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RUI JORGE LOPES RIBEIRO

A TRIBUTAÇÃO DOS

GANHOS OBTIDOS EM PORTUGAL

PELAS SOCIEDADES ATRAVÉS DE INSTRUMENTOS FINANCEIROS

DERIVADOS

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RUI JORGE LOPES RIBEIRO

Índice
1 Introdução ........................................................................................................3
2 Os derivados como instrumentos financeiros .......................................................4
3 A tributação em IRC dos rendimentos de sociedades residentes gerados por
instrumentos financeiros derivados.....................................................................6
3.1.1 Os instrumentos financeiros derivados de negociação: o nº 1 do artigo
49º do CIRC ...................................................................................................6
3.1.2 O enquadramento fiscal da cobertura de justo valor: o nº 2 do artigo 49º
do CIRC 6
3.1.3 O nº 3 do artigo 49º do CIRC: o enquadramento fiscal da cobertura de
fluxos de caixa .............................................................................................12
3.1.4 O nº 3 do artigo 49º do CIRC: o enquadramento fiscal da cobertura de
um investimento líquido numa unidade operacional estrangeira ......................18
3.1.5 Os requisitos para a qualificação como operação de cobertura definidos
nos números 4 e 5 do artigo 49º do CIRC ........................................................24
3.1.6 O paradoxo decorrente da alínea a) do nº 6 do artigo 49º do CIRC .......26
3.1.7 A desqualificação como operação de cobertura e suas consequências: os
números 7, 8 e 9 do artigo 49º do CIRC ..........................................................27
3.1.8 A cláusula sectorial anti-abuso do nº 10 do artigo 49º do CIRC .............31
3.1.9 A ausência de referência na lei fiscal à Fair Value Option .....................32
4 A tributação dos rendimentos de sociedades não-residentes sem estabelecimento
estável gerados por instrumentos financeiros derivados......................................33
4.1 No caso de inexistência de Acordo de Dupla Tributação.................................33
4.2 No caso de existência de Acordo de Dupla Tributação....................................35
5 Bibliografia......................................................................................................35

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1 Introdução
Tal como o título indica, este trabalho incide sobre a tributação de instrumentos financeiros
derivados em sede de IRC do ponto de vista de uma entidade que esteja sujeita ao SNC.

Refere-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 159/2009 que o objetivo deste normativo legal consiste
na adaptação da estrutura do CIRC às Normas Internacionais de Contabilidade, embora se refira a
aprovação do Sistema de Normalização Contabilística (doravante SNC) como um dos fatores que
levaram à adaptação do CIRC ao novo referencial contabilístico.

O facto de se ter optado pelas Normas Internacionais de Contabilidade como referência cria
algumas dificuldades ao intérprete do artigo 49º do CIRC no âmbito do SNC devido à existência de
algumas inconsistências entre estes dois normativos. Algumas são diferenças de forma como
acontece na designação das modalidades da contabilidade de cobertura. Outras são divergências
de substância como acontece em relação à contabilização das variações de justo valor do item
coberto numa cobertura de fluxos de caixa e pelo facto de a tipologia das operações enquadráveis
numa lógica de contabilidade serem definidas de formas aberta nas NIC, mas constituírem um
elenco fechado no SNC.

Por outro lado, a própria IAS 39 tem algumas lacunas, que combinadas com constantes alterações
de uma norma, que já é bastante complexa, dificultam a sua aplicação.

No trabalho dissecarei estas inconsistências e as dificuldades que elas colocam ao intérprete das
normas contabilísticas como respaldo para a compreensão das normas fiscais. Simultaneamente,
procurarei esclarecer a forma como se devem enquadrar as normas contabilísticas e fiscais.

Resumindo, o intérprete do artigo 49º do CIRC defronta-se com as seguintes dificuldades:

• Insuficiente densificação desta norma face à realidade que se pretende tributar e


inconsistências com a NCRF 27;
• Contradição da norma face à possibilidade de utilização de uma das modalidades da
contabilidade de cobertura;
• Insuficiente detalhe da NCRF 27 – Instrumentos Financeiros o que obriga o intérprete desta
norma recorrer à IAS 39 – Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração, uma
das normas mais complexas das NIC;
• Diferenças na forma de registo contabilístico da contabilidade de cobertura entre a IAS 39
e a NCRF 27, quando as adaptações introduzidas no CIRC foram efetuadas com base na
lógica e na terminologia das NIC;

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• Insuficiente densidade da própria IAS 39 em relação a alguns aspetos específicos da


contabilidade de cobertura.

No trabalho tentar-se-á, com o recurso à IAS 39 e a alguns exemplos práticos, esclarecer as


dúvidas que possam surgir ao intérprete desta norma, cujas importantes alterações1 introduzidas
pelo Decreto-Lei nº 159/2009, têm sido, quase totalmente, ignoradas pela doutrina.

Finalmente, abordar-se-á a tributação dos ganhos obtidos em Portugal por sociedades não
residentes sem estabelecimento estável2 de acordo com a metodologia habitualmente seguida
para a quantificação da tributação de não-residentes:

• Verificar-se-á se o rendimento é obtido em Portugal. Tratando-se de rendimentos de


sociedades seguir-se-á o nº 3 do artigo 4º do CIRC;
• Caso não exista Acordo de Dupla Tributação aplicar-se-ão os números 4 e 6 do artigo 87º
do CIRC relativamente às taxas aplicáveis e o artigo 94º do mesmo diploma legal em
relação à retenção na fonte;
• Se existir Acordo de Dupla Tributação determinar-se-á qual o artigo da Convenção Modelo
da OCDE aplicável e como esta norma reparte a competência tributária entre Estado da
residência e Estado da fonte.

2 Os derivados como instrumentos financeiros


A subsecção VII do CIRC, que contém apenas o artigo 49º, intitula-se instrumentos financeiros
derivados. Já era este o título do artigo 78º do CIRC antes da revisão operada pelo Decreto-Lei nº
159/2009, de 13 de Julho. Contudo, até à publicação do Decreto-Lei nº 158/2009, de 13 de Julho,
não existia no ordenamento jurídico português uma definição de derivado. Atualmente, ela consta
do parágrafo 5 da NCRF 27 – Instrumentos Financeiros pelo que o intérprete da lei fiscal já pode
aplicar em relação a este instrumento financeiro o nº 2 do artigo 11º3 da Lei Geral Tributária.

1
Nas versões do CIRC anteriores ao Decreto-Lei nº 159/2009 correspondia ao artigo 78º.
2
Aos rendimentos imputados a estabelecimentos estáveis de sociedades não-residentes aplicam-se os mesmos
princípios que se aplicam a sociedade residentes de acordo com a alínea c) do nº 1 do artigo 15º do CIRC e que são
densificados na parte 3 deste trabalho.
3
“Sempre que nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser
interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer da própria lei.”

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Assim, de acordo com a referida norma um derivado é instrumento financeiro ou outro contrato
com todas as características seguintes:

a) O seu valor altera-se em resposta à alteração numa especificada taxa de juro, preço de
instrumento financeiro, preço de mercadoria, taxa de câmbio, índice de preços ou de
taxas, notação de crédito ou índice de crédito, ou outra variável, desde que, no caso de
uma variável não financeira, a variável não seja específica de uma parte do contrato (por
vezes denominada “subjacente”);
b) Não requer qualquer investimento líquido inicial ou requer um investimento líquido inicial
inferior ao que seria exigido para outros tipos de contratos que se esperaria que tivessem
uma resposta semelhante às alterações de mercado;
c) É liquidado numa data futura.

Em termos de Código de Valores Mobiliários (CVM), após a leitura do artigo 1º, que estipula de
forma nominativa quais os instrumentos financeiros que são valores mobiliários, ficamos a saber
que os warrants autónomos constituem os únicos derivados que são valores mobiliários.

Por outro lado, o artigo 2º do CVM nomeia os instrumentos financeiros derivados regulados por
este diploma legal que não são valores mobiliários:

• Os instrumentos financeiros para transferência de risco de crédito;


• Os contratos diferenciais;
• As opções, os futuros, os swaps e quaisquer outros contratos derivados relativos a:
i. Valores mobiliários, divisas, taxas de juro ou de rendibilidades ou relativos a outros
instrumentos financeiros derivados, índices financeiros ou indicadores financeiros,
com liquidação física ou financeira;
ii. Mercadorias, variáveis climáticas, tarifas de fretes, licenças de emissão, taxas de
inflação ou quaisquer outras estatísticas económicas oficiais, com liquidação
financeira ainda que por opção de uma das partes;
• Mercadorias, com liquidação física, desde que sejam transacionados em mercado
regulamentado ou em sistema de negociação multilateral ou, não se destinando à
finalidade comercial, tenham caraterísticas análogas às de outros de instrumentos

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financeiros derivados nos termos do artigo 38º do Regulamento (CE) nº 1287/2006, da


Comissão
• Quaisquer outros contratos derivados.

3 A tributação em IRC dos rendimentos de sociedades residentes gerados por instrumentos


financeiros derivados

3.1.1 Os instrumentos financeiros derivados de negociação: o nº 1 do artigo 49º do CIRC


Esta norma refere o seguinte: “Concorrem para a formação do lucro tributável, salvo os previstos
no nº 3, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a instrumentos
financeiros derivados, ou a qualquer outro ativo ou passivo financeiro utilizado como instrumento
de cobertura restrito à cobertura do risco cambial”.

3.1.2 O enquadramento fiscal da cobertura de justo valor: o nº 2 do artigo 49º do CIRC


O nº 2 do artigo 49º do CIRC define o enquadramento fiscal da cobertura de justo valor.

