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MINISTtRIO DA EDUCAÇãO E CULTURA


INSTITUTO NACIONAL 00 LIVRO

BIBLIOTECA CIENT1FlCA BRASILEIRA


SfJRIE n - IV

A LINGUAGEM
INTRODUÇÃO AO ESTUDO
O'A FALA

POR
nnWARD SAPIR

TRADUZ.lOO POR

J. MATTOSO CAMARA JR.

·fi
RIO DE JANEIRO - 1954
64 .A LINGUAGEM

Tôda. lingua, por conseguinte, é caracterizada tanto pelo seu sis-


telDAideal de sons e pelo seu padrão fonético de subsolo (sistema, di-
ríamos nós, de átomos simbólicos) quanto por uma definida estrutura
gramatical. .Ambas essas estruturas, a fonética e a conceptual, mos-
tram o sentimento instintivo da forma que há na linguagem.

IV

A FORMA NA LINGUAGEM: OS PROCESSOS GR.AMATJCAlS

.A.questão da forma em linguagem apresenta-se sob dois aspecto~


Podemos considerar os métodos formais empregados por uma lin-
gua, os flseus processos gramaticais", ou verificar a distribuição dos
conceitos em referência à expressão formal. Quais são os padrões for-
mais dessa. lingua1 E que tipos de conceitos lhes servem de eonteúdo9
Os dois pontos de vista são plenamente distintos.
A palavra inglêsa unthinkingl'JI I
correspondente, pelo sentido, a
qualquer coisa em português como "sem pensar"] é, de maneira geral,
cotejável, quanto à forma, à palavra reformers [porto "reformado:res");
ambas constam de um radical, que pode figurar como verbo indepen-
i
dente (think, form) em amba.s. êsse radical é precedido por um elemen-
·t'

to (un-, re-), que traz significação definida e nItidamente concreta, mllS


não pode ser usado como têrmo independente; e ambll.Sterminam por
dois elementos (-ing, -ly, -e.r, -s), que limitam a aplicação do conceito do
radical num sentido relacional.
Este padrão formal, - (b) + A (c) +
+ (d) 1 - é um traço
característico da língua. Exprime-se por meio dêle um !lÚIDeroincal-
culável de funções; em outros têrmos, tôdas as idéias que podem ser co-
municadas por meio de elementos de prefixação e sufixação, se tendem
por um lado a encaixar-se em grupos menores, não constituem por ou-
tro lado sistemas funcionais naturais. Não há nenhum motivo de or-
dem l6gica, por exemplo, para que a função numeral do -s seja expressa

1. Quanto!l.O simbolismo, ver ca.pitulo lI.


67
OS PROCESSOS GRAMATICAIS
(36 A LINGUAGEM

das de outros vocáblllos que lhes estão' inteiramente relacionados na


pelo mesmo processo formal que a idéia contida em -ly [sufixo adverbial forma e no sentido (goose,. sing, sung).
como o porto "-ment.e"]. É perfeitamente concebível que, noutra língua, Cada língua dispõe de um ou mais métodos formais para indicar
se trate o conceito modal (-ly) em moldes inteiramente diversos dos da
a relação de um conceito secundário com o conceito básieo do radical.
pluralidade. O primeiro pode ser transmitido por um vocábulo inde-
Alguns dêsses processos gramaticais, como a sufixação, acham-se muito
pendente (digamos, thus 1lnthinking); o último por um prefixo (diga-
espalhados; outros, como a mutação voeálica, são menoS comuns, mas es-
mos, "plural"2 -reforme?'). E há naturalmente um número ilimitado de
tão longe de ser raros; outros ainda, como a acentuação e a mutação con-
possibilidades outras. '
sonantal, constituem até certo ponto anomalias.
Sem sair do pr6prio âmbito da língua inglês a, é fácil tornar óbvia
Nem tõdas as línguas são tão irregulares quanto a inglêsa na ma-
essa relativa independência entre a forma e a função. É assim que a·
neira de atribuir funções aos processos gramaticais de que dispõem. Em
idéia 'negativa contida em un~ pode ser expressa com a mesma jus- i regra, os conceitos de natureza mais fundamental, como o de pluralidade
tezll, por um elemento sufixado (-Zess) numa palavra como thoughtlessly ;
e o de tempo, são exclusivamente apresentados por um método único qual-
[porto "desatentamente"]. Tal dualidade de expressão formal para a
função negativa seria inconcebfvel em certas línguas, o esquimó por quer; mas é regra com tantas exceções. que não podemos promovê-Ia a
um princípio. Para onde quer que nos voltemos, ressalta a verdade de
exemplo, onde s6 seria admissível um elemento de sufixação.
que o padrão formal é uma coisa, e é outra coisa a sua utilização. Mais
Por outro 18.do,a noçã.o de plu~al dada pelo -s de reformers é expres-
alguns exemplos da expressão múltipla de funções idênticas, em outras
sa com a mesma precisão pela palavra geese {plural de goose, "ganso"],
l:\nguas além do inglês, concorrerão para tornar ainda mais vívida essa
com o emprêgo de método completarnente distinto. Não é tudo. O princí-
~oncepção da liberdade relativa que há entre ~ão e forma.
pio da mutaÇão vocálica (goose - geese) não está em absoluto restrito
à expressão da idéia da pluralidade; pode também funcionar como índi- Em hebraico, como em outras línguas semíticas, a idéia verbal, consi·
ce da diferença de tempo (e. g. sing - sang, throw - threw)3. Por derada em si mesma, é expressa por três, ou menos a miúdo por duas
seu lado, a expressão do tempo pretérito em inglês não depende exclusi- ou quatro consoantes características. Assim o grupo x-m-r dá a idéia de
vamente de uma mudança de vogal. Na maioria dos casos, manifesta-se "guardar", o grupo g-n-b a de "furtar", n-t-n a de "dar". Natural.
por meio de um sufixo distinto (die-d, work-ed) [preto de to die, "morrer", mente que tais seqüências consonânticas são apenas abstraídas das for-
to work, "trabalhar"]. mas realmente existentes. As consoantes ligam-se entre si de diversas
maneiras, por meio de voga.is características que variam segundo a idéia
Quanto à função, died e sang são análogos; da mesma sorte que
'i'eformers e geese. Quanto à forma, temos de agrupar êsses vocábulos de que 1hes cabe exprimir. São também muito usados prefixos e sufixos. O
método da mutação vocálica interna está exemplificado em xamar,
maneira diversa. Tanto die-d quanto reform-er-s empregam o método
da sufixação dos elementos gramaticais; tanto sang quanto geese deri- "guardou", xomer "guardando", xamur, "sendo guardado", xmor, "guar-
dar", Anàlogamente ganab, "furtou", goneb, "furtando", ganub, "sendo
vam o seu valor gramatical da circunstância de diferirem as suas vogais
furtado", gnob "furtar". Mas nem todos os infinitivos se formam pelo
tipo de xmor e gnob, ou por outros tipos de mutação voeáUca interna.
2. Plural ó aqui U!ll simbolo para qualquer prefixo que illdique á. pluralidade. Certos verbos sufixam um elemento t para o infinitivo, e. g., ten-eth "dar",
3. [No Cll!lOde goose·gel!Se, como de outros plurais (tooth.teeth, man-men, heyo-th, "ser". Por outro lado, as idéias pronominais podem ser expres-
mouse'771iec, ete.) a mudan(}ll. da vogal no plural foi devida u. açã.o nsaimilat6ria sas por vocábulos independentes (e. g., ano lei, "eu"), por prefixos (e.
dc um' i final, mais tnrde desaparecido. j:: o fenômeno em alemã.o umlaut, ou seja,
g. e-xmor, "eu guardarei"), por sufixos (e. g. xamar-ti, "eu guardei").
"metafonia". Em smg·sang, thTOW.thTllW, ato::.ll!l diferenças de vogal prov@m dll!l pri-
mitivas formll.9 mdo-européilLS, constituindo o chamado ablaut, i. e., "gradação vocá. Em nass, língua índia da Colúmbia Britânica, formam-se os plu-
lica!' ou "o.pofonio." em que umn. dada raiz tem oro. a vogal o ora c, ora urna. vogal rais por quatro métodos distintos. A maior parte dos nomes (e dos ver·
reduzida.]

--_.=--- .- ... - __o •• -- •• - ----I


68
A LINGUAGEM
OS PROCESSOS GRA1rIATICAIS 69

bos) são reduplicados no plural, isto é, uma parte do radical se repete, te compreendido do que parece ser. Só um exame geral de diversíssimas
e. g. gyat, "pessoa", gyigyat, "gente", Já um segundo método está no espécies de línguas nos dá a perspectiva adequada a tal respeito.
USode certos prefixos característicos, e. g., an'on, "mão", ka-an'on, "mãos";
waí "um remo", lu-waí, "vários remos". Outros plurais, ainda, se formam Vimos no capítulo anterior que tôda língua tem um sistema foné·
tico intimo de padrão definido. Vemos agora que também tem o sen-
por meio de uma mutação interna de vogal, e. g., gwula "manto", gwila,
"mantos". Enfim, uma quarta classe de plurais é constituída por nomes timento definido de constituir padrões para a formação gramatical.
"irmãos".
que sufixam um elemento gramatiea~ e. g., waky, ''irmão'', wakykw, Ambos êsses impulsos, subterrâneos e de grande fôrça diretriz, em prol
das formas definidas, operam p~ prazer de operar, sem a preocupa-
ção inicial de preencher uma lacuna na expressão de certos conceitos ou
De grupos de exemplos' como êsses - e podemos multiplicá-Ias ad de dar forma externa consistente a certos grupos de concP,itos.Inútil é
nauseam - s6 nos resta concluir que a forma lingüística pode e deve dizer que tais impulsos. s6 encontram realização na expressão de funções
ser estudada em seus muitos aspectos., independentemente das ~funções
~ concretas. É preciso haver a intenção de dizcr alguma coisa para dizê-
Ia. sob uma dada forma. .
É tanto mais jUBtificável assim procedermos quanto tôdas as lfn- Seja-nos lícito agora examinar um pouco mais sistemàticamente,
guas manifestam um curioso in;;;.tintopara desenvolver um ou mais pro- conquanto sempre resumidamente, os vários p.Jocessos gram~ que
cessos gramaticais especiais à custa de outros, tendendo a perder de vista a pesquisa lingüística conseguiu depreender.
o valor funcional explícito que o processo possa ter tido a princípio, como
que comprazendo-se no mero jôgo dos seUBmeios de expressão. Agrupam-se em seis tipos principais; ordem vocab--1lliJ,r;c.9..!!!J?~.!S-ª?)
aJixação, que abrange o uso de prefixos, sufixos e infixos; ~odificaQíio.
Não importa que num caso como o do inglês goose _ geese, foul _ internl\. do e1emen.toradical .QU ..gramatical em referências quer a uma
defile ["sujo" - "sujar"], sing - sang - sung possamos provar que vogal, quer a uma consoante; l'~..dJlp]jcaçãQ; e diferenças dc a~entu_~
se trata de processos historicamente distintos; que a altcrníincia yúcá- sejam elas dinâmicas (intensidade). sejam tônicas (altura, também cha-
lica de sing e sang tenha precedido de séculos, como tipo específico de mada "tom" e entoação). Há ainda processos quantitativos especiais quais
processo gramatical, o processo aparentemente paralelo de goose e geese. o alongamento ou a abreviação de vogais e a geminagão de consoantes
Não é menos verdade que há (ou houve) em inglês, na época em que mas que podem ser consideradas como subtipos especiais do processo
se constituíram geese e formas análogas, uma tendência inerente a utilizar de modificação intcrna. É possível que ainda restem outros tipos formais,
a mudança de vogal como método lingüística significativo. Sem o grupo mas não terão pro"àvc1mente maior importância num exame perfunctório.
de tipos já existentes de alternância vocálica como sing _ sang _ sung, Importa não esquecer que um fenômeno lingüístico não pode ser tido
é muito duvidoso que as condições especiais que acarretaram a evolução como ilustração de um "processo" definido, senão quando lhe é ineren-
das formas geese, teeth, [plural de tooth, "dente"] saídas de goose, tooth, te um determinado valor funcional. A mudança consonântica em inglês, por
tivessem tido a fôrça de induzir o sentimento lingüístico nativo a chegar exemplo, de boolc-s e bagos (s no primeiro caso, no segundo] não tem
li)

a admitir
ção como psicologicamente aceitáveis êsses novos tipos de forma-
do plural'J. (;
,! significação. Ê uma mudança puramente externa e mecânica provocada.
"
I pela presença de uma consoante anterior contígua, que é sUl'da no pri-

-.
::mstesentimento de forma considerada em si mesma, expandindo-se
livremente segundo linhas determinadas, e grandemente inibido em certas
direções por falta de moldes pré-estabelecidos, deveria ser mais claramen-

4. [Ver a nota. 3, pÚg. 66.]


I1

.~
meiro caso e sonora no segund05• Ê objetivamente a mesma alternância
mecânica que se verifica entre o nome housc ["casa"] e o verbo to house.

5. (Fen6mcno aná.logo verifica·se em português com o '$ do plural em conmcto


com uma. consoante seguinte surda ou sonora: "os cíies" ("os" com fina.l surda), "os
bois" ("os" com finlll sonora.]
71
70 A LINGUAGEM OS PROCESSOS GRAMATICAIS

Já aqui, entretanto, corresponde a uma função .gramatical importante, Diga eu em latim hominem temina videt, ou femina hominem videt,
qual a de indicar a passagem de um nome a verbo. .As duas alternâncias (lU hominem videt femina, ou ainda videt femina hominem, o alcance
pertencem, portanto, a categol'ias psicológicas inteiramente diversas. Só da frase não apresentará maior ou nenhuma diferença, salvo talvez no
.a última citada é uma verdadeira ilustração de modificação consonântica que respeita ao efeito retórico ou estilistieo. liA mulher vê o homem" será
como processo gramatical. .a significação invariável de eada uma dessas s.entenças.
o método mais simples, pelo menos mais econômico, de indicar qual- Em chinult, língua dos índios do Rio Colúmbia, há igual liberdade,
quer espécie de noção gramatical é justapor dois ou mais voeábulos numa pois a relação entre o verbo e os dois nomes acha-se inerentemente fi-
ordem definida, sem procurar, por umn. modificação inerente, estabele· xada nos vocábulos, como em latim. A diferença entre as duas línguas
cer a conexão entre êles. Alinhemos ao acaso dois vocábulos simples in- está em que o latim faz com que os próprios nomes estabeleçam as suas
glêses, sing praise, digamos. Isto, em inglês, não acarreta um pensa- relações de um para outro e de cada um para o verbo, ao passo que
mento concluso, nem estabelece nitidamente uma relação entre a idéia o chinuk sobreearrega o verbo com tôda a responsabilidade formal,
de "cantar" e a de "louvar". Apesar de tudo, porém, é-nos psicolàgica- .dando-lheum conteúdo que podemos mais ou menos indicar por "ela-êle·vê".
Eliminai os sufixos. casuais latinos (-a· e -em) e os prefixos prono-
Imente impossível
fôrço para ouvir
lhes dar certaoudose
ver de
as duas palavrascoereute.
significação justapostas sem um não
A tentativa es- minais do chinuk ("ela-êle"), e já cessa a indiferença na ordem dos
terá por certo bom êxito pleno; mas o que importa assinalar é que tão vocábulos; teremos de cultivar os reCursos de que dispomos. Em outros
,depressa se apresentem ao espírito humano dois ou mais conceitos radi- têrmos, a ordem das 'Palavras passará a ter um valor funcional real.
cais em imediata seqüência, tentará êle conjugá-Ios sob um valor qual- O latim e o chinuk estão num pólo. Em pólo oposto, estão lín-
·quer, No caso de sing praise, cada um de nós chegará provàvelmente
guas como o chinês, o siamês, o anamita, em que tôda e qualquer palavra,
a um resultado provisório distinto. Eis algumas das possibilidades la-
para funcionar adequadamente, tem de encaixar-se num lugar prede-
tentes da justaposição, interpretadas em forma corrente mais satisfa-
terminado. A maioria das línguas ficam entre êsses dois pólos. Entre
tória: sing praise (to him)! ["cante em seu louvor! "] singing praise
nós, por exemplo, não haverá diferença gramatical apreciável, se eu dis-
["eantando o louvor"], p1'aise expressed in a song ["louvor expresso
ser _ "ontem o homem viu o cão", ou - "o homem viu o cão ontem",
.em canto"]; to sing amd praise ["cantar e louvar"] i one who sings a
mas j6. não me será indiferente dizer - "ontem o homem viu o cão", ou
song of pra~'se ["pessoa que canta um canto de louvor"]' (à maneira _ "ontem o cão viu o homem", ou ainda - "êle está aqui", ou - "está'
de compostos inglêses como killjoy, i. e., "pessoa que mata a alegria"); ,êle aqui1" Num dos casoS do último grupo de exemplos, a distinção vi-
he sings a song of praise (to him) ["êle canta um canto de louvor (em
tal entre sujeito e objeto depende unicamente da colocação de certas pa·
honra de alguém) "]. São, pois, indefinidamente numerO!i.BJLaspossibili- .lavras na senten~.a, e, noutro, uma leve diferença de seqüência importa
dades teóricas de amoldar êsses dois conceitos num grupo significativo numa diferença cabal entre afirmação e pergunta. É claro que, nesses
de conceitos, ou at~ num pensamento concluso. Nenhuma delas se reali-
.dois cosos, o nosso princípio da ordem. voeabular é um meio tão efieien"
zará por certo em inglês, mas há muitas línguas em que é coisa habitual te de expressão quanto em latim o uso de sufixos castlai!i'ou de uma
o jôgo de um dêsses processos de amplifieação. Só depende, portanto, do
partícula interrogativa. Não se trata de pobreza funcional, c, sim, de
gênio da língua a função que pode estar inerentemente pressuposta numa economia formal.
dada seqüêneia de vocábulos.
Já vimos alguma coisa do processo de composição: união numa si
Algumas línguas, como o latim, exprimem pràticamente tôdas as palavra de dois ou mais elementos radicais. Psicolõgicaf9.ente, êsse pro
relações por meio de modificações no corpo da própria palavra. Nelas, cesso alia-se intimamente com o que repousa na ordem das palavras
a ordem das palavras presta-se a ser antes um prine1pio retórico do que uma vez que a relação entre os elementos também fica pressuposta e ná<
-estritamente gramatical. (:xpl1citamente estabeleaida. Difere noutro sentido, porque os elemen

------'.-- .-~-----_._.
72 OS PROCESSOS GRAMATICAIS 73
A LINGUAGEM

toa componentes são compreendidos como partes constituintes de um Era de esperar, por exemplo, que uma palavra nutka, como "quando,
organismo vocabular único. Linguas como o chinês e o inglês, em que segundo dizem, êle ficou ausente por quatro dias", contivesse pelo me-
nos três elementos radicais, correspondentes aos conceitos de Uausente",
o princípio da ordem rígida se acha bem desenvolvido, tendem não poucas
vêzes a desenvolver palavras compostas. De uma seqüência vocabu- I'quatro" e "dia". Mas, na realidade, qualquer palavra nutka é absoluta·
lur chinesa do tipo jin taJc, "homem virtude", i. e., "a virtude dos homens", mente incapaz de composição, no sentido que damos a êste têrmo. Cons-
s6 há um passo para justaposições mais convencionais e psicologicamentl) trói-se, invariàvelmente, de um só radical e maior ou menor númerO
unificadas como t'ien tsz, "céu filho", i. c, "imperador", ou xui fu, "água de sufixos, cuja significnção pode ser quase tão concreta quanto a do
homem", i. e, "carregador dágua". No último exemplo podemos até, próprio radical. No exemplo particular que citamos, o radical dá a
aliás, francamente escrever xui-fu numa só palavra, pois a significação idéia de "quatro", sendo as noções de "dia" e "ausente" expressas por
:10 composto, considerado em seu todo, é tão divergente dos valores eti':
sufixos tão inseparáveis do núcleo da palavra quanto o é de sing ou hunt
um elemento inglês como -er em singer ou hv.nter (ou os sufixos portu-
nol6gicos exatos dos elementos componentes quanto a do vocábulo inglês
:ypewriter [porto "dacti16grafo"] o é dos valores meramente combina- guêses de <lcantor", "caçador", cortespondentemente].
los de type e writer [respectivamente, l/tipo de impressão" e lIescritor"]. A tendência para a síntese vocabular não é, de :maneira alSuma, por-
. Um inglês a unidade de typewriter é além disso assegurada por um tanto, a mesma coisa que a tendência para a composição dos radicais,
cento predominante na primeira sílaba e pela possibilidade da adjunção embora seja esta última, não poucas vêzes, um meio cômodo de que ~e
:e sufixos à palavra em seu conjunto, como o s do plural; e o chinês sel've aquela para manifestar-se.
~mbém unifica os seus compostos por meio da acentuação. Rá uma variedade assombrosa de tipos de composição, Dependem da
Resta-nos assim concluir que, o processo de composição, embora nas função, da_natureza dos componentes e da sua .~
Ias longínquas origens vá ligar-se a ordens vocnbulares típicas na sen~ Em muitas línguas, a composição circunscreve·se ao que podemos
.inça, é hoje na sua maior parte um método especializado de expressar chamar a função deHmitadora, isto é, entre dois ou mais elementos com-
\lações. ponentes um obtém qualificação mais exata pelo contacto com os outros,
.que em nada concorrem para a construção formal da sentença. Em in-
o francês tem ordem de palavras tão rígida quanto o inglês; mas glês, por exemplo, elementos componentes. como red ("vermelho") em
io possui nada de semelhante à faculdade de que dispõe êste último. redcoat~ ou over [preposição· "acima"] em ove1'look [propriamente, em
: reunir palavras em unidades mais complexas. Por outro lado, o gre- português, "olhar por alto"] apenas modificam a significação do vOCú-
clnssico, apesar da sua relativa liberdade na colocação das palavras, bulo essencial coat e look sem absolutamente partilhar da P!edicll&ão...JllÇ::...
lStra considerável propensão para a formação de têrmos compostos. pressa pela sentença.
É curioso observar como as línguas diferem enormemente na habi- ------=------~-
Já outras línguas, como o· iroquês e o náiuSatF·,!"\,i confiam ao
ade de utilizar o processo de composição. Teoricamente, seria· de es- método da composição trabalho muito mais pesado. Assim, em· iro-
rar que um expediente tão simples como é o que nos deu aa palavras quês, a composição de um nome, sob a sua forma radical, com um verbo
>ewriter, blackbird e legiões de outras, não fôsse nada menos do que seguinte é método típico para expressarem-se relações casuais, especial·
processo gramatical universal. Tal não sucede, porém. Há um grande mente de sujeito ou objeto. "Eu-carne-como", por exemplo, é o método
nero de línguas, como o esquimó, o nutka e, com raras exceções,os idio- regular iroquês para constrtlÍr a sentença - "estou comendo carne';. Em
3 semíticos em geral, que não sabem compor elementos radicais. O mais.

