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Revista
cultura informacional
Território
Leitor
Perspectivas para as
políticas públicas para
as áreas do livro, da
leitura e das bibliotecas
no Brasil em 2015
Claudio Soares,
escritor e editor
“O leitor na era da internet busca,
cada vez mais, um conteúdo rico,
informativo, dinâmico e
personalizado”
Retrospectiva 2015
Os 10 fatos que marcaram a
cultura informacional no ano
Bibliotecas para
quê e para quem?
Em um país onde pouco se
51
postulam meios para o
Edição
desenvolvimento humano,
a biblioteca passa a ser artigo de
luxo para quem tem condições de
Ano 5, nº 12 frequentá-la
Dezembro 2015
ISSN 2238–3336
Realização:
Revista Biblioo - Dezembro, 2015, Ano 5, Nº 12|1
2| Revista Biblioo - Dezembro 2015, Ano 5, Nº 12
Fala, editor! Sumário
Boas Festas! 5 | Claudio Soares, escritor e editor
As lutas em prol da leitura e das bibliotecas “O leitor na era da internet busca, cada vez mais, um
devem continuar em 2016 conteúdo rico, informativo, dinâmico e personaliza-
do”
No ano de 2015 tivemos pequenos avanços no que diz
respeito às lutas em prol da democratização da leitura,
8 | Bibliotecas para quê e para quem?
dentre eles as discussões em prol da criação dos Planos
Municipais do Livro, Leitura e Bibliotecas (PMLLB) e a Em um país onde pouco se postulam meios para
aprovação dos PMLLB em alguns municípios brasileiros. o desenvolvimento humano, a biblioteca passa a
Evidentemente que ainda precisamos de mais esforços, ser artigo de luxo para quem tem condições de fre-
mas os primeiros passos já estão sendo dados. Uma vez quentá-la
que no país ainda temos 112 municípios sem bibliotecas
públicas, o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) 10 | Porque as bibliotecas importam
precisa ser transformado em uma política pública per- Uma reflexão sobre a situação das Bibliotecas-Par-
manente. Essa tem de ser uma das conquistas que de- que do Rio
vemos almejar no ano que está por vir e a participação
dos bibliotecários e da sociedade civil neste processo é
14 | Retrospectiva 2015
fundamental.
Não podemos continuar aceitando de forma passiva e
Os 10 fatos que marcaram a cultura informacional
acomodada os cortes de verbas e os fechamentos das no ano
bibliotecas públicas em nosso país. Em 2016 temos elei-
ções municipais e a criação dos PMLLBs tem de entrar na 20 | Território Leitor
pauta política e no debate eleitoral. Perspectivas para as políticas públicas para as áre-
A edição 51 da Revista Biblioo tem como matéria de capa as do livro, da leitura e das bibliotecas no Brasil em
uma reportagem sobre o I Encontro Internacional de Po- 2015
líticas Públicas: Território Leitor. Como de costume apre-
sentamos os 10 fatos que marcaram a cultura informa- 25 | Memória Institucional
cional em 2015 e Moreno Barros fez uma reflexão sobre O que é, para que serve e como construí-la?
a atual situação das bibliotecas-parque do Rio.
Avante bibliotecários! Que 2016 seja um ano de lutas e
conquistas em prol da democratização da leitura e das 28 | O espelho de Machado de Assis
bibliotecas públicas! Conto machadiano fala sobre ego, loucura e iden-
tidade
Rodolfo Targino
Editor Adjunto 30 | Severino
targino@biblioo.info Versos de um dedo de prosa
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galhães - bibliotecária e pesquisadora. licença idêntica a esta.