A definição de cobertura de justo valor está vertida na alínea a) do parágrafo 86 da IAS 39 –


Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração:” uma cobertura da exposição às
alterações no justo valor de um ativo ou passivo reconhecido ou de um compromisso firme não
reconhecido, ou de uma porção identificada de tal ativo, passivo ou compromisso firme, que seja
atribuível a um risco particular e possa afetar os resultados.”

Na transposição para a ordem jurídica interna da IAS 39, que foi concretizada pelo Decreto-Lei nº
158/2009, de 13 de Julho, que promove a criação do SNC e pelo Aviso nº 15 655/2009, de 7 de
Setembro de 2009, norma que publica as normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF), o
legislador nacional foi mais restritivo do que a norma internacional quanto às possibilidades de
aplicação da contabilização de cobertura: um conjunto de derrogações às normas gerais de
contabilização aplicáveis quando uma relação de cobertura de risco entre dois itens cumpre os
requisitos definidos na NCRF 27 – Instrumentos Financeiros, que transpôs para a ordem interna a
IAS 39.

Numa aplicação do princípio da tipicidade fechada ao direito contabilístico, o legislador nacional


optou por um elenco fechado por oposição às definições genéricas adotadas pela IAS 39, onde o
intérprete da norma pode enquadrar ou não as coberturas de risco efetuadas pela sua entidade.
Assim, a NCRF 27 no seu parágrafo 36 restringe a aplicação da contabilização de cobertura a:

a) Risco de taxa de juro de um instrumento de dívida mensurado ao custo amortizado;

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b) Risco de câmbio num compromisso firme ou numa transação de elevada probabilidade


futura;
c) Exposição a risco de preço em mercadorias que sejam detidas ou abrangidas por um
compromisso firme ou por uma elevada probabilidade futura;
d) Exposição a risco de preço em mercadorias que sejam detidas ou abrangidas por um
compromisso firme ou por uma elevada probabilidade futura de transação de compra ou
venda de mercadorias que tenham preços de mercado determináveis; ou
e) Exposição de risco cambial no investimento líquido de uma operação no estrangeiro.

Esta divergência entre a IAS 39 e a NCRF 27 passou a ter implicações fiscais com a entrada em
vigor do Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho porque esta norma legal determinou
consequências fiscais, em sede de IRC, para os três modelos de contabilidade de cobertura
previstos na IAS 39.

Assim, uma entidade portuguesa com valores mobiliários admitidos à cotação, estando sujeita às
NIC, pode enquadrar no nº 2 do artigo 49º do CIRC um leque mais alargado de coberturas de risco
do que uma entidade que tenha de aplicar o SNC.

Um exemplo permitirá ilustrar o que atrás ficou expendido. Suponhamos que uma entidade
portuguesa vê uma oportunidade de lucro na compra de ações de uma entidade americana
representativas de 5% do capital social que não são publicamente negociadas e cujo justo valor
não pode ser fiavelmente determinado. De acordo com a alínea c) do parágrafo 12 da NCRF 27 –
Instrumentos Financeiros este instrumento financeiro deverá ser mensurado ao custo. Contudo,
apesar de a entidade estar confiante em relação às perspetivas futuras da empresa americana não
quer correr risco cambial em relação ao investimento, pelo que contrata um empréstimo em
dólares americanos pelo prazo de 5 anos, horizonte temporal durante o qual pretende manter o
investimento. De acordo com a alínea a) do parágrafo 14 da NCRF 27, este instrumento deverá ser
mensurado ao custo amortizado.

Caso a entidade esteja sujeita ao SNC não poderá designar esta relação para contabilização de
cobertura, dado que não se enquadra em nenhum dos casos previstos no parágrafo 36 da NCRF
27.

Assim, nas datas de relato subsequentes à data de aquisição, o investimento nas ações em dólares
americanos, sendo um item não-monetário mensurado ao custo histórico, será transposto à taxa
de câmbio à data da transação; enquanto o empréstimo contraído em dólares, sendo um item
monetário será transposto pelo uso da taxa de fecho. Esta divergência de métodos de
transposição implicará um incremento de volatilidade na conta de exploração da entidade.

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Contudo, caso a entidade aplicasse as NIC poderia designar o investimento em ações e a


contratação do empréstimo em dólares como uma cobertura de justo valor, dado que se
enquadra na definição expendida na alínea a) do parágrafo 86 da IAS 39: “ uma cobertura da
exposição às alterações no justo valor de um ativo ou passivo reconhecido ou de um compromisso
firme não reconhecido, ou de uma porção identificada de tal ativo, passivo ou compromisso firme,
que seja atribuível a um risco particular e possa afetar os resultados.”

Uma vez designada como cobertura de justo valor, a transposição para a moeda de apresentação
(o euro) do investimento em dólares seria efetuada à taxa de fecho e a variação refletida nos
resultados, tal como a conversão do empréstimo de acordo com o estipulado na alínea b) do
parágrafo 89 da IAS 39:” o ganho ou perda resultante do item coberto atribuível ao risco coberto
deve ajustar a quantia escriturada do item coberto e ser reconhecida nos resultados”.

Analisemos agora o clausulado do nº 2 do artigo 49º do CIRC que refere:” Relativamente às


operações cujo objetivo exclusivo seja o de cobertura de justo valor quando o elemento coberto
esteja subordinado a outro modelo de valorização, são aceites fiscalmente os rendimentos ou
gastos do elemento coberto reconhecidos em resultados, ainda que não realizados, na exata
medida da quantia refletida em resultados, de sinal contrário, gerada pelo instrumento de
cobertura.”

As implicações fiscais desta norma explicam-se melhor com um exemplo.

Suponhamos que uma empresa portuguesa emitiu um empréstimo obrigacionista a taxa fixa de
2,25% com data de emissão de 30/06/2009 e data de vencimento de 30/06/2012 no valor de
5.857.000 euros4 com pagamentos de juros semestrais e um incremento semestral na taxa de
0,25% de acordo com o seguinte plano:

Data de Data de
Inicio Fim Taxa
30-Jun-09 30-Dec-09 2.25%
30-Dec-09 30-Jun-10 2.50%
30-Jun-10 31-Dec-10 2.75%
31-Dec-10 30-Jun-11 3%
30-Jun-11 31-Dec-11 3.50%
31-Dec-11 30-Jun-12 4%

4
Note-se que, em relação ao exercício de 2009, a aplicação da NCRF 27 a este empréstimo obrigacionista apenas seria
necessária para efeitos de elaboração da informação comparativa, dado que o Decreto-Lei nº 158/2009, de 13 de
Julho, que aprova o SNC, entrou em vigor no primeiro exercício que se iniciou em ou após 1 de Janeiro de 2010.

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Atendendo a que a entidade tem uma política de imunização do risco de taxa de juro, contrata um
swap de taxa de juro de acordo com o qual recebe taxa de juro fixa de 2.25% e paga taxa de juro
variável de Euribor+0,75% convertendo, em substância, o passivo a taxa fixa num passivo a taxa
variável5.

Esta cobertura enquadra-se na definição de cobertura de justo valor da IAS 39 e de acordo com a
NCRF 27 consiste numa cobertura de risco de taxa de juro fixa ou de risco de preços de
mercadorias para mercadorias detidas, o equivalente em termos de SNC à cobertura de justo
valor.

Assim, de acordo com o parágrafo 89 da IAS 39:

• O ganho ou perda resultante da mensuração do instrumento de cobertura deve ser


reconhecido em resultados (alínea a);
• O ganho ou perda resultante do item coberto atribuível ao risco coberto deve ajustar a
quantia escriturada do item coberto e ser reconhecida em resultados (alínea b).

No caso vertente, a quantia escriturada do instrumento de cobertura corresponde ao valor


resultante do desconto para a data de apresentação de contas dos fluxos de caixa gerados pelo
swap de taxa de juro acima descrito a taxas de juro de mercado para operações comparáveis.

Por outro lado, o ganho ou perda resultante do item coberto atribuível ao risco coberto resultam
do desconto para a data de apresentação de conta dos fluxos de caixa gerados pela obrigação
acima descrita a taxas de juro de mercado sem risco de crédito, dado que o risco que se pretende
cobrir é apenas o de variações na taxa de juro.

Os valores de balanço do item coberto e de cobertura em cada uma das datas de apresentação de
contas afetadas por esta operação serão:

Valor de Balanço da Valor de Balanço do


Data Obrigação Swap
31-12-2009 -6.013.493,54 147.203,23
31-12-2010 -6.035.099,27 101.095,92
31-12-2011 -5.926.846,43 45.877,96
31-12-2012 0,00 0,00

5
Os dados do exemplo são reais assim como as valorizações do item coberto e do item de cobertura que originam os
valores contabilísticos que seguidamente serão apresentados.

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Comparando estes valores, atendendo à sua disparidade, poder-se-á pensar que a cobertura não é
efetiva. Contudo, enquanto a obrigação é um passivo de Balanço, o swap de taxa de juro é um
ativo/passivo6 extrapatrimonial, pelo que os valores comparáveis são o valor atualizado dos fluxos
de caixa do swap de taxa de juro e o valor atualizado dos fluxos de caixa da obrigação deduzida do
seu valor nominal (5.857.000 euros) que correspondem a:

Valor de Balanço da
Obrigação em excesso do Valor de Balanço do
Data Valor Nominal Swap
31-12-2009 -138.493,54 147.203,23
31-12-2010 -160.099,27 101.095,92
31-12-2011 -51.846,43 45.877,96
31-12-2012 0,00 0,00

Finalmente, o impacto em resultados decorrente da variação destes valores de balanço será para
cada uma das datas relevantes de apresentação de contas:

Impacto
contabilístico em
Ajustamento ao valor de Ajustamento ao v resultados do
Balanço da Obrigação alor de Balanço do Swap relacionamento de
Data (Impacto resultados)7 (1) (Impacto resultados)7 (2) cobertura (3)=(1)+(2)
31-12-2009 -138.493,54 147.203,23 8.709,69
31-12-2010 -21.605,72 -46.107,31 -67.713,04
31-12-2011 108.252,83 -55.217,96 53.034,87
31-12-2012 51.846,43 -45.877,96 5.968,47

Importa agora saber se haverá lugar a algum ajustamento relativamente a alguma destas duas
componentes do resultado contabilístico.

