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VENANCIO: Deixe-me ver, pelos meus cálculos, pela velocidade do vento, pelo cheiro de rio,
afragância das palmeiras... Bom, não sei!
TODOS: Aaah!
ESCALAFOTE: Mapa?!
(Ximoco se atrapalha para pegar o mapa, por que está carregando as malas e bolsas)
TODOS: Em...???
PROFÁCIO: Ca...
TODOS: Ca...???
TODOS: Ca...???
ESCALAFOTE: Pois me dê cá. (Escalafote tenta ler o nome com muita dificuldade)
Caiú... Catu... Caratu...
SENFIRA: Carutapera!
TODOS: Ãnh???
SENFIRA: Carutapera.
(Todos riem)
MURIEL: Que nome mais engraçado. Como é mesmo.. Caiu tua perna?
(Todos riem)
ZENDAYA: Caratupera?
(Todos riem)
SENFIRA: Carutapera!
TODOS: Ãnh???
ESCALAFOTE: É estranho sim, é diferente, é autêntico! E por isso que passando por aqui,
vindo de qualquer lugar, de lugar nenhum, vamos contar a história deste lugar. Carutapera
vai virar espetáculo!
TODOS: Iêta!
SENFIRA: Oxente, a gente vai ter que pensar como que vai ser painho.
GERBERA: É claro meu irmão, cada um de nós vai sair pra um canto desta cidade, e vai
observar, anotar tudo que conseguir.
VENANCIO: Sem deixar escapar nenhum detalhe, os detalhes é que são preciosos, os detalhes!
MURIEL: A gente tem que ver e ouvir o modo de falar do povo deste lugar.
PROFÁCIO: E se tem poesia, a gente também tem que anotar.
ZENDAYA: Tem que ver o que tem de bom, e o que tem de ruim, pois é isso que faz a história
de um lugar.
ESCALAFOTE: Então vamos simbora criaturas! E não deixem nada escapar aos olhos e ouvidos
de vocês.
TODOS: Iêta!!!
ESCALAFOTE: Ximoco?! Já sabe, não deixe que nada que seja nosso desapareça, entendido?
(Ximoco afirma que entendeu) (Escalafote sai, em seguida Senfira entra)
SENFIRA: Ximoco?! Não se preocupe, eu trago alguma lembrança pra tu, visse?
BLACKOUT
ESCALAFOTE: Agora não é o momento pra pensar em comida Venâncio. Gerbera minha irmã, o
que foi que conseguiu?
VENANCIO: E por falar em Norte, antigamente era muito mais fácil as pessoas daqui chegarem
a Belém do Estado do Pará, do que para sua própria capital São Luís, e Viseu do Pará é sua
cidade vizinha, e pode se chegar lá viajando de embarcações pelo Rio Gurupi. Por conta da
junção de famílias maranhenses com família paraenses, um novo sotaque surgiu, um sotaque
próprio Carutaperense, essa junção aconteceu também ao longo dos anos com a cultura em
geral, comidas típicas, danças folclóricas e outros costumes, essa junção de culturas
diferentes, formando uma nova cultura é chamada de sincretismo cultural. Aqui se fala égua,
toma açaí e não jussara, aqui tem o boi bumbá, mas também tem o bumba meu boi.
ZENDAYA: E no mês de Janeiro acontece uma das maiores e mais populares festas do litoral
Oeste do Maranhão, a festa do padroeiro São Sebastião, com missas, chegadas de caravanas, a
tradicional Caravana Caru de Belém do Pará, shows, entre tantas outras atrações, e tudo isso
acontece entre os dias 11 até 21 de janeiro.
PROFÁCIO: Carutapera tem artistas, tem gente que canta, que dança, que interpreta, aqui
tem teatro, tem atores, vejam só que beleza, viva o teatro!
TODOS: Viva!!!
PROFÁCIO: ...Tem escritor e tem poeta, o saudoso poeta Marcírio Gonçalves dos Santos, e a
saudosa Dona Izabelzinha, parteira e praticante da Umbanda, religião que também é
encontrada aqui. E a maior economia da cidade é o pescado, daqui saem para outros estados,
tudo quanto é tipo de pescado, e tem também igarapés, que por aqui dizem “um bom banho
de rio”, tem também a praia de São Pedro, e outras praias quase desertas com belezas que
ninguém nunca viu igual, visse.