'unhável é que muitas dessas línguas não são, em absoluto, infensllS 6. [LiteroJmente, "casaco vermelho"; mas quanto ao sentido "homem de farda",
'ormações vocabulares complexas, mas ao contrário praticam sÍnte- "milita.r'. ]
que deixam longe quase tudo o que o grego e o sânscrito ousam fazer. 7 . A lingua. dos astecas, ainda falada em grande pa.rte do México.
75-
74 A LINGUAGEM os PROCESSOS GRAMATICAIS

outras línguas, formas análogas podem transmitir noções locais, instru- ereta que, na maioria das outras línguas, teria de expressar-se por
mentais ou outras. Formas inglêsas como killjoy e marplot [de to mar. meio de radicais. O caso inverso, do uso de prefixos com completa ex-
"estragar", e plot, "pro.jeto"J também ilustram a composição entre ver. clusão de sufixos, é muito menos comum. Tem-se um bom exemplo em
bo e nome, mas o vocábulo resultante tem função estritamente nominal, e khmel' (ou co.mbodjiano), falado na Oochinchina francesa, mas ainda aí
não verbal; não nos é lícito dizer he marplots. [A mesma observação apli- há tl'aç:os de antigos sufixos, que deixaram de funcionar como taisl e
ca-se ao português; ex.; ((guarda-chuva"J. hoje são sentidos como partes integrantes do radical.
Certas línguas admitem a composição de todos ou quase todos Of; Uma maioria considerável de línguas conhecidas usam a prefixação
tipos 'de elementos. O paiúte, por exemplo, compõe nome com nome, ad- e a sufixação a um só e mesmo tempo, mas a importância relativa dos
jetivo com nome, verbo com nome para formar nome, nome com verbo dois grupOS de afixas muito varia naturalmente. Em alguns idiomas,
para formar verbo, advérbio com verbo, verbo com verbo. O yanat CQmo o latim e o russo, só aos sufixos cabe relacionar o vocábulo ao res-
língua índia da Oalifórnia, pode compor à vontade nome com nome e to da sente~~, circunscrevendo-se os prefixos à expresSã;;-~uelas idéiltS
verbo com nome, mas não verbo com verbo. Por outro lado, o iroquês só que delimitam a significaç:ãQ c_QDcretado ]adical, sem inIluir no com-
pode compor nome com verbo; nunca, nome com nome, como faz o in- porta;;;nto dêle na proposição. Uma forma latina, como rernittebant1Lr
glês, ou verbo com verbo, como fazem tantas outras línguas. "eram mandados de volta" pode servir de ilustração para êsse tipo de
Finalmente, cada lfngna tem seus tipos característicos de ordem de distribui.ção de elementos. O prefixo re-, <tde volta" apenas qualifica,
composição. Em inglês o elemento que qualifica é regularmente antepos- até certo ponto, a significação inerente ao radical mitt-, "mandar", ao,
to j em outras, ó posposto. Às vêzes, são usados ambos os tipos, como em passo que os sufixos -eba-, -nt- e -ur transmitem noções menos concretas,
yana, onele carne de vaca é «mais amarga-caça", mas fígado de veado é mais estritamente formais, de tempo, pessoa, pluralidade e passividade.
cxpresso por "fígado-veado". O objeto composto de um verbo precede Em compensação, há línguas, como o grupo bântu da África e as
o elemento verbal em paiúte, náuhatl e iroquês, mas se lhe segue em yana, linguas athabaskan da América do Norte~, em que vêm em primeiro
t<;ínshian8 e nas lÍl-{guas 11,lgonkin. lugar os elementos de sentido gramatical, e aquêles que se seguem ao
De todos os processos gramaticais o da afixação é incomparàvel- l'adical constituem uma classe relativamente dispensável. A palavra 11upa
mente o mais frcqüentemente empregado. Há lfnguas, como o chinês e te-s-e-yaAc, "irei", por exemplo, consta de um radical -ya, "ir", três pre-
o siamê.." que não fazem uso gramatical de elementos que, concomitante- fixos essenciais e um sufixo formalmente subsidiário. O elemento te- in-
mente, não possuam valor independente como radicais; mas línguas des-
sa espécie são pouco comuns. I dica que o ato se realiza cá e lá no espaço ou através de um espaço con-
tínuoi não tem pràticamente um alcance bem determinado fora dos ra·
dicais vel'bais a que está acostumado a juntar-se. O segundo prefixo -s-
Dos três tipos de afixação, - o uso de prefixos, de sufixos e de in-
é ainda de menos fácil definição. O mais que podemos dizer é que se
fixos -, é o segundo o mais encontradiço. Pode-se até adiantar, sem re-
ceio, que os sufixos entram em maior escala na obra formal da linguagem
I usa com :formas verbais de tempo "finito" e assinala ação em progressO.
! antes do que um início ou um fim de ação. O terceiro prefixo -e- é um
do que todos os outros métodos reunidos. Vale salientar que há não poucas
elemento pronominal, "eu", que s.ó se pode usar em tempos :finitos. Im-
línguas de afixação, que absolutamente não fazem uso de prefixos e pos-
• suem um aparelhamento complexo de sufixos. Tais são o turco, o hoten- porta ficar bem compreendido que o uso do -(J- é condicionado pelo do -s-
ou outros prefixos alternativos e que te·, também, está na prática liga-
tote, o esquimó, o nutka e o yana. Algumas delas, como as três últimas
do ao empl'êgo do os-o O grupO tc-s-e-ya é, pois, uma unidade gramatical
citadas, têm centenas de sufixos, c muitos cuja significação é tiío con-
firmemente coesa. O sufixo .te, que indica o futuro, não é mais nece~-
S. Uma. língua !nc1ia da Colúmbia. Britânica e intimamente relacionada com
9. Que indui Unguas !lomo o nó,vaho, apache, hupa., wrricl' [nomo inglês, port.
o n9.ll6, já aqui citado.
"carrogo.dor"), chipowyo.n, !OlW1tC'UX [nome francês).
í7
OS PROCESSOS GRAlIIATICAlS
76 A LINGUAGEM

/1
nominal "1" [porto "eu"], G.9 o objeto pronominal "it" [porto "o"] 12; -a,.. ?
sário ao seu equilíbrio formal, do que o 1'e- prefixado, do vocábulo la-
tino supracitado j não é um elemento capaz de existência. isolada, tendo o segundo objeto pronominal "her" [porto "lhe"]; -l-, um elemento pre-
mais uma função de delimitação material do que estritamente formal·o. posieional que indica que o prefixo pronominal precedente deve ser to-
mado como objeto indireto (her-to, Le., "to her" (como em porto "a ela",
Não é sempre, entretanto, que podemos agrupar os sufixos para que se poderia usar em vez de "lhe"]; e -u-, elemento que nã.o é fácil de-
opô-los ao grupo dos prefixos. Pl'ovàvelmente na maioria das línguas finir satisfatoriamente, mas que de ~odo geral indica movimento par-
que utilizam os dois tipos de afixação, cada grupo tem ambas as funções, tido da pessoa que fala. A parte§)sufixada modifica o conteúdo do
a de ~elimil]&iioe a de ~(]ssiío formal ou relacionlll, O mais que po- verbo num sentido localj ajunta à noção contida no radical a de "che-
demos dizer é que cada lingua tende a exprimir sempre, de uma só ma- gada", isto é, "ida \ou vinda) para aquêle fim". Vê· se, claramente, as-
neira, as funções semelhantes. Se um dado verbo exprime um dado sim, que em chinuk, como em hupa, a engrenagem gramatical assen-
tempo por sufixação, é mais do que provável que exprima os seus ou- ta mais nos prefixos do que noS sufixos.
tros tempos de modo análogo, e, mais ainda, que todos os verbos tenham Caso inverso, em que oS elementos expressivos se aglomeram grama-
elementos temporais sufixos. Anàlogamente, esperamos em regra encon- ticalmente, como em latim, no fim do vocábulo, é-nos ministrado pelo
trar os elementos pronominais, na medida em que se integram no verbo, joz, [nome .inglês "rapôsa", pronuncie-se foks] , uma das línguas algen-
consistentemente prefixados ou sufixados. Mas esta praxe está longe de kls mais bem conhecidas no vale do Mississipi. Consideremos a forma
ser absoluta. Já vimos como o hebraico prefixa os sem elementos pro- eh_kiwi_n_a_m_oht.ati-wa-ch (i), "então êles todos fizeram (-no) fugir dê-
nominais em certos casos, e, em outros, os sufixa. Em chimariko, lín- les". Aqui kiwi- é o radical, radical verbal que indica a noção geral de
gua índia da Califórnia, a posição dos afixos pronominais depende do "movimento indefinido para um e outro lado, cá e lá". O elemento prefi-
verbo, em alguns verbos são prefixados, e, em outros, sufixados. ::<ado eh.. quase não é mais do que uma partícula adverbial para indicar
subordinação temporal j tradu-Ia convenientemente o nosso "então". Dos
Não será necessário dar muito mais exemplos das categorias de pre- sete sufixos, incluídos neste vocábulo tão elaborado, -71,.. parece ser ape~
fixação e sufixação. Bastará um de cada uma delas para ilustrar suas nas um elemento fonético de ligação entre o radical verbal e o -a,..se-
possibilidades formativas. guintéS; êste -a- é um radical secundãrio14 que denota a idéia de "fuga,
A idéia expressa em inglês pela sentença I
carne to giv(J it to he1' fugir"; -nt- designa causalidade em referência a um objeto animad016;
[porto "Yim para lho dar"] diz-se em chinukll i-n-&"'l-u-d-a-1'. :mste 12. No. realidade Mm (forma masculina, ao passo que it 6 neutro); mas ')
v(lllúbulo- e trata-se de um vocábulo perfeitamente lmificado com um chinuk, como o latim e o frD.ncês,. possui gênero grama tiC1l.1.pode-se tratar um
acento n'Ítido no primeiro -a- - consta de um elemento radical -d- "dar", objeto de "he" [êle] , "$he" [ela] ou "it" [gênero neutro] de acôrdo com a forma.
seis prefixos funcionalmente distintos, conquanto foneticamente frágei~, carncterística do nome que o designll.
e um sufixo. Dos prefixos, i- indica passado recente; -n-, o sujeito pro- 13. Estll análise 6 insegura. l1Jprovável que o -11.- possua uma :fun~ão, Il.indll.
por doslindll.r. As línguas algonkin são de uma oompleJÚdll.defora do comum e llpre-
sentam muitos problemas de detalhe ainda não resolvidos.
10. Isso poderá surpreendor o leitor inglês. Em regra considcrnmos o tempo um!\. 14. "Radicais secundários" são elementos que são sufixos do ponto de vista
função que se exprime aproprilldamente de maneira tôda formal. Tal no~ao derivo.-·
formal, nunca. figurs.ndo sem (, suporte de um verdadeilo radica.l, mD.5cuja função,
lia do pendor que o estudo da gramá.tica latina nos deu. Na realidade, o futuro in-
qualquer que seja o seu intento ou prop6sito, é tão concreta qua.nto a do pr6prio
glês (1 sll.all gol não se expressa absolutamente por um Il.fixoi demais, pode ser ex- radiclll. RadicD.Í5·verbais secundlJ.:rios dêsse tipo são caractcrístic1l9 das línguas aI-
presso pelo presente, como em - to-morTow I leave this place ["amanhii deixo êste
lugll.r"], onde a funçuo temporal é inerente ao advérbio to-morrow [porto "amanhã"]_ gonkín e do yana.
Em monor grllu embora, o hupa -te é tão irrelevo.nte 0.0 vocábulo verbal prôpriD.mente
15. Nas líl!guas algonkin, tôdas Il.ll .pessoas e coisas são conhecidas como
I
dito, quanto "amanhã!' liO nosso "sentimento" de leave [porto "deixo"]. anÍInlldas ou inanimadas, da mesma sorte quo em latim ou l\lemão são concebiu1l9
como mascuHnas, femininas ou neutras.
11. Dialeto wishram.
i8 A LINGUAGEM OS PROCESSOS GRAMATICAIS 79

-o(ht)- indica atividade que recai no sujeito (ou, seja, a chamada voz É evidente que o processo de ínfixação tem nessas línguas (e em suas
medial ou médio-passiva do grego) i -(a) ti- é o elemento de reciprocida- cognatas) a mesma vitalidade que em outras possuem os prefixos e su-
de uum ao outro"; -wa--ch(i)- é a terceira pessoa animada do plural fixos mais comuns.
(-wa-- para o plural e chi, mais pràpriamente pessoal) das chamadas
O processO'é também encontradiço em certo número de línguas da
formas "conjuntivas". Pode-se traduzir a palavra mais literalmente i~
"
América aborígine. O plural yana forma-se às vêzes por um elemento
(mas, apesal' de tudo, só aproximadamente quanto à impressão grama- infixado, e. g., k'uruwi "curandeiros", k'uwi, "curandeiro"IGj em chi-
tical do conjunto) por "então êles (sêres animados) fizeram um ser ~
nuk, usa-se um -Z- infixado em certos verbos para indicar atividade re-
qualquer animado andar cá e lá em fuga de um para outro entre si". O
I'i
: ~
petida e. g., ksik'ludelk, "ela fica olhando para êle", iksik'ltutk "ela
esquimó, o nut!ca, o yana e outros idiomas têm equipamentos anàlogamen-
olhou para êle" (elemento radical -tk). Nas línguas siu8n há um tipo
te complexos de sufixos, embora difiram em grande escala as funções
peculiarmente interessante de infixação, qual o de certos verbos ·inséri-
que tais sufixos realizam e os princípios por que se combinam.
rem elementos pronominais no próprio corpo do radical, e. g., si'lichêti,
Reservamos para ilustração separada o curiosíssimo tipo de ele- "fazer uma fogueira", chewati, "eu fiz uma fogueira"; xuta, "perder",
mentos de afixação conhecidos pelo nome de uinfixos". É completamente xuunta-pi, "nós perdemos" (um objeto)_
ignorado em inglês, a menos que consideremos o -n- de stand [presente
Processo subsidiário, mas não de maneira alguma, sem importância,
de "ficar de pé"], em contraste com stood (pretérito), uma consoante
infixada. é o da mutação interna vocálica ou consonantal. Em algumas linguas,
como em inglês (sing, sang, sung, song; goose, geese), a primeira dessas
As antigas línguas indo-européias, como latim, grego e sânscrito, mutações tornou-se um dos maiores métodos para indicar mudança bá-
laziam um uso relativamente considerável de nasais infixadas em certos sica de função gramatical. E, seja como fôr, o processo continua vivaz,
verbos, para diferençar o presente de outras formas verbais (contras- ao ponto de atrair os nossos filhos para caminhos ínvios. Todos conhece-
te-se o latim vinco "venço", com vici uvenci"; o grego lamb-an-o, "tomo" mos algum meninote que fala em "having brung somethingl1 [em vez
com e-lab-on, "tomei"). Hã, entretanto, exemplos mais impressionantes de brought, particípio passado do verbo to bring, trazer] por analogia
do processo, exemplos em que êle assumiu uma função mais claramente com formas como sung e flung [verbos to sing, "cantar" e to fling, "ar-
definida, do que nesses casos latinos e gregos. 1jJ especialmente predomi- remessar"]. Em hebraico, já o vimos, a mutação vocálica ainda é mais
nante em muitas línguas do sudeste da Ásia e do arquipélago malaio. significativa do que em inglês; e o que é verdade para o hehraico, tam-
Bons exemplos, tirados do khmer ou cambodjiano são tmeu, "aquêle que bém o é, naturalmente, para tôdas as outras línguas semíticas. Uns pou-
passeia", e daneu, "passeio" (nome verbal), ambos derivados de deu, cos exemplos do chamado plural "quebrado" do arábico17 servirão "desu-
"passear". Podemos ir buscar outros exemplos em bonto!c-igorot, língua plemento às formas verbais hebraicas que já citei a outro propósito. O
filipina, em que um ·in- infixado traz a idéia do produto de uma ação nome baLad, lilugar", tem para plural .a forma bilad18j g~1d, "esconde-
realizada, e. g. 1cayu, "madeira", Mnayu "madeira apanhada" [i. e., "le- rijo" faz o plural guludj de ragil, "homem", o plural é rigalj,·de zibbal.;,
nha"). São também usados, sem parcimônia, infixos no verbo bontok- "janela", ° plural é xababik. Fenômenos muito semelhantes encontram·
igorot. Assim, um -ttm- infL"ado, é característico de certos verbos intran-
sitivos que possuem sufixos pronominais de pessoa, e. g., sad, "esperar" 16. [Trnduziu-se por "curandeiro" a locução mCdl{;inc·man, que li. escola antro-
sumid-alc, "eu espero"; lcineg, "calado", kuminek-ak "eu estou calado". po16gica inglêsa do Tylo!' e Frazer vulgariza.ram e que os a.utores fra.nceses (Levy'
Em outros verbos indica futuro, e. g., tengao-, "celebrar um feriado", Brühl, por exemplo) transpõem literalmente para hommc·médicinc.)
tumengao-ak, "terei um feriado". O pretérito é freqüentemente indicado 17. Dialeto egípcio.
pelo infixo -in-j se já existe o infixo -um-, combinam-se os dois elemen- 18. Há. também mudanças de ncento c quantidade vocálierl nestas formas,
tos em -in-m-, e. g., kinminek·ak "estive calado". mas D.'l exigências da simplificação impõem-nos desprezá-1M.
80 A LINGUAGEM OS PROCESSOS GRAMATICAIS 81

se nas línguas hamíticas da África Setentrional, e. g'l em Shilh19 izb~'l, to house (com s pronlUlciado como z) [porto "casa" e "alojar"]. Que
"cabelo", plural izbel/ a-slem, "peixe", plural i-slim·e1t/ sn, "saber", sen temos o sentimento nítido da troca, como meio de dis.tinguir o nome do
"e~tar sabendo"; rmi, "cansar", rnmni, "estar cansado"; ttss~O, "adorme- verbo, prova·o a extensão do processo na bôca de muitos amerieanos para
cer", ttos:; "dormir". De llJ'\AIOllia impressionante c.om as alternnncius m· um nome do tipo 7'ise (e. g. the me of democracy) - pronunciado rice
glêsas e gregas do tipo sing-sang e leipo, "deh:o'~, leloipa "deixei", são - em contraste com o verbo to me, de s igual a z [porto "erguer"].
em somali21 os casos de al, "sou", il, "era"; i-dah-a, "digo", i-di, "dizia", Nas línguas célticllS, as consoantes iniciais 'sofrem várias espooies
de h, "dize!"
de mudança de acôrdo com a relação gramatical subsistente entre o vo-
A mutação vocálica é também de grande significação em certo nú- cábulo e o que precede . .Assim; em irlandês moderno, uma palavra como
mero de línguas índias americanas. No grupo athabáskan muitos verbos bo ''boi'' pode, em adequadas circunstâncias, tomar as formas bho (pro-
mudam a qualidade ou a quantidade da vogal do radical ao mudar de nuncie-se wo) ou mo (e. g., an bo, "o boi", sujeito, mas ti'f na mo, ''terra
tempo ou de modo. O verbo náva.ho correspondente a "ponho (grão) dos bois", possessivo do plural). No verbo, o princípio tem, como uma das
numa vasilha" é bi-hi-x-dja, em que dja é o radical; o tempo pretérito suas mais notáveis conseqüências, a aspiração das COn5lOantcsiniciais do
bi-hi-dja!, tem um a longo seguido da "oclusão glotal"22; o futuro é bi-h- pretérito. Se um verbo começa por t, digamos, troca o t por th (que
de-x-dji com a mudança completa da vogal. Em outros tipos de verbos hoje se pronuncia h) nas formas do passado; se começa por g, a con-
návaho, as mutações vocálicns seguem linhas diferentes, e. g., yah-a-ni-ye soante passa, em formas análogas, a gh (pronunciado como aspirante
"carregais (um fardo) para (uma cavalariça)"; pretérito yah-i-ni·yin sonora gZ' ou como y, segundo a natureza da vogal seguinte). Em ir-
i
(com longo em yin, sendo o n aqui usado para indicar nasal ação ) j . fu- landês moderno, o princípio da mutação consonantal, que começou no
turo, yalt·a-di-yehl (com e longo). Em outra língua índia, o yokuts23, as período mais arcaico como conseqüência secundária de certas condições
modificações vocãlicas manifestam-s.e tanto nas formas nominais como fonéticas, tornou-se, pois, um dos processos gramaticais primordiais da
nas verbais. Assim, buchong "filho" forma o plural bochang-i (em con- língua.
i
traste com a forma objetiva b~tchong-a) de enax, "avô", o plural é inax-a; Tão notáveis talvez quanto êsses fenômenos irlandeses são. as per-
o verbo engtyim "dormir" forma o continuativo ingetym-ad, "estar dor- mutas consonantais do fuI, língua africana do Sudão. Aqui, verifica-
. mindo" e o pretérito ingetymax.
se que todos os nomes pertencentes à classe pessoal formam o plural
As mutações de consoante, como processo funcional, são por certo mui· com a mudança da inicial g, dj, d, b, k, ch e p para y (ou w), y, r, w,
to menos freqüentes do que as modificações vocálicas; mas, a bem dizer h, s e f respectivamente, e. g. djim-o "companheiro", yim-'be "companhei-
não são raras. ros", pio·o ''batedor'' (nas caçadas), fio-'be "batedores". ~ curioso obser-
var que nomes pertencentes à classe dos objetos formam o seu singular
Em inglês tem-se um grupo de casos interessante - o de certos
e plural de um modo exatamente inverso, e. g., yola-re, ''lugar de relva
nomes e verbos correlatos que só diferem pela consoante final surda ou
crescida", djola-dje,_ "lugares de relv~ crescida". fita1t-du, "alma", pital-i,
sonora. São exemplos wreath (com th como em think) mas to wreathe
"almas". Em nutka, para citarmos ainda uma língua, em que se encon-
(com th como em then) [porto "gl'inalda" e "engrinaldar"); home, mas
tra êsse processo, o t ou tZ25 de muitos sufixos verbais torna-se hl em
formas que designam repetição, e. g'l hita-'ato, "cair para fora", hita-ákl,
19 • Língua bcrbere de Manocos.
"ficar caindo para fora"; mat-achixt-ua, "fugir pela água", mat-achÍ$t-
20. .A.1gumas línguas berberes admitem combina.ções cO!lllonantais, que, 11. nós
outros, parecem impronunciá.veis.
-ohl, "ficar fugindo pela água". Al~m disso, o hl de certos elementOs pas-
21. Uma dns Unguas hamíticas da. África. oriental.
22. Ver pág. 56. 24. Ver pá{?;. 57.
23, . Falado no centro meridional da ,Calif6rllia. 25. Essas grafiss são apenas !Lproximações grosseiras de certos .sons simplct1.
OS PROCESSOS GRAMATICAIS 83
82 A LINGUAGEM

sa para um peculiar som h nas formas do plural, e. g. yak-oh~ "contun- da em ewe 21, em que tanto os infinitivos como os adjetivos verbais fle
dido na face", yalc-oh, "(gente) de fac.e contundida". Nada mais natural formam do verbo por duplicação; e. g. yi, "ir", yiyi "ação de ir", wo
do que a importância da reduplicação, ou seja, em outros têrmos, a re- "fazer", wowo, "feito"28, m.awomawo "ação de não fazer" (com dupli-
, petição total ou parcial do radical. O processo é geralmente empregado, cação tanto do radical verbal como da partícula negativa). Duplicações
com transparente simbolismo, para indicar certos conceitos como distri- causativas são características do hotentote, e. g'I gam.gam2~ "fazer dizer"
buição, pluralidade, rtrrJetição, atividade habit}Jal, aumento de tamanho, (de gam, dizer). Ou usa-se o processo para derivar verbos de nomes, co-
acréscimo de intensidad~ntiíiü~ Até em inglês, não-édesc~nhe~-- mo no hotentote khoe-khoe "falar hotentote" (de khoe-b, homem hoten-
cido, embora não se considere em regra um dos recursos formativos tí- tote) ou em kwakiútl metmat, "comer ostras" (elemento radical meto,
picos da língua. Palavras como goody-goody e to pooh-pooh [de goody, "ostra") .
"bobo" e pooh!, exclamação de desprêzo] tornaram-se parte aceita de Os exemplos mais caracteristicos de reduplicação são aquêles que
nosso vocabulário normal; mas o método da duplicação pode ser usado, repetem uma parte apenas do radical. Seria possível demonstrar a exis-
em dados momentos, mais espontâneamente do que o indicam tais exem- tência de um vasto número de tipos formais, nessa reduplicação par-
plos assim esteriotipados. Locuções como a big big man ["homenzarrão"] dal, segundo o processo - se serve de uma ou mais consoantes radicais,
ou Let it cool till ,it's thick thick ["Deixe esfriar até ficar bem consis.ten- preserva, enfraquece ou altera a vogal radical, ou se refere ao eomêço,
te"] são muito mais comuns, especialmente na fala das mulheres e crian- ao meio ou ao fim do radical. As funções são até mais exuberantemente
ças do que o fariam supor os nossos compêndios de linguagem [cf., em desenvoltas do que com a reduplicação simples, embora a noção básica,
português, '''está fraquinho, fraquinho!"]. Contudo a enorme porção de pelo menos na sua origem, seja quase sempre de repetição ou continui-
palavras, muitas de som imitativo ou de intenção pejorativa, que têm dade. Pode-se buscar de tôdas as partes do mundo exemplos ilustrati-
reduplicações em inglês, com alternância às vêzes de vogal ou de consoan- vos dessa função fundamental. Reduplicações iniciais temos em shilh
te, constituem uma classe à parte: são do tipo de sing-song, riff-ralf, g{]IJn, "estar dormindo" (de gen "dormir"); fuI pepeu-'do, "mentiroso"
wishy-washy, harum-skarum, roly-poly [cf., em português, "zig-zag", "tic-
(i. e" aquêle que sempre mente), plural fefeu-'be (de fewa, "mentir");
.tac", "bule-bule", "bim·bão", donde "bimbalhar", etc.]. Palavras dêsse bontok-igorot ana,h, "criança", a,nanak "crianças"; kamu.ek, "apresso-me",
tipo são pràticamente universais. Exemplos como o russo Ohudo-Y1ldo kakam1l-IJk "apresso-me mais"; tsínshian gyad, "pessoa", gYrJyad, "povo";
(um dragão), o chinês l,ing-pang (para o bater da chuva no telhado) 26, nass gyibaytlk, "fugir", gyigyibaY1lk "aquêle que foge". Psicolàgícamen-
o tibetano kyang-kion,q, "preguiçoso", o manchu porpon·parpan "rame- te comparáveis, mas com a reduplicação no fim, são somali ur, "corpo",
lento", lembram curiosamente, na sua forma e psicologia, têrmos mais
plural 1lrarj hll.ússa S1ma, "nome", plural sunana-kij washo30 {ftUlU "bú-
próximos de nós. falo", gtLSUSU, "búfalos"; takelma31 himi-d- "conversar com ... ", himim·d-
Não se pode dizer propriamente, entretanto, que o processo redupli- "ter o hábito de conversar com ... ". Ainda mais comum ente do 'que a
cativo tenha uma significação gramatical específica em inglês [ou em duplicação simples, essa duplicação parcial do radical assumiu em muitas
português] . língua:,; funções que não parecem ter a menor relação com a idéia de
Convém buscarmos alhures a. sua ilustração. Casos como o hotentote aumento.
go-go, "olhar cuidadosamente" (de go, "ver"), somali fen-fen "ranger os
dentes para todo lado" (de ien, ranger os dentes), chinuk iwi-iwiJ 27. Lingua ll.fríeano. da Costa de Guiná [Tll.mbêm se usa em português o nome
"olhar em volta com cuidado, examinar" (de iwi, aparecer) ou tsinshian gege.]

am'an "vários (são) bons" (de am bom) não se afastam do âmbito na- 28. No adjetivo verbal o tom da segunda. 6ílnha difere do da primeira.
tural e f1IDdamental do processo. Função mais abstrata é exemplifica- 29. "Click" 'inicial (pág. 61, nota. 16) omitido.
30. Lingul1 índia de Nevada.
26. Donde o nosso ping·pong. 31. Linguo. india. de Oregon.
8! A LINGUAGEM OS PROCESSOS GRAMATICAIS 85