“O leitor na era
E
le é escritor e editor de livros. Recente-
mente editou a edição de 125 anos de,
O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, que
da internet busca, além de fazer parte da biblioteca Rio 450
anos, também foi a primeira obra mapea-
cada vez mais, um da pelo projeto Rio Cidade Livro. À Revista Biblioo
Claudio Soares contou como foi seu primeiro contato
E
m pesquisa realizada no ano de 2011, Estes fatores “óbvios” denotam que a biblioteca
com uma amostragem de pouco mais possui uma (má) exemplaridade de se constituir como
de 5000 mil pessoas, o Instituto Pró-Li- elemento de manutenção e dominação político-cor-
vro revelou que 76% dos brasileiros não porativa e não de transformação humana. Diante do
acessam ou utilizam as pouco mais de óbvio, qual seria o papel mais amplo e pleno de uma
1000 bibliotecas existentes no país, considerando biblioteca se não contribuir estrategicamente para
suas diversas tipologias (públicas, escolares, univer- o desenvolvimento humano? É com este desenvol-
sitárias, especializadas, comunitárias etc). Diante dos vimento que às pessoas conseguem produzir, atuar,
dados é possível extrair algumas impressões, sendo criar e transformar. É com desenvolvimento huma-
umas mais óbvias e outras mais insólitas que vêm ao no que às pessoas conseguem fazer a diferença nos
encontro da pergunta/tema deste texto “Bibliotecas diversos devires sociais como a política, economia,
para quê e para quem?” cultura, educação, meio ambiente.
Entre as mais óbvias posso destacar: Entre os fatores mais insólitos estão:
a) o número de pessoas que frequentam e utili- a) a biblioteca não é historicamente um ambien-
zam bibliotecas é ínfimo diante da realidade; te dedicado a compreensão da pluralidade e diversi-
b) a escassez de políticas públicas articuladas e dade, tanto de saberes, quanto de práticas sociais. Ao
consistentes em termos históricos torna a biblioteca contrário, comumente a biblioteca é a salvaguarda do
um ambiente hermético e estanque afastando a maior poder dominante representando pequenos/grandes
parte da população; grupos detentores de poder;
c) ainda persiste a ideia de uma concepção eli- b) a pluralidade deve ser entendida como o con-
tista da biblioteca acessível apenas a um grupo seleto junto de variações de sujeitos que buscam às biblio-
de pessoas por classe social ou intelecção formal ou tecas por razões distintas e se a biblioteca não está
permite o acesso a setores mais marginalizados da preparada para atendê-las (parcialmente ou ampla-
sociedade de maneira pré-determinada, controlada, mente), não atrairá aquele público ou terá daquele
limitada e inconstante. O elitismo trata a biblioteca público uma visão restrita de atuação da biblioteca;
como mantenedora de poder, seja estatal, seja de pe- c) a diversidade pode ser entendida como a
quenos (quantidade) grandes (força político-econô- capacidade que a biblioteca possui de INCLUIR
mica) grupos corporativos; sujeitos ou de apoiar a inclusão de sujeitos. Incluir
d) em virtude das duas concepções anteriores, no sentido de promover acesso à informação em lar-
é comum que o chamado não usuário possua tanto ga escala, facilitar o acesso livre ao conhecimento,
respeito pela biblioteca que chega a ter receio de fre- promover estratégias de incentivo à inclusão digital,
quentá-la por considerar que não é um ambiente ade- fomentar a inclusão via práticas de leitura, pesquisa,
quado para sua realidade; alfabetização/letramento, pensar a inclusão a partir da
e) a biblioteca, em caráter histórico, não faz criação de serviços e produtos técnicos e pedagógicos
parte do cotidiano das comunidades. Logo, um am- que satisfaçam desejos, demandas e necessidades dos
biente que não conhece ou dialoga com o dia-a-dia do públicos;
seu público dificilmente obterá reconhecimento mas- d) a biblioteca ainda não é efetivamente reco-
sificado e estratégico para contribuir ativamente com nhecida como uma instituição híbrida, ou seja, a ideia
a vida da sociedade. majoritária da sociedade é que a biblioteca é um espa-
E
m 2011 eu visitei a recém inaugurada Bi- melhor em bibliotecas fora do Brasil e em outras bi-
blioteca-Parque de Manguinhos e saí de bliotecas de excelência por aqui (Mario de Andrade,
lá estupefato: uma biblioteca de primei- Biblioteca São Paulo, Biblioteca Pública do Paraná,
ro mundo, bem no meio da faixa de gaza Biblioteca Pública do Acre, por exemplo). A Biblio-
carioca, do ladinho da nossa cracolândia. teca-Parque Estadual (BPE) foi o exercício final de
Era a consolidação da santíssima trindade das biblio- sublimação das feias bibliotecas de bairro, que con-
tecas públicas (recreação, informação e formação) e vivemos nas décadas de 1980 e 1990, para o que as
um modelo para as demais bibliotecas no nosso quin- bibliotecas deveriam propor nos dias de hoje.
