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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

As estruturas do roteiro e os gêneros


cinematográficos
Profa. Dra. Cristina Fonseca Silva Rennó
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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Sumário

Introdução 5

Ideias, criatividade e realização 5

Roteiro: uma história contada por imagens e sons 7

Roteiro: forma e conteúdo 8

Roteiro e direção 10

Cinema: o início de tudo 12

Argumento - a sinopse - storyline 15

Argumento 15

Sinopse 16

Storyline 17

Os gêneros cinematográficos 17

Aventura: 18

Comédia: 18

Crime: 18

Melodrama: 18

Drama: 18

Outros. Nessa categoria realmente cabe tudo: 19

Um roteiro exemplar 19

A criação do roteiro 24

Tratamentos de roteiro para cinema 28

Pré-roteiro, roteiro e roteiro técnico de edição 29

Imagens - diálogo - narração 30

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Estrutura física do roteiro 31

Os diálogos 31

As diferentes funções dramáticas numa história 33

Projeção e identificação 34

Os aliados do protagonista 43

Os conselheiros além do bem e do mal 45

A função dramática do perigo oculto, da surpresa ou do fato omitido 46

Ainda o antagonista e o protagonista 46

Protagonistas X antagonistas 47

Enquadramentos e movimentos de câmera - etapas de um roteiro ideal 48

Movimentos de câmera e enquadramento 48

Movimentos de câmera 48

Movimentos internos de câmera 49

Enquadramento 49

Passo a passo de um roteiro ideal 51

Parte I: escrevendo o roteiro 51

Conclusão 58

Referências 58

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Introdução Nesse tipo de narrativa, a divisão em ce-


nas, que por sua vez se dividirão em texto,
O roteiro é fundamental para qualquer diálogo e imagem, é constante. E, ainda, a
obra audiovisual, seja ela de cinema, publici- preocupação com tempo e espaço, uma ne-
dade ou de televisão, não importa se for fic- cessidade, assim como com o áudio, dividido
cional, documental, de cunho comercial ou em sons e silêncios, trilhas e ruídos ambien-
artístico. O roteiro, ao lado do argumento, é tais.
o início de todo processo de criação cinema-
tográfico e televisivo. Trata-se da concepção Tudo isso faz do roteiro uma espécie de
de uma ideia no papel: as ideias transforma- novo idioma e do roteirista um escritor de
das em texto para que possam, adiante, se índole diferente, pois escreve textos pensan-
transformar em imagens. O início de todo e do em imagens. Semelhante ao dramaturgo,
qualquer processo fílmico. que desenvolve narrativas para teatro, o ro-
teirista desenvolve textos para o filme: uma
Mas, considerando que argumento é uma trama verbal sonora e visual.
história feita especialmente para cinema,
o que enfim seria um roteiro? Roteiro, em Portanto, numa definição muito particular
francês, se diz scénario, em espanhol, guión, de roteiro, diria que:
em inglês, screenplay ou master scene. Não
importam as variadas nomenclaturas, mas Roteiro é uma espécie de arquitetura
sim o que significa em todos os idiomas: linguística estruturada para a imagem. O
uma escritura desenvolvida em cenas para roteirista é um tipo singular de escritor,
cinema e TV. pois ele pensa e escreve com palavras mas
está, na verdade, enxergando imagens.
Para alguns especialistas e escritores, tra- Para ele, o universo verbal é tão importan-
ta-se de um primo pobre da literatura; para te quanto o não verbal, e ele sabe “pensar”
outros, uma curiosa forma dessa arte, já que imageticamente. Isto é: sabe estruturar o
a estrutura é fundamental. mundo da narrativa verbal de forma que se
transformem em representações plásticas
O que se pode depreender de um longo em movimento.
debate que existe entre literatos e roteiris-
tas é que considerar um roteiro literatura em
parte dependerá da visão que se tem da pró- Ideias, criatividade e realização
pria literatura. Para quem considera a forma
literária tão importante quanto o conteúdo, Para o leigo, criar é visto como um dom
ou melhor, um tipo e um conteúdo, fica mais que faz parte de um processo quase místico
fácil compreender que roteiros são de fato de inspiração. Isto é: trata-se de uma espécie
uma forma curiosa, única e “arquitetônica” de centelha divina, que só alguns iluminados
de literatura. são capazes de receber. Mas, para os artistas

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reais, as coisas não funcionam bem assim. Talvez haja algum exagero nessa coloca-
Nos meios de criação mais sérios, tem-se ção se pensarmos em todas as categorias de
como norma que criar é 90% de esforço e arte existentes, pois algumas, mais do que
apenas 10% de inspiração. outras, dependem sim de certo dom preexis-
tente. Por exemplo, afinação para o canto,
facilidade para o desenho, flexibilidade para
a dança etc. Mas, quando falamos em cine-
ma e principalmente em roteiro, isso não se
aplica, já que um roteirista aprende a ser ro-
teirista.

Ter um bom texto e gostar de literatura


e cinema faz parte da formação de um bom
roteirista. Mas, sem aprender algumas re-
Claro que, na prática, todo artista sabe gras básicas de roteiro, ele não irá longe. E,
que de nada adiantaria essa quota gigantes- sem dedicação para desenvolvê-las no papel,
ca de esforço se ao lado dela não existisse o também não.
que chamamos de talento. Sim, talento é a
palavra mágica que pode substituir de forma Escrever um roteiro é contar uma história
mais racional e democrática a ideia de dom. para alguém. Essa história surgirá das boas
Ele pode vir do berço ou da forma como al- ideias, que não podem ser desperdiçadas.
gumas crianças são educadas, pode preexis- Por isso, cada uma que surgir deve ser anota-
tir ou não, com a vantagem de que também da pelo roteirista. Esses escritores de índole
pode ser conquistado, descoberto, desenvol- diferente estão sempre atentos às pessoas e
vido. aos ambientes que podem ser úteis ao seu
processo de criação.
Talento desperdiçado não é nada; esfor-
ço direcionado pode vir a se transformar em
criação.

Uma pessoa pode nascer, por exemplo,


com uma bela voz e muita afinação, mas
nem por isso se transformará numa canto-
ra. No entanto, uma pessoa sem grande voz,
mas com muita vontade de cantar, garra e
estudo, pode alcançar patamares tão altos
de desenvolvimento artístico que de fato se Quando temos uma ideia, ela pode sur-
tornará até mesmo uma grande profissional gir por pura inspiração ou ter sido trabalhada
da área. intencionalmente, integrada a um objetivo.

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Neste último caso, partimos do desejo ou da Roteiro: uma história contada por
obrigação de nos debruçarmos sobre um de-
terminado projeto.
imagens e sons
Como já vimos até aqui, ninguém vira
roteirista apenas com uma grande ideia. É
necessária a prática de saber colocá-la num
papel a partir de regras básicas que de fato
a transformem numa obra de ficção audio-
visual. Um roteiro é um projeto audiovisu-
al, portanto suas histórias são contadas com
imagens e sons, que surgem em forma de
cenas, sequências e montagens. As imagens
são parte integrante do processo de criação
de um roteirista, portanto, não se deve es-
Quase todos os roteiros são encomendas, e,
tranhar se uma boa narrativa surgir a par-
nesses casos, o roteirista está a serviço do ato
tir de uma imagem, uma cena qualquer que
de criar e pensar em direção a determinado
a memória apreende nas ruas, em casa ou
tema.
mesmo nos sonhos.

É quando somos contratados, por exemplo,


para desenvolver uma adaptação, uma peça
publicitária ou um filme institucional, ou até
mesmo um roteiro para um determinado pro-
dutor. Nessas horas, não vale dizer que se está
sem inspiração, pois o roteiro terá que sair de
qualquer maneira. Por isso, o exercício de estar
sempre com papel em punho e anotar tudo de
interessante que surgir ao redor pode ser uma
boa medida para as horas de escassez criativa.

O fundamental é não deixar aquele


importante momento de inspiração se perder,
pois ele poderá significar o início de uma bela
história para cinema ou televisão. E, se o pedi- Cena de Esta noite encarnarei no seu cadáver, filme de Zé do Caixão,
personagem do cineasta José Mojica Marins. Fonte:
do de roteiro vier por contrato num momento http://files.myopera.com/el99porciento/albums/12290812/mojica_
sem inspiração, vá para o computador e co- marins_galeriaRetrato.jpg
mece a escrever tudo o que vier na cabeça.
Mesmo que seja nada, pois uma hora a boa O cineasta José Mojica Marins, por exem-
ideia surgirá. plo, nunca escondeu que seu famigerado

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monstro Zé do Caixão surgiu primeiramente Roteiro: forma e conteúdo


em sonhos. Ou melhor, é fruto de um pesadelo
terrível que ele teve ainda na adolescência. Ao Sem forma, não existe roteiro. E pouco im-
acordar, já estava com todo o argumento de porta se a narrativa a desenvolver for clássica
seu primeiro filme na cabeça. ou experimental, a necessidade de saber for-
O filme Esta noite encarnarei no seu cadáver, matar um roteiro será a mesma para ambos
de 1967, fez o diretor Glauber Rocha, presente os casos. O escritor terá que conhecer certas
na plateia em sua estreia, levantar-se gritando: regras básicas para conseguir desenvolver
“Gênio! É um gênio! Estamos diante de um gê- seu trabalho de maneira que seja aceito em
nio!”, além de despertar atenção de produtores qualquer padrão europeu, americano ou asi-
e cineastas norte-americanos, anos mais tarde, ático. Cinema é uma linguagem universal, e
surpresos com a inventividade de Marins. o roteiro que o precede, e que de fato é sua
O cineasta José Mojica Marins nasceu em forma escrita, deve ser também, consequen-
13 de março de 1936. Conhecido no Brasil e temente, uma linguagem universal.
no exterior, é considerado nosso maior nome
do cinema no gênero terror. Além de diretor,
também é ator principal e roteirista de seus
próprios filmes e animador na televisão de pro-
gramas famosos sobre terror e de entrevistas
no gênero. Marins ficou conhecido como “Zé
do Caixão”, seu mais famoso personagem do
cinema, um agente funerário que sonha con-
quistar o mundo.

A falta de uniformidade do roteiro impedirá


que o roteirista participe de qualquer diálogo
inicial com o exterior. Tanto faz se em Japão,
China, Mongólia, Estados Unidos ou países
europeus, a atenção dada à formatação de
um roteiro é total, padronizada, ao contrário
do que ocorre no Brasil, em que muitas vezes
a falta de conhecimentos técnicos faz com
que cada autor escreva do jeito que quiser, e
o diretor que se vire para compreender. Ape-
sar de ainda hoje acontecer assim, isso em
geral não funciona; pelo contrário, atrapalha
o desenvolvimento da própria trama da his-
Marins vestido como Zé do Caixão. Fonte: http://imagem.band.com.
br/f_24092.jpg tória.

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Desmentindo certa mítica corrente no país, que os franceses – de fato os inventores do


roteiro não é uma camisa de força que exis- cinema - chegam a chamar o roteiro de “ce-
te para restringir a criatividade do escritor, nário”, para que isso fique muito claro.
e sim serve para ajudar na criação do texto.
Para eles, a narrativa cinematográfica é
principalmente o suporte da imagem, pois
não trabalha a favor da linguagem verbal,
como a poesia, o conto, os romances, mas
para que os filmes se façam com imagens.

Mas é lógico que devemos desconfiar des-


sa visão francesa tão radical de que um rotei-
ro seja apenas uma moldura para os filmes,
na medida em que, mesmo nele, a literatura
existe: como no teatro, ela está nos diálogos,
Assim como o pintor deve dominar tintas e a poesia, nas imagens. A arte do roteirista
e pincéis para pintar, o chef, suas receitas está no entrelaçamento perfeito entre esses
e seus apetrechos de cozinha, e o músico, dois universos, o verbal e o não verbal, que
um instrumento musical, partituras etc. para se dá a partir da montagem.
compor, um roteirista, além de dominar nor-
mas gramaticais de seu idioma para escrever,
terá que dominar certas regras básicas de
formatação de um roteiro para desenvolver
sua história.

A arte cinematográfica é uma arte indus-


trial e madura, feita por uma equipe de pro-
fissionais, por isso o autor que se aventurar
nela como roteirista terá que de fato apren-
der esse “novo idioma”, complexo, icônico e
absolutamente necessário para o desenvol-
vimento de sua narrativa. Sem isso, ele se
distanciará de sua própria função, que é a de O certo é que um roteirista deve ser mais
contar uma história sem perder o parâmetro do que um cinéfilo. Deve adorar a literatura
imagético de que ela necessita para se de- tanto quando adora a fotografia e as ima-
senvolver. gens em movimento. E quem não gostar de
ler e escrever que não se aventure nessa
No roteiro, a importância da integração arte e profissão, pois seus parâmetros de
entre texto e imagem é fundamental. E o construção narrativa e montagem são todos
texto está a serviço da imagem a tal ponto baseados na arte literária.

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Foi isso que encantou alguns dos grandes Roteiro e direção


escritores do século XX, que souberam ver
o cinema não só como uma arte próxima da O importante diretor japonês Akira Kuro-
pintura, mas também como a mais próxima sawa, que tantos filmes realizou, encantando
do sonho e da literatura, o que para muitos
o mundo com suas obras densas e repletas
dá no mesmo.
de humanidade, costumava dizer:

Nenhuma outra arte, além da literatura,


Com um bom roteiro, um grande
soube unir com tanta perfeição sonho e rea-
diretor pode fazer excelentes filmes,
lidade quanto o cinema. Na medida em que
um diretor medíocre pode fazer um
o roteirista escreve um texto pensando nas
filme razoável. Mas, com um mau
imagens, bem poderíamos defini-lo como um
roteiro, mesmo um grande diretor
narrador que trama fatos para virar “reali-
não consegue fazer nada (FONSECA,
dade virtual” na sala escura. Dessa forma,
2005, p. 91).
não seria estranho afirmar que o roteirista
em processo de criação é um tipo de escritor
Por essa colocação, pode-se ter a noção
que “sonha acordado”.
da importância do roteiro para um filme e
da relação de estreita dependência entre o
Inspiração, transpiração e conhecimento
diretor e o roteirista - naturalmente, quando
técnico são a fórmula do bom roteiro.
o diretor não for o próprio roteirista.
Para desenvolver trabalhos profissionais
na área de roteiros, sejam eles de ficção, Cinema é um trabalho de equipe; nesse
documentais, institucionais, para televisão, aspecto, todos os seus membros - técnicos,
produtoras etc., sempre teremos que seguir fotógrafos, atores, produtores, contrarre-
suas regras básicas de estrutura, que en- gras, montadores, cenógrafos, figurinistas
volvem a divisão em introdução, desenvol- etc. - são fundamentais. Mas a base de tudo
vimento, clímax e conclusão. Teremos ainda é de fato o casamento perfeito entre diretor
que desenvolver um bom enredo e as etapas e roteirista, uma vez que um filme começa
básicas de qualquer roteiro, a saber: o argu- sempre, e antes de qualquer outra coisa, no
mento, a sinopse, o storyline e os três trata- papel.
mentos de roteiro.
Para realizar um bom produto audiovisual,
No audiovisual, a questão do conflito é é necessário ter em mãos um bom roteiro.
fundamental, pois tem uma enorme impor- Dito dessa forma, a coisa parece um tanto
tância para o surgimento de uma história. É óbvia, no entanto, não é tão fácil encontrar
a partir do enredo que se pode pensar no bons roteiros e, consequentemente, bons ro-
storyline, no argumento e no roteiro propria- teiristas. Muitas vezes, temos bons argumen-
mente dito. tos, mas nem sempre eles se transformam

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em bons filmes. É comum, ainda que assustador, que, ao chegarmos ao desenvolvimento de


uma história, alguma coisa se perca.
A verdade é uma só: não existe uma fórmula mágica, uma receita de bolo, para o bom ro-
teiro. Dessa forma, é inútil nos apegarmos a livros, como os de Syd Fields, que ensinam um
rígido controle do timing das ações e das viradas que prendem e surpreendem a audiência,
procurando garantir o sucesso de público das produções, pois a arte de escrever roteiros é
muito mais complexa do que isso.

A necessidade de planejamento e de ordenamento coerente e sistemático da história a


se desenvolver é inegável. Não há como refutar a necessidade de um ritmo e da criação de
núcleos dramáticos no roteiro, assim como de etapas a ser cumpridas pelo protagonista,
mesmo que só haja uma.

Há que existir uma trama, um conflito, e a história terá que seguir uma lógica, por mais
surrealista que seja, como nos filmes nonsense dos Irmãos Marx ou do Gordo e do Magro
– afinal, o ilógico também caracteriza um estilo cinematográfico e tem trazido alegrias ao
espectador.

O fundamental para iniciar qualquer história audiovisual, pelo menos em se tratando de


conteúdo, é ter uma premissa inicial - ou seja, ao que veio essa narrativa que se pretende
desenvolver, um ponto de vista, ainda que ele se confunda com a “moral da história” - e
persegui-la até o fim.