Sobre esta questão dispõe o nº 2 do artigo 49º do CIRC:”…são aceites fiscalmente os rendimentos
ou gastos do elemento coberto reconhecido em resultados, ainda que não realizados, na exata

6
Um swap de taxa de juro equivale a uma posição longa numa obrigação a taxa fixa e uma posição curta numa
obrigação a taxa variável ou vice-versa, pelo que a distinção entre ativo e passivo não é clara. Contudo, para a questão
que aqui nos ocupa esta distinção não é importante.
7
O impacto em resultados corresponde às variações anuais do valor de balanço do instrumento coberto e do
instrumento de cobertura.

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medida da quantia igualmente refletida em resultados, de sinal contrário gerada pelo instrumento
de cobertura.”

Ou seja, em relação às variações da quantia escriturada em balanço da obrigação apenas são


fiscalmente aceites as quantias simétricas da variação de valor do swap de cobertura, pelo que
deverão ser efetuados os ajustamentos apresentados no quadro seguinte8:

Impacto em resultados Ajustamento fiscal a


resultante do efetuar
Simétrico impacto em ajustamento do valor relativamente ao
Ajustamento ao valor de Valor de Balanço do resultados do de Balanço da relacionamento de
Balanço da Obrigação Swap (Impacto ajustamento ao valor obrigação aceite cobertura (5)=(4)-
Data (Impacto resultados) (1) resultados) (2) de balanço do swap (3) fiscalmente (4) (1)

31-12-2010 -21.605,72 -46.107,31 46.107,31 0,00 21.605,72

31-12-2011 108.252,83 -55.217,96 55.217,96 55.217,96 -53.034,87

31-12-2012 51.846,43 -45.877,96 45.877,96 45.877,96 -5.968,47

Este exemplo revela os custos de cumprimento do nº 2 do artigo 49º do CIRC. O sistema de


informação do sujeito passivo terá de preencher os seguintes requisitos para cada um dos seus
ativos e passivos que estejam inseridos numa cobertura de justo valor:

• Conseguir associar cada item coberto ao respetivo item de cobertura;


• Para cada par item coberto-item de cobertura poder calcular o ajustamento fiscal descrito
na coluna (3) do quadro anterior.

Finalmente, é necessário avaliar o impacto na demonstração de resultados do custo de


financiamento antes de determinarmos o respetivo efeito fiscal. Desta forma, o impacto em
resultados do custo efetivo de financiamento resultará da soma dos juros pela obrigação
especializados por exercício com a soma dos custos e proveitos gerados pelo swap de taxa de juro
também especializados por exercício e terá o seguinte calendário:

Impacto total em
Ano Obrigação Leg fixa do Swap Leg variável do swap resultados
(1) (2) (3) (4)=(1)+(2)+(3)
2010 (153,746.25) 153,746.25 (104,726.25) (104,726.25)
2011 (190,352.50) 190,352.50 (133,952.84) (133,952.84)
2012 (117,140.00) 117,140.00 (70,768.83) (70,768.83)

8
Não se apresenta ajustamento para o ano de 2009 porque o Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho apenas entrou
em vigor no dia 01/01/2010.

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Atendendo ao disposto no nº 1 do artigo 18º do CIRC, que determina a imputação dos


rendimentos e gastos ao lucro tributável do período de tributação em que sejam obtidos ou
suportados, independentemente do seu pagamento ou recebimento, os valores da coluna (4)
correspondem ao impacto sobre o lucro tributável.

Finalmente, o quadro anterior comprova o que foi referido no início: a contratação do swap de
taxa de juro transformou o passivo a taxa fixa num passivo a taxa variável de Euribor+0,75%.

3.1.3 O nº 3 do artigo 49º do CIRC: o enquadramento fiscal da cobertura de fluxos de caixa


O nº 3 do artigo 49º do CIRC define o enquadramento fiscal da cobertura de fluxos de caixa.

A cobertura de fluxos de caixa está definida na alínea b) do parágrafo 86 da IAS 39:” uma
cobertura de exposição à variabilidade nos fluxos de caixa que i) seja atribuível a um a risco
particular associado a um ativo ou passivo reconhecido (tal como todos ou alguns dos futuros
pagamentos de juros sobre uma dívida de taxa variável) ou a uma transação prevista altamente
provável e que ii) possa afetar resultados”.

Em termos da NCRF 27, o tipo de cobertura equivalente corresponde à cobertura do risco de


variabilidade da taxa de juro, risco cambial, risco de preço de mercadorias no âmbito de um
compromisso ou de elevada probabilidade de transação futura cuja forma de contabilização é
referida nos parágrafos 41 a 43 da referida norma.

Enquanto numa cobertura de justo valor a entidade procura estabilizar o seu resultado líquido
através da minimização das variações de justo valor dos seus ativos e passivos, numa cobertura de
fluxos de caixa a entidade procura estabilizar o seu fluxo de caixa.

Para exemplificar o impacto fiscal deste tipo de cobertura utilizar-se-á um exemplo com dados
idênticos em valor absoluto (embora com sinais contrários) aos utilizados para ilustrar a cobertura
de justo valor, o que permitirá a comparabilidade dos impactos sobre o balanço e a demonstração
de resultados de ambas as coberturas.

Assim, suponhamos que uma empresa emitiu uma obrigação indexada à Euribor com um spread
de 0,75% de valor nominal de 5.857.000 euros. A expectativa da entidade é que se verifique uma
subida nas taxas de juro, pretendendo limitar o impacto desta subida sobre o seu fluxo de caixa,
pelo que contrata um swap de taxa de juro que converte o referido passivo a taxa variável num
passivo a taxa fixa com incrementos semestrais de 0,25%:

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Data de Data de
Inicio Fim Taxa
30-Jun-09 30-Dec-09 2.25%
30-Dec-09 30-Jun-10 2.50%
30-Jun-10 31-Dec-10 2.75%
31-Dec-10 30-Jun-11 3%
30-Jun-11 31-Dec-11 3.50%
31-Dec-11 30-Jun-12 4%

Atualmente, estamos em condições de determinar qual teria sido o custo efetivo do passivo para a
empresa caso não tivesses contratado o swap de taxa de juro:

Data de Data de
inicio fim EURIBOR Margem Taxa Final
30-Jun-09 30-Dec-09 1.33% 0.75% 2.08%
30-Dec-09 30-Jun-10 0.99% 0.75% 1.74%
30-Jun-10 30-Dec-10 1.04% 0.75% 1.79%
30-Dec-10 30-Jun-11 1.24% 0.75% 1.99%
30-Jun-11 30-Dec-11 1.77% 0.75% 2.52%
30-Dec-11 29-Jun-12 1.64% 0.75% 2.39%

Verificamos que teria sido inferior. Contudo, o objetivo da entidade consistia em tornar previsíveis
os fluxos de caixa oriundos desta obrigação, o que foi conseguido.

Vejamos agora o impacto fiscal desta operação de cobertura. Sobre esta questão dispõe o nº 3 do
artigo 49º do CIRC:” Relativamente às operações cujo objetivo exclusivo seja o de cobertura de
fluxos de caixa ou de cobertura de investimento líquido numa unidade operacional estrangeira,
são diferidos os rendimentos ou gastos gerados pelo instrumento de cobertura, na parte
considerada eficaz, até ao momento em que os gastos ou rendimentos do elemento coberto
concorram para a formação do lucro tributável”.

Importa, em primeiro lugar, verificar a forma como é contabilisticamente registada uma cobertura
de fluxos de caixa.

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Sobre esta questão dispõem os parágrafos 95 e 96 da IAS 39. O primeiro destes preceitos dispõe:”
Se uma cobertura de fluxos de caixa satisfizer as condições do parágrafo 889 durante o período,
ela deve ser contabilizada como se segue:

a) a porção do ganho ou perda resultante do instrumento de cobertura que seja


determinada como uma cobertura eficaz (ver parágrafo 88) deve ser reconhecida
diretamente no capital próprio por meio da demonstração de alterações no capital
próprio (ver IAS 1); e
b) a porção ineficaz do ganho ou perda resultante do instrumento de cobertura deve ser
reconhecida nos resultados.”

Assim, a leitura conjugada do nº 3 do artigo 49º do CIRC e do parágrafo 95 da IAS 39 mostra-nos


que foi intenção do legislador alinhar a legislação fiscal com o normativo contabilístico
internacional, dado que a expressão “….são diferidos os rendimentos ou gastos gerados pelo
instrumento de cobertura, na parte considerada eficaz, até ao momento em que os gastos ou
rendimentos do elemento coberto concorram para a formação do lucro tributável.”, corresponde
ao registo em capitais próprios das valias não realizadas do instrumento de cobertura até ao
momento em que os rendimentos ou gastos do instrumento coberto afetem o resultado
contabilístico.

