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SERVIÇO SOCIAL E SISTEMA PENAL: considerações sobre a assistência prestada à

egressos do sistema penitenciário

Debora Cristina G. de Araujo1

Resumo

O presente estudo tem por objetivo apresentar, sinteticamente,


uma análise sobre o trabalho do assistente social junto a
egressos do sistema penitenciário no estado do Rio de Janeiro
a partir da experiência do projeto “Agência da Cidadania” do
Banco da Providência. Destaca-se que tal investigação é fruto
do trabalho de conclusão de curso (TCC) da autora, defendida
no ano de 2015 pela Faculdade de Serviço Social da UERJ.

Palavras-chave:Sistema Penal; Serviço Social; Egressos do


sistema penitenciário

Abstract

The purpose of this study is to present an analysis of the work


of the social worker with graduates of the penitentiary system in
the state of Rio de Janeiro, based on the experience of the
Banco da Providência "Citizenship Agency" project. It is
noteworthy that such research is the result of the author's
graduation work (TCC), defended in 2015 by the Faculty of
Social Work of UERJ

Keywords: Penal System; Social service; Egresses from the


penitentiary system

1
Assistente Social formada pela Faculdade de Serviço Social da UERJ. Mestranda do curso de Pós-
Graduação em Serviço Social da UERJ. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – CAPES. E-mail: deboracgda@gmail.com
1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo apresentar, sinteticamente, uma análise


sobre o trabalho do assistente social junto a egressos do sistema penitenciário no estado do
Rio de Janeiro a partir da experiência do projeto “Agência da Cidadania” do Banco da
Providência. Destaca-se que tal investigação é fruto do trabalho de conclusão de curso
(TCC) da autora, defendida no ano de 2015 pela Faculdade de Serviço Social da UERJ.
Entendemos que mediante o aumento da interface punitiva do Estado frente aos
problemas sociais, o trabalho com ex-apenados por parte dos assistentes sociais necessita
de uma análise crítica da realidade social brasileira, tendo em vista a busca da emancipação
humana, a defesa dos direitos humanos e da classe trabalhadora, além do fortalecimento do
projeto ético-político profissional.

2. SISTEMA PENAL BRASILEIRO E SERVIÇO SOCIAL: algumas considerações

Para compreender, mesmo que sinteticamente, o sistema penal brasileiro na


atualidade e a trajetória de ex-presidiários no pós-cumprimento da pena é necessário
analisar aspectos importantes do contexto sócio-histórico do sistema punitivo no que tange a
questões econômicas e políticas mais gerais.
Entende-se que o aprisionamento sempre fez parte da trajetória histórica da
humanidade, porém o tratamento dispensado sobre os chamados “criminosos” foi adquirindo
diferentes configurações até chegar ao modelo atual de apreensão da pena privativa de
liberdade como grande invenção de controle social. Tal modelo tem sua criação a partir do
século XVII com a emersão da sociedade industrial e o consequente desenvolvimento da
sociedade capitalista2, em que as condições de pobreza e miséria se expandiam por todo o
continente Europeu.
Assim, os primeiros movimentos voltados para a privação de liberdade são
realizados na Holanda e Inglaterra com a criação das “House of Corretion” ou “Workhouses”,
modelos de prisões, que tinham por objetivo a reeducação dos “delinquentes” através da
disciplina e trabalho forçado. Ou seja, visavam tornar a população de “delinquentes”

2
De acordo com estudos que trabalham a evolução da privação de liberdade como pena, os fundamentos da
mudança da prisão-custódia para a prisão-pena se deu a partir da segunda metade do século XVII, quando a
pena de morte passou a ser ineficiente frente aos aumentos de delitos. Ressalta-se que antes do referido século,
a prisão era apenas um estabelecimento de custódia criado para que pessoas acusadas de crimes esperassem
a sua sentença, bem como doentes mentais e pessoas privadas do convívio social por condutas identificadas
como desviantes, a exemplo de moradores de rua (chamados de “mendigos”), prostitutas, entre outros.
socialmente úteis, regulando a sua utilização de acordo com as necessidades de valoração
do capital.
Segundo Julião,

o objetivo fundamental dessas instituições de trabalho, além de servir como meio de


controle dos salários, reforçadas, especialmente no caso holandês, pela ideologia
religiosa calvinista, era de que o trabalhador aprendesse a disciplina capitalista de
produção. Serviam como instrumento de dominação, tanto no aspecto político como
econômico e ideológico, impondo a hegemonia de uma classe sobre a outra,
eliminando, consequentemente, toda possibilidade de surgir uma ação que ponha
em perigo a homogeneidade do bloco de dominação socioeconômica (2012, p.44).