Esse será o norte a seguir. Ter a premissa em mente ajudará a desenvolver o roteiro e
será o gerador do argumento. Não devemos esquecer que um filme começa no argumento
e termina na montagem. Portanto, entre uma ponta e outra dessa corda, há um longo per-
curso a seguir.

Os irmãos Marx protagonizaram, nos anos 1940, um dos grupos mais felizes do cinema nonsense. Seus filmes com roteiros hilários e inteligentes
foram um marco no cinema. Fonte: http://www.idadecerta.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/10/IRM%C3%83OS-MARX-01.bmp

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1) Silêncio para a música é som.


2) Mesmo o chamado “cinema silencio-
so”, que remete aos primórdios até a
década de 1910-1920, era orquestra-
do ao vivo nas sessões públicas. Nun-
ca houve, nesse sentido, um cinema
rigorosamente mudo, sem trilha ou
sonoplastia. O que ocorre é que o
som ainda não estava mixado no pró-
prio rolo dos filmes.

Relógio O Gordo e o Magro feito em vinil. O Gordo e o Magro


Quando, em Paris, em 1895, no Salão In-
foram outra dupla famosa do cinema nos anos 1940 que irradiava
diano do Grand Café, no Bulevard dos Capu-
alegria a partir de roteiros nonsense. Pareciam mesmo cartuns
chinhos, ocorreu a primeira exibição de um
vivos. Seus gestos e movimentos eram parecidos com uma
filme, 33 espectadores maravilhados viram-
espécie de desenhos em animação. Fonte:http://img.elo7.com.
-se diante de um espetáculo até o momento
br/product/zoom/7B24A5/relogio-gordo-e-o-magro.jpg
impossível de se conceber: o cinema. Sobre
uma pequena tela, a vida das ruas ganhava
Cinema: o início de tudo movimento.

Não podemos pensar em audiovisual sem Carros, cavalos, pedestres começaram a


se mover na tela diante dos olhos dos bo-
lembrar que o cinema é o início de tudo. Vin-
quiabertos convidados. Não se pode duvidar
do da fotografia, cinema é na verdade foto-
grafia em movimento, por isso película. Jáque, diante do miraculoso evento, ao se de-
a televisão é banda de som, portanto, estáparar com aquelas imagens movendo-se, os
espectadores chegassem a ouvir, ainda que
mais para a música do que para a fotografia.
Ainda assim, toda a base imagética da TV só na imaginação, o ruidoso som das ruas.
vem do cinema: planos, movimento de câ- Cada gesto da tela, ainda que mudo, indica
mera e enquadramentos. um som. Isso porque cinema é uma arte indi-
cial, por isso tem a capacidade de revelar ao
O cinema, uma invenção dos irmãos Lu- espectador mesmo o que não esta na tela:
mière, nasceu na França, em 28 de dezem- aspectos do filme apenas sugeridos pela his-
bro de 1895. Desde seu surgimento, sempre tória, uma característica do cinema que faz
foi uma arte verbal, sonora e visual. parte do próprio roteiro.

Nesse ponto, pode-se indagar: - mas, se Além das imagens, o roteirista indica tam-
bém os sons que participarão do filme. Ima-
o cinema surgiu mudo, como se pode falar
gens e sons são aspectos de construção de
em sonoro? E eu responderia que por duas
um roteiro que serão parte integrante dos
razões:

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filmes. Nesse aspecto, o “cinema falado” foi


uma conquista aguardada desde o início,
quando os filmes ainda eram mudos.

Primeiras fotos coloridas dos irmãos Lumière, inventores do

cinema ao lado do prestigitador Meliès. Fonte: http://i44.servi-

Algumas das primeiras fotos coloridas dos irmãos Lumière, mg.com/u/f44/11/44/86/39/premi-13.jpg

franceses inventores do cinema, ao lado de Meliès. Fonte: http://

www.carent.com/pps/early_color_photos/slide4.jpg É curioso pensar que ocorreu na França,


um dos países mais literários e logocêntricos
do mundo, o nascimento do cinema. Isso só
vem reforçar a constatação de parentesco
entre literatura e cinema, independentemen-
te de outras grandes diferenças que compor-
tam essas duas linguagens.

Lá, os roteiros chamam-se scénario, pois


considera-se que eles sejam um verdadeiro
Nessas fotos, já se percebe o talento de grandes documen- cenário verbal do filme. Dizem eles aos rotei-
taristas que eles foram. Fonte: http://www.carent.com/pps/ear- ristas mettre em scène, querendo dizer que o
ly_color_photos/slide5.jpg texto de um roteiro deverá se “disposer pour
la représentation théâtrale ou la prise de
vues cinématographiques”. Traduzindo, no
roteiro, o texto deverá “se colocar em cena
para representação teatral ou cinematográ-
fica”. Eles deixam claro, com isso, a própria
função do roteirista, que é a de formatar um
texto para cinema sabendo dispor as diferen-
tes ações de uma história em cenas sequen-
Suas fotos fazem lembrar que cinema é fotografia em mo- ciais. Reforçam a ideia de que fazer roteiro é
vimento. Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_KwmddgO-H0I/SsIo- escrever textos pensando em imagens, sons,
gA5gLaI/AAAAAAAALDs/c_nuBWl-Sz4/s1600-h/6.png diálogos, ações e ruídos, efeitos e fatos.

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Como no teatro ou na prosa literária os multimídia, principalmente os audiovisuais.


diálogos são as falas e a personalidade dos E o roteiro, no qual tudo principia, tornou-
personagens. No cinema, como no teatro, -se necessário na construção de todos es-
a criatividade literária encontra-se neles, e ses meios. Isto é, faz-se roteiro para rádio,
a poesia da obra, na somatória de texto e para televisão e para as artes do vídeo. Ainda
imagem. Quanto aos sons, que muitas ve- mais, até para as novas mídias que surgiram,
zes emprestam alma a um filme (no suspen- como videoarte, filmes publicitários, sites de
se, por exemplo, ou mesmo no gênero de internet, artes eletrônicas em geral, artes de
terror), eles sempre estão presentes, ainda computador, como os games etc. O roteirista
que as imagens estejam envolvidas apenas tornou-se o elo de todas essas artes, pois o
em silêncios. Isto é, se assistimos a um filme roteiro é parte fundamental do instrumental
mudo e vemos uma cena de sinos badalan- de construção de todas elas e tem caracterís-
do, por exemplo, ou o mar batendo numa ticas e formatações básicas que se mantêm
encosta, já temos esses sons internalizados nas diferentes mídias.
no inconsciente. Imediatamente, por isso,
eles voltam à memória, que reconstrói inter- Só que, diferente do escritor de papel, o
namente os ruídos de badaladas ou de águas roteirista de audiovisual, seja dos chamados
em choque. multimeios, seja do cinema, precisa ter domí-
nio de mais de uma linguagem. Isso porque
sua escritura deverá conter todos os sons,
falas e imagens que compõem as filmagens
ou ainda as gravações de TV. Todo roteirista
deve saber que, por ser película, o cinema fil-
ma as cenas, pois é fotografia; por ser banda
de som, a TV grava as cenas. TV é tela pe-
quena, comporta principalmente planos mé-
dios e primeiro plano; cinema é tela grande,
feita para grandes planos gerais e planos de
detalhes.
Por ser uma arte intersemiótica, isto é, que
transita e dialoga com outras artes, como a Um roteirista deve saber que cinema está
fotografia, a arquitetura, a literatura e a mú-
para a fotografia e a pintura assim como a
sica, para não falar de figurino, teatro e de-
televisão está para o rádio e o teatro. Inde-
sign, a natureza do cinema é intrinsecamen- pendentemente de se gravado ou filmado, o
te multimídia. roteirista deverá ter consciência do caráter
multimídia e formal de sua arte. De qualquer
Cinema é uma arte que resulta da soma- maneira, para esta disciplina, interessa o ro-
tória de outras artes. Daí sua vocação ins- teiro de cinema, de fato o princípio de toda a
tantânea de matriz de todos os outros meios história do audiovisual.

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Argumento - a sinopse - storyline portanto, ele não deve desenvolver histórias


paralelas que jamais serão mencionadas no
filme.
Argumento

O argumento é uma história preparada es-


pecialmente para o cinema. Contém no seu
desenvolvimento o enredo, o tema, os confli-
tos, o clímax, os antagonistas e protagonis-
tas da narrativa e os envolvimentos emocio-
nais. Pode conter alguns diálogos, que serão
mais bem desenvolvidos no roteiro.
Um argumento evita subjetivismos e ad-
jetivações desnecessárias e desenvolve uma
espécie de quadros de ações muito claras
que possam se transformar em cenas. Sua
narrativa tem começo, meio e fim.

Está ali todo o conteúdo que será desen-


volvido em roteiro, inclusive a mensagem do
filme, ao que ele veio e até o público que irá
atingir. Estão nele seu estilo e seu gênero,
A diferença entre um argumento e uma se terror, suspense, ação, romance ou dra-
história para literatura é que aquele não tra- ma e todas as variantes que um filme pode
balha para a linguagem verbal e nem para o permitir.
suporte livro e sim para o meio audiovisual.
Portanto, não se detém nas complexidades O argumento, na verdade, é a ideia gera-
da escrita. Deve usar uma linguagem direta, dora do filme, o assunto que levará ao desen-
enxuta e objetiva. Não coloca nada que pos- volvimento de um roteiro. Por isso mesmo,
sa fugir do conteúdo de um filme, e, nesse muitas vezes, mesmo que um diretor não
aspecto, seus personagens são descritivos, saiba ou não queira desenvolver seu próprio
pincelados nos seus aspectos físicos e psico- roteiro, é dele o argumento, ou pelo menos a
lógicos. Funcionam com ações claras e não ideia inicial, que poderá ser desenvolvida por
têm passado, a não ser aquele que poderá um argumentista.
se converter em imagem. Sobre essa ques-
tão, um argumentista deve lembrar, ao criar O argumentista é a pessoa que escreve
seu enredo e seus personagens, que um fil- argumentos. Essa é uma profissão autôno-
me não tem passado e nem futuro. Só tem ma, nem sempre desenvolvida pelo próprio
presente, pois tudo se presentifica na tela; roteirista.

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Em Hollywood, por exemplo, ou mesmo na ela contenha todos os parâmetros de sua re-
televisão, temos profissionais que ganham a alização, isto é: o que, como, onde e por que
vida com isso, criando argumentos para fil- do projeto, o gênero, se histórico, antropoló-
mes de entretenimento, que serão produzi- gico, cultural, biográfico etc., além de especi-
dos em baciadas e distribuídos pelo mundo ficar se é um projeto único ou uma série, se
sem nenhuma preocupação com a grande para cinema ou para TV.
arte ou com o que existe de mais singular
no cinema. O argumento pode ser proposto Sinopse
pelos patrocinadores de uma obra, pelo dire-
tor de programação de TV ou pelo diretor de Sinopse, como o nome já diz, é uma visão
cinema. de conjunto de uma obra. Em cinema, signi-
fica uma breve narrativa, um resumo, sumá-
rio ou síntese de um filme, sua apresentação
concisa, tanto faz se for uma ficção ou um
documentário.

Sinopses, ainda que muitas vezes malfei-


tas, são aqueles resumos de filme que vêm
atrás de um vídeo nas locadoras, com a di-
ferença de que ali o resumo do enredo não
está completo, pois o suspense do final cria
a expectativa de se querer ver a produção.
Na sinopse feita para cinema, ao contrário,
temos o resumo completo de uma história,
seu começo, meio e fim. Um filme completo
tem argumento, sinopse e roteiro.

No documentário, o argumento não é o A sinopse tem várias utilidades. Além de


desenvolvimento de uma história, mas a servir como resumo da contracapa dos fil-
justificativa de um tema, sua estrutura e o mes, é apresentada para o patrocinador ou
o diretor de programação e serve à divulga-
desenvolvimento do projeto. É fundamental
ção. É de praxe que, na divulgação de um
que no argumento de documentário esteja
novo lançamento, as redações de jornais e
o raciocínio pelo qual se tirará uma conse-
revistas recebam o release do filme contendo
quência ou se fará uma dedução sobre o
uma sinopse da obra em questão.
tema proposto. Nesse gênero de realização,
funciona como a palavra sugere: uma argu-
Nas novelas em geral, apresenta-se a si-
mentação que poderá ou não levar a cabo o
nopse e não o argumento de um novo proje-
desenvolvimento do projeto. Para que essa
to. Isso porque novela não é uma história fe-
argumentação seja sólida, é necessário que

16
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

chada, mas uma obra em processo, na qual o com desenvoltura, mas em geral eles acabam
desenvolvimento dos capítulos e das tramas abraçando um só, especializando-se nele e
paralelas está comprometido com audiência, fazendo nome. Por isso, temos grandes rotei-
a ponto de haver mais de uma opção de fi- ristas de terror, outros de suspense, outros de
nal, que até o último capítulo ainda poder ser western etc. Stephen King, por exemplo, um
mudado. Por tudo isso e pela agilidade da dos mais bem-sucedidos roteiristas da atuali-
obra, uma novela costuma ter os primeiros dade, é um escritor de terror, mas isso não o
capítulos desenvolvidos logo depois da apre- impediu de fazer uma ou outra obra em ou-
sentação da sinopse e de sua aprovação. tros gêneros.

Storyline Existe uma classificação bem sistemática


dos gêneros cinematográficos e suas subdi-
Storyline é o resumo em cinco linhas de visões. Os principais são basicamente cinco,
um roteiro ou argumento. Além de uma ideia que acabam se desdobrando em novos gêne-
ou conceito, é também a história-problema ros ou subgêneros.
resolvida, sem que os detalhes dessa resolu-
ção estejam completamente desenvolvidos. São eles:

Storylines são muito usadas nas pequenas • Aventura.


narrativas, nos videoclipes ou nos filmes pu-
blicitários, pois, como são espécie de miniar- • Comédia.
gumentos, são perfeitamente adequados a • Crime.
obras de curta duração.
• Melodrama.
Um filme publicitário tem uma duração que • Drama.
varia de 26 segundos a 20 minutos, no máxi-
mo, se for institucional; portanto, o storyline • Outros.
é mais do que suficiente para conter tudo o
que for necessário para sua produção. Naturalmente, se esses são os gêneros bá-
sicos, é comum o hibridismo entre eles. Você
Os gêneros cinematográficos pode ter uma aventura que seja um melodra-
ma ou um melodrama de ação. Pode ter tam-
Uma das principais coisas que um roteiris- bém um filme de humor negro ou ainda uma
ta deve saber ao desenvolver sua narrativa é tragicomédia etc. O melodrama, por sua vez,
situá-la dentro de um gênero cinematográfi- também abre um grande leque de possibili-
co. A partir, daí poderá trabalhar com mais dades e é de grande importância no cinema
tranquilidade seu roteiro. americano. Ele começou com a inserção de
Os gêneros são muitos, e os roteiristas po- diálogos na música, num processo que deri-
dem ser ecléticos, mudando de um para outro vou também para a ópera. Foi adotado por

17
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Hollywood em seu potencial e seus elementos • Ação.


de função dramática (não confundir apenas
• Mistério.
com os musicais). Portanto, dentro de todas
as variantes possíveis e cabíveis dos gêneros, • Musical.
o roteirista deve abraçar um deles e criar, a
A aventura também aparece como subgê-
partir desse norte, os artifícios e códigos ne-
nero na subdivisão do melodrama.
cessários para transmitir a ideia pretendida
com aquele roteiro.
Comédia:
• Romântica.

• Musical.

• Infanto-juvenil.

Crime:
• Psicológico.

• Ação.

• Social.
Se se vai trabalhar num musical, sabe-se que Melodrama:
as matérias-primas serão obviamente a músi- • Ação.
ca, a dança, a coreografia, os bailarinos etc. Se
se vai para o terror, haverá o suspense, a luz e • Aventura.
também o desenho sonoro como aliados. • Juvenil.

Qual será a melhor maneira de criar clímax • Detetives e mistério.


dentro deles? • Social.

Vai-se entregar, de imediato, o antagonis- • Romântico.


ta da ação ou vai-se confundir o espectador, • Guerra.
mostrando um personagem sonso que aos
• Musical.
poucos se revelará? Vai depender só do ro-
teirista o modo como usará suas estratégias. • Psicológico e mistério.
Isso é realmente o que importa. Vamos anali-
• Psicológico.
sar agora como ficam os desdobramentos dos
principais gêneros em subgêneros: Drama:
• Romântico.
Aventura:
• Biográfico.

• Western. • Social.