Para mais detalhe sobre a forma de contabilização deste tipo de cobertura devemos recorrer ao
parágrafo 96 da IAS 39: “Mais especificamente, uma cobertura de fluxos de caixa é contabilizada
como se segue:

a) o componente separado do capital próprio associado ao item coberto é ajustado para o


mais baixo do seguinte (em quantias absolutas):
i. o ganho ou perda cumulativo resultante do instrumento de cobertura desde o início da
cobertura; e
ii. a alteração cumulativa no justo valor (valor presente) dos fluxos de caixa futuros desde
o início da cobertura.

9
O parágrafo da IAS 39 que estipula as condições para que um relacionamento de cobertura seja elegível para a
contabilidade de cobertura.

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b) qualquer ganho ou perda remanescente resultante do instrumento de cobertura ou do


componente designado do mesmo (que não seja uma cobertura eficaz) é reconhecida nos
resultados; e
c) se a estratégia documentada da gestão de risco de uma entidade relativa a um
relacionamento de cobertura particular excluir da avaliação da eficácia da cobertura um
elemento específico do ganho ou perda os respetivos ou os respetivos fluxos de caixa do
instrumento de cobertura (ver parágrafos 74, 75 e 88(a)), esse componente de ganho ou
perda excluído é reconhecido de acordo com o parágrafo 55.”

Finalmente, o parágrafo F.5.2 do Guia de Implementação da IAS 39 refere o seguinte em relação


ao desempenho do instrumento de cobertura numa cobertura de fluxos de caixa:

• Se a variação, em valor absoluto, do instrumento de cobertura for inferior à variação, em


valor absoluto, do valor presente dos futuros fluxos de caixa necessários para compensar a
exposição aos fluxos de caixa de juro variável sobre o passivo; toda a variação de valor do
instrumento coberto deverá ser refletida em Capitais Próprios, não se registando qualquer
montante em resultados;
• Se a variação, em valor absoluto, do instrumento de cobertura for superior à variação, em
valor absoluto, do valor presente dos futuros fluxos de caixa necessários para compensar a
exposição aos fluxos de caixa de juro variável sobre o passivo; o montante simétrico da
variação de valor do instrumento coberto deverá ser refletido em Capitais Próprios, sendo
o remanescente lançado em resultados do exercício.

A aplicação destes princípios ao exemplo atrás descrito poder-se-á resumir da seguinte forma,
considerando que a expressão utilizada na referida norma da IAS 39 “… justo valor (valor presente)
dos futuros fluxos de caixa necessários para compensar a exposição aos fluxos de caixa de juro
variável sobre o passivo…”, não significa mais do que valor presente do swap calculado com base
em taxas de juro sem risco de crédito.

• Se a variação do valor do swap de taxa de juro desde a data da sua contratação, em valor
absoluto, for superior, em valor absoluto, à variação do valor presente da leg variável do

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swap desde a data de emissão10, então dever-se-á registar em reservas a totalidade da


variação do valor do swap e a diferença entre a variação do valor do swap e a variação do
valor presente da leg variável do swap deverá ser contabilizada em resultados11;
• Se a variação do valor do swap de taxa de juro desde a data da sua contratação, em valor
absoluto, for inferior ao valor presente da leg variável do swap desde a data de emissão,
então dever-se-á registar em reservas a variação do valor do swap, não havendo qualquer
impacto em resultados;
• O que atrás ficou expendido implica que os fluxos de caixa do swap sejam descontados a
taxas de desconto sem risco de crédito e a taxas de desconto incrementadas do risco de
crédito da contraparte, dependendo a contabilização do relacionamento de cobertura da
comparação dos dois valores obtidos:
1. Caso o risco de crédito da contraparte do swap permaneça estável durante a vida da
operação, não haverá qualquer movimentação em resultados, procedendo-se apenas à
contabilização em Capitais Próprios das variações no valor presente do swap verificadas
ao longo da vida da operação;
2. Se o risco de crédito da contraparte do swap aumentar durante a vida da operação, a
variação no justo valor do swap será inferior à referida em 1), mas também não haverá
qualquer impacto em resultados;
3. Caso o risco de crédito da contraparte do swap decrescer durante a vida da operação, a
variação no justo valor do swap será superior à referida em 1). Contudo, o valor
registado em Capitais Próprios será o mesmo, sendo a diferença (correspondente à
ineficácia da cobertura) registada em resultados.

Voltando ao exemplo atrás descrito, assumamos que o risco de crédito da contraparte se mantém
constante durante os dois primeiros 2,5 anos da vida da operação aumentando 0,5% em

10
A expressão “…variação do valor da obrigação…” deverá ser aqui entendida como variação no valor da obrigação
devida ao risco coberto que, no caso vertente, corresponde ao risco de taxa de juro.
11
Esta diferença entre a variação do valor da obrigação e o variação do valor do swap não é mais do que uma medida
da ineficácia da cobertura, pelo que deverá ser registada em resultados.

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31/12/2011. Teremos as seguintes variações no justo valor e valor presente do swap de taxa de
juro e contabilizações em reservas e resultados daí resultantes:

Cash-Flows
Descontados sem Juros Corridos a Pagar Juros Corridos a Reavaliação Acumulada Variação Anual de Cash-Flows Descontados Impacto em Resultados
Data Risco de Crédito (1) (2) Receber (3) (4)=(1)+(2)+(3) Reservas (5) com Risco de Crédito (6) (7)=(6)-(4)

31-12-2009 -147.363,32 (406,74) 566,83 -147.203,23 -147.203,23 -147.363,32 0,00

31-12-2010 -101.255,36 (488,08) 647,52 -101.095,92 46.107,31 -101.255,36 0,00

31-12-2011 -46.009,13 -650,78 781,95 -45.877,96 55.217,96 -24.129,08 21.880,05

31-12-2012 0,00 0 0 0,00 45.877,96 -21.880,05

O impacto no lucro tributável desta operação, em termos de valias não realizadas, corresponde
aos valores apresentados na coluna (7)12.

Verifica-se, assim, que este tipo de cobertura, ao contrário da cobertura de justo valor, não carece
de qualquer ajustamento ao resultado contabilístico para a obtenção do respetivo impacto no
lucro tributável.

Por outro lado, torna-se ainda necessário quantificar o impacto nos resultados dos juros
especializados da obrigação e dos custos e proveitos gerados pelo swap de taxa de juro:

Leg
Leg fixa do variável do Impacto total
Ano Obrigação Swap swap em resultados

(1) (2) (3) (4)=(1)+(2)+(3)

2010 (104,726.25) (153,746.25) 104,726.25 (153,746.25)

2011 (112,069.62) (168,388.75) 112,069.62 (168,388.75)

2012 (70,768.83) (117,140.00) 70,768.83 (117,140.00)

De acordo com o nº 1 do artigo 18º do CIRC, que acolhe o princípio contabilístico da especialização
dos exercícios, o impacto no lucro tributável corresponde aos valores apresentados na coluna (4).

12
Olhando para a divergências bastantes materiais entre as colunas (1) e (2) poder-se-ia pensar que a cobertura não é
eficaz. Contudo, são variações de justo valor, enquanto o objetivo da cobertura é a estabilização do fluxo de caixa da
entidade relativamente a esta operação de financiamento. A volatilidade em termos de justo valor é um efeito
colateral da estabilidade dos fluxos de caixa.

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3.1.4 O nº 3 do artigo 49º do CIRC: o enquadramento fiscal da cobertura de um investimento


líquido numa unidade operacional estrangeira
O nº 3 do artigo 49º do CIRC também estabelece a moldura fiscal da cobertura de fluxos de caixa e
do investimento líquido numa unidade operacional estrangeira. Apesar de serem coberturas de
risco com naturezas diferentes, a IAS 39 e a NCRF 27 aplicam-lhe o mesmo tratamento
contabilístico, pelo que o legislador fiscal lhes dedica a mesma norma do CIRC.

Várias entidades têm unidades operacionais estrangeiras. A IAS 21 e a NCRF 23 – Efeitos das
alterações das taxas de câmbio estabelecem que a entidade deve determinar a moeda funcional
de cada uma destas entidades convertendo, no âmbito do processo de consolidação, para a
moeda de apresentação as demonstrações financeiras denominadas nas várias moedas funcionais,
reconhecendo em Capitais Próprios as diferenças cambiais dai resultantes.

Assim, uma entidade que tenha unidades operacionais estrangeiras cuja moeda funcional seja
diferente da sua moeda de apresentação está exposta a risco cambial.

Em conformidade, a IAS 39 – Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração e a NCRF


27 – Instrumentos Financeiros permitem, uma vez cumpridas certas condições, designar um
instrumento financeiro como estando integrado numa relação de cobertura com o investimento
líquido numa unidade operacional estrangeira e reconhecer as respetivas variações de justo valor
em capitais próprios e não em resultados.

Para ilustrar este tipo de cobertura13, suponhamos que uma entidade portuguesa14 investiu 100
milhões de dólares canadianos numa entidade canadiana constituída em 04/01/2010, em que a
sua participação no Capital Social corresponde a 100%.

Paralelamente emprestou à sua subsidiária 100 milhões de dólares canadianos a 5 anos a uma
taxa de 5%. Atendendo a que se trata de um item monetário, a entidade portuguesa terá de
transpor este ativo à taxa de câmbio de fecho em datas de relato subsequentes, o que implica
risco cambial de natureza contabilística.

A cobertura mais efetiva deste tipo de risco corresponde à contração de um empréstimo na


mesma moeda da participação. Contudo, atendendo à falta de liquidez no mercado obrigacionista

13
Ao contrário dos exemplos apresentados para ilustrar as coberturas de fluxos de caixa e de justo valor este não é
um caso real apesar das taxas de câmbio serem reais. Limitações de espaço e tempo obrigam-me a apresentar um
exemplo construído.
14
Esta entidade não é emitente de valores mobiliários admitidos à cotação, pelo que não tem de cumprir as NIC, mas
sim o SNC.

