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"Sociedade da Informação":

reestruturação capitalista e esfera pública global


César Ricardo Siqueira Bolaño
Universidade Federal de Sergipe

Se é verdade que o capitalismo passa hoje rania de outros Estados territoriais rivais. In-
por um processo de globalização inelutável, dubitavelmente, as transformações no nível
o Estado, enquanto garantidor das condições da base territorial dos Estados nacionais de-
gerais necessárias ao processo de desenvol- vem ser consideradas em detalhe na análise
vimento que o capital individual não tem do processo de globalização, tanto no que se
a capacidade de suprir, deveria estar pas- refere aos processos de fragmentação, como
sando por uma reestruturação simétrica. O nos de constituição de blocos de países. Mas
Estado produz as condições externas neces- tudo isso permanece nos marcos dos pro-
sárias para a acumulação e, para que ele cessos mais ou menos clássicos de reestru-
cumpra a contento essa função, deve garan- turação do espaço, não apontando necessa-
tir também a sua própria legitimidade, atra- riamente para a constituição de um Estado
vés de uma política social que atenda, de al- global, ainda que a reestruturação das rela-
guma forma, as necessidades das mais am- ções de hegemonia que está por trás da cri-
plas camadas da população. O interessante ação ou destruição de conglomerados políti-
da situação atual é que, na medida em que cos internacionais seja um dos elementos da
o Estado nacional se debilita frente ao capi- constituição do bloco histórico hegemônico
tal globalizado, e dado que isso se traduz em do Estado global em construção. As carac-
um alto grau de incapacidade de fazer frente terísticas da estrutura social e econômica do
à crise e inclusive de administrá-la, coloca-se Estado nacional de origem são também de-
a questão da possibilidade da construção de terminantes do poder de negociação de uma
algo parecido a um Estado global, capaz de classe ou fragmento de classe específicos no
garantir efetivamente a estabilidade do sis- interior do bloco hegemônico.
tema frente às tendências destrutivas da con- Seja como for, essa negociação deve le-
corrência entre os capitais individuais e en- var a compromissos institucionalizados e à
tre os Estados nacionais capitalistas (Bolaño, constituição de instâncias multinacionais de
1997a). regulação que vão formar a espinha dorsal
É claro que não se pode pensar em um Es- burocrática do Estado global: ONU, Banco
tado desse tipo como um Estado territorial Mundial, OCDE, OTAN, Parlamento Euro-
que funde sua soberania por oposição à sobe- peu, Conselho de Ministros, OMC, uma in-
2 César Ricardo Siqueira Bolaño

finidade de instituições mais ou menos po- bases, de algumas das velhas questões que o
derosas, mais ou menos abrangentes, fazem marxismo vulgar não conseguiu responder.
parte dessa extremamente complexa estru- O surgimento da Indústria Cultural, na vi-
tura do poder global na qual a grande corpo- rada do século XIX, está ligada ao que Har-
ração capitalista é o elemento predominante. bemas (1961) chama de "mudança estrutu-
Assim, de um ponto de vista sociológico, po- ral da esfera pública", ou seja, a esterilização
demos verificar o surgimento não apenas de das suas características críticas e da sua ca-
superburguesias nacionais globalizadas, com pacidade de ação política em favor de formas
uma interpenetração patrimonial crescente e manipulatórias (publicitárias e propagandís-
alianças estratégicas extremamente comple- ticas) de comunicação, como reação ao cará-
xas, mas também de uma classe média glo- ter potencialmente explosivo que vinha ad-
bal, constituída, antes de mais nada, pelos quirindo a partir do momento da transforma-
altos funcionários dessas corporações e pe- ção do Estado liberal em Estado democrático
los altos burocratas das instituições que com- de massa, eliminando as restrições que o pri-
põem o Estado global em gestação, incorpo- meiro impunha à participação das camadas
rando ainda uma infinidade de setores em- não proprietárias e não instruídas. Do meu
presariais, políticos, mafiosos e intelectuais, ponto de vista, o que vivemos hoje é uma
hierarquicamente inferiores. nova reestruturação da esfera pública, que
Na verdade, segmentos cada vez mais am- retoma o caráter excludente e crítico da es-
plos das chamadas classes médias passam a fera pública burguesa clássica, mantendo e
agir e raciocinar globalmente e a evolução aprofundando, para a maioria da população
dos setores de transporte e turismo estão aí mundial, o paradigma da cultura de massa e
para provar isso. No seio da própria classe do Estado nacional.
trabalhadora, o movimento se faz sentir, es- A internet é o exemplo mais importante
pecialmente no que se refere aos seus seg- dessa tendência. Brindada inicialmente
mentos mais instruídos ou mais organizados como uma estrutura revolucionária, não hie-
(para não entrarmos aqui na questão crucial rarquizada, de comunicação entre indivíduos
dos movimentos migratórios internacionais). livres e iguais, mostra-se claramente hoje
É claro que esse processo se dá justamente como um espaço formado por uma teia com-
num momento em que essa classe sofreu a plexa e extremamente assimétrica de ato-
maior derrota de toda a sua história, de modo res, onde a capacidade de comunicação e de
que avança, paralelamente, a exclusão social acesso à informação relevante depende jus-
e a miséria. Já tive a oportunidade de apon- tamente daqueles elementos que no passado
tar, não obstante (Bolaño, 1995), que a mu- garantiam o acesso à esfera pública liberal:
dança estrutural em curso altera profunda- poder econômico (propriedade), político e
mente o perfil do operariado, incorporando conhecimento, nessa ordem de importância
amplas camadas de trabalho intelectual e ex- (Bolaño, 1997b). A mudança profunda por
plicitando a necessidade de uma análise re- que passam hoje todos os sistemas de co-
novada da estrutura de classes que prevale- municação aponta não para um avanço da
cerá no século XXI e da retomada, em novas democracia, mas para a constituição de um
mundo em que o poder, cada vez mais con-

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centrado, torna viável uma "ação comuni- Marx pela antropologia e a importância da
cativa"crítica para determinadas parcelas da sua contribuição para essa ciência (Krader,
população mundial, ficando a imensa mai- 1974, 1983), freqüentemente subestimados,
oria excluída e iludida pela possibilidade deveriam ser um indicador da relevância de
de uma participação periódica em processos uma aproximação entre economia política e
eleitorais cada vez mais inócuos, inclusive estudos culturais.
no que se refere à política interna, já que Sem entrar diretamente nessa discussão,
o poder de decisão, mesmo nessa matéria, procurei, na prática, apontar uma possibili-
encontra-se em outra parte. dade nesse sentido, ao estudar o tema espe-
Do ponto de vista teórico, procurarei di- cífico da Indústria Cultural (Bolaño, 1997 c),
alogar com o referencial habermassiano da tratando de deixar claro que é possível to-
Teoria de Ação Comunicativa, propondo mar as diferentes teorias da comunicação e
como alternativa uma perspectiva, em fase o conjunto dos enfoques da chamada pós-
ainda inicial de formação 1 , mas que en- modernidade como teorias "burguesas"que,
contra respaldo na corrente crítica da Eco- presas ao mundo da circulação, onde vigora
nomia Política da Comunicação, no interior o fetiche da mercadoria e do dinheiro, não
da qual destacam-se os trabalhos de Gar- chegam a desvendar as leis gerais, a uni-
nham, Mosco, Miège, entre outros. Essa dade essencial que está por trás do caos apa-
perspectiva teórica tem sido muitas vezes rente. Realizar a crítica dessas teorias passa
apresentada como oposta àquela dos estudos por compreender o sentido metodológico da
culturais, apoiados muitas vezes em autores crítica da economia política e procurar, no
latino-americanos, como Canclini e Barbero, nosso caso específico, a articulação íntima
numa perspectiva de cunho basicamente an- que existe entre o trabalho cultural, no sen-
tropológico. No segundo caso, é central o tido que lhe dá a economia política da comu-
tema da mediação, enquanto que, no pri- nicação, e a ação de mediação realizada pela
meiro, o conceito básico é o de trabalho (cul- Indústria Cultural entre as instâncias sistêmi-
tural, intelectual, conceitual, artístico). cas (capital e Estado) 2 e o mundo da vida,
Minha própria contribuição (se é que se para usar as categorias de Habermas, que
pode falar assim) à economia política da co- discutirei em seguida.
municação vai no sentido de destacar o ca- Mas podemos ampliar essa discussão para
ráter mediador do trabalho intelectual, o que outro campo, o da educação, por exemplo,
remete, evidentemente, para a possibilidade como faz Neide Sobral Silva (1996), o que
de uma articulação entre os dois enfoques envolve uma dificuldade importante devida
citados, crucial, a meu ver, para o desen- ao fato de que, enquanto a Indústria Cul-
volvimento de uma perspectiva marxiana ri- tural funciona fundamentalmente segundo
gorosa de análise dos fenômenos culturais, 2
A atual aproximação entre essas duas lógicas,
sob o capitalismo. O interesse do próprio permitida pela mudança estrutural que o conjunto do
1 sistema capitalista vem sofrendo em nível global, e
Cujo resultado mais elaborado encontra-se na úl-
pelo predomínio da ideologia neoliberal nesse pro-
tima versão (Bolaño, 1997 c) da tese de doutoramento
apresentada em 1993 ao Instituto de Economia da cesso, é outro elemento complicador que precisa ser
Universidade Estadual de Campinas. considerado.

