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Dennis Verbicaro
Doutor em Direito do Consumidor pela Universidade de Salamanca (Espanha).
Mestre em Direito do Consumidor (UFPA). Professor da Graduação e da Pós-
Graduação em Direito (UFPA e CESUPA). Procurador do Estado do Pará.
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Um novo olhar sobre a política nacional das relações de consumo a partir
de seu alcance trilateral 3 Espaços participativos nacionais subutilizados na relação de consumo
e suas potencialidades 4 O papel das associações representativas de defesa do consumidor no
contexto de uma democracia deliberativa 5 A experiência das associações representativas na
Espanha como paradigma de aperfeiçoamento cívico 6 Um breve diagnóstico da frágil experiência
brasileira no movimento associativo das relações de consumo 7 Há possibilidade de se retomar
o tempo perdido? Análise da efetividade dos espaços políticos de participação e deliberação em
matéria consumerista no Brasil 8 Conclusão 9 Referências.
CONTENTS: 1 Introduction 2 A new look on the national costumer relations policy from
its trilateral scope 3 National underused participatory spaces in the consumer’s relations
and its potential 4 The role of Consumer’s Associations in the context of a deliberative
democracy 5 The experience of Consumer’s Associations in Spain as a civic improvement
paradigm 6 A brief diagnosis of the fragile Brazilian experience in the associative
movement of consumer’s relations 7 Is it possible to recover the lost time? Analysis of the
effectiveness of political spaces for participation and deliberation on consumerist matter in
Brazil 8 Conclusion 9 References.
ABSTRACT: The article proposes an analysis of the civic identity formation and
consumer policy actions as expressions of an instrumental concept of citizenship
in a deliberative democracy model. This citizenship presupposes qualified public
participation in the National Policy for Consumer’s relations, in particular through
the Consumer Protection Representative Associations in Brazil. The State’s role as
developer of effective and permanent activities of civil society will be redefined,
mediating the dialogue between consumers and suppliers, which has repercussions in
the prevention and suppression of illicit consumption and ensures the improvement
of the quality and safety of products and services, placed on the economic market.
The deductive method of investigation was used, based on national and foreign
bibliographical research, resulting in the indication of political spaces of qualified
consumer action, with a view to improving the legal protection of consumer relations.
PALABRAS CLAVE: Derecho del Consumo Política Nacional de las Relaciones del
Consumo Asociaciones de Protección al Consumidor Democracia Deliberativa.
1 Introdução
1 Dentre esses fatores, cita-se o grande avanço industrial e dos meios de produção, o crescimento
das cidades pautado na concepção muitas vezes errônea de prazer e felicidade da vida urbana,
desenvolvimento tecnológico da comunicação e das técnicas agressivas de publicidade etc.
À luz dessa conjuntura, poderá haver uma ação governamental por iniciativa
própria, quando são criados órgãos como PROCON e INMETRO com funções
específicas na fiscalização da relação de consumo, sendo aquele o executor da
política, exercendo o poder de polícia, e este responsável pelo assessoramento
técnico quanto às especificações de qualidade, quantidade e segurança dos produtos
e serviços. Essa é a iniciativa direta do Estado.
Em resumo, a Política Nacional das Relações de Consumo vai espelhar muito
claramente a existência de novos espaços políticos, ou seja, há cenário propício à
deliberação popular acerca das principais controvérsias da relação de consumo e à
divulgação dos novos instrumentos de participação política junto ao Estado (tutela
administrativa) e perante o Judiciário (tutela jurisdicional). Há clara afinidade com
o modelo de democracia participativa, cuja identidade cívica se forma pela igual
capacidade de todos os consumidores influírem no debate acerca da criação e do
aperfeiçoamento das normas de consumo.
sempre de modo transitório embora não pontual. Essa transitoriedade sugere que
tais conferências sejam convocadas com finalidades específicas por um período
determinado (TEIXEIRA; SOUZA; LIMA, 2012, p. 14-15).
