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Questões sobre o Dilúvio

“Estudar o livro de Gênesis associa duas atitudes do cristão que dele se aproxima: devoção e
intelectualidade. Devoção, pois nele encontram-se as palavras de Deus, suas orientações, ensinos e
exortações. Intelectualidade, pois nele também encontram-se obstáculos para a compreensão da verdade
exposta em suas páginas. Portanto, se pudermos atentar para essas duas disposições mentais
certamente poderemos aproveitar o que esse livro tem de melhor a oferecer.[1]”

Relembrar essa frase nessa altura do nosso estudo é fundamental, pois não podemos perder de vista o
fato de que o Livro de Gênesis é palavra de Deus, do mesmo modo que isso não nos impossibilita
perceber questões de difícil trato e procurar um modo aceitável de lidar com elas. Isso não significa que
teremos uma resposta final para cada uma dessas questões, mas reconhecer dificuldades nas escrituras
nada mais é do que ser honesto como a história da Revelação de Deus. Isso, todavia, é diferente de
suspeitar das escrituras, ou rejeitá-la: Trata-se de um humilde e honrado reconhecer que diante da
Majestade do Criador, da multi-diversidade da Criação, e da especificidade final da revelação divina em
Gênesis, algumas lacunas poderão ficar abertas sem que qualquer demérito seja atribuído, ou a Deus, ou
às escrituras, ou até mesmo ao parecer cristão de todas essas questões.

Por essa razão, iniciamos esse estudo com a humilde pretensão de conhecer o ensino das escrituras,
suas dificuldades, as propostas alternativas para elas, seguidas de um parecer do autor sobre o tema.
Com isso, não pretendemos resolver os problemas, mas conduzir cristãos à reflexão saudável sobre
assuntos que nas escrituras não encontramos luz suficiente para resolver a questão.

A. Quem são filhos de Deus?


Em nosso comentário expositivo de Gênesis 6.1-8 deixamos claro que o texto trata da história dos
descendentes de Sete e Caim, entretanto não tratamos das outras possibilidades teológicas encontradas
nesse texto. Por isso, pretendo nesse breve adendo apresentar as duas mais importantes visões sobre a
narrativa mosaica, seus defensores, pontos fortes e fracos, na intenção de oferecer ao leitor informações
que o ajudem a entender o dilema e refletir sobre que opção parece mais aceitável diante das escrituras.

Entretanto, uma nota introdutória a esse estudo é importante, e sobre o assunto David Merkh diz: “Não
importa a interpretação adotada, o ponto parece ser o mesmo: o pecado agora está transpondo fronteiras
espirituais (sejam celestiais, sejam terrestres). O vírus do pecado virou pandemia![2]”. A idéia é que
independente da opinião teológica, a ênfase essencial do texto não é perdida, e a isso Derek Kidner
complementa: “Onde a escritura é tão reticente como o é aqui, Pedro e Judas nos aconselham a retirada.
Coloquemo-nos em nosso próprio lugar! Mais importante do que as minúcias desse episódio é sua
indicação de que o homem não pode socorrer-se a si mesmo, seja que os setitas tenham traído a sua
vocação, seja que os poderes demoníacos tenham conseguido um tento[3]”.

Portanto, ainda que a definição teologia seja importante, ela não é fundamental aqui para a essência da
compreensão do texto. Como veremos, todas as opções tem suas fraquezas e falhas, mas não impedem o
sentido geral do texto. A opinião do autor ficará evidente, e seu favoritismo por determinada opção não
deve conduzir o leitor à suas conclusões, mas certamente tornará evidente a razão de sua preferência.

1. Filhos de Deus: Anjos Caídos


A opinião provavelmente mais tradicional é de que anjos caídos são representados pelo termo “Filhos de
Deus” e que em sua devassidão abandonaram seu estado original e vieram a terra para coabitar com as
filhas dos homens. A razão dessa distinção não é exclusivamente lingüística, mas aparentemente textual.
Os defensores dessa linha de raciocínio defendem que essa é a leitura que melhor se harmoniza com o
texto. Bob Deffinbaug entende que a terminologia usada por Moisés claramente indica o fato de que
“Filhos de Deus” se referem a anjos no AT. Sobre isso atesta: “Os estudiosos que rejeitam esta opinião
prontamente reconhecem o fato de que o termo preciso é claramente definido na Escritura. A razão para
rejeitar a interpretação dos anjos caídos é que tal opinião é tida como uma afronta à razão e às
Escrituras[4]”.
a. Pontos Fortes:

Alguns pontos fortes podem ser levantados:

 Antiguidade do Argumento: Essa interpretação é provavelmente a mais antiga tradição e é


encontrada no Códice Alexandrino, que verte o texto com o uso de termo “aggeloi” (anjo) em tradução
da expressão bene há’elohim (Filhos de Deus). No livro apócrifo de Enoque[5] encontramos essa
tradição expressa: “E aconteceu que, quando os filhos dos homens se multiplicaram, naqueles dias,
bela e formosa filhas nasceram. E os anjos, os filhos do céu, vendo-as as desejaram, e disseram uns
aos outros: “Vem! Vamos escolher por nós mesmos esposas dentre o povo, e vamos gerar para nós
filhos[6]”.
 Uso da Expressão: No Antigo Testamento a expressão “Filhos de Deus” é usada para descrever
anjos. Em Jó.1.6 lemos: “Num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR,
veio também Satanás entre eles” (cf. 2.1). A tradução da LXX aqui adota novamente o termo “aggeloi”
e, segundo Adam Clarke, a versão caldéia usa “tropa angélica”. Nesses textos em Jó parece não
haver discussão sobre usa referência, observe: “quando as estrelas da alva, juntas, alegremente
cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus?” (Jó.38.7). Ao analisar esse texto, são raros os que
não encontram aqui uma referência angélica. Mesmo os que defendem que em Gn.6 o termo não se
refere a anjos, aqui o reconhecem, como Barnes: “E todos os filhos de Deus – Anjos – chamados filhos
de Deus, de sua semelhança com ele, ou a serem criados por ele[7]”. Em Sl.89.6 não há qualquer
suspeita: “Pois quem nos céus é comparável ao SENHOR? Entre os seres celestiais, quem é
semelhante ao SENHOR?” (cf. Dn.3.25).

 Origem dos Gigantes: Os defensores dessa visão entendem que os gigantes, e homens de renome
do mundo antigo são apenas explicados pela união entre seres angelicais e seres humanos. Sobre
isso, Deffinbaug atesta: “As mulheres ansiavam pela esperança de ser a mãe do Salvador. Quem seria
o pai mais apropriado para tal criança? Não seria um “homem poderoso de renome”, que também
seria capaz de se gabar da imortalidade? Alguns dos piedosos descendentes de Sete viveram
aproximadamente 1000 anos de idade, mas os Nefilins não morreriam, se fossem anjos. E assim
começou uma nova raça[8]”.

 Contexto: Segundo os defensores o uso do termo “homem” (hb. ‘adam) no verso 1 não tem
qualquer distinção do termo usado no verso 2. Se filhas dos homens tem um sentido mais restrito
(como sugerem os defensores da união da descendência de Sete e Caim), o texto não introduz tal
conceito e, portanto não deve ser uma opção válida. Não é possível diferenciar o homem do verso 1
das filhas dos homens do verso 2.

 Respaldo Bíblico: Dois aspectos são defendidos aqui:

1. As escrituras ensinam que os anjos podem fazer-se presente entre os homens (Hb.13.2) e
de serem de tal forma parecido com seres humanos que foram confundido com eles (Gn.19.1). Em
defesa desse fato, os que adotam essa opção apresentam o caso de Sodoma e Gomorra, ocasião
que os homens de Sodoma se sentiram atraídos sexualmente pelos seres angélicos: “Onde estão
os homens que, à noitinha, entraram em tua casa? Traze-os fora a nós para que abusemos deles ”
(Gn.19.5). Aos olhos dos sodomitas, tais anjos eram homens atraentes.

2. O Novo Testamento apresenta textos que falam sobre esse evento: “E a anjos, os que não
guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, ele tem guardado sob
trevas, em algemas eternas, para o juízo do Grande Dia” (Jd. 6; cf. 2Pe.2.4). O argumento aqui é
que os anjos abandonaram seu domicílio, a presença de Deus, e desceram à terra.

b. Pontos Fracos:

Vamos listar alguns:

 Viola a Lei Natural Estabelecida por Deus: Uma das verdades que se tem por clara e evidentes nas
escrituras é que a geração sempre acontece entre criaturas da mesma espécie. Essa verdade é
estampada no relato da criação, em que vemos esse fato com uma bênção divina para plantas (1.11),
animais (1.23-25), diferente do homem (1.26). Não há nada no relato da criação que aceite a idéia de
uma geração mista entre entidades de diferentes espécies. Se um anjo caído tem poder reprodutor, a
lei da natureza ainda impediria que o fruto desse relacionamento misto fosse reprodutor, pois assim
acontece na natureza hoje, e não temos razões para crer que era diferente nesse aspecto na ocasião.
Outro detalhe que deve ser lembrado é que as escrituras não falam sobre seres híbridos. Para se
defender desse ponto, alguns alegam que tais anjos possuíram os homens, como vemos acontecer
nos evangelhos e por isso a reprodução foi possível. Entretanto, aqui há larga contradição no
argumento, pois se apenas seres angélicos são opção suficiente para a existência de gigantes, um
homem possuído por uma entidade angélica ainda seria o progenitor biológico, e portanto, não teria
qualquer distinção entre ele e um homem não possuído.
 Ignora o juízo divino: Os que defendem essa opção precisam responder por que razão o julgamento
divino incluiu apenas o homem, os animais e a terra, se os causadores do problema foram seres
angélicos. Se a perversão da humanidade alcançou os céus, por que nenhuma menção de juízo,
repreensão divina oferecida? Se tais anjos eram malévolos, por que razão Deus não manifestou sua
ira contra eles? Essa ausência sugere que seres angelicais não estavam presentes na ocasião.

 Ignora a terminologia mosaica em Gênesis: Essa crítica tem três aspectos:

1. O uso do termo “anjo” em Gênesis: Em Gênesis o termo em português “anjo(s)” é visto 15x (32x no
Pentateuco) e em todas as ocasiões é a tradução do termo hebraico “mal’ak”. O termo hebraico é
usado 17x em Gênesis (34x no Pentateuco) e em duas ocasiões se refere a um mensageiro (32.3,
6). Ou seja, todas as vezes que se quis retratar uma figura angélica em Gênesis (e no Pentateuco),
Moisés não usou a expressão filhos de Deus, mas usou o termo hebraico para tal: mal’ak. Ora, se
Moisés tem um costume de se referir a seres angélicos com esse termo, por que não o fez em
Gn.6?

2. O uso da expressão “tomaram para si”: A idéia da expressão não é violentaram, forçaram, ou
coabitaram com as mulheres, como se esperaria de espíritos malignos. O termo é usado para
descrever uniões matrimoniais. Em Gênesis 11.29, vemos um claro exemplo para isso: “Abrão e
Naor tomaram para si mulheres; a de Abrão chamava-se Sarai, a de Naor, Milca, filha de Harã, que
foi pai de Milca e de Iscá” (cf. Gn.4.19;Jz.21.18; Rt.1.4). A NIV já assumiu o uso do termo e traduziu
assim o verso: “e os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram belas e então se
casaram com qualquer quer uma que escolhessem”. A questão que fica aqui é: Por que razão os
anjos caídos iriam oficializar seus relacionamentos?

3. O uso do termo Gigantes: O termo hebraico para gigantes é “nephiyl” e é também usado no
Pentateuco em Nm.13.33: “Também vimos ali gigantes (os filhos de Anaque são descendentes de
gigantes), e éramos, aos nossos próprios olhos, como gafanhotos e assim também o éramos aos
seus olhos”. Se tais seres são resultados de seres angélicos e humanos, temos que considerar
que: (a) ou todos não morreram no dilúvio; ou (b) o evento se repetiu. Entretanto, o contexto deixa
claro que nem uma coisa nem outra aconteceram. Portanto, é seguro afirmar que esses gigantes
não dependem da “genética angélica”.

 O suporte neotestamentário é questionável: O uso de passagens neotestamentárias para validar


essa opção não é convincente e pode certamente fazer referência a outros eventos. No caso de Jd.6,
o texto podemo muito bem estar se referindo a Ez.28, ou Is.14 ao falar da queda de Satanás e dos
seres angelicais.

Conforme vimos até aqui, tal opção, embora defendida a muito tempo, incluindo cristãos sérios com as
escrituras não parece ser a opção mais aceitável. Vamos considerar a outra opção.

2. Filhos de Deus: Descendentes de Sete


A opção adota pelo autor é certamente favorecida (em sua opinião) em função do contexto maior de
Gênesis. A clara distinção entre as gerações de Sete e Caim e seus feitos sugerem que a intenção de
Moisés é demonstrar a distinção entre ambas as genealogias. Entretanto, notamos que o capítulo 6 inicia
como um acréscimo ao capítulo cinco e não como um prelúdio ao dilúvio. A distinção parece pequena,
mas faz grande diferença.

Aos que lêem Gn.6.1-4 como o prelúdio do dilúvio, acreditam que a severidade do juízo de Deus está
ligada à perversidade iniciada por seres angélicos. Por outro lado, se Gn.6.1-4 for a conclusão do capítulo
cinco, encontramos um cenário parecido com o que Jesus parece ter visto nos dias de Noé: “assim como
nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que
Noé entrou na arca” (Mt.24.38). Ou seja, os filhos de Deus estavam tomando para si as filhas dos homens
(casavam e davam-se em casamento) como demanda o ciclo da vida do homem, e pela multiplicação da
humanidade, houve a multiplicação da maldade da humanidade, causadora do dilúvio. Esse simples
distinção pode diferenciar o modo como lemos o texto, mas vamos às suas características.

a. Pontos Fortes:

Alguns pontos fortes podem ser levantados:

 Antiguidade do Argumento: Essa interpretação também não é recente nem inovadora. Certamente
não é tão antiga quanto a anterior, mas já era observada desde Agostinho, e fez história na história da
interpretação cristã, sendo favorecida por Calvino e Lutero.
 Contexto: “Até aqui no contexto, o contraste tem sido entre a linha de Sete e Caim; cp. 4.26 e
5.22-24 mostra a linha de Sete (Enoque) andando com Deus. A introdução de anjos/demônios nesta
altura de Gênesis, especialmente uma referência tão obscura, parece estranho[9]”. O contraste
apresentado no capítulo 4 e 5 é agora destruído pelo desejo lascivo do coração do homem. Deve-se
notar que a ênfase primária do texto é a descrição da história da humanidade, e claramente se
percebe que em Gn.6 há a continuidade dessa tônica: “Como se foram multiplicando os homens na
terra, e lhes nasceram filhas” (v.1). Essa identificação é favorecida pela continuidade do texto, no
qual Deus demonstra sua punição ao homem por sua maldade, e não os seres angélicos.