tal e toda uma classe de bibliotecários sem muitos pa- Mas vejam só, a alegria que durou pouco. Copio o
râmetros, como deveria ser uma biblioteca perfeita. Felix Richter: “é um projeto tão fantástico, que nem
Rapidamente eu quis realizar alguma atividade parece que estamos no Brasil. Pois bem, a metáfora
que congregasse amigos no espaço, para que pudes- fez sentido. Pezão já anunciou que deve fechá-la. E
sem saber que aquela biblioteca existia e ver como outras três também.”
ela funcionava, pois só acreditava quem via, e que No meio desse ano eu realizei o segundo Biblio-
nós, enquanto cidadãos, tínhamos o direito e o dever camp, exatamente no início do período conturbado
de usufruir. Lá foi realizado o primeiro Bibliocamp e de redução de horários e encerramento das atividades
foi onde conheci pessoas que tocavam o projeto das regulares da BPE. Recordemos: a Biblioteca Parque
Bibliotecas-Parque com amor e na raça, como Ale- Estadual permaneceu fechada por quatro anos. Ela foi
xandre Pimentel e Vera Saboya. reinaugurada poucos meses antes da eleição para go-
Depois vieram as Bibliotecas-Parque da Rocinha, vernador. R$ 70 milhões investidos na reforma, um
Niterói e Estadual, revigorando uma frente de design ano de funcionamento depois, a biblioteca fecha por
arquitetônico e de serviços, copiando o que se via de falta de grana.
olimpíadas, por exemplo) e restritos em outras, mas do ideal, mas é o que nos é oferecido por enquanto.
enquanto contribuintes precisamos avaliar se: 1) vale No dia 28 de novembro deste ano aconteceu um
a pena investir em bibliotecas públicas; e 2) quanto ato em defesa das Bibliotecas-Parque. Cento e cin-
custa a manutenção de uma rede de bibliotecas pú- quenta funcionários do IDG estão em aviso prévio.
blicas. Nas poucas horas que permanecemos na entrada da
Sobre: 1) não sou capaz ainda de responder, mas BPE foi grande o número de pessoas frustradas por
estou interessado nisso e me afeta diretamente. Há não saber que naquele dia a Biblioteca estava fecha-
muitos casos no Brasil em que o lucro é privado, mas da. Muitas delas voltaram para casa sem saber a razão
o prejuízo é público (o IDG tem a concessão, mas do fechamento, apenas mais uma biblioteca fechada,
quem reforma o prédio e compra os livros é o estado); mais outra experiência ruim no uso dos aparelhos pú-
em relação ao ponto 2), meu voto é sim porque a bi- blicos. Quem sabe o CCBB!
blioteca pública é niveladora social. Espaço que não Me resta deixar aqui um abraço pro pessoal do
exige identificação para entrar e compartilha a ponto Movimento Abre Biblioteca Rio, que tem repercutido
de reduzir a zero o valor do objeto de consumo. Se o problema e feito a denúncia. Mídia independente
vale de incentivo, de janeiro a outubro de 2015, apro- cumprindo papel importantíssimo.
ximadamente 570 mil pessoas frequentaram as quatro É muito improvável que as Bibliotecas-Parque se
Bibliotecas-Parque do Rio. precarizem a ponto de implosão no curto prazo. Mas
Finalmente as prefeituras do Rio e Niterói se pron- é bom ficar de olho, já aconteceu no passado recente.