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uma lógica de consumo, a escola está mais dominação, do seu papel no conjunto da re-
próxima da questão do controle social, de produção social.
modo que a contradição capital-Estado ad- O livro, como o currículo, a TV ou o com-
quire contornos bastante diferenciados num putador, como os diferentes programas es-
caso e no outro. O sistema educacional em peciais gestados nas instâncias superiores do
seu conjunto é um amplo e extremamente hi- sistema, são elementos estruturantes funda-
erarquizado espaço de mediação, que inclui mentais de um espaço hierarquizado de me-
desde os professores primários até o Minis- diação cuja compreensão em todas as suas
tro da Educação e os burocratas do Minis- dimensões não pode prescindir da contribui-
tério, passando pelos professores universitá- ção de autores como Bourdieu, inclusive o
rios e pelos técnicos das secretarias de edu- seu conceito de "campo", e da apropriação
cação. Espaço construído historicamente, marxista, à la Poulantzas, por exemplo, de
serve fundamentalmente à reprodução ideo- Foucault. Nesta linha de argumentação, po-
lógica do sistema, mas articula também ele- demos discutir a questão da introdução das
mentos de resistência. novas tecnologias comunicacionais no pro-
Nesse contexto, podemos entender a ques- cesso educativo, demonstrando, em primeiro
tão do material didático (do livro ao com- lugar, o seu caráter marcadamente conserva-
putador), por exemplo, no interior do pro- dor, o que é fundamental para refutar o falso
cesso de permanente reafirmação das assi- otimismo com que esses desenvolvimentos
metrias e hierarquias que conformam o sis- vêm sendo recebidos, não só por defenso-
tema como uma estrutura complexa de po- res do neoliberalismo, como seria de se es-
der, de hegemonia e de resistência. Da cri- perar, mas também, de forma não totalmente
ação à utilização final, o material didático surpreendente, por autores que se declaram
percorre um longo caminho em que a hie- críticos. Mas não podemos por isso deixar
rarquização se revela, revelando-se também de notar as potencialidades liberadoras que
os graus de liberdade de cada nível e de as novas tecnologias trazem e que dependem
cada elemento específico. Isso mostra, por também dos graus de liberdade que o tra-
outro lado, que a função do material didá- balho de mediação dos educadores envolve,
tico e das tecnologias educacionais não é abrindo-lhes certas possibilidades de ação e
simplesmente apoiar o processo de ensino- de articulação com os movimentos sociais e
aprendizagem, mas fundamentalmente tam- as camadas populares.
bém enquadrar o trabalho do conjunto dos A discussão sobre a mediação nos permi-
participantes do processo em seus diferentes tirá ultrapassar tanto o determinismo quanto
níveis, ativando toda uma complexa cadeia o voluntarismo que constituem os pólos de
de micro-poderes que leva a que a domina- tensão entre os "dois marxismos"de que fala
ção se exerça não através de um programa ou Gouldner (1980) 3 . Apenas para ilustrar o
um objeto particular, mas no fluxo contínuo 3
Segundo Gouldner, a tensão entre voluntarismo
de programas e objetos ao longo das linhas e determinismo não constitui uma situação especial
hierárquicas cuja ativação garante as condi- apremiante do marxismo. De fato, só é a expressão
ções de reprodução da totalidade do sistema dentro deste de uma situação mais geral própria da te-
educacional e de efetivação da sua função de oria social, da sociologia acadêmica, não menos do

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ponto, podemos citar a conhecidíssima crí- articulação (Thompson, 1978, p.


tica de Thompson (1978) a Althusser, onde 97).
ao autor inglês procura devolver à histó-
ria a liberdade que lhe havia sido negada Esse movimento de mão dupla é chamado
pelo estruturalismo althusseriano, onde a vi- de "diálogo"ou "dialética"entre a história e a
são dos sujeitos como "suportes de estrutu- teoria (cf. Thompson, 1978, p. 54) que, para
ras"parecia expulsar da análise toda a "agên- o autor, só pode ser formulada nesse nível
cia"humana. Nesse sentido, Thompson en- de abstração, reduzindo a lógica imanente ao
tende como "a característica mais profunda que o autor chama de "lógica de processo"4 .
da dialética marxista", O mérito do trabalho de Thompson, está jus-
tamente na explicitação de noções tão impor-
a história como processo,
tantes como as de agência ou de experiên-
como acontecer inacabado e
cia 5 que, não sendo assimiláveis num nível
indeterminado - mas não por isso
4
destituído de lógica racional ou "O conceito de história como processo suscita
de pressões determinantes - nos imediatamente as questões da inteligibilidade e in-
tenção. Cada evento histórico é único. Mas muitos
quais as categorias são definidas
acontecimentos, amplamente separados no tempo e
em contextos próprios mas sofrem espaço, revelam, quando se estabelece relação entre
continuamente uma redefinição eles, regularidades de processo .... O materialismo
histórica, e cuja estrutura não é histórico, desde a época de Vico, vem buscando uma
pré-fornecida, mas protéica, mu- expressão que denote as uniformidades de costumes,
etc., as regularidades de formações sociais e as análi-
dando constantemente de forma e
ses não como necessidades sujeitas a leis, nem como
que do marxismo."(Gouldner, 1980, p. 49). O autor coincidências fortuitas, mas como pressões modela-
cita em seguida a seguinte passagem de Peter Berger e doras e diretivas, articulações indicativas das práti-
Stanley Pullberg: "as teorias sociológicas podem ser cas humanas. Já sugeri que a discussão avançará se
agrupadas em dois polos. O primeiro nos apresenta abandonarmos a noção de ’direito’ e a substituirmos
uma concepção da sociedade como uma rede de sig- pela de "lógica de processo’... A ’resultante’ histó-
nificados humanos e encarnações de atividades huma- rica não pode ser proveitosamente concebida como
nas. O segundo ... nos apresentou uma sociedade con- o produto involuntários da soma de uma infinidade
cebida como uma facticidade coisificada, que vigia de volições individuais mutuamente contraditórias ...
seus membros individuais com controles coercitivos Pois essas ’vontades individuais’, por mais ’particu-
e os molda em seus processos socializadores ... a pri- lares’ que sejam as suas ’condições de vida’, foram
meira concepção apresenta o homem como ser social condicionadas em termos de classes; e se a resultante
e a sociedade como sendo feita por ele, enquanto que histórica é então vista como a conseqüência de uma
a segunda coloca a sociedade como uma entidade que colisão de interesses e forças de classe contraditó-
está sobre e contra o homem, e mostrou a este como rios, podemos ver então como a agência humana dá
sendo feito por ela"(idem). Na seqüência, Gouldner origem a um resultado involuntário - ’o movimento
aponta que essa tensão está presente não apenas na econômico afirma-se finalmente como necessário’ - e
teoria social, mas também na filosofia moderna (onde como podemos dizer, ao mesmo tempo, que ’fazemos
cita a oposição entre existencialismo e estruturalismo) a nossa própria história’, e que a história se faz a si
e na teologia cristã, remetendo o dilema para a Gré- mesma’,"(Thompson, 1974, p. 978 a 101).
5
cia antiga, para concluir que "a tensão entre volunta- O conceito de experiência é crucial: ele "faz a
rismo e determinismo faz parte da estrutura profunda mediação entre ser social e consciência social, não
do pensamento ocidental. O marxismo não inventou como uma simples dialética, ou ponto de interação,
essa tensão nem a resolveu"(idem, p. 51). mas como a experiência de pressões, limites, e pos-