 Similaridade com Gênesis: O argumento é visto de dois pontos de vista:

1. Queda: O texto de Gn.6.2 segue em parte os passos da tentação de Eva antes da queda: Ver,
tomar, o que é bom, desejável, agradável. Além de termos similares serem usados aqui, o
processo sugere uma interação humana e não angélica. A resposta divina em punição em ambos
os casos (também similares) demonstram por fato que Deus assim se manifesta com seres
humanos.

2. Lameque: A idéia de tomar para si mulheres parece seguir o padrão de Lameque que tomou para si
duas mulheres. Mais uma vez, a idéia está diretamente ligada com o coração lascivo da
humanidade. A idéia da poligamia aqui não é estranha ao texto, e é uma representação das
atitudes da descendência de Caim, o que na descendência de Sete é novo.

 A expressão “Filhos de Deus”: Moisés usa uma expressão similar a encontrada em Gn.6.2 para
descrever pessoas: “Filhos sois do SENHOR, vosso Deus” (Dt.14.1; cf.Dt.32.5). Nessa expressão “filhos
do Senhor” (hb. banim YHWH) é uma clara descrição de seres humanos, e nenhuma razão há para se
dizer que se trata de seres angelicais. Diversas vezes no AT a nomenclatura de “filho” de Deus faz
referência ao povo de Deus (Sl 73.15; Is 43.6; Os 1.10, 22.1). Todas essas designações demonstram
que a terminologia não exige a identificação dos filhos dos homens com os seres angélicos, e que o
modo mais natural de ser entendido é em referência a seres humanos.

 A terminologia mosaica: Três aspectos devem ser ressaltados:

1. Ainda que Moisés tenha feito aqui uso de uma expressão que na pena de outros autores foi usada
para descrever seres angelicais, esse termo jamais foi usado para descrever demônios. Parece
extremamente estranho às Escrituras chamar um anjo caído (demônio) de Filho de Deus. Por outro
lado, parece repulsivo e injusto que anjos-não-caídos tenham feito isso sem se tornarem culpados
por suas ações, ou sem alguma repreensão de Deus.

2. Moises quando se refere a seres angélicos usa exclusivamente o termo hebraico mal’ak, como já
temos demonstrado. Portanto, é sensato esperar que se quisesse transmitir a idéia de seres
angélicos teria usado o termo que lhe é comum.

3. Moisés usa a expressão “tomaram para si mulheres” que é usado normalmente por ele para
descrição de casamento (Gn.4.19; 11.29). Entretanto, se o texto tratar de anjos se casando, essa
informação está em franca contradição com a realidade angélica, pois eles não se casam nem se
dão em casamento (Mc.12.25; cf. Mt.22.30; Lc.20.25).

 Caráter profilático de Gênesis: Em diversos aspectos o livro de Gênesis é profilático: No que se


refere a cosmogonia, Gênesis é uma clara correção ideológica. No que se refere ao conhecimento de
Yahweh, como Deus de Israel, Gênesis é um auto-desvendamento de Deus e de suas Obras e Caráter.
No que se refere a história do povo de Israel, Gênesis demonstras os perigos do jugo desigual.
Embora nenhuma palavra tenha sido demonstrada em favor da preferência de Yahweh pela
manutenção da descendência de pessoas que invocavam a Deus, sua vontade é claramente
demonstrada em sua punição. O pecado de Lameque é aumentado pelos filhos de Deus, que optam
por casar em conformidade com seus desejos lascivos, e não segundo a recomendação de Deus. Essa
designação também seria profilática ao povo a quem Moisés escreveu o livro, que sofria os assédios
do casamento misto.

b. Pontos Fracos:

Embora seja essa a preferência ela também tem suas dificuldades, observe:

 Definição: Essa interpretação tem dificuldades em restringir o significado de algumas expressões


usadas no texto, observe:

1. Filhos de Deus: Um dos problemas dessa interpretação é a definição de “Filhos de Deus” como
referência aos descendentes de Caim: Em nenhum lugar essa nomenclatura é usada para
descrever os setistas. Não há evidencias contextuais que suportem essa visão: “Como se foram
multiplicando os homens na terra, e lhes nasceram filhas” (Gn.6.1). Não há evidências que se
encontre uma distinção entre os homens desse verso, usado de modo genérico ou geral, com as
filhas dos homens, de modo específico, como sugere a interpretação dos casamentos mistos.

2. Filhas dos homens: Do mesmo modo, não podemos encontrar razões lingüísticas para definir filhas
dos homens como um grupo distinto de dentre o todo da humanidade. Observe que Moisés disse
que: “Como se foram multiplicando os homens na terra, e lhes nasceram filhas” (Gn.6.1). Não
existe nenhuma evidência que faça distinção entre as filhas do verso 1 e as do verso 2.

3. Nephilim: “De maneira nenhuma fica claro porque a descendência de casamentos mistos deveria
ser Nephilim-Gibborim, no entanto estes devem ser entendidos dentro do alcance da
interpretação possível… Mas sua (a do autor bíblico) referência ao ato conjugal e à gestação
encontra justificativa apenas se ele estiver descrevendo a origem dos nephilim-gibborim. A menos
que a dificuldade que se segue a esta conclusão possa ser superada, a interpretação do
casamento misto da passagem deve ser definitivamente abandonada[10]”.

 Contexto: Observe alguns detalhes importantes:

1. Contraste entre as Genealogias: Nada indica no contexto que todos os descendentes de Sete
teriam sido piedosos e que os de Caim teriam sido infiéis. O que o contraste entre as genealogias
apresenta entre pessoas de ambas as genealogias e sua relação com Deus. Na verdade, o
contraste entre as genealogias está sendo supervalorizado nessa interpretação.

2. Descrição das Genealogias: Em nenhum lugar a descrição da genealogia de Caim apresenta sua
descendência como tendo filhos e filhas. Sabemos que existiram filhas, mas se o contraste em
Gn.6 exige que as filhas dos homens fossem descendentes de Caim, seria interessante encontrar
alguma evidência disso no contexto. Enquanto na descendência de Caim a expressão “filhas” não
é utilizada, na de Sete é usada nove vezes.

3. Implicações da Genealogia: a descrição de gênesis demonstra que apenas Noé era alguém justo,
embora a descendência de Sete tivesse diversos exemplares no mesmo período. Ou seja, não se
pode presumir que toda a descendência de Sete era formada por homens piedosos, como a
interpretação sugere.

Em função de ser essa a opção adotada pelo autor, alguns comentários em réplica a esses pontos fracos
podem ser feitos e sua força pode ser minimizada:

 Sobre a Definição de termos:

1. Filhos e Filhas: Os que optam por criticar essa visão estabelecem que a distinção entre filhas dos
homens e Filhos de Deus devam ter alguma distinção exegética ou lingüística para basear o
argumento. Como não encontram rejeitam a interpretação. Entretanto, deve-se dizer que a
distinção não é exegética, mas hermenêutica. Moisés estabelece um claro contraste entre as
descendências, como o fará mais a frente com outras genealogias, e tal contraste antecedente ao
relato de Gn.6 sugere que tal contraste está se perdendo. Ou seja, essa interpretação exige que
os descendentes de Sete não estão tomando seu relacionamento com prioridade, de modo que
nos dias de Noé ele apenas era descrito como homem justo. Segundo essa interpretação a
decadência do homem atingiu até mesmo aqueles que passaram a invocar a Yahweh.

2. Nephilim: Nada é mais mítico do que pensar que tal descendência exige DNA angélico, e entra em
contradição com Nm.13.33, que descreve esses homens novamente. Essa “necessidade” só é
vista nos olhos daqueles que precisam enxergar no texto seres angélicos e precisam somar
argumentos para se defender.

3. Yahweh e Elohim: Os que criticam essa visão não percebem o uso intercambiável que Moisés faz
dos termos Yahweh e Elohim, Portanto, se em Enos se inicia a invocar a Yahweh e em Gn.6 os
filhos de Elohim estão se casando com as filhas dos homens, eles não podem fazer parte do
mesmo grupo. Se invocar pode ser identificado como “ser chamado pelo nome de Yahweh”, ser
filho de Elohim pode se referir a esse grupo. Observe, não há exigência exegética, há
possibilidade hermenêutica. Essa distinção é importante para a interpretação.

 Sobre o Contexto:

1. Supervalorização das Genealogias: Na verdade o contraste entre as genealogias parece


supervalorizado para os que defendem outra interpretação, e por isso tendem a minimizar tal
contraste. De fato, o argumento é montado sobre o contraste entre as genealogias, mas não de
modo a supervalorizar, mas de considerar a seqüência textual: Gn.6.1-4 é um adendo a realidade
descrita nos dois capítulos anteriores: é uma breve explicação do que acontece com o passar de
muito tempo, e até mesmo os homens fiéis se perverteram.

2. Descrição das Genealogias: Parece ingênuo inferir que pelo fato de Moisés não usar o termo
“filhas” na genealogia de Caim, a expressão “filhas dos homens” não pode ser uma referência
textual. O valor dessa crítica é numérica: ela soma-se a outras, e portanto, o número de críticas
parece maior. Do ponto de vista da hermenêutica desse texto, tal argumento parece irrisório.

3. Implicações da Genealogia: O ponto levantado pelos contrários a nossa visão do texto apresentam
exatamente o que pensamos sobre ele: No período de Noé ele era o único justo (pela fé), por isso
apenas ele e sua família foram favorecidas por Deus. Esse é o clímax do texto: Até mesmo
aqueles que invocavam o nome de Yahweh se extraviaram.

Diante da análise de prós e contras, tendo a crer que tal opção é favorecida por questões hermenêuticas
e lingüísticas. Entretanto, outros críticos poderiam encontrar nessa apresentação e defesa outros
motivos de crítica. Por isso, é recomendável ao leitor municiar-se de comentários e procurar orientar-se
diante da palavra de Deus. O alerta de Merkh e Kidner no início dessa análise merece atenção aqui
novamente:

“Não importa a interpretação adotada, o ponto parece ser o mesmo: o pecado agora está transpondo
fronteiras espirituais (sejam celestiais, sejam terrestres). O vírus do pecado virou pandemia![11]”.

“Onde a escritura é tão reticente como o é aqui, Pedro e Judas nos aconselham a retirada. Coloquemo-
nos em nosso próprio lugar! Mais importante do que as minúcias desse episódio é sua indicação de que o
homem não pode socorrer-se a si mesmo, seja que os setitas tenham traído a sua vocação, seja que os
poderes demoníacos tenham conseguido um tento[12]”.

Conclusão
É bem verdade que poderíamos encontrar mais opções: Krell sugere mais duas possibilidades: Filhos de
Deus como descrição de homens valentes do passado; Filhos dos homens como uma designação de filhos
de Adão em termos gerais. A primeira leitura foi defendida por Flávio Josefo ( Antig. Cap.3, 10,
CPAD, pp.50) e pelo Targun de Onkelos e o supostamente de Jonatas Ben Uzziel. A segunda é bem menos
familiar e o próprio autor não apresenta muitas defesas dessa opção.

O que é fato, e deve ser lembrado com clareza, é que nenhuma das duas principais opções apresentadas
aqui interferem nas linhas gerais do texto: Ambas apresentam o papel devastador do pecado e sua
conseqüência no dilúvio. Portanto, apesar da franca preferência do autor aqui pela interpretação da
miscigenação, o leitor pode ter por certo que outros comentaristas ainda mais recomendados preferirão
outras opções e que tais distinções não são fundamentais para o entendimento geral do texto. Assim,
convido o leitor à crítica da minha posição em direção ao entendimento da passagem.

B. O Dilúvio foi Universal ou Local?


Outra questão ligada ao Dilúvio se refere a sua abrangência: Foi o dilúvio Local ou Universal? Quando se
faz essa pergunta não se propõe ignorar o relato das escrituras e buscar em fontes alternativas as
respostas para essa questão. A intenção é observar o que dizem as escrituras sobre o assunto.

Uma nota introdutória deve ser levantada aqui: Quando se usa a expressão “Local” para se definir o
dilúvio não se pretende afirmar apenas o local onde se encontrava Noé e sua família. Diferentes
propostas já foram apresentadas para o uso desse termo que abrange desde o mundo conhecido de Noé
até um Dilúvio semi-Universal, incluindo regiões mais abrangentes do globo, entretanto, sem cobri-lo
totalmente. Em defesa desse tipo mais abrangente alguns cristãos preferem o título de “Universal” no
sentido que inclui todos os seres humanos, em contraste com o Global, que inclui todo o globo.

Em nossa observação, usamos o termo Universal para descrever a idéia que defende que todo o globo foi
coberto pelas águas e todos os seres humanos exceto a família de Noé foram aniquilados; já o termo
Local, se refere a uma região do globo grande o suficiente para aniquilar todos os seres humanos, mas
não todo ele. Vamos a análise.