Dessa forma, a razão econômica foi um fator de grande importância na


transformação da pena privativa de liberdade e é somente a partir do século XVIII que esta
passa a ser reconhecida, de forma definitiva, à substituição da pena de morte. Além disso,
as casas de detenção e presídios dão origem, juntamente com a sua população carcerária,
ao que hoje chamamos de Sistema Penitenciário.
Mediante o que foi mencionado, entendemos que a burguesia teve o seu poder
legitimado à medida que o capitalismo tornou-se o modo de produção dominante, sendo as
relações sociais pautadas na desigualdade e contradições de classe. Tal desigualdade pode
ser evidenciada pela acumulação de riqueza e lucro por parte do capitalista e da pobreza
vivida pela classe trabalhadora.
Embora o modo de produção da sociedade capitalista neste período de transição
da prisão-custódia para prisão-pena estivesse pautado na livre concorrência das indústrias e
sua expansão comercial demonstrasse um importante desenvolvimento econômico, houve a
necessidade de conquistar novos espaços para investimento do capital e consumo, que
ultrapassassem a exportação de mercadorias. Com isso,

gradativamente, a fusão e a internacionalização de significativos setores produtivos


e bancários deram origem aos grandes blocos capitalistas. Os trustes e os cartéis
passaram a comandar a concorrência, expulsando do mercado os capitais
pequenos, com o objetivo de controlar o mercado para o acréscimo do lucro –
configuração de uma forma ampliada de concorrência, visando aos superlucros
(FORTI, 2010, p. 49).

Para esta forma ampliada de concorrência definida por associações, dá-se o


nome de capitalismo monopolista. Segundo Netto (2007, p. 20), “a constituição da
organização monopólica obedeceu à urgência de viabilizar um objetivo primário: o
acréscimo dos lucros capitalistas através do controle dos mercados”.
Nesta etapa dos monopólios, o modo capitalista de produção encontra-se
organizado em níveis mundiais por meio da circulação de suas mercadorias em países
considerados periféricos e/ou pelo uso de força de trabalho e matéria-prima com preços
mais baixos. A utilização destas estratégias de valorização do capital e de geração de mais-
valia é realizada em beneficio dos países mais desenvolvidos e de uma lógica que cria
mecanismos para o aumento do consumo, principalmente dos produtos das indústrias de
bens de consumo.
Dando destaque ao papel do Estado, é perceptível que na etapa dos monopólios
o mesmo passa a assumir novos papéis, modificando as condições do mercado e
protegendo os indivíduos das suas consequências econômicas e sociais, pela via de
políticas sociais ou do chamado Estado de Bem-Estar Social (Welfare State). Há então uma
ampliação da legislação social como uma maneira de reprodução do modo de produção
vigente e de manutenção/controle dos trabalhadores.
Assim,
a necessidade de uma nova modalidade de intervenção do Estado decorre
primariamente, como aludimos, da demanda que o capitalismo monopolista tem de
um vetor extra-econômico para assegurar seus objetivos estritamente econômicos.
O eixo da intervenção estatal na idade do monopólio é direcionado para garantir os
superlucros dos monopólios – e, para tanto, como poder político e econômico, o
Estado desempenha uma multiplicidade de funções (ibid., p. 25).