Essas conferências possuem quatro objetivos específicos: 1) agendamento:
quando articulam a difusão de ideias e de atores, afirmação de compromissos,
fortalecimento de redes, debates e troca de experiências; 2) análise: realização
de diagnósticos de problemas e avaliação de políticas; 3) participação: ampliação
ou fortalecimento de espaços participativos na gestão de políticas públicas; e 4)
proposição: formulação de estratégias ou políticas para a garantia de direitos,
articulação entre entes federados e financiamento de ações, identificação de
prioridades de ação para órgãos governamentais, além de intenções específicas
de criação ou reformulação de planos, programas, políticas e sistemas (TEIXEIRA;
SOUZA; LIMA, 2012, p. 19).
À guisa de ilustração, a I Conferência Estadual de Defesa do Consumidor, realizada
em Belém/PA no ano de 2008, permitiu a definição das metas governamentais para
a efetivação da presença do Estado e da sociedade civil nas relações de consumo,
em permanente diálogo construtivo com o segmento empresarial.
Por sua vez, os conselhos são espaços para um debate ainda mais qualificado,
compostos por representantes do poder público e da sociedade civil, e podem
assumir tanto a função consultiva, como a deliberativa, pressupondo certa
constância no tempo, de modo a favorecer um maior nível de intervenção nas
políticas públicas. São, portanto, órgãos de manifestação política colegiada que
trazem como traço característico marcante a intencionalidade de um debate
contínuo. Cada reunião não pode ser concebida como um evento aleatório, mas
sim integrante de um processo sistemático de construção de políticas públicas
(TEIXEIRA; SOUZA; LIMA, 2012, p. 14-15).
Os conselhos podem atuar em três finalidades específicas, a saber: 1) definição
de políticas públicas (Conselho Nacional do Meio Ambiente, Conselho Nacional
de Segurança Pública, Conselho Nacional de Saúde etc.), 2) aperfeiçoamento de
direitos de categorias específicas, via de regra, marginalizadas (Conselho Nacional
dos Direitos da Mulher, Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de
Deficiência, Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Conselho Nacional
dos Direitos do Idoso etc.); e 3) administração de fundos e recursos públicos
direcionados a determinada política (Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa
dos Direitos Difusos, Conselho Curador do Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço
etc.) (TEIXEIRA; SOUZA; LIMA, 2012, p. 16-18).
As audiências ou consultas públicas são exemplos de participação política
ocasional, convocadas de acordo com circunstâncias e temas específicos de interesse
comum ao grupo, seja no âmbito de processos administrativos, como, por exemplo,
nas hipóteses de estudos de impacto ambiental, seja para alinhavar planos diretores
para as cidades, ou na instrução de processos judiciais complexos e de relevância
social, como verificado nos últimos anos no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Não se pode perder de vista que a eleição de um grupo ou de representantes para
um conselho, conferência ou mesmo audiência pública é uma tarefa estratégica, pois
se pauta na premissa de que o escolhido possui as raríssimas condições necessárias
à exceção, ou seja, possui a habilidade de representação dos interesses do grupo e
assim terá melhores condições de fornecer uma visão mais completa da realidade e
das necessidades sociais.
É imperioso ressaltar que a participação do consumidor nesse contexto é
fundamental, seja porque revela uma espiral virtuosa de comprometimento pessoal,
exercício da liberdade positiva e engajamento cívico para com o grupo no contexto
político de sua proteção jurídica; seja porque estimula, por meio do permanente
debate, a construção de estratégias e difusão de expectativas pelos próprios sujeitos,
sob a intermediação do Estado, para a transversalização de demandas ligadas aos
seus mais legítimos interesses, enquanto categoria economicamente marginalizada
pelos agentes econômicos do mercado.
Nesse sentido, está cada vez mais difícil contrapor o poder empresarial
no mercado apenas sob a via individual, sendo necessária a ação conjunta
dos consumidores, que progressivamente vão adquirindo consciência de
pertencimento a um mesmo grupo. Este é o fundamento que dá origem ao
movimento associativo consumerista, fomentado, em muitos casos, pelo
poder público, ao considerá-lo como um elemento indispensável para um
adequado funcionamento do sistema econômico de livre mercado. (2010,
p. 38-39, tradução nossa).
2 Para um melhor aprofundamento sobre a atuação das entidades federativas na tutela coletiva do
consumidor, Cf. SOARES, 2002, p. 81-96.
3 Expressão aqui apartada do seu sentido original concebido por Dworkin, mas compreendida no sentido
de prerrogativa decisória no embate permanente da coletividade de consumidores e agentes econômicos
do mercado.