ESCALAFOTE: Aqui é assim, se você não está de um lado de um partido político, você está
contra ele.
ESCALAFOTE: Exatamente, e aqui não poderia deixar de ser diferente. Nessa cidade tudo vira
rivalidade, política, futebol, são joão, gincana, e por aí vai, mas calma, muitas vezes não é
uma rivalidade sadia, tem brigas, discussões, tem até gente que fica de mal. Assim como
muito lugar, tem tempos que aqui está uma maravilha, mas tem tempos que está um
verdadeiro caos, é normal, é natural, não é uma particularidade apenas de Carutapera, às
vezes chega a dar medo, por isso não poderia deixar de citar.
SENFIRA: Pegando carona nessa do medo, Carutapera tem lendas que muitos hoje
desconhecem, tem o calça molhada, que saia do rio nas madrugadas e perambolava a cidade,
e as pessoas podiam ouvir o barulho da sua calça encharcada de água, havia uma velhinha
feiticeira que se transformava em uma porca, muitos afirmaram ter visto, e um homem que
se transformava em bicho, muitas vezes em bode.
SENFIRA: Da escola Moacir Heráclito dos Remédios, se ouvia um choro de uma criança, um
choro desconhecido, nunca encontrado, em outras escolas, ouviam—se cadeiras arrastar,
portas bater, alguém chamar. No hospital regional então, nem se fala, é cada história de
arrepiar. Se é verdade ou não, fica a se critério acreditar, mas lenda é lenda não é mesmo,
então disso eu tinha que falar.
TODOS: Iêta!
SENFIRA: Buh!
VENANCIO: Aaaaai!!! (Todos riem) Quer que eu caia duro aqui Senfira? Que medo!
4ª Cena – (Todos recitam poesia sobre o medo)
ESCALAFOTE. O medo
MURIEL E ZENDAYA: Tu sabe que eu tenho sentimentos mais profundos por ti não sabe?
ESCALAFOTE: É, e eu não tenho culpa, não posso desgostar assim, fazer meus sentimentos
mudarem de rumo.
MURIEL: Mas tu podia pelo menos tentar.
ESCALAFOTE: Ajudar como, não tem remédio, não tem uma descoberta. Quando se gosta, se
gosta, e nada mais, ou vai ser feliz, ou vai ser infeliz, só tem esses dois caminhos.
PROFÁCIO: Tem sim. Deixe seu coração livre, quem sabe seus sentimentos não encontram os
sentimentos de outro, e juntos se entrelaçam.
ESCALAFOTE: Não!
ZENDAYA E MURIEL: O que tu tá fazendo aí Ximoco? Venha até aqui! (Ximoco faz gesto que
não) Venha!
(Ximoco se aproxima) (Gerbera e Muriel vão para perto das mesas com espelhos)
(Muriel e Zendaya cantam a música “Eu vou fazer uma macumba pra te amarrar, maldito”)
(Ximoco faz parte da cena)
VENANCIO: Falam de amor, mas ao mesmo tempo tem rancor nas palavras.
GERBERA: É verdade!
VENANCIO: Se já perceberam ou não, não me importa, somos dois adultos, livres pra viver
nosso romance.
VENANCIO: Que é uma mulher madura, desimpedida e que merece ficar ao lado de um
homem elegante, bonito, inteligente e raro feito eu.
VENANCIO: Mas é claro minha formosa Gerbera. Agora vamos aproveitar pra namorar um
pouquinho.
VENANCIO: Não! Eu já sei, vamos até o cais da cidade, dizem que de lá pode se ver o melhor
pôr do sol do mundo, e ai de quem dizer o contrário.
GERBERA: E depois podemos dar uma volta na avenida, é lá que os casais se encontram, os
amigos conversam, e ainda dá pra admirar um céu todo estrelado.
VENANCIO: É lamentável que as pessoas hoje em dia não admirem mais um céu estrelado, e
não saibam a sensação maravilhosa que isso dá, de calmaria, de paz, de liberdade.