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em dólares canadianos, a entidade decidiu contrair um empréstimo obrigacionista em dólares


americanos no montante nominal de 96,228,18 mil USD, calculado da seguinte forma:

CAD 100,000 mil/1.03919715 = USD 96,228.18 mil

Atendendo à elevada correlação entre o CAD e o USD a entidade portuguesa consegue cumprir os
requisitos definidos no parágrafo 35 da NCRF 27 – Instrumentos Financeiros para a qualificação do
empréstimo obrigacionista em USD como item de cobertura do empréstimo à subsidiária em CAD.

O balanço de abertura da empresa-mãe no ano de 2010 será:

Balanço da Empresa-mãe (04/01/2010)


Participação Financeira 96,228.18 Obrigações 96,228.18
Empréstimo subsidiária 96,228.18 Capital
Outros Ativos 203,771.82 Capital Social 300,000.00
Total 396,228.18 396,228.18
Unidade (Milhares de EUR)

A participação financeira de 100 milhões de dólares canadianos e o passivo obrigacionista de 100


milhões de USD foram convertidos às taxas de câmbios relevantes na data de constituição da
subsidiária canadiana:

Ou seja:

CAD 100.000 mil / 1.495316 = EUR 66.876,21 mil

USD 96.228,18 mil/1.438917 = EUR 66.876,21 mil

15
Taxa de câmbio USD/CAD à data de constituição (04/01/2010) da sociedade de direito canadiano.
16
Taxa de câmbio EUR/CAD à data do balanço de abertura (04/01/2010).
17
Taxa de câmbio EUR/USD à data do balanço de abertura (04/01/2010).

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Por outro lado, o balanço da subsidiária canadiana à data de 31/12/2010 era:

Balanço da Subsidiária (31/12/2010)


Ativo 210,000.00 Passivo 100,000.00
Capital Social 100,000.00
Resultado Líquido 10,000.00
Total 210,000.00 210,000.00
Unidade (Milhares de CAD)

Seguidamente elaboram-se as demonstrações financeiras individuais da empresa-mãe à data de


31/12/2010. Note-se que, de acordo com o parágrafo 8 da NCRF 15 - Investimentos em
subsidiárias e consolidação, a valorização das participações financeiras deverão ser efetuadas de
acordo com o método da equivalência patrimonial.

Demonstração de Resultado da Empresa-Mãe (31/12/2010)


Custos em EUR 150,000.00 Proveitos em EUR 200,000.00
Juros obrigações em USD 3,643.14 Juros empréstimo em CAD 3,660.28

Imputação de lucros da
subsidiária canadiana devido à
aplicação do método da
Resultado Líquido 57,337.69 equivalência patrimonial 7,320.55
Total 210,980.83 210,980.83
Unidade (Milhares de EUR)

Embora a NCRF 23 – Os efeitos das alterações das taxas de câmbio preconize no seu parágrafo 21
a utilização da taxa de câmbio à data da transação para as que são realizadas em moeda
estrangeira, permite no seu parágrafo 22 a aplicação da taxa de câmbio média do período. Assim,
temos:

Juros obrigações USD = 5% X USD 100.000 mil/1.32067518 = EUR 3,643.14

Juros empréstimo CAD = 5% X CAD 100.000 mil/1.36601719 = EUR 3,660.28

Resultados subsidiária canadiana = CAD 10.000 mil/1.36601719= EUR 7,320.55

18
Taxa de câmbio média EUR/USD de 2010 calculada com base nas 12 taxas de câmbio de fecho de mês.
19
Taxa de câmbio média EUR/CAD de 2010 calculada com base nas 12 taxas de câmbio de fecho de mês.

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Podemos agora construir o balanço da empresa-mãe à data de 31/12/2010:

Balanço da Empresa-mãe (31/12/2010)


Participação Financeira 74,196.77 Obrigações em USD 72,016.30
Empréstimo em CAD 75,063.80 Capital
Outros Ativos 283,140.92 Capital Social 300,000.00
Diferenças de câmbio 3,047.50
Resultado Líquido 57,337.69
Total 432,401.49 432,401.49
Unidade (Milhares de EUR)

A participação financeira em CAD, sendo um item não monetário que deve ser mantido ao custo
histórico, deve ser transposto pelo uso da taxa de câmbio à data da transação tal como determina
a alínea b) do parágrafo 23 da NCRF 23 – Os Efeitos das alterações das taxas de câmbio.

Custo Part. CAD = Valor da Part. / Taxa câmbio EUR/CAD à data 04/01/2010

Custo Part. CAD = CAD 100.000 mil / 1.320675

Custo Part. CAD = EUR 66,876.21 mil

No entanto, atendendo a que participação financeira deve ser valorizada de acordo com o método
de equivalência patrimonial, torna-se necessário acrescentar ao custo a imputação dos lucros da
subsidiária canadiana:

Valor Balanço Part. Fin. CAD = Custo histórico + Imputação lucros subsidiária

Valor Balanço Part. Fin. CAD = EUR 66,876.21 mil + EUR 7,320.55 mil

Valor Balanço Part. Fin. CAD = EUR 74,196.77 mil

Balanço da Empresa-mãe (31/12/2010)


Participação Financeira 74,196.77 Obrigações em USD 72,016.30
Empréstimo em CAD 75,063.80 Capital
Outros Ativos 283,140.92 Capital Social 300,000.00
Diferenças de câmbio 3,047.50
Resultado Líquido 57,337.69
Total 432,401.49 432,401.49
Unidade (Milhares de EUR)

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Em relação às diferenças de câmbio registadas no Capital Próprio, atendendo a que o empréstimo


obrigacionista contraído em USD está numa relação de cobertura com a participação financeira
em CAD ao abrigo dos parágrafos 34 a 36 da NCRF 27, a entidade pode proceder à reavaliação
cambial deste dois itens monetários e reconhecer o ganho ou perda daí resultante no capital
próprio, conforme estipula o parágrafo 42 da referida norma.

Assim, a diferença de câmbio incluída no Capital Próprio foi calculada da seguinte forma:

Variação de
Empréstimo CAD Obrigações USD Capitais
Próprios

Capital em Moeda 100,000.00 96,228.18


Taxas (4/1/2010) 66,876.21 66,876.21
Taxas (31/12/2010) 75,063.80 72,016.30
Variação cambial 8,187.59 5,140.09 3,047.50

Consultando o nº 3 do artigo 49º do CIRC verificamos que permite o diferimento dos rendimentos
e gastos gerados pelo instrumento de cobertura (no caso vertente a emissão de obrigações em
USD), na parte considerada eficaz, até ao momento em que os ganhos ou rendimentos do
elemento coberto concorram para a formação do lucro tributável, o que, no caso da cobertura de
investimento líquido numa unidade operacional estrangeira, ocorrerá no momento da alienação.

Esta redação corresponde a uma transferência para a lei fiscal da lógica do parágrafo 102 da IAS 39
que refere :”As coberturas de um investimento líquido numa unidade operacional estrangeira,
incluindo uma cobertura de um item monetário que seja contabilizada como parte de um
investimento líquido (ver IAS 21), devem ser contabilizadas de forma semelhante às coberturas de
fluxos de caixa:

a) a porção ou ganho perda resultante do instrumento de cobertura que seja determinada


como uma cobertura eficaz (parágrafo 88) deve ser reconhecida diretamente no capital
próprio por meio da demonstração de alterações no capital próprio; e
b) a porção ineficaz deve ser reconhecida nos resultados.

O ganho ou perda resultante do instrumento de cobertura relacionado com a porção eficaz da


cobertura que tenha sido reconhecida diretamente no capital próprio deve ser reconhecida nos
resultados aquando da alienação da unidade operacional estrangeira.

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Atendendo a que a NCRF 27 – Instrumentos Financeiros não apresenta uma definição de eficácia
de cobertura, aplica-se de forma supletiva a IAS 39.

A definição de eficácia da cobertura está expendida no parágrafo AG105 da IAS 39 que determina
que uma operação apenas seja considerada eficaz se duas condições forem satisfeitas:

a) No início da cobertura e em períodos posteriores, espera-se que a cobertura seja


altamente eficaz em alcançar alterações compensação no justo valor ou atribuíveis ao risco
coberto durante o período relativamente ao qual a cobertura foi designada20;
b) Os resultados reais da cobertura estão dentro do intervalo 80-125%.

Verificando agora o cumprimento da alínea b) no caso que tem vindo a ser analisado:

Var. Cambial Obrig. USD/Var. Cambial Emprést. CAD=5,140.09/8,187.59=62.8%

Desta forma, verifica-se alguma ineficácia, pelo que terá de haver um ajustamento ao lucro
tributável referente a esta cobertura, dado que o nº 3 do artigo 49º do CIRC apenas permite o
diferimento dos rendimentos e gastos na parte considerada eficaz.

Assim, será necessário efetuar o seguinte ajustamento positivo ao lucro tributável,


correspondente ao montante da ineficácia:

Var. Cambial Obrig. USD- Var. Cambial Emprést. CAD=8,187.59 -5,140.09=3,047.5

Note-se ainda que, caso a entidade portuguesa aplicasse as NIC, não seria necessário qualquer
ajustamento ao resultado líquido contabilístico; porque, em cumprimento do parágrafo 102 da IAS
39 – Instrumentos Financeiros, o valor registado em Capitais Próprios de EUR 3.047,5 teria sido
diretamente contabilizada em Proveitos.

Podemos agora proceder ao apuramento do lucro tributável da entidade em 2011:

20
No exemplo apresentado esta condição é cumprida atendendo à elevada correlação histórica entre o dólar
canadiano e o dólar americano.