É na ampliação das políticas sociais que o Estado burguês foi legitimado, os


conflitos entre o capital e o trabalho “amenizados” e as expressões da questão social
passam a ser meio de intervenção mesmo com peculiares características de fragmentação.
Focalizando um período histórico mais a frente, nos cabe frisar que em meados
dos anos 1960, o período de expansão do capitalismo demonstra os seus primeiros sinais
de crise ou, de uma maneira mais geral, os anos entre 1965 e 1970 marcaram uma fase em
que o referido sistema produtivo não conseguiu mais os mesmos níveis anteriores da
reprodução do capital e, de certo modo, a intervenção por parte do Estado com gastos nas
políticas de cunho social passam a ser questionados.
Nesse sentido, a crise do Estado de Bem-Estar Social acaba alterando tanto a
esfera da produção, quanto da sociedade, surgindo então nos anos 1980 novas
experiências no modelo de produção pautadas na flexibilização do trabalho e no ideário
político-ideológico neoliberal, que traz uma nova forma de regulação do Estado. Dessa
forma, o neoliberalismo propõe entres outros aspectos,

um Estado forte para romper poder dos sindicatos e controlar a moeda e de outro
lado, um Estado parco para os gastos sociais e regulamentações econômicas; forte
disciplina orçamentária visando à contenção de gastos sociais e restauração de uma
nova taxa natural de desemprego, com a recomposição do exército industrial de
reserva; reforma fiscal diminuindo impostos para os rendimentos mais altos e o
desmonte dos direitos sociais, implicando quebra da vinculação entre a política
social e esses direitos, que compunha o pacto político anterior (BRISOLA, apud
BERINHG, 2009, p.309).

Com essa crise os direitos trabalhistas são desregulamentados, as condições


de trabalho precarizadas e a força de trabalho, devido ao processo de globalização,
substituída pelas máquinas e tecnologia, aumentando assim o desemprego estrutural e o
exército industrial de reserva. Além disso, o Estado passa a intervir menos nas políticas
sociais e consequentemente a questão social (cf. Iamamoto, 2008) se agudiza, trazendo
como forma de controle das tensões, novamente, o aparato policial, o que segundo Madeira
(2008, p.81) não ocorria no Welfare State, pois “o crime e os demais fenômenos eram vistos
e tratados como problemas sociais”.
Mesmo não havendo um Estado de Bem-Estar Social no Brasil, muito menos
uma política de pleno emprego, o processo de reestruturação produtiva acarretou
modificações nos setores produtivos e de intervenção do Estado brasileiro na década 1990
através de diversas reformas contidas, especificamente, no Plano Diretor de Reforma do
Estado (PDRE).
Assim, apesar da constituição da garantia de direitos pela Carta Magna de 1988,
considerada como “Constituição Cidadã”, as políticas sociais e a estrutura econômica a
partir da ideologia neoliberal contida no PDRE trazem consequências sociais para a classe
trabalhadora, seja na combinação público-privada através dos estabelecimentos do Terceiro
Setor ou no aumento do desemprego e da precarização das condições de trabalho.
Com isso, a política criminal brasileira possui estreita relação com as medidas
sociais, porque o Estado Penal emerge como principal medida de manutenção da ordem
social pelas classes dominantes, em que a prática punitiva da população pauperizada e
“excluída” se torna uma constante e as medidas de privação de liberdade – encarceramento
– cada vez maior. Para Teixeira

A maneira neoliberal de se trabalhar as questões sociais é criminalizando-as, em um


modelo de superlotação do sistema penitenciário e do aumento das penas. Enfim,
são elaboradas legislações que expressam um desejo de vingança baseado no
discurso da “lei e da ordem”. Sob a ótica da “proteção aos cidadãos de bem”, se
oculta à impotência (ou a inoperância) dos governos em face de questões as quais
eles não podem (ou não desejam) resolver, a não ser através da elaboração de uma
falsa ideia de unidade diante de um inimigo interno, inimigo este selecionado entre
os membros das classes sociais subalternas (2007, p. 36)

Nesta perspectiva, o Direito Penal brasileiro fundamenta-se em três legislações:


O Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal (LEP) – criada no
ano de 1984 a partir de um tratado da ONU que estabelece regras mínimas para o
tratamento de sentenciados, sendo um dos seus fundamentos “a oferta de meios pelos
quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança venham a ter participação
construtiva na comunhão social” (MADEIRA, apud Exposições de Motivos, Lei de
Execuções Penais, n.13). Todavia, a LEP mostra em sua estrutura o quão distante as
legislações formuladas estão da realidade penitenciária e social.
Portanto, a Lei de Execução Penal em seu artigo primeiro visa à integração
social dos condenados e demonstra no artigo décimo a preocupação por parte do Estado
com as medidas de assistência material, saúde, religiosa, jurídica, educacional e social a
estes, estendendo assim os direitos constitucionais aos presos, buscando-se então a
chamada “ressocialização” 3. Contudo, entende-se que “está na hora de se admitir que [...] a
tão proclamada ‘ressocialização’ do infrator não passa de uma impostura, ou, de
propaganda enganosa de um sistema de justiça criminal que foi idealizado para punir o
pobre, nada mais do que isso”. (TEIXEIRA, 2007, p.23)
As medidas de assistência também se estendem aos processos extramuros, ou
seja, a volta do apenado para o convivo na realidade social, quando o preso torna-se
egresso. Classifica-se por egresso (art. 26 da LEP) para efeito do programa de assistência,
o liberado definitivo pelo prazo de prova de um ano a contar da saída do estabelecimento e
o liberado condicional no período de prova.
Partindo de tais perspectivas, a assistência ao egresso possui por características
principais a orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade e a colaboração pelo
serviço de assistência social para obtenção de trabalho.
Todos estes serviços são implementados pelos programas de apoio aos
egressos criados no Brasil a partir do ano de 1990, que ocorreu em conformidade com a
Campanha da Fraternidade desenvolvida em 1997 cujo lema era “A Fraternidade e os
Encarcerados”, além da liberação por parte do Ministério da Justiça nos anos 2000 de
financiamentos públicos para projetos de redução de violência (ibidem, p.94).
Entretanto, muitos dos programas criados para os egressos não são
efetivamente desenvolvidos pelos entes federativos, seja pela quantidade de presos ou pelo
caráter neoliberal de incentivo a criação de ONG’s, transferindo responsabilidades do
Estado – principalmente no âmbito social – para a iniciativa privada e sociedade civil.
Segundo o pensamento de Madeira (2008, p.148) percebe-se que estes
programas visam

à reinserção social de egressos, calcados no trabalho, na escolarização e na


profissionalização como forma de retorno à sociedade. Esses programas focalizam
egressos, visando à redução dos índices de reincidência, e têm uma certa
efetividade, embora restrita, haja vista a pequena população abrangida, e as
dificuldades de colocação no mercado de trabalho para esta parcela populacional.

Nesse sentido, entendemos que o Serviço Social tem sido uma das profissões
demandadas para executar esses programas e projetos, com ações voltadas para a
3
As correntes da criminologia positivista e crítica divergem quanto ao significado do termo “ressocialização”, em
que para os positivistas não interessa questionar as leis e a sociedade, e sim os indivíduos, considerados
anormais. Já a criminologia crítica entende que a sociedade que deve ser transformada, e não o “delinquente”
(TEIXEIRA, 2007, pp. 32-34).
inclusão dos ex-presidiários no mercado de trabalho, sua qualificação profissional, entre
outras. Isso porque o surgimento do Serviço Social está atrelado à sociedade burguesa, ao
referido período de acirramento das expressões da questão social na época dos
monopólios, ou seja, para pensar a emergência desta profissão se faz necessário
compreender o movimento pelo qual se engendra a reprodução das relações sociais que
peculiarizam a formação social do capitalismo (Iamamoto e Carvalho, 1982).
Compreende-se por reprodução das relações sociais na sociedade capitalista

a reprodução de um modo de vida e de trabalho que envolve o cotidiano da vida


social. O processo de reprodução das relações sociais não se reduz, pois, à
reprodução da força viva de trabalho e dos meios materiais de produção, ainda que
os abarque. Ele refere-se à reprodução das forças produtivas sociais do trabalho e
das relações de produção na sua globalidade, envolvendo sujeitos e suas lutas
sociais, as relações de poder e os antagonismos de classe (IAMAMOTO, 2009,
p.10)