18
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

• Musical. ma brasileiro. Esse filme, uma ficção passa-


da no sertão brasileiro narrando a saga dos
• Comédia.
cangaceiros, criou uma espécie de western
• Ação. sertanejo, que logo se tornaria um gênero
nosso. Vencedor do Festival Internacional de
• Religioso.
Cannes, na década de 1950, como melhor
• Psicológico. filme de aventura e melhor trilha sonora, foi
divisor de águas do cinema nacional. A par-
• Histórico.
tir daí, muitos filmes e séries foram criados
Outros. Nessa categoria realmente dentro desse gênero, entre eles, uma obra-
cabe tudo: -prima: Deus e o Diabo na terra do sol, de
• Fantasia. Glauber Rocha (1964).

• Farsa.

• Terror.

• Documentário.

• Semidocumentário.

• Animação.

• Histórico.

• Séries.

• Educativo.

• Propaganda.

• Mudo.

• Erótico.

Cangaço: um gênero tipicamente brasilei-


ro.No Brasil, o cinema criou um gênero úni-
co, que só se enquadra entre nós, mas que é Cartaz do premiado filme O cangaceiro (1953), que inaugurou o gênero
legítimo e perfeito para nossa cultura: o filme de cangaço no cinema brasileiro, um gênero cinematográfico tipicamente
nosso. Fonte: Reprodução de cartaz pertencente à autora.
de cangaço. http://www.conoceralautor.com/ficheros/images/06599_gv.jpg

Com diálogos desenvolvidos pela escritora Um roteiro exemplar


cearense Rachel de Queiroz, o filme O can-
gaceiro (1953), dirigido por Lima Barreto, Nas próximas páginas, você encontrará
foi a primeira obra sobre cangaço do cine- um trecho exemplar de um roteiro do gêne-

19
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

ro cangaço. Trata-se de um dos filmes mais


importantes da história do cinema brasilei-
ro, aplaudido mundialmente pelos festivais
de cinema internacionais: Deus e o Diabo na
terra do sol, de 1964.

O filme teve direção e roteiro de Glauber


Rocha, que encabeçaria, a partir dele, um
movimento de cinema de vanguarda conheci-
do por “Cinema Novo”. O movimento lançava
uma nova estética cinematográfica, que se Imagem do filme Deus e o Diabo na terra do sol De Glauber Rocha.
Cena do cangaceiro Corisco e o boiadeiro Manuel. Fonte: http://
propunha a compensar nossas deficiências coisasdaarquitetura.files.wordpress.com/2011/12/deus-e-o-diabo.jpg
técnicas com muita criatividade e lançaria a
proposta “uma câmera na mão e uma ideia Observe que o roteiro está escrito em fon-
na cabeça”. O Cinema Novo desenvolveria te Courier New, tamanho 12, pois essa é a
também uma linha muito específica de rotei- fonte correta para se escrever um filme.
ros com temática social, que Glauber Rocha Vamos à leitura:
chamaria de “Roteiros do Terceiro Mundo”.
Roteiro 1
Leia e releia quantas vezes for necessário este
roteiro, para começar a se familiarizar com essa Ficha Técnica:
nova forma de escrita. Em seguida, procure as-
sistir em DVD a esses trechos do filme. A partir Título original: Deus e o Diabo na terra do
daí, observe de que forma se dá a passagem de sol.
uma estrutura verbal para uma estrutura audio-
visual. Por enquanto, vamos ao roteiro simples, Duração: 110 minutos - preto e branco.
sem os cabeçalhos, para que a familiarização Ano de realização: 1964,
com esse tipo de texto seja mais fácil. Roteiro e direção: Glauber Rocha.
Argumento e diálogos: Glauber Rocha e
Paulo Gil Soares.

Filmado no sertão da Bahia.

Sinopse: História do vaqueiro Manuel e de


sua mulher Rosa, que vivem num latifúndio
explorado pelo Coronel. Um dia, num aces-
O famoso cartaz do filme Deus e o Diabo na terra do sol, feito pelo so de ira e revolta, Manuel mata o patrão.
designer tropicalista Rogério Duarte. Fonte: http://3.bp.blogspot. Perseguidos, ele e Rosa fogem pelo sertão
com/_qsHfv-2B0RM/TKOOrSfRqEI/AAAAAAAAADE/ubiHH35-BoY/s1600/
sem+t%C3%ADtulo.bmp adentro, indo unir-se primeiro com o beato

20
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Sebastião (alusão a Antônio Conselheiro, lí- bondade nos olhos, / Jesus no co-
der da Revolta de Canudos) e depois com ração.”
o bando do cangaceiro Corisco (sobreviven-
te do massacre de Angico e braço direito de TÍTULO DO FILME APARECE NA TELA
Lampião). A saga termina com Manuel aban- “DEUS E O DIA-
donando o sertão em direção ao litoral, pois BO NA TERRA DO SOL”
conclui que “a terra é do homem, nem de SEQUÊNCIA 1
Deus, nem do Diabo”. Um dos filmes mais CENA 2
aclamados do Brasil no exterior, revelando
MANUEL ENCONTRA O SANTO SE-
Glauber Rocha como diretor; passou a cons-
BASTIÃO COM UM GRUPO DE BEATOS
tar na lista internacional de cinema entre os
ANDANDO PELO AGRESTE E CANTAN-
100 maiores filmes de todos os tempos.
DO. MANUEL E SEBASTIÃO OLHAM-
-SE NOS OLHOS, LONGAMENTE.
Página 1 – Capa do roteiro:
BEATOS (CANTAM)

“DEUS E O DIABO NA
“As ovelhas desgarradas / que
TERRA DO SOL”
andam em pastos perdidos/ procu-
UM FILME
rando o seu rebanho / e o Senhor
DE
da Boa Morte. / Quero deixar este
GLAUBER ROCHA
mundo / com a minha triste sina,
/ procurando seu rebanho / e o Se-
Página 2 – O roteiro desenvolvido: nhor da Boa Morte.”

INTRODUÇÃO SEQUÊNCIA 2

CENA 1 CENA 3
MANUEL CHEGA EM CASA, SALTA DO
O SERTÃO SECO, O GADO MORTO. CAVALO E DIRIGE-SE À SUA MULHER
O VAQUEIRO MANUEL OBSERVA O GADO ROSA, QUE ESTÁ BATENDO PILÃO NO
MORTO, MONTA EM SEU CAVALO E AFAS- TERREIRO.
TA-SE DO LOCAL. MANUEL
CANTADOR - Rosa, eu vi o Santo Sebastião!
Ele disse que évem um milagre salvar
“Manuel e Rosa viviam no Sertão todo mundo. Tinha uma porção de
/ trabalhando a terra com as pró- gente atrás dele e os fiéis tudo
prias mãos./ Até que um dia, pelo cantando... e rezando...»
sim e pelo não, / entro na vida ROSA NÃO INTERROMPE O TRABALHO;
deles o Santo Sebastião. / Trazia CONTINUA PILANDO MILHO, NÃO RES-

21
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

PONDE. MANUEL DIRIGE-SE À SUA MÃE, - Já trouxe as vaca, mas morre-


QUE ESTA SENTADA À SOMBRA, JUNTO ram quatro.
À PORTA DA CASA. MANUEL RETORNA MORAIS
PARA PERTO DE ROSA. - Beberam no açude do norte?
MANUEL MANUEL
- Mãe também num acredita... Mas - Sim, sinhô. Era onde tinha
eu vi. Ele me olhou aqui dentro... água... Foi mordida de cobra...
É o milagre, Rosa, é o milagre! Truxe doze vacas... Queria fazer
CENA 4 a partilha pra ajustar as con-
CASA DA FARINHA. MANUEL CORTA E tas...
RALA MANDIOCA. ROSA MOVIMENTA A MORAIS
- Num tem conta pra acerta. As
RODA QUE FAZ GIRAR O RALADOR.
vacas que morreram eram todas
SEQUÊNCIA 3
suas.
CENA 5
MANUEL
FEIRA NA CIDADE. MANUEL VENDE
- Mas seu Morais, as vacas ti-
A FARINHA QUE PRODUZIU COM ROSA.
nham o ferro do sinhô...Num pode
ANDA PELA FEIRA. ESCUTA UM VIO-
ser logo as minha... que sou um
LEIRO.
home pobre. Foi azar, mas é ver-
VIOLEIRO (CANTA) dade! Cobra mordeu as rês do si-
“Sebastião nasceu do fogo / mês nhô...
de fevereiro / anunciando que a MORAIS
desgraça / ia acabar com o mundo - Já disse, tá dito. A lei tá
inteiro, / mas que ele podia sal- comigo...
var quem estivesse ao lado dele, MANUEL
que era santo, que era santo, / - Dá licença outra vez, seu Mo-
era santo milagreiro.” rais... Mas que lei é essa?
CENA 6 MORAIS
MANUEL ANDA PELAS RUAS DA PE- - Quer discutir?
QUENA CIDADE OLHANDO AS CASAS CO- MANUEL
MERCIAIS, CRUZA A ZONA DA COM- - Não, sinhô... Só tou querendo
PRA E VENDA DE ANIMAIS, EXAMINA saber que lei é essa que num pro-
UM CAVALO. CHEGA NUM CURRAL ONDE tege o que é meu.
ESTA O CORONEL MORAIS. MORAIS
MANUEL - Já disse, tá dito... Cê num
- Bom dia, Coronel Morais. tem direito a vaca nenhuma.
MANUEL
MORAIS
- Mas, seu Morais... o sinhô num
-Bom dia.
pode tirar o que é meu!
MANUEL

22
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

MORAIS
- Tá me chamando de ladrão?
MANUEL
- Quem tá falando é o sinhô...
O CORONEL MORAIS CHICOTEIA MA-
NUEL.
MORAIS
- Pra você aprender, ordinário!
MANUEL PUXA O FACÃO E MATA O CO-
RONEL MORAIS.
SEQUÊNCIA 4
CENA 7
PERSEGUIDO POR DOIS JAGUNÇOS,
MANUEL CHEGA A GALOPE EM SUA CASA. Exercício 1
TIROTEIO NO TERREIRO DA CASA. UM
DOS JAGUNÇOS MATA A MÃE DE MA- Depois de ler atentamente e observar toda
NUEL. MANUEL MATA OS DOIS JAGUN- a estrutura desses dois roteiros, procure as-
ÇOS E ABRAÇA ROSA. sistir ao filme, seja online ou alugando em
MANUEL BAIXA AS PÁLPEBRAS DA MÃE uma locadora, e compare o que está escrito
MORTA. no texto com o que foi realizado na tela. Com
CANTADOR (OFF) isso, você aprenderá muita coisa.

Meu filho, tua mãe morreu/Não foi


de morte de Deus,/ foi da briga no Glauber Rocha, um dos mais polêmicos
sertão/ de tiro que jagunço deu. e importantes cineastas brasileiros, nasceu
CENA 8 em 14 de março de 1936 em Vitória da
ROSA E MANUEL ENTERRAM O CORPO Conquista (BA) e morreu em 22 de agosto
DA MÃE. de 1981, aos 42 anos. Com premiações
MANUEL internacionais, foi também um dos cineastas
- Eu sabia, Rosa. Você num quis mais conhecidos e reconhecidos no exterior.
acreditar, mas foi a mão de Deus Além de Deus e o Diabo na terra do sol,
me chamando pelo caminho da des- Terra em transe, de 1967, e O dragão da
graça... Agora num tem jeito se- maldade contra o santo guerreiro, de 1968,
não ir para Monte Santo pedir pra estão entre seus melhores filmes.
Sebastião proteger a gente...
vambora logo... num temo nada pra
Observações necessárias
levar a num ser nosso destino.
Ao ler o roteiro proposto, perceba como
tudo, nos mínimos detalhes de um filme, já
[...]
está no roteiro.

23
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

1. Veja a precisão com que as cenas A criação do roteiro


são transpostas para a película, des-
de um diálogo até o som e os ruídos, Por esse modelo, você já pode pensar em
falas que incluem trechos de músicas criar um roteiro, seguindo, naturalmente, to-
cantadas e mesmo os suspiros, cho- das as etapas de criação, que são de caráter
ros, expressões idiomáticas ou o que estrutural. Essas etapas são:
vier dos personagens. Com isso, você
compreenderá melhor a integração A ideia: ela pode ou não ser involuntá-
total entre roteiro e sua transforma- ria, fruto de pura inspiração ou de exercício
ção em cinema. apurado diariamente, individualmente ou em
conjunto, ou pela concentração sobre deter-
2. Compare e constate como se dá a
minado tema. O ideal é que venha fechada
marcação do roteiro quando se tra-
em si mesma, com princípio, meio e fim. Veja
ta da divisão em cenas e também a
que essa noção de final da história não pre-
utilização de letras em caixa alta ou
cisa ser rígida. Ela poderá mudar no desen-
baixa.
volvimento da trama, mas é muito bom co-
3. Aprenda com isso que, num roteiro, meçar seu roteiro tendo uma linha a seguir.
até o formato das letras é importante. Essa ideia poderá ou não gerar uma premis-
Roteiros se escrevem com fonte Cou- sa, uma moral da história.
rier New, 12 pontos, 10 pitch. Nunca
se usa itálico e negrito.
4. Tamanho do papel – carta (27,94 cm
x 21,59 cm).
5. Numeração acima à direita, seguida
de ponto.
6. Margens: em cima 2,5 cm; embaixo
2,5 cm - 3 cm.
7. Diálogos justificados e ação alinhada
à esquerda.
8. Capa: texto centralizado com o título
entre aspas e abaixo escrito – UM RO- O conflito ou enredo: com a ideia, surge
TEIRO DE (e o nome do roteirista). naturalmente o conflito. É preciso estabele-
9. Num roteiro ainda sem cabeçalho e cer o conflito, pois sem ele não há história,
apenas com numeração de cena, os não há movimento. O conflito são as contra-
diálogos podem vir em caixa baixa, e dições da trama que levam à ação. Começa-
a descrição das cenas, em caixa alta, mos a pensar em algo, e logo nos vem uma
ou vice-versa. ideia que se contrapõe e se antagoniza a isso.

24
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Hegel desenvolveu toda uma teoria basea- Storyline: estabelecido o conflito, é preci-
da na constante evolução da história como so desenvolver quase que imediatamente a
um processo vivo dialético, gerado no con- storyline. Isso é, como já foi dito anterior-
flito e no choque dos acontecimentos. Mais mente, o resumo da história em cinco linhas,
tarde, Engels e Marx conceituaram o confli- nem mais e nem menos.
to de interesses entre as diferentes classes.
Não existiria história se nos contentássemos É nessa hora que você pensará em três
em ser ou estar exatamente como estamos. momentos cruciais da história da sua per-
Schopenhauer pondera que mesmo uma pe- sonagem: o início, o clímax e o final. Para
dra tem a vontade de movimento adorme- fazê-lo, você terá que pensar seriamente
cida e, se lhe é dada a chance, ela rola. O num desfecho da história e, pensando nisso,
conflito é a vontade de mudança aplicada. É obviamente estará selando o destino de seu
a necessidade de algo, a motivação de um protagonista e das personagens a sua volta.
crime, uma paixão, a fé extremada, o ódio, Devo repetir que o ideal é que você faça sua
storyline em no máximo cinco linhas. Claro
ou coisas mais amenas, como a felicidade,
que nada é definitivo e se pode até mudar o
o amor ou simplesmente a paz. Portanto, o
seu final, mas trabalhar apoiado numa linha
conflito é o elemento que trará a dinâmica e
traçada é bem mais fácil.
o movimento a sua história. Ele será o con-
traponto que quebrará a rotina do dia a dia
Argumento: é a etapa em que a história
de sua personagem principal, de seu prota-
começa a ser contada de maneira mais deta-
gonista:
lhada. É quando aparecerão as personagens
e as locações. Você ainda não a estará di-
vidindo por sequências e por cenas, mas já
indicará as ações. Estas ainda não obedecem
necessariamente a um ordenamento crono-
lógico. Ainda assim, você pode até colocar
alguns diálogos. Por exemplo:

“Naquela época, Manuel costumava viajar


pelo sertão atrás do gado, voltando para casa
de tardezinha. Lá, sua mulher estava sempre
moendo o milho e preparando os afazeres da
Manuel era um vaqueiro pacato que vivia casa, e sua mãe muito velhinha ficava sen-
com sua mulher, Rosa, e sua mãe em plena tada numa cadeira na soleira da porta. Mas
miséria conformista. Mas um dia, ao encon- naquele dia algo aconteceu. Manuel, que
trar o Coronel que o explorava na feira, em sempre estava sozinho pelas veredas e caa-
função de uma partilha do gado, surge o... tingas do sertão, encontrou-se com o santo
conflito! Sebastião e seus beatos.”