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2011
Resultado contabilístico 57.337,69

Anulação da aplicação do método de


equivalência patrimonial de acordo
com o nº 8 do artigo 18º do CIRC (7.320,55)

Imputação da inefetividade da
cobertura do empréstimo à
subsidiária canadiana 3.047,50
Lucro tributável 53.064,64

3.1.5 Os requisitos para a qualificação como operação de cobertura definidos nos números 4 e
5 do artigo 49º do CIRC
O nº 4 do artigo 49º do CIRC refere o seguinte:” Sem prejuízo do disposto no nº 6, e desde que se
verifique uma relação económica incontestável entre o elemento coberto e o elemento de
cobertura, por forma a que da operação de cobertura se deva esperar, pela elevada eficácia da
cobertura do risco em causa, a neutralização dos eventuais rendimentos ou gastos no elemento
coberto com uma posição simétrica dos gastos ou rendimentos no rendimento de cobertura, são
consideradas operações de cobertura as que justificadamente contribuam para a eliminação ou
redução de um risco real de:

a) Um ativo, passivo compromisso firme, transação prevista com uma elevada probabilidade ou
investimento líquido numa unidade operacional estrangeira; ou
b) Um grupo de ativos, passivos, compromissos firmes, transações previstas com uma elevada
probabilidade ou investimentos líquidos numa unidade operacional estrangeira com
caraterísticas de risco semelhantes; ou
c) Taxa de juro da totalidade ou parte de uma carteira de ativos ou passivos que partilhem o risco
que esteja a ser coberto”.

A primeira parte do artigo reflete, de uma forma geral, as condições cumulativas para a
qualificação um relacionamento de cobertura para contabilidade de cobertura definidas no
parágrafo 88 da IAS 39. Contudo, atendendo a que o normativo contabilístico é mais exaustivo,
transcrevem-se aqui as condições da respetiva norma, dado que densificam a norma fiscal:

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a) No início da cobertura, existe designação e documentação formais do relacionamento de


cobertura e do objetivo e estratégia da gestão de risco da entidade para levar efeito a
cobertura;
b) Espera-se que a cobertura seja altamente eficaz ao conseguir alterações de compensação
no justo valor ou fluxos de caixa atribuíveis ao item coberto, consistentemente com a
estratégia de risco de gestão de risco originalmente documentada para esse
relacionamento de cobertura em particular;
c) Quanto a coberturas de fluxos de caixa, uma transação prevista que seja o objeto da
cobertura tem de ser altamente provável e tem de apresentar uma exposição a variações
nos fluxos de caixa que poderia em última análise afetar os resultados;
d) A eficácia da cobertura pode ser fiavelmente mensurada, isto é, o justo valor ou fluxos de
caixa que sejam atribuíveis ao risco coberto e ao justo valor do instrumento de cobertura
podem ser fiavelmente mensurados;
e) A cobertura é avaliada numa base contínua e efetivamente determinada como tendo sido
altamente eficaz durante todo o período de relato financeiro para o qual a cobertura foi
designada.

Por outro lado, a 2ª parte da norma em análise não é mais do que do que a transcrição de um
excerto do parágrafo 78 da IAS 39 que designa os itens qualificáveis como itens cobertos.

Pela alínea b) da norma em análise fica-se a saber que também é possível designar um grupo de
ativos ou passivos como item coberto desde que tenham caraterísticas de risco semelhantes e não
apenas ativos ou passivos individuais. Contudo, o parágrafo 84 da IAS 39 deixa claro que a posição
líquida de ativos e passivos com caraterísticas de risco semelhantes não qualifica como item
coberto para efeitos de contabilidade de cobertura.

A alínea c) da mesma norma refere-se à cobertura risco de taxa de juro de uma carteira de ativos
ou passivos. Este tipo de cobertura tem uma alínea própria porque é o único caso, como refere o
parágrafo 81A da IAS 39, onde é possível designar uma quantia de ativos ou passivos, por oposição
a ativos ou passivos específicos, como item coberto de um relacionamento de cobertura.

Esta norma contabilística, que mereceu o acolhimento do legislador fiscal, dirige-se sobretudo às
instituições financeiras que gerem o seu risco de taxa de juro de uma forma agregada. Como
ilustração, pense-se numa carteira de crédito ao consumo, tipicamente um tipo de crédito
concedido a taxa fixa a um prazo entre os 4 e 5 anos. Uma instituição financeira que tenha este

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tipo de risco no seu ativo irá cobri-lo através de um pequeno número de swaps de taxa de juro
que converterão esta taxa fixa em taxa variável. Caso não existisse esta norma, este
relacionamento de cobertura não seria elegível para a aplicação da contabilidade de cobertura.

Contudo, também neste caso, como deixa claro a já referida norma contabilística, não é possível
designar como item coberto uma quantia líquida de ativos e passivos.

Finalmente, o nº 5 do artigo 49º do CIRC refere o seguinte:” Para efeitos do disposto no número
anterior, só é considerada de cobertura a operação na qual o instrumento de cobertura utilizado
seja um derivado ou, no caso de cobertura de risco cambial, um qualquer ativo ou passivo
financeiro”.

Esta restrição está expendida no parágrafo 72 da IAS 39. Note-se, no entanto, que o risco de um
investimento líquido numa unidade operacional estrangeira corresponde a um caso especial de
risco cambial pelo que a entidade pode proceder à designação de um não-derivado como
instrumento de cobertura num relacionamento de cobertura deste tipo.

3.1.6 O paradoxo decorrente da alínea a) do nº 6 do artigo 49º do CIRC


Refere a alínea a) do nº 6 do artigo 49º do CIRC: “Não são consideradas como operações de
cobertura: as operações efetuadas com vista à cobertura de riscos a incorrer, ou por
estabelecimentos a incorrer por outras entidades, ou por estabelecimentos da entidade que realiza
as operações cujos rendimentos não sejam tributados pelo regime geral de tributação.”

Pensa-se que esta alínea nega a possibilidade de diferimento dos rendimentos e gastos gerados
pelo instrumento de cobertura prevista no nº 3 do artigo 49º do CIRC em relação à cobertura de
um investimento líquido numa unidade operacional estrangeira, pelas razões que seguidamente
se apresentam.

Como resulta do que atrás fica dito, o instrumento de cobertura terá de ser registado no balanço
da empresa-mãe, para compensar o risco do balanço da unidade operacional estrangeira que,
necessariamente não estará submetida ao CIRC, sendo, portanto, abrangida pela alínea a) do nº 6
do artigo 49º deste diploma legal.

Uma norma muito similar a esta já existia no CIRC antes das alterações introduzidas pelo Decreto-
Lei nº 159/2009 correspondendo, na altura, à alínea a) do nº 5 do artigo 78º do CIRC.

Pensa-se que o objetivo desta norma era o de impedir a utilização da possibilidade do diferimento
de ganhos permitida pelo antigo nº 2 do artigo 78º do CIRC, relativamente a operações efetuadas
em bolsas de valores, para cobertura de riscos a incorrer no exercício seguinte, por entidades
sujeitas a um regime especial de tributação.

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No novo artigo do CIRC (o artigo 49º) dedicado aos instrumentos financeiros derivados o objetivo
seria, provavelmente, negar a aplicação dos regimes mais favoráveis definidos nos números 2 e 3
do referido artigo a coberturas de risco de operações registadas nos balanços de:

• Entidades ou estabelecimentos sediados fora do território português e aí submetidos a um


regime fiscal privilegiado;
• Entidades submetidas a um regime especial ou enquadradas num benefício fiscal como é o
caso das sociedades gestoras de participações sociais.

Contudo, o legislador uma vez que na alteração do CIRC passava a permitir a aplicação de um
regime especial a um modelo de contabilidade de cobertura que tem como pressuposto básico a
realização da operação de cobertura numa entidade residente para cobrir risco incorrido numa
entidade não-residente, deveria ter garantido que a norma anti-abuso não excluía a aplicação de
um tratamento mais favorável que era permitido noutros números do mesmo artigo, apesar de se
cumprirem os requisitos exigidos.

Assim, na alínea a) do nº 6 artigo 49º do CIRC onde se lê “…regime geral de tributação;” dever-se-
ia ler “…regime geral de tributação do IRC ou de imposto idêntico ou análogo ao IRC;”.

Por outro lado, a alínea b) deste nº 6 do artigo 49º determina:” As operações que não sejam
devidamente identificadas e documentalmente suportadas no processo de documentação fiscal
previsto no artigo 130º, no que se refere ao relacionamento de cobertura, ao objetivo e à
estratégia da gestão de risco da entidade para levar a efeito a referida cobertura.”

3.1.7 A desqualificação como operação de cobertura e suas consequências: os números 7, 8 e 9


do artigo 49º do CIRC
Em relação à desqualificação de uma operação como sendo de cobertura começa por referir o nº 7
do artigo 49º do CIRC: “A não verificação dos requisitos verificados no nº 4 determina, a partir
dessa data, a desqualificação da operação como operação de cobertura”.

Contudo, os requisitos definidos no nº 4 do referido artigo são demasiado vagos, para que se
possa determinar com precisão a data a partir da qual se deixam de verificar, pelo que precisamos
de recorrer ao normativo contabilístico.

Os parágrafos 91 e 101 da IAS 39 definem as condições em que uma operação deixa de poder ser
qualificada respetivamente como cobertura de justo valor e como cobertura de fluxos de caixa. As
três condições não cumulativas que são comuns aos dois tipos de cobertura correspondem a:

• O instrumento de cobertura expirar for vendido, terminado ou exercido;

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• A cobertura deixar de satisfazer os critérios de contabilidade de cobertura definidos no


parágrafo 88 da IAS 39;
• A entidade revogar a designação.

