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Fotos: Arquivo pessoal

30 HSMManagement 85 • março-abril 2011 hsmmanagement.com.br


Sua empresa já
fez diagnóstico
de intangíveis?
Em entrevista exclusiva, Carmen Migueles e Marco Tulio Zanini,
consultores da Symballein e professores associados da Fundação
Dom Cabral, contam sobre a evolução do diagnóstico de intangíveis
no País e alertam sobre os riscos da influência dos passivos da
cultura brasileira sobre nossas culturas organizacionais

S
ymbállein, nome grego em matar e comer o animal, enquan- dologia da gestão integrada dos ativos
que dá origem à palavra to o indiano, que o considera sagrado, intangíveis (GIAI). Sei que, de lá para cá,
“símbolo”, significa: lan- procurará outra solução, podendo até várias empresas têm contratado esse
çar (bállein) junto (syn). reverenciá-lo. Ou seja, cultura define a diagnóstico de intangíveis com vocês.
O sentido é “re-unir” as racionalidade e molda a prática. Elas estão mais preocupadas com sua
realidades, congregá-las a Especializado em ativos intangí- cultura e os relacionamentos entre as
partir de diferentes pontos e fazer con- veis, como cultura, confiança e li- pessoas do que antes? O que está acon-
vergir forças num único feixe. Mais que derança, o casal Migueles e Zanini tecendo?
o nome da empresa de consultoria de criou uma metodologia de diagnós- Carmen Migueles: Com o excesso de
Carmen Migueles e Marco Tulio Zani­ tico de cultura único no mundo, que competição que vivemos, o aumento da
ni, Symballein é a própria tradução de vem sendo aplicado há pouco mais incerteza e a correspondente necessi-
um fator de competitividade que até há de três anos em grandes empresas, a dade de agregar conhecimento e inte-
pouco tempo era mal compeendido pe- fim de viabilizar o enfrentamento de ligência aos processos organizacionais,
los gestores: a cultura organizacional. desafios tão variados quanto fusões, perdemos gradativamente aquela capa-
Até hoje cultura não é vista exatamente mudanças, internacionalização e a cidade histórica de coordenação formal
como ativo intangível –algo que remete gestão de SSMA (saúde, segurança e que vinha do sistema taylorista. A entro-
muito mais a marca ou capital humano. meio ambiente). pia, o nível geral de desorganização e a
Mas cultura influi muito na competitivi- Em entrevista exclusiva a Adria- perda de energia dos sistemas organi-
dade de um país e de uma empresa. na Salles Gomes, editora-executiva zacionais se multiplicaram. Aumentou
Sem dúvidas a esse respeito, Migue- de HSM Management, eles explicam a sensação de que se trabalha muito e
les gosta de fazer um paralelo entre como a ferramenta pode mudar ne- se produz pouco. A solução possível de
duas culturas –a brasileira e a india- gócios e que aspectos da cultura na- uma empresa para entregar valor aos
na– utilizando o exemplo da vaca: se cional devem ser reforçados e evita- stakeholders é recorrer à organização
passar fome, o brasileiro não hesitará dos nas culturas organizacionais. informal, à cultura da empresa.
O diagnóstico dos intangíveis faz ba-
Na HSM Management nº 77, do final sicamente uma análise dos fatores de
A entrevista é de Adriana Salles Gomes, de 2009, Zanini escreveu um artigo em relacionamento, das condições de coor-
editora-executiva de HSM Management. primeira mão para nós sobre a meto- denação informal de uma organização.

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As 8 funções de um diagnóstico de
intangíveis para sua gestão integrada
• Apoiar processos de mudança organizacional, reduzin- • Definir os elementos relevantes para a gestão estraté-
do riscos e identificando oportunidades para a manuten- gica de pessoas.
ção de ativos intangíveis.
• Implementar um modelo de gestão por resultados.
• Apoiar o desenvolvimento da cultura organizacional
para a construção de um contexto capacitante, de forma • Apoiar processos de parcerias, fusões e aquisições.
a consolidar um padrão de qualidade, empreendedoris-
mo e inovação. • Nortear o desenvolvimento de lideranças.

• Apoiar processos de internacionalização e a busca de • Implementar programas de excelência na operação, relati-


soluções para possíveis choques de cultura. vos a segurança, saúde e preocupação com o meio ambiente.