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muito elevado de abstração, como o de Marx rência entre capitais sobre as re-
no Capital, são não obstante imprescindíveis lações entre capital e trabalho no
para a análise histórica e para a construção movimento do modo capitalista de
da necessária ponte entre o abstrato e o con- produção’. Ou seja, se as leis in-
creto. O autor insiste, de um lado, na ques- ternas do capital somente se rea-
tão da liberdade na história e, de outro, na lizam através do permanente con-
necessidade de se entender a lógica de pro- fronto entre os distintos capitais,
cesso como algo distinto à lógica do capital a análise desta realização - que
exposta por Marx. É certo que, se esta última conforma o ’movimento real’ do
se impõe historicamente, isto não se dá se- modo de produção - deve ser reme-
não através de um processo de lutas, de avan- tida em primeira instância à con-
ços, de recuos, de resistências, que chega até corrência intercapitalista, e não às
mesmo a delimitar as possibilidades efetivas relações entre capital e trabalho
e o tipo de avanço capitalista num determi- (Mazzucchelli, 1985, p. 53).
nado momento histórico. Toda a dificuldade
reside na articulação entre essas duas lógi- Mas, se estas observações estão corre-
cas, articulação cuja necessidade Thompson, tas, não são menos verdadeiras, por exem-
na verdade, nega 6 . plo, as dificuldades apontadas por Hobsbawn
Assim, por exemplo, (1984) para a introdução do taylorismo na
Inglaterra, em função da resistência imposta
se a concorrência intercapita- pelos operários artífices que haviam cons-
lista ’põe em prática’ as leis in- truído, ao longo do século XIX, uma cul-
ternas do capital, é forçoso reco- tura de classe e uma organização sindical que
nhecer ’a dominância da concor- tornavam bastante efetiva aquela resistência.
sibilidades do ser social sobre a consciência social ... Isso explica em boa medida, segundo o au-
visto que o povo nunca se constituiu de fato em clas- tor, as peculiaridades do capitalismo inglês.7
ses, os meios pelos quais um modo de produção de- Toda dificuldade reside na articulação en-
termina a formação de classes (em qualquer grau) não tre a lógica interna do capital que, como re-
pode ser facilmente entendido sem referência a ’algo
lação social, já subsume o trabalho como
como uma experiência comum ...’ A determinação da
consciência social pelo ser social transparece no curso seu elemento dominado (o que evidencia o
da experiência e concomitantemente a inclinação, ou 7
O próprio Mazzucchelli aponta o problema com
propensão, a agir como classe"(Kaye, 1984, p. 206 e
correção: "a análise deve, de início, se centrar na in-
seg.).
6 trodução da maquinaria a partir da ’relação do capital
Na sua crítica ao cartesianismo althusseriano, o
com o trabalho vivo’, e só a partir dela. Mas, concre-
autor caba negando o próprio método de Marx n’O
tamente, a introdução da maquinaria é determinada
Capital, visto como uma "gigantesca incoerência",
pela concorrência intercapitalista, em particular pela
produto de "miscigenação teórica"entre o materia-
’lei de redução dos custos de produção’ com vistas à
lismo histórico e a economia política, de modo que
obtenção do lucro extraordinário, e não - diretamente
o que Marx teria feito no Capital e sobretudo nos
- pela relação do capital com o trabalho vivo. Trata-
Grundrisse seria uma anti-economia política, marcada
se, evidentemente, de dois planos teóricos distintos
por "formulações ’idealistas (até mesmo autorealiza-
que devem, entretanto, manter uma relação de uni-
doras, teleológicas) derivadas do procedimento abs-
dade."(idem, p. 47).
tracionista"(Thompson, 1978, p. 77).

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acerto da afirmação de Mazzucchelli), e o da A crítica de Habermas a Luckàcs é, na ver-


lógica do processo histórico, onde não ape- dade, o ponto de partida de sua análise da
nas as determinações provenientes da rela- recepção de Weber na tradição marxista (e
ção de capital, mas também as do Estado e de sua leitura weberiana do marxismo), que
todas aquelas decorrentes do fato de estar desemboca na discussão que o autor faz da
sendo considerado não um modo de produ- contribuição de Adorno e Horkheimer. O
ção puro, mas uma formação social especí- autor lembra que o processo de racionaliza-
fica, devem ser levadas em consideração8 . ção segundo Weber e as teses associadas de
Habermas pretende resolver a tensão ex- "perda de sentido"e "perda de liberdade"são
plicitada por Gouldner através da articula- traduzidas por Luckàcs como um processo
ção entre "sistema"e "mundo da vida". A de "coisificação"(Verdinglichung). Assim, a
proposta da Teoria da Ação Comunicativa é forma específica da objetividade no capita-
nada menos que constituir uma "nova teoria lismo, que pode ser descoberta através do
da sociedade", incorporando as mais varia- protótipo que é a estrutura da relação mer-
das contribuições dos clássicos da sociolo- cantil, fixa a forma como os indivíduos "con-
gia e da psicologia, de Marx a Durkheim, cebem categoricamente a natureza objetiva,
passando por Weber, Parsons, Mead e Pia- suas relações interpessoais e sua própria na-
get, para ficarmos apenas nos mais importan- tureza subjetiva", de modo que as relações
tes. Não tenho a pretensão de discutir aqui o sociais e as vivências pessoais são assimila-
conjunto dessa contribuição. Ao contrário, das a coisas, "a objetos que podemos perce-
limitar-me-ei a uma análise da TAC centrado ber e manipular".
no seu eixo "marxista", que parte de Lukács Luckàcs desenvolve seu conceito de coisi-
e passa pelos clássicos da teoria crítica9 . ficação a partir da análise de Marx da forma
8
mercadoria, considerado, por outro lado, coi-
Apenas para explicitar um único complicador, se
no nível da análise das funções, o elemento determi- sificação e racionalização como dois aspec-
nante da dinâmica, do ponto de vista da relação ma- tos de um mesmo processo, com o que "pode
terial típica do capitalismo, é, como explicitou Maz- desenvolver dois argumentos que se apóiam
zucchelli, a concorrência capitalista, uma vez que, na na análise de Weber e que, não obstante,
relação capital-trabalho, o segundo polo é subsumido
se dirigem contra suas consequências": por
pelo primeiro, o mesmo não ocorre quando considera-
mos a forma Estado das relações sociais capitalistas. um lado, o conceito de racionalidade for-
Neste caso, é antes de mais nada a luta de classes que mal é reinterpretado "no sentido de que a
imprime a dinâmica dos sistema. Essa complexidade forma mercadoria assume um caráter univer-
inerente à análise do processo histórico prova, por ou- sal, convertendo-se assim na forma de objeti-
tro lado, a necessidade da ampliação do referencial do
vidade simpliciter da sociedade capitalista"e,
materialismo histórico para além da consideração da
relação material específica do capitalismo. Sobre a por outro, o conceito de forma de objetivi-
relação forma/função e a teoria marxista do Estado, dade é reconduzido "ao contexto da teoria
inclusive a teoria da derivação, vide os dois capítu- do conhecimento, de onde subrepticiamente
los introdutórios (às partes I e II respectivamente) de
Bolaño (1993), eliminados da versão de 1997. Thompson e Held (1982) e Habermas (1984). Para
9 uma visão do conjunto da obra do autor, vide Mc-
Para a discussão da proposta teórica de Haber-
mas no seu trabalho de 1981, vide Bernstein (1988), Carthy (1987).

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havia sido tomado, para levar a cabo uma A crítica da razão instrumental de Adorno
crítica da coisificação da perspectiva filosó- e Horkheimer se propõe justamente, segundo
fica da crítica de Hegel a Kant", com o ob- o autor, a superar essa limitação de Luckàcs,
jetivo implícito de negar "a afirmação cen- fazendo a crítica da coisificação "sem assu-
tral de Weber de que a dissociação das es- mir as consequências de uma filosofia obje-
feras culturais de valor ... a unidade da ra- tivista da história"(idem, p. 465 e seg.). Sua
zão que a metafísica havia suposto ... não solução parte de uma generalização da cate-
pode ser reconstruída nem sequer dialetica- goria de coisificação, cujas raízes históricas
mente"(Habermas, 1981, vol. I, p. 453 e vão além da constituição da relação mercan-
seg.). til, para ancorar-se "nos próprios fundamen-
É nesse plano da crítica de Hegel a Kant tos antropológicos da história da espécie, na
que Luckàcs pretende "uma demonstração forma da existência de uma espécie que tem
de tipo filosófico das barreiras imanentes à que se reproduzir por meio de trabalho". As-
racionalização". É claro que a recepção de sim, a razão instrumental é concebida em ter-
Hegel por Luckàcs é feita pelo filtro da crí- mos de relações sujeito-objeto. Mas o domí-
tica de Marx, de modo que a reconciliação nio sobre a natureza inclui o domínio sobre
dos momentos dissociados da razão não se o homem, de modo que a razão instrumen-
dá no campo da filosofia, mas no da ação. tal transforma a "dominação da natureza in-
Mas Luckàcs comete, segundo Habermas, "o terna e externa"em "fim absoluto da vida",
erro decisivo, que certamente lhe vem suge- tornando-se "motor de uma auto afirmação
rido por Marx, de voltar a absorver na te- selvagem"(idem, p. 482 e seg.). Mas,
oria a conversão da filosofia em ’prática’ e a razão instrumental é uma razão ’subjetiva’
de representá-la como realização revolucio- também no sentido de que expressa as re-
nária da filosofia", redundando numa "volta lações entre sujeito e objeto da perspectiva
ao idealismo objetivo"(idem, p. 460 e seg.). do sujeito cognoscente e agente, mas não
Assim sendo, a versão luckàsiana da coisifi- da perspectiva do objeto percebido e mani-
cação seria "teoricamente questionável pela pulado. Daí que não ofereça nenhum meio
sua conexão afirmativa com o idealismo ob- de explicar o que significa a instrumentali-
jetivo de Hegel", além de, por outro lado, zação das relações sociais e intra-psíquicas,
ter sido desmentida historicamente, seja pelo vista da perspectiva da vida violentada e de-
fracasso da revolução soviética, que veio formada ... A crítica da razão instrumental,
confirmar o prognóstico de Weber de uma ao permanecer prisioneira das condições da
burocratização acelerada, ao mesmo tempo filosofia do sujeito ... carece de uma concei-
em que o terror estalinista confirmava "a crí- tuação suficientemente dúctil para referir-se
tica de Rosa de Luxemburgo à teoria da or- à integridade daquilo que diz destruído pela
ganização de Lenin e aos fundamentos que razão instrumental"(idem, p. 496 e seg.).
esta tinha na filosofia objetivista da história", É assim que, segundo Habermas, a teo-
seja pela capacidade de integração demons- ria crítica se coloca ante o paradoxo de, por
trada pelas sociedades capitalistas, capaci- um lado, prosseguir a grande tradição filo-
dade essa presente tanto no fascismo como sófica e, por outro, decretar o seu fim. A
na cultura de massas. conseqüência disso em Adorno é a "renún-