VENANCIO: Agora vamos meu bombonzinho de coco, não quero perder esse por do sol.
(Venancio sai puxando Gerbera pelo braço)
(Senfira entra)
SENFIRA: O que é isso Ximoco? (Ximoco leva um susto) Fica calmo! O que tu tava fazendo é
muito bonito, é talentoso. Tu precisa mostrar isso pra painho, ele vai te colocar na trupe.
SENFIRA: Tá bem, eu não vou falar nada! (pausa) E porque tu não fala nada, tu é mudo
mesmo Ximoco? Ximoco! Tu lembra, eu que te dei esse nome, quando a gente te encontrou
naquela estrada, sozinho, triste, sem saber falar seu nome, e desde então nunca falou nada.
Tu é mudo mesmo Ximoco? (pausa)
SENFIRA: Tudo bem. (pausa) Eu não gosto de jeito que te tratam visse? Olha o que eu trouxe
pra ti? (tira da bolsa um artesanato de Carutapera) Gostou?
(Ximoco faz gesto que sim)
SENFIRA: É típico daqui de Carutapera, é artesanato daqui, tem um homem que vende ali na
numa calçada da rua do comércio. Ximoco sabe como as pessoas daqui falam quando vão para
a rua do comércio? (Ximoco faz gesto que não) Falam que vão lá em baixo. (Ximoco ri)
Engraçado né?
(Senfira vai rindo até ficar com um semblante de tristeza, Ximoco percebe)
SENFIRA. Não, eu não tô triste? É que eu tô pensando, que desde que mainha se foi, painho
nunca mais arranjou ninguém, eu sei que ele gosta de alguém, mas falta coragem, e penso
que ele tem medo de eu não aceitar. Mas é claro que eu vou aceitar, eu quero mais é que ele
seja feliz!
(Ximoco faz gesto pedindo para Senfira falar com seu pai)
SENFIRA. Tu acha mesmo que dá certo se eu falar com ele? (Ximoco faz gesto que sim) Então
eu vou falar. Obrigada Ximoco!
SENFIRA. É claro que tratam, usam ele, tudo quem tem que fazer é o Ximoco, tratam ele
como escravo, e sempre debocham, ficam rindo.
SENFIRA. Somos uma trupe de teatro, somos atores, somos artistas, somos seres humanos sim,
e cometer erros é perdoável, mas a nossa forma de viver, a forma como a gente enxerga as
coisas painho, não deveria dar espaço pra esses tipos de atitudes. Entende painho?
ESCALAFOTE. Minha filha que belo tudo isso que tu falou! Muito verdadeiro e puro. Tô muito
orgulhoso de tu.
SENFIRA. Eu aprendi isso com o senhor, mas eu não sei em que momento o senhor parou de
pensar assim, e isso me deixa triste. (pausa) Painho, eu sei que o senhor gosta de alguém, eu
não me importo, quer dizer eu me importo sim, eu quero que o senhor seja feliz, fique feliz.
Mainha sempre vai tá comigo, nas minhas lembranças, no meu coração. E ela também ia
querer que o senhor ficasse feliz.
(Senfira dá um abraço no pai)
ESCALAFOTE. Ai! Tomar um banho no rio do seu Domingo, é sensacional, que lugar mais lindo
e agradável!
GERBERA: Achei bonito o Rio do Mateus, mas é triste que não seja mais cuidado, eu ouvi
histórias de que era um bom rio pra se tomar banho, além do rio do polônio e do piritiá, que
chamam de piritiuá.
VENANCIO: Hum! Enchi minha pança, de carangueijo, siri, açaí, peixe assado na brasa, ostras,
manga rosa, tô quase satisfeito.
MURIEL: Fui assistir os ensaios, da Cia Revelação, Banho de Cheiro, Explosão Carú, Matutos do
Reino, Rosa de Cheiro e Xamego do São João, são todas quadrilhas daqui, é cada coreografia
linda, e os trajes então? É de encher os olhos de tanta beleza, eu fiquei doidinha pra dançar.
Ah e não posso me esquecer do Boi atraidor que é tradição daqui também.