Nesse sentido, não é rara a identificação de alguns de seus institutos sob a tutela de
uma quarta dimensão de direitos fundamentais, como é o caso do comércio eletrônico,
do controle do superendividamento do consumidor, da definição das garantias
internacionais de segurança e adequação de bens de consumo, do alcance e eficácia de
normas e métodos extrajudiciais de relações de consumo supranacionais etc.
Ainda com relação às associações representativas, nos incisos I e II do art.
5 da Lei no 7.347/19854, impõem-se dois requisitos para que possam gozar da
o
8 Conclusão
O grande ponto de conexão teórica do trabalho entre os aspectos políticos e
jurídicos reside na identificação das expressões da solidariedade emancipatória
nas relações de consumo no Brasil, o que restou evidenciado pela nova roupagem
interpretativa do que seriam o alcance e a finalidade da Política Nacional das
Relações de Consumo, contemplada nos artigos 4o e 5o da Lei no 8.078/1990, com
as atenções voltadas para a sociedade civil, através da articulação política das
associações representativas de defesa do consumidor.
A Política Nacional das Relações de Consumo será desenhada como um
compromisso tripartido entre o Estado, a sociedade civil e o empresário, promovendo
não apenas um compartilhamento de poder do Estado, mas também buscando
incentivar o resgate da autoestima cívica do grupo, que se vê como categoria de
consumidores, possuindo melhores instrumentos para a defesa de seus interesses.
O novo status político do consumidor o elevará a uma condição de maior
empoderamento no mercado, a partir do fortalecimento de um interesse comum
pelo sentimento de empatia social e que dotará a categoria de consumidores de
legitimidade para participar de um processo político-deliberativo com vistas a
aprimorar a tutela jurídica dos agentes econômicos do mercado.
É importante repisar que o conceito de cidadania para o consumidor brasileiro
emerge justamente da identidade política comum de que todos têm de participar
desse debate político qualificado.
O sucesso da Política Nacional das Relações de Consumo depende, em grande
parte, da crença do consumidor de que pode transformar a realidade social, política
e econômica do país. Caso tais vias de atuação cidadã não propiciem mudanças
concretas ou não sejam percebidas como canais democráticos eficientes, haverá a
perda de credibilidade dessas vias e o consequente desinteresse do consumidor em
continuar investindo nessa linha de atuação.
É importante perceber que essa perspectiva solidária de consumo não depende
exclusivamente de garantias metassociais (que muitas vezes viciam a atuação do
indivíduo a uma espécie de dependência de um modelo paternalista de Estado),
bem como fortalece uma via deliberativa paralela às omissões do poder público,
às frágeis — e muitas vezes promíscuas — interações partidárias, e busca favorecer
mudanças muito mais rápidas e com maior grau de eficácia por meio de novos
pontos de conexão entre cidadãos diferentes, que têm suas preferências individuais
agregadas pelo consenso e que alcançam uma identidade política quando vistos
como consumidores titulares de interesses transindividuais.
Não se pode perder de vista que a efetividade deliberativa dos novos espaços
políticos existentes no âmbito nas relações de consumo tem o condão de potencializar
a redistribuição dos investimentos e das políticas públicas específicas de proteção
do consumidor através da inserção gradual do cidadão no contexto decisório.
9 Referências
ALMEIDA, Debora C. Rezende; CUNHA, Eleonora Schettini Matins; et al. A análise
da deliberação democrática: princípios, conceitos e variáveis relevantes. In: PIRES,
Roberto Rocha C. (Org.). Efetividade das Instituições Participativas no Brasil. Brasília:
Ipea, 2011.
______. Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985. Diário Oficial da União. Brasília, 1985.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm>. Acesso
em: 12 dez. 2017.
REYES, Maria José López. Manual de Derecho Privado de Consumo. Madrid: La Ley,
2009.
TEIXEIRA, Ana Cláudia Chaves; SOUZA, Clóvis Henrique Leite; LIMA, Paula Pompeu
Fiúza. Arquitetura da Participação no Brasil: uma leitura das representações políticas
em espaços participativos nacionais. Texto para discussão no 1735. Rio de Janeiro:
Ipea, 2012.