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cia às pretensões próprias da teoria: dialé- dente a um acordo, então a repro-


tica negativa e teoria estética não podem fa- dução da espécie exige também o
zer outra coisa senão ’remeter-se impoten- cumprimento das condições de ra-
tes uma à outra’". A conclusão de Haber- cionalidade imanentes à ação co-
mas é de que o fracasso do programa da pri- municativa (Habermas, 1981, vol.
meira teoria crítica se deve ao esgotamento I, p. 506).
do paradigma da filosofia da consciência, cu-
A idéia é que o processo de racionali-
jos limites Adorno e Horkheimer transbor-
dade em que as imagens religioso-metafísica
dam. O objetivo explícito do autor é reto-
do mundo vão perdendo sua credibilidade (e
mar a crítica da coisificação, abandonando
que culmina com a modernidade) faz com
esse paradigma e substituindo-o por "uma
que o conceito de autoconservação adquira
teoria da comunicação [que] permite retor-
uma orientação a um tempo universalista e
nar a uma empresa que no seu momento fi-
individualista, tendo que satisfazer as condi-
cou interrompida com a ’crítica da razão ins-
ções de racionalidade da ação comunicativa,
trumental’; essa mudança de paradigma per-
passando a depender assim das "operações
mite uma reposição das tarefas da teoria crí-
interpretativas dos sujeitos que coordenam
tica da sociedade"(idem, p. 493).
sua ação através de pretensões de validade
Em Adorno e Horkheimer, a integridade
suscetíveis de crítica". Assim, "a perspec-
é dada pela faculdade mimética que, na me-
tiva utópica de reconciliação e de liberdade
dida em que "apela espera à conceituação das
está baseada nas próprias condições de soci-
relações sujeito-objeto definidas em termos
alização comunicativa dos indivíduos, está já
cognitivo-instrumentais", deve ser conside-
inserida no mecanismo linguístico de repro-
rada "como genuinamente contrária à razão,
dução da espécie"(idem, p. 506 e seg.). Mas,
como impulso". Segundo Habermas, o nú-
por outro lado,
cleo racional dessas operações miméticas só
pode ser esclarecido abandonando-se o para- a integração dos membros da
digma da filosofia da consciência em favor sociedade que se efetua através de
do paradigma da "filosofia da linguagem, do processos de entendimento encon-
entendimento intersubjetivo ou comunica- tra seus limites não somente na vi-
ção", de modo a inserir o aspecto cognitivo- olência dos interesses em pugna
instrumental "no conceito mais amplo de ra- mas também na pressão que exer-
cionalidade comunicativa"(idem, p. 497). A cem os imperativos da autocon-
seguinte assertiva resume o ponto de partida servação do sistema, os quais de-
de Habermas: senvolvem objetivamente seu po-
der penetrando através das orien-
se partimos de que a espécie tações de ação dos atores afeta-
humana se mantém através das dos. A problemática da coisifica-
atividades socialmente coordena- ção não resulta então tanto de uma
das de seus membros e de que esta racionalidade dirigida a fins abso-
coordenação tem que se estabele- lutizada a serviço da autoconser-
cer por meio da comunicação ten- vação de uma razão instrumental

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10 César Ricardo Siqueira Bolaño

convertida em selvagem, como de de interpretação transmitidos culturalmente


que a razão funcionalista da au- e organizados linguisticamente"(Habermas,
toconservação sistêmica, quando 1981, vol. 2, p. 172), "um a priori social ins-
fica abandonada a seu próprio mo- crito na intersubjetividade do entendimento
vimento, passa por cima da pre- lingüístico"(idem, p. 186).
tensão de razão radicada na soci- Mas a Lebenswelt não se resume ao "saber
abilidade comunicativa. (idem, p. de fundo transmitido culturalmente", senão
507 e seg.). que inclui também o "saber intuitivo", que
permite aos indivíduos fazer frente a situa-
Chegamos aqui ao núcleo da alternativa ções determinadas, e a "práticas socialmente
proposta por Habermas e ao aspecto mais in- arraigadas"(idem, p. 190). O mundo da vida
teressante de sua contribuição. Como acabei seria, assim, formado por três componentes
de apontar, a solução do autor para o impasse estruturais, relacionados a três processos de
a que chegou a teoria crítica radica na subs- reprodução. McCarthy resume o ponto com
tituição do paradigma da filosofia da cons- precisão:
ciência pelo da ação comunicativa, de modo
a tornar possível uma articulação entre teo- assim pois, aos diferentes com-
ria da ação e teoria dos sistemas, articulação ponentes estruturais do mundo da
que teria como objetivo fornecer uma alter- vida (cultura, sociedade, perso-
nativa ao conceito teleológico de ação da dia- nalidade) correspondem processos
lética idealista. Com isso seria possível fugir de reprodução (reprodução cultu-
da armadilha hegeliana a que Luckàs estaria ral, integração social, socializa-
preso, sem cair no beco sem saída do pessi- ção), aspectos que estão enraiza-
mismo frankfurtiano. dos nos componentes estruturais
Habermas pretende resolver o dilema atra- dos atos de fala (proposicional,
vés de uma articulação entre os dois concei- ilocucionário, expressivo). Essas
tos opostos e complementares de "sistema"e correspondências estruturais per-
de "mundo da vida"(Lebenswelt), partindo, mitem à ação comunicativa cum-
com Durkheim, das mudanças nas bases da prir suas diferentes funções e ser-
integração social assentada em práticas ritu- vir como meio adequado para a
ais que constituem o núcleo da integração reprodução simbólica do mundo
social nas sociedades primitivas. Habermas da vida. Quando essas funções
fala de um processo de racionalização social sofrem interferências, produzem-
(de "linguistização do sacro") em que a for- se perturbações no processo de
mação do consenso depende cada vez mais reprodução e os correspondentes
da ação comunicativa que passa, assim, a fenômenos de crise: perda de sen-
incorporar as funções sociais originalmente tido, perda de legitimação, con-
cumpridas pela prática ritual e pelo simbo- fusão de orientações, alienação,
lismo religioso. Nesse processo formam-se psicopatologias, rupturas da tra-
as estruturas de um mundo da vida liberto do
mito, definido como "um acervo de padrões

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Sociedade da Informação 11

dição, perda de motivação (Mc- não apenas se desliga das estruturas sociais
Carthy, 1987 , p. 466).10 do mundo da vida, mas que chega a impor-se
sobre este em função dos imperativos indis-
Habermas pensa numa dinâmica evolu- pensáveis a uma coesão social cada vez me-
tiva em que as sucessivas coações impos- nos ligada ao consenso normativo comuni-
tas pela necessidade de reprodução material cativamente produzido. Há nesse ponto uma
da Lebenswelt vão progressivamente consti- inflexão da tendência que permitiu a supera-
tuindo mecanismos automáticos de coorde- ção das imagens míticas do mundo fazendo
nação que não dependem de uma ação co- com que o consenso de base religiosa fosse
municativa voltada ao entendimento e que substituído por processos linguísticos de for-
se impõem como imperativos sistêmicos que mação do consenso.
se, por um lado, facilitam a articulação de Com o capitalismo, há um processo con-
respostas aos problemas impostos pela re- trário de deslinguistização, com a constru-
produção material no mundo da vida pro- ção de meios de controle independizados do
vocam, por outro, um desacoplamento pro- processo de formação do consenso através da
gressivo entre as formas de interação social ação comunicativa dirigida ao entendimento.
características deste e as formas de integra- Na verdade, não se trata propriamente de
ção sistêmica. Este processo tem, segundo uma mudança de sentido, já que as duas ten-
o autor, dois momentos decisivos: primeiro, dências são constitutivas do processo de ra-
a passagem das sociedades primitivas às so- cionalização que é a base da teoria haber-
ciedades tradicionais estatalmente organiza- massiana da evolução social e de sua pro-
das, quando o poder de Estado "se diferencia posta de "reconstrução do materialismo his-
das imagens religiosas do mundo que legiti- tórico"(vide Habermas, 1976). O que ocorre
mam a dominação"e, segundo, o surgimento com o capitalismo, a primeira das socieda-
das sociedades modernas, onde "os subsis- des modernas, é que a progressiva separação
temas economia e administração estatal, es- entre ação orientada ao êxito (base da inte-
pecializados, ... se diferenciam daqueles de gração sistêmica) e a ação orientada ao en-
ação que cumprem primariamente tarefas de tendimento (base da integração social) se es-
reprodução cultural, de integração social e tabelece em termos de uma colonização da
de socialização"(Habermas, 1981, vol. 2, p. Lebenswelt pelo sistema, pela predominân-
238 e seg.). cia dos meios de comunicação deslinguisti-
No curso da evolução social há não ape- zados que substituem a necessidade do en-
nas um progressivo distanciamento entre Le- tendimento através da ação comunicativa por
benswelt e sistema e uma diferenciação es- uma forma de interação que não exige dos
trutural no interior da primeira, mas também sujeitos mais do que um sim ou um não di-
uma diferenciação e especialização no inte- ante das pretensões de validade suscetíveis
rior do sistema que se transforma, por sua de crítica, como exemplificam os sistemas
vez, em uma segunda natureza, ou seja, que eleitorais das democracias modernas.
10
Versão em castelhano que amplia a versão origi- Mas a solução final de Habermas redunda
nal em inglês de 1978, incluindo um epílogo sobre a num funcionalismo de tipo parsoniano, cujo
"Teoria da Ação Comunicativa". simplismo pode ser devidamente medido