ZENDAYA: Passeei pelo Bairro da Santa Rita, no início com um pouco de medo, pois tem fama
de ser o mais perigoso, mas depois fiquei sossegada, afinal, existe perigos em todos os lugares
do mundo, e conversei com moradores do bairro que fizeram com que eu me sentisse mais
bem acolhida.
SENFIRA: Eu fui assistir uma apresentação do grupo de Teatro Fênix daqui de Carutapera,
vocês precisam ver, é bonita demais, dá pra ver o amor pela arte que eles tem, o teatro é da
paróquia, Teatro São José, fica bem do ladinho da casa paroquial, ou casa do padre, até
tomei a benção do Padre Mario Racca, Monsenhor Padre Mário Racca, muito respeitado e
admirado por todos, é italiano, mas de coração Carutaperense. Mas vocês acreditam que tem
gente que nem sabe que ali é um teatro, fiquei muito boba com isso. Eu assistir uma comédia
e dei muitas risadas, levei Ximoco comigo, e ele gostou muito.
PROFÁCIO: Ximoco?
SENFIRA: Parem! Ximoco não é isso que vocês tão dizendo. Ele é inteligente, companheiro, e
vocês não sabem mas Ximoco... Ele é artista!
PROFÁCIO: Estupendo!
XIMOCO: Quando vocês me acharam na estrada, eu não conseguia mesmo falar, eu tava ali
consumido de tristeza, tinha perdido tudo, perdido todos, tava sem ninguém, meus sonhos
haviam se acabado, e tudo isso por causa do coração ruim do ser humano, eu via o que o
homem fazia com o seu semelhante, a falta de respeito, a falta de amor, eu fazia parte de
um circo, e um dia alguém mandou tocar fogo no circo, sem motivo algum, só porque não
gostava de arte, e isso pra mim não é motivo, eu fui o único que consegui sobreviver, e então
vocês me encontraram.
XIMOCO: Eu não me lembrava, e nunca me lembrei, então passei a ser Ximoco, e sou Ximoco
até hoje, e Ximoco continuarei sendo.
PROFÁCIO: E porque nunca contou isso antes, depois que ficou bom?
XIMOCO: Vocês não deixavam, e eu tava em contato com a arte, fazendo aquilo o que me
fazia melhor! Não me importava tanto se tinha que fazer as coisas pra vocês. E te agradeço
Senfira por ter se preocupado comigo desde o começo. Acho que no fundo Ximoco era meio
que um personagem criado por mim, pra não encarar os medos, não tinha coragem de sair da
cidade e encarar um outro mundo, de ir pra outros lugares, de sair debaixo da asa de
proteção da família, de ir pra capitais, conquistar os sonhos, de ter medo de ir, sabendo que
eu podia voltar.
ESCALAFOTE: Devemos muitos pedidos de desculpas pra tu Ximoco, falo por todos quando
digo que estamos muito arrependidos.
XIMOCO: Não tem nada não, tudo está bem quando começa a ficar bem.
10ª Cena- (Muriel e Zendaya estão olhando o céu estrelado, entram Escalafote e Profácio.)
ZENDAYA: Tá sim!
ESCALAFOTE: Sabe?
ZENDAYA: Sim.
MURIEL: Agora eu penso que realmente os meus sentimentos estejam apontando pra direção
errada.
ZENDAYA: Às vezes a gente tá tão cego, que não se dá conta que sentimento correspondido tá
ali bem do ladinho.
(Vão saindo)
VENANCIO: Carutapera!
GERBERA: Carutapera!
MURIEL: Carutapera!
PROFÁCIO: Carutapera!
ZENDAYA: Carutapera!
SENFIRA: Carutapera!
XIMOCO: Carutapera!
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GERBERA: Quem viu, viu, quem não viu, não viu, mas pode ver.
PROFÁCIO: É só vim a Carutapera do Maranhão, dá pra viver tudo isso e muito mais emoção.
ZENDAYA: Quem vai embora, sempre volta, e quem não volta, quer voltar, nem que seja só
pra passear e matar a saudade desse lugar.
MURIEL: Como disse o saudoso Seu Marcírio, Carutapera é um espaço, um sorriso, um abrigo...
SENFIRA: Carutapera, terra boa de se viver, mesmo pequenininha é um lugar que dá prazer.