tificaram a ajudar a manter as Bibliotecas abertas até Seria uma perda enorme deixar escapar esse proje-
o final de 2016 ao custo de R$1,5 milhão por mês. to incrível, tão jovem, tão cheio de possibilidades. E
O que só causa comoção no eleitor desavisado e que que as pessoas se dêem conta que nós financiamos
desconhece as outras dezenas de bibliotecas munici- o projeto, sem deixar enganar pelos subterfúgios da
pais que sobrevivem em situação de calamidade. BPE cidade-negócio.
e BPN vêm funcionando meia-bomba desde maio, *Artigo publicado originalmente no Facebook do
com o horário de 11h às 19h, entre terça e sábado. autor. ✪
Manguinhos e Rocinha 10h30 às 18h30. Muito longe
C
omo já é tradicional, a Revista Biblioo apresenta os 10 fatos que marcaram a cultura in-
formacional no ano. Em 2015 foram muitos os acontecimentos, indo da crise na cultura,
passando por greves e chegando nos eventos mais importantes da área de livro, leitura
e bibliotecas.
“
Quase metade da população não tem o [en- bolsas de estudos para jovens e adolescentes.
sino] fundamental completo, mais de 13 mi- Segundo Rodrigo Círiaco, idealizador desta inicia-
lhões de jovens no Brasil são analfabetos. É tiva, o Sarau dos Mesquiteiros faz parte de um projeto
fácil virar insano quando não se tem ensino. de leitura que começou dentro de uma escola estadual
É fácil julgar o menino e pedir que a pena do- na Zona Leste de São Paulo usando a literatura de
bre, ainda mais quando se descobre que é quase sem- maneira artística e performática. O trabalho que co-
pre preto e pobre”. Foi o que declamou a jovem Sarah meçou dentro de sala de aula e depois expandiu para
Andrade, integrante do Sarau dos Mesquiteiros, du- as bibliotecas e espaços culturais, sempre envolveu
rante o I Encontro Internacional de Políticas Públicas: jovens e adolescentes.
Território Leitor, realizado em Brasília entre os dias O Sarau dos Mesquiteiros foi uma das atrações da
30 de novembro e 4 de dezembro deste ano. programação cultural do Território Leitor, evento que
O Sarau dos Mesquiteiros é um projeto realizado englobou debates, reflexões e exposições de ações re-
há quase 10 anos em São Paulo com foco na literatura lacionadas aos setores do livro, da leitura, das biblio-
marginal e tendo como modelo os saraus das perife- tecas e ao andamento de políticas públicas no Brasil e
rias. O grupo realiza várias ações regularmente, dentre no exterior acerca destes temas.
elas as oficinas semanais de prosa e poesia, encontros O Território Leitor, realizado pela Diretoria de Li-
literários, publicações de livros, concursos literários e vro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do Ministério
A
Por Daniel Henrique da Silva, bibliotecário
O
ano era 1882. Em terras brasileiras, meçam a dedicar ao mais novo alferes toda sorte de
Joaquim Maria Machado de Assis pu- elogios e honras.
blicava no jornal Gazeta de Notícias O posto de Jacobina acende o ímpeto de hospi-
o conto O Espelho¹ – Esboço de uma talidade de uma tia, que o convida para passar uns
nova teoria da alma humana. Posterior- dias em seu sítio. Lá chegando, Jacobina deixa de ser
mente, a obra foi vinculada ao livro Papéis Avulsos, tratado pelo nome e passa a ser chamado de “senhor
publicado no mesmo ano. O texto narra a fantástica alferes”, vocativo estendido também aos escravos da
experiência vivenciada por Jacobina, um jovem po- casa. “Eu pedia-lhe que me chamasse de Joãozinho,
bre que, aos vinte e cinco anos, é nomeado alferes da como dantes; e ela abanava a cabeça, bradando que
guarda nacional. Tal acontecimento desperta os mais não, que era o ‘senhor alferes’”.
exagerados sentimentos em seus familiares, e eles co- As manifestações honrosas legaram ao jovem al-