Talvez os exemplos mais conhecidos sejam os da reduplicllÇão ini- to como em nlÍvaho ta--dtgis, "vós vos lavais" (acentuado na segunda sí-
cial das nossas antigas línguas indo-européias, que auxilia a formação do la.ba) e t~di-gis "êle se lava" (acentuado na primeira) 32.
pretérito de muitos verbos (e. g. sânscrito dada1'-xa, "vi", grego leilopa O acento de altura pode desempenhar função tão importante quan-
"deixei"; latim, tetigi, "toquei", gótico lelot, "concedi"). Em nutka em- to o de intensidade e talvez a desempenhe mais a miúdo. O simples fato,
prega-se não raro a reduplicação do elemento radical em associação com entretanto, de serem as variações de altura essenciais na fonética de
certos sufixos; e. g. hluch-, "mulher", forma hluhluch-'it1,hl, "sonhar com
uma língua, como em chinês (e. g. fêng, "vento" com tom nivelado, ftng,
uma mulher", hluhluch-k'ok "parecido com uma mulher". Exemplos psi- "servir" com tom decrescente) ou em grego clássico (e. g. lab-~, "ten-
colõgicamente semelhantes ao grego e ao latim são, em takelma, muitos do tomado", com tom simples ou alto 110 sufixo de particípio -011,; gunaik-
casos de verbos que exibem duas formas do radical, uma usada no pre- ó'n, "de mulheres", com um tom circunflexo ou decrescente no sufixo
sente e no pretérito, a outra no futura e em certos modos e derivados
casual -01~) não constitui por si só, necessàriamente, uma aplicação da
verbais . .A primeira tem uma redt1plicação final, que não figura na se- 'altura para fins funcionais, ou, digamos melhor, gramaticais. Em tais •
gunda; e. g. al-yebeb-i'n "mostro-lhe (ou mostrei-lhe) ", al-yeb-in, "mos- casos a altura está meramente integrada no radical ou no afixo, como
trar-Ihe-ei" .
estão as consoantes e as vogais.
Chegamos agora ao mais sutil dos processos gramaticais: variações Já é coisa diferente uma aIternância chinesa do tipo de chüng (ni-
de acentuação, quer na intensidade, quer na altura. velado), "meio", e ch~ng (decrescente), "acertar no meio"; m.fi (cres-
A principal dificuldade em isolar o acento como process.o funcio- cente), "comprar" e m'ai (decrescente), "vender"; pai (decrescente), "cos-
nal está em que êle se acha muitas vêzes. tão combinado com alternâncias tas", e pei (nivelado) "levar às costas". Exemplos desta ordem não' são,
de quantidade ou qualidade vocálica, ou tão complicado pela presença a rigor, comuns em chinês, nem se pode dizer que a língua possua atual-
de afi ...•
os que o seu valor gramatical aparece sob aspecto mais secundá- mente o sentimento nítido de simbolizar nas diferenças tônicas a dis-
rio do que primordial. tinção entre o nome e o verbo.
Em grego, por exemplo, é um característico das formas verbais re- Há idiomas, entretanto, em que tais diferenças têm importância gra-
cuarem o acento o mais longe possível, dentro das regras pros6dicas ge- matical das mais. frmdamentais. São elas particularmente comuns no-
rais, enquanto os nomes apresentam maior liberdade de acentuação. Há, Sudão. Em ewe, por ex.emplo, existem, provàvelmente de subo, "servir",
assim, uma importante diferença de acento entre uma forma verbal como dua.s :formas reduplicadas, uma infinitiva sub'osúbó, "servir", com tom
el1dhemen, "fomos libertados", acentuado na penúltima sílaba, e o seu baixo n~ duas primeiras sUabas e alto nas duas últimas e uma adjetivll
derivado principal lutheis, "líbertado", acentuado na última. A presença súbósúbó, "(aquêle) que serve", em que tôdas as sílabas. são em tom alto.
dos elementos verbais típicos (',-e -men, no primeiro ca'>O, e do s nominal, Ainda mais notáveis são casos ministrados pelo shilluk, uma das lín-
no segundo, COnCOr1'0para obumbrar o valor inerente da alternância de
guas das cabeceiras do Nilo . .Assim, o plural de um nome muitas vêzes
acentos. 11:ssevalor ressalta nitidamente em formas duplas inglêsas como 'f difere do singular pela entoação; e. g., yft (alto), "ouvido", mas yit
to 1'efund (verbo, oxítono) e (t refund (nome, paroxítono), to extract
(baixo) "ouvidos", Nos pronomes, pode-se distinguir três formas apenas.
e an extract, to come down e a come down, to lack luste1' e lack-luster
pelo tom: ~, "êle", tem tom alto e é subjetivo, -e, "o" (e. g., a chwol-e,
eyes; em que a diferença entre o verbo e o nome só depende da mudan "êle o chamou") tem tom baixo e é objetivo, -e "dêle" (a. g., wod-e,
ça de acentuação [É o que anàlogamente se verifica em português entre Ir "casa dêle") tem tom médio e é possessivo, Do elemento verbal gwad-,
a 1.' pessoa singular do indicativo presente e o nome de verbal correlato, '1
"escrever", formam-se gw~d-~ l/(êle) escreve", com tom baixo a passiva
. de, por exemplo, "(eu) reverbero", paroxítono, e "(o)' revérbero", propa-
roxítono, "(êle) fabrica", paroxítono, e "(a) fábrica", proparoxítono, etc.]. 32. Nõ'o 6 improvó.vel, entretlluto, que estas alternllncias sejam primordial-
Nas línguas athabúskan, há não raro significativas alternâncias de aoen- mente de natureza tônica (altura).
86 A LINGUAGEM:

uw~t, "(estava) escrito", com tom decrescente, o imperativo gw{U "es-


creve!", com tom crescente, e o-nome verbal gwêt, "escrita", com tom
nivelado.
Sabe·se que na .A~érica aborígine também ocorre o acento de altu- v
ra como processo gramatical. Bom exemplo de uma dessas línguas de
entoação é o tlinguit, falado pelos índios da costa meridional do Alasca.
Aí, muitos verbos variam o tom do radical conforme o tempo; hun, "ven-
A FORMA NA LINGUAGEM: OS CONCEITOS GRAMATICAIS·
·der", sin, "ocultar", tin, "ver", e muitos outros radicais, pronunciados
em tom bai:l~oreferem-se ao pretérito, e em tom alto, ao futuro. Ilus-
tram outro tipo de função as formas takelma heZ, "canto", com altura
decrescente, mas heZ, "cante!" com uma inflexão de voz ascendente; há
Vimos que o vocábulo isolado exprime um conceito simples ou uma
paralelamente seZ, (decrescente) ('pintado de prêto", seZ (crescente),
combinação de conceitos tão intrincados que constituem uma unidade
"pinta-o t".
psicológica. Examinamos ràpidamente, além disso, sob um aspecto· estri·
Bem pesado tudo isso, torna-se evidente que o acento de altura, como tamente formal, os principais processos que são usados em tôdas as lín·
a intensidade e as modificações vocálicas ou cOD$onantais,é utilizado com guas conhecidas com o fim de submeter os conceitos fundamentaiR, .-
muito menos parcimânia, como processo gramatical, do que poderíamos aquêles que estão corporificados nos vocábulos inanalisáveis ou nos ra·
.supor provável dentro dos nossos hábitos lingüísticos. dicais de um voeábulo -, à influência modificadora ou formativa do~
conceitos subsidiários.
Neste capítulo, olharemos mais de perto para a natureza do munde
dos conceitos, na medida em que êsse mundo se reflete e sistematiza na
estru tura lingüística.
.i Comecemoscom uma sentença simples inglêsa que inclui vários ti·
pos de conceitos - the farmer kills the duckling.
Uma análise perfunctória revela aqui a presença de três conceito~
distintos e fundamentais relacionados entre si por uma porção de ma·
neiras. São êles: farmer ["lavrador"], sujeito do discurso; kill ["matar".
na 3.~ péSSoado presente "mata"], que define a natureza da atividad~
a que a sentença se refere; e dulcling (duck, "pato", e o sufixo dimi;
nutivo .ling, para indicar um "filhote de pato"] outro sujeito do dis·
J

<lurso1que toma parte importante, embora um tanto passiva, nessa ati·


vidade. Podemos ter uma visão do lavrador [farmer) e do animal (duck:
Zing] e construir sem dificuldade uma imagem do ato praticado [killing].
Em outros têrmos) os elementos farmer, kill e duckling definem conceiw
de ordem concreta.

1. Não no seu sentido técnico.


r

88 A LINGUAGEM I os CONCEITOS GRAMATICAIS 89


!

Análise lingüística mais cuidadosa, porém, mostra-nos logo que os eoncebida como sempre ocupada nessas atividades. Evidentemente, H'a
dois sujeitos do discurso, por mais singela que seja a nossa visão mental à cidade e tratará de atividades muito outrll:~~as _~!l~p-i.~
__com -a pape-
fi respeito, não estão expressos da maneira direta e imediata por que nos leta. lingüística de farm~ .,--...-...-.'--.-..
impressionam. Farmer é em certo sentido um conceito perfeitamente
A linguagem revela nisto certa incapacidade, ou se quiserem, certa
unificado, em outro sentido é "aquêle que lavra [farm, verbo "lavrar"].
tendência rígida a olhar muito além da função imediatamente sugeri-
O conceito transmitido pelo radical (farm-) não é absolutamente um con-
da, confiando em que a imaginação e a fôrça do hábito bastam para
ceito de personalidade, mas de atividade industrial (to farm), que parte
preencher as transições de pensamento e os detalhes de aplica<;.ão que
por sua vez do conceito de um tipo particular do objeto (a farm) [isto
distinguem do conceito concreto (to farm) um seu conceito "derivado"
é, em inglês, o substantivo de coisa farm, "herdade, fazenda", determinou
(farmer), Seria, com efeito, impossível a qualquer língua exprimir
a formação de um verbo to farrn, de que saiu por sua vez o substantivo
de pessoa farmer expresso no exemplo]. Da mesma sorte, o conceito de cada idéia coii~or um radical o~r .J!m_ª l2..ª~y.!'..~,i!!:..a:e~enien:t~: J

_~~,~!?S da línguâ,
O que há de concJ..:~tona experi~.Q~i!.L_"~_.,~I!:~~!1i!':.t?;
{j,1!cklingestá em :Qosicão lJlteriol' à do conceito expresso pelo radical duck.
~ais rica são estritamente limit~2!?:_._A.__!1!!.g.l:l_~n!-~~'pois, iorÇõSãffiénte-
:t:ste, que pode figtirar como vocábulo independente, refere-se a tôda
uma classe de animais, grandes c pequenos, ao passo que duckling está de jogar inúméros conc!itos "dei~!:SQ_ ª_l!.,.!g.!?rl.~~~,~:~~:~~!~~~~~~~~gi~~f~~
Bicos, servindo-se de Q)Jtras idéias concretas ou semi~Cllç,r~tª!L~oI.!J--O..inter-.~
limitado na sua aplicação aos filhotes dessa classe. O vocábulo farmer
iüêdiários funcionais. As idêi;;-;;~p·res~~;·p~'~"êsses e1~~entos intermediá-
tem um sufixo lIagentivo" -er, ao qual cabe a função de indicar a pes-
rios, - os quais podem ser vocábulos independentes, afixos ou modifica-
soa que realiza uma dada atividade [como em porto "-dor" de "lavrador",
ções do radical ..:.., podem ser chamadas "derivadas" ou "qualificativas".
por exemplo, que é "a,quêle que lavra"]. Tal sufixo transforma o ver-
Alguns conceitos concretos, como kill, são expressos por um radical; ou-
bo to farrn num nome agentivo, precisamente como transforma os verbos
tros, como farmer e duckling, por um meio derivado. '
'to sing, to paint, to teach ["cantar", "pintar", lIensino.r", ou seja, "pro-
fessar"}. nos nomes agentivos correspondentes singer, painter, teacher Em correspondência a êsses dois modos de expressão há dois tipos
(port. "cantor", "pintor", IIprofessor")2, O elemento -ling não apresen- !
de conceitos e de elementos lingüísticas, um radical (farrn, lcill, duck) e
&0. um uso igualmente amplo, mas a sua signüicação é óbvia, Acrescenta outro derivado (-er, -ling). Quando um vocábulo (óu um grupo unifica-
~oconceito básico a noção de pequenez (como ainda em gosling e fled-
(:
do de Yõêãbulos) contém um elemento (ou um ,vocábulo) derivado, a' --
7eling) ou a noção co1'relato. de "mesquinhez desprezível" (como em. significação concreta do radical (farm-, duck-) te~de a esva~r-se da cons-
'lJeakling, princeling, hireZing), Tanto o agentivo -er quanto o diminu- ,ciência e a deixar-se substitnix: __por um novo valor concreto (farmer,
;ivo -ling transmitem idéias nitidamente concretas (de uma maneira ge- duckling), que é antes sintético na expressão dó que" prõprià~ente na
idéia, Na nossa sentença, por exemplo, não entram a rigor os concei-
~al as de "pessoa que faz" e "Pequeno"); mas êsse caráter concreto não,
:ica bem acentuado. O papel dos dois sufixos não é tanto definir con- tos de farm e duckj ficam meramente latentes, por motivos formais, na
~eitos distintos quanto servir de elemento intermediário entre certos expressão' lingüística.
:onceitos. O -e1'dc farmer não diz pl'àpriamente "aquêle que (fanns)"; Voltando à sentença, sentimos que a 'análise de farmer e duckling
:. não interessa pràticamente à compreensão do seu conteúdo e não inte-
ndica apenas que a espécie de pessoa a que chamamos. fanner está i
ão associada às atividades da lavoura que pode ser conventili!J;lJL1mente ressa absolutamente à percepção da sua estrutura global. Partindo-se da,
sentença, os elementos derivados, -!l1' e -ling são apenas detalhes da eco-
nomia local de dois de seus têl'mos (farmer e duckling) por ela adeitos
2. [Nos exemplos portuguêses, há entre o verbo e o nome um sentimento ,de
como unidades de expressão, .
erivação atual, que não corrcsponde à realidade hist6rico., pois tanto o nome como
verbo estilo no mesmo pInno de derivaçii~ em referência. aos radicais primitivos dOB, Evidencia-se essa indiferença da sentença, como tal, a uma parte
~rbOB latinos ronc-re, pingcre, profitC1'i.] da análise dos seus vocábulos com substituirmos a fa1"rne'r e duckling vo-
I
I
90 A LINGUAGEM OS CONCEITOS GRAUATICAIS 91
I,

[
cábulos radicais como man ["homem"] e chick ("pinto"), obtendo novo apenas falando dêle; e, além disso, ,que êle não está matando a ave, mas
conteúdo material, é certo, mas lfão absolutamente novo molde estrutural. 1

1,
recebendo uma ordem minha neste. sentido. A rE,!!-ção subjetjy.a que ha-
\; via na primeira sentença, tornou-se uma relação vocativai e a ativi-
Podemos ir além e substituir outra atividade à de matar, a de "segu- I'
I; dade passa a ser concebida em tªrmos imperativos e não indicativos.
rar" digamos [inglês to ta.kc]. A nova sentença the man ta.kes the chick~
é totalmente diversa da primeira quanto ao assunto mas não Q\1anto à Concluímos, portanto, que se o lavrador deve ser apenas uma pes-
maneira de tratá-lo. Sentimos instintivamente, sem a mais leve tentativa soa de quem se fala, o artigo tem de voltar ao sel'l lugar e o -8 não deve
de análise consciente, que as duas sentenças adotam precisamente o ser supresso. 11Jsteúltimo elemento claramente define, ou antes, auxilia
~!?-.~mopadrãQ, que são na realidade uma mesma sentença funda~~~_ a definir uma sentença enunciativa em contraste com uma ordem.
diferindo_apenas peJo.....mrestimento materillL Em outros têrmos, expri- Verifico, além disso, que, se quiser falar de vários lavradores, não
mem de maneira idêntica idênticos conceitos de relação. A maneira é, poderei dizer - the fa.rrtters kills the dtu;kling, mas sim - the farmers
por assim dizer, tríplice - o uso de um vocábulo inerentemente rela-
~az the duckling, Evidentemente, pois, o -8 pressupõe a singularidade
eional.· (the) [artigo definido] em posições análogas; a seqÜência aná.
do sujeito. Se o nome é singular, o verbo tem uma forma que lhe corres-
Ioga' (sujeito, predicado constituído de verbo e objeto) dos têrmos con-
ponde, e tem outra, se o nome é pluraIS. A comparação com formas
cretos da sentença; e o uso no verbo do elemento sufixado -s [desinên-
cia do indicativo presente da 3.~ pessoa singular]. . como I kill [1.~ pessoa do singular] e Vou kill [2.' pessoa do plural] mos-
tra, a. mais, que· o -8 tem exclusiva referên,cia, a uma pessoa outra. que
Mude-se um dêsses earacteres da sentença e ela fica modificada, não aquela que fala ou aquela com que se fala. Concluimos, pois, que
leve ou profundamente, sob o seu aspecto puramente relacional, não- I~
. conota aí uma relação pessoal, ao mesmo tempo que uma noção de sin-
material. Se omitir-se the (tarmer h?ls duckling, man takes chick)
gularidade. E a comparação com uma frase' como - The farmer killed
ela torna-se impossível; não entra num padrão formal reconhecido e os
dois sujeitos do discurso parecem incompletos, suspensos no vácuo. Sen- [pretérito; port, "matou"] the duokling indica haver ainda neste sobre-
timos que não há relação estabelecida entre êles, relação ess~ que já carr~adíssimo -s a designação nítida do tempo presente. --'-'---
está prevista na mente de quem fala e quem ouve. Assim que o the .é O caráter indicativo da sentença e a referência de pessoa podem ser
anteposto aos dois nomes, sentimos um alívio. Ficamos sabendo que o , considerados conceitos inerentes de relação. O número ..t.~Yidentemel+le_.
lavrador e a ave de que nos fala a sentença, são o mesmo lavrador e a . sentid~l~~~_ inglês .QQI!19...lJ.I11!l-l'elação.nec~ªljil:d~,9jsJ ...d:º.çc)11~_._
mesma ave, a que nos referíamos, ou de que ouvíamos referência, ou em ..Jrário não haveria. razão para exprimi!,:~.t:....ª~as...!:.~~.~.s._..~ .. ~o.l}.c,e!t~
.-::-:um~..
que pensávamos, momentos antes. Se eu encontrar um homem que não :vez no nome, outra vez no v~rQC).!O tempo também é claramente senti-
está cogitando e nada sabe do citado lavrador, defrontarei provàvelmente do como conceito de relação; se o não fôsse, poder-se-ia dizer the fanner
com tlm olhar de pasmo por tôda resposta, ao lhe comlmicar que "the killed-s para cOl'responder a - the fa7'mer Mlls.
farmer ("quem é êle1") kills the duckling ("não sabia que êle tinha um,
Dos quatro conceitos inextricàvelmente entrelaçados no sufixo Os,
seja êle lá quem fôr"). Se, não obstante, o fato me parecer digno de ser
todos são sentidos, pois, como conceitos de rel~o, sendo que dois têm
comunicado, serei forçado a falar de "a !arme7' up my way" ["um la-
o caráter de relação necessári~. A distinção entre um verdadeiro con-
vrador lá das minhas bandas"] e de a dWJkling of his ["um patinho
ceito de relação e um que é apenas sentido e tratado como tal, sem que
seu"]. :f':sses vocabulozinhos, the e a, [artigos "o" e "um"] têm a impor- seja parte intrínseca da natureza das coisas, merecerá maior atenção
tante função de estabelecer ama referência definida ou indefinida.
nossa daqui a um momento.
Omitindo o primeiro the e abandonando concomitantemente o -8
sufixado, obtenho um- tipo inteiramente novo de relações. F'armer, 3. :fJ claro que ó por "ncidente" que o .$ denota pluralidade no nomo e sino
kz"ll the duckling implica que me estou dirigindo a um lavrador, não gularidade no verbo.
92 A LINGUAGEM
os c oN C'E I TOS G n A !rI A T I C A I S 93

Finalmente, é-me possível modificar radicalmente o contôrno rela. B. Conceitos' Derivados:


cional da sentença com alterar a ordem dos seus elementos. Sc forem
trocadas as posições de farmer e kills, a sentença ficará - kills the farmer 1. Agentivo: expresso pelo sufixo -er.
the duckling, o que é muito naturalmente interpretado como uma ma- 2. Diminutivo: expresso pelo sufixo -ling.
neira insólita, mas não ininteligível, de fazer a pergunta - does the faro
mer kiU the duc7cling'l~. Nesta nova sentença, não se concebe o ato co- n. Conceitos de Relação
mo necessàriamente em realização. Pode, ou não, estar-se passando êsse Referência:
ato, ficando apenas pressuposto que a pessoa que fala quer saber a ver-
dade e acha que pode ter informação da pessoa com quem fala. A sen- 1. ReferêncÍJ;l.definida quanto ao primeiro sujeito do dioour-
tença intenogativa possui uma "modalidade" inteiramente diversa da so: expresso pelo primeiro the, que tem posição prepositÍva.
declarativa, e pressupõe uma atitude nitidamente diversa da parte de 2. Referência definida quanto ao segundo sujeito do discur-
quem fala para quem ouve. so: expresso pelo segundo the, que tem posição prepositiva.
Haverá mudança ainda mais notável nas relações pessoais, se tro-
carmos a posição de farmer e duckling. The duekling kills the fa1'mer en- Modalidade;
volve precisamente os mesmos sujeitos do discurso e o mesmo tipo de ati. 3. Declarativa: expressa pela seqüência de sujeito mais verbo;
vidade que a nossa primeira sentença, mas os papéis estão invertidos. e pressuposta pelo -$ sufixl1do.
A ave vingou-se do homem, como o verme do provérbio, ou, para usarmos
a terminologia gramatical, o que era "sujeito" é agora "objeto", e o Relações pessoais:
que era objeto é agora sujeito.
4. Subjetividade de farmer: expressa pela anteposição de far-
O quadro infl'a analisa a sentença do ponto de vista dos concei- mer a kills e pelo -s sufixado.
tos nela expressos e dos processos gramaticais utilizados para tal ex-
pressão: 5. Objetividade de duckling: expressa pela posposigão de duc-
k'Ung a kills.
r. Oonceitos Concretos:
Número;
1. Primeiro sujeito do discurso: {armer.
2. Segundo sujeito do discurso: duckling. 6. Singularidade do primeiro sujeito do discurso; expresso pela
3. Atividade: kill. ausência de sufixo de plural em farmerj e pelo sufixo ·s no
verbo seguinte.
--- analisáveis em:
A. Oonceitos Radicais:
7. Singularidade do segundo sujeito do discurso: expresso pela
ausência do sufixo do plural em duckling.
1. Verbo: (to) {armo
2, Nome; duck. Tempo:
3. Verbo: leill. 8. Presente: expresso pela ausên-cia de sufixo de pretérito no
verbo; e pelo -s sufixado.
4. [Em illgl~s o verbo intel'Togativo é normalmente constituldo com o auxiliar
do (presente, 3." peso sing. does), did (passado), a. que se pospóo o sujeito, 11 mellO~
que se tmte de um verbo como have, àe, will, shall, must, may ou de um tempo oom. Nesta curta sentença de cinco vocábulos, estão expressos, portanto,
posto com um dêstes na funçii.o de auxiliar. Em alta, poesia, porém, esporMieo.monte, treze conceitos distintos, três dos quais radicais e concretos, dois. deriva-
poderia aparecer a forma admitida pelo autor.] dos e oito de relação.
94 OS CONCEITOS GRA1.iATICAIS 95
A LINGUAGEM