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12 César Ricardo Siqueira Bolaño

pela leitura do quadro apresentado na página plexos de cooperação e, por ou-


454 do segundo volume da "Teoria da Ação tro, como redimento abstrato para
Comunicativa"(Habermas, 1981), onde toda um processo de trabalho formal-
a complexidade das relações entre sistema e mente organizado com vistas à re-
mundo da vida se vê transformada em dois alização do capital. Nesse sen-
fluxos circulares em que a esfera da vida pri- tido, a força de trabalho que os
vada se liga ao sistema econômico por inter- produtores alienam constitui uma
mediação do dinheiro e a esfera da opinião categoria em que os imperativos
pública, ao sistema administrativo por meio de integração sistêmica se encon-
do poder. Na verdade, toda a sua engenhosa tram com os imperativos da in-
solução parte do reconhecimento de que uma tegração social: como ação per-
outra, teoricamente mais consistente, como a tence ao mundo da vida dos produ-
de Marx, já não seria possível. tores, como rendimento, ao plexo
A superioridade da análise marxiana, se- funcional da empresa capitalista e
gundo Habermas, reside justamente na ca- do sistema econômico em seu con-
pacidade de Marx em articular, através de junto (idem, p. 473).
um mesmo princípio, as duas formas de in-
Assim, a inerência da força de trabalho ao
tegração (social e sistêmica) a que se refere
sujeito, que a diferencia de todas as outras
quando propõe a análise da relação entre sis-
mercadorias, implica em que "no trabalho
tema e mundo da vida:
assalariado estão indissoluvelmnete mescla-
Com a análise do duplo ca- das as categorias de ’ação’ e ’ função, de in-
ráter da mercadoria Marx obtém tegração social e de integração sistêmica". É
os pressupostos fundamentais da a partir daí que, para o autor, Marx pode ex-
teoria do valor que lhe permitem plicar o processo de abstração real e de coi-
descrever o processo de desenvol- sificação da força de trabalho:
vimento das sociedades capitalis- a esta força de trabalho mo-
tas, da perspectiva econômica do netarizada, de que o empresário
observador, como um processo de se apropria como uma mercado-
(autovalorização ou) autorrealiza- ria estranha ao contexto da vida
ção do capital submetido a cri- do produtor, Marx chama de ’tra-
ses cíclicas; e simultaneamente, da balho abstrato’... A análise do du-
perspectiva histórica dos afetados plo caráter da mercadoria força
(ou do participante virtual) como de trabalho esquadrinha passo a
uma interação entre classes soci- passo as operações neutralizado-
ais prenhe de conflitos (Habermas, ras pelas quais se constitui esse
1981, vol. 2, p. 472). trabalho abstrato posto à disposi-
Ou, mais adiante: ção de imperativos sistêmicos que
se tornam indiferentes ao mundo
a força de trabalho se con- da vida (Habermas, 1981, vol 2, p.
some, por um lado, em ações e em 474).

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Sociedade da Informação 13

Para o autor, a superioridade de Marx em Na verdade, a solução de Marx tem uma


relação à economia política clássica se deve vantagem decisiva em relação àquela do pró-
justamente a essa capacidade de encarar, a prio Habermas: a de chegar à referida arti-
um tempo, a integração sistêmica e a inte- culação que este último pretende sem a ne-
gração social. O erro dos economistas clás- cessidade de lançar mão de idealizações do
sicos teria sido justamente o de não perce- tipo "situação ideal de fala", "discurso racio-
ber a contradição entre esses dois princípios, nal", "comunicação sistematicamente distor-
procurando mostrar os imperativos sistêmi- cida", "formação de vontade isenta de co-
cos como harmônicos com as "normas fun- ação"(que até o habermassiano McCarthy -
damentais de uma comunidade que garante a 1987, p. 434 e seg. - crítica), conceitos que
liberdade e a justiça"11 . servem basicamente para a construção de um
11
tipo ideal que permita isolar as contradições
A contribuição de Marx pode então ser assim
vista: "na forma de uma crítica da economia política, inerentes à própria Lebenswelt (contradições
Marx destruiu essa ilusão prenhe de conseqüências cuja existência, diga-se, o autor em princí-
práticas. Mostrou que as leis da produção capitalista pio não nega), com o objetivo de construir
de mercadorias têm a função latente de manter uma aquele regime de dicotomias (entendimento-
estrutura de classes que desmente os ideais burgueses.
sucesso, sociedade crítica-Estado) cuja raiz
O mundo da vida das camadas proprietárias do capi-
talismo, que se autointerpreta no direito natural racio- kantiana Sfez (1988), entre outros, denuncia
nal e nos ideais da cultura burguesa em geral, se con- e que lhe permitirá reduzir todas as contradi-
verte, em Marx, numa superestrutura sócio-cultural. ções ao binômio durkheiminiano integração
Com a imagem da base e da superestrutura Marx dá social-integração sistêmica. Com isso, o au-
também expressão à exigência metodológica de tro-
tor não faz senão trocar a utopia socialista de
car a perspectiva interna do mundo da vida por uma
perspectiva externa a partir da qual possam ser apre- Marx 12 como veremos adiante, pela utopia
endidos, a tergo, os imperativos sistêmicos da eco- de uma ação comunicativa isenta de coações
nomia autonomizada que operam sobre o mundo da externas 13 , o que lhe permite substituir, na
vida burguês."(Habermas, 1981, p. 262). Assim, "a análise da coisificação, a teoria da consciên-
crítica marxista da sociedade burguesa parte das re-
lações de produção porque aceita a racionalização do sequer a religião está tão diferenciada das institui-
mundo da vida, mas trata de explicar as deformações ções de parentesco que possa ser caracterizada como
desse mundo da vida racionalizado a partir das con- super-estrutura. Nas sociedades tradicionais as rela-
dições de sua reprodução material."(ide, p. 210) É ções de produção estão encarnadas na ordem política,
interessante esclarecer que Aberramos adota a metá- enquanto que as imagens religiosas do mundo desem-
fora da base e da superestrutura, entendendo a base penham funções ideológicas. Só com o capitalismo,
como "o complexo institucional que ancora no mundo onde o mercado cumpre também a função de estabili-
da vida o mecanismo sistêmico que se faz em cada zar relações de classe, adotam as relações de produção
caso com o primado evolutivo e com isso circunscreve forma econômica"(idem, p. 238).
as possibilidades de aumento da complexibilidade em 12
que tem, de fato, um papel na articulação da sua
uma determinada formação social"(Habermas, 1981, teoria (cf. Fausto, 1983, cap. 1 e apêndice 1), como
vol. 1, p. 237) e interpretando a metáfora., como veremos mais adiante.
Kautsky, "na perspectiva de uma teoria da evolução 13
que também cumpre um papel de articulação da
social"(cf. Habermas, 1976). Assim, nas sociedades teoria (cf. Mc. Carthy, 1987, p. 333 a 337)
primitivas, "é o sistema de parentesco que assume o
papel de relações de produção. A sociedade consta de
base e super-estrutura num só compartimento: nem