1. Universal:
Essa é, sem sombra de dúvidas, a versão mais aceita e recebida no cristianismo. Em nossa alfabetização
bíblica nas escolas dominicais temos sido ensinados desse modo a anos. Os cristãos em geral adotam
essa posição e não sem evidências, pois as escrituras parecem favorecer essa interpretação largamente,
em função de sua linguagem universalista nesse texto (cf. veja a quantidade de “tudo”, “todo”, “todos”
usados nesse relato). Observe alguns pontos favoráveis:

a. A humanidade já teria ocupado toda a terra:

Se toda a humanidade já ocupasse toda a terra nesse momento histórico, então, o dilúvio deve ser
necessariamente universal. A favor dessa idéia, Gênesis afirma que os homens já haviam enchido a terra:
Em primeiro lugar, os homens estavam se multiplicando por todas as regiões da terra: “E aconteceu que,
como os homens começaram amultiplicar-se sobre a face da terra, e lhes nasceram filhas” (Gn.6.1).
Calvino, falando sobre esse verso, atestou: “Isso aconteceu como efeito da bênção (Gn.1.28), mas a
corrupção humana abusou e perverteu essa bênção e a transformou em maldição ”. Poucos são os
comentaristas que rejeitam a idéia da maldade humana como causa do dilúvio, e Calvino demonstra isso
bem. Entretanto, note que o texto nos diz que a multiplicação do homem era sobre a face da terra, como
uma forma universal de apresentar a expansão da humanidade. Portanto, se os homens ocupassem todo o
globo nessa ocasião, o dilúvio era universalmente necessário.

Em segundo lugar, a linguagem de Gênesis sugere que a maldade do homem já era vista em toda a terra:
“A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência” (Gn.6.11). Ou seja, a expansão da
humanidade povoou a terra de tal modo que a terra era vista como corrompida e a violência humana
havia enchido toda a terra. Essa expansão da humanidade caída está em conformidade com o que se
espera dela: “Quando os perversos se multiplicam, multiplicam-se as transgressões” (Pr.29.16).

b. Todas as montanhas foram cobertas:

O texto de Gênesis apresenta uma informação interessante sobre as montanhas que precisa ser
analisada: “Prevaleceram as águas excessivamente sobre a terra e cobriramtodos os altos montes que
havia debaixo do céu. Quinze côvados acima deles prevaleceram as águas; e os montes foram cobertos ”
(Gn.7.19, 20). A descrição aqui é bem abrangente e na opinião dos defensores dessa visão, o texto parece
não oferecer margem para outra interpretação.

Matthew Henry é um desses que parece defender esse ponto aqui, e sobre ele atesta: “as águas subiram
tão alto que não apenas a planície fora inundada, mas para garantir que ninguém pudesse escapar, o topo
das mais altas montanhas foram submersas – quinze côvados, ou seja, sete metros e meio, de modo que
esperar a salvação nos morros e montanhas era vã [13]”. Provavelmente a citação sobre a possibilidade
de salvação encontrada nas montanhas seja uma forma de Henry rejeitar a visão da mitologia grega do
Dilúvio de Deucalião, que afirmava que todos os homens morreram, exceto os que subiram ao topo das
montanhas[14].

Outra forte evidência desse fato encontra-se no capítulo 8 de Gênesis: “No dia dezessete do sétimo mês,
a arca repousou sobre as montanhas de Ararate. E as águas foram minguando até ao décimo mês, em
cujo primeiro dia apareceram os cumos dos montes” (Gn.8.4-5). Falando sobre esse texto Krell atesta: “a
profundidade da água favorece um dilúvio universal. O Monte Ararate, no qual a arca veio descansar, é
superior a 17 mil pés de altitude, e as águas estavam mais de vinte pés mais alto do que todas as
montanhas[15]”.

c. Todos os homens foram mortos:

Um fato que não há contra-argumentos é que todos os homens, exceto a família de Noé, foram mortos no
dilúvio. Observe que essa tinha sido a promessa de Deus ao enviar o Dilúvio: “Disse o SENHOR: Farei
desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus;
porque me arrependo de os haver feito” (Gn.6.7). Sobre esse texto Barnes afirma: “Este testemunho
solene para a condenação universal [a queda] não tinha deixado qualquer impressão salutar ou
duradoura sobre os sobreviventes. Mas agora uma destruição geral e violenta é atinge toda a
humanidade, é um monumento perpétuo da ira divina contra o pecado, para todas as futuras gerações da
única família salva[16]”.Toda a humanidade é alcançada com o dilúvio, e como os defensores dessa visão
defendem que os homens ocupavam toda a superfície da terra, era necessário que o dilúvio fosse
universal.

Essa promessa feita por Deus foi levada à cabo, observe: “Pereceu toda carne que se movia sobre a terra,
tanto de ave como de animais domésticos e animais selváticos, e de todos os enxames de criaturas que
povoam a terra, e todo homem” (Gn.7.21; cf.23). A terra fora de tal forma devastada e a humanidade
inteira destruída que a ordenança divina dada a Adão precisou ser reafirmada com Noé e sua família:
“Abençoou Deus a Noé e a seus filhos e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra ”
(Gn.9.1).

d. Todos os animais foram mortos:

Um detalhe observado acima, mas ainda não comentado é que todos os animais, excetos os que vivem
nas águas, morreram no dilúvio. Isso levanta um importante fato: Ainda que os homens não tivesse
povoado cada uma das áreas do globo, os animais já o poderiam ter feito. Se todos os animais morreram
no dilúvio, ele foi universal. Note a linguagem universalista dos textos: Disse o SENHOR: Farei
desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus;
porque me arrependo de os haver feito” (Gn.6.7). Pereceu toda carne que se movia sobre a terra, tanto
de ave como de animais domésticos e animais selváticos, e de todos os enxames de criaturas que
povoam a terra, e todo homem” (Gn.7.21).

Linguagem ainda mais abrangente vemos nesse verso: “Porque estou para derramar águas em dilúvio
sobre a terra para consumir toda carne em que há fôlego de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra
perecerá” (Gn.6.17). Ao comentar esse verso, Gill atesta que o texto fala sobre “todos os seres vivos,
homens e mulheres, as feras e o gado da terra, e todo o réptil sobre ela e as aves do céu, mas
principalmente o homem, e os outros por sua causa[17]”.
e. Toda a Terra foi devastada:

A promessa de Deus em punir a terra não incluía apenas os seres vivos, mas também o planeta terra:
“Então, disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da violência dos
homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra” (Gn.6.13). Sobre esse texto Keil & Delitzsch
afirmam: “Porque toda a carne havia destruído a terra, ela deveria ser destruída com a Terra por
Deus[18]”. Até mesmo Pedro parece defender a idéia de um juízo para a terra como um todo quando diz:
“Porque, deliberadamente, esquecem que, de longo tempo, houve céus bem como terra, a qual surgiu da
água e através da água pela palavra de Deus, pela qual veio a perecer o mundo daquele tempo, afogado
em água” (2Pe.3.6). A linguagem universal, parece se repetir em Isaías, observe: “Porque isto é para mim
como as águas de Noé; pois jurei que as águas de Noé não mais inundariam a terra, e assim jurei que não
mais me iraria contra ti, nem te repreenderia” (Is.54.9). Essa leitura, certamente é um reflexo do próprio
relato de Gênesis: “Estabeleço a minha aliança convosco: não será mais destruída toda carne por águas
de dilúvio, nem mais haverá dilúvio para destruir a terra” (Gn.9.11).

2. Local:
Os críticos da visão de um dilúvio local geralmente se interpõem por afirmar que tal opção é na verdade
uma tentativa de se adaptar as escrituras ao conhecimento científico dos nossos dias. Segundo eles,
essa visão é uma tentativa de “modernização” das escrituras cujo objetivo principal é remover barreiras
intelectuais para a mentalidade contemporânea aceitar a palavra de Deus. Eles também afirmam que
diante da linguagem universalista da passagem tal conceito fica inviável e que introjetar informações ao
texto é necessário para se defender tal posição. Em suma, os críticos a essa visão defendem que não é
possível que tal interpretação seja possível.

Mas, será isso mesmo verdade? Nossa análise assume aqui um caráter investigativo do texto, em
primeiro lugar, para verificarmos se as críticas são de fato verdadeiras, e verificar a possibilidade de tais
críticos estarem equivocados. Vamos à análise:

a. O uso das palavras “kol erets”:

O primeiro debate está relacionado com a expressão hebraica “kol erets”, que é traduzida diversas vezes
no relato de Gênesis como “toda terra”. O que percebemos quando observamos a expressão em uso na
pena de Moisés percebemos que nem sempre a intenção do autor é que o termo seja realmente tão
abrangente como supõe os defensores do dilúvio universal. Por isso, abaixo transcrevemos algumas
observações, em demonstração de que a expressão “kol erets” também é usada com outras ênfases,
observe

 Em referência específica: No mesmo livro podemos encontrar a expressão com sentido muio mais
restrito e específico para “toda a terra”: “O primeiro chama-se Pisom; é o que rodeia toda terra de
Havilá, onde há ouro (…)E o nome do segundo rio é Giom; este é o que rodeia toda a terra de Cuxe”
(Gn.2.11, 13). Nesses versos fica evidente que a expressão “toda terra” não significa apenas a terra
no sentido universal, mas em sentido restrito (cf. Gn.1.29; 17.8; 41.41, 43, 55; 45.20; Ex.9.9; 10.14, 15;
34.2; Dt.34.1).
 Em referência a pessoas: Eventualmente o termo pode ser usado para descrever pessoas e não
lugares: “Longe de ti o fazeres tal coisa, matares o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao
ímpio; longe de ti. Não fará justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn.18.25). Certamente aqui a referência é
ao uso da justiça para com a humanidade e não com o Planeta Terra por assim dizer. Fato similar
acontece em Babel: “Por isso se chamou o seu nome Babel, porquanto ali confundiu o SENHORa
língua de toda a terra, e dali os espalhou o SENHOR sobre a face de toda a terra” (Gn.11.9). Nesse
verso os dois sentidos são observados: (1) Trata-se da confusão das línguas dos povos (2) enquanto
Deus os espalhava pela superfície do Planeta Terra. Observar que essa expressão pode ter essa
conotação ainda na pena de Moisës, nos faz repensar o modo como entendemos tais expressões no
texto de do Dilúvio. Um uso interessante desse tipo é ainda visto em Gênesis: “E toda a terravinha ao
Egito, para comprar de José, porque a fome prevaleceu em todo o mundo” (Gn.41.57). Certamente não
podemos esperar outra interpretação aqui, senão que o texto fala sobre pessoas. Esse uso é comum
na literatura mosaica e no Antigo Testamento (Gn.19.31; Ex. 19.5; cf. Js.23.14; 1Sm.144.25; 2Sm.15.23;
1Re.2.2; 1Cr.16.14; 16.23; Sl.33.8; 66.1; 66.4; 96.1, 96.9; 98.4; 100.1; 105.7; Is.14.7).
 Em referência a um local restrito: Eventualmente a expressão pode ser usada para descrever
porções de toda a terra, e não propriamente a terra toda: “Acaso, não está diante de ti toda a terra?
Peço-te que te apartes de mim; se fores para a esquerda, irei para a direita; se fores para a direita,
irei para a esquerda” (Gn.13.9). Nesse verso o uso é claramente restrito e não se pode pensar
diferente aqui. Em outros textos do Pentateuco esse sentido é óbvio: “Então, disse: Eis que faço uma
aliança; diante de todo o teu povo farei maravilhas que nunca se fizeram em toda a terra, nem entre
nação alguma, de maneira que todo este povo, em cujo meio tu estás, veja a obra do SENHOR; porque
coisa terrível é o que faço contigo” (Ex.34.10; cf.Lv.25.9, 24; Jz.6.37; 1Sm.13.3; 2Sm.18.8; 24, 8;
1Re.10.24; 1Cr.14.17; 1Cr.22.5; 2Cr.9.28 – veja também: Ez.9.9).

 Conclusão: Diante do uso da expressão precisamos exercer certo cuidado quando lemos o texto
do dilúvio, pois é possível que Moisés não esteja dando uma ênfase tão abrangente quanto pensam os
defensores do dilúvio universal. Mas, temos alguma indicação na narrativa do dilúvio que poderia
sugerir que o Dilúvio é Local e não Universal?

b. O testemunho do próprio texto:

É bem verdade que existem algumas observações importantes a serem feitas no texto do dilúvio que
podem confirmar que o Dilúvio narrado nas escrituras não fala de um fato universal, mas local, ainda que
esse local inclua a grande parte do globo.

 O uso de erets: No relato do dilúvio alguns usos do substantivo referente a terra se referem ao
planeta, observe: “A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência. Viu Deus a terra, e
eis que estava corrompida; porque todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra”
(Gn.6.11,12). Note que a idéia de uma terra corrompida aqui certamente fala sobre a humanidade e
não sobre o planeta. No verso 12 fica evidente a equiparação entre a idéia da terra corrompida e de
todo ser vivente como um modo de viver corrompido. Essa idéia é importante, pois apresenta que o
foco do motivo do dilúvio é restrito à humanidade e não a todo o planeta. Assim, não é exigido que o
dilúvio atinja toda a terra. Outro detalhe importante, é que a aliança que Deus faz como Noé inclui
toda a humanidade: “Disse Deus: Este é o sinal da minha aliança que faço entre mim e vós e entre
todos os seres viventesque estão convosco, para perpétuas gerações, porei nas nuvens o meu arco;
será por sinal da aliança entre mim e a terra” (9.12, 13). Sobre esses versos, Rich Deem afirma:
“Gênesis 6, versículos 11 e 12 nos dizem que a terra estava corrompida, apesar de entendermos este
versículo como uma referência ao povo da terra. Da mesma forma, em Gênesis 9:13, o versículo nos
diz que Deus fez uma aliança entre Ele mesmo e a terra. No entanto, mais tarde, versos esclarece que
a Aliança é entre Deus e as criaturas da terra. O texto de Gênesis estabelece claramente (juntamente
com o Novo Testamento) que o julgamento de Deus foi universal em referência aos seres humanos
(com exceção de Noé e sua família)[19]”
 O uso de kol: Em algumas ocasiões o uso de “kol” (tr. Todo) no relato do dilúvio não significa “tudo”
no sentido mais absoluto. Em algumas ocasiões a referência é à abrangência, mas não à totalidade,
observe: “Então, disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da
violência dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra ” (Gn.6.13). Observe que
embora o dilúvio tenha alcançado toda a humanidade não alcançou a Noé e seus familiares. Por isso,
podemos entender que tal afirmação não é absoluta, mas genérica ( cf. Gn.6.17, 19). O mesmo
aconteceu com o término do dilúvio, quando o texto atesta que o dilúvio teria matado todos os seres
viventes, mas isso certamente não incluía a Noé, sua família e os animais da arca ( cf. 7.21).

