto divino, homem criado à imagem e semelhança de Deus, tentando
explicar o ponto de partida do conhecimento, abrindo caminho para a fé, como percebemos
nitidamente na obra De Magistro.

DE MAGISTRO

A obra trata da questão da linguagem, sua importância no papel do conhecimento.


Através da retórica Agostinho induz seu filho Adeodato a apropriar-se do conhecimento de sua
interioridade. Durante o processo Agostinho contextualiza o sentido da linguagem como ato de
aprender e ensinar, ainda expõe signo e significado, palavra e nome, mostrando a relevância de
tal compreensão para o discurso da filosofia cristã e deixa os apontamentos da importância da
educação para a reabilitação social do império romano através da razão e a fé.
O diálogo se dá numa ascendência proposital a fim de conduzir o filho ao ápice do
conhecimento. Seu diálogo conduz o infanto a entender que o verdadeiro conhecimento é inato,
não podendo ser apreendido inteiramente pela sensação ou experiência concreta, necessitando
de uma iluminação divina para se tornar concreto.
Em primeira instância, o diálogo gira em torno da linguagem humana que deve ter por
objetivo o ensinar e o aprender. Para tanto, Agostinho desenvolve a argumentação apontando
que a linguagem é expressa por palavras, e que esta, se dicotomiza nas finalidades, podendo ter
o propósito de ensinar ou suscitar recordações, se aproximando da filosofia platônica do

1
Religião de origem persa fundada por Mani no século III – visão dualista do mundo perpetuamente em luta
entre dois princípios equivalentes, o Bem e o Mal.
inatismo. O segundo propósito da palavra leva em consideração o homem buscando o
significado nas recordações dentro de si mesmo (considera o apóstolo Paulo ao dizer que a
santíssima Trindade2 habita interiormente o indivíduo). A crescença da conversa conduz o
jovem a entender que a palavra (sinal) precisa ter significado literal, ou seja, o homem mostra
o significado das palavras só pelas palavras, no entanto, Agostinho mostrará ainda que isso é
ilusão ao questionar a Adeodato se é possível mostrar alguma coisa sem o emprego de um sinal,
a conclusão é afirmativa, visto que pode se explicar o que é uma parede apontando para ela,
todavia essa resposta também é provisória, pois, no discurso ficará firmado que nem todo
apontamento suprirá o significado do sinal, um exemplo é apontar o cavalo para significar um
animal, entretanto nem todo animal é um cavalo, daí também o problema da literalidade das
palavras.
Os argumentos de Agostinho convergem para a seguinte proposta, a voz (palavra, nome)
fere o ouvido de modo a perceber, num processo onde a memória busca o conhecimento
interiorizado, atribuindo valor as coisas exteriorizadas.
Num jogo gramatical, Agostinho induz Adeodato a entender que o conhecimento das
coisas é mais importante do que os próprios sinais e que esse conhecimento só pode acontecer
num ato que chamaremos de iluminação divina, pois os homens possuem como que fagulhas
dessa divindade, pois dela se tornaram a própria moradia.
Todo esse jogo de palavras serviu para conduzir, como que por cercas, o pensamento do
jovem Adeodato a compreender que não se entende pelas palavras que repercutem
exteriormente, mas pela verdade que ensina interiormente, essa verdade é apresentada como
sendo Cristo, que por sua vez habita pela fé no interior de cada um, assim sendo,

No que diz respeito a todas as coisas que compreendemos, não consultamos a


voz de quem fala, a qual soa por fora, mas a verdade que dentro de nós preside
à própria mente, incitados talvez pelas palavras a consultá-la. Quem é
consultado ensina verdadeiramente, e este é Cristo, que habita, como foi dito,
no homem interior, isto é: a virtude incomutável de Deus e a sempiterna
Sabedoria, que toda alma racional consulta, mas que se revela a cada um
quanto é permitido pela sua própria boa ou má vontade (AGOSTINHO, 1980).

O discurso acima apresentado, objetiva construir um caminho para a filosofia cristã, que
diferente dos argumentos platônicos, aponta a origem do conhecimento não na reminiscência