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14 César Ricardo Siqueira Bolaño

cia de Lukács pela problemática análise das da própria Lebenswelt, de modo que o pro-
patologias da comunicação 14 . cesso de "colonização"envolve negociação,
Esse anti-clímax da Teoria da Ação Co- dominação, dependência, hegemonia. Assim
municativa está ligado intrinsecamente à sendo, a tensão determinismo-voluntarismo
idéia de que a felicidade da teoria marxiana, pode ser resolvida em termos puramente
na articulação entre os elementos de deter- marxianos, ao localizarmos precisamente o
minação e de liberdade histórica, dever-se-ia trabalho cultural como aquele elemento que,
à especificidade da mercadoria força de tra- como no caso de trabalho em Marx, sem
balho, situada exatamente no ponto de inter- deixar de fazer parte do mundo da vida,
secção entre sistema e mundo da vida. Mas transforma-se naquela mercadoria especial
essa especificidade do objeto de Marx não se (força-de-trabalho), produtora da mais-valia
repetiria em outros casos de modo que, po- que garante a reprodução ampliada do sis-
demos deduzir, o método marxiano não seria tema.
generalizável. No caso da mercadoria força de traba-
Ora, a Indústria Cultural, como tive a lho, analisada por Marx, sabemos o signifi-
oportunidade de mostrar (Bolaño, 1997c) cado disso: a classe trabalhadora, ao mesmo
pode ser tomada justamente como elemento tempo em que participa do processo de pro-
de mediação entre mundo da vida e sistema, dução e reprodução do capital, pela sua pró-
se observarmos que ela própria é capital que pria posição na estrutura produtiva, torna-se
subsume, no sentido marxiano, um tipo es- uma força revolucionária, podendo transfor-
pecial de trabalho, o trabalho cultural, ne- mar a cooperação capitalista em cooperação
cessário para a realização da sua função me- a seu próprio favor e do conjunto das ca-
diadora entre as necessidades de reprodução madas subalternas, interessadas na supera-
ideológica e de acumulação do capital, de ção do capitalismo e na construção de uma
um lado e, de outro, de reprodução simbólica sociedade mais justa. No que se refere ao
14
trabalho cultural, há três questões que de-
Na verdade o autor abandona o referencial mar-
xista (e o nível de abstração que ele envolve) em fa- vem ser consideradas: em primeiro lugar,
vor de uma solução calcada em Parsons, acabando como toda a economia política da comuni-
por limitar-se a um modelo analítico funcionalista ex- cação mostra, a subsunção do trabalho cul-
tremamente simplificador, incorporando inclusive, no tural no capital é difícil, o que lhe confere
quadro da p. 454 do segundo volume da TAC (que
um grau de liberdade, diferenciado evidente-
o autor utiliza para discutir, na seqüência das críticas
que faz a Marx - p. 479 e seg. -, a problemática da mente por categoria, mas em todo caso maior
pacificação do conflito de classes no capitalismo tar- do que aquele atribuído ao trabalho manual
dio), o modelo de fluxo circular dos economistas ne- a partir da Revolução Industrial, ainda que
oclássicos, cujas limitações são sobejamente conhe- a tendência atual vá justamente no sentido
cidas. Mesmo que, a partir daí, o autor desenvolva
do apagamento dessa diferença. Em segundo
uma série de considerações das mais sensatas sobre o
Welfare State, em nenhum momento apresenta qual- lugar, o trabalho cultural é um trabalho de
quer evidência da superioridade do seu esquema ana- mediação simbólica e é precisamente esse
lítico em relação à teoria marxista e, mais, em nenhum fato que dá relevância à questão com a qual
momento trata de problemas que já não tenham sido nos ocupamos aqui. Finalmente, em dois ar-
abordados pelos teóricos marxistas do Estado.
tigos recentes (Bolaño 1995 e 1997 b) pro-

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Sociedade da Informação 15

curei ampliar o alcance dessa discussão, no mente hierarquizada e assimétrica 15 que es-
sentido de considerar o conjunto do trabalho teriliza em grande medida o seu potencial
intelectual, apontando, como a característica crítico. Na realidade, ocorre algo semelhante
central da terceira revolução industrial, os ao que foi dito acima sobre o sistema de en-
processos convergentes de subsunção do tra- sino: a criação de uma estrutura complexa
balho intelectual e de intelectualização geral de poder e hegemonia, destinada a enquadrar
dos processos de trabalho, que explicam, a o trabalho de cada um dos participantes, de
meu ver, amplamente a essência da atual re- modo a reproduzir constantemente as hierar-
estruturação do capitalismo. quias e as estruturas de dominação.
A generalização do conceito de trabalho O sentido último desse movimento, que
intelectual e de suas especificidades na atual não se limita ao que ocorre com a internet
etapa de transformações por que passa o sis- mas engloba todo o amplo processo de in-
tema capitalista em nível global (Bolaño, formatização geral das sociedades capitalis-
1995) pode ser útil para a compreensão da tas nesta virada de século, incluindo e articu-
problemática da ideologia na sua totalidade lando as lógicas de reestruturação do Estado
e, de modo muito especial, no debate sobre e do capital e seus amplo impactos sobre o
a introdução das novas tecnologias da comu- mundo da vida, é a reconstrução das bases
nicação e da informação nos diferentes pro- da expansão capitalista através da exploração
cessos sociais (na produção, na circulação, do trabalho intelectual, burocrático, de coor-
na organização das empresas capitalistas e denação. O desenvolvimento capitalista no
do Estado, nas relações inter-empresas, nas século XXI, se não for bloqueado por fatores
relações inter-pessoais), inclusive no pro- que não cabe aqui analisar, ocorrerá sobre a
cesso educativo, terreno onde avança hoje base da exploração das energias mentais de
de forma assustadora a ideologia neoliberal uma classe trabalhadora renovada pela pró-
e suas aparentadas. É esse processo que for- pria crise em que estamos metidos (Bolaño,
nece os elementos concretos para a implan- 1995). Este é o outro lado da moeda, o ele-
tação da ideologia da "sociedade da informa- mento de inclusão da atual reestruturação do
ção". sistema que Kurz (1991) não consegue per-
Podemos retomar agora rapidamente a ceber, não conseguindo, em consequência,
questão da educação posta bem acima e uti- equacionar, nem sequer minimamente, a pro-
lizar a chave interpretativa lá avançada para blemática do "elemento subjetivo", perma-
entender o cerne da questão que nos inte- necendo seu enfoque totalmente restrito ao
ressa. Com isso poderemos explicar o ver- pólo determinista da oposição entre os dois
dadeiro sentido daquilo que Lévy (1994) marxismos acima citada.
chama de "inteligência coletiva". A expan- Se a revolução tecnológica, marca perma-
são das redes telemáticas em nível mun- nente do desenvolvimento capitalista, traz
dial está de fato constituindo um ciberes- sempre inegáveis possibilidades liberadoras,
paço no qual a esfera pública global se arti- como observou Marx com clareza em "O Ca-
cula, abrindo possibilidades de ação criadora 15
além do fato óbvio já apontado do seu caráter res-
que, no entanto, são bloqueadas pelo próprio trito a uma parcela limitada da população mundial.
sistema, construído como uma teia extrema-

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16 César Ricardo Siqueira Bolaño

pital", não é menos verdade que essas mes- a invasão de todas as esferas de vida pela
mas possibilidades são negadas na prática lógica do capital, essa perspectiva teórica é
pela própria forma fetichista que a introdu- a única capaz de dar conta do problema em
ção do progresso técnico adquire nas condi- toda a sua extensão.
ções históricas em que prevalece a produção Não é possível neste texto analisar o tra-
capitalista. Cabe aos interessados organizar- balho de Kurz. O quadro de referência para
se politicamente para influenciar a trajetória uma avaliação crítica da sua contribuição, de
das mudanças a seu favor, lutando, por exem- qualquer forma, está explicitado de forma
plo, pela redução da jornada de trabalho e, bastante clara, assim espero, acima. No que
com isto, a socialização dos ganhos de pro- segue, vou procurar discutir o livro citado de
dutividade ou para a socialização do acesso Lévy, cujo objeto está mais próximo daquele
às redes telemáticas, a favor da maior auto- que nos ocupa neste momento. Antes, devo
nomia possível da sociedade civil na sua uti- dizer, como já deve ter ficado muito claro
lização. para o leitor, que a solução aqui adotada para
Nesse sentido, o papel do trabalho inte- o problema das relações entre determinações
lectual é absolutamente crucial pois, ainda estruturais e liberdade histórica é muito mais
sendo ele trabalho humano em geral, a sua próxima da do paradigma da coisificação de
especificidade dificulta uma subordinação Lukács do que daquela das patologias da co-
total e completa aos ditames da produção municação de Habermas. Não é em Lukács,
mercantil, muito embora o movimento con- entretanto, que me inspiro em minha pro-
creto esteja apontando hoje justamente nessa posta de recuperação do referencial de Marx
direção. Mas a sua especificidade não é outra para a compreensão da atual reestruturação
coisa senão o seu caráter de elemento neces- capitalista e da centralidade que nela adqui-
sário ao processo de mediação que, dirigido rem as tecnologias da informação e da co-
fundamentalmente para a legitimação das re- municação. Prefiro, neste ponto, citar Rui
lações sociais capitalistas, abre possibilida- Fausto mais uma vez.
des de resistência e de ação libertadora. Nem Falando sobre o destino da antropolo-
a utopia tecnológica de Lévy, nem o determi- gia em Marx, Fausto aponta que as no-
nismo apocalíptico de Kurz podem dar conta ções de "homem"e de "essência humana",
desta contradição. na sua obra de juventude, "além de fun-
Ao contrário, uma perspectiva teórica cionar como fundamento teórico da crí-
como a aqui proposta, que restitui a centra- tica da economia (a rigor, fundamento de
lidade do conceito de trabalho, ao mesmo um fundamento, a noção de trabalho alie-
tempo em que incorpora, no cerne mesmo nado’)"representam "uma espécie de ’funda-
da definição da categoria fundamental, a pro- mento prático’ da política"(Fausto, 1983, p.
blemática da mediação cultural, apontando 227). No caso específico dos Manuscritos
para a possibilidade de integração entre os Econômico-Filosóficos, há "dois fundamen-
referenciais da crítica da economia política tos práticos, ou um fundamento prático que
e de uma antropologia marxista, com vistas se manifesta em dois níveis de consciência,
à compreensão do fenômeno atual de consti- o do Sujeito (o filosófico crítico) e do objeto
tuição de uma cultura global capitalista, com (isto é, o dos sujeitos ’históricos’)"(idem, p.