 O uso de har: O termo hebraico “har” é freqüentemente traduzido por montanha no relato do
dilúvio, mas o termo hebraico é um pouco mais abrangente do que isso. Em um texto, seu uso pode
ser significativo, observe: “Prevaleceram as águas excessivamente sobre a terra e cobriram todos os
altos montes que havia debaixo do céu. Quinze côvados acima deles prevaleceram as águas; e os
montes foram cobertos” (Gn.7.19-20). O termo foi corretamente traduzido pela ARA, usando montes ao
invés de montanhas. Embora a diferenciação léxica não seja definitiva, certamente inclui a
possibilidade de um dilúvio que não tenha submerso o Everest, por exemplo. Alguns autores que se
propuseram a medir o Monte Ararate, onde a Arca parou, afirmam que sua altitude é
aproximadamente 16.500[20] pés de altura, enquanto as montanhas do Himalaia ultrapassam os
26.000 pés! Por essa razão, é prudente tomarmos os relato de Gn.7.19 como uma expressão retórica.
Para explicar esse fato Barnes acresce: “Nenhum monte estava sobre a água dentro do horizonte do
espectador humano[21]”.

 O fim do relato do dilúvio: Duas observações podem ser feitas aqui:


1. Vento: O autor de Gênesis descreve que as águas do dilúvio foram minimizadas por vento,
observe: “Lembrou-se Deus de Noé e de todos os animais selváticos e de todos os animais
domésticos que com ele estavam na arca; Deus fez soprar um vento sobre a terra, e baixaram as
águas” (Gn.8.1). Não devemos minimizar a idéia de o vento fazer as águas baixarem, mas pensar
que na idéia de um dilúvio universal, as águas não seriam escoadas pelo vento, pois não teriam
para onde ir. Note que essa é a tônica que o autor de Gênesis dá ao relato, observe: “As águas
iam-se escoando continuamente de sobre a terra e minguaram ao cabo de cento e cinqüenta dias”
(Gn.8.3, cf. v.5).

2. Deserto Universal: Outro detalhe que merece destaque, é que se tomarmos literalmente as
declarações sobre o fim do dilúvio, teremos que admitir que o globo sofreu, ainda que
temporariamente, da completa ausência de água, observe: “Ao cabo de quarenta dias, abriu Noé a
janela que fizera na arca e soltou um corvo, o qual, tendo saído, ia e voltava, até que se secaram
as águas de sobre a terra (…)Sucedeu que, no primeiro dia do primeiro mês, do ano seiscentos e
um, as águas se secaram de sobre a terra. Então, Noé removeu a cobertura da arca e olhou, e eis
que o solo estava enxuto (…)E, aos vinte e sete dias do segundo mês, a terra estava seca” (Gn.8.6-
7, 13, 14). A mesma ênfase aqui é dada quando o autor narra a abrangência do dilúvio: Portanto, se
o dilúvio foi local, é de se esperar que a parte inundada, ainda que ocupe grande parte do globo,
secou, e não toda a terra como se esperaria na leitura universal do dilúvio.

c. O Testemunho de outras passagens:

Outras passagens nas escrituras parecem favorecer a idéia de um dilúvio local e não universal, observe:

 Sl.104.5-9: “Lançaste os fundamentos da terra, para que ela não vacile em tempo nenhum.
Tomaste o abismo por vestuário e a cobriste; as águas ficaram acima das montanhas; à tua
repreensão, fugiram, à voz do teu trovão, bateram em retirada. Elevaram-se os montes, desceram os
vales, até ao lugar que lhes havias preparado.Puseste às águas divisa que não ultrapassarão, para
que não tornem a cobrir a terra”. O texto parece apontar para o ato da criação divina, que lançou os
fundamentos da terra e a cobriu com água, então elevou os montes e desceu os vales e determinou
que as águas não cobrissem a terra novamente. Esse paralelo com a criação parece sugerir que no
período da criação toda a terra fora coberta por água, mas após criar as montanhas, um limite foi
determinado para que nunca mais as águas cobrissem a terra. Portanto, temos que considerar que o
dilúvio não poderia ultrapassar os limites determinados por Deus.
 Pv.8.27-29: “Quando ele preparava os céus, aí estava eu; quando traçava o horizonte sobre a face
do abismo, quando firmava as nuvens de cima; quando estabelecia as fontes do abismo, quando
fixava ao mar o seu limite, para que as águas não traspassassem os seus limites; quando compunha
os fundamentos da terra”. Nesse verso vemos a presença da sabedoria por toda a criação divina, e
nesse verso vemos que Deus estabeleceu um limite para as águas dos mares para que não
ultrapassassem. Essa é mais uma sugestão de que o dilúvio não teria sido universal.

 2Pe.3.5-6: “Porque, deliberadamente, esquecem que, de longo tempo, houve céus bem como terra,
a qual surgiu da água e através da água pela palavra de Deus, pela qual veio a perecer o mundo
daquele tempo, afogado em água”. Nesse verso Pedro não diz que todo o mundo havia sido destruído
pelo dilúvio, mas que o mundo conhecido naquele tempo fora destruído.

 Outros: Em outros lugares do Novo Testamento, fica evidente que o propósito do dilúvio era a
atribuição da ira divina sobre os homens, e não sobre todo o planeta, observe: “Assim como foi nos
dias de Noé, será também nos dias do Filho do Homem: comiam, bebiam, casavam e davam-se em
casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e veio o dilúvio e destruiu a todos” (Lc.17-26-27);
“Pela fé, Noé, divinamente instruído acerca de acontecimentos que ainda não se viam e sendo
temente a Deus, aparelhou uma arca para a salvação de sua casa; pela qual condenou o mundo e se
tornou herdeiro da justiça que vem da fé” (Hb.11.7). Essa informação reforça a idéia de que o mundo
em foco para destruição era uma referência ao ser humano e não ao planeta. Portanto, o dilúvio tinha
o objetivo de destruir apenas os seres humanos e não submergir o Planeta Terra.

3. Parecer Pessoal:
Para concluir esse aspecto das nossas considerações sobre o dilúvio temos que admitir que nenhuma
das leituras é recebida sem dificuldades. Ainda que outras considerações sobre cada uma das opções
analisadas possam ser vistas, é fundamental reconhecer que o aspecto fundamental do dilúvio não é
perdido em nenhuma das duas análises: A questão fundamental é a Soberania de Deus no exercício de
sua santa e justa Ira contra o pecador e julgamento contra a maldade da humanidade. Tendo dito isso,
pretendo levantar algumas considerações sobras as diferentes opções.

As duas análises não foram feitas à exaustão, mas servem como demonstração das diferentes opiniões
sobre o assunto. Certamente por isso, temos algumas questões ainda não respondidas em ambas as
leituras: Se o dilúvio foi universal, algumas perguntas permanecem sem resposta:

1. Se o dilúvio foi universal e encobriu o monte Everest, como ficou a respiração de Adão, sua família
e dos animais na Arca, uma vez que nessa altitude o ar é extremamente rarefeito?
2. Por que nos faltam provas geológicas que indiquem esse fato?

3. Por que razão o foi? Nenhum ser humano jamais habitou nas mais altas montanhas do mundo. Se o
propósito do dilúvio era um julgamento contra o homem e os animais, o dilúvio não necessitaria ser
universal.

4. As espécies características de regiões específicas do globo, como coalas, e cangurus (Austrália)


foram preservados por Noé? Se sim, como foram capturados?

5. Se o dilúvio foi universal e todas as espécies de animais foram preservadas, a arca era
suficientemente grande para conter todas as espécies existentes?

6. Se o dilúvio foi universal, para onde escoaram as águas do dilúvio?

Por outro lado, se o dilúvio foi local, algumas questões parecem ficar sem respostas:

1. Como explicar os textos que sugerem que o dilúvio também foi uma punição para a terra (6.13;
9.11)?
2. Como evitar a leitura universal em um texto repleto de informações que parecem exigir a idéia de
uma catástrofe universal?

3. Se Deus é o autor do Dilúvio, Ele não poderia tê-lo feito universal, como o texto parece sugerir?

Responder a essas perguntas, não significa resolver os problemas e dilemas de interpretação desse
texto, mas de caminhar em direção a uma resposta mais plausível. Evidentemente, o autor desse artigo
tem certa preferência pela leitura de um Dilúvio Local, que em nenhum momento se propõe a restringir a
ação de Deus, mas de conciliar informações expostas nas escrituras com aquelas encontradas na
natureza.

C. Deus se Arrepende?
Em Gênesis vemos uma declaração interessante sobre Deus, observe: “então, se arrependeu o SENHOR
de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração. Disse o SENHOR: Farei desaparecer da face
da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de
os haver feito” (Gn.6.6, 7). Essa declaração de Moisés sobre as palavras de Deus em relação a
humanidade é sem sombra de dúvidas interessante: Deus se arrepende.

Mas, isso significa que Deus muda? As escrituras são claras quanto ao fato de que Deus não muda,
observe: “Porque eu, o SENHOR, não mudo; por isso, vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos” (Ml.3.6);
“Também a Glória de Israel não mente, nem se arrepende, porquanto não é homem, para que se
arrependa” (1Sm.15.29); “Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes,
em quem não pode existir variação ou sombra de mudança” (Tg.1.17). Mesmo Moisés apresenta Yahweh
como um Deus que não se arrepender: “Deus não é homem, para que minta; nem filho de homem, para
que se arrependa. Porventura, tendo ele prometido, não o fará? Ou, tendo falado, não o cumprirá?”
(Nm.23.19). Entretanto, em Gênesis lemos que Deus se arrependeu. Como compreender o arrependimento
de Deus (Gn.6) e o fato que Ele não se arrepende (Nm23.19?) na visão do mesmo autor? Responder a essa
pergunta tem sido tarefa de todos os estudantes de Teologia de toda a era cristã, e muitas propostas tem
sido oferecidas. Em nosso estudo iremos responder a essa perguntas em três estágios: (1) Definindo
Imutabilidade; (2) Entendendo a ideia de arrependimento; (3) Apresentando nossa visão sobre o assunto
no relato de Gênesis.
1. Deus é imutável?
Sobre a imutabilidade de Deus muita discussão teológica já se formou, seja entre cristãos defendendo
um ponto de vista diferente, seja cristãos defendendo as escrituras aos ataques de não cristãos. É bem
verdade que diversas opiniões existem sobre esse assunto e não é objetivo aqui apresentar todas as
posições. Entretanto, trataremos das duas mais conhecidas e provavelmente mais influentes de onde
opiniões menores ou subseqüentes são formadas: (a) A visão mais tradicional e (b) uma nova visão.
Oferecidas as duas opiniões também daremos nossa opinião e conclusão sobre o assunto.

a. Visão Tradicional:

Já temos visto que as escrituras apresentam a Yahweh como Deus que não muda, mas o que isso
significa? Imutabilidade de Deus é a perfeição que lhe é atribuída pelas escrituras que diz respeito à Sua
capacidade intrínseca de nunca fazer-se apresentar sob outro aspecto. Essa perfeição é aplicada a Seu
Caráter (Tg.1.17), Vontade (Is.46.9-10) e Propósitos (Hb.6.17). Imutabilidade por vezes é reconhecida como
a perfeição absoluta, pelo fato de que Deus é completo, pleno em Seus atributos (Nm.32.19; Sl.33.11;
Ml.3.6; Tg.1.17). Sobre ela, Louis Berkhof afirma:

“A imutabilidade de Deus é necessariamente concomitante com a Sua asseidade. É a perfeição pela qual
não há mudança nele, não somente em Seu Ser, mas também em Suas perfeições, em Seus propósitos e
em suas promessas. Em virtude deste atributo, Ele é exaltado acima de tudo quanto há, e é imune de todo
acréscimo ou diminuição e de todo desenvolvimento ou decadência em Seu Ser e em Suas perfeições.
Seu conhecimento e Seus planos, Seus princípios morais e Suas Volições permanecem sempre os
mesmos[1]”.

Augustus Hopkins Strong definiu essa característica divina do seguinte modo:

“Por imutabilidade entendemos que a natureza, atributos, e Vontade de Deus são isentas de qualquer
mudança. A razão nos ensina que nenhuma mudança é possível em Deus, seja por acréscimo ou
decréscimo, progresso ou degradação, redução ou desenvolvimento[2]”.

Sobre o mesmo tema Vincent Cheung afirma:

“A imutabilidade de Deus procede de sua eternidade. Como não existe um antes ou depois com Deus, Ele
é imutável em Seu Ser e Caráter. Esse atributo é associado com sua Perfeição. Se o Ser Divino já possui
toda a perfeição, então Nele só poderia existir mudanças para pior[3]”.

Lewis Sperry Chafer complementa:

“Em nenhuma esfera ou relacionamento Deus está sujeito a mudar. Ele não poderia ser menos do que é, e,
visto que Ele enche a todas as coisas, Ele não pode ser mais do que Ele é (…) Não somento não há
mudança no próprio Deus, mas os princípios morais que Ele publicou permanece[4]”

Henre Clarence Thiessen adenda:

“A imutabilidade de Deus se deve à simplicidade de sua essência (…) Deve-se também à sua existência
necessária ou auto-suficiente. Aquele cuja existência não é causada, por necessidade de sua natureza,
tem que existir como existe[5]”.