Esta dinâmica aprofunda – como podemos perceber – os antagonismos de


classe e a miséria, tornando contraditórias as tentativas de encobrir a desigualdade, o que
suscita a intervenção de um profissional para atuar nas relações entre o trabalhador e o
empresariado, não só para o Estado regulamentar o mercado, mas para enfrentar e manter
o controle das pressões da classe trabalhadora. Vale destacar que a requisição da
intervenção dos assistentes sociais é realizada pela classe dominante para implementar e
executar as políticas sociais criadas pelo Estado.
Destaca-se que a profissão de Serviço Social no Brasil também correspondeu a
determinados mecanismos de controle do capital, sendo suas atividades desenvolvidas para
o “ajustamento” de situações identificadas como problemas, em que a resolutividade
encontrava-se no tratamento da “deficiência” do indivíduo e não em uma perspectiva de
análise da estrutura social. Somente no período em que ocorreu o denominado Movimento
de Renovação na profissão, mais especificamente na vertente de intenção de ruptura, que
esta forma de compreensão da realidade irá se modificar e os assistentes sociais, inclusive
os que trabalham no âmbito da execução penal, buscarão entender os determinantes que
influenciam a realidade social a partir de uma reflexão crítica, visando o fortalecimento da
classe trabalhadora.
Por isso, salientamos que é importante refletir sobre a complexidade que
atravessa o exercício profissional no campo da execução penal, imbricado de muitas
contradições que demandam desafios éticos aos profissionais.

3. O PROJETO “AGÊNCIA DA CIDADANIA”: a assistência prestada aos egressos do


sistema penitenciário
Criada no ano de 2009 por meio de um setor denominado “Serviço Social do
Egresso”, a Agência da Cidadania do Banco da Providência é um dos projetos
desenvolvidos pela instituição visando atender às pessoas que passaram pelo sistema
prisional ou que ainda estejam cumprindo algum tipo de medida restritiva de liberdade. Sua
implementação se deu como uma forma de continuar atendendo às demandas espontâneas
dessa população estigmatizada, buscando prestar uma assistência fora das ações
complementares à Pastoral Carcerária.
O Serviço Social da Agência da Cidadania presta assistência aos egressos no
seu exercício profissional, através de diferentes ações profissionais, procedimentos e
instrumentos que permeiam o atendimento direto ou coletivo ao usuário dos serviços,
embora a principal atividade desenvolvida e que expressa a dimensão técnico-operativa
nesse espaço ocupacional seja o Curso de Preparação para o Mundo do Trabalho. Segundo
Guerra (2012, p. 40),

a dimensão técnico-operativa é a forma de aparecer da profissão, pela qual é


conhecida e reconhecida. Dela emana a imagem social da profissão e sua
autoimagem. Ela encontra-se carregada de representações sociais e da cultura
profissional. É a dimensão que dá visibilidade social à profissão, já que dela
depende a resolutividade da situação, que, às vezes, é mera reprodução do
instituído, e em outras constitui a dimensão do novo. Não é supérfluo lembrar que a
dimensão técnico-operativa vela a dimensão político-ideológica da profissão, como
aquela pela qual o Serviço Social atua na reprodução ideológica da sociedade
burguesa ou na construção da contra-hegemonia.