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Sociedade da Informação 17

228) 16 . Isto muda na obra da maturidade Rui Fausto explica da seguinte forma as
de Marx: "à dupla transcendentalidade prá- relações entre os discursos histórico e polí-
tica na obra da juventude corresponde, na tico e a teoria d’O Capital : 17
obra madura, uma dualidade não mais trans-
cendental, a que distingue a consciência real Para o discurso histórico-
do proletariado da consciência revolucioná- político definimos dois pontos que
ria do Sujeito (teórico-dirigente revolucioná- são as suas referências extremas:
rio, ou partido)"(idem, p. 228 e seg.). Agora um solo histórico que tem como um
já não há "ação revolucionária sem interven- de seus níveis a consciência atual
ção do sujeito", como nos Manuscritos, e do proletariado; um horizonte re-
presentado pelo objetivo último, o
a idéia de uma sociedade hu- socialismo. Esses dois pontos que,
manizada, a qual se abria para na obra política se dispõem ­
um discurso plenamente tematizá- diríamos ­ horizontalmente,
vel embora descrevesse uma si- vão-se refletir verticalmente em O
tuação pós-histórica (essa dupla Capital. O primeiro desses pon-
característica correspondia à sua tos se reflete, fora do espaço pro-
função de fundamento) passa a ser priamente lógico, nos textos em
um horizonte. É a antevisão neces- que Marx descreve a experiência
sariamente marginal da "humani- do proletariado (...) Mas se o pri-
dade humana"(...). A essa trans- meiro limite do discurso político se
formação do fundamento subjetivo reflete fora do espaço lógico, o se-
em horizonte ­ lugar por ex- gundo, o horizonte do socialismo,
celência da "antropologia"na obra se reflete no horizonte de signifi-
madura ­ corresponde a cação (verticalmente, como o solo
emergência de dois discursos, au- primeiro, mas não fundante de sig-
sentes até aqui, o discurso his- nificações). De fato, a leitura que
tórico e o discurso estratégico. Marx faz do capitalismo é uma re-
(idem, p. 229). constituição de suas leis sobre o
fundo de um universo de referência
16
Assim, "o filósofo pensa e tematiza um homem
17
humano que, conforme o terceiro manuscrito, só seria O autor exprime assim a diferença entre o dis-
produzido num futuro longínquo. A consciência do curso lógico e o discurso histórico no marxismo: "De
filósofo está ’ inclinada’ para este futuro e dessa pers- fato, de um duplo ponto de vista, o princípio da teo-
pectiva ­ que é a do socialismo (humanismo) -, ria de O Capital não é a memória mas a antimemó-
ele critica a prática do futuro imediato, cujo princípio ria: objetivamente, pois, para compreender as leis do
motor é o comunismo. Pelo seu caráter intencional- sistema capitalista é necessário separar a sua articu-
mente ’utópico’, entretanto essa crítica não se propõe lação lógica da sua gênese; subjetivamente, porque
aparentemente alterar o curso do processo histórico não há continuidade, nesse nível, entre a prática po-
objetivo, mas apenas mostrar os seus limites"(Fausto, lítica e a prática teórica. Mas o mesmo não acon-
1983, p. 228). tece com o discurso histórico e com o discurso tático-
estratégico; eles pressupõem uma memória que, não
obstante o hegelianismo da fórmula, é uma memória
de si."(Fausto, 1983, p. 230).

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18 César Ricardo Siqueira Bolaño

18
que o transcende (Fausto, 1983, mento das "nanotecnologias capazes de pro-
p. 232). duzir materiais inteligentes em massa, capa-
zes de modificar completamente nossa rela-
Nessa perspectiva, a utopia de uma "antro- ção com a necessidade natural e com o tra-
pologia do ciberespaço"pode ser , em prin- balho".
cípio, aceita como "horizonte de significa- No caso da constituição do ciberespaço,
ção"para a análise teórica da chamada "soci- cuja forma e conteúdo estariam ainda "es-
edade da informação", com o que podemos pecialmente indeterminados", são os proble-
recuperar os aspectos mais interessantes da mas do laço social que estão sendo postos em
contribuição de Lévy, deslocando-os do con- novas bases, ao mesmo tempo em que "os
texto utópico liberal em que foram formu- progressos das próteses cognitivas com base
ladas e retomando o socialismo como "uni- digital transformam nossas capacidades inte-
verso de referência". lectuais tão nitidamente quanto o fariam mu-
Para Lévy, à expansão das redes telemáti- tações de nosso patrimônio genético"(Lévy,
cas e ao desenvolvimento de uma indústria 1994, p. 33 e seg.) 19 .
multimídia unificada, estão ligados "aspec- Conclusão: "a hominização, o processo de
tos civilizatórios"(novas estruturas de comu- surgimento do gênero humano, não terminou
nicação, regulação e cooperação, novas lin- mas acelera-se de maneira brutal"(idem, p.
guagens e técnicas intelectuais) que apontam 15). No capítulo 5, essa, digamos, provo-
para a passagem "de uma humanidade a ou- cativamente, "ontologia do ser social"chega
tra". As "novas técnicas de comunicação por ao ápice quando, a partir de uma releitura da
mundos virtuais"teriam aí uma dimensão im- teologia farabiana que, entre os séculos X e
portante como a dos avanços da conquista XII teria "teorizado pela primeira vez o inte-
espacial que, ao perseguir explicitamente o lectual coletivo", o autor se propõe explici-
estabelecimento de colônias humanas em ou- tamente a desenhar "o programa de catedrais
tros planetas, indica uma mudança radical do invertidas, esculpidas segundo o espírito hu-
habitat e do meio para a espécie, ou daque- mano", apresentando a perspectiva de uma
les da biotecnologia e da medicina, que "nos "teologia transformada em antropologia", de
incitam a uma reinvenção da nossa relação modo que "o que foi teológico torna-se tec-
com o corpo, com a reprodução, com a do- nológico"(idem, p. 83).
ença e com a morte", levando a uma "seleção
artificial do humano transformado em ins- Ao lado de índices bastante in-
trumento pela genética", ou do desenvolvi- quietantes que voltam nossso olhar
18 aos aspectos mais sombrios da
"Esta justaposição das estruturas objetivas de um
horizonte (não um fundamento) significativo que as 19
No capítulo 3, o autor realiza uma interessante
ilumina, parece ser o segredo dos chamados textos an- discussão sobre as grandes evoluções tecnológicas,
tropológicos de O Capital, nos quais o althusserismo classificando as tecnologias em arcaicas, molares e
enxerga apenas sobrevivências de uma fase anterior. moleculares e relacionando-as com os mecanismos
Eles representam, na verdade, a cifra da historicidade de controle das espécies vivas, da matéria, das men-
de O Capital, no interior do seu espaço lógico, e esta- sagens e de regulação dos grupos humanos. Infeliz-
belecem a articulação desse espaço com o tempo his- mente, não cabe aqui entrar nessa discussão.
tórico"(Fausto 1983, p. 232 e seg.).

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Terra, do Território e do Universo termédio dos mundos virtuais, podemos não