Vale apena lembrar-se da colocação de Gordon Clarke sobre isso:

“Se a autoexistência pudesse mudar isso tornaria a existência dependente, a eternidade se transformaria
em tempo; a perfeição em imperfeição e, portanto, Deus se transformaria em não Deus. A imutabilidade
garante que nenhuma das perfeições divinas mude[6]”
De um modo muito claro está definido pela Teologia Cristã Tradicional que Deus a Imutabilidade de Deus
faz parte do seu Ser e Caráter e que todos os Atributos Divinos são igualmente imutáveis. Na visão de
Cheung, entendemos que a ideia de um ser Supremamente Perfeito, mudanças seriam apenas em direção
à degradação, o que é impossível a Deus, pois não é, nem pode ser tentado pelo mal (Tg.1.13). Isso faz
todo sentido com o que lemos nas escrituras a respeito de Deus. As implicações de um Deus que não se
arrepende e não muda, conforme vemos na visão Chafer, é um Deus confiável cuja palavra e decreto não
podem não se cumprir. Ele não desiste de suas intenções, ou seja, é fiel e confiável, digno de ser exaltado
e adorado. A visão tradicional presa por um Deus Fiel à sua Palavra e que por ser além do tempo, ter todo
o conhecimento, poder e perfeição está além da possibilidade de mudança. Sobre isso Ryrie afirma:

“A imutabilidade oferece conforto e segurança de que as promessas de Deus não falharão (Ml.3.6;
2Tm.2.13). A imutabilidade lembra-nos de que a atitude de Deus em relação ao pecado, por exemplo, não
muda. Logo, Deus nunca pode ser coagido ou induzido à mudança[7]”

É na imutabilidade de Deus que encontramos a segurança da salvação, a certeza da vida eterna, a vitória
sobre o mal e o cumprimento cabal de todas as promessas feitas no passado. Sua Palavra jamais
passará, pois é Palavra Daquele que não muda e é Fiel. Yahweh, o Deus verdadeiro não muda. Mas, ainda
é importante perguntar: Como podemos saber que Deus não muda? Sobre a possibilidade de que Deus
não pode mudar, existem três argumentos lógicos, fundamento nas sagradas escrituras[8]:

 Argumento da Eternidade: Para que uma mudança possa existir, deve existir um “antes” e um
“depois”. Para que um “antes” e um “depois” existam é necessário uma cronologia. Para que a
cronologia exista, é necessário que o objeto da mudança seja um ser temporal. Logo, não se pode
aplicar mudanças a Deus, pois é Eterno e atemporal (Jo.17.5; 1Tm.1.9).

 Argumento da Perfeição: Uma mudança pode ser para “melhor” e para “pior”. Se não existe
diferença não existe mudança. Ou algo necessário é acrescentado ou algo necessário é perdido. Mas
Deus é perfeito. A perfeição de Deus implica em que Ele seja “ausente de ausências”, ou seja, Deus é
completo (Mt.5.48).

 Argumento da Onisciência: Quando alguém muda de ideia, é por que recebeu uma nova
informação que anteriormente não conhecia. Contudo, Deus é onisciente, conhecedor dos infinitos
fins das infinitas possibilidades. Ele conhecia a situação. Sendo assim, as situações mudaram e
demandaram uma atitude diferente (Sl.40.5; 139.17, 18; 147.5; Is.40.28; Rm.11.33).

b. Uma nova visão

Como vimos, diante das escrituras e da teologia cristã, o Deus das escrituras é um Deus que não muda.
Entretanto, alguns pensadores têm entendido que isso significa que ele não interage com a humanidade e
por isso não é pessoal. O Deus absolutamente transcendente, como a Teologia Cristã Tradicional afirma,
não é compatível com a ideia de um Deus que se permite interagir com Sua Criação. Essa visão não é
recente e estende suas raízes desde as mais antigas ideias panteístas do passado. Para explicar esse
processo, Berkhof afirma:

“O teísmo sempre considerou Deus como um Ser pessoal, absoluto, de perfeições infinitas. Durante o
século XIX, quando a filosofia monística estava em ascendência, tornou-se comum identificar o Deus da
teologia com o Absoluto da filosofia. Mais para o fim do século, porém, o termo “Absoluto”, como uma
designação para Deus, caiu em descrédito, em parte por causa de suas implicações agnósticas e
panteísticas, e em parte como resultado da oposição à ideia do “Absoluto” na filosofia, e do desejo de
excluir toda metafísica da teologia.[9]”

A aproximação de ideias não monoteístas à teologia cristã e a absorção do conceito pluralista da


divindade acabou por rejeitar a mentalidade da Teologia Cristã Tradicional de um Deus Absoluto, e passou
a vê-lo como um Ser sujeito à alteração de planos, propósitos e conseguintemente do seu próprio ser.

A transcendência divina foi subvertida pela defesa da imanência absoluta, ou seja, o Deus Absoluto foi
substituído pelo Deus “relacional”, aproximado do homem, comparável ao homem, à imagem do homem. A
ideia é que a dinâmica do relacionamento exclusivamente imanente de Deus em relação a um mundo em
evolução acontece em um processo contínuo e intercambiável de alterações no relacionamento e no
caráter, tanto de um como de outro. Segue-se que, em conformidade com o progresso da humanidade e
de sua visão de Deus, há uma adaptação do caráter e do relacionamento do Deus com suas criaturas. Ou
seja, Deus não é Perfeito ou Completo, está em processo de formação e sua interação com a humanidade
o transforma, modifica. Ou seja, para esses pensadores, para Deus ser verdadeiramente pessoal, Ele
precisa ser suscetível à mudança. Para defender essa visão, Nelson Pike afirma:

 Se Deus é Atemporal Ele não é Presciente: Alguns textos apresentam a Deus como capaz de
prever o Futuro (Rm.8.29; 1Pe.1.2). Porém, não há futuro para quem não está inserido no Tempo. Se
Deus é atemporal, o tempo é um eterno e único agora, assim Ele não prevê ou antevê, mas apenas vê.
Aqui nota-se um dilema: Ou Aceitamos uma concepção “bíblica” de Deus e rejeitamos a concepção
grega ou o inverso.

 Se Deus é Atemporal Ele não Criou o Universo: Se Deus é Atemporal não pode agir no tempo,
portanto não teria criado. Contudo, as escrituras apresentam uma criação sendo realizada no Tempo.
Portanto, um Deus Atemporal não poderia ter Criado um Universo Temporal. Deus torna-se, então,
criador, temporal e mutável.

 Se Deus é Atemporal Ele não uma Pessoa Completa: Uma pessoa completa está sujeita a
corresponder intelectual, emocional e volitivamente a pessoas. Contudo, o conceito de
Atemporalidade implica em Imutabilidade, que por sua vez aponta para alguém que não pode mudar
de opinião, de sentimento e de vontade. Tornar-se-ia imóvel. Portanto, um ser que não possa
compadecer-se, e que por certo é impassível de tal sentimento, é menos pessoal que aqueles que
assim se procedem.

 Se Deus é Temporal é mais digno de Adoração: Se Deus pode compadecer-se de mim, mudar de
opinião, vontade, Ele é mais capaz de interagir com a humanidade e por isso ser mais digno de
adoração. Por que razão dedicar-se em clamor a um Deus que não Muda e não se Compadece?

 Se Deus é Atemporal Ele não está de acordo com sua Revelação: Se Deus é Atemporal, Ele é
Imutável. Contudo as Escrituras apresentam suas mudanças em resposta a orações (Js.10), ou
arrependimento dos homens (Jn.3) ou por causa da maldade humana (Gn.6). Algumas construções
lingüísticas apresentam um conceito muito próximo a Temporalidade (Sl.90.2). As expressões como
“pelos séculos dos séculos” (Ap.20.10) o evidenciam.

 Conclusão de Pike: “Concluirei que a doutrina da atemporalidade não deve ser incluída num
sistema de Teologia Cristã”. Platão é a origem da doutrina da atemporalidade, “Mas Platão não era
cristão – nem posso pensar em qualquer razão porque um cristão deva aceitar o julgamento de Platão
sobre esta questão”. Deus torna-se então temporal e mutável

Nesse modo de visualizar a Deus, a idéia um arrependimento divino, uma decepção cósmica é evidência
suficiente para se comprovar que as escrituras assim apresentam a pessoa de Deus. Por outro lado, a
Teologia Cristã Tradicional repudia a ideia de um Deus que muda, e tem nas escrituras respaldo
suficiente para defender esse aspecto. Portanto, vemos um dilema aqui, mas, como tratá-lo?

C. Conclusão

Em primeiro lugar devemos notar que a visão da Teologia Cristã Tradicional soa excessivamente dura e
apresenta-se sujeita à má interpretação. Note que Pike critica a ideia de um Deus Imutável, pois o
assemelha a uma porta: Não importa o quanto você procure se relacionar (orar) ela, ela não irá deixar de
ser uma porta.

Em segundo lugar, deve ficar evidente que a ideologia de Pike não parece em conformidade com as
escrituras. As colocações de Pike conformam-se muito mais com a filosofia do que com a teologia cristã
de acordo com as escrituras, por outro lado sugerem visões alternativas interessantes. Por isso, acredito
que a verdade aqui está sobtensão aqui: Alguns tendem a defender um Deus tão imutável que
eventualmente é visto como imóvel e impassível; outros o preferem tão relacional e próximo, tão perto e
presente, que não o podem imaginar Soberano como as escrituras parecem dizer que Ele é. Um
movimento parece responder ao outro, mas sem chegar de forma alguma ao cerne da questão ou resolvê-
lo.
A verdade, por outro lado, compreende a transcendência de Deus, o fato de que é exaltado acima de tudo
e todos por que é o que é e que ninguém jamais poderá sê-lo, e Sua imanência, o fato de que Deus se faz
presente no tempo, ativo, participativo, de modo que sua Transcendência não minimiza sua Pessoalidade
nem sua Imanência sua Soberania. Deus é completamente Soberano e Pessoal, perfeitamente
transcendente e imanente: “Acaso, sou Deus apenas de perto, diz o SENHOR, e não também de longe?”
(Jr.23.23).

Por isso, é necessário avaliarmos se as premissas de Pike em busca de um Deus pessoal são verdadeiras:

 Se Deus é Atemporal Ele não é Presciente: Pike defendeu a ideia de um Deus temporal por Ele
prever o futuro. Teria Pike se lembrado de como o próprio Deus vê suas promessas e decretos: “Eu
sou Deus e não há outro semelhante Amim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e
desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de
pé, farei toda a minha vontade (…) E o disse, eu também o cumprirei; tomei este propósito, também
executarei” (Is.46.9-11). A divisão entre Pré-ciência e Onisciência nada mais é do que um equívoco
linguístico, pois um Deus que sabe todas as coisas (Onisciente) não apenas as sabe por previsão, mas
por decreto. Aliás, se Pike assumir que o termo presciência de 1Pe.1.2 fala sobre a capacidade de
previsão de Deus, que diremos de At.2.23 que fala sobre a morte de Cristo, de acordo com o
determinado propósito e presciência de Deus? Teria Deus apenas antevisto a morte de Cristo?
Certamente não. Nesse sentido, presciência e determinado propósito são características similares.
Portanto, dizer que Deus está no tempo pois é capaz de anunciar o futuro é uma triste falácia retirada
de qualquer lugar, menos das escrituras.

 Se Deus é Atemporal Ele não Criou o Universo: Sobre a ideia de um Deus atemporal não atuar no
tempo, temos que entender que a premissa não é nem lógica, pois, em outras palavras Pike afirma
que a Eternidade de Deus o faz Impessoal. A premissa fundamental de Pike aqui é que a pessoalidade
depende do desenvolvimento que criaturas temporais sofrem no passar de suas vidas, e que a
Eternidade privaria Deus de desenvolver, e portanto de se relacionar. Entretanto, não se compara o
Criador com suas criaturas: O paralelo é o contrário: Por que Deus é pessoal suas criaturas o podem
ser. Por ser criador, deve ser eterno, pois é anterior ao universo, e segundo as escrituras claramente
posterior: “Assim diz o SENHOR, Rei de Israel, seu Redentor, o SENHOR dos Exércitos: Eu sou o
primeiro e eu sou o último, e além de mim não há Deus” (Is.44.6). É supremamente elevado, eterno e
pessoal, pois existe desde a eternidade do modo trino. O relacionamento amoroso da Trindade desde
antes da fundação do mundo é prova suficiente de que a Eternidade em nada minimiza sua
pessoalidade (Jo.17.24; Gn.1.2, 26).

 Se Deus é Atemporal Ele não uma Pessoa Completa: Pike argumenta que um Deus atemporal
deverá ser em última análise um Deus imóvel e impassível, e por isso não pode interagir com sua
criação. Essa afirmação, entretanto, provém tão somente da imaginação em repúdio às escrituras,
pois o Deus apresentado pelas escrituras tem todas essas características: “…do Pai das luzes, em
quem não pode existir variação ou sombra de mudança” (Tg.1.17), comprovando Sua Imutabilidade;
“Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros” (Tg.4.8) comprovando sua mobilidade; “e isso
lhe pesou no coração” (Gn.6.6) comprovando sua suscetibilidade à emoção. Certamente, isso não o
faz um ser cujo sentimento sobrepõe sua determinação, como se pudesse ficar descontrolado, mas
isso evidência um Deus que move e se comove com sua criação, sem ser sujeito à alteração de seu
caráter, pessoa e plano.

 Se Deus é Temporal é mais digno de Adoração: Um deus suscetível a mudança não me parece um
Deus digno da minha confiança, pois assemelha-se ao homem, que não apenas muda de opinião como
não é confiável no cumprimento de suas promessas. Portanto, um deus mudável não é confiável, e,
portanto não mais digno de adoração, mas de pesar. Viver na confiança e dependência de um deus
que não garante o que promete é o mesmo que correr atrás do pecado, que isso faz com plena
autoridade: nunca entrega a felicidade que promete.