Talvez o mais notável resultado da análise seja a prova, mais uma Exame perfunctório de outras Hnguas, próximas e remotas, mostrar-
vez obtida, da curiosa falta de correspondência em nossa língua entre nos.ia bem depressa que alguns ou todos os treze conceitos que sucede
a função e a forma. O método de sufixação é usado tanto nos elemen- figurarem na nossa sentença de há pouco, podem não só ser expressos
too'derivados como nos de relação; vocábulos independentes ou radicais sob forma diferente como ficar diferentemente agrupados entre si; que
exprimem tanto idéias concretas (objetos, atividades, qualidades) como alguns dêles podem ser postos de lado; e que outros conceitos, que não
idéias de relação (artigos the e a, voeábulos que definem relações de lu- foram levados em consideração na construção inglêsa, podem passar a
gar como in, on, at) [cf. em português os artigos "o" e ''um'', e as pre- ser tratados como absolutamente indispensáveis à inteligibilidade da pro-
posições "em", "sôbre", "a"] j um mesmo conceito de relação pode ser posição.
Consideremos primeiramente a possibilidade de wn tratamento di-
sa negativamente no nome e positivamente no verbo) i e um elemento verso para os conceitos incluídos na sentença inglêsa.
pode conter um grupo de conceitos intrincados em vez de um s6 concei-
to definido (assim, o -s de kills encarna nada menos que quatro relações Se nos voltarmos para o alemão, verificaremos que, na sentcnç.a equi-
~expresso mais desão
ue logicamente umaindependentes
vez (assim, aentre
singularidade
si). de fa:rmer é expres- valente (Der Bauer totet das Entelein), o definido da referência ex-
pressado pela partícula inglêsa the está inevitàvelmente combinado com
A nossa análise poderá parecer um tanto elaborada; apenas,. porém, três outros conceitos -, número (tanto der como das são expllcitamente
porque estamos tão habituados aos nossos conhecidíssimos canais de ex-
pressão que êles chegam a se nos apresentar como inevitáveis. singulares), caso (der é subjetivo; da.s é subjetivo ou objetivo, logo por
eliminação, é aqui objetivo), e gênero, novo conceito de ordem relaciona!
Ora, a análise destrutiva do que é familiar, vem a ser o único mé- que neste caso não está explleitamente pressuposto em inglês (der é mas-
todo para chegarmos a compreender modos fundamentalmente diferen- culino, das é neutro). Aliás, a tarefa principal de exprimir o caso, o nú-
tes de expressão. Perceber o que há de fortuito, de ilógico, de desequili- mero e o gênero cabe em alemão' mais propriamente às partículns de re-
brado na estrutura da língua nativa, é meio caminho andado para sen- ferência do que às palavras que traduzem os conceitos concretos (Bauer,
tir e apreender a expressão das várias classes de coneeitos em tipos de Entelein) e das quais êsses conceitos de relação devem lõgicamente de-
fala estranha. Nem tudo que é "extranacional" é intrlnsecamente de na- pender. Também na esfera dos conceitos concretos é digno de nota que
tureza ilógica e complexamente forçada. Não raro, é precisamente aquilo o alemão cinde a idéia de "matar" no conceito básico de "morto" (tot)
que nos é familiar, que perspectiva mais ampla revela ser curiosamente ,e no conceito derivado de "fazer que seja isto ou aquilo" (pelo método
esporádico. da mutação vocálica, tot-) [o tremado indica a vogal eu, do francês teu,
De um ponto de vista puramente lógico, é óbvio que não há uma por exemplo, resultante em alern.5.ode uma evolução do o de tot]; o ale-
razão inerente para explicar por que os conceitos expressos :ç1anossa sen- mito totet (analiticamente, tot + mutação vocálica + st), trfaz que
ten~.a de há pouco estão considerados, tratados e agrupados da maneira seja morto" é, aproximadamente, o equivalente formal do nosso dead-en-s,
que vimos. Tal sentença é antes o produto de fôrças psicológicas, histó- embora a aplicação idiomá.tica desta última palavra seja outra. [É de·
ricas e irrefletidas, do que uma síntese lógica de elementos nitidamente rivado de dead "morto", como o porto "amortecer", e, como êste, só de
apreendidos na sua individualidade. aplicação secundária 5 J .
É o que se verifica, em maior ou menor grau, em tôdas as línguas, Podemos fazer maior digressão e lançar os olhos para o método de
'se bem que nas formas de muitas delas se nos depare, melhor do que nas expressão em yana. Em tradução literal o equivalente yana da nossa
nossas formas inglêsas, um reflexo mais coerente e consistente daquela
análise, orientada para os conceitos individualizados, que nunca está in-
teiramente ausente da linguagem, embor~ complicada e sobrecarregada 5. ''Fllzer ser morto", ou "fa.zer morrer", no sentido de "mQ.tar" é de uso
COm fatôres mais irracionais. muitÚleimo espalhado. Encontra-se, por exemplo, em nutlta. e em siú.
96 A.. z:.rNGU AGEM
OS CONCEITOS GRA1IATICAIS 97
sentença de hlÍ pouco será qualquer coisa como - "mata êle lavrador"
falar em gênero, - tudo isto não reeebe expressão na sentença chinesa,
êle a patinho", em que "êle" e "a" são grosseiras aproximações - de
que, não obstante, é uma comunicação verbal perfeitamente adequada,
um pronome geral da terceira pessoa para qualquer, gênerQ e número,
desde que haja, bem entendido, aquêle contexto, aquêle fundo de qua-
e de uma partícula objetiva que indiea que o nome seguinte se prende
ao verbo em função outra que não a de sujeito. O elemento sufixado dro de compreensão mútua, essencial à completa inteligibilida~e da lin-
em "mat-a" [ou, em inglês, kill-s] eorresponde ao nosso sufixo, salvo guagem. Nem esta ressalva prejudica o argumento, pois também na sen-
em dois pontos importantes: não acarreta referência ao número do su- tença inglêsa deixamos s,em expressão grande número de idéias, das quais
umas estão impllcit ament e ,aceitas, e outras foram desenvolvidas, ou vão
jeito e eselarece que se trata de um fato verídico, sob a garantia da pes-
soa que fala. O número só fiea, indiretamente, expresso em virtude da sê.lo, no curso da conversação. Nada se disse, por exemplo, nas senten-
ausência do sufixo verbal específico, que indicaria a pluralidade do su- ças inglêsa, alemã, yana e chinesa, a respeito das relações de lugar en-
jeito, e dos elementos específicos do plural para os dois nomes. Se a afir- tre o lavrador, o pato e das dos interlocutores com êles ou entre si. Será
mação tivesse sido feita sob a garantia de uma terceira pessoa, teria de que o lavrador e O pato estão ambos, ou está um ou' outro, .fora da vista
ser usado um sufixo temporal-modal completamente diverso. Os prono- da pessoa que fa!!l, ou dentro de âmbito visual dela ou de quem ouve, au
mes de referência ("êle") nada dizem quanto ao número, gênero e caso. ainda são vistos de um terceiro ponto de referência "acolá"? Em outros
têrmos., parafra.seando-se grosseiramente certas idéias "demonstrativas"
Aliás, o gênero falta completamente ao yana como categoria de relação.
latentes, &se lavrador (invisível para nós, 111M pôsto atrás de uma
A sentença ~"ana já mostra, por conseguinte, que se pode fazer abs-
tração de alguns dos nossos conceitos supostamente essenciais; e tanto
a sentença yana quanto a alemã mostram, a mais, que se pode sentir a
aquêle pato (que ----
porta não longe de mim, estando. tu sentado acolá fora de alcance) mata
~ te pertence)? ou aquêle lavrador (que vive na tua
'd,zinhanca e que estamos vendo acolá) mata aquêle pato (que lhe per-
necessidade de expressar certos conceitos, que os homens de língua ,in- tence) 1 lllsse' tipo de frase elaboradamente demonstrativo é estranho à
glêSfi, ou antes os hábitos da língua inglêsa, não têm na minima eonta. nossa maneira de pensar, mas pareeeria naturalíssimo,' quiçá. inevitável,
.Ê possível prosseguir e ir dando novos e inumeráveis exemplos de a um índio kwakiutl.
divergência com a forma inglêsa, mas temos de nos contentar com mai:>
Quais são, então, os conceitos absolutamente essenciais na fala, os
algumas ilustrações apenas.
conceitps que têm de ser forçosamente expressos para que a linguagem
Na sentença chinesa - 1J.!anMll duck, que pode ser considerada equi- seja um meio satisfatório de comunicação?
.alente prático de The man kills the duck, não há, para a consciência
11: claro que temos de ter, antes de tudo, um bloco de c2.~ceitos bási·
chinesa, a sensação de infantilidade, hesitação e deficiência que experi.
cos ou radicais! o assunto conereto da fala. Temos de ter objetos, ações,
mentamos diante da correspondente tradução literal. Cada um dos três
~qualidades para conversar a respeito, e tudo isso tem de -ter símbolos
conceitos. concretos, - dois sêres e uma ação -, é diretamente expresso
correspondentes que sejam ~ocábu1os independentes ou r~ Nenhuma
por um vocábulo monossilábico, que é ao mesmo tempo um mero radical; proposição, por mais abstrato que seja o seu intuito, é humanamente
os dois conceitos de relação, - sujeito e objeto -, são unicamente ex- possível sem um ou mais pontos de contacto com o mundo concreto dos
pressos pela posição das palavras que designam os sêres antés e depois sentidos. E'm tôda proposição inteligível, têm de ser expressas duas, pelo
da palavra que designa a ação. E é tudo. Noção de definido ou indefi-
menos, dessas idéias radicais, embora em casos excepcionais uma, ou até
nido, número, personalidade como aspecto inerente do verbo e tempo, sem uma e outra, fique pressuposta no contexto. '
E, em segundo lugar, têm de' ser expressos conceitos de ~lação tais
6. A agricultura não era exercida pelos yana.. A idéia verbal de "lavrar"
que os conceitos coneretos .:t1qué'm enlaçados entre si, construindo uma
cxpressar'se-ia provisoriamente de maneira sintética por "cavar-terra" ou "fazer-
brotar". Há bastantes olementos correspondontes a ·er 6 -ling. forma definida e fundamental de proposição, onde não deve haver qual.
quer dúvida a respeito da natureza das relações existentes entre os con-
Ir
i:'

OS CONCEITOS GRAMATICAIS 99
98 A. L I N G U A G E M

ceitos concretos. Temos de saber qual dêles está direta ou indiretamen- mo espírito moderado, restrito, quase poderíamos dizer acidental, com
te relacionado ao outro, e como o está. Se queremos falar de uma coisa que sentimos a negação em unheo,Uhy. Para tais línguas, o conceito de
e de uma ação, temos de saber se estão coordenados entre si (e. g. "êle número não tem a menor significação sintática, não é essencialmente tra-
gosta do vinho e do jôgo"); ou se a coisa está concebida como o ponto tado como expressão de uma relação, mas entra no grupo dos conceitos
de partida, o "agente" da ação, ou seja em linguagem usual como "sujeito", derivados, ou até no dos conceitos básicos. Entretanto, em inglês, como
a que a ilção.está predicadaj ou se, ao contrário, é o ponto final, o "obje- em francês, em alemão, em latim, em grego, - em tôdas as línguas en-
to" da ação. fim com que estamos familiarizados, - a idéia de número não fica ape-
Se quero comunicar uma idéia inteligível acêrca de um lavrador, nas apensa a um dado conceito de coisa. Pode ter de certo modo êsse
um pato e a ação de matar, não é suficiente apresentar os respectivos valor meramente qualificativo, mas a sua fôrça estende-se muito além.
símbolos lingüísticos à toa, em qualquer ordem, confiado em que a pes- Propaga-se a muitos outros pontos da sentença, modelando outros con-
soa que me ouve, tire uma espécie de norma de relação dentre as pos_ ceitos, até aquêles que não têm relação inteligível com o número, para
sibilidades gerais do caso. dar-Ihes formas que se dizem em correspondência ou ."concordância" com
o c0neeito básico que a ela se adaptou em primeiro lugar.
.AE, relações sintátjcas fundamentais precisam de ser expressas sem
ambigüida.de. Se em inglês a man {aUs [com o -s da 3.~ pessoa do singular 1 mas
_ não é porque tenha havido uma modificação essencial na
IImen fall",
Posso permitir-me guardar silêncio a propósito do tempo, do lugar,
natureza da ação, ou porque a idéia de plural inerente em Ilmen" [plu-
do número e de muitos outros tipos de conceitos, mas. não posso fugir
ral de man, ullOmem"] deva, pela própria natureza das idéias, referir-
de positivar quem está praticando o ato. Não há nenhuma língua con~e- se também à ação por êles realizada.
cida que possa ou tente fugir a isto, da mesma sorte que nenhuma logra.
ria enunciar qualquer coisa sem o emprêgQ de símbolos para os con- O que estamos fazendo em tais sentenças é o que a maioria das lin-
ceitos concretos. guas, em maior ou menor grau, e de cem maneiras diversas, está no há-
bito de fazer, - l~n<;.andQ!lma ponte ousada entre dois tipos de concei·
Temos, assim, mais uma vez diante de nós a distinção entre os J@!:.
tos fundamentalmente distintos, o concreto e o de relação abstrata, in-
ceitos essenciª-ls ou inevitáveis, e os que são dispensáveis., Os. primeiro~
são universalmente expressos; os últimos são parcimoniosamente desen- cutindo no último, por assim dizer, a côr e a densidade do ptimeiro. Por
volvidos em algumas línguas, e, em outras, elaborados com exuberância uma espécie de metáfora violenta, o conceito material é obrigado a subs-
pasmosa. tituir-se (ou entrelaçar-se) ao estritamente relacional.
Mas que nos impede de lançar êsses conceitos de relação, "secundá- O caso ainda será mais evidente, se tr01Lxermosà balha o gênero.
rios" "dispensáveis", no grupo amplo e flutuante dos conceitos derivados Nas duas frases inglêsas The white woman that comes e The white
ou qualificativos, de que já, há pouco, tratamos? (f. 'I.~-~~) men that come nada nos diz que O gênero, tanto quanto o número, pos-
sa ser elevado a um conceito secundário de relação. Parece à primeira
Haverá, afinal de contas, uma diferença fundamental entre um con-
vista qualquer coisa de artificial e forçado fazer da masculinidade e da
ceito qualificativo como a negação em unhealthy [prefixo uno, como Ilín"
do português /linsalubre"] e uma relação como a de número de books feminilidade, conceitos materiais crassos, e filosOficamente acidentais
[ou em porto "livros"] 1 Se unhealthy pode ser aproximadamente para- (como são), um meio de relacionar uma qualidade a uma pessoa ou uma
fraseado por not healthy [porto llnão salubre"], não será igualmente le- pessoa a uma ação; nem nos ocorreria iàcilmente, se não tivéssemos es-
gítimo, com certa violência embora ao gênio da língua, parafrasear books tudado os clássicos, que se pudesse ir ao absurdo de inocular em dois
conceitos de relação tão sutis como IIthe" e Uthat" [artigo e pronome re-
por several book [ou, em português, "muito livro) 7 Com efeito, há lín-
guas em que o plural, quando chega a ser expresso, é concebido no mes- lativo] as noções combinadas de número e sexo.

100 A LINGUAGEM OS CONCEITOS GRAMATICAIS 101

Entretanto, tudo isso, e mais ainda, acontece em latim. lUa alba te- llleramente parasitos (o gênero em tôdas as circunstâncias; o número no
mina quae venit e illi albi homines qui veniunt, traduzidos conceptual~ demonstrativo, no adjetivo, no relativo e no verbo), outros são sem imo
mente, correspondem ao seguinte: a.quêle - um - feminino _ agente 7 portância para a forma sintática essencial da sentença (número no nome;
- um - feminino - branco - agente feminino - fazer - um - mu- pessoa; tempo).
lher que - um - feminino - agente outro S - um - agora - vir Um chinês inteligente e sutil, habituado como está a ir diretamente
fi. e. cade. palavra latina desdobra-se num nome radical somado .a con-
ao âmago da forma lingüística, exclamará diante da sentença latina:
ceitos de unidade, feminino, agente, atualidade, 3.~pessoa, etc.]; e aquêle "Quanta criação pedantesca!" - Ser-lhe-á difícil, defrontando pela pri-
- muito - mascuDno - agente muito - masculino - branco - agen- meira vez as complexidades ilógicas das nossas línguas européias, sentir.
te masculino - fazer - muito - homem que - muito - masculino - se à vontade numa atitude que de tal modo confunde o assunto da lin-
agente outro - muito - agora - vir [i. e. cada palavra latina desdo- guagem com o seu padrão formal, ou, para exprimirmo-nos com mais
bra-se num nome radical somado aos conceitos de masculino, de plurali- exatidão, que apliea certos conceitos fundamentalmente concretos a usos
dade, agente, atualidade, 3.'" pessoa]. Cada vocábulo implica nada menos de tão atenuada relação.
do que quatro conceitos: um conceito radical (quer concreto propriamen-
te dito - branco, homem, mulher, vir, quer demonstrativo - aquêle, Exagerei algum tanto o que há de concreto no aspecto subsidiário,
que) e três conceitos relacionais tirados das categorias do caso, número, ou melhor, não-sintático, dos nossos conceitos de relação, para que se
~nero, pessoa e tempo. Lõgicamente, apenas o caso 9 (relação de mulher depreendessem os fatos essenciais com apreciável relêvo.
ou homem com o verbo seguinte, de que com o seu anteeedente, de a.quêle Inútil é dizer que um francês não tem no cérebro uma nítida noção
e branco com mulher e homeM e de que com vir) exige imperativamen~ de sexo quando fala de 1m, arbre (em inglês a - masculino tree) ou de
te expressão, e isso apenas em conexão com os conceitos diretamente atin- une' pomme (a - feminino apple). Nem temos nós outros inglêses, di-
gidos. (não há, por exemplo, necessidade de informar que a brancura é gam o que disserem os gramáticos, u~a impressão muito viva do tempo
uma brancura de agente)1°. Dos outros conceitos relacionais alguns são presenteiem contraste com todo o passado e todo O futuro, quando dize·
mos He comes [cf. em português, "êle chega"] 11. Ê o ·que se vê clara-
7. lt um recurso grosseiro para. representar o Itnominativo" (subjetivo) em mente com o uso do presente para. indicar não só o futuro (He comes
contraste com o "acusativo" (objetivo).
to-mol'row) [em .português, "êle .chega amanhã"] mas também a ativi-
8. I. e., não eu ou tu.
dade geral dissoeiada da especificação do tempo (Whenever he comes,
9. /leMO" significa aqui não s6 a relação subjetiva·objetiva, mas também a
de atribuição. I am glad to see him) [ou, em português - "Sempre q.ue êle chega,
lO. 80.11'0na medida em que o latim usa êsae método como um circunl6quio . alegro-me de vê-Ia"] onde o verbo se refere mais a ocorrências passadas
grosseiro para estabelecer a ntribuiçii.o da côr a determinada. pessoa ou coisa. Com e possivelmente futuras, do que à atividade presente.
efeito, não se pode dizer diretll.IDente em latim que uma pessoa é branca, mns ape·
uM que o que é brunco é idêntico com a pesso:J. que existe, pratica uma ação ou a ) Tanto em francês como em inglês, nos exemplos dados, as idéias
primordiais de sexo e tempo diluíram-se, portanto, cm virtude da analo-
lidade - "aquela-pessoa, branca pessoo., (11 saber), mulhel''', - trêll idéias subs- gia formal e das extensões de sua aplicação ao âmbito das relações gra-
\ sofre. Originàriamente que. ma que .~
tantivadas relacionad!UI sentia·s8 em latim
entre si pela justaposiçíio alho,
se femw'a
propõe significn.vo.
a assinalar na rea·
a iden- maticais, ficando tão vagamente definidos' ·os conceitos. ostensivamente
·1
tidade. O inglês e o chinês exprimem diretamente a atribuiçi10 por meio da ordem indicados que é mais pela tirania do uso do que pelas necessidades da
vocabular. Em latim, illa c o,lba podem pràticnmente ocupar uma posiçúo qualquer nu.
sentença. J:l importantc obaervo.r que as formas subjetivas de ma e alba não defi· expressão concreta que se nos impõe a s!;!lcçãodesta ou daquela forma.
nem, pois, propriamente Il ~el9.ção dêsses conceitos qualifica.tivos com fcmina. Tal ~e êsse processo de esgarçamento conceptual continuar a fazer·se, pode-
:relação pode exprimir'se formalmente por intermédio de um caso o.t~ibutivo,· o
genitil'o, digamos ("mulher de bra.ncura"). Em tibetano, empregll-se quer a. ordem, .U. A parte, naturalmente, da vida e das emergências que um contexto parti'
quer a verdadeira relação eaaual: "mlilhel' branca", ou ''branco-de·mulher''. eular cria. pa.ra tal sentenca.
102 A LINGUAGEM OS CONCEITOS GRAMATICAIS
103

remos acabar por ter nas mãos um sistema de foqnas, donde se térá branca '(ou, em outros têrmos, parda); e ainda mais difícil é eonfor·
esvaído tôda a côr de vida: e que apenas persistirá por inércia, duplican- marmo-nos a admitir que as categorias do bom e do mau, ou do prêto
do-se-Ihes as funções sintáticas secundárias com prodigalidade sem fim. e do branco, possam em certos casos ser inaplicáveis.
Daí, em parte, os complexos sistemas de conjugação de tantas lín- A linguagem, a muitos respeitos, é também caprichosa e renitente
guas, nos quais diferenças de forma não se fazem acompanhar de consig- em referência a suas classificações. Faz questão de ter lugares marca-
náveis diferenças de função. dos para tudo, e não tolera que nada fique de fora. Qualquer conceito
Deve, ter 'havido uma época, por exemplo, embora anterior à mais em demanda de expressão tem de submeter·se às regras classificatórias
antiga evidênci~, documental, em que o ,tipo de formação temporal re- do jôgo, à maneira dêsses inquéritos estatísticos em que o mais convi<lto
presentado por d1'ove ou sank [pretéritos com apofonia de to drive, ateu tem de figurar como <latólico,protestante ou judeu para ser leva-
"guia,r", e to sink, "mergulhar"] diferia pelo sentido, num grau levemen- do em consideração,
te ,cambiante que fôsse, do tipo (kaled, worked) [com o sufixo - ed], Em inglês partimos sempre da idéia de que tôda ação tem de ser
que se firmou em inglês como a maneira predominante de formação do concebida em referência aos três tempos padrões. Se, portanto, deseja-
'pretérito; da mesma sorte que hoje ainda reconhecemos uma distinção mos enunciar uma proposição verdadeira para amanhã e para hoje, da-
'apreciável entre êsses dois pretéritos, de um lado, e, de outro lado, o mos de barato que o presente pode ser, prolongado e às vêzes de tal i;;ã:"
"perfeito" (has driven, has killed) [formas compostas com o auxiliar neira que abranja a eternidade13, Em franc.ês, sabemos uma vez por
have, "ter"], distinção que, por sua vez" poderá ter cessado numa deter- tôdas que todo ser é masculino ou feminino, seja animal ou coisa; da.
minada fase vindoura da língua 12. mesma sorte que, em muitas línguas da América e da Ásia O.rienta!,
A forma sobrevive ao seu conteúdo conceptual.. Uma e outro alte- todos os sêres pertencem por princípio a certa categoria, formal (por
ram~se sem cessar; mas, de maneira geral, a forma tende a subsistir de- exemplo, em forma de anel, de bola, longo e delgado, cilíndrico, em
pois de o espírito se ter esvaído ou mudado de corpo. Forma i;TItcional, forma de lençol, em massa como açúcar) e como tais são enunciados
forma por amor à forma - seja qual fôr o nome que se dê a esta ten- (e. g. duas batatas da classe das bolas, três tapêtes da .classe dos len-
dência lingüística de insistir em distinções formais. pela simples razão çóis) ou, até, como tais "existem" e são l'manuseados em qualquer sen-
de que já estão constituídas - é tão natural na vida da linguagem, tido" (assim, nas línguas athabúskan c em yana, "c!1rregar" ou "jogar"
como é, na vida social, a persistência de modos de conduta que perde- uma pedra é coisa muito diversa do que carregar ou' jogar um toro,
ram há muito a sua razão de ser. tanto no âmbito lingüístico quanto no da nossa experiência muscular).
Rá outra tendência poderosa para favorecer uma elaboração formal Exemplos dêsses podem ser multiplicados à vontade.
que já não corresponde estritamente a nítidas diferenças conceptuais. Dir-se.ia que, em certo período do passado, o espírito inconsciente
É a tendência a construir ~as de classificação que enquadrem À. da raça fêz insofridamente um inventário da sua experiência, se jungiu
fôrça todos os conceitos lingüísticos. a uma classificação prematura mas inapelável, e arreou os herdeiros da
Uma vez convencidos de que tôdas as coisas são de maneira definida I, língua com uma ciência que êles já não aceitam mas não têm a fôrça
ou boas, ou más, ou brancas, ou pret.as, é difícil aceitarmos a atitude ! de destruir. Todo dogma, rIgidamente prescrito pela tradição, retesa-se
mental que reconhece que cada coisa, de per si, pode ser a um tempo
boa e má (ou, em outros têrmos, indiferente), ou a um tempo preta e 13. Da!, tlle squal'/) ?"oot ["a Taíz quadrada"] Df 4 is 2, justltmentc como m"
["meu tio"] is hC1"C ["aqui"] now ["agora"].
'11,'rw!C [Em porto dirÍnIDos no 2.'
12. Foi o quo om grnnde parte sucedeu em alemã.o e francôs popular, onde caso "está!' e não "6", por uma. questã.o idiomá.tica]. Há. muitns línguns primiti'l"llS
a diferençn. é mais estillstica do que funcional. Os pretéritos sã.o mais Iiterá.rios ou que são mais filosófico.s o distinguem um "presente" real e uma formn. "habitual"
formll.1!sticos do que os perfeitos. ou "geral".
~p-

OS CONCEITOS GRAMATICAIS 105


104 A LINGUAGEM

cação interna dêstes últimos; diferem do tipo I porque definem idéias


que não interessam ao pensamento de conjunto da proposição, mas dão
dOgnll1s remanescentes - os dogmas do Inconsciente. Como conceitos,

i
são, muitas vêzes, apenas semi-reais; a sua vida tende a deperecer no.
em fOl'malismo.
sentido por categorias
da forma .As lingüísticas constituem um sistema de
amor à forma.
ao radical um incremento especial de significação e se acham inerente-
mente associados de modo específico com os conceitos do tipo I15.
rIr. Oonceitos concretos de relação (ainda mais abstratos; contudo,
Rá ainda uma. terceira causa para explicar .!..!orma que não tem_ não inteiramente desprovidos de qualquer coisa de concreto): normal-
significação, ou, antes, as diferenças de forma que não têm, significação.
mente expressos' por afixação de' elementos não-radicais aos radicais, mas
É o Erabalho mecânico dos processos fonéticos _<il:!~_,pod~ª~!e~!!!~a~ geralmente ~is afastados dêstes últimos do que sucede com os elemen-
~stin\)ões formais onde não ht e nunca houve, distinções funcionais. tos do tipo 1.1 ou por modificação interna dos radicais; diferem funda-
'Muitas das irregularidades e complexidades formais dos nossos sistemas mentalmente do tipo II, porque indicam ou implicam relações que trans-
de declinação e conjugação são devidas a êsse processo. cendem do vocábulo particular a que estão imediatamente ligados, assim
O plural de hat é hats, o plural de self é selves. No primeiro caso, servindo de passagem para os seguintes:
temos um simples legítimo -$ a simbolizar o plural;, no segundo caso, IV. Conceitos puros de relação (p'uramente abstratos): normal-
temos um z combinado com uma mudança, no radical, de f para v. Não mente expressos pela afixação de elementos não-radicais aos radicais (em
temos, portanto, aqui o caso de uma convergência de formas que origi- cujas circunstâncias tais conceitos se apresentam freqüentemente entre-
nàriamente exprimiam conceitos nitidamente distintos, - como vimoo laçados com os do tipo III), ou por modificação interna, por vocábulos
que deve ter sucedido com as formas paralelas drove e worked -, mas independentes, por posição; des.tinam-se a relacionar entre si os elemen-
um desdobramento meramente mecânico do mesmo elemento formal sem tos concretos da proposição, dando-lhe forma sintática definida.
o correspondente desenvolvimento de um novo conceito.
A natureza dessas quatro classes de conceitos, no que se refere ao
1l:sse tipo de evolução das formas, por conseguinte, sendo embora de seu valor concreto ou à sua faculdade de exprimir relações sintáticas,
máximo interêsse para a história geral da Hngua, está à margem do nos- pode simbolizar-se da seguinte maneira:
so escopo atual, qual o de compreender a natureza dos conceitos grama-
Conceitos Fundamentais.
ticais e a sua tendência em degenerar em fichas puramente formais.
Conteúdo Material .....
Estamos agora em condições de rever a nossa primeira classifica- {I.lI. Conceitos de Derivação.
ção dos conceitos totais como se exprimem na linguagem e sugerir !l
esquema seguinte; Relaçao ' .
N {IIL
IV. ' Conceitos
Conceitos Puros de Relação.
Concretos de Relação.
1. Oonceitos (concretos) fundamentais (tais como objetos, ações,
qualidades) : normalmente expressos por vocábulos independentes ou ele- Não convém respeitar êsses esque,mas como 'a fetiches. Ao fazer uma
mentos radicais; não implicam, como tais, relações U, análise surgem freqüentemente problemas difíceis, e pode acontecer que se
hesite na maneira de agrupar um dado conjunto' de conceitos. É especial-
, Ir, Oonceitos de derivação (menos concretos, em regra, do que OS'
do n.Y I e mais do que os do n.Y IlI) : normalmente expressos pela afixa- 15. Assim o -e1' de farmer [ou "·do'r" de ''lavrador'] pode d'efinir·se como iu-
ção de elementos não-radicais aos elementos radicais ou por uma modifi- dicando êsse conceito substantivo particular (objeto ou coislL) que serve de sujeito
hllbituo.l ao verbo a que· está. dilea.do. A relaçfto de "sujeito" (um lavrador lavra)
14. Exceto, bem entendido, seleçllo e o contraste fundamental, necessàrin·
11.
iÍ inerente e espeeific.a. no vocabulário, mas não existe para o conjunto do. sentençll..
menre PrellSUposto quando se define um conceito pele,' suo. oposição a outros. "Ho· Da mesma. sorte, o ·ling de àuo1cli.ng [ou "-inho" de "patinho"] define uma relação
mem" e "branco" possuem ume. relação inerente com "mulher' e "prêto", m'as I'í <lSpecífiea de atribuiçã.o que só diz respeito ao radical da. palavra, niío sentençn.
1J.