Ou seja, o Curso de Preparação para o Mundo do Trabalho é a maneira como o


Serviço Social do projeto Agência da Cidadania intervém na questão social e expõe seu
posicionamento político e teórico. Sendo assim, este curso de formação possui uma
metodologia direcionada para as questões voltadas para a identidade pessoal e coletiva,
direitos e deveres, trabalho formal e informal, cidadania e inserção social e dependência
química. E esta metodologia pauta-se na denominada “Metodologia de Inclusão Social” que
possui quatro eixos principais:
1. Identificação de potencialidades e vocações, alterando os paradigmas que
têm garantido a perpetuação da pobreza;
2. Formação e qualificação profissional, através da cultura do
empreendedorismo, estímulo ao associativismo e à solidariedade;
3. Inserção no mundo do trabalho, aumento da renda familiar;
4. Capacitação de lideranças comunitárias como bases de apoio ao
desenvolvimento local. Com esta rede o Banco da Providência vida criar
condições de mapear as instituições locais e atender de forma articulada as
demandas das famílias.
Além de ser composta por três dimensões que são: desenvolvimento humano,
capacitação para o trabalho e geração de trabalho e renda. Seguindo esta lógica, a primeira
etapa do curso consiste na matrícula através de entrevista e preenchimento da ficha social
dos alunos que chegam encaminhados pelo Patronato Magarino Torres (instituição da
Secretaria de Administração Penitenciária – SEAP), de indicação de ex-participantes do
curso ou usuários e de outras instituições que trabalham com egressos do sistema prisional
ou apenados, como as instituições que compõem a Rede de Apoio ao Egresso do Sistema
Prisional.
Logo, essa primeira etapa do curso e da metodologia possuem uma dimensão
de caráter individual e coletiva. Individual porque o cadastro dos interessados inicia-se a
partir da mobilização dos egressos e uma entrevista para a matrícula nas Unidades do
Sistema Prisional que concedem Termos de Liberdade Provisória e Assistida,
principalmente o Patronato Magarinos Torres. E coletiva devido à primeira etapa do curso
ser feita a partir de encontros de grupo. Assim, “os procedimentos de caráter coletivo, os
grupais, são aqueles que envolvem o atendimento dos usuários em agrupamentos
organizados pelos assistentes sociais, geralmente tomando como critério a existência de
situações comuns” (TRINDADE, 2012, p. 87).
Cabe destacar que na etapa de mobilização dos participantes é feita uma
apresentação do projeto e do curso, tentando sensibilizar e mostrar a importância da
qualificação profissional no processo de “reinserção social” através do mercado de trabalho,
sendo estabelecido pela Instituição como meta a matrícula de 100 (cem) egressos durante o
ano, oferecendo 4 (quatro) turmas de preparação. O que nos remete as reflexões de Guerra,
pois a maneira como a ação profissional é realizada demonstra que

a dinâmica, as requisições e as condições objetivas sobre as quais a intervenção se


realiza não são as mais adequadas à reflexão, a partir do que muitos profissionais
se limitam a apenas realizar suas tarefas. [...] o cotidiano profissional também não
facilita a percepção das demais dimensões da profissão. Tudo se passa como se o
exercício profissional fosse isento de teoria, de uma racionalidade, da necessidade
de se indagar sobre a realidade, de valores éticos e de uma direção política e social
(2012, p.46).

O processo de trabalho do assistente social da Agência da Cidadania também


está subdividido em atendimentos individuais e em grupo, onde recebe e realiza
encaminhamentos para outras Instituições, participa de reuniões da Rede de Apoio ao
Egresso do Sistema Penitenciário e ministra as aulas do Curso de Preparação para o
Mundo do Trabalho, citado anteriormente. Além disso, inclui-se a supervisão dos estagiários
e as reuniões de planejamento com a gerente social (a quem seu trabalho está diretamente
subordinado).
Neste sentido, outro principal serviço oferecido pela equipe do Serviço Social é o
atendimento aos sujeitos que chegam até a Instituição por meio de encaminhamentos ou
demanda espontânea, no chamado “Plantão Social”. O “Plantão Social” é uma das
atividades mais emblemáticas da categoria profissional, principalmente no Banco da
Providência, pela sua dinâmica de atendimento de demandas mais imediatas, tais como:
recursos materiais para passagem, retirada de fotografia para carteira do regime condicional
e alimentação, falta de documentação, busca de orientações/informações sobre benefícios
concedidos pelo governo - a exemplo do Programa Bolsa-Família -, e o curso de
capacitação que é oferecido pelo projeto.
Nesse tipo de intervenção nem sempre o assistente social encontra-se atento
para a reflexão da realidade do sujeito, sendo levado pelo imediatismo do cotidiano, na
prioridade de dar respostas as demandas de forma rápida, pautada em analogias de outras
situações atendidas e sem uma qualificação teórica. Ademais, a superficialidade da ação
desenvolvida não considera as suas implicações éticas e políticas. Cabe destacarmos que é
imprescindível que a dimensão técnico-operativa esteja atrelada às demais dimensões
profissionais, isto é, as dimensões ético-político e teórico-metodológica que orientam a ação
profissional como:

art. 4º Constituem competências do Assistente Social:


III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à
população;
[...]
V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de
identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus
direitos (Lei nº 8662, 1993).