 Se Deus é Atemporal Ele não está de acordo com sua Revelação: Nesse quesito há relativo acerto,
pois Pike parece reagir não primeiramente às escrituras, mas a visão tradicional das escrituras que
defendem a impassibilidade de Deus e sua imobilidade. Já demonstramos brevemente que ambas as
características são vistas em Deus e não podem ser apenas descartadas por preferência teológica.
Contudo, diante delas, a premissa de Pike se demonstra equivocada, pois segundo as escrituras Deus
É Atemporal e Pessoal, e isso está de acordo com sua Revelação.
A verdade é que a visão tradicional sempre entendeu a Deus como um Ser imutável, em conformidade
com as escrituras, mas eventualmente ignorava a realidade de um Deus que interage com Sua Criação.
Por outro lado, a visão mais recente (que na verdade é uma adaptação de antigas ideias) exalta a ideia da
interação divina em detrimento e rejeição de Sua Soberania. Toda essa movimentação teológica
encontra-se no fato da má compreensão da Imanência e da Transcendência de Deus. Por exemplo, Paulo
defendeu ambas as ideias. Note que em At.17.24-29 Paulo apresenta um Deus extremamente Soberano e
Autoexistente como Pessoal e Presente:

“O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em
santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa
precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais; de um só fez toda a raça
humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e
os limites da sua habitação; para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que
não está longe de cada um de nós; pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos
vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração. Sendo, pois, geração de Deus, não devemos
pensar que a divindade é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e imaginação do
homem”

O Deus Todo-Transcendente de Paulo é o Criador do universo e de tudo o que existe, Ele de nada depende,
além de ser o doador da vida de toda criação. Por outro lado é extremamente pessoal, pois se faz perto,
presente até mesmo daqueles a quem Paulo anunciava o evangelho, homens pagãos. Ele é o Deus de
quem derivamos a existência, que está perto de cada um de nós, mas que não pode ser assemelhado à
nada que esteja na imaginação do homem.

Portanto, é seguro afirmar que o fato de ser Deus Soberano, Autoexistênte, Imutável em nada reduz sua
Pessoalidade e Interação com Sua Criação. Aliás, se todas essas características divinas estiverem
ajustadas em conformidade com as escrituras, ficará evidente o exagero, seja na defesa da Imutabilidade
de Deus ou de Sua Pessoalidade. O importante é demonstrar que ambas as ideias são apresentadas sobre
Deus e nem por isso Ele é mais ou menos Deus: A verdade é que Deus o é Pleno em ambos os aspectos e
qualquer demérito ou acréscimo criará um novo deus, e o Deus das escrituras terá sido manipulado pela
imaginação do homem.

2. O que significa a expressão “Deus se arrependeu”?


O que vimos até aqui certamente nos demonstra que apesar de Deus ser Imutável isso não significa que
Ele é um ser imóvel ou impassível. Então, diante da realidade bíblica a respeito de Deus, como podemos
entender que Deus se arrependeu? Os que defendem a completa imobilidade de Deus dirão que esse é o
caso da adaptação da linguagem adaptando os infindos caminhos de Deus aos finitos caminhos dos
homens. Já os que defendem a completa imanência de Deus dirão que aqui temos clara evidência de que
Deus muda. Entretanto, gostaria de propor uma ideia alternativa para a visão do arrependimento divino,
que não exclui a idéia da adaptação da linguagem, mas que rejeita a ideia da susceptividade de Deus à
mudança.

A grande maioria dos teólogos tradicionais defende que aqui ocorre um recurso didático chamado
antropopatia, que nada mais é do que atribuir sentimentos humanos a Deus. Isso é similar ao
antropomorfismo, que atribui formas humanas ao Ser divino, como as mãos de Deus, os olhos do Senhor,
entretanto, tal recurso fala da aplicação de sentimentos humanos a Deus. Mesmo Calvino viu o
arrependimento divino desse modo e afirmou:

“O mesmo significado pelas outras formas de expressão pela qual Deus é descrito humanamente a nós.
Porque nossa insuficiência não pode alcançar a excelsitude dele, qualquer descrição que nós recebemos
dele deve ser abaixada a nossa capacidade para ser inteligível[10]”

Calvino rejeitava abertamente a idéia de que Deus tem sentimentos e emoções e o apresentava como
“incapaz de todo sentimento de perturbação” e, “portanto, quando nós ouvimos que aquele Deus está
Irado, nós não devemos imaginar que há alguma emoção nele, mas deve-se considerar o modo de fala
acomodado a nosso modo de sentir[11]”. É por isso que em seu comentário de Gênesis ele afirme:
“O arrependimento que aqui é atribuído a Deus, não pertencem a ele, mas tem é referido aqui para a
nossa compreensão dele. Como não podemos compreender como ele é, é necessário que, para o nosso
bem Ele seja em certo sentido, transformar-se. Que o arrependimento não pode ter lugar em Deus,
facilmente surge a partir da consideração de que nada acontece, é por Ele inesperado ou imprevisto. O
mesmo raciocínio e observação aplica-se o que se segue, que Deus foi afetada com pesar. Certamente
Deus não depressivo ou triste, mas permanece para sempre como ele em seu repouso celestial e feliz:
ainda, porque não poderiam ser conhecidos quão grande é o ódio de Deus e ódio do pecado, pois o
Espírito acomoda-se à nossa capacidade[12]”

Entretanto, Deus fez questão de usar a linguagem como modo de comunicação de seus planos e usou
homens para transcrevê-lo fielmente. Ele também usou Seu Santo Espírito para superintender os seres
humanos em pleno uso de suas faculdades mentais para transcrever do melhor modo o que intencionou
transmitir. Por isso tendo a crer que essa palavra é a melhor palavra hebraica para descrever o que
acontece nesse texto, pois foi assim inspirada por Deus debaixo da supervisão do Espírito Santo.

A ideia da adaptação da linguagem só seria possível se conhecêssemos a linguagem divina e


soubéssemos o que Ele quis dizer em Sua linguagem, do contrário, é mera especulação. Do ponto de vista
da tradução, só sabemos que um texto é uma paráfrase ou adaptação do original quando conhecemos o
original, quando não o conhecemos, entendemos que o texto traduzido é a melhor representação do
original. A não ser que Calvino tenha acesso a excelsitude de Deus, não pode saber se isso é de fato uma
adaptação de linguagem. Na verdade, entendo que a ideia do antropopatismo aqui é uma fuga sutil de um
tema complicado para aqueles que não veem em Deus a susceptibilidade à emoção.

Contudo, devemos nos lembrar de que o fato de ter Deus se arrependido não expressa uma ocasião de
alteração de Sua Personalidade, Plano ou Vontade, e isso pode ser demonstrado pelo próprio livro de
Gênesis e pelo próprio termo à luz do todo das escrituras. Isso, de certa forma, é uma acomodação da
linguagem, mas prefiro entendê-la não nos moldes de Calvino, mas em reconhecimento da falibilidade,
falência e insuficiência da linguagem.

Em primeiro lugar, nas escrituras já nos temos demonstrado até aqui que Yahweh é um Deus poderoso e
que faz o que quer quando quer. A ideia de um Deus Plenamente soberano e controlado, que faz tudo de
acordo com um claro planejamento, pois é organizado e supremamente inteligente e sábio para arquitetar
o universo do modo como o foi. No relato da criação, também conhecemos um Deus que é poderoso e
doador, é capaz de criar e dar-se por sua criação. Na criação do homem vemos um Deus que faz o homem
em conformidade com sua Imagem e Semelhança. A isso entendemos que tudo o que o ser humano é, o é
em dependência da existência de Deus. Se soubermos e pensamos, é por que nosso Criador o é e faz em
proporções Eternas. Se amamos é por que Ele nos amou primeiro. Toda nossa constituição imaterial
reflete e depende do nosso criador. Nossa capacidade de se relacionar provém do nosso Criador, do
mesmo modo que nossa capacidade de sentir. Todavia, nós somos criaturas, o hoje o somos de modo
carnal, por isso não podemos supor que Ele sabe ou sente como nós, mas que nossa capacidade de saber
e sentir provém do nosso Criador. No relato de Caim e Abel, conhecemos um Deus interativo e ativo no
relacionamento com Suas criaturas, e é apresentado como um Deus paciente e misericordioso que
determina o juízo do modo como lhe apraz. Na descrição das genealogias não o vemos ausente, mas
participativo e relacionável com sua criação (Enos, Enoque, Noé). No relato do dilúvio, vemos um Deus
que vê e intervém do modo que lhe apraz. Por isso, não podemos isolar a sentença referente a seu
arrependimento do contexto do todo do livro de Gênesis. Um fato importantíssimo que se deve considerar
é que Deus já fizera a promessa de libertação da raça humana no relato da queda e que tal promessa não
ficaria sem cumprimento: Sabemos por fato que Deus é Fiel. Portanto, não podemos nem supor que Deus
faltou com planejamento, ou que teria sido pego de surpresa pela maldade do homem. Isso significa que
apesar de Seu Controle Soberano não ter sido perdido, isso não o isenta de sentir pesar por Sua Criação.

Em segundo lugar, temos que admitir que o texto de Gênesis 6 apresenta a Yahweh como um Deus
participativo e interativo com sua Criação. Note que o arrependimento divino não acontece no texto
como uma surpresa: Deus já havia sido apresentado como desagradado (v.3) e que após seu
arrependimento Ele decretou o juízo que entendeu ser necessário para a ocasião da humanidade (v.7). Há
clara ideia de participação e interatividade divina nesse texto e tal relato não pode ser minimizado a
partir do todo das escrituras. Os defensores da impassividade de Deus verão nesse texto o vigo do juízo e
a manutenção da promessa de Gn.3.15 em Noé, verdades que não ousamos negar. Os defensores da visão
mais aberta, dirão que nesse texto vemos a interação de Deus e sua mudança de opinião ante a situação
da humanidade, verdade que não aceitamos por completo, mas não ousamos descartar por completo. O
fato é que entendo que o texto de Gênesis 6 demonstra ambas as idéias concomitantemente: Ainda que
sua promessa seria cumprida, que Seu propósito Redentor não se tenha alterado, que Deus não se
mostrou mal planejador Ele muda de atitude em relação a humanidade. A expressão “O meu Espírito não
agirá para sempre no homem, pois este é carnal” (v.3) é uma clara demonstração desse fato, e
provavelmente a primeira medida de Deus sobre a crescente perversidade da humanidade.

Em terceiro lugar, devemos lembrar que o termo hebraico por trás da tradução portuguesa para
“arrependimento” é bem mais abrangente do que o que entendemos com o termo em português. O termo
hebraico usado aqui é “nacham” e tem um dos três significados básicos dependendo do contexto:

 Experimentar pesar ou sofrimento emocional: Esse sentido é relativamente comum e


eventualmente é demonstrado no texto hebraico no passado: “Então, o povo teve compaixão de
Benjamim, porquanto o SENHOR tinha feito brecha nas tribos de Israel” (Jz.21.15; cf. Jz.21.15;
1Sm.15.11,35; Jó.42.6; Jr.31.19).

 Consolar ou ser consolado: Esse uso é relativamente frequente no AT e claramente encontrado na


literatura Mosaica: “E Isaque trouxe-a para a tenda de sua mãe Sara, e tomou a Rebeca, e foi-lhe por
mulher, e amou-a. Assim Isaque foi consolado depois da morte de sua mãe” (Gn.24.67; cf. 27.42; 37.35;
50.21; 38:12; 2Sm.13.39; 77.3; Sl.1.24; Is.1.24; Jr.31.15; Ez.14.22; 31.16; 32.31)

 Arrepender-se ou mudar de mente: Em alguns textos não teologicamente discutidos a ideia de


mudança de mente é encontrado, mas com alguma dificuldade: “Tendo Faraó deixado ir o povo, Deus
não o levou pelo caminho da terra dos filisteus, posto que mais perto, pois disse: Para que,
porventura, o povo não se arrependa, vendo a guerra, e torne ao Egito” (Ex.13.17; cf.Dt.32.36; )

É importante dizer que o sentido básico do termo, e certamente mais frequente no AT é o de “consolar”.
Das 108x que é usado no AT pelo menos em 66x a ideia está relacionada com o consolo. Apesar de o
termo ter conotações de arrependimento, mesmo que aplicado a seres humanos, esse não é o termo
normalmente utilizado para isso. Normalmente o AT usa o termo “shuwb”, que tem por ideia básica o
voltar-se (Gn.3.19; 8.12; 18.14), para descrever a ideia do arrependimento como mudança de
comportamento e atitude (Gn.27.45; Ez.14.6).

Tendo observado isso, é verificável que o sentido de “consolo” não é contextualmente aceitável em Gn.6
ao passo que a ideia de arrependimento e pesar são as mais indicadas para o texto e a primeira
certamente tem sido favorecida largamente nas versões modernas das escrituras, seja em inglês (ASV,
KJV) ou em português (ACF, ARA, ARC, NVI), entretanto, não tem sido a opção unânime. Por exemplo, a
NIV, versão inglesa da Nova Versão Internacional, optou por assim verter o texto: “O Senhor se afligiu por
ter feito o homem na terra”. A NET Bible, por sua vez, preferiu: “O Senhor se lamentou de ter feito o
homem sobre a terra”. Essas duas leituras além de serem lexicograficamente possíveis, parecem
contextualmente mais aceitáveis.

É bem provável que toda essa discussão tenha nascido na má compreensão do termo hebraico e do
termo latino visto na Vulgata. De modo muito interessante, a Vulgata usou o termo “paeniteo” que
também carrega a ideia de “pesar” e “arrependimento”[13]. Entretanto, nem o inglês nem o português tem
um termo que lhe seja equivalente e por isso, sempre que passamos por esse texto precisamos investir
na explicação do termo. Considerando que o termo hebraico pode ser entendido como uma expressão de
caráter emocional, e que o contexto é favorável a essa leitura, entendo que tanto a NET Bible como a NIV
são representações mais exatas para se descrever o texto. Aliás, é importante notar que Moisés também
usa o termo “’’atsab” traduzido por pesar em português. A ideia do termo é claramente a demonstração
de dor e sofrimento, que em Gn.6.6 descreve o coração (hb. leb) do próprio Deus. Sobre isso, Sailhamer
afirma: “Ao tornar Deus o sujeito dessas do verbo no verso 6, o autor nos demonstra que o pesar e o
sofrimento sobre os pecados dos seres humanos não era algo que apenas os homens sentiam. O próprio
Deus lamentou pelo pecado do homem (v.7)[14]”

Derek Kidner sobre esse texto afirma: “Esta é a maneira de falar do Velho Testamento, em que emprega
as expressões mais ousadas, contrabalanceadas em outros lugares, se necessário, mas não
enfraquecidas. A palavra pesou tem afinidades com as palavras aflição e fadiga de 3.16, 17. Agora Deus
sofre por causa do homem[15]”
Ernest Kevan quando fala sobre seu entendimento desse texto, afirma: “O Deus revelado pelas escrituras
é capaz de sentir tristeza e de ser entristecido. Ele tem reações reais para com a conduta humana. Não
obstante, é impossível conceber o Deus onisciente a lamentar-se por algum falso movimento por ele feito.
O arrependimento de Deus não é uma alteração quanto aos propósitos, e sim, uma mudança de
atitude[16]”

Diante dessas considerações fica evidente que a Imutabilidade do Propósito de Deus foi preservado na
história do dilúvio sem que isso excluísse a idéia de Interação de Deus com Sua Criação por seu
sofrimento emocional e pesar, e, isso é plenamente verificável pelos termos hebraico utilizados no
próprio texto.