umo. relt\çíío de conteúdo materia! npenas, sem interêsse direto pura a gramática.
107
106 A. LXNGUAGEM os CONCEITOS GRA1rIATXCAXS

mente o que sói verificar-se com línguas exóticas, onde podemos ter, em- parar fuli,- adjetivo) ou de elemento subsidiário de lUU composto (cf.
bora, tôda a segurança na nossa análise das palavras de uma sentença e, brim-full) [brim, "borda") e o de simples sufixo (cf. dutiftü) em que
contudo, não lograr adquirir &se "sentimento" íntimo da estrutura que já nã.o se sente o seu antigo caráter concreto. [No' último exemplo - ful
nos permite dizer infalivelmente l\quilo que é "conteúdo materi~l" e que é apenas um sufixo que deriva um adjetivo do substantivo duty, "dever".]
é "relação". Em: geral, quanto mais altamente sintético fôr o tipo lingüística
Os conceitos da classe r são essenciais !1 qualquer lingua, e bem assim considerado, mais difícil, e até arbitrário, será distinguir os grupos I e lI.
os da classe IV. Os conceitos II e III são comuns mas. não essenciais; es- Não apenas se perde gradualmente a noção do concreto à medida
pecialmente o grupo lII, que representa, com efeito, uma· confusão psico- .qp.e se vai do grupo I ao IV; mas também esbate-se, em redução cons-
lógica e formal dos tipos H e IV ou dos tipos r e IV, é uma classe dis- tante, o sentimento da realidade sensível dentro dos próprios grupos dos
pensável de conceitos. Làg;.camente, há um abismo intransponível entre os conéeitos lingüísticos. Em muitas línguas, por isso, torna-se quase inevi-
n.09 r e IV, mas o gênio ilógico, metafórico da linguagem já tem sem tável fazer várias subclassificações para segregar, por exemplo, os con-
esfôrço coberto êsse abismo e estabelecido uma gama contínua de concei- ceitos mais concretos dos mais abstratos no grupo 11. Devemos, contudo,
tos e formas, que nos conduz imperceptivelmente das materialidadeH mais ter sempre a preocupação de não incluir em ~ais grupos mais abstratos
cruas ("casa" ou "João Smith") às relações mais sutis. 'êsse sentimento de relação, puramente formal, que mal podemos debcar
É particularmente digno de nota que a palavra independente inanali- de associar com alguns dos conceitos mais abstratos que, entre nós, fi-
sável pertence na maioria dos casos ao grupo I ou ao grupo IV, e muito . cam no grupo ru, a menos que haja indiscutível evidência a garantir
tal inclusão.
menos a miúdo aos grupos II e rH.
Um ou dois exemplos esclarecerão essas importantíssimas ressalvas1G•
É possível a um conceito concreto, representado por um vocábulo
simples, perder inteiramente a sua significação material e passar dire- Em nutka, temos uma porção desusadamente grande de afixas d~
tamente ao âmbito relacional sem perder concomitantemente a sua inde- derivação (que exprimem conceitos do grupo II). Alguns são de conteú-
pendência vocabular. É o que sucede, por exemplo, em chinês e cambod- do quase material (e. g., "na casa", "sonhar a respeito de"), outros, como
jiano quando o verbo "dar" é usado em sentido abstrato como simples o elemento que indica a' pluralidade ou um afixo diminutivo, são muito
símbolo da relação "objetiva indireta" (e. g., cambodjiano "Nós fizemos mais abstratos no conteúdo. Aquêles soldam-se mais intimamente ao ra·
história esta dar tôda aquela pessoa que tem filho", i. e., "Fizemos esta dical do que êstes, que s6 se podem sufixar a formações que já tenham
hiStória para todos os que têm filhos"). o valor de vocábulos completos.
Se, portanto, apraz-me dizer - "os lumezinhos da casa" - o que
Há também, é claro, não poucos casos de transição
entre os grupos
r e IX e III, bem como, já um tanto fora do âmbito dos radicais, entre posso fazer numa só palavra -, tenho de formar a palavra "lume-em-
-casa", e aos seus elementos é que serão apensos os outros corresponden-
os grupos H e rH.
tes ao nosso - "zinho", ao plural e ao artigo. O elemento que estabelece
Ao primeiro dêsses tipos de transição pertence tôda a classe de o sentido definido da referência, pressuposto no nosso artigo, vem no
exemplos em ql1e o vocábulo independente, depois de passar pela fase fim de tudo.
preliminar em que funciona como element'o secundário ou qualificativo
de um composto, acaba por tornar-se um afixo de derivação puro e sim- 16. f,; preeis~mente porque deixam de sentir o "valor" ou "tonalidade", distinta
ples, sem contudo perder a memória de sua antiga independência. Tal' da. signific.o.ção externa, em referência li- um conceito expresso por determinado ole·
mento grn.m~tical, que muitos estudlLntes de línguas estrangeiras são levados a.
elemento e conceito é full de teaspoonfuli [i. e., tea, "chá", spoon, "co- uma idéia fnlsa sôbre língu!U! de n(Ltureza completamente diversa da. língua. pú.tria.
lher", [ull, "cheia"; "colherada" ou, "colher cheia de chá"], que psicolO- Nem, tudo que se intítula "tempo", ou "modo", ou "número", ou "gênero", ou l/pes·
"I
gicamente flutua entre o estado de c~nceito radical independente (com,. Boa" ó genulna.mente compnrê.vel Il-O que significa.m êsses têrmos em l(Ltim ou fra'llcê:l.
108 A LINGUAGEM
OS CONCEITOS GRAMATICAIS 109

Até aí, vai-se bem. "Fogo-em-casa-o" corresponde de maneira inte~


Mas com tudo isso, objetará o leitor, já é algumn coisa que o afixo
ligível ao inglês the house-fire [com a anteposição de house, "casa", a
de plural nutlta se coloque à parte dos afixos mais concretos; e acres-
fire, "lume", para constituir um composto em que "house" tem função
adjuntiva] 11. cendo que talvez o diminutivo nutka tenha um conteúdo mnis esgarçado
e fugidio do que o inglês -let ou -ling ou O alemão -chen ou _lein20•
Mas com a noção diminutiva será o nutka correspondente ao inglês Pês.to isto, será que um conceito como o da pluralidade poderá ja-
- the house-firelets? 18 Absolutamente não.
mais ser classificado entre os conceitos mnis materiais do grupo II?
Antes de tudo, o elemento plural precede o diminutivo em nutka: Sem dúvida que pode.
"lume-em-casa-plural-pequeno-o", ou, em outros têrmos, "casa-Iumes-zi-
Em yana, a terceira pessoa do verbo não faz distinção entre o sin-
nho", o que logo revela o importante fáto que o conceito do plural não gular e o plural. Não obatante, o eonceito do plural pode ser expresso,
é sentido tão abstrata e relacionalmente como em inglês. Interpretaçíio e quase sempre o é, pela sufixação de um elemento (-ba) a:o radical do
mais adequada seria the house-fire-severaJ,..let [cf. em porto "casa-Iume- verbo. lt burns in the east [east, "leste"] traduz-se pelo verbo ya-hau-$'Í21.
muito-zinho"] em que, entretanto, severaZ ainda é palavra muito forte,
-let um elemento muito requintado (small, [porto "pequeno"] por outro
"burn-east-s" [i. e., o radical verbal +
leste + a desinência da 3.' pessoa}.
"They burn in the east". [sujo pl. they, "êles"] é ya-ba-hau-si. Note-se que
lado, seria muito forte) lD.
o afixo do plural imediatamente se segue ao radical (ya-), disjungindo-o
Na realidade, não conseguimos trazer para nossa língua o valor ine- do elemento locati vo (-hau-).
rcnte do vocábulo nutka, que parece flutuar entre "the house-fireZets" e Não é necessário grande gasto de argumentação para se .provar que
"the house-fire-several-srnall". o conceito de pluralidade é aqui pouco menos concreto que o de lugar
O que, porém, mais que tudo, impede qualquer possibilidade de com- onde, Ua leste", e que a forma yana é sentida não tanto à maneira do
paraçíio entre o -s inglês de house-firelets [ou do porto lumezinhos] e o nosso "They burn in the east" (ardunt oriente) como à de "Burn-several-
several-small do vocábulo nutlm, é o seguinte: em nutka, nem o plural -efl$t-s, "uma coisa pluralmente arde a leste", frase que não conseguimos
nem o afixo diminutivo correspondem ou se referem a outras partes da satisfatõriamente assimilar por falta de canais de expressão apropriados
sentença. Em inglês, the house-firelets uburn", e não "burns" [como onde ela em nossa língua possa insinuar-se.
em porto "ardem" e não, "arde"]; em nutka, verbo, adjetivo, ou qualquer Será possível darmos um passo adiante e tratar a categoria de plu-
outro elemento da sentença nada tem que ver com o caráter plural ou ralidade como idéia estritamente material, tal que fizesse de ''tinos''
diminutivo do lume. Por isso, embora o nutka reconheça uma demarca- um uplural livro", como o ubranco" de "livro branco" que calha fran-
ção entre conceitos concretos e menos concretos no grupo Ir, os menos eamente no grupo I?
concretos não transcendem do grupo conduzindo-nos à atmosfera mais
Não é evidentemente o caso das nossas locuções "muitos livros", "vá-
abstl'ata a que nos transporta o nosso -s do plural.
rios livros". Ainda que dissêssemos rnany book ["muito livro"], e "vário
livro" (como dizemos "rnany ti: book" e "cada livro"), o conceito do plural
não emergiria tão claramente como no novo caso que imaginamos; "muito" e
17. Artigos sufb:ados também ocorrem em dinamarquês e sueco, e muitns
outras línguas. O elemento nutka para. "em cll8a" difere do nosso uca.sa.", porque 20. O diminutivo nutka tem, sem dúvida, um alcance sentimental muito mllÍor
é sufh.ado e não aparece como vocábulo independentej nem tem qualquer afinida- que o inglês -ling_ Evidencia"o o seu uso com verbos tanto qua.nto com nomes. Fa-
de com o vocábulo nutka. que quer dizer "casa". lando a uma. criança, adicionamos quase sempre o diminutivo a tôda. palavra. da.
18. Admitindo·se a existência, em inglês, de firelet. ,senteu!<9.sem nos preocuparmos com verificar se a palavra. tem ou não UlJl oontido,
diminutivo inerente.
19. [Já., em português, "-zinho" seria mais natural, pOl'quanto, no contrá.rio
do inglês, usamos normalmente sufixos diminutivos.] 21. "si li a 3.' peso do tempo presente; -hau, "leste", é um afixo, níio um ra-
dical de composiçãO.
:,",
r.·
.~~,~

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111
OS CONCEITOS GRAMATICAIS
110 A LINGUAGEM

É justamente porque o nossO esquema dos conceitos é uma escala


"vário" estão contaminados por certas noções de quantidade gradativa inclinada, mais do que propriamente uma análise filosófica. da. a..-.:periên-
que não são essenciais à simples idéia da pluralidade. I~:: cia., que não podemos dizer uma vez por tôdas a posição de um dado
Temos de. voltar-nos para a Ásia Central e Oriental em busca do conceito.
tipo de expressão que procuramos. Em outros têrmos, temos de desistir de uma e1assificaçãobem orde-
Em tibetano, por exemplo, nga-s mi mthong22, ou "por homem vejo, nada das categorias.
por mim um homem é visto, vejo um homem" pode igualmente signiIicar
"vejo homens", desde que não haja motivo especial para frisar melhor a Que interessa colocar o tempo e o modo aqui, ou o número ali, se
phIl'alidade23• Se esta, porém, merece ml2nçãoespecial, é-me lícito dizer
outra língua que logo se nos depara leva o tempo para um escanInho
nga-s mi rnams mthong, "por mim homem-plural é visto", onde rnams abaixo (grupo I) e o modo e o número para um escaninho acima (grupo
é a correspondência conceptual perfeita do -s de "lh'l'os", despojado de IV)?
quaisquer elos de relação. Rnams segue-se ao nome, como outro qual- Nem há maior vantagem num sumário dêsses no que tange ao in-
quer vocábulo atributivo - "homem plural" (dois ou um milhão) à ma- ventário geral dos grupos de conceitos pertencentes aos grupos II, lU
neira de "homem branco". Não é preciso preocuparmo-nos com a plura- e IV. As possibilidades são inúmeras.
lidade ou a brancura do ser expresso, desde que não nos interessa insis- Seria interessante mostrar quais os elementos mais típicos de for-
tir em tal atributo. mação nominal e verbal do grupo II; como varia a classificação dos
O que é verdade da idéia de pluralidade, é igualmente verdade de nomes (pelo gênero - pessoais e impessoais, animados e inanimados;
um grande número de outros conceitos. Não pertencem necessàriamente pela :forma _ comuns e próprios); como se elabora o conceito do núme-
aos pontos em que nós outros que falamos inglês, estamos habituados a ro (singular e plural; singular, dual e plural; singular, dual, trial e plu-
escaloná-Ios. Podem ser jogados para o grupo r ou para o grupo IV, os: ral; singular, distributivo e coletivo); que distinções de tempo se pode
dois pólos da expressão lingüística. fazer no verbo e no nome (o "passado", por exemplo, pode ser indefinido,) ,
E não nos aventuremos a fazer pouco do índio nutka e do tibetano
por causa da sua atitude material em referência a conceitos que nos pa· línguas desenvolveram a idéia de aspecto~5 (momentâneo, durativo, con·
recem de relação abstrata, porque estaremos chamando sôbre nós a cen- tinuado, inceptivo, cessativo, durativo-ineeptivo, iterativo, momentâneo-
iterativo; durativo-iterativo, resultativo e outros ainda); que modali-
sUra dos franceses, os quais sentem uma sutileza de relação em femme imediato, remoto, mítico, perfeito, anterior) i com que delicadeza certas \'
bkmehe e homme blanc que não encontram Das grosseiras frases inglês8s dades se podem admitir (indicativo, imperativo, potencial, dúbitativo,
UJhite worrLan e white mano O negro bântu, por sua vez, se fôsse filósofo,
25. Têrmo tirado da gramá.tica esln.V8..Indica o lapso da açlío, a 8Uo. no.·
iria além, e estranharia ver-nos, a todos, pôr 110 grupo II uma categoria,
turcza no que respeiw. a continuidade. O nosso ory ["gritar" ou "chamr"] (, de
a dos diminutivos, que êle iniludivelmente sente pertencer ao grupo TII aspecto indofinido, bc cTyirr.(J ["estar gritando" ou "chorando"] é durativo, cry (l1I,t
e de que se serve, juntamente com outros conceitos .classificatórios ~4, ["dar um grito"] (, momentâ.neo, bwrst into tears ["d08fazer-se em lágrimns"] é
para relacionar sujeito e objeto, atributo e predicado, tal qual lidam inceptivo, 1ccep oryirr.g ["ficar gritando, ou chorando"] é continuado, start 'rr. crymg
um russo ou um alemão eom os seus três gêneros, ou,' quiçá, com mais ["pôr-5ll a gritar, ou chora.r"] é duro.tivo·inceptivo, cry 1tOlV anã again. ["gritar o. cada
alta finura do que êstes até. instante", ou Hchorar"] ó iterativo, cry out (J1Jery nolV and tllerr. ["da.r um grito n
eada instante"] ou ory irr. fits and starts ["ter acessos do chôro") é momentânoo-ite-
l'ativo. To put 071 a ooat ("vestir um easaco") é momentâneo, to WBar a coat ["estar
22. Sã.o formas clássica.s, nã.o da. linguagem coloquial moderna.
de casaco"] é resultativo. Como mostram 05 nossos exemplos, o aspecto li expres-
23. Da mesma. sorte que entre n6s - "êle tem escrito livros" nada adiante. em so em inglês [e português] por tôda. sorte de COllStruçõllSidiomáticns em voz de sê·lo
referência õ. quantidade ("poucos, vários, muitos").
por um conjunto coeso de formas gramaticais. Em muitas língullS, é do muito maior
24. Tais como classe pessoal, classe animal, cla.ssll de instrumentos, classo alcance formal do que o tempo, com que o estudante ingênuo tende.8o confundi-Ia.
aumentativa.
112 A LINGUAGEM OS CONCEITOS GRAMATICAIS 113

optativo, negativo e uma legião de outras mais)26; que distinções de pes- valor geral, às distinções mais radicais dos grupos que estabelecemos.
soa são possíveis ("nós", por exemplo, concebido como o plural de "eu", Ao leitor comum basta sentir que a língua oscila entre dois. pólos de
ou tão distinto de "eu" como de HVÓS" e de "êle"1 - ambaa as atitudes expressão lingüística - conteúdo material e relação - e que êssea
transparccem nas línguas, - além disso, quando é que "nós" inclui p610s tendem a ligar-se por meio de uma longa série de conceitos de
a pessoa com que eu falo ou a exclui? - formas "inclusiva" e "exclusi- transição.
va"); qual é o plano geral de orientação, nas chamadas categorias de- Tratando dos vocábulos e das suas várias forrna8, muito tivemos
monstrativas ("êste" e "aquêle" numa infindável procissão de varian- que antecipar a respeito da senten~ em conjunto.
,tes)Z7)quão li. miúdo a forma lingüística exprime a fonte e a natureza de
informação em que se fundamenta a pessoa que fala (por experiência Tôda língua tem seu método ou métodos especiais para reunir v!'l
i
pr6p:ria, por ouvir dizer 2S, por interferência) como se exprimem no vocnbulos numa unidade maior. A importância dêsBes métodos é sus-
cetível de variar de acôrdo com ao complexidade do vocábulo isolado.
nome as relações sintáticas (subjetivo e objetivo; agentivo, instrumen.
tal 'e de pessoa interessada29; vários tipos de genitivo e relações indire- No latim, agit "(êle) procede" não prooisa de auxílio externo para'
tas); e correspondentemente no verbo (ativo e passivo; ativo e estático; tir.ltlar a sua posição na frase. Quer eU diga agit dominus "o amo pre·'
transitivo e intransitivoj impessoal, reflexivo, recíproco, indefinido quan- cede", ou em 'sic femina agit "assim procede a mulher" pràticarnente é o
to ao objeto, além de muitas outras limitações especiais no ponto de par- mesmo o resultado liquido quanto ao valor sintático de agito S6 pode
tida e de chegada da cadeia geral de atividades), ser WJl verbO, predicado de uma proposição, e s6 pode ser concebido COlli<.l
Tais detalhes, por mais importantes que sejam muitos dêles para a enuncíação de uma atividade executada por uma pessoa. (ou coisa) que
compreellilão da forma interna da linguagem, cedem o passo, em seu não por mim ou por ti. Já não sucede o mesmo com um vocábulo como
o inglês act. Áct b6ia sem govêrno na sintaxe, enquanto não definimos
a sua situação na proposição - urna coisa em "they act aborninably"
26. Por "modalidades" nito entendo a caracterizaçüo verbal conaiderada em ["procedem abominàvelmcnte"] e outra muito diversa em tha.t was a ki'n..
si mesmo. como a negação ou a dúvida, seuão a sua manifestação em têrmos formais.
dly act ["isso foi um procedimento gentil"]. Á sentença latina fala-nos
Há ll.ngu!!8, por exemplo, que têm um sistemc. elaborado de formas verbais nega-
tivllS, à maneira do que há em grego para o opta.tivo ou modalidade do desejo, através da segurança 'individual de seus membros; o vocábulo inglês ne-
27, Comparar com póg. 97. - cessita o auxilio imediato dos seus cQmpanheiros. Isso de maneira apro-
28. t por causa dessa classificação da. experiência. que em muitas llnguas 118 ximada, bem entendido.
fonnn.a verbais que siío pr6prill8, digamos, para a narraçõ.o mltica, diferem dll.9que se Dizer, contudo, que uma estrutura voeabular suficientemente elabo-
usam habitualmento no intercâmbio diário. Nós outros deb:llmos que isso ressalte
do próprio contexto ou apelamos para um. modo de expressão mais explicito e cn-
rada compensa a falta de métodos sintáticos externos é estabelecer uma
bal, e. g.: "Morreu, ao que me consta", - "Dizem que morreu", - "Deve estar perigosa peti<;.ãode princípio. Os elementos do voCábulo ligam-se entre
morto, ao que parece", si de maneira específica e se seguem em seqüência' rigorosamente deter-
29. Dizemos - "Durmo", como - "Vou" ou "Mato-o" (1,' pessoa) mas'- minada. Tanto vale dizer que 'um vocábulo, constante de outros elemen-
"lHe III1l.ta-me",Entretanto, me no último exemplo, está pelo menos tão psicOlogicamen- tos além do radical, é a cristalização de uma sentença, ou de parte de
te próximo de eu em "eu durmo", quanto êste último do eu. em "eu o mato", ~ s6 pela
uma sentença, que uma forma como agit é aproximadament~ o equivalen-
forma que podemos classificar a noção de L' pessoa em "durmo", como de sujeito
ativo, A rigor, estou dominado por fôrças fora de minha alçada tanto quando dur- te psicológico30 de urna forma como age is ''procede êle".
mo como quando alguém me mata. Muitas línguas diierencia.m claramente o su
'jeito ativo e o sujeito estático ("vou" e "mato·o" díatinto de "durmo", "sou bom",
'ISOU morto") ou, ainda, o sujeito trall!litivo e o intrall!litivo ("mato-o" distinto de 30. Em última auálíae, tllmbém o equivalente histórico, - digamos, age to
"durmo", "sou bom", "sou morto", "vou"). O sujeito intranaitivo ou o estático podem 'lprocede &se (uma pessoa)". [Isto é, o t fiDal representa um antigo demolUltra·
ou nlio ter forma idêntica à do objeto do verbo transitivo. tivo que servia de sujeito pooposto u forma verbal J
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...{. OS CONCEITOS GRAMATICAIS
114 A LINGUAGEM

donal, conseguem manter-se a certa distância psicológica dos elementos


Derrubando, pois, a parede divisória entre vocábulo e sentenÇiL, ca- contíguos. À medida que perdem· grande parte da sua vitalidade, re·
be·nos inquirir: Quais sãó, em última análise, os métodos fundamentais caem nas garras da sentença. em conjunto, e a seqüência dos vocábulos
para ligar um vocábulo a outro, um elemento vocabular a outro, ou, em independentes readquire a importância que em parte transferira p?-rll
resumo, para passar das noções isoladas, simbolizadas num vocábulo ou os 'grupos cristalizados de elementos.
num elemento vocabular, à proposição unificada que corresponde a um
A linguagem está assim constantemente enlaçando e desenlaçando
pensamento1
as suas seqüências. Nas formas altamente integradas (latim, esquimó) a
A resposta é simples e já está pressuposta nas considerações pre- "energia" da seqüência fica em grande parte encerrada nas formações vo-
cedentes. cabulares complexas, transformando-se numa espécie de energia potencial
método de relação mais fundamental e poderoso é o da ordem vo-
"o que, durante milênios até, não se libertará. Nas formas mais analíticas
cábular. Pensemos numa idéia mais' ou menos concreta, a côr digamos, (chinês, inglês), essa. energia é móvel, pronta para qualquer serviço que
estabelecendo o seu símbolo - "vermelho"; noutra idéia concreta, pes- lhe solicitarmos.
soa ou objeto, estabelecendo por sua vez o seu símbolo - "cão"; finalmen- Não pode haver grande dúvida que a ~ tem freqüentemen.
te, numa terceira idéia concreta, uma ação digamos, estabelecendo pela te assumido uma influência diretriz na formação de grupoS de elemen-
última vez o seu símbolo - "cçrr(er) ". Mal é possível estabelecer suo tos ou vocábulos complexos saídos de certas seqüências na sentença.
cessivamente êsses três símbolos. sem relacioná-Ios de qualquer modo, Uma palavra inglêsa como withstand (ou como em português "contra-
por exemplo - "(o) cão vermelho corr(e) ". Longe de mim querer dizer por"} é apenas a velha seqüência with stand, i. e., against [porto "con-
com isso que a proposição surgiu sempre dessa maneira analítica, mas tra"} ,çtand31, em que o advérbio não acentuado foi contInuamente
tão somente que Q próprio processo de justaposição de um conceito a amarrando-se ao verbo seguinte e perdeu a sua independência como ele-
outro, de um símbolo a outro, impõé~nos certo "sentimento" de relação;'- mento significativo. Do mesmo modo, os futuros franceses do tipo de
~ªis não seja. --"--·"_" ..
m. __ •• H ••• __ • ·_·· •• • ••••• '.' irai são meros resultantes da coalescência de vocábulos a principio inde-
A algumas adesões sintáticas somos especialmente sensíveis, como se· pendentes: ir ai, "ir hei"3~, sob a influência do acento unificador.
jam por exemplo, a relação atributiva de qualidade (cão vermelho), ou Mas a acentuação tem feito mais do que articular ou unificar se-
a relação subjetiva (cão corre), ou a relação objetiva (mata cão); a ou- qüências que já por si pressupõem uma relação sintática. É também o
tras somos mais indiferentes, como seja, por exemplo, a relação a.tributi- meio mais natural de que dispomos, para salientar um contraste lingüís-
va de circunstância (''hoje cão vermelho corre" ou "cão vermelho hoje tico, para indicar o elemento máximo de uma s.eqüência.
éorre", ou "cão vermelho corre hoje", tôdas as quais são equivalentes de Por isso, não noS deve surpreender verificar que o acento, tnnto
proposição ou proposições em embrião).
quanto a seqüência, pode s.ervir, por si só, de símbolo de certas relações.
Os vocábulos e os elementos vocabulares, portanto, tendem não 136 Um contraste como go between (one who goes between) e to go
a es~er uma espécie de relação entre si, mas também são at --
bl,ltween pode ser de origem completamente secundária em inglês, ma.<;
uns para os outros com maior ou menQ)','intensidade. É esta mãiõf"'ou
há razão de sobra para admitir que distinções análogas prevaleceram
menor intensidad,e, presumivelmente, que dá em resultado afinal os gru-
pos de elementos firmemente soldados (radical ou radicais mais um ou
31. Paru. with no sentido de "contra", compara.r o a.1em5.o~vicIer, contra.
vários elementos gramaticais), por n6s estudados sob a designação' o.e
32. Compnrn.r em latim i7'e, "ir" j e tll.mb~m a locuçã.o inglêsu. I ha1Jc to go,
vocábulos complexos. Segundo tôda a probabilidade, pada mais sã~.
i. e., m~~t go ["sou obrigado a ir"]. [Em português há igualmente expressões de
vocábulos do que seqüências que se juntaram e se destacaram de outras futuro obrigll.t6rio e volitivo que lembnm Il. construçõ.o originária de ira;', em fran-
B~ênci8.'l ollelementos iSõlados, no desdobr'ãííiWtõ~d~~-.E~quan t~- cas, ou "iroi", em português; aão os compostos do tipo "tenho de ir", "hei de ir".]
têm vida plena, em outros têrmos, enquanto têm todo· o seu valor fun·
if~.