2
I Coríntios 3. 16 – Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? —
Agostinho ainda considerou o apóstolo João que diz: No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com
Deus, e era Deus (João 1.1).
da alma, mas na iluminação recebida de Cristo, que por serem centelhas, carregam consigo a
imagem e semelhança dessa divindade.
Agostinho mostrou o caminho de uma fé racional pautado no discurso da linguagem
humana, que por sua vez se enche de sentido quando do alto recebe a iluminação para conhecer
cada signo, sinal, palavra e nome. A sutileza do filósofo mostra ao filho que o conhecimento
não depende apenas das palavras que ferem aos ouvidos, mas também da revelação interior que
advém de Deus. Nesse caso as palavras proporcionam a maneira correta de enxergar no seu
interior, e passam a servir como um estímulo, palavras consideradas por Adeodato ao ser
instigado por seu pai a resumir as impressões sobre todo o diálogo.
O discurso encontrado no diálogo De Magistro prepara o caminho para a defesa
encontrada em sua obra “A cidade de Deus”. Ali, considera a decadência do império, e a
contrapõe ao sentido sacro da cidade Roma, esse significado fora dado pela iluminação que
recebera da divindade em seu interior, ficando assim justificado a necessidade de por meio da
educação reabilitar socialmente o império. O teólogo considerou os bárbaros dotados da mesma
natureza humana, no entanto precisavam da educação para que a revelação divina fizesse
sentido e pudessem a representar as próprias virtudes romanas.
Nesse sentido, o pensador reaproveita o sentido de pólis empregado e discutido pelos
filósofos gregos como um designativo a própria Roma, e considera a necessidade de oportunizar
aos bárbaros a mesma iluminação que receberam os romanos. Danilo Marcondes (2007) deixa-
nos um importante relato, afirmando que:

A concepção de história de santo Agostinho e sua teoria da natureza humana


e da iluminação divina foram fundamentais para a consolidação da Igreja
nesse período e na Idade Média, dada sua importância e influência como
teólogo e filósofo. Permitiram, por exemplo, que a Igreja se preocupasse mais
em converter os bárbaros pagãos, afinal dotados da mesma natureza humana,
do que simplesmente combatê-los, já que não havia condições de derrota-los
pelas armas. Tornaram possível assim a cristianização da Europa ocidental
naquele momento de profundas mudanças.

Nesse discurso entende-se que a preocupação do filósofo Agostinho se voltava para a


reabilitação social de Roma. Dadas as circunstâncias de invasões bárbaras, um povo nômade,
sem o ideal de cidade-estado, Agostinho sentiu compungido a essa tarefa de formar a
mentalidade citadina nesse povo de cultura extremamente diferente daquela vivida pelo
império. Parece que a filosofia cristã de Agostinho não fincou raízes na glória, pois o império
decaído ficou, no entanto quando se ruma os olhos para os direcionamentos da filosofia que ele
apregoara, percebe-se um legado tão grande de alguém que com sua retórica sublevou os ideais
romanos não apenas a Roma, mas a grande maioria dos pagãos incivilizados.
A história apontará a dignidade e o sucesso desse santo ao relatar nos próximos mil anos
a história de uma ideologia cristã que se assenhoreou o mundo. Não deve ficar sem apontamento
que o cristianismo que se desenvolveu na idade média é resultado direto daquela filosofia cristã
defendida tão sabiamente por Agostinho, o santo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das considerações apresentadas, entende-se que a linguagem no processo da


apropriação do conhecimento é de especial importância, pois o ato de ensinar e aprender ocorre
mediante o uso correto das palavras, mas essas palavras só poderão informar para formar o
conhecimento quando receber do ser divino a iluminação necessária para que haja sentido
qualquer expressão. O simples pronunciamento de uma palavra, nada informaria se a mente não
buscasse na interiorização o sentido da palavra que é comunicada pela parte divina no homem
habitada. Nesse sentido para que haja uma sociedade equanimemente educada, é preciso que
haja a interação da comunicação do conhecimento divino à figura humana. Agostinho
desenvolve o pensamento para convencer os representantes da sociedade romana de que era
necessário, numa ação recíproca, educar para cristianizar.
Diante de um mestre de retórica, pode cair o império e até mesmo a “cidade de Deus”,
mas não seus ideais que dão origem a mais sacralizada das instituições, a igreja. Com isso
percebe-se a importância da linguagem na formação educativa de uma sociedade, sobretudo
para a reabilitação dos ideais sociais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGOSTINHO, Santo. Confissões. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

CAMARGO, Paulo Edyr Bueno. A proposta educacional de santo Agostinho (354-430)...


In. XI JORNADA DE ESTUDOS ANTIGOS E MEDIEVAIS. Maringá: 2012. Disponível
em: <http://www.ppe.uem.br/jeam/anais/2012/pdf/a-i/08.pdf>. Acesso em: 4 nov. 2015.

COSTA, Célio Juvenal (Org.). Fundamentos da Educação. Maringá: EDUEM, 2005.

FURTADO, Alex Campos. O De Magistro de santo Agostinho. In: ______. A metafísica da


linguagem no de Magistro de santo Agostinho. 2005. 77 f. Tese – Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: 2005. Disponível em:
<http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/6854/6854_2.PDF>. Acesso em: 4 nov. 2015.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein.
2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

MARCONDES, Danilo. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2. ed.


Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

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