25
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Você pode perceber que há nesse trecho ira e revolta. A maioria das histórias tem clí-
de argumento a indicação de alguns perso- max, e, se você acha que a sua deve ter um
nagens, duas locações e um hábito que é in- ou mais, escolha o melhor lugar para eles.
terrompido. Mais tarde no roteiro, esse texto Em geral, as histórias de cinema têm vários
será desdobrado em sequências que deta- pequenos clímax até chegar ao principal, que
lham as ações das personagens. se trata normalmente da revelação de algo
conclusivo ou não.
Antes de continuar, vamos lembrar o que
é um argumento: é uma história desenvolvi- Mas, voltando ao argumento, você deverá
da especialmente para cinema. Isso significa especificar a época, as locações e as perso-
que essa história tem que ser muito imagé- nagens de sua história. Assim ela passará a
tica, conter imagens que, no roteiro, se des- ser mais concreta diante de seus olhos, e sua
dobrarão em cenas. viabilidade se tornará mais analisável.

Um argumento não deve ser muito ex- No argumento, devem ser tratados tam-
tenso. Imagine-se sentado lendo-o para al- bém os núcleos dramáticos. No entanto, é
guém. Você o faria de modo curto e objetivo importante que se diga que, no curto espa-
ou ficaria horas com detalhes? Argumentos ço temporal de um longa- metragem, difi-
têm padrão, e, para um bom argumento, po- cilmente há espaço para que haja histórias
demos pensar em duas laudas com quatro paralelas à do protagonista; quando muito,
parágrafos. O primeiro, você vai usar para faz-se um aprofundamento da personalidade
apresentação da personagem e seu conflito, do seu antagonista para enriquecer o próprio
o segundo, para o desenvolvimento do con- conflito. Trabalhar com vários núcleos é típi-
flito e possível clímax, o terceiro, para de- co da dramaturgia de novelas, minisséries,
senvolver boa parte de sua história, aprofun- séries e afins e requer um trabalho cuidado-
dando-se na personalidade da personagem, so, geralmente de várias mãos, para que a
seus medos, suas dores, seus desafios etc., lógica da estrutura não seja perdida. Existem
e o quarto, para a preparação do final, com exemplos de longas, como Short cuts (1993,
clímax ou não. 187 min.), de Robert Altman, ou ainda Les
uns et les autres (1981, 184min.) de Clau-
Plot: o clímax ou plot é a virada da história. de Lelouch, que se desdobraram em vários
Pode-se pensar em filmes experimentais que núcleos, mas esses filmes estendem-se por
nem sempre têm uma virada da história, um mais de três horas de narrativa.
clímax, mas, em geral, quase toda história
têm: seja Romeu achando que Julieta está Escaleta: algumas escolas não dão im-
morta e matando-se ou Macbeth vendo a flo- portância à escaleta, mas é importante que
resta movimentar-se pouco antes de perder se saiba o que é, pois muitas vezes ela pode
a batalha, ou ainda Manuel esfaqueando seu ser fundamental para que se tenha a visão
patrão, o Coronel Morais, num momento de de um ordenamento cronológico do roteiro,

26
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

ou seja, em que ordem as ações se darão. Na escaleta, você já estará bem perto do
Veja que esse ordenamento respeita a noção roteiro:
de tempo e espaço diegéticos, ou seja, espa-
ço e tempo dramáticos. Cena 1: Imagens do sertão com gado
morto e Manuel observando a paisagem.

Cena 2: Manuel encontra-se com o beato


Sebastião e seus seguidores.

Cena 3: Manuel chega impressionado


em sua casa anunciando a sua mulher e sua
mãe que viu o beato Sebastião. Elas não dão
atenção a ele.

Cena 4: Manuel trabalhando na casa de


farinha.
Lembre-se de Pulp fiction ou de Amnésia,
nos quais a linearidade temporal usual é des- Cena 5: Manuel anda pela feira da cidade.
construída ou invertida pelo roteiro. Isso quer
dizer que o tempo em seu filme avança da E assim por diante, cena a cena.
maneira que você concebe. Se é de trás para
frente, se salta em elipses, se avança e re- Você pode se perguntar: qual a diferença
cua em flashbacks, o roteirista é quem sabe. para o roteiro? Neste, a divisão seria em
Por isso mesmo, a escaleta já tem, mais ou sequências e bem mais detalhada. No entanto,
menos, o mesmo tamanho do roteiro, ocupa na escaleta, a ordem de entrada da história já
o mesmo tempo. está presente, é dessa forma que o roteirista
vê o filme. Portanto, entre um e outro, há
Ela será dividida em cenas que mais tar- pouca diferença. É bom ressaltar que, com a
de, no roteiro, serão transformadas em se- crescente profissionalização, existem pessoas
quências acrescidas de diálogos. A escaleta que se dedicam exclusivamente à preparação
é de uso exclusivo do roteirista, não precisa da escaleta e apresentam-na como apoio ao
ser mostrada para ninguém. Use-a como um roteirista.
instrumento de trabalho para que possa per-
ceber o ritmo de seu roteiro e a ação de suas Num roteiro, um trecho da escaleta que
personagens. Ela é sua estrutura dramática. foi montada poderia estar representado da
A escaleta é a espinha dorsal do roteiro. seguinte maneira:
Pegue um trecho de um filme, ou mesmo
esse trecho de Deus e o Diabo na terra do SEQ. 1 - EXT./ DIA/ SERTÃO
sol, e transforme numa pequena escaleta, CENA 2
veja como fica. Brinque com ela antes de co- MANUEL ENCONTRA O SANTO SEBASTIÃO
meçar a montá-lo. COM UM GRUPO DE BEATOS ANDANDO

27
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

PELO AGRESTE E CANTANDO. MANUEL SEQ. 3 - EXT./ DIA/ FEIRA DA


E SEBASTIÃO OLHAM-SE NOS OLHOS, CIDADE
LONGAMENTE. CENA 5
BEATOS (CANTAM) FEIRA NA CIDADE. MANUEL VENDE A
“As ovelhas desgarradas/ FARINHA QUE PRODUZIU COM ROSA. ANDA
que andam em pastos perdidos/ PELA FEIRA. ESCUTA UM VIOLEIRO.
procurando o seu rebanho/ e o VIOLEIRO (CANTA)
Senhor da Boa Morte./ Quero deixar “Sebastião nasceu do fogo/ mês
de fevereiro/anunciando que a
este mundo/ com a minha triste
desgraça/ ia acabar com o mundo
sina, / procurando seu rebanho/ e
inteiro,/ mas que ele podia salvar
o Senhor da Boa Morte.”
quem estivesse ao lado dele, que
SEQ. 2 - EXT./ DIA/ TERREIRO DA
era santo, que era santo, / era
CASA
santo milagreiro.”
CENA 3
CENA 6
MANUEL CHEGA EM CASA, SALTA DO
MANUEL ANDA PELAS RUAS DA
CAVALO E DIRIGE-SE À SUA MULHER
PEQUENA CIDADE OLHANDO AS CASAS
ROSA, QUE ESTÁ BATENDO PILÃO NO COMERCIAIS, CRUZA A ZONA DA COMPRA
TERREIRO. E VENDA DE ANIMAIS, EXAMINA UM
MANUEL CAVALO. CHEGA A UM CURRAL ONDE
- Rosa, eu vi o Santo Sebastião! ESTÁ O CORONEL MORAIS.
Ele disse que évem um milagre salvar MANUEL
todo mundo. Tinha uma porção de - Bom dia, Coronel Morais.
gente atrás dele e os fiéis tudo
cantando... e rezando...»
Tratamentos de roteiro para cinema
ROSA NÃO INTERROMPE O TRABALHO;
CONTINUA PILANDO MILHO, NÃO Os roteiros de cinema são desenvolvidos
RESPONDE. MANUEL DIRIGE-SE À SUA em três tratamentos distintos, corrigidos,
MÃE, QUE ESTA SENTADA À SOMBRA, ajustados e modificados até chegar ao texto
JUNTO À PORTA DA CASA. MANUEL definitivo. São eles:
RETORNA PARA PERTO DE ROSA.
MANUEL 1. Primeiro tratamento: o roteirista colo-
- Mãe também num acredita... Mas ca toda a história no papel, dividida
eu vi. Ele me olhou aqui dentro... apenas em cenas, sem grande preo-
É o milagre, Rosa, é o milagre! cupação de ajuste e coerência da tra-
CENA 4 ma, personagens e divisão precisa de
CASA DA FARINHA. MANUEL CORTA E texto e imagem.
RALA MANDIOCA. ROSA MOVIMENTA A 2. Segundo tratamento: a história já se
RODA QUE FAZ GIRAR O RALADOR. coloca no papel com as divisões cor-

28
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

retas das cenas, separação em texto uma barra no lugar do tracinho, ainda
e imagem e personagens bem desen- que não seja a melhor alternativa. IN-
volvidos Entram apenas aqueles que TER. (interior), EXT. (exterior) ou ain-
realmente participarão da trama, com da INTER./EXTER. (interior/exterior)
seus diálogos prontos. Nesse segun- e vice-versa. O segundo cabeçalho é
do tratamento, é possível haver mui- uma indicação curta do lugar, e o ter-
tas versões de roteiro até que de fato ceiro reflete o tempo: pode ser DIA ou
o roteirista o considere bom. Nessa NOITE.
etapa, ele pode incluir ou retirar per-
sonagens, determinar melhor sua psi- Exemplo 1:
cologia e seu perfil, desenvolver os INT. - CASA DE CAMPO - NOITE
diálogos e os personagens secundá- Exemplo 2:
rios, a sonoplastia e os ruídos, mudar EXT. - CASA DE CAMPO - QUINTAL – DIA–
cenas ou ainda as locações. E mes- MANHÃ
mo modificar toda a história, incluindo Ou
troca de cenas e de final. Essa é a eta- EXT. - CASA DE CAMPO - QUINTAL – DIA
pa mais demorada de um roteiro, por – FINAL DA TARDE
isso pode levar de três meses a mui- Um novo cabeçalho é necessário cada vez
tos anos para ficar pronta. O roteirista que muda o lugar ou o tempo. Toda cena
só passará desse tratamento para o tem seu cabeçalho. Lembre-se de que roteiro
próximo quando considerar resolvidas se escreve com fonte Courier New 12 pontos.
todas as soluções da história.
8.1. Pré-roteiro, roteiro e roteiro
3. Terceiro tratamento: é a conclusão
do roteiro, com todos os ajustes rea-
técnico de edição
lizados. É definitivo. Depois dele nada
No documentário, ao invés de passar
pode ser mudado e alterado, pois en-
por tratamentos, os roteiros costumam ser
trará na etapa técnica de filmagem ou
divididos em três etapas de realização:
gravação e de montagem ou edição.
Nesse tratamento entram, os cabeça-
1) Pré-roteiro: projeto desenvolvido com
lhos, que vocês já sabem como são,
aproximações de tempo, personagens
escritos em maiúscula e que deverão
e locação.
dar três informações básicas: onde,
precisamente onde e quando. São se- 2) Roteiro de gravação: feito nas loca-
parados por um espaço, um tracinho ções determinadas pelo projeto, já com
e outro espaço, segundo a convenção as entrevistas marcadas (se houver en-
internacional. No entanto, algumas trevistado) e perguntas desenvolvidas,
variações da norma são aceitáveis, assim como as planilhas de produção,
e alguns roteiristas no Brasil utilizam locação e gravação definidas; o ma-

29
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

terial iconográfico pesquisado (fotos, modificado, pois se trata do roteiro de


documentos, objetos etc. que entrarão edição. Ainda assim, por se tratar de
no documentário); e indicação das ce- documentário, um obra sempre tem
nas externas e das internas, quando que lidar com o acaso e mesmo na ilha
necessário, além das devidas autoriza- de edição pode sofrer ajustes.
ções, uma parte importante do proces- Imagens - diálogo - narração
so de realização.
Vamos lembrar que um roteiro se traduz
Lembre-se de que um documentário não em imagens. Dito dessa forma, parece bem
pode ser gravado ou filmado sem as autori- simples, mas, na verdade, a maioria das pes-
zações por escrito das entrevistas, do mate- soas, quando têm suas primeiras experiên-
rial iconográfico a ser utilizado e das locações cias escrevendo para dramaturgia, tendem a
públicas que aparecerão. expressar “coisas”, afetos e emoções que di-
ficilmente podem ser traduzidas em imagens.
Deve-se atentar para esse erro tão comum.
Além disso, é necessária uma autorização
por escrito de familiares, herdeiros, autorida-
Muitas vezes as pessoas escrevem sem
des e todos os envolvidos no tema, principal-
perceber o quanto estão sendo negligentes
mente quando o documentário for sobre bio-
quanto à informação imagética concernente
grafias, temáticas históricas e antropológicas
a sua história, aproximando-se do romance,
ou bens públicos.
da prosa, do conto e até mesmo da poesia,
mas passando longe do roteiro.
Sem autorizações, o documentarista corre
um grande risco de ter seu trabalho vetado Refletem mais uma ação imediata, tratam
para apresentação nas TVs e salas de exibi- mais de uma sensação interiorizada do que
ção. de uma presentificação de ação.

3. Roteiro definitivo (para edição): é a


somatória do pré-roteiro e do roteiro
de gravação. Resulta num terceiro e
definitivo roteiro, que só é feito depois
de todas as fitas gravadas, decupa-
das e selecionadas, textos da narração
prontos e gravados pelo narrador, todo
o áudio preparado.

Esse último tratamento, em geral, de- Muitos escritores, como Jorge Amado, es-
pois de concluído, não costuma ser crevem de forma muito imagética, por isso

30
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

seus textos são fáceis de ser adaptados para SEQ.1/ INT/NOITE/CASA de ANA
roteiro. O escritor, na condição de roteirista,
só pode escrever dessa forma. É preciso trei- Ou
nar, mudar os vícios de falar mais de sensa- SEQ.1/EXT/DIA/ESTRADA
ções do que de ações que possam se traduzir Ou
em cenas e imagens.
SEQ.1/EXT/NOITE/ESTRADA
Estrutura física do roteiro
Geralmente, uma sequência comporta uma
Um roteiro pronto para ser lido deve ter locação. No entanto, temos que ter cuidado
frases curtas e definir ações e diálogos. Mas com esse conceito porque podemos começar
essa regra, como qualquer outra, também a ação de um personagem numa locação e
pode ser quebrada. Um roteiro pode ter um só interrompê-la em outra, sem no entanto
parágrafo inteiro descrevendo um plano-se- mudar de sequência. Mais tarde, na decupa-
quência e não deixará de ser excelente por gem, veremos que uma sequência é dividida
causa disso. De qualquer forma, ele deverá em planos. Quando ocorre de uma sequên-
ser o mais direto possível. O que se houver cia ter um único plano, chamamos de plano-
tirado de bom na escaleta em termos de rit- -sequência. No entanto, para o roteirista, isso
mo e estrutura será passado para ele. não tem a menor importância. Esse aspecto
só interessa para produtores ou diretores.
Uma página de Courier New tamanho 12 Quando o roteirista cria a sequência, ele não
é considerada como tendo um minuto de fil- pensa quantos planos terá, a menos que seja
me. Mais uma vez, estamos generalizando, e o diretor do filme. Assim mesmo, se ele pen-
portanto temos que considerar todas as vari- sar em termos de planos, estará antecipando
áveis, como números de planos, movimentos um trabalho que deverá ser feito mais tarde.
de câmera etc. Mas, se você mantiver isso Assim, talvez seja importante segmentar os
como parâmetro, terá uma referência. dois tipos de abordagem. É preciso pensar
primeiro como roteirista para depois pensar
Os roteiros são divididos em sequências. como diretor.
Em cada uma, está especificado se se trata
de uma sequência exterior ou interior, a ser Os diálogos
realizada a noite ou de dia e em que locação.
Criar diálogos talvez seja a etapa mais
Dessa forma, teremos assim: difícil de um roteiro, em primeiro lugar por-
que eles pedem um grau de espontaneidade
SEQ. 1 / INT/DIA /CASA de ANA que requer muita prática em sua elaboração.
Além disso, em muitos casos, pertencem a
Ou personagens que utilizam um vocabulário
mais peculiar. Por isso mesmo, cada vez mais,

31
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

recorre-se a roteiristas assistentes, especia- Agora você já tem elementos suficientes


lizados nessas particularidades. De qualquer para entender e até mesmo criar um peque-
forma, o diálogo é sempre uma etapa que no roteiro. Por exemplo, uma pequena his-
deve ser relida inúmeras vezes, e é possível tória em cinco sequências com um diálogo
que a cada vez ele seja modificado. O mais entre as personagens inserido. Tente.
difícil é conseguir associar as palavras certas
às pessoas e ao contexto. Às vezes, há muita Estrutura básica de uma narrativa
formalidade e erudição, em outras, escracho
demais. Escrever um roteiro é trabalho para um
escritor. Não se esqueça disso ao se aventu-
O que se procura é a expressão correta na rar nesse ofício e arte. Escrever é mergulhar
voz daquela certa personagem para aquela numa aventura de erros e acertos, mas ainda
determinada ocasião, e isso não é fácil de ser assim persistir até que a história completa se
alcançado. A melhor maneira é sempre voltar faça.
a eles e relê-los em voz alta. Quando viajar
ou se distanciar do lugar onde mora, abra os
Todo escritor que pretende fazer um ro-
ouvidos e escute. Faz bem para alma e para
teiro sabe que, no início, deve ter em men-
a profissão.
te o que vai colocar nele. Às vezes, a base
pode ser uma ideia adormecida por anos no
Existe uma maneira corrente de se escre-
inconsciente, ou então uma inspiração que
ver diálogos num roteiro de cinema: o nome
acaba de surgir. Pode ser até que já haja um
da personagem é centralizado em caixa alta,
roteiro guardado e se esteja apenas espe-
e o texto vem abaixo, começando com tra-
rando a hora de tirá-lo da gaveta e torná-lo
vessão. Podemos ver isso no roteiro dado:
público. Mas isso não permite que se fuja de
CENA 5 certas características que podem ou não ser
EXTERNA / DIA / FEIRA DA CIDADE empregadas no desenvolvimento das histó-
FEIRA NA CIDADE. MANUEL VENDE A rias. São elas: personagens, conflitos e des-
FARINHA QUE PRODUZIU COM ROSA. ANDA fecho.
PELA FEIRA. ESCUTA UM VIOLEIRO.
VIOLEIRO (CANTA) A maioria das histórias contadas desde
“Sebastião nasceu do fogo/ mês sempre seguem determinados padrões e
de fevereiro/anunciando que a cumprem determinadas etapas preexisten-
desgraça/ ia acabar com o mundo tes. Personagens podem ser arquétipos com
inteiro,/ mas que ele podia salvar características universais e por isso existirem
quem estivesse ao lado dele, que de forma paralela em diferentes sociedades
era santo, que era santo, / era e culturas ao longo do tempo, desde o início
santo milagreiro”. das civilizações até os dias de hoje.