OS CONCEITOS GRAMATICAIS 117


115 A LINGUAGEM

em todos os tempos na. hist6ria lingüística. Uma seqüência como see'man gundo nomear. Perdendo esta última a sua vitalidade, o advérbio cha·
["ver" e "homem"] pode implicar algum. tipo de relação em que see mau-lhe a função a si.
qualifica a palavra seguinte, donde a seeing man ou a 8een (ou visible) Se temos real motivo para admitir que a expressão de tôdas' as re-
1IUln, ou é a sua predicação, donde the man sees ou the man is seen, ao lações sintáticas ascende inevitàvelmente a êsses dois aspectos dinâmico~
passo que uma seqüência como see man' pode indicar que a palavra acen- da evolução - a ordem e a acentuaç~8 - resulta uma tese interes·
tua.da até certo ponto limita a aplicação da primeira, como objeto direto sante: - Todo o conteúdo da linguagem, com seus grupos vocálicos e
- dif.!'amos, donde to 8ee a ntan ou (he) sees the mano Tais alternâncias consonânticos, limitava-se na origem à interpretação do concreto; as re-
de relação, simbolizadas por acentuações varitiveis, são importantes e fre- lações não eram expressas a princípio na forma externa, mas apenas
qüentes em certo número de línguas33• pressupostas e articuladas com o auxílio da ordem e do ritmo. Em ou-
Ê especulação algum tanto arriscada, e contudo admissível, ver na tros têrmos, as relações eram sentidas por intuição e apenas "extrava-
ordem vocabular e na acentuação os métodos primordiais para a ex- savam-se" atrav~s de fatôres dinâmicos, que por sua vez se moviam no
pressã:o de tooas as :relações sintáticas e encarar o atual valor relacio· plano da intuição.
nal dos elementos e vocábulos específicos como uma situação secundária Há um método especial de exprimir relações, tão freqüente na hist6-
devida a uma transferência de valores. ria das línguas que exige a nossa atenção por um momento. Ê o méto-
Assim, podemos aventar que o -m latino de vocábulos como feminam, do da "concordância" ou de assinalação repetida.
dominum e civem não denotavam originàriamente34 que "mulher", "amo" Assenta no princípio da palavra de passe ou do rótulo. Tôdas as
e "cidadão" estavam objetivamente relacionados ao verbo da proposi- pessoas ou objetos que respondem à mesma senha ou trazem a mesma
ção, mas indicavam qualquer coisa de muito mais conc.ret036, estando a marCll, ficam conseqüentemente registradas como relacionadas entre si.
relação objetiva meramente implicada pela posição ou acentuação do Uma vez isso feito, pouco interessa onde se acham e como se apresentam,
vocábulo (elemento radical) irp.ediatamente anterior ao -m, e que essa Sabe-se de antemão que umas pertencem às outras.
consoante gradualmente, à. medida que se esvaia o seu valor mais con-
Estamos familiarizados com o princípio da concordância em gre-
creto, chamou a si uma função sintática que não lhe pertencia.
go e latim. A muitos dentre nós já têm causado espécie essas rimas in-
Essa espécie de evolução por transferência é perceptível em mui· defectíveis, como vidi illum bon,um dominum, ''vi êsse bom amo", ou
tos casos. Assim o of de uma frase inglêsa como lhe law of lhe land [Ira quarum dearum saevarum "cujas deusas cruéis". Não que o eco sonoro,
lei do país") tem hoje um conteúdo incolor, índice que é, tão puramente quer em forma de rima, quer de aliteração39, seja indispensável à concor-
relacional como o sufixo de genitivo -is do latim lex urbis, "a lei da ci- dância, embora, sob o seu aspecto mais típico e original, a concordância
dade". Sabemos, não obstante, que era a princípio um advérbio de va- seja quase sempre acompanhàda de uma repetiçã~ de sons.
lor concreto consideráveP6, indicativo de separação, afastamento, e que
A essência do princípio é simplesmente isto ; vocábulos (elementos)
a relação sintática era a princípio expressa pela forma casual do se-
que pertencem uns aos outros, es.pecialmente se são equivalentes sintá-
ticos ou estão relacionados da mesma maneira a outro vocábulo ou ele-
mento, levam a marca externa de um mesmo sufbco ou de sufixos fun-
33. Em chinês tanto quo.nto em inglês. cionalmente equivalentes.
34. Por "originàriBmente" entendo, é claro, uma época anterior no mais aI!-
tigo período das línguas indo-européias a que nos leva a evidência comparativa.
37. Abla.tivo, para. uma. análise relativamente reccllte.
35. Tlll'l'ez fôsse um classificador qualquer nominal.
38. Pro'l'Avelmente no. acentuação deve·se mcluir o aconto de altura.
36. Comparar com o seu paralelo histórico, lI1uito chegado, off [advérbio equi·
valente no port. "fora", "para tom"]. 39. Corno em b!lntu ou chinuk.
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118 A LINGUAGEM OS CONCEITOS GRAMA',rrCAIS

A aplicação do princípio varia consideràvelmente de acôrdo com tença como "Aquêle leão feroz que veio cá, está morto", a classe de
o gênio de cada língua. "leão", que podemos chamar li. classe animal, será assinalada por meio
Em latim e grego, por exemplo, há concordância entre o nome e de prefLxos de concordância nada menos de seis vêzes, - com o demons-
o vocábulo qualificativo (adjetivo ou demonstrativo) no que respeita ao trativo (aquêle), com o adjetivo qualificativo, com o próprio nome, com
gênero, ao' número e ao caso, entre o verbo e o sujeito apenas no que res· o pronome relativo, com o prefixo subjetivo no verbo da cláusula rela-
peita ao níunero, 'e não há concordância entre o verbo e o objeto. tiva e com o prefixo subjetivo no verbo da oração principal ("está mor-
Em chinuk, há uma concordância de maior alcance entre o. nome. to"). Reconhecemos nesta i~a para a clareza externa da referên::..
sujeito ou objeto, e o verbo. Todo nome classifica-se de acôrdo com cin. da o mes!lli1espírito que anima a frase mais :familiar iHum bonum do-
miwúm.
co categorias - masculino, feminino, neutro40, dual e plural. /'Mulher"
é fcrn,inino, '/areia" ê neutro, /(mesa" é masculino. Se, por con.seguinte, Psicologicamente, os métodos de ordem e acentuação ficam no pólo
eu quero dizer uA mulher pôs àreia na mesa", tenho de colocar no verbo oposto ao da concordância. Ao passo que apelam êles para o implícito,
dados prefixos de classe ou gênero que concordem com os prefixos no- para. a sutileza do sentimento lingüistico, a concordância não suporta a
minais correspondentes. A sentença fica então "A (fem.)-mulher ela menor ambigüidade e impõe a cada momento a sua marca registrada.
(fem.)-êle (neutro)-êle (masc.)-sÔbre-pôsa (neutl:o)-areia a (mase.)-mesa". A concordância tende a dispensar a ordem vocabular.
Em latim e chinuk, as palavras independentes têm liberdade de
Se "areia" tem a qualificação de "muita" e a mesa de "grande", ex-
primem-se essas novas idéias como nomes abstratos, cada qual com o posição, um pouco menos em bântu. Tanto em chinuk como em bântu,
seu prefixo de classe inerente (I'muito" é neutro ou feminino, "grande" contudo, os métodos de concordância e o de ordem são igualmente im-
é masculino) e com um prefixo possessivo referente ao nome qualificado. portantes para a diferenciação de sujeito e objeto, da mesma sorte que
Assim, o adjetivo reporta-se ao nome, o nome ao verbo. "A mulher pôs os prefixos classificadores do verbo se reportam ao snjeito. ao objeto ou
muita areia na mesa grande" assume, portanto, a forma de: "A (fem.). ao objeto indireto consoante a posição relativa que ocupam. Temos as-
-mulher ela (fem.)-êle (neutro)-êle (masc.)-sôbre-pôs a (fem.)-da mesma sim novamente diante de nÓSo fato muito significativo de que em dada
porção (neutro)-areia a (masc.)-da mesma grandeza a (masc.)-mesa". emergência a ordem vocapular se reafirma, em qualquer língua, como o
mais fundamental dos princípios de relação.
Insiste-se assim três vêzes na classificação de mesa como f~~o: ? O leitor atento deve estar surprêso de que até agora pouco tenha-
no nome, no adjetivo e no verbo.
mos tido que dizer a respeito das tradicionais "partes do discurso".
Nas línguas bântu4l, o princípio da concordância opera quase como A razão não é difícil de descobrir.
em chinuk. Também nelas, os nomes se classificam em certo número A nossa classificação convencional dos vocábulos em partes do dis-
de categorias e são postos em relação com adjetivos, demonstrativos, pro- curso é apenas uma aproximação vaga e incerta do inventário cabal da
nomes relativos e verbos por meio de elementos prefixados que lembram
a classe e constituem um sistema complexo de concordância. Numa sen- experiência. Imáginamos, de início, que todos os "verbos" se referem
inerentemente a uma ação, considerada em si mesma, que um Clnome"
é a denominação de uma coisa ou pessoa definida, cuja imagem se pode
40. Ta.lvez seja preferível dizer·se "gera.l". O neutro chinuk refere-se tanto
reproduzir em nossa mente, que tôdas as qualidades são necessàriamente
a pessoas como a coisas, (l pode usar-se como plural. uMasculino" e "feminino", por
outro lo.do, em francês c alemão, incluem grande número de sêrcs ina.nimados. expressas por um grupo definido de palavras, que podemos adequada-
41. Faladas no. maior parte da. metade austral da Africa. Fala-se chinuk,
mente intitular C/adjetivos".
~ob a forma de múltiplos dialetos, no vale da pa.rto inferior do rio Colúmbia. f~ Assim que pomos o nosSOvocabulário à prova, descobrimos que as
improssivo observar epmo o esp!rito humano chegou ao mesmo tipo de expressão om partes do discurso estão longe de corresponder a uma análise tão simples
duas regiões tão hist/)rica.mente deaconexn.e. dn realidade. \
120 A LINGUAGEM
os CON CE r TOS GR A M A T I C AIS 121

Dizemos it is red ["é vermelho"} e definimos red [/'vermelho"] Como dispensar, por exemplo, o "para" da frase "êle veio para
como vocábulo qualificativo ou adjetivo. Acharíamos estranho pensar :casa"~ Muito simplesmente: podemos dizer "êle alcançou a casa", supri-
num equivalente de "é vermelho", em que todo o predicado (adjetivo. mindo a preposição e dando ao verbo um matiz de sentido que absorve a .
o verbo de estado) fôsse concebido como verbo, precisamente da mesma .i~éia de relação local transmitida pela partl:cula "para". Mas insisti-
maneira por que o fazemos com "estende", ou "faz", ou "dorme". Ora,. mos em dar independência a essa idéia de relação local. Não será for-
tão depressa damos à noção dura:tiva de ser vermelho uma feição in. çoso ficar com a preposição~ Não; pode-se transformá·la em um nome.
ceptiva ou transicional, podemos evitar as formas paralelas it becomes Pode-se dizer qualquer coisa como - "êle alcançou a proximidade da
red, it turns red ["fica vermelho, torna-se vermelho"] com dizer it red- casa", ou "o local da casa". Em vez de - "olhou para o espelho", po-
dens ("avermelha-ae"). Ninguém negará que "avermelha-se" é um verbo 'demos dizer - Hperscrutou o interior do espelho". Tais expressõeS de-
tão legítimo quanto "dorme", ou até "passeia". Não obstante, it is red 'sagradam em nossa língua, porque não se adaptam fàcilmente aos nosso.<;
relaciona-se com it reddens quase como he stands com he stands up ou canais formais, mas há língua e mais língua em que as relações locais
he rises·2•
,são expressas assim. São substantivadas.
É apenas uma questão idiomática inglêsa ou indo-européia não po- E dessa sorte poderíamos ir examinando as várias partes do discur-
dermos dizer it reds no sentido it is red. Podem-no fazer centenas de ou- so e ir mostrando que não s6 umas entram pelas outras, mas que até
tras lmguas. Há até muitas que só podem exprimir o que nós chamamos são em grau surpreendente umas conversíveis nas outras.
"adjetivo" por meio de um particípio verbal. Red em tais línguas é ape- A conclusão de um tal exame seria deixar-nos convencidos que a
nas um derivado verbal being red, como o são os nossos sleeping, wal- "parte do discurso" reflete não tanto a nossa análise intuitiva da realida-
king [particípios presentes de to sleep, "dormir", to walk, "passear"]. de quanto a nossa habilidade em compor, partindo da realidade, uma
Da mesma sorte que é lícito verbificar a idéia de qualidade no caso variedade de moldes formais. Uma parte do discurso, fora das limita-
de reddens, é lícito representarmo-nos uma qualidade ou ação como coi. ções da forma sintática, não passa de um fogo-fátuo.
sa. Falamos de "a altura de um prédio" ou de "a queda de uma maçã~', Eis por que nenhum esquema lógico das partes do discurso - seu'
como se essas idéias fôssem paralelas a "(J telhado de um prédio", ou "a número, natureza e limites precisos. - é do menor interêsse para o lin-
casca de uma maçã", esquecendo-nos que os nomes ("altura", "queda") güista. Cada língua tem um plano seu. Tudo depende das demarcações
não deixariam de indicar uma qualidade e uma ação, só porque lhe rormais que ela admite.
demos a aparência dc meros objetos. E assim como há l.(,~guasque redu. Não sejamos, porém, demolidores sistemáticos.
zem a verbos a grande massa dos adjetivos, outras há que os reduzem a
É bom não esquecer que a fala consistE!numa série de proposições.
nomes. Em chinuk, como vimos, "a grande mesa" é "a-mesa-sua-gran- Tem de haver o que quer que seja para ponto de partida da frase, e,
deza"i em tibetano, pode exprimir-se a mesma. idéia Flor "a mesa de
uma vez escolhido êste sujeito do discurso, há aquilo que se diz a res-
grandeza", aproximadamente como dizemos "um homem de fortuna" em
vez de "um homem rico". peito. Essa distinção é tão fundamental que a grande maioria das lín-
guas a salientou com criar uma espécie de barreira formal entre os dois
Não haverá, porém, certas idéias que não é possível transmitir se- têrmos da proposição. O sujeito do' dis.curso é um nome. Como mais fre-
não por meio de uma determinada parte do discurso? qüentemente se trata de uma pessoa ou de uma coisa, o nome situa-se en-
tre os conceitos concretos dessa ordem. Como o que é predicado ao 'su-
42. [Em português, dizemos, ao contrário, "está. de pé" (he stand8) com o jeito é geralmente uma atividade no sentido lato da palavra, a passa-
verbo "está", como dizemos "é vermelho", com o verbo "é"j e "e:ogue·ee" (hc riIlea) gem de um momento a outro da existência, a forma que foi encarrega-
como "avennclha·se" (it Teddllll.S).J .
·da do papel de predicação, noutros têrmos - o verbo, situa-se entre os
~

122 A LINGUAGEM

I coneeitos
ção entre de atividade.
nome e verbo,Nenhuma língua
embora em casospresciríde totalmente
particulares da dist.in-
a natureza dessa
distinção seja ilusória.
O mesmo não sucede com as outras partes do discurso. Nenhuma
delas é impe~ativamente imposta pela vida da linguagem43•
VI
43. Em ye.na, O nome e o verbo são bem ,distintos, embora. com certos traços
comuns que os a.proximam um do outro numa medida que nos pa.receria imposeivel. Mas,
li. rigor, não hfl outras partes do discurso. O adjetivo 6 um verbo. São·no igual.meilt6

os numerais, o pronome interrogativo [e. g. "ser o quê1"] e certas conjunções e ad· OS TIPOS DE ESTRUTITRA LINGüISTICA
vérbios (e. g. "ser e" e "não ser"; diz-se "e-passado-vou", i. e" - "e fui". 06
advérbios e as proposições são quer nomes, quer meros a.ii:tos de deriva.çãc no verbo.

Até aqui, tratando da :forma lingüística, preocupa.mo-nos apenas


com os vocábulos isóladoS e com as relações dos vocâbulos na sentença.
Não eonsideramos as linguas, como um todo, conformes a êste ou àque-
le tipo geral. Vimos incidentemente haver umas que buscam sínteses de
estreita coesão ao passo que outras se contentam com a disposição mais
analítica e fracionada de seus elementos, ou numa aparecerem puras
certas relações sintáticas que já em outra se combinam com certas noções
que têm em si qualquer coisa de concreto, por mais abstratas que se nos
apresentem elas na prática. É possível que tenhamos assim obtido utna
vaga idéia do que se entende por forma geral de uma língua.
Para todo aquêle que já cogitou no assunto ou sentiu até certo ponto
o espírito de uma língua estrangeira, é óbvio, em verdade, que há para
e.ada língua, um como que plano fundamental, um quadro determinado.
l!:sse tipo, ou plano, ou, índole "estrutural" é muito mais básico, muito
mais profundo do que qualquer caráter lingüística isolado que se possa
mencionar, e não é possível adquirir uma idéia adequada da sua natu-
reza com a mera enumeração dos vários fatos que constituem a gramática
da língua. Quando passamos do latim para o russo, sentimos que é apro-
ximadamente o mesmo horizonte que limita a nossa vista, embora tenham
sido substituídos os marcos mais próximos e familiares. Quando chega-
mos ao inglês, julgamos notar que as montanhas são um pouco mais
baixas, mas reconhecemos ainda assim o aspecto geral do país. Já quan-
do atingimos o chinês, é um céu completamente outro que se nos de-
para. Podemos traduzir essas metáforas di.zendoque tôdas as línguas di-
:>:1ll";'"

OS Tll'OS DE ESTR.UTUnA LINGüíSTICA 125


124 A LINGUAGEM

dia capazes de dar-nos as razões finais, que explicam a fOl'~ação doo


ferem entre si, mas que algumas muito mais do que outras. Tanto vale
tipos lingüísticas.
afirmar que li possível agrupá-Ias em tipos morfológicos.
Quando se enfrenta a tarefa c1assificatória, verifica-se logo que não
, A rigor, sabemos de antemão ser impossível estabelecer um gruP9 tem estrada fácil de palmilhar. Já têm sido propostas várias classHi-
!:le
restrito de tipos que façam justiça plena às peculiaridades dos milha-
,cações e tôdas contêm elementos de valor. Nen1lUma,porém, se apresenta
res de idiomas e dialetos falados na superfície da terra. Como tôdas as como satisfatória. Parecem não tanto abarcar as línguas conhecidas
instituições humanas, a fala é tão variada e cambiante que não se pres- 'quanto pousá-Ias em assentos estreitos e de hirto espaldar.
ta a r6tulos exatos. Até operando com uma escala de tipos minucio-
samente subdivididos, poderíamos ficar certos de que muitas línguas exi- .As dificuldades têm sido de várias espécies.
giriam um 'desbaste preliminar para ali se encaixarem satisfatõriamen- Inicialmente e primordialmente, tem sido difícil adotar um ponto
te. Para incluí-Ias uma a uma, seria necessário exagerar a importância de partida. Qual há de ser a base da classifícagã01
dêsse ou daquele traço característico ou fazer abstração, no momento, Cada língua se nos apresenta. com tantas facêtas que a nossa per-
de certas contradições do seu mecanismo.
plexidade é explicável. E um só ponto de partida seria bas.ta?te?
Por acaso a dificuldade da classificação prova a inutilidade da em- Em segundo lugar, é arriscado generalizar as conclusões que se ti-
prêsa7 Não o creio. Seria sumamente cômodo livrarmo-nos de tão pesa- ram de um pequeno número de línguas selecionadas. Tomar como a
do encargo, partindo da consideração de que cada língua tem uma his- soma total de material de que dispomos, o latim, o árabe, o turco, o chi-
tória própria, e portanto, uma estrutura própria. Mas com isso só se nês, ou acrescentar-lhes talvez, com mais detida reflexão, o esquimó ou
exprime meia verdade. Assim como instituições sociais, econômicas e re- <J siú, é procurar deliberadamente um fracasso. Não temos direito de
ligiosas 'semelhantes se têm desenvolvido nas diversas partes do globo admitir, por hipótese, que algumas línguas exóticas, catadas cá e lá,
como resultado de antecedentes históricos diferentes, também as línguas, bastem para completar a lista, só feit,a por sua vez com umas poucas
percorrendo estradas diferentes, têm tendido a convergir para formas se- línguas mais próximas de nós e que nos interessam mais dh'etamentr.
melhantes. Acresce que o estudo histórico da linguagem nos provou,
fora de qualquer dúvida, que uma língua muda não só gradual, mas Em terceiro luga~, os lingüistas deixaram-se em regra seduzir pela
consistentemente, que se move inconscientemente de um tipo para outro, miragem de uma fórmula simples1•
e que se observam linhas diretrizes análogas nas mais remotas partes Há qualquel' coisa de irresistivel no método de classificaçõ,ojque fir-
do globo, Daí se segue terem chegado independente e freqüentemente ma dois pólos, exemplificados digamos pelo chinês e pelo latim, distri-
a morfologias de sem.elhança ampla línguas sem qualquer relação de pa- bui para cada lado aquilo que pode, e joga tudo mais num "tipo de
rentesco entre si. transição".
Admitindo ~ existência de tipos lingüísticos comparáveis, não es- .Assim surgiu a classificação das IÚ1g,uas,ainda hoje popular, em
tamos negando, pois, a individualidade dos processos históricos; esta- grupos isolante, aglutinativo e flexional, a que às vêzes se fizeram seguir
mos afirmando que, por trás da fachada da história, há derivas po- as línguas dos índios da América, como uma retaguarda incômoda e in-
derosas que impelem a linguagem, como a outros produtos sociais, no disciplinada de "polissintéticas" atrás das. aglutinativas.
sentido de certos padrões ponderados, ou, em outros têrmos, de certos
Há justificação para o· uso de todos êsses títulos, mas não, pare-
tipos. Como lingüistas, contentemo-nos em compreender que existem
ce-me, com o alcance que comumente se lhes dá. Seja como fôr, é dificí-
tais tipos e que determinados processos na vida da linguagem tendem a
limo distribuir tôdllS as línguas conhecidas.por êsses grupos, que, de mais
modificá·los. A razão por que se constituem tipos s.emelhantes, bem co-
mo a natureza das fôrças que os criam e dissolvem, são problemas mais
1, E sempre que possível umo. fórmula. triplice.
fáceis de armar que resolver. Talvez os psicólogos do futuro sejam um
os TIPOS DE ESTRUTURA LINGüíSTICA
127
A LINGUAGEM ,.
126 ~;
Tais formas amoldam-se de cem maneiras, sem atenção ao progresso ou
a mais, não se excluem un~ aos outros. Uma língua pode ser ao mesmo-
tempo aglutinativa e ~lexional, ou até polissintética e isolante, como- retrocesso material do povo que delas se serve c que em grande parte
daqui a pouco veremos. não tem consciência do que elas são. Se, por conseguinte, quisermo~
compreender a linguagem na sua verdadeira intimidade, cumprirá de·
Há ainda uma quarta razão para explicar por que têm provado.
:;;abusarmo-nos de "valores" preferidoss, e acostumarmo-nos a olhar para
infrutíferas as tentativas de classificação das línguas. É o preconcei-.
o inglês e para o hotentote com O mesmo desprendimento gélido mas
to evolucionista que se insinuou nas ciências sociais pelos meados do·
cheio de interêsse;
século passado e que só agora começa a perder o seu império tirânico.
Voltemos à primeira dificuldade a que aludimos. Que ponto de par-
em nosso espírito.
tida adotaremos para a nossa classificação1
. De envolta com êsse preconceito científico e antecipando-o em gran- Depois de tudo que dissemos sôbre forma gramatical no capitulo
de parte, havia outro, mais humanamente compreensíveL
precedente, é claro que não podemos fazer a distinção entre lfnguas
A vasta maioria dos teoristas lingüísticos falava por sua vez lín- módicas e amórficas, que costumava atrair alguns tratadistas do pas-
guas de certo tipo, cujas variedades mais plenamente desenvolvidas eram sado. Tôda língua tem capacidade e necessidade de expressar as rela·
o latim e o grego, que êles tinham aprendido na meninice. Não lhes fot ções sintáticas fundamentais, ainda quando não se encontra um sij
difícil persuadirem-se que tais línguas, que lhes eram familiares, re- afixo entre os seus elementos léxicos.
presentavam o desenvolvimento "mais alto", ao qual a linguagem pode· Concluímos, pois, que tôda língua tem uma forma.
chegar, e que todos os outros tipos eram simples degraus na marcha Fora da expressão da relação pura, uma língua pode, evidente-
para êsse "mimado" tipo flexionaL Tudo o que se conformava com os mente, ser "amórfica" - isto é, ser am6rfica no sentido mecânico e
moldes do sânscrito, do latim, do grego e do alemão era aceito como ín- um tanto superficial de não se sobrecarregar de elementos não-radicais.
dice de qualquer coisa de "superior"; tudo que dêles divergia, era olha- Às vêzes, tem-se tentado formular a distinção na base da tlforma
do de má vontade como qualquer coisa de falho, ou, quando muito, como interna". O chinês, por exemplo, não dispõe de elementos formais puros
uma aberração curiosa2• e simples, ou seja uma "forma externa", mas evidencia um sentido agu-
Ora, qualquer classificação que parte de valores preconcebidos ou do das relações, da diferença de sujeito e objeto, de atributo e prediaa-
que busca satisfações de ordem sentimental lavra a sua própria conde- do, etc. Em outros têrmos, tem uma "forma interna" no mesmo sentido
nação como anticientífica. Um lingüista que nos fala do tipo latino de em que a possui o latim, embora seja externamente sem rorma, ao passo
morfologia como do mais alto grau de desenvolvimento lingüístico, dá que o latim é externamente "formal". Por outro lado, supõe-se haver lín·
idéia de um zoólogo que visse todo o mundo orgânico convergir para a ~as' que não apreendem a rigor as relações fundamentais, mas se
produção do cavalo de corrida ou da vaca Jersey. Uma língua em suas' contentam com uma expressão mais ou menos minuciosa das idéias mate-
formas fundamentais é a expressão simbólica de instituições humanas. riais, às vêzes com exuberante ostentação de "formas externas", deixan-
do que as relações puras se infiram apenas do contexto.
2. Um célebre autor Il:mericano, tratando da cultura e da linguagem, cxpen·
dcu a afirmo.ção que, por mais rcspeitáveis que possam ser os homens de lingua 3. Falo pensando nos valores :formais considerados em si mesmos. Ter ou
nglutinativll, em um vordadeiro crime deí.:mr uma mulher flexional escolher um não uma. lingun um vQeabulário rico e valioso é outra coisa. O aeervo vocl1bular de
marido aglutinativo. Era pôr em perigo formidáveis valores espirituais. Os oampeõclt uma lingua, num momento dado, não deve interessar ao lingüista, pois tôd3.S llB lín-
dns linguM "flexionnis" chegam até a exaltar ns pr6prias irrncionalidades do la- guas dispõem de recurso para criar novas palavrll.S, qua.ndo preciso. Por outro lado,
tim e do grego, salvo quando lhes convém gabllr o caráter profundamente "lógico" não nos interessa aqui abRolutamente o valor práticO de uma língua ou o seu papel
das dullS língun,s clJÚlsicn.s.Entretanto, n sobriedade 16gica. do turco e do chinêS' como veículo de uma grande cultura.. São considerações importl1nHssimn,s, sob outros
deixa· os frios. .As gloriosllS inacionalidades e complexidades formais de muitas lín- aspectos, mas que nada tôm que 'iler com o valor formal.
gUll.S "solvageIl!l" llM {l3ra 01118Wauportáveis. Os sentimentais sã.o sempre difíceis
4. E. g., o malaio o polinêsio.
de eontentnr.
11,'