3. Conclusão
Portanto, diante da Plena Imutabilidade de Deus e de sua Participação ativa na história do homem,
entendemos que em Gênesis 6, Moisés relata o sofrimento divino em relação a maldade da humanidade.
Isso, todavia, não fala sobre a alteração divina de Seu Propósito, Vontade, Caráter ou Ser, mas fala de sua
Interação com Sua Criação: Deus lamentou pelo desenvolvimento da maldade na Sua Criação e isso lhe
pesou no coração, ou seja, o desagradou.

D. Outras Questões
Outra questão que tem feito pessoas rejeitarem o relato bíblico do dilúvio é sua relação com as águas.
Entre os cristão também encontramos certas dúvidas com relação ao evento descrito nas escrituras em
função da quantidade de água que vê-se nesse relato. Nesse tópico tentaremos tratar desse assunto, sem
a pretensão de esgotar as perguntas feitas ao texto.

1. De onde vieram as águas do dilúvio?


O texto de Gênesis oferece ao menos duas indicações de origem da água: Fontes do Grande Abismo e as
Janelas do Céu. Certamente, vemos nessas duas expressões, analogias compreensíveis para a
mentalidade do autor e leitor original, de modo que isso não significa literalmente que exista uma janela
do céu. Mas, diante da compreensão do Antigo Testamento, como podemos entender essas expressões?

a. Fontes do Grande Abismo:

O texto de Gênesis diz: “No ano seiscentos da vida de Noé, aos dezessete dias do segundo mês, nesse
dia romperam-se todas as fontes do grande abismo, e as comportas dos céus se abriram” (Gn.7.11). Keil
& Delitzsch sustentam que as fontes do grande abismo são reservatórios ocultos dentro da terra que se
irromperam e alagaram rios e inundaram oceanos, resultando no dilúvio[22]. Clarke, na tentativa de
explicar esse fato afirma:

“Parece que uma imensa quantidade de águas ocupava o centro da Terra antediluviana, e como estes
irromperam a superfície, por ordem de Deus, o circumambient strata deveria afundar, a fim de preencher
o vazio ocasionado pela elevação das águas. Este é provavelmente o que se entende por romper as fontes
do grande abismo. Estas águas, com o mar na superfície da Terra, poderia ser considerada suficiente
para submergir todo o globo[23]”.

Aqueles que defendem um dilúvio universal encontram nessa expressão a possibilidade de que o dilúvio
tenha afligido todo o globo. De fato, tem-se comprovado que existe uma quantidade abundante de água
abaixo da superfície. Os cálculos hoje variam entre 3x a 10x a quantidade de água que existe acima da
superfície da terra hoje. Certamente, essa larga quantidade de água seria suficiente para cobrir toda a
terra e a ruptura das fontes do grande abismo, em se tratando dessas águas, poderia cobrir toda a terra.
A expressão “águas do grande abismo” foi usada no AT em referência aos oceanos, observe: “Não és tu
aquele que secou o mar, as águas do grande abismo? o que fez do fundo do mar um caminho, para que
por ele passassem os remidos?” (Is.51.10; cf.Am.7.4; Pv.8.28). Há clara equiparação entre as duas ideias,
ou seja, Isaías se refere às águas do mar como as águas do grande abismo. Por outro lado, essa
expressão também foi usada para descrever as águas subterrâneas, observe: “As águas o fizeram
crescer, as fontes das profundezas da terra o exalçaram e fizeram correr as torrentes no lugar em que
estava plantado, enviando ribeiros para todas as árvores do campo” (Ez.31.4; cf. Ez.31.15; Sl.36.6). É bem
possível que pela dimensão do evento descrito em Gênesis as fontes de grande abismo sejam uma
referências as duas ideias. Aos que defendiam a ideia de que não existiria água suficiente no planeta
para submergir todo o globo agora encontram alguma dificuldade em reagir a ideia de que no dilúvio
águas subterrâneas teriam sido fonte para o evento. Por outro lado, os defensores do dilúvio universal
ainda precisam provar que toda a água foi usada.

b. Janelas dos Céus:

O Texto de Gênesis também afirma: “No ano seiscentos da vida de Noé, aos dezessete dias do segundo
mês, nesse dia romperam-se todas as fontes do grande abismo, e as comportas dos céus se abriram, e
houve copiosa chuva sobre a terra durante quarenta dias e quarenta noites” (Gn.7.11, 12). Sobre isso,
Barnes atesta: “Parece que o dilúvio foi produzido por uma comoção gradual da natureza em grande
escala. As nuvens foram dissolvidas num incessante aguaceiro[24]”.

É bem provável que essa expressão seja um retorno a realidade da Criação tal como apresentada por
Moisés, observe: “Fez, pois, Deus o firmamento e separação entre as águas debaixo do firmamento e as
águas sobre o firmamento. E assim se fez” (Gn.1.7). Segundo esse verso, havia água acima do firmamento
e certamente podemos entendê-la como uma referência a água em forma de vapor. Sobre esse verso, já
dissemos:

“Esse verso também nos diz que houve uma separação efetiva das águas: aquelas que ficaram abaixo do
firmamento fazem referência aos mares e rios, enquanto aquelas que ficaram acima do firmamento se
referem ás nuvens que passavam a povoar a atmosfera. É bem verdade que alguns entendem que as
águas que estavam acima do firmamento como o indício de uma grande camada de vapor que poderia
manter a terra em melhores condições para a manutenção da vida e por isso, as primeiras personasgens
bíblicas vivessem por tanto tempo e a quantidade de água envolvida no dilúvio[25]”

2. Quanto tempo durou o dilúvio?


Vamos observar alguns dados oferecidos pelo texto:

1. Gn.7.4, 10: Segundo esse texto vemos que Noé e sua família esperaram 7 dias pelo dilúvio;
2. Gn.7.12, 17: O texto descreve 40 dias e 40 noites de chuva sobre a terra.

3. Gn.7.24: Durante 150 dias as águas prevaleceram sobre a terra (cf. 8.3).

4. Gn.8.6: Descreve que as águas escoaram durante 40 dias.

5. Gn.8.10: Fala sobre mais sete dias de espera para as águas baixarem.

6. Gn.8.12: Mais sete dias para as águas escorrerem completamente.

Somado todas as informações do dilúvio, podemos perceber que trata-se de 371 dias entre o primeiro dia
de espera e finalmente a saída da Arca. Com todo esse tempo, certamente todos os seres humanos
teriam sido exterminados.

3. A Arca era suficientemente grande para abrigar todos os


animais?
Outra questão que tem levado pessoas a duvidar do relato bíblico do dilúvio é seu tamanho: Era a arca de
Noé suficientemente grande para abrigar todas as espécies de animais existentes? Era
possível/necessário assim proceder? O que o texto nos ensina sobre isso? Vamos ao texto:
a. O tamanho da Arca:

Sobre o tamanho da arca, Krell atesta[26]:

Dimensões Arca de Noé Equivalente Contemporâneo

Comprimento 138 metros 1½ Campo de Futebol Americano

Largura 23 metros 7 Vagas de Estacionamento

Altura 14 metros 3 andares de um prédio

Volume 44.436 m 3
800 Vagões Ferroviários

Capacidade 14,000 toneladas MV Princesa do Oriente (1998)

Note que há espaço suficiente na Arca para abrigar muitos animais, especialmente se considerarmos a
possibilidade de que Noé levasse consigo animais filhotes. A questão que nos resta então é: Apesar de
grande, a arca era suficientemente grande para abrigar todos os animais? Para tentar responder a essa
pergunta, vamos considerar duas outras: Existem animais que não seriam necessários na Arca?, e, Que
animais o texto de Gênesis diz que Noé levou?. Vamos à análise.

b. Animais não necessários na Arca:

Existem animais que não seriam necessários na Arca? Noé deveria levar animais de todas as espécies?
Para responder a essa pergunta, John Withecomb e Henry Morris atestam que 25 mil espécies de peixes,
1700 turnicados, 600 tipos de equinodermos, 197 mil moluscos, 10 mil celenterados, 4000 tipos de
esponjas e 31 mil tipos de protozoários poderiam sobreviver fora da Arca e por isso, não seriam
necessários dentro da arca[27]. Sobre o assunto, Arnold Mendez complementa:

“Noé não teria que se preocupar com os mamíferos aquáticos como os golfinhos, baleias, botos, leões-
marinhos e morsas. Há também muitos répteis aquáticos que poderiam sobreviver fora da arca. Estes
incluem muitos tipos de cobras, jacarés, crocodilos e tartarugas marinhas. Há quase um milhão de
espécies de artrópodes que sobreviveriam ao dilúvio. Animais como as seguintes: camarões, caranguejos,
lagostas e muitos outros crustáceos. Todos os insetos poderiam sobreviver fora da arca. Mais de 35.000
espécies de vermes nematóides também sobreviveriam ao dilúvio. Na realidade, apenas uma pequena
percentagem dos animais teria de ser colocado a bordo da arca[28]”.

Ou seja, apesar de ser grande o número de animais existentes, nem todos eram necessários na Arca, e
por isso, Deus deixou uma ordem específica para Noé pegar apenas alguns dos animais.

c. Animais necessários na Arca:

Que animais o texto de Gênesis diz que Noé levou? O texto de Gênesis assim nos informa: “De tudo o que
vive, de toda carne, dois de cada espécie, macho e fêmea, farás entrar na arca, para os conservares vivos
contigo. Das aves segundo as suas espécies, do gado segundo as suas espécies, de todo réptil da terra
segundo as suas espécies, dois de cada espécie virão a ti, para os conservares em vida ” (6.19-20); “De
todo animal limpo levarás contigo sete pares: o macho e sua fêmea; mas dos animais imundos, um par: o
macho e sua fêmea. Também das aves dos céus, sete pares: macho e fêmea; para se conservar a
semente sobre a face da terra” (7.2-3); “De todacarne, em que havia fôlego de vida, entraram de dois em
dois para Noé na arca” (7.15). Todas essas expressões destacadas nos versos acima podem nos ajudar a
entender que tipos de animais Noé levou à arca, observe:
 Toda carne: O primeiro termo que se nos chama a atenção é basar (carne). Esse termo é usado
cerca de 273x em todo o AT, e só Moisés o usa 153x no Pentateuco, o que sugere que tal verbete tem
grande parte na pena mosaica. Entretanto, tal termo tem diversas conotações interessantes:

1. Pessoas: Em Gênesis 2 o termo é usado para descrever uma pessoa por completo: “E disse o
homem: Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa,
porquanto do varão foi tomada” (Gn.2.23). Essa relação entre “ossos” (hb. ‘etsem) e “carne” é
usada outra vezes para descrever uma pessoa (Gn.29.14; 37.27; cf. Ex.12.46; Jz.9.2; 2Sm.19.12;
13).

2. Corpo físico: Eventualmente o termo é usado em descrição do corpo do ser humano, observe:
“dentro ainda de três dias, Faraó levantará a tua cabeça sobre ti e te pendurará num madeiro, e as
aves comerão a tua carne de sobre ti” (Gn.40.19). Nesse caso a referência é mais específica que a
anterior, embora o mesmo termo seja usado (cf. Nm.8.7’2Re.4.34; Ec.2.3).

3. Parte do corpo: É interessante notar que eventualmente o mesmo termo é usado para descrever
uma parte do corpo, como no caso da Criação da mulher: “Então, o SENHOR Deus fez cair pesado
sono sobre o homem, e este adormeceu; tomou uma das suas costelas e fechou o lugar com
carne” (Gn.2.21). Nesse caso não se trata do todo, mas por metonímia, apenas parte do todo. Esse
uso acontece outras vezes em Gênesis, especialmente quando fala da circuncisão (Gn.17.11, 13,
14, 23-24).

4. Seres vivos em geral: O termo pode ser usado de modo mais abrangente, incluindo homens e
animais vivos. Um texto interessante para se considerar esse fato é Gn.6.12: “Viu Deus a terra, e
eis que estava corrompida; porque todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra”. A
expressão aqui é “kol basar” e foi entendida como todo ser vivente na ARA. Essa observação é
interessante, pois explica de modo mais adequado por que os animais deveriam sofrer com o
dilúvio, pois eles também havia se corrompido e também manifestavam certa falência e
culpabilidade moral. Essa idéia não é ausente no relato do dilúvio, observe: “Porque estou para
derramar águas em dilúvio sobre a terra para consumir toda carne em que há fôlego de vida
debaixo dos céus; tudo o que há na terra perecerá” (Gn.6.17; cf. 6.13, 19; 7.15-16, 21; 8.17; 9.11, 15-
17). A idéia de culpa moral nos animais também não é ausente no AT ( cf. Gn.9.5; Ex.21.28-29;
Jn.3.7-8).

5. Corpo dos animais: Um pouco mais raramente o termo é usado para descrever parte dos animais,
ou sua carne, como no caso das vacas gordas e magras de carne (Gn.41.2-4, 18, 19).