32
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Com isso, verificaremos que toda história Infeliz e revoltado com toda a exploração
tem protagonistas, antagonistas e mentores. a que está submetido, Manuel procura cami-
Vamos ver como eles funcionam nos roteiros. nhos que o salvem: primeiro, busca uma saída
seguindo o beato Sebastião, ouvindo o que se
Toda história, desde os primórdios da hu- pode considerar um chamado de Deus; mas,
manidade, tem protagonistas, ou seja, perso- vendo que não há solução no caminho das
nagens principais. São eles os responsáveis rezas e da beatitude, é empurrado para o lado
pelas ações e acontecimentos, aqueles que oposto, indo para a bandidagem – caminho
fazem a história girar. Para que uma perso- do Diabo -, tornando-se um cangaceiro e o
nagem se torne protagonista, basta não ter principal parceiro de Corisco, último sobrevi-
medo de jogá-la no turbilhão de eventos fruto vente do grupo de Lampião. Mas, diante de
da criatividade do autor, do qual ela só esca- toda a violência a que assiste e que é obriga-
pará no desfecho. A isso denominamos confli- do a fazer, resolve ir para o caminho do meio:
to.Além do conflito, toda trama tem um come- nem de Deus, nem do Diabo, mas do homem.
ço, que deve estar claramente delineado na E foge daquele inferno na “terra do sol”, o ser-
cabeça do autor. Alguma coisa desencadeou tão, para o litoral e a cidade grande.
o conflito e jogou o protagonista dentro dele.
Cabe ao roteirista criá-lo. Mas veremos tudo Entramos nos meandros dessa trama acom-
isso bem melhor nos próximos capítulos. panhando a trajetória de Manuel, que é seu
protagonista. Podemos dizer que ele é a porta
de entrada para a história. Com isso, pode-
Exercício 2
mos observar que a primeira função dramáti-
ca do protagonista no roteiro é servir de porta
Tente fazer isso agora. Escolha uma perso-
de entrada e ciceronear sua própria história.
nagem. Crie um evento, um fato que quebre
sua rotina, estabelecendo um conflito que a
O protagonista não é necessariamente um
jogue em eventos e fatos que ela terá que
herói, embora seja interessante que ele tenha
trilhar, mesmo que seja por breves momen-
algumas características que provoquem uma
tos. Desenvolva uma storyline a partir daí.
empatia com a maioria das pessoas. Essa per-
sonagem que nos prende e nos carrega filme
adentro deve ser carismática e compartilhar
As diferentes funções dramáticas dos mesmos desejos que as pessoas comuns.
numa história
Ela ama, odeia, é carente, prepotente, tem
Protagonista: aquela personagem em medo e luta para ter coragem, por vezes é
torno da qual toda a história vai girar. Ma- vingativa e nisso pode ser perversa, anseia
nuel, por exemplo, é o protagonista de Deus por liberdade, é capaz de matar, é boa, san-
e o Diabo na terra do sol. Em função dele, ta, diabólica, é suicida, viciada, é egoísta,
toda a trama desenvolve-se. sovina, mão aberta, ingênua, desconfiada

33
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

etc. Enfim, pode ser tudo que contenha o um pouco como ele, e muitas vezes o público
humano, inclusive o próprio autor, com seus passa a ver o mundo através de seus olhos.
medos, alegrias e vida, mas numa visão dra- Por isso mesmo, quanto mais complexo for
matizada. o seu protagonista, melhor será seu rotei-
ro. Personagens simples produzem roteiros
O protagonista é aquele que se movimen- muitas vezes simplistas, vazios e estereotipa-
ta junto com o conflito, então é uma per- dos. Com isso, fica difícil que possam refletir
sonagem transformadora. Lembre-se de que ações interessantes.
conflito é dialética, é movimento, então será
transformador. O protagonista é reconhecido
À medida que sua trajetória progride, o
pelo seu movimento; ele é aquele que mais
protagonista vai cumprindo etapas. Quase
sofrerá e mais transformará a ação de sua
todo roteiro tem um início, que se liga a uma
história. No entanto, existe uma linha tênue
etapa em que a trama se desenvolve e ca-
que deve mantê-lo um pouco além da nor-
minha para um momento de incerteza, no
malidade. Vamos chamar essa transposição
qual tudo pode acontecer. Essa etapa vai ser
de dramatização. Não nos esqueçamos de
resolvida no desfecho. Claro está que muitas
que se trata de dramaturgia aquilo que faze-
mos. Se o protagonista for demasiado banal, vezes podemos ter um final aberto, e isso
o roteiro corre o risco de também o ser; e, não invalida o roteiro, mas é um estilo e uma
se for assim, para que escrevê-lo e rodá-lo? opção.
O importante é ter em mente que, muito
provavelmente, seu protagonista terá
Projeção e identificação participado, mesmo que implicitamente, de
todas as etapas de seu roteiro. Portanto, se
existe uma moral da história, uma premissa,
ele será o responsável por cumpri-la ou,
ao contrário, acabar com ela. Ele estará
num filme para consertar ou destruir. Ser o
protagonista não significa que seja um herói,
embora possa ser facilmente confundido com
um, porque é ele quem vai arriscar tudo, até
a própria pele, para alcançar a vitória. Acima
de tudo, é fundamental que as pessoas se
interessem por essa personagem, sofram,
riam, conquistem, vençam, fracassem ou se
amargurem com ela, como já foi dito. Mesmo
Em todo roteiro que se preze, há uma sendo um herói atrapalhado ou imperfeito,
transferência pessoal para a vida do protago- deve provocar empatia, pois as pessoas
nista, e, de um modo ou de outro, sentimos adoram transferir e importar emoções.

34
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Fabiano, protagonista do filme Vidas se-


cas, é um exemplo de herói imperfeito: fra-
co, atrapalhado, submisso. Não sabe fazer
contas, deixa-se enganar.

Cena do filme Vidas secas. Fonte:http://www.thehindu.com/multi-


media/dynamic/01039/01cp_outtakes_barr_1039589g.jpg

Em Vidas secas, a cadelinha Baleia, do


menino filho dos retirantes Fabiano e Sinha
Cena do filme Vidas secas. Fonte: http://4.bp.blogspot.com/- Vitória, é um dos personagens mais huma-
-xm7q8cXDsGg/TfYDKHZ3SbI/AAAAAAAAAC4/uZXy_lWs9aw/s1600/
Sem+t%25C3%25ADtulo3.jpg nos e centrais da saga.

O filme Vidas secas, de 1963, do diretor Baleia é exemplo perfeito de outros perso-
Nelson Pereira dos Santos, um clássico do nagens que compõem os elementos dramáti-
cinema brasileiro, é uma adaptação do im- cos de um filme, muito importantes em toda
portante livro de Graciliano Ramos, de 1938, a trama e que não precisam sequer ser gente.
que narra, de forma contundente, a vida de
uma família de retirantes do sertão brasileiro. Os quadros com Baleia, Vidas secas, são
dos mais pungentes. A função emotiva da
cachorrinha é muito singular: enquanto ela,
um animal absolutamente fiel, mesmo na ne-
gra miséria, vai subindo cada vez mais no
conceito de humanidade, os outros persona-
gens, em função do inferno de suas vidas,
vão descendo dramaticamente à categoria
animal.

Esse é um dos exemplos mais belos da for-


ça de uma boa construção de personagens.

Outros elementos dramáticos: o antago-


nista, o companheiro de estrada e o anti-
Livro Vidas secas. Fonte: https://fbcdn-sphotos-g-a.akamaihd.net/
hphotos-ak-ash3/1470272_438764712889822_1260830952_n.jpg -herói

35
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Existe um filme de western de 1966, feito efêmeras, e cabe ao roteirista emprestar o


pelo excelente diretor italiano Sergio Leone, peso dramático que achar conveniente a es-
chamado O bom, o mau e o feio ou ainda sas situações.
Três homens em conflito, que ilustra bem
a questão de personagens importantes que Por outro lado, existem aquelas persona-
giram em torno de todo protagonista e que gens avessas a tudo que se refere ao prota-
compõem os outros elementos dramáticos gonista. Ao invés de aliadas, trabalham con-
de um roteiro, podendo até, às vezes, serem tra ele. São os inimigos, que aparecem como
mais carismáticos do que o herói. Ocorrendo sendo os antagonistas. Se existe um herói,
ou não essa inversão de “apreços”, são eles esse certamente será o vilão.
que, ao lado do personagem principal, fazem
o filme acontecer. Aqui é importantíssimo que se diga: trata-
-se de algo muito além do bem e do mal. Afi-
O protagonismo pode aparentemente mu- nal, você pode ter um protagonista que seja
dar de mãos por alguns momentos na histó- amoral, imoral, mau etc. e cujo antagonista
ria. Algumas das características do protago- seja um “mocinho”, um personagem do bem,
nista indicadas no texto anterior podem ser às vezes até inexpressivo ou aborrecido, o
encontradas em outras personagens no de- que aparentemente cria um paradoxo, pois
correr da narrativa, mas por apenas algumas teríamos um vilão bonzinho e um herói mal-
sequências. Isso se deve ao fato de o prota- doso.
gonista raramente ser uma personagem que
anda sozinha; em sua caminhada ao longo As personagens de um roteiro, quer sejam
das etapas de desenvolvimento da trama, ele protagonistas ou antagonistas, podem ser
alia-se a outras que o auxiliam, o acompa- muito complexas, e, quanto mais o forem,
nham ou apenas surgem como simples partí- melhor será a história.
cipes de sua saga.
Existe, assim, a figura do anti-herói – uma
No caso de Deus e o Diabo na terra do personalidade complexa, paradoxal, cheia de
sol, por exemplo, quem sempre acompanha conflitos, alguém que luta contra um sistema
o protagonista Manuel em sua saga entre o viciado e injusto e é vitima dos representan-
bem e o mal, o conformismo e a violência, tes inescrupulosos desse sistema.
é sua mulher Rosa. É uma personagem que
está sempre ao seu lado. É o caso de Corisco, sobrevivente do can-
gaço e que foi braço direito de Lampião. As-
Assim como Rosa, muitas personagens, sim como existe a figura do anti-herói, exis-
por vezes assumem uma posição de destaque tem as personagens que jogam a favor da
que as aproxima do protagonista principal, trama e as que jogam contra. Num roteiro,
especialmente os acompanhantes mais liga- é o roteirista quem criará fatos que poderão
dos a ele. De qualquer forma, são situações auxiliar ou atrapalhar o protagonista.

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Cena do filme O bom, o mau e o feio. Fonte: http://2.bp.blogspot.


com/-_FY4WtQ2ueM/Tz_d3r7J0-I/AAAAAAAAAnY/4YcA61nyWwc/s1600/
good-bad-ugly-800-75.jpg

O feio é seu companheiro de estrada, tam-


bém ele totalmente imperfeito e absurdo. É
uma espécie de protagonista pouco acaba-
do, o lado B do mocinho principal, que está
sempre querendo passar a perna no herói.
Cartaz do filme O bom, o mau e o feio. Fonte: http://iacom.
s8.com.br/produtos/01/00/item/7307/1/7307105SZ.jpg

No sensacional filme de Sergio Leone O


bom, o mau e o feio, todos os três persona-
gens são imperfeitos. O protagonista, o bom,
interpretado por Clint Eastwood, é o mais
imperfeito de todos, verdadeiro anti-herói
que consegue deixar todos identificados com
seus golpes quase perfeitos.

Cena do filme O bom, o mau e o feio. Fonte: http://www.


gonemovies.com/WWW/WanadooFilms/Western/GoodBAdUgly4.jpg

E o mau é um tipo muito singular de vilão,


pois, como diz o ditado: “ladrão que rouba
ladrão...”. Apesar de ser o antagonista, está
sempre esbarrando com o herói, e tem-se a
Cena do filme O bom, o mau e o feio. Fonte: http://ibvn.files.
impressão de que quase poderiam ser ami-
wordpress.com/2011/07/clint.jpg gos, não fosse um conflito que a todos se-

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

para nesse filme em que ninguém, a rigor, ou seja, um aliado conselheiro em seu rotei-
é amigo de ninguém, apesar de se relacio- ro. Seu protagonista é autossuficiente, por-
narem: todos querem roubar o ouro e ficar tanto, não precisa desse suporte. Mas cuide
sozinhos com ele. que mesmo assim ele mantenha um poten-
cial dramático interessante.
No roteiro, os elementos dramáticos de-
vem ser pensados como instrumentos que No entanto, se o protagonista for uma
você pode ou não utilizar para pontuar a sua pessoa cheia de dúvidas, como a maioria das
narrativa. Dessa forma, um cangaceiro, por pessoas normais, com suas limitações natu-
exemplo, precisa de sua vingança, e uma rais, é quase certo de que lhe viria bem um
protagonista talvez precise de um amante. amigo: um aliado especial que fique a seu
O certo é que fatos e pessoas podem ocor- lado em momentos críticos, quando podem
rer na vida de sua personagem principal. São ser tomadas algumas importantes decisões
muitas as possibilidades e os elementos dra- ou vencidos alguns momentos difíceis. Pode-
máticos existentes. Vamos aqui citar alguns mos considerar que nem todos os obstáculos
exemplos. a ser vencidos são externos.

A) O aliado conselheiro: o mentor Muitas vezes são criados pelos próprios


protagonistas, que enfrentam problemas psi-
No horóscopo chinês, não se acredita no cológicos e têm que vencer o medo, a culpa,
que o zodíaco ocidental chama de ascenden- a paranoia, a neurose, enfim, suas limitações
te, mas sim no que os orientais denominam e inimigos internos, numa longa jornada soli-
de “companheiro de estrada”. Dizem eles tária. Mesmo assim, nesses casos, não é raro
que todo ser humano tem seu companheiro que encontrem apoio na personagem de um
de estrada: aquele que está com uma pes- terapeuta ou mesmo de um aliado acometido
soa completando-a ou mesmo infernizando- dos mesmos males. De qualquer modo, esse
-a. Na vida real, nem sempre esse persona- aliado, esse amigo conselheiro, tem uma
gem existe, pois muita gente é realmente só, função dramática de muito peso na narrativa
mas, num roteiro, ele fará parte da trama de um roteiro. Ele pode ser encontrado em
ajudando a dar força às ações e à própria várias histórias de diferentes gêneros.
existência do protagonista.
Sua importância não se restringe à do sim-
Se o protagonista de um roteiro for uma ples aliado, de quem falaremos mais tarde,
personalidade formada e mostrar-se sempre mas é a daquele que traz algo de espacial,
seguro em seus atos, uma personagem que acrescentando “poder” à capacidade de luta
toma suas atitudes sem titubear e tem as ar- do protagonista. No caso de Deus e o Diabo
mas necessárias para lutar e vencer os de- na terra do sol, Manuel, no momento em que
safios que você vai criar para ele, esqueça a adere ao cangaço, apesar de ser o persona-
necessidade de um companheiro de estrada, gem principal, não deixa de fazer a vez de

38
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

“companheiro de estrada” de Corisco. Ob- até o desfecho. É o caso de Manuel, quando


serve e perceberá claramente os dados que vira cangaceiro, que se vê num conflito ético
determinam isso. pessoal quando recebe de Corisco a missão
de matar. Nesse filme, a genialidade de Glau-
B) A função interna ber Rocha está mesmo em transformar em
“companheiro de estrada” de Corisco, mais
Pode ser que o protagonista seja mesmo do que o vaqueiro Manuel, o próprio espírito
um solitário e permaneça dessa forma du- de Lampião, que, numa espécie de transe,
rante todo o roteiro. Teríamos então a au- ocupa a cabeça de Corisco. Este se diz um
sência do conselheiro? É óbvio que isso vai homem com duas cabeças, pois ora incor-
depender do que for criado, mas sem tirar o pora a si mesmo, ora incorpora Lampião. O
caráter solitário da personagem. filme é baseado no ensaio Os sertões, de Eu-
clides da Cunha.
Ele poderia ser abordado em sonhos, pen-
samentos ou lembranças por alguém que fi- Corisco, que, no filme de Glauber Rocha,
zesse o papel do aliado especial. Poderia ser se torna um homem de duas cabeças depois
seu próprio alter ego, ou ainda seu amigo da morte de seu capitão e mentor, tem que
imaginário – muito comum em filmes com lidar com os próprios demônios internos,
personagens infantis. apesar de bravo cangaceiro.