Adicionalmente, uma operação de cobertura de fluxos de caixa deixará de ser qualificada como tal
caso já não se espere que a transação prevista ocorra.

Em relação ao investimento líquido numa unidade operacional estrangeira, a IAS 39 não estipula
diretamente os critérios de desqualificação da operação de cobertura. Contudo, por analogia
poder-se-á concluir que correspondem a:

• Alienação da unidade operacional estrangeira;


• A cobertura deixar de satisfazer os critérios de contabilidade de cobertura definidos no
parágrafo 88 da IAS 39;
• A entidade revogar a designação.

Dos requisitos atrás referidos merece mais detalhe o referente aos critérios de contabilidade de
cobertura definidos no parágrafo 88 da IAS 39, com especial realce para as condições necessárias
para a qualificação de uma cobertura como altamente eficaz (alínea b) da referida norma).

Estas condições, que são cumulativas, estão definidas no parágrafo AG105 da IAS 39 e
correspondem a:

a) No início da cobertura e em períodos posteriores, espera-se que a cobertura seja


altamente eficaz em alcançar alterações de compensação no justo valor ou nos fluxos de
caixa atribuíveis ao risco coberto durante o período relativamente ao qual a cobertura foi
designada;
b) Os resultados reais da cobertura estão dentro do intervalo de 80-125%. Por exemplo, se os
resultados reais forem tais que a perda no instrumento de cobertura corresponder a 120
UM e o ganho no instrumento de caixa corresponder a 100 UM, a compensação poderá ser
mensurada por 120/100, que é 120%, ou por 100/120, que é 83%. Neste exemplo,
presumindo que a cobertura satisfaz a condição da alínea a), a entidade concluiria que a
cobertura tem sido altamente eficaz.

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Densificado o clausulado do nº 7 do artigo 49º, debrucemo-nos sobre o nº 8 da mesma norma que


refere:” Não sendo efetuada a operação coberta, ao valor do imposto relativo ao período de
tributação em que a mesma se efetuaria deve adicionar-se o imposto que deixou de ser liquidado
por virtude do disposto nos números 2 e 3, ou, não havendo lugar à liquidação do imposto, deve
corrigir-se em conformidade o prejuízo fiscal declarado.”

Pensa-se que este clausulado poderá trazer alguns problemas. Explica-se com um exemplo.
Suponhamos que uma entidade assina em Outubro de 2010 um contrato de venda para
04/01/2011 de 1 milhão de unidades de uma mercadoria ao preço unitário de 1 euro.

Para se cobrir do risco de uma eventual subida de preço a entidade compra a quantidade definida
no contrato no momento da sua celebração e vende um contrato de futuros cujo ativo subjacente
corresponde à quantidade que foi contratualizada e cuja liquidação será efetuada em dinheiro.
Atendendo a que o preço no mercado à vista no momento da celebração do contrato é de 1 euro,
a entidade regista em Inventários 1 milhão de euros.

Este tipo de cobertura de risco qualifica para contabilização de cobertura ao abrigo da alínea c) do
parágrafo 36 da NCRF 27 – Instrumentos Financeiros, pelo que, de acordo o parágrafo 42 da
referida norma, a entidade deverá reconhecer as alterações de justo valor do instrumento de
cobertura (no caso vertente o contrato de futuros vendido) diretamente no capital próprio.

No dia 31/12/2010 o preço da mercadoria diminuiu no mercado à vista para 0,9 euros, o que
provocou um ganho na posição curta em contratos de futuros de 85.000 euros21, que deverá ser
registado da seguinte forma:

Milhares Euros Milhares Euros


22
Contrato Futuros 85
Capitais Próprios 85

Note-se, que apesar da descida de preço para 0,9, não é efetuado qualquer ajustamento na conta
de inventários relativamente a esta mercadoria. Efetivamente, apesar de o parágrafo 9 da NCRF 18
– Inventários determinar que os inventários devem ser mensurados pelo custo ou valor realizável

21
A inexistência de uma relação de um para um entre o preço do contrato de futuros e o preço da mercadoria deve-se
ao facto de os contratos de futuros sobre mercadorias terem como ativo subjacente mercadorias com caraterísticas
muito específicas, que só por acaso coincidirão exatamente com a mercadoria detida pela entidade cujo risco de
preço a empresa pretende cobrir. Note-se, contudo, que ao abrigo da já referida alínea b) do parágrafo AG105 da IAS
39, a cobertura revelou-se eficaz, dado que 85.000/100.000 = 85% > 80%.
22
Esta é uma conta de balanço. Nas NIC e no SNC os instrumentos financeiros derivados têm valor de balanço.

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líquido, dos dois o mais baixo; o parágrafo 31 da referida norma estipula que o valor realizável
líquido da quantidade de inventário detida para satisfazer contratos de vendas firmes ou de
prestações de serviços é baseado no preço do contrato.

Suponhamos agora que em 04/01/2011 o contrato de venda não se concretiza. A entidade,


atendendo a que cobertura já não tem fundamentação, fecha a posição em futuros por reversão23
ao mesmo preço de fecho de 31/12/2010, pelo não gerou qualquer resultado em futuros em
2011.

No apuramento do lucro tributável de 2010 a entidade não considera o ganho de 85.000 euros
obtido na posição em futuros, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 49º:”…são diferidos os
rendimentos ou gastos gerados pelo instrumento de cobertura, na parte considerada eficaz, até ao
momento em que os gastos ou rendimentos ou rendimentos do elemento coberto concorram para
a formação do lucro tributável”.

Por outro lado, de acordo com o nº 8 do artigo 49º do CIRC: “Não sendo efetuada a operação
coberta, ao valor do imposto relativo ao período de tributação em que a mesma se efetuaria deve
adicionar-se o imposto que deixou de ser liquidado por virtude do disposto nos números 2 e 3…”.

Ou seja, assumindo que a entidade apurou lucro tributável em 2010, o valor de imposto que
deixou de ser liquidado neste período de tributação devido à aplicação do nº 3 do artigo 49º
correspondeu a:

25% X EUR 85.000 = EUR 21.250

Contudo, a Administração tributária só conseguiria cobrar este imposto em Abril de 2011, apesar
de os rendimentos terem sido obtidos em 2010.

É certo, que ao abrigo do nº 9 do artigo 49º do CIRC, a Administração Tributária e Aduaneira


cobrará juros compensatórios pelo diferimento na cobrança do imposto. Contudo, o legislador
deveria criar um mecanismo que lhe permitisse cobrar o imposto mais cedo nestas circunstâncias,
sem ter de esperar pela liquidação de IRC referente ao período de tributação em que se deveria
ter realizado a operação coberta.

Finalmente, analisando agora o já referido nº 9 do artigo 49º do CIRC, importa questionar o que
terá levado o legislador a isentar de juros compensatórios a entidade quando a operação coberta

23
Ou seja, comprando um contrato de futuros sobre o mesmo ativo subjacente.

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se concretize em pelo menos 80% da sua totalidade e o relacionamento de cobertura se enquadre


no nº 3 do artigo 49º do CIRC24.

Pensa-se que se terá tentado salvaguardar o caso em que o facto da operação coberta não se
realizar na sua totalidade, não seja da responsabilidade do sujeito passivo. Atendendo à
dificuldade que a Administração tributária e aduaneira teria em determinar, com um razoável grau
de certeza, se foi isto que efetivamente se verificou, ter-se-á estabelecido o limiar mínimo de 80%
para o grau de realização da operação coberta, a partir do qual não há lugar à cobrança de juros
compensatórios.

Finalmente vale a pena questionarmo-nos sobre o motivo que terá levado o legislador a
estabelecer o limiar mínimo de 80% de percentagem de realização da operação coberta, a partir
do qual há isenção de cobrança de juros compensatórios. Oitenta por cento é o limite mínimo
definido no parágrafo AG105 da IAS 39 para que, num teste de eficácia, uma cobertura seja
considerada altamente eficaz. Assim, o legislador terá adaptado analogicamente25 esta norma
contabilística à norma fiscal.

3.1.8 A cláusula sectorial anti-abuso do nº 10 do artigo 49º do CIRC


O nº 10 do artigo 49º do CIRC consiste numa cláusula sectorial anti-abuso, tipo que é definido por
Courinha como “cláusulas com um carácter simultaneamente menos amplo do que CGAA, mas
menos estático do que as normas especiais, formando um terceiro género autónomo” (2004).

Corresponde ao antigo nº 11 do artigo 78º do CIRC, tendo sido das poucas normas do artigo do
CIRC dedicado aos instrumentos financeiros derivados que apenas sofreu alterações de pormenor.

A sua inserção e manutenção no referido artigo deve-se à capacidade que os instrumentos


financeiros derivados possuem de requalificar rendimentos, permitindo, desta forma, ao sujeito
passivo optar pela categoria de rendimentos que beneficia de uma tributação mais favorável26.

24
O nº 3 do artigo 49º do CIRC aborda dois tipos de cobertura: fluxos de caixa e investimento líquido numa unidade
operacional estrangeira. Contudo, claramente, é ao primeiro tipo que se refere o nº 9 do artigo 49º do CIRC, dado que
apenas este caso se enquadra a cobertura de risco relacionado com uma transação futura de elevada probabilidade.
Num investimento líquido numa unidade operacional estrangeira a transação já está, por definição, consumada.
25
Note-se que não se exige que a cobertura se tivesse efetuado, no mínimo, em 80%, mas sim que a operação coberta
se concretize, pelo menos, em 80%.
26
A motivação para concretização deste tipo de operações foi mitigada pela uniformização das taxas entre a categoria
E – Rendimentos de Capitais e as mais-valias integradas na categoria G – Incrementos Patrimoniais introduzida pela

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Contudo, não será a cláusula geral anti-abuso o instrumento adequado para a Administração
Tributária reagir contra este tipo de esquemas, o que tornaria desnecessária uma norma como
esta.