128 A LINGUAGE:l.l
OS TIPOS DE ESTRUTURA LINGmSTICA 129

Por mim, muito me inclino a acreditar que a suposta "falta de for-


de afixação dividir·se-iam sem esfôrço naquelas em que prevaleeem os
ma interna" de certas línguas é uma ilusão. :É muito possível que nessas
prefixos, como o bântu e o tlinguit e naquelas em que predominam ou
línguas as relações não sejam expressas de maneira tão imaterial como
só existem os sufb::os, como o esquimó, o algonkin e o latim.
l?m chinês ou mesmo em latim5, ou que o princípio da ordem vocabular
Rá, porém, duas dificuldades sérias nessa classificação quadripal"
fique sujeito a maiores flutuações do que em chinês, ou que a tendên-
tida (isolantes, de prefbcação, de aufixação, e simbóJicas).
cia para as derivações complexas alivie a língua da obrigação de expri- .
Em primeiro lugar, 11 maior parte das línguas se enquadram em
mil' certas relações tão expBcitamente como se impõe em línguas mais
mais de um dêsses grupos.
llnalíticaso• Tudo isso não quer dizer que línguas dessas não tenham um
sentimento real das relações fundamentais, Em segundo lugar, a classificação em sua essência é s1.1perficià1.
Reuniria línguas de índole totalmente diferente apenas por causa de
Nã.o nos 'será lícito, portanto, utilizar a noção de "falta de forma certa semelhança de forma externa. Rá evidentemente um mundo de
interna", senã.o no sentido muito modificado de poderem-se achar as permeio entre uma língua de prefixação como o cambodjiano, que, no que
relações sintáticas amalgamadas a noções de outra espécie. A. tal cri- respeita ao emprêgo dos seus prefixos (e infixos), se limita a expres-
tério de classificação voltaremos mais adiante. sar conceitos de derivação, e as línguas bântu, em que os elementos prefi-
Seria mais justificável uma classificação de acôrdo com os pro- xados têm alcance muito maior, como símbolos que são de relações sm-
cessos formais mais típicos1 que a língua desenvolveu. tiJ.ticas.
A classificação torna-se mais valiosa se a fizermos referir-se à
.As línguas que sempre identificam o vocábulo com o elemento ra-
expressão dos conceitos de relação9• Sob êsse aspecto assim modificado,
dical, constituiriam um grupo "isolante", em contraste com outras que
recorreremos a ela como a um critério subsidiáriO. Veremos então que
ou afixam elementos modificadol'es (línguas de afixação), ou possuem
os têrmos "isolante", "afixação" e "simb6lico" têm um valor real. Mas,
a faculdade de mudar a significação do radical por meio de mudanças
em vez de dist:inguir entre línguas de prefixação e de sufixação, ve-
internas (l'eduplicação j alternâncias vocálicas e consonantaisj alternân-
remos também que é de maior interêsse fazer outra distinção, fundamen-
das de quantidade, de intensidade, de altura). 1tste último tipo poderia
tada na relativa coesão com que os afixas se prendem ao núcleo voca-
intitular-se não sem razão o tipo das línguas s.imbólicasB• A.s línguas bular10•

5, Oll,de, como vimos, as relaçóllS sintáticas I1iio estão dc todo estrcmes de


9, Pure. ou de "relação concretll.". Ver capo V.
I10ÇÕllSconcretas.
10 . Apesar da minha relutfi.I1cia em insistir na diferenço. entre Hnguns de
6. Aproximadamente como em inglês cod-liver oil, até certo ponto, prescinde prefL,<agito e de sufLxaçiio, sinto ser mais significativa essa diferença do que soem
de definir explicitamente as relações dos três nomes. Contrnstar liom o francês
admitir os liIlgüistns. Parece·me haver uma distinção psicológIca de certa impor-
huile de raie de morue (ou, em portugu~s, "6leo de figado de bacnl1mu"].
tancia eIltre uma lingua que firme a. ca~egoria formal de um radical untes de enuIl:
7 . Ver capo IV. <liã·lo - e é isto, em realidade o que estão 110 hábito de fazer língua:; como o
8. Hã. provàve!mente uma conexão psicológica real entre o simbolismo e as tliIlguit, o chinuk e o bantu - e outra que parte do núcleo concreto do vocá·
:tltern!l.ncias significativas de àri7'l'k, àrallk, dTwtlk ou do chinlls mai (com tom bulo e define a categoria dêsse I1úcleo por limitações sucessivas, cada uma dll~
Rscendente), "compro r", e 'I7lai (com tom desceIldente), r'vender". A tendilnci[L'i~. quais reduz em certa medida a generalidade de tôda a parte precedente. O espí-
consCiente para' o simbolismo tem sido com justeza frisado. pelo. literutura psico' rito do primeir~ método tem qualquer coisa de diagramitico e arquitetânico, ao
lógica, mais modernu. Pessoalmente, eu acho que a passagem de sinO (presente dfl passo que o segundo se resume num método de podas a posteriori. Nas línguas di)
to sino", "cantar" a sano (pretérito) causa. quase a mesma impressúo que a alter' prefixação mais altn.mente elaboradas, o vocábulo tende a I10S do.r a impressão de
nll.ncia das côres simbólicas - por exemplo, " verde" para "traIlsito livre", "ver- uma cristalização de elementos flutuElIltes; já os vocábulos das líIlguas tipicu.s
melho" para "perigo". Mns provàvelmeIlte I16s todos diferimos uns dos outros lla de sufixação (turco, esquim6, nutka) são formações determinativas, em que cada
maneira mais ou menos intensa por que nos impressionn.m ns mudanç;t.<llingüÚlticas elemento adicionado determina. I10vamente a. formo. do conjunto. Na prática, 6
deSSElespécie. tão dificil tirar partido dessas distinções fugidins, embora imporulIItes, que um
e.~tudo elementar não tem outro remédio senito igIlorá-las.
.•... :
'PJ.~
';-.',
'~l.:
OS TIPOS DE ESTRUTURA LINGüíSTICA
131
~.
130 A LINGUAGEM "

Chegamos agora à diferença entre língua flexionál e aglutinativa.


Há mais outra série de distinções utilíssimas, mas que também
não se pode aplicar exclusivamente sem tornar a classificação superfi- Como já assinalei, a distinção é útil, e até necessá.ria, mas tem sido
cial. geralmente obscurecida por certo número de caracterizações fora' de pro-
Refiro-me às noções de língua "analítica", "sintética" e "polissin- pósito e pelo esfôrço baldo de fazer com que os dois têrmos abarquem
tética". tôdas as línguas que não são, como o chinês, iniludlvelmente isolantes.
São tê~mos que se explicam por si. 'Uma lingua analítica é a que Pode-se apreender o sentido que mais convém dar ao têrmo "flexio-
não reúne conceitos no vocábulo (chinês) ou o faz parcimoniosamente nal" considerando-se ràpidamente quais os traços essenciais do latim e
(inglês, francês). Numa língua analítica, a sentença é sem~~ ª~jm~_~ .do grego que têm sido considerados típicos das línguas flexionais.
p'ortiincia pd.m..àcial, o vocábulo de interêsSLID,eD..O..t.Numa língua sinté-'
Antes de tudo, são êsses tra~os mais sintéticos do que analíticos. Mas
tica (latim, árabe, fínico), os conceitos são mais intrincados, os vocá-
·bulos têm mais rica disposição interna, mas há uma tendência geral a pouco adianta tal observação. Relativamente a muitas outras línguas
manter no .vocábulo, em nível moderado, o âmbito da significaçãocon- .que se lhes assemelham nas suas grandes linhas estruturais, o latim e
o grego não são notàvelmente sintéticos; por outro lado, os seus descen-
ereta. Uma língua polissintética, como indica o seu nome, é mais do
dentes modernos, italiano e grego moderno'", embora já muito mais ana-
que normalmente sintética. O vocábulo torna-se extremamente elabo-
rado, Conceitos que nunca sonharíamos tratar sequer em forma su- líticos, não se afastaram tanto em suas linhas mestras que merel}am ir
bordinada, são simbolizados por afixos de derivação ou mudanças para outl'o grande grupo distinto. Uma língua flexional, insistamos,
"simbólicas" do radical, enquanto noçõ~s. as mais abstratas, inclusive pode ser analítica, sintética ou polissintética.
as relações ,sintáticas, se exteriorizam igualmente pelo vocábulo. Uma O latim e o grego praticam principalmente o método da afixação,
língua polissintética não ilustra senão princípios que para nós já es- com grande preponderância dos sufixos. As línguas aglutinativas usam
tão exemplificados nas línguas sintéticas que nos são familiares. Está :uma afixação igualmente típica, sendo que algumas favorecem os pre-
para elas como uma língua sintética está para o nosso próprio inglês fixos e outras buscam de preferência os sufixos.
analíticol1.
.A. afixação, por si, não define, pois, o flexionalismo.
Os três têrmos são puramente quantitativos - e relativos; isto é,
uma língua pode ser analítica sob um aspecto e sintética sob outro. Pa- É possível que tudo dependa da natureza da afixação utilizada.
recem-me mais úteis paI'a definir certas tendências do que para rotular Comparando vocábulos inglêses como !a?'fnGr e goodnoss com ou-
-categoricamente as línguas. tros como hoight e depth, não podemos deixar de ficar impressionados
Com efeito, traz-se muitas vêzes uma nova luz ao estudo com ob- pela diferença notável da técnica de afixa~ão nos dois pares14• As ter-
servar que uma língua está tornando-se cada vez mais analítica no cur- minações -or e -ness são mecânicamente afixadas ao radical que é ao
so da sua história, ou que, ao contrário, tem indícios de haver partido mesmo tempo vocábulo independente (farm, good). Não são de maneira
de uma base analítica pura para cristalizar-se em formas altamente sin· alguma elementos de significação independente, mas transmitem o seu
téticas1Z• :sentido (agentivo, qualidade abstrata) com seguran~ e precisão. O
11. Entretanto, em inglês o a.na1itismo não passa de uma tendência. .com- seu uso é simples e regular, e não teremos dificuldade em apô-los a
parado ao francês,' é ainda regularmente sintético, pelo menos sob certos aspectos.
12. O primeiro processo ó demonstrável pa.ra o inglês, o francês, o dina· 13. Isso so aplico. mais particularmente no grupo românico: itlllíano, esPIl.·
ma.rquês, o tibeta.no, o chinês e uma. legião de outrM línguas. A. segunda tendên' !lho], português, francês, romeno. O grego moderno não li tão nitidamente am,-
da pode ser provo.da, creio eu;por uma porção de Ilnguas indias da América, e. g. o l1tico.
chínuk e o nâva.ho. Sob a sua forma presente, moderadamente sintética, é nelas dis-
o:J6rnívcl uma blLSa analítica que, num caso, poda definir-se como de tipo inglês 14. [Em português, podemos, na mesma ordem do idéil\S opor "bondo.do" que
a, Doutro, de tipo tibeta.no. :reSB9.1ta.
espontânoomente de "bom" e "cOrD.gem"ou "ilusão"].
132 A LINGUAGEM
OS TIPOS DE ES'l'lW'l'URA LINGüíSTICA 133

um verbo ou a um adjetivo qualquer, de origem mais recente que seja. Há lingüistas que falam das alternâncias do tipo de dritn.k. e dmnk
De um verbo to eamouflage podemos cunhar o nome camouflager, "pes_ lcf. em português, esporàdicamente, "pus'" e "pôs"] como se representas.
soa que (eamo1'flages)"; de um adjetivo como jazzy resulta Com tôda a sem elas o grau máximo da flexlio, uma espécie de essência l::spiritua1i-
natUl'alidade o nome jazziness. O mesmo não acontece com height e depth. zada da forma flexional pura. Entretanto, em formas gregas como pe-
l~uncionalmente prendem-se a high ("alto") e deep ("profundo"), tal pomph-a "mandei", em contraste com pemp·o "mando", com a alter.·
qual gaodness 11 gaod,' mas é maior o grau de coalescência entre radi. nância tríplice do radical (pe- reduplicativo, mudança e ; o, mudança
cal e afixo. Radical e afixo, embora at€ certo ponto distintos, não são p :ph) é antes a peculiar distinção entre a desinência de V pessoa do
aqui suscetíveis de uma separação tão pronta como good e ·ness em singular -(1, do perfeito e -o ~o presente, que dá às duas formas verbais
goodness. O t de height não é a forma típica do afixo (comparar strength, o seu cunho flexiona1. Nada seria mais errôneo do que supor que as
length, fiUh, breadth, youth), da mesma sorte que dep- não é idêntico mudanças simbólicas .do radical, mesmo para a expressão de conceitos tão·
ao adjetivo deep. abstratos como o número e o tempo, estejam sempre associados com as
Designemos as duas espécies de afixação como "fusão" e "justapo- peculiaridades sintáticas de uma língua flexiona1. Se por língua agIu-
sição". A técnica da justaposição podemos chamar "aglutinativa", se tinativa entendemos tôda aquela que se serve de afixos pela técnica
quiserml)s. da justaposição, só podemos concluir que há centenas de línguas simb6·
ConvÍl'á, conseqüentemente, apresentar a técnica da fusão como a licas e de fusão - não-aglutinativas. por definição -, que .são contu-
essência do tipo flexionaH Receio que ainda não chegamos ao alvo. do de índole completamente diversa do tipo flexional grego e latino.
l!:-noslícito chamar flexionais essas línguas; mas,. assim procedendo, pre-
Fôsse a línglla inglêsa pejada de coalescências do tipo de depth,
mas, por outro lado, usasse ela o plural independentemente da conco1'- paremo·nos para uma revisão da nossa noção de forma flexional.
dância vcrbal (e. g'. the books faUs, como the bfJok falls, ou the boolc fall Cumpre atentar que à fusão do radical com o afixo pode-se em·
como the boa1c falls) [ou, em porto "os livros cai" "o livro caem"], as. prestar um sentido psicológico mais lato do que aquêle a que até agora
desinências pessoais independentemente do tempo (e. g. the boolc feUs me referi.
como the book {alls, ou the book fall como the book {eU) (pois em in- Se todo nome plural inglês fôsse do tipo book : books ["livro : livros"),
glês a desinência vel'bal ·s é privativa da 3.~ pessoa do singular do pre- se não houvesse modelos contraditórios como deer : deer [deer, <lveado",.
sente] e os pronorr.r.~independentemente do caso (e. g. 1 see he, como he invariável em número], ox : oxen [ox, "boi", com a desinêneia arcaica -en],
sees me, ou him see the man, como the man sees him) [he, forma subje- goose : geese (goose, l/ganso" com a alternância vocálica no. radical para
tiva e him objetiva da 3.~ pessoa masculina singular], e hesitaríamos exprimir o plural], que complicam o quadro morfol6gico geral da 'plu-
em apresentá-Ia como flexional.
l"alidade, é de crer que a fusão dos elementos book e ·s no vocábulo uno
O simples fato da fusão, portanto, não nos parece satisfatoriamen- books seri!Lsentida de maneira um pouco menos completa do que atual·
te uma 'indicação clara de flexionalismo. mente é. O nosso pensamento ou impressão inconsciente a respeito é·
Há, com efeito, grande número de línguas que fazem a fusão do ra- mais ou menos êste: Se o padrão formal representado por baoks é idên·
.1.'
.dical e do afixo da maneira mais completa e intrincada que se poderia: tico, no que respeita ao uso geral, ao vocábulo oxen, os elementos de
esperar, sem todavia evidenciar essa espécie particular de formalismo plural ·s e -en não podem ter um valor tão definido e autônomo, como
que imprime a marca de flexional a línguas como o latim e o grego. à primeir~ vista estaríamos ~alvez propensos a supor. São sinais de plu-
O que é veraade da fusão, é verdade igualmente dos processos sim- ral apenas na medida em que a 'pluralidade se predica a ~ertos conceitos
bólicos15,
selecionados. Os vocábulos books e oxen são, portanto, mais.,do que com·
binações maquinais do símbolo de uma coisa (book, ox) com um símbolo
15. Ver pAga. 128 e 129. nítido de pluralidade. Há uma névoa de leve incerteza psicológica na

l
~.
135
U4 .A. LINGUAGEM OS TIPOS DE ESTRUTURA LINGüfSTHJA

.,i
;! :{joodness (o estado de ser bom), ficaríamos mais próximos do pólo agIu-
pada ou apropriada pelas próprias palavras book, e OX, assim como a 'tinativo.
fôrça conceptual do' -th em depth é apreciàvelmente mais fraca do que Um língua que busca sínteses dêsse caráter lato e geral é que deve
'a de -nllSS em {Joodness, apesar do paralelismo de· funções entre depth e ser considerada como um bom exemplo do tipo aglutinativo ideal, aspe-
\. 'goaclness.
formação de book·s
. e ox-en. Um pouco d~ fôrça do -s, e do .-en é aI).teci. ,-cialmcnte se os conceitos, expressos pelos elementos aglutinados, são con-
. ,

Ora, 'qesde que há certa incerteza de formação, desde que o afixo -ceitos de relação, ou pertencem pelo menOs à classe mais abstrata das
.idéias derivativas.
não logra chamar a si todo o s~u quinhão significativo, acentua-se me-
lhor a unidade do vocábulo completo. A mente tem de firmar-se em al- :B fácil ~itar formas instrutivas do nutka.
,guma ',coisa. Se não pode demorar-se nos elementos constituintes, trata Voltemos ao nosSO "lume em casa"lf. O nutka inikw-ihZ não é um
p;ressurosamente de acolher o vocábulo em seu conjunto. 'Vocábulo de constituição tão definida como a tradução faria supor. O
radical ini7cw- l'lume" é na realidade tão verbal quanto nominal; cor-
Uma palavra como goodness ilustra a "aglutinação", books "a fu-
são regular", depth "a fusão irregular", geese "a fusão simbólica ou responde ora a "lume", ora a "arder", de acôrdo com as exigências sin-
, ·"simbolismo"lo. táticas da sentença. O elemento de derivação -ihl, "em casa", não lhe mi-
tiga êsse aspecto vago ou geral; ini7~w-ihl continua a ser "lume em casa"
A individualidade psicológica dos afixas num têrmo aglutinado pode ou "arder dentro de casa". Adquirirá definitivamente o caráter nomi-
'ser ainda mais acentuada do que a de -ness em goodness. nal ou verbal pela afixação de elementos de fôrça exclusivamente no-
minal ou verbal. Por exemplo inikw-ihl-'i, com o artigo sufixado, é uma
A rigor, a significação de -ness não é tão inerentemente determina-
:forma nominal nítida: "O arder em casa, o lume em casa" ; ini7Gw-ihl-ma,
,da, tão autônoma como se poderia esperar. Depende do radical preceden-
te na medida em que exige um radical de tipo especial - um adjetivo. ,com o sufixo de indicativo é não menos nItidamente -verbal: "arde em
A sua fôrça fica assim, de antemão, até certo ponto refreada. Mas a fusão casa". Quão fraco é o grau de fusão entre ''lume em casa" e o sufixo no-
neste caso é tão vaga e elementar, decorre tão espontâneamente na maior minal ou verbal mostra a circunstância de que ini7Gwihl com sua indife-
parte dos casos de afixação, que é natural fazer abstração da sua exis- rença formal não é uma abstração obtida pela análise, senão um vocá-
tência para frisar de preferência a natureza justapositiva ou aglutinativa bulo bem apercebido e pronto para ser usado na sentença. As termi-
,do processo. nações -i e -ma; não são afixos que criem uma forma vocabularj são simples
'adições a um .conjunto formal já existente.
Se a terminação -ness pudesse afixar-se, como elemento abstrato, 11 Mas não é tudo.
todo e qualquer tipo de radical, se pudéssemos dizer fightness [fight, Podemos contim1ar a manter em suspenso a forma nominal ou ver-
,subst., "luta"] (o ato ou qualidade de lutar), ou waterness [water, subst.,
bal de inikwihl, enquanto não fizermos os acréscimos de -i ou -ma. Po-
'''água''] (a qualidade ou estado de água), ou awayness [away, adv., "em-
demos pluralizar o vocábulo; inikw-ihl-'minih; que é "lumes. em casa" ou
'bora", "para longe"] (o estado de afastamento), como podemos dizer
"arde plul'almente em casa". Podemos dar valor diminutivo a êsse plu-
ral inikw-ihl-'minih-'is, l'lumezinhos em casa" ou arde "pluralmente e de
16. As fórl1lula.s seguintes podem ser de utilidade para os que têm propen- 'leve em casa".
1 ·sii.o para as matemá.ticas. Aglutinaçã.o: c = i
a + b fusão regular; c = a+ E se acrescentarmos o sufixo do tempo pretérito -it? Não é de es-
,(b - x) + Xi fusíio irregular: c = (a. - x) + (b - y) + (x + y); simbo'
perar que inilcw-ih'l-'minih-'is-it seja necessàriamente 11mverbo - "vários
lismo: c = (a - x) + x. Não quero com isso dar a entender que haja. um valor
lumezinhos ardiam em casa~"
mlstico no proaesso da fusão. 11l de todo ·prová.vel que se tenha desenvolvido como
produto puramente mecânico de fOrças fonéticas, que provocaram irregularido..
·des de várias espécies. 17. Ver pág. 107.
:~f.

136 A LINGUAGEM OS TIPOS DE ES'fRUTURA LINGüíSTICA 137

Pois não o é. essencialmente o flexionalismo na fusão de elementos que exprimem con-


Pode continuar a ser tratado como nome: inikw-ihZ.'minih.'is-it.'i ceitos de relação impuros, lõgicamente falando, com radicais e elementos
que exprimem conceitos de derivação. :Na noção de flexionalismo. can..
significa - "os antigos lumezinhos em casa, os lumezinhos que dantes
correm imprescindivelmente a fusão cõ~~-;'étodo gcral ll_._~__ ~;::Wl:.~S_sP.-º--_..
ardiam em casa". Não se torna inconfundivelmente um verbo, senão quan-
do se Thc dá uma forma que exclui outra qualquer possibilidade, como ~ec"õilêe1tos~e relãÇãÕno vocábulo.
no indicativo inikwihl-minih 'isit-a, "vários lumezinhos ardiam em casa". Mas assim definir o flexionalismo é descrer da aplicação do têrmo
Reconhecemosassim fàcilmente que os elementos .ihl, -'minih, -is, e it com- para definir um grupo maior de línguas .. Para que pôr em relêvo ao
pletamente fora da natureza relativamente concreta ou abstrata de seu mesmo tempo a técnica e o conteúdo espe.~iaHEvidentemente, é preci-
conteúdo e fora, além disso, do grau de sua coesão externa (fonética) so decidirmo-nos por uma oq outra coisa. "Fusional" e "simbólico" con·
com os elementos antecedentes, têm uma independência psicológica que trastam com· "aglutinativo", que por sua vez' não se equipara absolu-
jamais oferecem os nossos próprios afb:os. São típicos elementos agIu- tamente a "flexional". Que fazer das línguas fusionais e simbólicas que
tinados, embora não possuam grande independência externa, sejam tão não exprimem os conceitos de relação no vocábulo, mas· confiam-nos
incapazes de viver à parte do radical a que estão sufixados, como a ter- antes à própria sentença? E não havemos de distinguir entre as línguas
minação -ness de goodness ou -s de books. aglutinativas ·que indicam êsses conceitos no vocáhulo - c não são
flexionais nesse particular - e as demais em que tai não sucede~
Daí não se segue que uma língua aglutinativa não possa, com gran-
de latitude, fazer uso do princípio da fusão a um tempo externa e psi. Desistimos da escala das' línguas l,tnalíticas, sintéticas, polissintéti-
cológica, ou até do simbolismo. É só uma questão de tendência. Há uma cas, como excessivamente quantitativa para o nosso fim. Isolantes, de
inclinação nítida para o método agIutinativo? A língua é "aglutinativa". afixação, simbólicas - também. nos pareceu divisão insuficiente pela l'lL-
Como tal, pode ser de prefixação ou sufixação, analítica, sintética ou zão de frisar demais a técnica externa. Isolantes, aglutinativas, fusio-
po1issintética. nais e simbólicas - constituem um plano preferível, mas ainda muito
Voltemos ao flexionalismo. (laleado em aspectos externos.
Uma língua flexional, como o latim e o grego, pratica o método da Andaremos melhor, parece-me, aceitando o tipo ·flexional" a título
fusão e esta tem um sentido tanto internamente psicológico quanto exter. de s~gestão valiosa para um plano lato e mais consistentemente desen-
namente fonético. Não basta, porém, que a fusão se verifique no âmbi- volvido, a título de ponto de partida para uma classificação assente na
to dos conceitos de derivação (grupo II)'8; cumpre que inclua as rela- natureza dos conceitos exp'ressos na linguagem. As oútras duas classifi·
ções sintáticas, que podem exprimir-se quer sob a sua forma pura (gru- cações - a que decorre do grau de síntese e a que ·décorre do grau de
po IV), quer, como em latim e grego, por meio de "conceitos concretos:
de relação" (grupo III)19. No que respeita ao grego e ao latim, consiste ceitos de relação (e. g., o genitivo, o o.gentivo ou illatrumentll.l) estrornC3 de ml1"
teria] estranho, colhemos muitos casoa interessantes de fusúo e até de simbolis·
18. Ver capo V. mo. Mi di, e. g. "homem êste, o homem'), umo. :forma llbso]utiva que pode ser uso.·
oS

19. Se recuslmnos 11. aplicaçiio do têrmo "flexional" às línguas de .fusilo, da como. sujeito de verbo intransitivo. QUlj.udo..o verbo é trll.Dsitivo (na reulidade,
que exprimem lU! relações sintá.ticlUl sob forma. pura, isto é, sem mistUrlL dc con. pllssivo), o sujeito (lógico) tem de ll.S9umir a forma agentiva. lU di torna-&~
ceitos COma número, gênero e tempo, apenns porque tal mistura nOS é familil\r então Mi di, "pelo homem", com um simples alongamento da vogal do pronome
em ]:J.tim e em grego, faremos do "flexionalismo" uma concepçilo ainda maia M. demonstrntiva (ou artigo). (Ré. provàvelmente, também, uma. mudança de entana·
bitrliria elo que seria licito prevcr. Ao mesmo tempo, é verdade que o próprio çiio da. sila.pa). lsao, evidentemente, é da pr6pl"ia essGncia do flexionalismo. É um
método de fusã.o tende a anular a demarcação ent!e os conceitos do grupo li o IV,
comentário dIvertido a respeito da insuficiência. da. elnssificaçito do. lIngua. corren·
te, que considem. mundos distintos o tipo "flexionnl" e o tipo "isolllnte", observar
criando o grupo lIr. Por outro lado, nilo é de negar a possibilidade elc linguo.s
flexionais dessa ordem. No tibetallo moderno, por e..,empl0, em que se expri- que o tibetano moderno pode ser apresentado sem improcedêncill como língua isolan-
mem os conceitos do grupo limuito debilmente, se é que se exprimem, e os COll- te, abstração feita de tais exemplos de fusúo e simbolismo.