Diante do exposto cabe refletirmos sobre o que explicita a professora Yolanda


Guerra:

o padrão atual de políticas sociais privatista, mercantilista e assistencialista, que


fragmenta, segmenta e setoriza as necessidades e categorias sociais, predispõe um
tipo de intervenção: pontual, focalizada, imediata, burocrática, mimética, repetitiva,
pragmática e eminentemente instrumental, exigindo pouca qualificação para
responder as demandas imediatas, condicionando o exercício profissional às
características e dinâmica do cotidiano e se limitando a ele (GUERRA, 2012, p. 53).

Por isso, identificamos que não é possível nas ações do Serviço Social um
atendimento “neutralizado”, ou seja, as ações dos assistentes sociais têm finalidades que
exigem a elaboração do melhor procedimento a ser utilizado, considerando consequências
éticas e fundamentos teóricos. Assim, pautando-se no projeto ético-político considerado
hegemônico, o exercício profissional estará direcionado para a busca de reflexão crítica
sobre a questão social, em uma perspectiva de totalidade, de acordo com os valores
sintonizados com os interesses da classe trabalhadora. O que nos remete a alguns
questionamentos sobre a “metodologia de inclusão social” utilizada no trabalho do Serviço
Social do projeto “Agência da Cidadania”, que tentaremos esclarecer no capítulo seguinte.

4. CONCLUSÃO

Para analisarmos as ações desenvolvidas pelo assistente social junto aos


egressos do sistema penitenciário buscamos verificar se as ações desenvolvidas pelo
Banco da Providência possuem um caráter imediatista, rotineiro e bucratizado, demandando
dos assistentes sociais uma atuação conservadora e irrefletida.
O que captamos por meio do presente estudo foi que as ações profissionais
desenvolvidas pela assistente social revelam traços conservadores da profissão, em que
parece que se revive o passado profissional. E, contraditoriamente, há momentos que
percebemos a busca de uma ação voltada para a perspectiva da garantia dos direitos
sociais, aprimoramento intelectual e rompimento com o conservadorismo, tendo em vista as
demandas institucionais na denominada “metodologia de inclusão social”.
Sabemos que o assistente social pode vislumbrar novas possibilidades de
trabalho e estratégias no rompimento de práticas repetitivas e rotineiras, sem reproduzir
em seu exercício profissional meros interesses capitalistas, tendo para isso que buscar
superar os elementos do cotidiano, ou melhor, o senso comum, a aparência dos fenômenos,
através da crítica à realidade social e ao âmbito sócio-ocupacional em que se encontra e,
assim, pautando-se nos Princípios Fundamentais do Código de Ética e do Projeto Ético-
Político.
Por outro lado, não podemos deixar de sinalizar que mesmo tendo os limites e
problemáticas já citados, o trabalho realizado pelo Serviço Social da Agência da Cidadania
possui um impacto, mesmo que mínimo, na vida dos egressos do sistema penitenciário
atendidos. Isso porque a Agência da Cidadania é um dos poucos projetos desenvolvidos
hoje no estado do Rio de Janeiro para esta população que sofre com os estigmas do
preconceito de já ter vivenciado o cárcere, cometerem o delito, além de serem pobres e
negros, na sua maioria. Contudo, ressaltamos que, a partir da perspectiva crítica, não é
possível o assistente social trabalhar com os objetivos de “reinserção” ou “ressocialização”,
pois a lógica do capitalismo é incompatível com os mesmo ao assegurar os mecanismos de
desigualdade social.

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