A explicação residirá no facto de a aplicação da cláusula geral anti-abuso ser objeto da concessão
de garantias especiais ao sujeito passivo e da exigência de deveres de fundamentação mais
rigorosos por parte da Administração tributária, que se encontram definidos no artigo 63º do
CPPT.

Efetivamente, de acordo com Courinha não serão aplicáveis a este artigo o procedimento próprio
definido no artigo 63º do CPPT, dado que conforme a alínea b) do nº 9 desta norma é necessário
para a sua aplicação que a motivação primordial da operação seja fiscal, o que não se verifica
neste caso (2004).

A propósito de uma norma similar, Sanches explica da seguinte forma a existência deste tipo de
normas na nossa lei fiscal: ”Corresponde, por isso, à apetência da Administração fiscal por normas
anti-abuso em que a sua intervenção seja tão definida quanto possível por uma lei prévia,
procurando encontrar uma habilitação legal que automatize o seu comportamento e limite o seu
dever de fundamentação” (2006).

Seja como for, a Lei nº 64-B/2011, de 30-12 (Lei do Orçamento para 2012) desfez quaisquer
dúvidas que ainda pudessem existir relativamente à aplicabilidade do procedimento definido no
artigo 63º do Código de Procedimento e Processo Trubutário a outras normas antiabuso para além
do nº 2 do artigo 38º da Lei Geral Tributária, ao alterar o nº 1 desta norma, que passou a referir
expressamente: ”A liquidação de tributos com base na disposição antiabuso constante do nº 2 do
artigo 38º da Lei Geral Tributária segue os termos previstos nesta norma”.

3.1.9 A ausência de referência na lei fiscal à Fair Value Option


A Fair Value Option consiste na possibilidade que a IAS 39 proporciona à entidade de designar
qualquer Ativo ou Passivo como mensurável ao Justo Valor através de resultados27, desde que não
seja um investimento em instrumento de capital próprio que não tenha um preço de mercado
cotado num ativo, e cujo justo valor não possa ser fiavelmente mensurado.

Esta opção, prevista na alínea b) da parte do parágrafo 9 da IAS 39 intitulada “Definições de quatro
categorias de Instrumentos Financeiros”, tem como objetivo permitir às entidades a mitigação de

Lei nº 55-A/2010 de 31/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2011), tipicamente, as duas categorias entre as quais
havia redistribuição de rendimentos através da utilização de instrumentos financeiros derivados.
27
Note-se que a Fair Value Option apenas pode ser adotada por sociedades emitentes de valores mobiliários, dado
que o SNC, ao contrário das NIC’s (IAS 39), não prevê esta possibilidade.

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desequilíbrios contabilísticos provocados por items cobertos e items de cobertura sujeitos a


modelos de valorização diferentes, sem se envolverem na complexidade intrínseca da
contabilidade de cobertura.

Contudo, quando implementada do lado do Passivo, pode dar aso a uma inconsistência no plano
contabilístico que extravasa depois para o plano fiscal.

Em termos contabilísticos, quando o risco de crédito de uma entidade aumenta, a valorização dos
seus passivos designados ao justo valor através de resultados diminuem, pelo que o valor dos seus
capitais próprios aumenta. Ou seja, apesar de uma entidade ter aumentado o seu risco de crédito
os seus acionistas viram o valor do seu investimento aumentar.

Atendendo a que a variação de valor dos passivos designados ao justo valor através de resultados
tem impacto direto nos resultados contabilísticos, afeta também o seu lucro tributável pelo que,
ceteris paribus, a entidade pagará mais IRC quando o seu risco de crédito aumentar e vice-versa.

Pensa-se que esta opção contabilística deveria ser objeto da atenção do legislador fiscal, inserindo
no artigo 49º do CIRC uma norma que exclua da contribuição para o lucro tributável as variações
de valor dos passivos designados ao justo valor através de resultados.

4 A tributação dos rendimentos de sociedades não-residentes sem estabelecimento estável


gerados por instrumentos financeiros derivados

4.1 No caso de inexistência de Acordo de Dupla Tributação


A leitura conjugada da alínea c) do nº 1 do artigo 2º e da alínea d) do nº 1 do artigo do CIRC
permite-nos saber que as sociedades não-residentes sem estabelecimento estável em Portugal
são tributáveis em IRC, pelos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de
IRS, obtidos em território português.

Por outro lado, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a


estabelecimento estável e bem assim os definidos no nº 3 do artigo 4º do CIRC, onde se incluem,
expressamente, no nº 8 da alínea c) desta norma, os provenientes de operações relativas a
instrumentos financeiros derivados.

Contudo, quando nos debruçamos sobre o artigo 94º (com a epígrafe retenção na fonte28), não
encontramos qualquer referência a instrumentos financeiros derivados.

28
Único mecanismo de tributação praticável, atendendo a que se trata de uma sociedade não-residente sem
estabelecimento estável.

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Assim, os rendimentos provenientes de operações relativas a instrumentos financeiros derivados


apenas serão enquadráveis na alínea c) do nº 1 do referido artigo:” Rendimentos de aplicação de
capitais não abrangidos nas alíneas anteriores e rendimentos prediais, tal como são definidos para
efeitos de IRS…”

Será que alguns ganhos obtidos com instrumentos financeiros derivados poderão ser considerados
como rendimentos de aplicação de capitais, ao abrigo da lei fiscal?

Sendo o nº 2 do artigo 5º do CIRS uma norma de incidência, impõe-se uma leitura restritiva ao
abrigo do nº 4 do artigo 11º da Lei Geral Tributária, a qual parece indicar que não.

Efetivamente, os ganhos com instrumentos financeiros derivados aparecem apenas nas alíneas q)
e r) da referida norma, depois da alínea p): “Quaisquer outros rendimentos de aplicação de
capitais…”, correspondendo a ganhos obtidos nos seguintes tipos de operações:

• Swaps cambiais;
• Swaps de taxa de juro;
• Swaps de taxa de juro e divisas;
• Operações cambiais a prazo;
• Certificados que garantam ao titular o direito a receber um valor mínimo superior ao valor
de subscrição.

Ou seja, para a lei fiscal portuguesa, alguns ganhos com instrumentos financeiros derivados seriam
rendimentos de capitais, mas não rendimentos de aplicação de capitais, pelo que não haveria
lugar a retenção na fonte em IRC, o que inviabilizaria a tributação destes rendimentos auferidos
por sociedades não-residentes sem estabelecimento estável em território português.

Contudo, não é esta a prática e dificilmente poderia ser, dado que ao abrigo da alínea b) do nº 4
do artigo 71º do CIRS, dever-se-á proceder à retenção na fonte em relação a este tipo de
rendimentos auferidos em Portugal por pessoas singulares não-residentes, o que violaria o
princípio da igualdade tributária.

No entanto, o legislador deveria precaver-se em relação a uma eventual invocação de


inconstitucionalidade29, alterando o início da alínea c) do nº 1 do artigo 94º do CIRC de
“Rendimentos de aplicação de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores…” para

29
Refere o nº 3 do artigo 103º da CRP:” Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos
termos da Constituição, que não tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos
da lei.”

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“Rendimentos de capitais não abrangidos nas alíneas anteriores…”, o que eliminaria as dúvidas
sobre a tributação destes rendimentos.

Finalmente, merece referência o facto de o artigo 30º do EBF isentar de IRC os ganhos obtidos por
instituições financeiras não residentes sem estabelecimento estável em Portugal em operações de
swap30 contratadas com instituições financeiras residentes, pelo que a argumentação atrás
expendida apenas se aplica a operações de swap contratadas entre instituições financeiras
residentes e entidades não financeiras não residentes sem estabelecimento estável em Portugal.

4.2 No caso de existência de Acordo de Dupla Tributação


No número anterior ficou estabelecido que os ganhos obtidos em operações com derivados,
mesmo os obtidos com os swaps e certificados mencionados nas alíneas q) e r) do nº 2 do artigo
5º do CIRS, são considerados rendimentos obtidos em Portugal.

Assim, existindo Acordo de Dupla Tributação, estes rendimentos são enquadrados no artigo 21º
(Outros rendimentos) da Convenção Modelo da OCDE, que atribui em exclusivo ao Estado da
residência a competência para tributar, pelo que não poderão ser tributados por Portugal (Estado
da fonte).

5 Bibliografia
Correia, M. L. (2000). Instrumentos Financeiros Derivados: Enquadramento Contabilístico e Fiscal.
Lisboa: Universidade Católica Editora.
Courinha, G. L. (2004). A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário:Contributos para a sua
compreensão. Lisboa: Almedina.
Sanches, J. L. (2006). Os Limites do Planeamento Fiscal. Coimbra: Coimbra Editora.
Tavares, T. C. (2011). IRC e Contabilidade:Da Realização ao Justo Valor. Coimbra: Almedina.

Rui Jorge Lopes Ribeiro

30
Ao contrário do que se verifica na norma de incidência (alínea q) do nº 3 do artigo 5º do CIRS), o legislador não
especifica as operações de swap abrangidas. Apesar de não ser difícil aceitar que são os mesmos da norma de
incidência; por respeito ao princípio da segurança jurídica, dever-se-ia manter a prática de delimitar o mais possível a
realidade abrangida, tanto mais num domínio tão complexo e onde os novos produtos vão surgindo a um ritmo
elevado.

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