6. Conclusão: Ou seja, o termo apesar de extremamente abrangente sofre de falta de especificidade.


Portanto, ainda que todos os animais possam estar incluídos, do mesmo modo que todos os seres
humanos, não são possíveis definir a partir da análise desse termo que tipo de animais está
incluído na busca de Noé. Assim, muitos entendem a universalidade do dilúvio a partir da
abrangência desse termo no texto do dilúvio. Entretanto, essas não são as únicas declarações
sobre os animais no relato de Gênesis.

 Animais: Outro termo interessante usado por Moisés para falar sobre os animais é bem mais
específico em seu escopo: “De todo animal [behemah] limpo levarás contigo sete pares: o macho e
sua fêmea; mas dos animais [behemah] imundos, um par: o macho e sua fêmea” (Gn.7.2). Note que o
termo para animal é o termo hebraico “behemah” e é usado 91x no Pentateuco e seu uso certamente
nos ajudará a compreender melhor o seu significado.

1. Domésticos: Na Criação o termo usado para descrever animais no verso acima é contrastado com
“répteis” (hb. remes) e “animais selváticos” (hb.chay) e definido pela ARA como animais
domésticos (Gn.1.24-25). A ARC, ACF optam pelo termo gado para descrever animais em Gn.1.24.
Em Gn.1.26 o termo “behemah” é contrastado com peixes (hb dagah), aves (hb. owph) e répteis
(hb. remes), mantendo o sentido mais específico do termo, diferente do termo encontrado no
relato do dilúvio. Essa distinção acompanha todo o relato da Criação e Queda (Gn.1.24-26; 2.20;
3.14). A próxima vez que o termo é usado em Gênesis também percebeu essa mesma distinção,
observe: “Disse o SENHOR: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o
animal, os répteis [remes] e as aves [owph] dos céus; porque me arrependo de os haver feito”
(Gn.6.7). Ou seja, Noé deveria ser responsável por levar na Arca, animais domésticos, ou seja, os
que não são aves, répteis ou animais selváticos (cf. 6.20).

2. Limpos e Imundos: É interessante que apesar de o termo já ter sua especificidade, o texto nos diz
que existem outras restrições, pois a exigência divina determina certa quantidade para os
animais limpos e imundos: “De todo animal limpo levarás contigo sete pares: o macho e sua
fêmea; mas dos animais imundos, um par: o macho e sua fêmea” (Gn.7.2).

 Limpos: É interessante que à luz do próprio Pentateuco podemos entender que tipo de
animais devem ser considerados limpos, observe: “São estes os animais que comereis: o boi, a
ovelha, a cabra, o veado, a gazela, a corça, a cabra montês, o antílope, a ovelha montês e o
gamo. Todo animal que tem unhas fendidas, e o casco se divide em dois, e rumina, entre os
animais, isso comereis” (Dt.14.6). Nesse relato vemos 10 espécies

 Imundos: O mesmo pode ser dito sobre os animais imundos: “Porém estes não comereis,
dos que somente ruminam ou que têm a unha fendida: o camelo, a lebre e o arganaz, porque
ruminam, mas não têm a unha fendida; imundos vos serão. Nem o porco, porque tem unha
fendida, mas não rumina; imundo vos será. Destes não comereis a carne e não tocareis no seu
cadáver” (Dt.14.8). Nesse verso vemos apenas 4 espécies.

3. Aves: Como já demonstramos, Moisés faz distinção entre os animais domésticos ( behemah) e as
aves (owph) e répteis (remes), entretanto, tais animais também estavam presentes na arca,
observe: “De tudo o que vive, de toda carne, dois de cada espécie, macho e fêmea, farás entrar na
arca, para os conservares vivos contigo. Das aves segundo as suas espécies, do gado segundo as
suas espécies, de todo réptil da terra segundo as suas espécies, dois de cada espécie virão a ti,
para os conservares em vida” (Gn.6.19-20). No Pentateuco também encontramos uma descrição
mais detalhada do que se entende por aves e podemos notar que Moisés especifica 25 espécies
de aves, 4 limpas (Lv.20.25; Dt.14.11; Nm.11.31-33) e 21 imundas (Lv.11.13-19; Dt.14.12.18).

4. Selváticos: Apesar de a tradução ARA não deixar isso explícito, é importante o fazer aqui. Como já
vimos, os animais domésticos foram contrastados no relato da criação dos animais selváticos,
mas tal contraste passa desapercebido no relato do dilúvio, observe: “…eles, e todos
osanimais [hb. chay] segundo as suas espécies, todo gado [hb. behemah]segundo as suas
espécies, todos os répteis que rastejam sobre a terra segundo as suas espécies, todas as aves
segundo as suas espécies, todos os pássaros e tudo o que tem asa” (Gn.7.14). O termo animais
nesse verso é o termo hebraico usado no relato da criação para descrever animais selváticos
(cf. Gn.1.24, 25). Portanto essa categoria de animais também fez parte da Arca de Noé.

5. Répteis: Por outro lado, não há qualquer descrição de répteis em todo o Pentateuco, exceto que
sabemos pela íngua hebraica que esse termo (remes) é usado em distinção com grandes animais
(Gn.1.21; cf. 148.7 e 10). Em Gn.1.21, vemos o termo diferenciado de “tanniym”, que a ARA
traduziu como animais marinhos, embora também seja usado como descrição de répteis de
grande porte, observe: “Fala e dize: Assim diz o SENHOR Deus: Eis-me contra ti, ó Faraó, rei do
Egito, crocodilo enorme, que te deitas no meio dos seus rios e que dizes: O meu rio é meu, e eu o
fiz para mim mesmo” (Ez.29.3; cf. Ez.32.2; Ne.2.13; Jó.7.12; 30.29; Sl.44.19; 74.13). O
termo remes também exclui as cobras, uma vez que é descrita pelo termo tanniym (Ex.7.9-10,
12; Sl.91.13), nachash(Gn.3.1,2, 4, 13; 14; 49.17; Ex.4.3; 7.15; Nm.21.7, 9; Dt.8.15)
e pethen(Dt.32.33; cf. Jo.20.14, 16; Sl.58.4; 91.13; Is.11.8). Portanto, é seguro dizer que Noé não
colocou répteis de grande porte e serpentes na Arca.

 Conclusão: Podemos perceber que Deus ordenou que Noé levasse à Arca muitos animais, mas a
julgar pelos termos envolvidos nessa cena entendemos que não eram necessários todos os animais.
Note que serpentes não foram incluídas, do mesmo modo que todos os animais aquáticos, insetos e
outras formas de vida. Mesmo espécies maiores de répteis não foram levados para a Arca, o que
sugere que a arca era suficientemente grande para abrigar os animais que Deus se propôs a
salvaguardar do dilúvio. Considerando a apresentação acima, entendemos que os animais levados à
Arca são:

i. Animais domésticos

1. Limpos: 10 espécies, 7 casais de cada, 140 animais


2. Imundos: 4 espécies, 1 casal de cada, 8 animais

3. ii. Aves:

1. Limpas: 4 espécies, 7 casais, 56 pássaros

2. Imundos: 21 espécies, 1 casal, 42 pássaros


3. iii. Animais selváticos: valor indefinido.

4. iv. Répteis pequenos: valor indefinido

Tendo considerado isso, podemos não apenas garantir que o espaço da Arca seria suficiente para esses
animais como inferir que o Dilúvio não necessitaria ser universal em função de que nem todos os animais
foram levados à arca. Considerando que o propósito de se manter os animais na arca está diretamente
relacionado a preservação dessas espécies (Gn.7.3; 8.17), é possível inferir que o dilúvio não exterminou
todos os animais de todas as regiões do mundo, pois não foram preservados todos.

4. A Arca era estável?


Sobre esse assunto, Jonathas Sarfati afirmou:

“A Arca foi construída para ser extremamente estável. Deus falou a Noé para fazê-lo 300x50x30 côvados
(Gênesis 6:15), o que é de cerca de 140x23x13.5 metros ou 459x75x44 pés, ou seja, seu volume foi de
43.500 m3 (metros cúbicos), ou 1,54 milhões de pés cúbicos. Este é suficiente para evitar um naufrágio
e garantir um bom passeio (…) Além disso, os arquitetos navais coreanos confirmaram que uma barcaça
com as dimensões da Arca teria estabilidade ideal. Eles concluíram que, se a madeira foi de apenas 30
cm de espessura, poderia ter navegado as condições de mar com ondas superiores a 30 m [29]. Compare
isso com um tsunami (‘onda’), que normalmente é apenas cerca de 10 m de altura. Note também que
existe um perigo ainda menor de tsunamis, porque eles são perigosos só perto da costa, no mar, eles são
quase imperceptíveis[30] ”

[1] BERTI, Marcelo, Introdução ao Livro de Gênesis. (https://marceloberti.wordpress.com/estudos/genesis-


2/)
[2] MERCK, David, Graça e Desgraça.
(http://www.palavraefamilia.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=195&Itemid=108)
[3] KIDNER, Derek, Gênesis – Introdução e Comentário. pp.79.
[4] DEFFINBAUG, Bob, The Sons of God and the Daughters of Men (Genesis 6:1-
8). Bible.org (http://bible.org/seriespage/sons-god-and-daughters-men-genesis-61-8).
[5] Livro provavelmente escrito por volta de 300-200 a.C.
[6] Old Testamente Greek Pseudoepigrafica. Traduzido por Craig Evans. A mesma idéia é vista na tradução
de R.H. Charles Litt (The apocrypha and pseudoepigraficaofthe Old Testament in English ).
[7] BARNES, Albert, Notes on the Bible.
[8] DEFFINBAUG, Bob, The Sons of God and the Daughters of Men (Genesis 6:1-
8). Bible.org (http://bible.org/seriespage/sons-god-and-daughters-men-genesis-61-8).
[9] MERCK, David, Graça e Desgraça.
(http://www.palavraefamilia.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=195&Itemid=108)
[10] KLINE, Meredith G., Divine Kingship and Genesis 6.1-4. Westminster Theological Journal, XXIV, Nov,
1961 – Mai 1962, pp.190. IN: DEFFINBAUG, Bob, The Sons of God and the Daughters of Men (Genesis 6:1-
8). Bible.org (http://bible.org/seriespage/sons-god-and-daughters-men-genesis-61-8).
[11] MERCK, David, Graça e Desgraça.
(http://www.palavraefamilia.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=195&Itemid=108)
[12] KIDNER, Derek, Gênesis – Introdução e Comentário. pp.79.
[13] HENRY, Matthew, Matthew Henry`s Commentary on the Whole Bible.
(http://www.biblestudytools.com/commentaries/matthew-henry-complete/).
[14] GILL, John, Gill`s Exposition of the entire Bible. (http://www.freegrace.net/gill/).
[15] KRELL, Keith, It’s Raining, It’s Pouring, and the Lord is NOT Snoring! (Genesis 6.9-8.22) .
(http://bible.org/seriespage/it%E2%80%99s-raining-it%E2%80%99s-pouring-and-lord-not-snoring-genesis-
69-822).
[16] BARNES, Albert, Notes on the Bible.
[17] GILL, John, Gill`s Exposition of the entire Bible. (http://www.freegrace.net/gill/).
[18] Keil & Delitzsch, Commentary on the Old Testament.
[19] DEEM, Rich, The Genesis Flood: Why the Bible Says It Must be Local.
(http://www.godandscience.org/apologetics/localflood.html).
[20] Deem afirma ser 17.000 pés, enquanto Keil & Delitzsch afirma que Perrot o mediu em 16.254 pés.
Uma medida aproximada de ambas as informações foi preferida.
[21] BARNES, Albert, Notes on the Bible.
[22] Keil & Delitzsch, Commentary on the Old Testament.
[23] CLARKE, Adam, Adam Clarke`s Commentary on the Bible.
(http://www.godrules.net/library/clarke/clarke.htm)
[24] BARNES, Albert, Notes on the Bible.
[25] BERTI, Marcelo, A Criação do Universo. Pp.6-7.
[26] Adaptado de: KRELL, Keith, It’s Raining, It’s Pouring, and the Lord is NOT Snoring! (Genesis 6.9-8.22) .
(http://bible.org/seriespage/it%E2%80%99s-raining-it%E2%80%99s-pouring-and-lord-not-snoring-genesis-
69-822).
[27] WHITCOMB, John C., MORRIS, Henry M.. The Genesis Flood, the Biblical Record and its Scientific
Implications. Presbyterian and reformed Publishing Co. Phillipsburg, NJ, 1998.
[28] MENDEZ, Arnold, Was noah`s Ark BIG ENOUGH to hold ALL the animals.
(http://www.biblestudy.org/basicart/sizeark.html).
[29] Hong, S.W. et al., Safety investigation of Noah’s Ark in a seaway, Journal of
Creation 8(1):26–36, 1994.
[30] SARFATI, Jonathan, Noah`s Flood and the Gilgamesh
Epic (http://creation.com/noahs-flood-and-the-gilgamesh-epic)
“A Arca foi construída para ser extremamente estável. Deus falou a Noé para fazê-lo 300x50x30 côvados
(Gênesis 6:15), o que é de cerca de 140x23x13.5 metros ou 459x75x44 pés, ou seja, seu volume foi de
43.500 m3 (metros cúbicos), ou 1,54 milhões de pés cúbicos. Este é suficiente para evitar um naufrágio e
garantir um bom passeio (…) Além disso, os arquitetos navais coreanos confirmaram que uma barcaça
com as dimensões da Arca teria estabilidade ideal. Eles concluíram que, se a madeira foi de apenas 30
cm de espessura, poderia ter navegado as condições de mar com ondas superiores a 30 m [1]. Compare
isso com um tsunami (‘onda’), que normalmente é apenas cerca de 10 m de altura. Note também que
existe um perigo ainda menor de tsunamis, porque eles são perigosos só perto da costa, no mar, eles são
quase imperceptíveis[2]”

[1] Hong, S.W. et al., Safety investigation of Noah’s Ark in a seaway, Journal of Creation 8(1):26–36, 1994.
[2] SARFATI, Jonathan, Noah`s Flood and the Gilgamesh Epic (http://creation.com/noahs-flood-and-the-
gilgamesh-epic).

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