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Na Índia encontrei-me pela primeira vez sob a influência direta de uma civilização
estrangeira altamente diferenciada. O que me preocupou acima de tudo foi o problema da
natureza psicológica do mal. Fiquei profundamente impressionado com a forma como esse
problema se integra na vida do espírito indiano e, através desta constatação, adquiri uma nova
concepção. Analogamente, conversando com os chineses cultos, sempre fiquei impressionado
em ver que era possível integrar aquilo que é considerado "mal", sem por isso "passar
vergonha". Entre nós, no Ocidente, não ocorre o mesmo. Para um oriental, o problema moral
não parece ocupar o primeiro plano, tal como ocorre conosco. Para ele, pertinentemente, o bem
e o mal são integrados na natureza e, em suma, são apenas diferenças de grau de um único e
mesmo fenômeno.
A meta do indiano não é atingir a perfeição moral, mas sim o estado de Nirdvandva.
Quer livrar-se da natureza, e por conseguinte atingir pela meditação o estado sem imagens, o
estado do vazio. Eu, pelo contrário, tendo a manter-me na contemplação viva da natureza e das
imagens psíquicas, não quero desembaraçar-me nem dos homens nem de mim mesmo, nem da
natureza, pois tudo isso representa, a meus olhos, uma indescritível maravilha. A natureza, a
alma e vida me aparecem como uma expansão do divino. O que mais poderia desejar? Para mim,
o sentido supremo do ser consiste no fato de que isso é, e não o fato de que isso não é ou não
é mais.
Para mim não há liberação à tout prix (a todo o custo). Não poderia desembaraçar-me
de algo que não possuo, que não fiz, nem vivi. Uma liberação real só é possível se fiz o que
poderia fazer, se me entreguei totalmente a isso, ou se tomei totalmente parte nisso. Se me
furtar a essa participação, amputarei de algum modo a parte de minha alma que a isso
corresponde. O homem que não atravessa o inferno de suas paixões também não as supera.
Elas se mudam para a casa vizinha e poderão atear o fogo que atingirá sua casa sem que ele
perceba. Se abandonarmos, deixarmos de lado, e de algum modo esquecermo-nos
excessivamente de algo, correremos o risco de vê-lo reaparecer com uma violência redobrada.
Em Konarak (Orissa), encontrei um pandit que me guiou e instruiu por ocasião de uma
visita ao templo e ao grande "Templo-carro". Da base ao cume o pagode é coberto de esculturas
obscenas e refinadas. Conversamos demoradamente sobre esse fato insólito; meu guia explicou
que se tratava de um meio de atingir a espiritualização. Objetei - mostrando um grupo de
camponeses jovens que olhavam essas maravilhas, de boca aberta - que eles não pareciam a
caminho da espiritualização, mas que se compraziam em fantasias sexuais. Ao que meu
interlocutor respondeu: "Mas é justamente disso que se trata! Como poderiam eles se
espiritualizar, se não realizassem primeiro o seu carma? As imagens obscenas aí estão para
lembrar-lhes seu dharma (lei); de outro modo, esses inconscientes poderiam esquecê-lo!"
A colina de Sânchi representava para mim algo de central. Lá, o budismo revelou-se a
mim numa nova realidade. Compreendi a vida do Buda como a realidade do si-mesmo que
penetrara uma vida pessoal e a reivindicara. Para o Buda, o si-mesmo está acima de todos os
deuses. Ele representa a essência da existência humana e do mundo em geral. Enquanto unus
mundus, ele engloba tanto o aspecto do ser em si, como aquele que é reconhecido e sem o qual
não há mundo. O Buda certamente viu e compreendeu a dignidade cosmogônica da consciência
humana; por isso via nitidamente que se alguém conseguisse extinguir a luz da consciência, o
mundo se afundaria no nada. O mérito imortal de Schopenhauer foi o de ter compreendido ou
redescoberto esse fato.
Cristo também - como o Buda - é uma encarnação do si-mesmo, mas num sentido
muito diferente. Ambos dominaram o mundo em si mesmos: o Buda, poder-se-ia dizer,
mediante uma compreensão racional; o Cristo, tornando-se vítima segundo o destino; no
cristianismo, o principal é sofrer, enquanto que no budismo o mais importante é contemplar e
fazer. Um e outro são justos, mas no sentido hindu o homem mais completo é o Buda. Ele é uma
personalidade histórica e, portanto, mais compreensível para o homem. O Cristo é, ao mesmo
tempo, homem histórico e Deus, e, por conseguinte, mais dificilmente acessível. No fundo, ele
sabia apenas que devia sacrificar-se, tal como lhe fora imposto do fundo de seu ser. Seu sacrifício
aconteceu para ele tal como um ato do destino. Buda agiu movido pelo conhecimento, viveu
sua vida e morreu em idade avançada. É provável que a atividade de Cristo, enquanto Cristo, se
tenha desenrolado em pouco tempo.