Mercantil, a passagem do terceiro só trocar informações, mas verdadeiramente
milênio contém os germes, a fi- pensar juntos, pôr em comum nossas memó-
gura virtual de um espaço do sa- rias e projetos para produzir um cérebro co-
ber autônomo (...) Esse quarto operativo"(idem, p. 96).
espaço antropológico, caso venha Deriva-se daí um conceito de demo-
a se desenvolver, acolherá formas cracia radical, contra as "hierarquias bu-
de auto-organização e de socia- rocráticas (...), as monarquias midiáticas
bilidade voltadas para a produ- (...) e as redes internacionais da econo-
ção de subjetividades. Intelectuais mia (...). Uma democracia distribuída por
coletivos caminharão nômades em toda parte ativa, molecular"que permitiria
busca de qualidades, modalidades à humanidade"reapoderar-se de seu futuro.
de ser inéditas. Não será o paraíso Não entregando seu destino nas mãos de al-
na Terra, uma vez que os outros es- gum mecanismo supostamente inteligente,
paços, com suas coerções continu- mas produzindo sistematicamente as ferra-
arão a existir. (Lévy, 1994, p. 122 mentas que lhe permitirão constituir-se em
e seg.) 20 . coletivos inteligentes capazes de se orien-
tar entre as marés tempestuosas da muta-
Assim, as tecnologias da inteligência "não ção"(idem, p. 15). Trata-se de um conceito
se limitam a ocupar um setor entre outros de democracia imanente, 21 oposta a autori-
da mutação antropológica contemporânea: dades transcendentes: Deus, a Igreja, o par-
elas são potencialmente sua zona crítica, tido, a escola, a TV, o chefe, os antigos, os
seu lugar político"(idem, p. 15). Ao criar especialistas 22 .
um novo "espaço antropológico", o "espaço É interessante notar que a mesma radicali-
do saber", abrem a possibilidade de auto- dade não se aplica, em absoluto, ao capital:
realização do gênero humano pois, "por in-
20
a grande máquina cibernética
O "espaço do saber"construído pelos "intelec-
do capital, sua extraordinária po-
tuais coletivos"é visto como um dos quatro "espa-
ços antropológicos"que, surgidos "progressivamente tência de contração, de expan-
ao longo da aventura humana, ganharam consistên- são, sua flexibilidade, sua capaci-
cia, autonomizaram-se até se tornarem irreversíveis", dade de se insinuar por toda parte,
contingentes, eternos, vivos, estruturantes, estendidos de reproduzir continuamente uma
ao conjunto da humanidade que os engendrou através
relação mercantil, sua virulên-
de sua "atividade imaginária e prática"(Lévy 1994, p.
127 e segue). O primeiro desses espaços é a Terra. O cia epidêmica parecem invencí-
segundo, o território, nasce com a revolução neolítica. 21
Que o autor explicitará sobretudo no capítulo 4.
O terceiro é o espaço das mercadorias, bem mais re- 22
"Toda tomada de controle realizada por um pe-
cente (não fica claro se ele se autonomiza na Grécia
queno grupo, do que provém de todos, toda fixação
Antiga, no período da constituição do mercado mun-
de uma expressão viva coletiva, toda evolução para a
dial ou na Revolução Industrial. À discussão sobre
transcendência, aniquila imediatamente o caráter an-
esses espaços o autor dedicará toda a segunda parte
gélico de um mundo virtual, que cai então nas regiões
do livro. Para nossos objetivos não há interesse em
obscuras da dominação, do poder, da pertença e da
voltar a ela.
exclusão (idem, p. 93).

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20 César Ricardo Siqueira Bolaño

veis, inesgotáveis. O capitalismo devem se desenvolver como econo-


é irreversível. É daqui por diante mias dirigidas(...) Não-mercantil
a economia, e a instituiu como di- não significa forçosamente esta-
mensão impossível de ser elimi- tal, monopolista, hostil à iniciativa
nada da existência humana. Sem- privada ou alérgico a toda forma
pre haverá o Espaço das Mercado- de avaliação. O problema da en-
rias, como sempre haverá a Terra e genharia do laço social é inventar
o Território. (Lévy, 1994, p. 120) e manter os modos de regulação
de um liberalismo generalizado (p.
Não deixa de ser interessante a idéia, que 43, grifo nosso). 24
o autor desenvolve no capítulo segundo, em
contraposição justamente à de "sociedade da Ora, mas o que é, de fato afinal, o cibe-
informação", de uma economia que "girará respaço onde se constrói a inteligência cole-
­ como já o faz ­ em torno do tiva senão uma criação do capital, esse po-
que jamais se automatizará completamente, der transcendente (que se alça acima da Le-
em torno do irredutível: a produção do laço benswelt, diria Habermas), para atender a
social, o ’relacional’"(idem, p. 41). Não seus desígnios de potência e de dominação?
apenas uma "economia do conhecimento", Não estamos falando de outra coisa senão
mas algo mais geral, uma "economia do hu- daquela esfera pública global em construção
mano", em que "as necessidades econômicas a que me referi acima e que contém e re-
se associam à exigência ética", constituindo- produz as assimetrias e hierarquias próprias
se uma "verdadeira indústria de restruturação do capitalismo, que repõe em nível global
de laços sociais, de reinserção dos excluídos, as condições de criticidade e exclusão típi-
de reconstituição de identidades para indiví- cos da esfera pública burguesa clássica, re-
duos e comunidades desestruturados"(idem, legando a maioria da população mundial à
p. 42). O autor percebe que não está fa- submissão à lógica da massificação e do Es-
lando de uma economia mercantil 23 . Mas tado Nacional.
o desejo de compatibilizar a sua "utopia"de O que seria, afinal, o intelectual coletivo
"renovação do laço social por intermédio do que participa hoje desse ciberespaço senão
conhecimento"(idem, p. 26) e de constitui- todos nós, proletários intelectualizados e tra-
ção da inteligência coletiva com a economia balhadores intelectuais em fase de acelerada
mercantil leva-o ao seguinte: 24
E, mais adiante, uma pérola: "na economia do
futuro , o capital será o homem total"(Lévi, 1984, p.
Mas nem a economia do co-
43). Ou ainda: "o intelectual coletivo é uma espécie
nhecimento, nem a economia am- de sociedade anônima para a qual cada acionista traz
pliada das qualidades humanas como capital seus conhecimentos, suas navegações,
23
sua capacidade de aprender e ensinar"(idem, p. 94).
"Uma sociedade que admitisse explicitamente os O "sucesso no ambiente altamente competitivo que é
princípios da economia das qualidades humanas reco- o nosso"é tomado como premissa para a constituição
nheceria, encorajaria e retribuiria todas as atividades dos "coletivos inteligentes... sujeitos cognitivos, aber-
sociais que produzem e sustentam essas qualidades, tos, capazes de iniciativa de imaginação e de reação
mesmo as que não fazem parte diretamente da econo- rápidas"(idem, p. 19).
mia mercantil (Lévy, 1994, p. 43).

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proletarização e subsunção num capital inte- as armas da autonomia. Eis os no-


ressado hoje fundamentalmente na extração vos ’paus para toda obra’ da so-
das nossas energias mentais para garantir a ciedade, os anônimos que produ-
sua reprodução ampliada enquanto valor que zem as condições da riqueza longe
se valoriza sugando trabalho vivo não pago? das luzes do espetáculo, aqueles
No momento atual, o intelectual coletivo não cujo trabalho é, ao mesmo tempo,
é aquele ser que se auto-constrói, mas o tra- o mais duro, o mais necessário
balhador coletivo criado pelo (e criador do) e o mais mal pago: a legião
capital, no interesse do qual se dá a coopera- dos educadores, diretores de co-
ção. légio, professores, formadores em
Para que essa cooperação venha a dar- geral. Vem encorpar esse con-
se em favor do próprio coletivo, para que tingente a multidão de assistentes,
a esfera pública global se autonomize e ex- trabalhadores sociais, policiais...
panda ao ponto de constituir uma humani- e carcereiros que não aguentam
dade como a que pretende Lévy, é preciso su- mais! E não esqueçamos a massa
perar as barreiras impostas pelo próprio ca- de auxiliares: os associativos, os
pital à efetivação do potencial liberador que não-governamentais, os caritati-
o de desenvolvimento capitalista cria. Para vos, aqueles prontos a ajudar em
tanto, é preciso ultrapassar a utopia liberal todas as infelicidades, todo o povo
radical do autor e repor o horizonte signifi- miúdo que segue atrás dos fracas-
cativo do socialismo. sados e recolhe as vítimas da des-
Com a constituição, hoje, do trabalha- territorialização. Esses novos pro-
dor intelectual coletivo, o Sujeito marxiano, letários carregam sobre seus om-
transcendente, pode finalmente dissolve-se bros o relacional de massa, o laço
no sujeito histórico. Lévy, mais do que qual- social intensivo. Esses justos se
quer outro dos "teóricos"do ciberespaço, de- encarregam de inserir toda uma
tecta essa tendência e a expressa, ainda que população deixada por sua pró-
de forma parcial e limitada. Isto posto, po- pria conta. E, graças à mobili-
demos concluir com o belo trecho a seguir, dade e à aceleração dos fluxos,
cuja força emana do inegável poder de sedu- todos vivem à beira da exclusão,
ção que têm as utopias. arriscando-se a saltar para fora.
O novo proletariado só se eman-
Hoje, o novo proletariado não cipará pela união, saindo de suas
trabalha mais com signos ou coi- categorias, prescindindo das ali-
sas, mas com massas humanas anças com aquele cujo trabalho se
brutas. Acompanha os povos em assemelha ao seu (mais uma vez,
trânsito em meio às tempestades quase todos), evidenciando a ope-
da grande mutação. Ele humaniza ração que efetua na sombra, fa-
os corpos, os espíritos, os compor- zendo com que a produção da in-
tamentos coletivos. Do coração da teligência volte a ser objeto cen-
batalha, forja às cegas , sem jeito, tral de preocupação explícita de

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22 César Ricardo Siqueira Bolaño

todos, investindo na pesquisa so- GOULDNER, A. W. (1980), Los dos Mar-


bre a engenharia do laço social xismos, Alianza Universidad, Madrid,
a fim de instrumentar, na medida 1989.
do possível, aqueles que moldam
o humano com as mãos nuas e à HABERMAS, J. (1961), Mudança estrutu-
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proletariado se tornar consciente Rio de Janeiro, 1984.
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