De qualquer forma, esse tipo de aborda- Aí esta toda a beleza do filme: esse cenário
gem dificilmente não empresta um forte peso de fragilidade e perigo certamente faz com
psicológico à trama e, em alguns casos, pode que ele cresça e adquira humanidade. Essa é
derivar para o suspense ou o terror. uma condição psicológica de forte apelo dra-
mático na criação de qualquer personagem.
Também é encontrado em filmes onde o
protagonista procura uma vingança e bus- Na Poética de Aristóteles, ao analisar a
ca apoio nas lembranças de sua infância ou tragédia, o autor pondera que, embora o te-
adolescência. Estas podem, até, promover a atro grego objetivasse a catarse das dores e
cura ou o fortalecimento da personalidade do do medo por intermédio da beleza cênica e
protagonista. do coro, havia também, no contexto, o peso
da compaixão.
Nesses casos, quanto mais solitário for o Esta criava a empatia do público com a
processo, melhor ficará o roteiro. personagem atingida pela trama. Ou seja,
o que for atribuído a uma personagem, na
Essa caminhada também pode ser repre- medida em que o aproxime do cotidiano vi-
sentada numa narrativa em off que exprima venciado pelo público, será positivo. Quem
os pensamentos da personagem principal, não sofreu com conflitos internos e teve que
acompanhando todo o seu processo evolutivo superá-los?

39
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

no cinema, de ser sua mentora e compa-


nheira de estrada.O filme Baile perfumado,
de 1996, dirigido por Lívio Ferreira e Paulo
Caldas, foi um marco, inaugurando um novo
ciclo do cinema pernambucano.

Lampião e sua mulher, Maria Bonita. Fonte: http://www.infonet.com.br/


sysinfonet/images/secretarias/Cultura/grande-lampiao_maria_bonita_
divulgacao.jpg

Lampião, personagem mítica brasileira, foi


em vida e no cinema um exemplo de anti- Cena de Baile perfumado, de 1996, com o ator Luís Carlos Vasconcelos como
herói que todos amam, principalmente os Lampião. Fonte: http://f.i.uol.com.br/folha/ilustrada/images/13298340.jpeg

cineastas.
Exemplo de um roteiro inteligente, em
Baile perfumado, os diretores retomam de
forma singular as cenas do cangaço e sobre-
tudo de Lampião, deslocando o personagem
principal do famoso cangaceiro, que seria
óbvio, para o imigrante libanês Benjamim
Abrahão, fotógrafo que registrou as únicas
cenas existentes do cangaço.

Lampião e Maria Bonita num momento de descontração. Fonte:http://


static.recantodasletras.com.br/users/64463/fotos/808280.jpg

Cena verdadeira de Benjamin Abrahão dirigindo o bando de Lampião,

A companheira de Lampião, Maria Bonita, que aparece no filme Baile perfumado, misto de ficção e documental.
Fonte:http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/sobrecultura/2013/05/
também nunca deixou, nem em vida, nem entre-deus-e-o-diabo-1/image

40
As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

O singular roteiro de Lívio Ferreira contrapõe a história do corajoso libanês, que enfrentou
políticos, coronéis e o próprio Lampião, e sua ousadia à do próprio Rei do Cangaço, numa
das retomadas mais belas e inteligentes do velho tema.

O cinema brasileiro sempre minimizou, nos roteiros, a dura vida exagerada e estrambótica
do Rei do Cangaço, salpicada de tragédias insólitas e retrato do que foi de fato a existência
dos cangaceiros no brasileiro. No cinema, tudo parece apenas uma grande aventura huma-
na, o que também, sob certos aspectos dialéticos dessa mítica história, não deixou de ser.
Lampião e Maria Bonita, no cinema e na vida real, não deixam de ser uma linda história de
amor.

Cena de Baile perfumado. Fonte: http://analisando-o-oeste.blogspot.com.br/2013/02/retrospectiva-cangaco-critica-baile.html.

http://2.bp.blogspot.com/-xQOR0MNqUoE/URbNZieWlHI/AAAAAAAAAfU/hAxBSLKHRPs/s1600/135+FOTO1..jpg

Lampião e Maria Bonita. Fonte:http://1.bp.blogspot.com/-iTyCR46ZW98/UgFfRtSD9mI/AAAAAAAAAAw/7ZB_oEtgaM0/s1600/lampiao.jpg

Lampião e Maria Bonita, assim como outros casais míticos transformados em filmes, como
os foragidos Bonnie e Clyde, na época da depressão norte-americana, são exemplo perfei-

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

to de que a arte sempre tenta imitar a vida, mais experiente e o protagonista, ampliam
mesmo que para isso tenha que falsear a re- a resistência, transformam sua personagem
alidade dos fatos. principal num cabeça dura, um teimoso que
não vê, por exemplo, que aquela amiga do
trabalho na verdade está apaixonada por ele.
Ou então, em outra situação, a protagonis-
ta que não quer acreditar que tem potencial
de sobra para melhorar de emprego. Muitas
vezes, um roteiro trata de coisas simples, do
dia a dia, mas de maneira especial. Então, o
conselheiro pode aparecer na figura de uma
colega de trabalho, com mais experiência na
área, ou ainda na do amigo sedutor que co-
Bonnie e Clyde, filme norte-americano de 1967, produzido e idealizado
por Warren Beatty e dirigido por Arthur Penn. Fonte: http://i1.ytimg.
nhece bem as mulheres.
com/vi/KdMhbnhfHJk/maxresdefault.jpg

Esses conselheiros são os que têm as ar-


mas e ensinam os protagonistas. O velho
surfista ou pescador olhando o mar e falando
do tempo, o experiente escritor, o motorista
de caminhão que tira da roubada e ensina o
atalho, o amigo que sabe das coisas, o pai,
a mãe, o irmão ou irmã mais velho ou mais
novo, o mestre de kung fu, o ex-presidiário,
Bonnie e Clyde na vida real. Fonte: http://blog.roadtrippers.com/ o professor, o mago, enfim, todo aquele que
wp-content/uploads/2014/01/Fotos-Bonnie-e-Clyde.jpg
se imaginar como sendo alguém capaz de
C) O conselheiro externo acrescentar algo à vida do protagonista, nem
que seja por uma sequência de seu roteiro.
Existem determinados tipos de persona-
gem que servem naturalmente à figura de Cabe ao roteirista decidir o quanto quer
conselheiros e que aparecem em vários ro- valorizá-lo. Um bom conselheiro pode estar
teiros como os que ajudam o protagonista. do início ao desfecho da trama ou permane-
Agora não estamos mais tratando de um pro- cer o tempo necessário para transmitir seus
cesso interno e solitário. A ajuda virá na for- ensinamentos, deixando o protagonista se-
ma de um amigo que fará pensar, aprender guir sozinho ou acompanhado de outros alia-
e refletir, mesmo que seja sobre seus erros, dos. O importante, e o que vai diferenciá-lo
mesmo que o protagonista relute. Muitos dos outros amigos, é que sua personagem
roteiristas acabam valorizando muito essa terá que ensinar alguma coisa, ou seja, terá
etapa: priorizando o embate entre o amigo que dar alguma coisa ao protagonista.

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Em Deus e o Diabo na terra do sol, Rosa, quanto mais importância e peso dramático
a mulher de Manuel, faz a vez desse conse- a intervenção desse aliado tiver na história,
lheiro externo. mais relevante será sua atuação.

Ela é lúcida, desconfiada e cética. A partir


Muitas vezes, essa personagem será aque-
de um profundo e natural niilismo, vai ques-
la que, ao invés de falar diretamente ao pro-
tionando o marido e duvidando de todos os
“mestres” que o ingênuo Manuel busca e nos tagonista, servirá de exemplo a este com suas
quais acredita, tanto o santo Sebastião quan- ações e atitudes. No roteiro pode-se colocá-lo
to o diabo Corisco. Desde o início da história, como alguém que pode ser admirado à dis-
ela tenta mostrar ao marido que a solução tância, na figura de um ídolo.
para eles seria deixar aquele inferno domi-
nado pela seca e pela escravidão e tentar a É possível criar também a personagem mais
cidade grande. Por fim, depois de todas as velha ou mais experiente. Nesse caso, o “algo
peripécias fracassadas do herói, ele se con- a oferecer” é tipicamente o aconselhamento.
vence de que ela está com a razão, pois “a
terra é do homem, nem de Deus, nem do
A figura do sábio conselheiro é bastan-
Diabo”. Então, desesperado, ele foge em di-
reção ao mar, numa das sequências mais be- te usada, mas, novamente, é preciso que se
las do cinema brasileiro. diga, não fique imaginando um velho índio à
beira de uma fogueira falando por metáforas
a seu protagonista. Pode ser que seja apenas
Os aliados do protagonista
um avô assistindo, ao lado dele, um jogo de
Mas afinal, quem seria esse aliado? futebol em frente à TV, ambos sentados no
sofá tomando cerveja. Nem por isso uma per-
Com todos esses poderes de persuasão, sonagem mítica não pode ser usada; essas
seria fácil imaginarmos que os conselheiros sempre são interessantes.
externos - esses verdadeiros aliados do prota-
gonista - são seres especiais, mágicos, saídos No filme Assassinos por natureza, roteiriza-
de algum conto de fadas, como na saga Se-
do por Quentin Tarantino, ele surge aos pro-
nhor dos Anéis, ou mesmo de uma realidade
tagonistas exatamente na forma de um xamã
de exceção. Mas, na verdade, eles são muito
indígena, que encarna a sabedoria primitiva
mais simples e próximos de nossa realidade.
Um conselheiro especial pode ser um amigo num mundo urbano e dentro de um contexto
no emprego ou um caminhoneiro numa es- atual acompanhado por uma atmosfera crua.
trada deserta, que tem a oferecer, ao invés de Será essa personagem que, ao surgir, trará
uma espada mágica, um bom conselho ou um consigo uma carga de magia responsável por
incentivo que estava faltando para que uma uma virada de 180 graus na trama.
determinada atitude fosse tomada. Claro que

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Por mais estranho que possa parecer, o insólito muitas vezes faz parte da concepção da
história. Um roteirista não pode ter medo de ousar. Dramaturgia é criação.
Agora que vocês já conhecem essa estrutura, saibam que as funções dramáticas, com suas
personagens, sempre existiram, muito antes de Shakespeare, muito antes de Homero. Cabe
a você torná-las mais verossimilhantes para os dias de hoje. O fundamental nessa relação é
que seu protagonista saia carregando conseguido algum presente, algo que lhe foi dado por
seu amigo conselheiro.
E o conselheiro, por sua vez, depois da expansão da internet, pode ser até mesmo um
computador. Transformar essa mídia numa aliada conselheira e personagem de um roteiro é
cada vez mais comum. Muitas vezes, representam-se computadores inteligentes, ou mesmo
robôs. Existem filmes que trazem na trama personagens cibernéticas etc.

Cartaz do filme 2001: uma odisseia no espaço. Fonte:http://st-listas.20minutos.es/images/2012-02/320717/3397069_640px.

jpg?1329540515

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

No lendário filme de Stanley Kubrick 2001, onde o diabo (Robert de Niro) que defronta o
uma odisseia no espaço, por exemplo, o an- protagonista – o detetive Harry Angel (Mickey
tagonista é o próprio computador HAL 9000, Rourke) – transforma-se em seu conselheiro
que antagoniza o dr. David Bowman, tornan- ao contratá-lo para resolver um caso de desa-
do-se seu inimigo, quando deveria servi-lo. parecimento. Durante toda a trama, o demô-
Uma máquina que ganha status humano e se nio leva o detetive, por meio de pistas monta-
revolta contra os homens. das, a uma armadilha sem saída.

Os conselheiros além do bem e do mal Muitas vezes, você vai encontrar tramas em
que tanto o protagonista quanto o antagonis-
É claro que, seguindo os mesmo parâme- ta possuem aliados conselheiros, exercendo
tros adotados na criação de seu protagonis- sua função em embate direto ou não.
ta, se pensarmos em termos éticos, não de-
vemos restringir as atitudes do conselheiro A questão moral, ao ser adotada no roteiro,
a determinado padrão de comportamento. pode jogar o desenvolvimento de um conflito
É bem possível que você queira criar uma nos desdobramentos das funções dramáticas,
personagem que leve seu protagonista por como nos exemplos vistos. Uma personagem
caminhos pouco usuais.
do tipo conselheiro sempre carrega consigo
uma quantidade considerável de reflexões;
Dessa forma ele pode ser aconselhado,
existe sempre um “recado a ser dado”, algo a
por exemplo, pelo demônio, ou por um serial
ser ensinado ou transmitido.
killer, ou ainda por um matador profissional.
Quem viu O profissional? A personagem de
Não podemos deixar de pensar que até
Jean Reno – um matador por encomenda -
mesmo um filme simples e “pipoca” como
ensina os truques de sua profissão à meni-
na interpretada por Natalie Portman. O filme Pretty woman carrega consigo uma troca de
preocupa-se em justificar um motivo ético experiências por parte de seus personagens,
para isso, no entanto, no fundo, trata-se de que acabam servindo de conselheiros mútuos
um homem ensinando uma menina a matar. durante sua relação.
O filme é muito bom, o conflito é muito bem
estabelecido. O que dizer então dos dois amigos em O
homem que copiava? O que dizer então de
O demônio surge muitas vezes na forma Zorba, o grego, de Michael Cacoyannis, ou
de possessão ou na de uma criança de rosto de Derzu Uzala, de Akira Kurosawa, em que
inocente e sorriso sinistro. Em outras, na de os protagonistas são seguidos em suas histó-
um homem poderoso e bem-sucedido, por rias por personagens conselheiras, mas aca-
exemplo, em O advogado do diabo, com Al bam, pela força de suas personalidades, in-
Pacino. Interessante foi o caminho encon- fluenciando mais do que sendo influenciados?
trado por Alan Parker em Coração satânico, Existem vários casos clássicos, bem ao gosto

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

de Hollywood, da relação entre conselheiros e ções e deixando que ele desenvolva suas pró-
protagonistas. prias teorias.
O processo de traição, tanto quanto a per-

A função dramática do perigo oculto, sonagem que irá surpreender o protagonista,


pode se revelar para o público já na primeira
da surpresa ou do fato omitido sequência e para o protagonista apenas no
desfecho. O filme, portanto, seria o desen-
Os roteiros estão repletos de traição e mo- rolar da revelação dessa traição. Por outro
mentos de surpresa. Ao longo da história da lado, pode ser que seu roteiro já comece
dramaturgia, personagens e situações que são com uma pergunta, um conflito que suscite
criadas para dificultar a vida de um protago- uma investigação, e que tudo só se revele
nista habitam o imaginário. Existe um enorme mesmo para o público no final.
potencial na força da função dramática do pe-
rigo oculto, e isso pode e deve ser explorado. Ainda o antagonista e o protagonista
O trabalho do roteirista, nesse sentido, é
o de manter uma integração à parte com o
espectador, ou seja, estabelecer uma cum-
plicidade por meio da qual vai revelando,
no desenrolar da narrativa, informações que
são omitidas ao protagonista. Esse artifício é
fundamental nos filmes de suspense, crime,
terror, espionagem etc. e até mesmo em ro-
mances nos quais aparece a traição nos rela-
cionamentos amorosos.
Antagonista: é a função que tem o peso
dramático de ser oposta diretamente ao pro-
O interessante é manipular esse jogo de
tagonista. Ela talvez seja, no roteiro, a re-
o quanto se entrega ao espectador e quan-
presentação direta da existência do conflito,
do. Existem filmes em que o público chega
aquela que fará de tudo para que a perso-
ao desfecho sem saber o verdadeiro culpado
nagem principal não chegue ao final vitorio-
de um crime. Por outro lado, há roteiros que sa. O antagonista é a personagem que se
deixam as personagens sem ter a menor ideia representa no inimigo. Ela aparece em dife-
sobre uma determinada identidade secreta da rentes graus de intensidade e periculosida-
qual o público já está mais do que informado. de, dependendo da natureza e do gênero da
história. Pode ser desde aquele que disputa-
Quanto mais você surpreender seu prota- rá com o protagonista a pessoa amada até o
gonista, melhor, mas também é bom que você que tentará por todos os meios acabar com
cative o espectador retendo algumas informa- sua vida. Pode ter origem externa ou inter-