.~
139'
138 A LINGUAGEM OS TIPOS DE ESTRUTURA LINGüíSTICA

fusão - podem ser man~i4as. ',éomo critérios auxiliares que nos permi- '.fr
nex~o necessária com conceitos que não são inteiramente omissos em sig-
tirão subdividir os grat:ldes' tip'os obtidos em função dos conceitos. nificação concreta, mas que, fora dessa eomistão, não possuem o poder'
de modificar a significação dos radicais por meio de afixas ou mudan-
menteConvém
os conceitos
record~r,
'~adicais
que tôdas
(grUpoas I)lfnguas
e as idéias
têm dede exprimir
relação (grupo
necessàp,a-
cn;;). \" ? çàs internas22• São as "línguas de relação mista sem derivação", ou "lín-·
Quanto aos o]ltros grandes grupos de conceitos --'- de derivação (gruP() guas simples. de relação mista". . ~
Ir) e de relnçãÓ mista (grupo !II) - ambos podem faltar, podem figu- D _ IJínguas que exprimem conceitos do r, II e ru grupoS; em
rar ambos ou figurar um só. Ministra-nos isso imediatamente um méto- outros têrmos" línguas em que as relações sintáticas são expressas sob-
do' simples, iI).cisivo e absolutamente inclusivo de classificar tôdas as. um aspecto misto, como em C, e que também possuem o poder de mo-
línguas .conhecidas. São elas: dificar ao significação dos radicais por meio de afixos ou mudanças in-
A - Línguas que apenas exprimem conceitos' do I e IV grupos; ternas. São as "línguas de relação mista com derivação", ou, '~íngJ!as:
em outros têrmos, línguas que mantêm puras as relações sintáticas e c.QI!!Elexas de relação mista". É aqui que se acham as línguas "flexio-
nais", com que estamos mais familiarizados, e um grande número de
nã(,) possuem o poder de modificar a significação dos seus radicais por
fileio de afixas ou mudanças internas20• PQdemos chamá-Ias ''línguas de· línguas "aglutinativas", polissintéticas algumas e outras apenas sinté-
ticas.
relação pura sem derivação" ou, mais tersamente, "línguas simples de:-
Esta classificação das línguas em função dos conceitos, é bom re·-
relação Plll1l-". São as que vão mais diretamente ao âmago' da expres-
$ãÕ lingüística. petir, não pretende levar em linha qe conta a técnica lingüística externa.,
Respon~m efeito, a duas questões fundamentais relativas à'-trlld-U-'
B - Línguas que exprimem conceitos do r, tI e IV, grupos; em ou- ção dos conceitos em símbolos lingüísticas.
tros têrmos, línguas que mantêm puras as relações sintáticas e também Trata-se de saber, em primeiro lugar,' se a língua conserva puros os-
possuem o poder de modificar a significação dos seus radicais por meio, seus radicais ou constrói as suas idéias concretas por meio de elementos'
de afixos ou mudanças internas. São as "línguas de relação pura com inseparáveis agregados (tipos A e C ve1'SUS B e D); e, em segundo lu-
derivação", ou ''l~_comple)["as de relação pura". gar, se conserva os conceitos básicos de relação, os que são inevitáveis na'
C - Línguas que exprimem conceitos do I e lII
gruposnj em ou- organização de qualquer sentença, estremes ou não de mescla com con-
ceitos concretos (tipos A e B versus C e D). A segunda questão, ao que-
tros têrmos, lfnguas nas quais as relações sintáticas são expressas em co-
me parece, é a mais fundamental das duas. Podemos, portanto, simpli ..
20. Estou totalmente eliminando a. possibilidade da composição de dois ou ficar a nossa classificação e apresentá.la da forma seguinte:
mais mdicnis para construírem vocábulos unificados ou locuções vocabulares, (ver
págs. 72·74). Considerar el""Pressamente a composição no presente exame dos tipos .' nguas e e açao ura B Comp 1exas
lingüísticos serio. complicar indevidamcnte o problema. Muitas linguns que não pos- I Lí d R 1 ~ p 1 A.. Simples
suem o.fixos de derivação de qunlquer espécie, podem, não obstante, compor radicn~,
(vocli.bulos independontes). Tais compostos têm, nao raro, uma fixidtlz; que si-
mula a unidadtl doa vocâbulos simples. n. Línguas de Relação Mista )( C.
D. Simples
Complexas
21. Podemos admitir que nessas línguas e nas do tipo D todos ou quare
todos os conceitos de relnç[o são expressos em forma. "mista", que um conceito 22. Não S6 pode traçar muito nltidamente a demarcação entre os tipos C'
como o do. subjetividade, por exemplo, não pode ser expresso sem, ao mesmo tem- e D. É em grande parte questão de proporção. Uma língua nllentuo.damente do tipo
po, implicar as cntegorins de número ou gênero, ou que tllda. forma verbal ativa. de relnção mista, mas de POUllll.fôrça de derivação pura e simples, como o bântlL
tem da possuir um tempo definido. Com isso, o grupo ITI passará a incluir, ou ou o fra.nllês, pode ser eolo11ada.eom vantagem no tipo a, ainda que não seja dos-
melhor absorvcr, o grupo IV. Teoricamente, é claro, certos eoneeitos de relação titulda da certo número de afixos de derivnçii.o. De maneira aproximada, podem·str
podem expressar'se em formo. pura. e outros em forma mista.; mas na pr6.tillB. n5.Cl' considera.r as línguas do tipo a formas altamente llntlliticas ("purifilllldas") dO'
será. nada !6..ei1fazer ti distinçiio. tipo D.

": ..
\"
<..
~.
,

1<10 11 LINGUAGEM OS TIPOS DE ESTRUTURA :r:JNGüfsTICA 141

Tal classificação peca por excesso de flexibilidade e la.titude, não Inútil é dizer que as línguas do tipo A são necessàriamente analí-
se prestando, assim, a um exame descritivo das múltiplas variedades ticas e que as línguas do tipo C também são predominantemente analí-
de fala humana. ticas e não oferecem probabilidade de se desenvolverem além da fase
Importa amplificá-Ia. sintética.
É preciso, porém, não tomar ao pé da letra a terminologia, que
Cada um dos tipos A, B, C e D pode subdividir-se em subtipos aglu- em grande parte, depende da ênfase que se dá à certo aspecto ou -traço
tinativo, fnsional e simbólico, consoante o método predominante adotado característico em detrimento de outros. O método de classifical}ã.odas
para a modificação do radical. No tipo A, distinguimos a mais um sub- línguas aqui exposto tem justamente a vantagem de poder ser apura-
tipo isolante, caracterizado pela ausência de quaisquer afixos ü modi- 'do ou simplificado de acôrdo com as conveniências da ocasião. Pode-se

,-
ficações do radical. Nas línguas isolantes expressam-se as relações sin-
------,.-
táticas pela posição pãos v....Qcáb~ na sentença. É o qüetaiUbêinse' vCif.·
fica em muitas línguas do tipo B, nas qual!>os têrmos "aglutinativo", "fu-
fazer abstração do grau de síntese; pode-se muitas vêzes reunir com
vantagem o simbolismo e a fusão sob o título gel'al de fusão; e pode-se
até pôr de parte a própria diferença entre fusão e aglutinação em vista
sional" e "simbólico" se aplicam apenas ao tratamento dos conceitos de das dificuldades de fazê-Ia ou da sua falta de interêsse atual.
de~ivação e não aos de relação. Tais línguas poder-se-iam denominar As línguas, afinal de contas, são estruturas históricas exeessiva-
-~......------_
"aglutinativas-isolantes"
..
"fusionais-isolantes"
.._----_._~-----~ .. e ('simbólicas-isolantes".
..~-'.~--.' -.. -~.' -~.- mente complexas. Importa menos dispor cada língua no seu escaninho
determinado, do que estabelecer um método flexível que nos permita,
Isso nos leva à importante consideração geral de que o método de
partindo de dois ou três pontos independentes', situá-Ia em relação a
dispor de um dado grupo de conceitos pode não selOo mesmo que a lín·
outra língua.
,gua usa com outro grupo. Seria lícito empregarmos têrmos compostos
Tudo isso não vem negar que certos tipos lingüísticos sejam mais
para indicar essa diferença, referindo-se o primeiro elemento do com-
estáveis e mais encontradiços em comparação com outros que em teoria
posto ao tratamento dos conceitos do grupo II, e o segtmdo elemento
apresentam igual possibilidade de existência. Mas é que ainda estamos
,aos dos conceitos dos grupos III e IV. Cónsiderar-se-ia normalmente aglu~
tão mal informados da índole estrutural de grande n(unel'o' de línguas,
tinativa a língua que faz sempre a aglutinação de seus afixos, ou que
que não temos direito de armar uma classificação que não seja flexí-
a faz de maneira preponderante. Numa língua aglutinativa-fusion~l, vel e experimenta1.
os elementos de derivação são aglutinados, pOSSIvelmentesob a forma de
O leitor fará uma idéia mais viva das possibilidades da morfologia
prefbcos, ao passo que os elementos de relação (puros ou mistos) se fun-
lingüística, olhando, para o quadro analítico, anexo, de tipos, seleciona-
dem com o radical, talvez como nova série de prefixos com seguimento aos
primeiros, ,ou como sufixos, ou ainda distl'ibuídos em prefbws e sufi-
dos. As colunas II, lI!e IV referem-se aos grupos de conceitos de mes-
mo número tratados no capítulo anterior.
fixos. Por ((fusional-aglutinativa" já se entenderia, em outras condições,
As letras a, b, c, d, referem-se respeetivamente aos proeessos de iso-
uma língua que faz a fusão dos seus elementos de derivação, mas' deixa
lamento (posição na sentença), aglutinação, fusão e simbolismo. Apelan·
maior independência aos que indicam relações. Tôdas essas distinções, e \
do para mais de uma técnica, dispomo-Ias na ordem da sua importân-
outras semelhante!3,não são apenas possibilidades teóricas, prestando-se cia23•
a ser abundantemente ilustradas pelos fatos descritivos da mol'fologia
lingüística. 23. DefillÚldo o tipo a que pertence uma 1ínguu, cumpre-nos ter cuida.do em
nilo nos deixarmos iludir por certos e..speetos estruturais, que, como meras sobrevi-
Acresce que, se convier insistir no grau de elaboração do vocábulo, vências de fase mais antiga, não têm vida produtivo. e nito elltrllm no sistemo. i1l"
é lícito reeorrer a mais aos adjetivos "ap.alítico", "sintético", "polissin- consciente dn linguo.. Todos os idiomDS estão cheios dêsses corpos petl'ificndos. O
tético", como têrmos descritivos. íDglês -ster de spinster [hoje, "solteirona"] e Webstcl' (nome próprio de familiD.)
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OS TIPOS DE ESTRUTURA LINGüíSTICA


143
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Nilo) I SíNTESE I EXE~Il>LOS

e
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(b)
IIV(Puramente
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.elo.:(
no.l)
"

sintético
A.-
nia dorela-
re1a-
Aglutina
Isolant,e
d,c,(b)
AglutinaJivo
A(<'I) "c tivo-fu-
Aglutinativo-iso-
Simbólico
glutin:l.tivo(
Ag1utinativo
Aglutinativo-
Sudoeste)
comsico
Polioés.io
Siú
Turco
Y!Ulfl,
Tibeta.llo
Polissintético
AnalíÚco
Analítico
Salinan
Sintético
Ano.lltico
AnlLlltico
Analítico
Po!issintético
Cambodjinno
ElI'e
(d)
radameDte)
(fraco.- (Costo.
Sintético
radamente
Fuaional-ngJuti-Sintético
nativo
Chinês,
b(d) iso-(com
(mo-
Shilluk
Jante
clús-
(Calif6rnia,
moder-
de mente
(mode-
ma-polia-
Ano.mita.
(Alto- do Norte)
Guiné)
nglut,ina-
Haídll
- -
Fusionnl
F usioMl
Fusionill
Fusional
Aglutine.tivo
bcSimbólico
c,d
Fusional
FUN;:~~NTAL
Aglutillativo
(a)
c,d
(fi.)
(L
(matiz
bb Sintét,ico
FUsioDnl _agluti-
(forte-mente
tiz IPolissintético
-"l III(llho.
dTllkell!Ul(Orcgon
simbólico)
Lntim,
Chinuk
P
- fUBlo- simbólico)
Anll.lftico
Sem1tico
Bl1ntu
inferior
(modern.do)
Ano.1(tico
Sintético
\(mll~
II
Frnnoês~
Inglês
Algonkin
b,c, (Árobe,
Grego,
do
olissintético
Sintético n.
IV rio
(mode-
I(Pnrle
Polissintético
Nutkn
Sinl~tico de
\
TÉc~lco
Hebrni(lO)
Stin5l'J'ito
Vancouver)'"
do Sudoeste)
S[~TESE
Irrrdamen te ain tó-
EXE~;l'L.Oll

d nativo
simbólico) Colúmbia)
tico)
~fo"'fl>;
el! complexo)
simples) d) nnJ
c
[Reln.cione.l misto
(o) c,(d)D
c,b
c,d
Relncionnl misto c,(d)
d,c 11.,114\1/
c,(d) c/b) <\<lI"
C \ (h) \ b 1,0<,,,,.1'1""
",-,.,IJ.,

1/\\/11\+ W

il/I~" ttJ
,."Ió?
•.••..
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10 .J.o~
•••~..,j•• <l>

(*) Poderia, e. rigor, também, figuro.r em D.


(*') Muito próximo de relo.cional misto e complexo.

tt. - j>n<-rt""
NGta: Parênteses indiCllm um dceenvolvimento fraco do processo em aprêço.
t,b •...• ";jM'~a,A
f-v> ii.
d _ hfm6,,&'S""""

r 1\
It>"\-v.~

r.l~O \ r., """"


1) Ic \,kl) \ • \ (",.,1 \'A~o.. \;""'(;0
I:

144 A LINGUAGEM OS TIPOS DE ESTRUTURA LlNGÜfSTICA 145

É quase inútil frisar que êsses exemplos estão muito longe de esgo- ainda estamos muito longe de poder definir quais são essas, intuições
tar as possibilidades da estrutura' lingli1stica. Nem por estarem duas módicas fundamentais. Podemos apenas, quando lnuito, pressenti-Ias va·
línguas classificadas juntas se segue que tenham necessàriamente grande gamente, contentando-nos o mais das vêzes com assinalar-Ihes os sino
semelhança externa. O que nos interessa aqui são os caracteres mais tomas. 'l'am sintomas estão sendo recolhidos pelas gramáticas descriti·
fundamentais e gerais do espírito, de técnica e do grau de elaboração vas e históricas das diversas línguas. Algum dia, talvez, seremos capa·
de uma língua dada. zes de, por meio dêles, conhecer os grandes planos fundamentais subja-
Não obstante, em muitos casos, observamos uma circunstância no- centes.
tável e altamente sugestiva: as línguas que entram na mesma classe, Uma classificaçã(l das línguas' tão puramente técnica, como é a clas-
são passíveis de emparelhar-s.e por muitos detalhes e caracteres 'estru- sificação corrente das isolantes, aglutinntivas e flexionais (entenda-se,
turais que não foram levados em consideração na classificação feita. "fusionais") não pode' dar-se ares de uma cunha eficiente para forçal' a
Assim, pode-se traçar um paralelo interessantíssimo entre o takelma descoberta das intuições mórficas na linguagem.
e o grego24, que são geogràficamente tão distanciados e tão desconexos Não sei se tiraremos melhor resultado com a classificação por mim
no sentido histórico quanto era de esperar de duas línguas escolhidas sugerida em função dos quatro grupos de conceitos. Tenho a impressão
ao acaso, A semelhança entre elas ultrapassa os fatos gerais l'egistrados que sim; mas tôdas as classificações, construções meticulosas como são
no nosso quadro. do espírito especulativo, não são: instrumentos com garantia antecipada.
Dir-se-ia que caraeteres lingüísticas fàcilmente dissociáveis e que Precisam de ser postas à prova em tôdas as oportunidades para afinal
em teorianiio parecem ter ligação necessária entre si, têm, entretanto, terem o direito de reclamar aceitação;
uma tendência a agrupar-se, e segwr juntos, na esteira de algum pro- Enquanto não chega êsse dia, podemos citar a favor do nosso es-
fund~ impulso diretor que lies domina a marcha. quema uma prova histórica bem curiosa, embora muito simples.
Por conseguinte, se adquirimos a certeza de que duas línguas da- As línguas estão em constante processo de transformação, mas ê
das oferooem uma sem.elhança intuitiva e possuem um mesmo sentimento razoável admitir que tendem a conservar por mais tempo o que é mais
formal subterrâneo, não nos devemos surpreender de vê·las em comum fundamental na sua estrutura. Ora, se considerarmos grandes grupos
procurar ou evitar certos desenvolvimentos lingüísticos, Por enquanto, de línguas geneticamente aparentadas2G, verificamos que, passando de
uma a outra, ou acompanhando o desenvolvimento de cada uma, en-
[primitivnmente derivadas de spin, "tecer", e lUcb, "teio!', "tnlma"] é um antigo contramos freqüentemente uma mudança gradual do tipo morfológico.
sufixo agentivo; m!l:l, até onde vni o sentimento Iingüístico dos inglêses <1e hoje,
Não é um fato surpreendente, pois não há razão para uma lfugua ficar
:não se pode dizer que existe realmente como tal; spinster e Webster já não têm
qualquer conexão com o grupo etimológico de spi1l, e wea'llc (wcb) [sendo 'wcb permanentemente fiel à sua forma originária. t
interessante, contudo,
o nome de ação correspondente a weavc "tecer", "trlllllur"]. Anillogamente, há em notar que das três classificações entrelaçadas que entram em nosso qua-
chinês legifioo de palavr!lll aparentadns, que diferem pelu. consoante inicial, pelu. dro (tipo conceptual, tipo técnico e grau de síntese) é o grau de sínte-
vogal, pelo tom, ou pela presença ou Qu.sência de uma consoante final. Mesmo quan-
se que parece mudar mais prontamente, ao passo que a técnica, tam-
do o chinês sonte o parentesco etimológico, e em certos casos nito pode deÍJCnr dc
bém modificável, muda muito meno:s, e o tipo conceptual tende a per-
sentir, não ti capaz de atribuir um papel especial il. variaçiio fonética. Ela. não.
<lon.stitui, }lortant0t- um traço vivo do mecanismo lingillsti<lo, e deve fazer-se abs- sistir por muito mais tempo. O I!laterial ilustrativo reunido no nosso
tração dêle ao definir a forma gere.! da língua. :l1:tanto mais necessário cauteln, quadro é muito parco e não pode servir de base realmente probante,
quando ti justamente o estrangeiro que entra pela língua com cel·ta atençii.o per· mas ainda assim é altamente sugestivo.
cuciente, que tende a descobrir vida em traços residuais, dos quaÍB o nativo Ilbso-
lutamente não se dá conta ou que trata. apenas como formas mortas.
24. Não o grego, especificamente tratado, ti claro; mas como língua re- 25. Em outrOs tllrmos, línguas que se pode provar, pela evidêneia doeumen-
presentntiva típica do indo· europeu. tIlI e comparativa, terem provindo de uma. fonte comum. Ve? eap: VII. "
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'(l' OS TIPOS DE ESTRUTURA LJNGüísTICA
146 A LINGUAGEM

roam-se ambos ao tipo complexo de relação. pura. O yana e o salinan


.As únicas mudan~as no tipo conceptual que em grupos de línguas
são aparentemente línguas muito distantes. O yana é altamente polissi.n-
cognatas se podem colhêr no quadro são de B para A (o shilluk em con-
tético e tipicamente aglutinativoj o salinan não é mais sintético do
traste com o ewe'Gi {l tibetano clássico em contraste com o tibetano mo-
que ,o latim e como êste de fusão (flex:ão) irregular e compacta; am-
derno e o chinês) e de D para C (o francês em contraste com o latim)'1. bos são de relação pura. O chinuk e o takelma, línguas do Oregou remo-
Mas os tipos A: B e C: D ligam-se, respectivamente, entre si, como for-
tamente aparentadas, divergiram muito entre si, não só quanto à téc-
mas simples e complexas de um tipo ainda :mais fundamental (de rela- nica e à síntese em geral, mas ainda em quase todos os detalhes da sua
ção pura; de relação -mista). Da passagem de um tipo de relação pura estrutura; são ambas línguas complexas de relação mista, embora de modo
<1 um de relação mista, ou "vwe--versa,", não posso aduzir exemplos convin- diverso.
centes.
Fatos como êstes parecem corroborar a suspeito. de que no con·
O quadro mostra com suficiente nitidez que é relativamente breve traste entre a relação pura e a relação mista (ou relação concreta) de-
a persistência dos caracteres técnicos de uma língua. Sabe-se de sobra
frontamos qualquer coisa de mais profundo e eoneludente do que nos
que línguas altamente sintéticas (latim, sânscrito) sofreram freqüente-
~ontrastes dos tipos isolante, de aglutinação e de fusã029•
mente uma ruptura para formas analíticas (francês, bengali) ou que
línguas aglutinativas (fínico) a.dquiriram pouco l'l- pouco, muitas vê-
zes, um aspecto "flexional"; mas daí não se parece ter tirado em regra 29. :Num livro corno êste, é müura1mcnte impossível dar uma idliio. ll-Uecp.lo.-

a inferência que se impõe; a saber, que, afinal de contas, não são mui- di).da, estrutura lingüística nas suas vá.rias formas. S6 siio possíveis algumas iu-
esquemáticas. Seria. preciso um volume à palte para. infundir vida M
díCll.~Õ611
to profundas as diferenças entre o sintético e o analítico, ou entre o
nossO plano. Tal volume assinala.ria. os caracter611 estruturais sa.1ientes de certo
aglutinativo e o "flexional" (fUBional). número de línguM, escolhidas de tal modo que dêem a.o leitor uma idéia de reo·
nomía formal dos tipos acentuada.mente divergentes.
Atentando para as línguas indo-chinesM, ve;rificamos que o chinês
se mostra como o exemplo mais expressivo de língua isolante que pode-
mos encontrar, ao passo que o tibetano clássico tem não só care.cteres
de fusão IIlBS também de forte simbolismo (e. g. - g-tong-ba, dar, pas-
sado b-tang, futuro o-tang, imperativo thong); ambos, entretanto, são
línguas de relação pura. O ewe é isolante ou pelo menos, puramente aglu-
tinativo, ao pasSo que o shilluk, embora sobriamente analítico, é uma das
línguas mais nltidamente simbólicas que eu conheço; ambos êsses idio-
mas sudaneses são de relação pura. O parentesco entre o polinésio e o
cambodjiano é remoto, conquanto pràtieamente certo j tendo embora o se-
gundo earacteres fusionais mais acentuados que o primeir028 confor-

26. São os representantes extremo-oriental e extremo-ocidental do grupo su·


danês, proposto pelo Dr. Wootermann. O parentesco entre o ewe e o shil1uk, po-
rém, será. quandQ muito, exc611sivamenteremoto.
21. Aqui há dúvida. Coloquei o fra.ncês em C e não em D com muita hesi-
tação. Tudo depende da maneira de a.valia.r elementos como -ai de l1atilmal, ·fé·
de bonté, ou rG' de retOUT'IlBr. Síi.o bastante freqüentes; mas serão, por acaso, tão
vivos, tão pouco petrificados ou livreseos quanto 08 elementos inglêses ·neS8, -f'IJJ e 'U/ll'
P

28. Apesar do seu padrão lXllLisisolante.

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