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

na, mas sempre será uma ameaça, seja se visão bem mais simplista, entre heróis e vi-
mostrando às claras ou de maneira disfarça- lões. No entanto, é preciso lembrar que essa
da, muitas vezes até na figura de um aliado dualidade, como já vimos, nem sempre é
conselheiro. Veja O advogado do diabo. facilmente identificável. Por vezes, a força
dramática da personagem antagonista pode
Muitas vezes, o maior inimigo de seu pro- superar a do protagonista. Quando essa es-
tagonista será ele mesmo. Isso se dará na tratégia é intencional por parte do roteirista,
forma de uma paixão desenfreada, uma neu- é bem interessante; no entanto, quando é
rose, uma paranoia ou um vício contra o qual acidental, compromete a narrativa. Em 2001,
ele terá que lutar desesperadamente para uma odisseia no espaço, o computador HAL
sobreviver. Já vimos, na análise da função do 9000, que antagoniza o dr. David Bowman,
protagonista, o peso dessas lutas internas. quase enviando-o literalmente para o espa-
ço, rouba a cena e por muito pouco não faz
Os inimigos externos são muitos e refle- o mesmo com o filme. Já o Coringa interpre-
tem-se até mesmo nas forças da natureza. tado por Heath Ledger no filme Batman, o
Muitas vezes, podem estar representados Cavaleiro das Trevas, pela força da persona-
por um rio e sua correnteza ou por um defei- gem, põe o Batman no bolso, o que, aliás,
to num carro. O fato é que tudo aquilo que todos os Coringas do cinema fizeram.
impede a ação do protagonista em direção
a seu objetivo principal antagoniza-o. É cla- De qualquer forma, grandes protagonistas
ro que podemos identificar um antagonista sempre suscitaram antagonistas à altura.
principal em seu roteiro, no entanto, muitas
vezes, essa figura encontra-se diluída em Muitas vezes, esse inimigo é o próprio
várias pequenas personagens e aconteci- sistema. Essa fórmula foi muito usada nos
mentos que agem em conjunto, sem uma filmes dos anos 1960 e 1970, quando o pro-
coordenação específica, sem uma intenção, tagonista enfrentava grandes conglomerados
apenas como fruto do acaso, para atrapalhar
e cartéis ou simplesmente a lei que servia
a vida de seu “herói”.
a poucos. Havia a personagem do rebelde
que surgia solitário procurando justiça ou
Se nada atrapalha e impede que seu pro-
simplesmente desestruturação. Geralmente
tagonista chegue a seu objetivo, nem ele
era um marginal, um desajustado, alguém
mesmo, você estará criando uma história
que vivia fora do esquema enquadrado pela
fora do tempo e do espaço.
sociedade. Podemos encontrá-los nos filmes
underground dos anos 1970. Com a vitória
Protagonistas X antagonistas
do paradigma consumista como forma de
sustentação da estrutura macroeconômica,
A história da literatura e do cinema está
personagens como essas ficaram meio ana-
repleta de exemplos da relação entre pro-
crônicas e, infelizmente, são, em sua maio-
tagonistas e antagonistas, ou ainda, numa
ria, consideradas aborrecidas.

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Tendo agora terminado de analisar algu- Enquadramentos e movimentos de


mas funções dramáticas de personagens que
computo de relevância, poderíamos envere-
câmera - etapas de um roteiro ideal
dar por outras, mas considero que seria ex-
Agora que já vimos basicamente tudo que
cessivo, visto que esse aprofundamento se-
é importante ao roteirista, vamos fazer um
ria interminável à luz da criatividade.
passo a passo de todas as etapas de um ro-
teiro até chegarmos à decupagem e ao rotei-
Acredito que, tendo estudado o protago-
ro técnico desenvolvido pelo diretor.
nista, seu conselheiro, o inimigo oculto (jun-
tamente com elementos de surpresa) e o
Um roteirista não precisa saber movimen-
antagonista, qualquer um que tenha a inten-
tos de câmera ou enquadramento para de-
ção de escrever um roteiro já terá as funções
senvolver seu roteiro. Mas algumas noções
dramáticas das personagens necessárias a
sobre esses aspectos fundamentais da estru-
criação de uma história.
tura cinematográfica ajudam a compreender
melhor a linguagem do cinema e a enorme
importância que deverá ser dada, no roteiro,
para a transposição de texto em imagem.
Por isso, antes do passo a passo, vamos
ver alguns planos e enquadramentos básicos
que sempre farão parte dos roteiros.

Movimentos de câmera e
enquadramento
Essa parte do roteiro, com planos e en-
quadramentos, é totalmente a cargo da dire-
ção, mas um roteirista tem que saber mini-
mamente o que vem a ser isso para melhor
atender às expectativas do diretor em rela-
Outras surgirão na medida em que forem ção ao que cabe a ele desenvolver.
sendo escritos os trabalhos; acredito que no-
meá-los agora seria um exercício um tanto Movimentos de câmera
conceitual, o que nos aproximaria demais de
Syd Field ou Christopher Vogler, o que disse- Quando se trata de imagem, um filme faz-
mos a priori que não faríamos. -se a partir de cenas e planos.
De qualquer forma, fica a sugestão do
nome desses autores para quem desejar co- Cena é um conjunto de ações, e plano é
nhecê-los. o que está entre um corte e outro de uma

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

cena. Existem duas maneiras de definir o en- rizontal, ou de cima para baixo, na pan
quadramento de um plano: o movimento de vertical.
câmera e o movimento de lente.
3) Travelling: quando a câmera se des-
loca do eixo e parece viajar por entre
árvores e paisagens. O travelling pode
ser feito com carrinho próprio ou com
uma câmera fixa posicionada na janela
de um trem, carro, navio etc., filmando
a paisagem que passa.

Recursos de lente

O movimento de câmera comporta basica- 1) Zoom in: aproximação de uma ima-


mente dois tipos, a saber: gem.

1) Câmera subjetiva: quando a câmera, 2) Zoom out: distanciamento de uma


numa cena, é colocada em posição imagem.
que permite filmar do ponto de vista 3) Grande angular: imagem capturada
de um personagem em ação. Repre- em ângulo amplo.
senta o ponto de vista de quem olha.
Por exemplo, numa cena de carro em Movimentos internos de câmera
alta velocidade, quando se mostra a
estrada, as tomadas estão sendo feitas 1) Plongée: câmera posicionada de cima
segundo a visão do motorista. para baixo. Pode ser feito com uma
grua ou ainda de cima de um lugar
2) Câmera objetiva: quando a câmera alto, por exemplo, no alto de um pré-
está na posição em que o ponto de vis- dio.
ta é de um público imaginário, o ponto
de vista do espectador. 2) Contra-plongée: câmera posicionada
de baixo para cima.
Os movimentos de câmera habituais são:
3) Câmera aérea: tomada aérea de
1) Corte: mudança em corte de uma ima- uma cena, realizada com helicópteros.
gem para outra.
Enquadramento
2) Pan: é uma panorâmica, quando a câ-
mera gira sobre seu próprio eixo, para Os filmes são um conjunto de cenas. Para
a esquerda e para a direita, na pan ho- filmá-las, a câmera pode estar posicionada

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

em uma ou várias posições. Essas posições 4) PA - plano americano: enquadra os


chamam-se ângulos de câmera, que personagens do joelho para cima.
compõem um ou mais planos em cada cena. Chama-se americano pois foi muito
São eles: usado nos filmes de western, ao dar
o corte do revólver na cartucheira do
1) GPG - grande plano geral: mostra cowboy para cima. Um plano ameri-
uma grande área de ação filmada de cano pode mostrar, por exemplo, dois
longa distância. Pode ser feito de um atores dialogando de perfil para a câ-
ponto de vista mais elevado, com a mera.
câmera inclinada para baixo e usan-
do lente grande angular. Esse plano 5) PP - primeiro plano: enquadra os
é usado para filmar desertos, monta- personagens da cintura para cima. É
nhas ao longe, mar bravio, navios em um enquadramento muito usado na
alto mar, arenas de lutas ou jogos etc. TV, pois é útil para filmar diálogos.

2) PG - plano geral: mostra uma grande 6) Close up: é um plano de aproximação.


área de ação, filmada também à dis- Trata-se de um dos recursos mais en-
tância, mas com enquadramento mui- fáticos no cinema e também muito
to menor do que o GPG. Abrange uma usado na televisão, pois fecha a câ-
área específica, onde se desenvolve a mera em ombro, rosto e cabeça do
ação do filme. Por exemplo, uma sala personagem. Nesse plano, o cenário
completa, na qual se veem as entra- onde a ação se desenvolve é pratica-
das e saídas dos personagens e toda mente eliminado, o que interessa são
a amplitude de ações que ocorrerem as expressões de rosto do ator, que
ali dentro. Pode, por exemplo, mos- se tornam mais nítidas para o espec-
trar uma montanha, mas já próxima, tador. Na TV, os atores que se saem
com uma casa no sopé, ou ainda um bem nesse plano são aqueles que
navio dentro do oceano, mas próximo sabem representar inclusive com os
da margem.
movimentos de sobrancelha, pois ele
exige muita expressão facial.
3) PM - plano médio: chama-se plano
médio pois é uma média do que cabe
7) Super close: é uma variação mais ra-
dentro da tela. Deve enquadrar quatro
dical do close up. Nesse enquadra-
personagens em pé, de corpo inteiro,
mento, somente a cabeça do ator do-
dos pés à cabeça, dentro de um pla-
mina a tela. Apesar de ser um plano
no, ou ainda qualquer outra imagem
de aproximação, não funciona na TV,
que se encaixe nessa proporção.
porque nela o rosto do ator não pode
cobrir toda a telinha, correndo o risco
de provocar estranhamento. Mas é um

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

plano que, ao lado do plano detalhe,


sempre foi muito útil à plasticidade do Premissa: goiaba madura na beira da es-
cinema trada...

8) Plano detalhe: enquadra somente os Storyline: Alceu, um boia-fria, encontra


detalhes a ser valorizados numa cena. o corpo de um homem caído no mato. De-
Por isso mesmo, é um plano muito funto com relógio de ouro vale dinheiro se
enfático no cinema e pouco explora- for devolvido à família. O único problema é
do na televisão. Pode enquadrar, por arrastá-lo pelo caminho. Esse é um risco que
exemplo, os olhos do personagem, vale a pena, a menos que o defunto volte à
um anel no dedo, uma bolsa em cima vida e comece a dar problemas, ainda mais
de um móvel etc. se ele devia e quem estiver com ele se trans-
formar em queima de arquivo.
Passo a passo de um roteiro ideal
Sinopse: Alceu é um boia-fria, trabalha-
Agora que você já viu detalhadamente to- dor itinerante que passa dificuldades até
das as etapas de um roteiro, como desen- mesmo para comer a maior parte do tem-
volvimento interno, personagens e conflito, po de sua vida miserável. Para sua sorte, ou
e já conhece um pouco dos movimentos de azar, um belo dia, voltando para seu vilarejo,
câmera e dos enquadramentos, vamos ana- ele encontra o corpo de Pedro. Relógio de
lisar um exemplo de um passo a passo da ouro, terno e gravata, o defunto tem todas
criação de um roteiro até sua decupagem. as características de um homem rico. Para
É apenas uma simulação, mas, a partir dela, o pobre trabalhador rural, aquela podia ser a
será possível compreender todo o processo chance de ganhar algum dinheiro, afinal, al-
criativo de um filme até chegar às filmagens, guém deveria ser dono daquele patrão.
além de ter um modelo a seguir na hora de
desenvolver os próprios trabalhos. Numa macabra peregrinação, a estranha
dupla segue pelos caminhos empoeirados do
Usemos como exemplo o roteiro Leve, do sertão.
professor e cineasta Luiz Ignacio Moreno
Gama Filho, cujos direitos autorais, sinopse No entanto, um pouco depois de enfren-
e decupagem estão devidamente registrados tar os veementes protestos de um padre que
na sessão de direitos autorais da Biblioteca cruzara seu caminho intimando-o a chamar
Nacional. as autoridades, o boia-fria, ao cair da tarde,
num recanto ermo e solitário de um grotão, é,
Parte I: escrevendo o roteiro para seu desespero, sacudido pelos gritos de
Pedro, que ressuscitara e agora clamava para
A ideia: homem vê num corpo abandona- ser enterrado.
do a chance de ganhar dinheiro.

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

A princípio, Alceu se desespera e sai de- SEQ.2- EXT./DIA/CAMINHO DE TERRA


sembestado correndo mato adentro com o
defunto agarrado às suas costas, mas, aos O suor escorre pelo rosto de Alceu, que
poucos, vai recobrando a calma, e a “fome” vai subindo uma ladeira íngreme, cortando
fala mais alto. Ele mesmo diz: de um jeito ou a mata. A tiracolo, o embornal. Ele arrasta,
de outro, tem carne nesse defunto. Começa amarrado a uma corda, o corpo de um ho-
então um embate de forças entre o boia-fria e mem. Um defunto com sapatos de couro,
o endinheirado cadáver. terno e gravata, relógio de ouro e o rosto
triste. Alceu com as roupas rasgadas, pés
Um lutando para lucrar com a carne alheia
descalços e o rosto marcado por anos de tra-
e o outro querendo acabar com a dor de uma
balho pesado.
morte vivenciada. No entanto, um fator vem
desequilibrar o fiel dessa balança: Pedro não
SEQ.3 - EXT./DIA/VELHO CRUZEIRO
era santo e devia muito a pessoas poderosas.
Não havia morrido de morte matada por aca-
so, pois já estava encomendado, e quem es- Um padre está sentado, encostado a um
tava atrás dele agora queria vê-lo bem enter- cruzeiro. Ele tem a seu lado uma mulher de
rado. O mesmo devia se dar a quem pudesse seios fartos e generoso decote. De repente
saber demais. ele vê Alceu, que passa ao longe, carregando
o defunto.
Sendo assim, o destino já está selado. Em
seu caminho, os perseguidores de Pedro de- PADRE
param-se com o boia-fria e seu defunto a -...Minha nossa senho... valha... ei... ô.
poucos quilômetros da cidade. O padre caminha apressado na direção de
Alceu, que olha contrariado e tenta apressar
Agora só resta a Alceu dividir uma cova o passo.
com o corrupto empresário, que agora o
abraça com um macabro sorriso no rosto. PADRE
- Mas o que é isso homem, de Deus, isso
Parte II: o roteiro
lá é jeito... pra onde você tá levando essa
ROTEIRO pobre alma?

SEQ.1- EXT./DIA/SERTÃO ALCEU


- Pobre alma é a minha, esse aí já foi.
Uma Cova Sendo Aberta E O Som Caden-
ciado De Uma Pá Cavando. Um Tanto De Ter- PADRE
ra É Atirada Cobrindo A Tela.
-... Em nome de Deus meu filho, para!...

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Para com esse desatino, homem, em nome escuros de lentes grossas e chapéu de palha.
da Santíssima Virgem para! O cavalo carregado: alforje, cantil, facão, pá
de campanha e uma Winchester na cartu-
Alceu para contrariado, de modo que o cheira. Em silêncio, ele segue seu caminho,
defunto abre a boca. Alceu olha o padre e entrando numa estradinha de terra próxima
retoma sua caminhada. Sua atenção agora ao carro.
vai para a mulher de seios fartos que lava
roupas numa bacia próxima ao cruzeiro. Ca- SEQ.5 - EXT./ENTARDECER-NOITE/TRI-
belos longos e encaracolados, ela retribui ao LHA ACIDENTADA
olhar de alceu lhe dirigindo um sorriso sedu-
tor. Seu decote exibe um crucifixo que balan- O defunto é arrastado pela trilha acidenta-
ça entre os seios. da e, à medida que vai batendo nos galhos e
ALCEU pedras do caminho, sua expressão facial vai
mudando. Ora alegre, ora triste, ora preocu-
- Tava caído na picada, é rico, num tem pado, olhos abertos ou fechados, o caminho
furo no corpo, passou foi mal...deve ter pa- vai lhe dando vida.
rente em Cardozinho. Lá eles pagam por ele.
Alceu, por sua vez, pena para carregar seu
PADRE fardo. Pisando firme sobre as pedras do ca-
minho ele vai cantando baixo uma ladainha.
-Mas você não pode sair por ai arrastando Numa curva ele chega a um descampado.
um defunto, meu filho... é contra a lei dos Uma brisa movimenta a vegetação a sua vol-
homens...é contra a lei de Deus. ta e traz uma voz distante.
Alceu vai passando e olhando para a mu- VOZ
lher. Entre os dois, um jogo de sedução.
- Alceu... ô, Alceu.
ALCEU
Ele anda em direção ao centro da clareira,
- Mas é da lei da fome. De um jeito ou de sempre arrastando o defunto e olhando em
outro tem carne neste defunto... Daqui uns volta. O mato se mexe e ele percebe alguma
dias eu volto pra contar pro senhor. coisa andando entre a vegetação.

Alceu reforça o olhar na mulher. Ela sorri. VOZ

SEQ.4 - EXT./DIA/ESTRADA ASFALTADA - Ô, Alceu.

Um carro importado abandonado na es- ALCEU


trada. Capô aberto, saindo vapor. Passando
por ele, vai um homem; rosto magro, óculos - Quem é?... Tô pra brincadeira.

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

Alceu puxa uma peixeira e, girando, olha ALCEU


assustado para a margem da clareira. O de-
funto sorri sendo arrastado de um lado para - Tu não existe... Tu não existe, é miração
outro. do demônio...
PEDRO
ALCEU
- Miração é o cacete, caipira burro! Não tá
- Quem é ?... Se não falá quem é... sentindo meu bafo no teu cangote...

PEDRO ALCEU

- É Pedro! - O que tu quer de mim, desconjurado?

Pedro aparição está agarrado nas costas PEDRO


de Alceu e fala com a boca grudada em seu
ouvido. - O que eu quero de você, babaca?... O
que eu quero de você?... Adivinha? Uma
Alceu, desesperado, berra enquanto atin- casinha no campo?... A tua bunda ralada?...
ge Pedro aparição com sua peixeira. Este Será?... Será?
apenas sorri mostrando os dentes. Alceu sai
correndo, arrastando Pedro defunto. Pedro Pedro se aproxima ainda mais e sussurra
aparição continua agarrado em seu cangote. no ouvido de Alceu.
ALCEU PEDRO

- Me larga... Sai de cima, alma maldita, vai - Pois então me escuta porque eu vou falar
queimar no inferno que é teu lugar. baixinho só pra você ouvir... (AOS BERROS)
EU QUERO QUE VOCÊ ME ENTERRE, PORRA!
Alceu gira, pula e rola no chão, levanta-se
e corre mata adentro. Batendo em arvores, Alceu olha para Pedro aparição e apagam
tropeçando em desespero, levando sua exausto.
carga, até cair de joelhos com pedro aparição
falando em seu ouvido. Parte III - decupagem

PEDRO LEVE - ROTEIRO TÉCNICO

- Você tava achando, criatura, que eu ia Abertura: créditos sobre tela preta. Música
me deixar arrastar por aí que nem um saco tema vai até o fim dos créditos. Ainda sobre
de merda... a tela entra som de pá cavando. Corte sec

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

PLANO 1 – (SEQ.1). EXT./DIA/SERTÃO: PLANO 8 – (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO CRU-


Câmara baixa em PLANO PRÓXIMO (PP) de ZEIRO: PLANO PRÓXIMO em CP SUAVE do PA-
uma pá abrindo uma sepultura. 50mm. DRE, que para, olhando a direita de câmara,
na direção de ALCEU. D-PAD...minha nossa...ô.
PLANO 2 – (SEQ.2).EXT./DIA/LADEIRA: 85 mm.
TRAVELLING recuando mostrando CLOSE
FRONTAL de ALCEU. 85 mm. PLANO 9 – (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO CRU-
ZEIRO: PLANO PRÓXIMO EM CP de ALCEU. Ele
PLANO 3 – (SEQ.2).EXT./DIA/LADEIRA: está chegando ao final da ladeira puxando PE-
TRAVELLING - esquerda em PLANO DRO e olha para a esquerda de quadro, olhan-
CONJUNTO acompanhado ALCEU subindo a do contrariado na direção do PADRE. Câmara
ladeira, puxando o corpo de PEDRO. 24 mm.
gira em CHICOTE para a esquerda até encon-
trar o PADRE, que começa a andar na direção
PLANO 4 – (SEQ.2).EXT./DIA/LADEIRA:
de ALCEU, indo para a direita de quadro. Câ-
TRAVELLING - esquerda acompanhando em
mara recua acompanhando o PADRE em TRA-
PLANO DETALHE a mão de ALCEU puxando
VELLING para mostrar a aproximação entre os
a corda que vai presa ao punho de PEDRO.
dois. D-PAD...mas o que...alma? TRAVELLING
O TRAVELLING para, e o quadro abre para
continua recuando enquanto os dois avançam.
um PLANO CONJUNTO que vai revelando o
O diálogo continua. D-ALC... pobre... foi. D-
corpo de PEDRO sendo puxado ladeira acima.
-PAD... em nome... para!... para... homem,...
PEDRO sai à esquerda de quadro. ZOOM
32 mm.
PLANO 5 – (SEQ.2).EXT./DIA/LADEIRA:
TRAVELLING - esquerda avançando em câma-
ra baixa, em PLANO PRÓXIMO FRONTAL do PLANO 10 - (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO
rosto de PEDRO em primeiro plano e das solas CRUZEIRO: TRAVELLING - esquerda em PLA-
dos pés de ALCEU em segundo plano. 24 mm. NO PRÓXIMO de PEDRO sendo arrastado. O
movimento para bruscamente. Os olhos de PE-
PLANO 6 – (SEQ.2).EXT./DIA/LADEIRA: DRO se abrem. 85 mm.
PLANO GERAL em que aparece toda a mon-
tanha e a ladeira. À distância, ALCEU arrasta PLANO 11 - (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO
PEDRO para a esquerda de quadro. 50 mm. CRUZEIRO: PLANO DETALHE FIXO - Os olhos
de PEDRO se abrem. D – PAD... em nome..
PLANO 7 – (SEQ.2).EXT./DIA/VELHO CRU- .para! 50 mm.
ZEIRO: PLANO MÉDIO do PADRE com o CRU-
ZEIRO e a MULHER GOSTOSA ao fundo. O PA- PLANO 12 - (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO
DRE dirige-se em direção à direita de câmara, CRUZEIRO: ROMP.EIXO. PLANO CONJUNTO-
avançando olhando para a direita de câmara. -PADRE-ALCEU-PEDRO. ALCEU retoma a cami-
50 mm. nhada. Câmara acompanha em TRAVELLING

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

– DIREITA. CHICOTE para direita até MULHER PLANO 17 – (SEQ. 4). EXT./DIA/ESTRA-
GOSTOSA. D-ALC... tava...ele. 50 mm. DA ASFALTADA: TRAVELLING muito lento,
na mesma direção que o anterior, em PLA-
PLANO 13 – (SEQ.3).EXT./DIA/VELHO NO PRÓXIMO do MATADOR. Ele olha para a
CRUZEIRO: PLANO SUBJETIVO de ALCEU câmara, que passa a ser subjetiva (embora
aproximando-se da gostosa. Vamos de PLA- não represente personagem algum). Vemos
NO MÉDIO até PLANO PRÓXIMO que realça os o rosto marcado, os óculos quadradões, de
seios e o crucifixo balançando. MULHER abre armação grossa e de lentes verdes, fundo de
sorriso. D-PAD... mas... Deus. 50 mm. garrafa. (SOM INCIDENTAL). 100 mm.

PLANO 14 – (SEQ.3). EXT./DIA/VELHO CRU- PLANO 18 – (SEQ.4).EXT./DIA/ESTRA-


ZEIRO: TRAVELLING recuando de PLANO PRÓ- DA ASFALTADA: PLANO CONJUNTO de MA-
XIMO EM CP de ALCEU, que sorri para MULHER. TADOR rondando um carro importado, tal-
D – ALC... mas... senhor. Movimento para, e AL- vez um conversível vermelho, que está com
CEU sai pela esquerda de quadro. 85 mm. o capô aberto e fervendo. O PLANO é feito
com uma TELE 800 mm para dar uma ideia
PLANO 15 – (SEQ.3). EXT./DIA/VELHO de observação a distância. O asfalto deverá
CRUZEIRO: PLANO PRÓXIMO da MULHER estar fervendo e a imagem, tremeluzindo. O
olhando para a direita de quadro, acompa- MATADOR dá vários rodopios com seu ca-
nhando ALCEU, que está fora de quadro. Ela valo, observa o chão procurando por algo.
enxuga o suor do rosto e do colo, o crucifixo Encontra e instiga seu cavalo, entrando por
balançando e um belo sorriso realça seus lá- uma trilha mato a dentro. (SOM INCIDEN-
bios cor de mel. 50 mm. TAL). 800 mm.
PLANO 16 – (SEQ. 4). EXT./DIA/ESTRA- PLANOS 19-20-21-22-23-25-26-27
DA ASFALTADA: TRAVELLING avançando (INSERÇÕES PARA O PLANO ANTERIOR) –
pela estrada até encontrar cavaleiro (MATA- (SEQ.4). EXT./DIA/ ESTRADA ASFALTADA:
DOR). O movimento acompanha o persona- Vários PLANOS PRÓXIMOS EM CP do MATA-
gem por alguns instantes. Tempo necessário DOR (TRÊS PLANOS).
para perceber os paramentos; rifle na car-
tucheira da sela texana, revólver na cintura, PLANOS PRÓXIMOS (TRÊS PLANOS) das
chapéu de palha tipo vaqueiro, bota etc. patas do cavalo, que resfolegam de um lado
para o outro. PLANO PRÓXIMO do chanfro do
O cavalo é fundamentalmente belo; um ala- animal. É importante salientar o olhar arisco
zão, crinas claras e longas e de garupa larga. do cavalo com um PLANO DETALHE. (SOM
50 mm. (SOM INCIDENTAL). Obs. O MATADOR INCIDENTAL). 85 mm.
está no acostamento da contramão do movi-
mento, para que o revólver e o rifle na sela, PLANO 28 - (SEQ.5) EXT./ENTARDECER-
usualmente na direita, possam ser vistos. -NOITE/ TRILHA ÍNGREME E ACIDENTADA:
TRAVELLING avançando PLANO DETALHE

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

frontal dos olhos de PEDRO, que estão aber-


tos, mas, à medida que ele vai sendo puxado PLANO 34 – (SEQ.6) EXT./ENTARDECER-
e sua cabeça vai esbarrando em pedras, ga- -NOITE/ CLAREIRA: PLANO MÉDIO lateral e
lhos etc., sua expressão facial vai mudando; FIXO de ALCEU e PEDRO. ALCEU está atur-
olhos abrem e fecham, lábios sorriem ou cho- dido, peixeira na mão, escuta mais uma vez
ram e assim por diante. 50 mm. (SOM SURDO chamarem seu nome. Lentamente vira-se
das PANCADAS). para direita de câmara, exibindo as costas e
olha na direção de PEDRO, que está inerte à
PLANO 29 – (SEQ.5) EXT./ENTARDECER- direita. ALCEU relaxa e olha para frente. 50
-NOITE/ TRILHA ÍNGREME E ACIDENTADA: À mm.
distância, em PLANO GERAL, vemos a silhue- D. ALCEU...quem é?
ta de ALCEU puxando PEDRO morro acima.
Ambos somem por trás de alguns arbustos. PLANO 35 - (SEQ.6) EXT./ENTARDECER-
50 mm. -NOITE/ CLAREIRA: PLANO PRÓXIMO de PE-
D. VOZ-... Alceu... Alceu... (SOM de VEN- DRO, que tem o rosto inerte virado para a
TO). esquerda de câmara. Tem um sorriso pláci-
do. D. ALCEU... quem é?
PLANO 30 – (SEQ.6) EXT./ENTARDECER- 50 mm.
-NOITE/ CLAREIRA: PLANO MÉDIO FIXO de
ALCEU, que, no centro da clareira, para ao es- PLANO 36 – (SEQ.6) EXT/ENTARDECER-
cutar seu nome. Venta forte. ALCEU dá uma -NOITE/ CLAREIRA: PLANO PRÓXIMO lateral
girada, PEDRO é arrastado de um lado para de ALCEU. Ligeiro ar às suas costas (SOM
outro. D.VOZ-... Ô, Alceu... 50 mm. de VENTO). PEDRO surge rápido num susto,
PLANO 31- (SEQ.6) EXT./ENTARDECER- agarrado ao cangote de ALCEU. D.PEDRO...
-NOITE/ CLAREIRA: PLANO AMERICANO, é PEDRO. 50 mm.
muito próximo, em PC de ALCEU. Ele puxa a
peixeira. 18 mm. PLANO 37 – (SEQ.7) EXT/ENTARDECER-
-NOITE/ CLAREIRA: PLANO PRÓXIMO de
PLANO 32 – (SEQ.6) EXT./ENTARDECER- ALCEU e PEDRO a. em LONGO TRAVELLING
-NOITE/ CLAREIRA: TRAVELLING lento e para esquerda. ALCEU vai embrenhando-
avançando em direção ao cangote de ALCEU. -se mata adentro pela trilha levando PEDRO
Ele vira-se em direção à câmara. Temos um a. em suas costas. Em primeiríssimo plano,
CLOSE. D. ALCEU-... quem é ?... não... 18 passam galhos e árvores desfocados. A ideia
deste plano está contida em duas palavras:
mm.
velocidade e desespero.
PLANO 33 – (SEQ.6) EXT./ENTARDECER-
D. ALCEU... Me larga... lugar.
-NOITE/ CLAREIRA: TRAVELLING muito rápi-
D. PEDRO... Você... merda
do (não é speed motion), avança em direção
D. ALCEU... Tu...d emônio.
ao cangote de ALCEU. 18 mm.

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

D. PEDRO... Miração... cangote. aulas. No roteiro, Alceu segue sua vida, até
D. ALCEU... O que.... desconjurado. que algo surge, acenando com a possibilidade
D. PEDRO... O que eu quero... Será?... ME de tirá-lo, mesmo que por algum tempo, de
ENTERRE PORRA! sua vida miserável. O conflito está no desafio
de ter que sair pela estrada carregando um
PLANO 38 - PLANO MÉDIO em TRA- defunto. Surpreendentemente, este desperta
VELLING FRONTAL recuando em CONTRA- e transforma-se no antagonista da história,
-PLONGÉ de ALCEU e PEDRO a. ALCEU tro- mas o inimigo oculto surgirá na forma do
peça vem escorregando com a cara no chão próprio passado de Pedro, algo a que o boia-
a poucos centímetros da câmara. Ele des- fria não atentou e que acabará por selar seu
maia. 35 mm. destino.
E, com o desfecho do roteiro, terminamos
Conclusão nosso curso. Espero que essas informações
sejam úteis para que você possa desenvolver
seus trabalhos. Agora é arriscar. Bom roteiro
e feliz desenvolvimento de ideias, histórias
e argumentos para todos nós. Lembrando
sempre que, sem roteiro, não existe filme,
e, sem filme, não existe cinema. Portanto, a
responsabilidade do roteirista é muito grande.
Às vezes, em filmes de produção, chega a ser
maior do que a do próprio diretor.

Referências
Pronto. Agora você teve todas as informa-
ções necessárias para começar a esboçar o COMPARATO, Doc. O roteiro para TV. 4ª
próprio roteiro. ed. São Paulo: Globo, 2009.

Como pudemos observar em todo o pro- FIELD, Syd. Os fundamentos do roteista.


cesso de aprendizado desta apostila, existe Curitiba: Arte & Letra, 2009.
uma considerável diferença entre o roteiro li-
terário e a decupagem técnica, mesmo quan- FONSECA, Cristina. Documentário: ensaio
do ambas são feitas pela mesma pessoa. e experimentação. Tese de doutorado. Ponti-
A título de ilustração, o trecho de roteiro fícia Universidade Católica de São Paulo, São
demonstrado no final da apostila e suas Paulo. 200 p.
etapas de storyline, sinopse, desenvolvimento
de roteiro e decupagem servem bem como GARCIA, Othon. Comunicação em prosa
parâmetro para o que foi exposto no texto das moderna. São Paulo: EDUSP, 2010.

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As estruturas do roteiro e os gêneros cinematográficos

MARQUES, Gabriel Garcia. Como contar um conto. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2001.

MOSS, Hugo. Como formatar um roteiro. 1998. Disponível em: http://www.geocities.ws/


ppjfiles/como_formatar_seu_roteiro.pdf, acesso em: 12.jun.2013.

PARENT-ALTIER, Dominique. O argumento cinematográfico. Lisboa: Texto e Grafia, 2008.

ROCHA, Glauber. Roteiros do Terceiro Mundo. Org. Orlando Senna. Rio de Janeiro: Em-
brafilmes; Alhambra, 1985.

SEGER, Linda; WHETMORE, Edward J. Do roteiro para a tela. São Paulo: Bossa Nova,
2009.

STANISLAVSKI, Constantin. A construção do personagem. Rio de Janeiro: Civilização Bra-


sileira, 2012.

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