Como é feito esse diagnóstico? elemento de coordenação informal e distintos. Essa percepção de desigual-
Marco Tulio Zanini: Combinamos meto- criar contextos capacitantes para a ex- dade muitas vezes é mais forte do que
dologia etnográfica (qualitativa) –nossa celência operacional, inovação, quali- a lei que declara a igualdade de direi-
equipe inclui cinco antropólogos– com dade e sustentabilidade do negócio. tos e deveres.
survey (dados quantitativos) para fazer Zanini: O objetivo final é criar um con-
uma análise integrada dos intangíveis, texto capacitante que tende a reduzir a Em que situações as empresas costu-
como cultura, relações de confiança e entropia e, assim, aumentar a produti- mam procurar vocês? É o RH que os
reputação, em uma empresa e forne- vidade, a competitividade. contrata?
cemos um diagnóstico estratégico a Migueles: Em todas as pesquisas e Zanini: Geralmente essa não é uma
partir daí, que possa se desdobrar em análises que tenho feito em empresas demanda do diretor de RH, porque
ações gerenciais e programas para o brasileiras, confirmo que há uma re- não é para rearrumar cargos e salá-
desenvolvimento de lideranças e ges- lação inversa entre concentração de rios ou simplesmente avaliar o clima,
tão de pessoas. poder/autoritarismo, de um lado, e questões para as quais há ferramen-
Avaliamos desde a filosofia funda- desempenho do capital humano, de tas no mercado. O CEO ou outro exe-
dora até como a empresa resolve seus outro. Quanto maior o primeiro, me- cutivo sênior, que pode ser um RH
problemas nos dias de hoje, entenden- nor o segundo. estratégico, nos chama quando tem
do sua essência, “quem” ela é, como Isso impede a inovação, aumenta um problema complexo a resolver,
se estruturou, quais são os intangíveis as taxas de acidentes, impede a gestão como internacionalizar a empresa,
que lhe dão suporte na entrega de va- com foco nos valores e a ação de longo fazer uma fusão, reduzir o número
lor ao longo do tempo, se há conflito de prazo voltada para a sustentabilidade. de acidentes de trabalho [veja quadro
cultura ou não, se há falta de gestão ou Por incrível que pareça, concentração acima]. Geralmente nos procuram
liderança. de poder se correlaciona negativamen- depois de terem contratado outras
te até mesmo com excelência em com- consultorias que não deram solução
Esse diagnóstico revela a organização bate à infecção hospitalar. satisfatória a suas demandas.
informal, pelo que entendi. Mas para Zanini: Esse autoritarismo é o que
que serve isso, do ponto de vista da chamo de modelo “casa-grande e Os executivos seniores se envolvem?
competitividade? senzala”. Ainda não nos libertamos Zanini: Sim, eles precisam se envolver
Migueles: Atualmente, todo o diferen- do paradigma revelado por Gilberto no projeto para criar legitimidade para
cial tangível de mercado tende a ser co- Freyre. Um exemplo claro disso é a o trabalho dentro da empresa.
piado e a se transformar rapidamente relação tradicional entre a empregada
em commodity. Os fatores de diferen- e a dona de casa. Convivem no mesmo Vocês acham que as empresas fazem o
ciação encontram-se cada vez mais an- espaço físico ao longo de anos, porém diagnóstico com o objetivo de formatar
corados nos intangíveis. Quando bem percebem-se ontologicamente como sua cultura? Se sim, eu pergunto: é real-
compreendida e gerenciada, a cultura desiguais. Saem de contextos diferen- mente possível formatar pessoas?
de uma empresa pode se tornar um tes e se veem com direitos e deveres Migueles: Essa visão de formatar cul-

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tura vem muito de especialistas norte- tornou um vício de gestão no Brasil,
-americanos que tentaram tratar esse no sentido de que condicionou muito
desafio buscando alinhar a “cultura nossa gestão. Criou um círculo vicio-
da organização” aos objetivos da es- so: sacrificamos valores em nome do
tratégia. E acreditava-se, além disso, curto prazo e o longo prazo fica com-
que uma organização com cultura for- prometido.
te (com valores fortes) teria sucesso e Esse impulso de capturar imediata-
uma com cultura fraca pereceria. mente o valor de tudo, aproveitando
Ou seja, deu-se um tratamento quase demandas de oportunidade no merca-
messiânico à cultura da organização e do que satisfazem interesses imedia-
acreditou-se, por muito tempo, que, tos dos executivos –porque lhes dão
com boas estratégias de comunicação, bônus–, tornou-se um paradigma de
haveria o alinhamento desejado e to- sucesso imediato, um estilo de gestão
dos os problemas estariam resolvidos. predominante que não se preocupa
Nada pode ser mais falso; esse é um com a perenidade do negócio e com a
entendimento equivocado da cultura e construção de diferenciais competiti-
produz um viés extremamente preju- vos de longo prazo. É algo relativamen-
dicial às empresas. te comum em países cuja economia se
A questão da cultura é bem mais baseia em commodities, com empresas
complexa do que isso, mas, respon- que agregam baixo valor ao negócio.
dendo a sua pergunta, é possível,
sim, trabalhar a cultura de uma em- Mas esse vício de gestão destrói os ati-
presa. Fazemos isso. Só que pessoas vos intangíveis...
não são páginas em branco sobre as Zanini: Sim, porque quebra os vínculos
quais é possível escrever a cultura de confiança e cooperação que se cons-
que se quer. troem sob expectativas de benefícios
mútuos no longo prazo.
Então, sobra algum sentido para a pala-
vra “alinhamento”, utilizada a torto e a Defina confiança, por favor...
direito no universo empresarial? “confiança é um Zanini: Confiança é, basicamente, um
Migueles: Eu diria que, no contexto da mecanismo de redução do risco rela-
cultura nacional brasileira, obter re-
mecanismo de cionado ao comportamento da outra
sultados por meio de alinhamento da redução de risco pessoa, ou grupo de pessoas –algo que,
cultura organizacional é inútil. entre outras coisas, pode conferir gran-
Tanto a cultura nacional como as relacionado ao des vantagens aos negócios, reduzindo
culturas organizacionais tendem a
trazer ativos e passivos intangíveis. É
comportamento da custos de transação.
Mas é importantíssimo entender que
ativo intangível tudo que aumenta as outra pessoa” a confiança está apoiada no pilar da re-
promessas de entrega de valor futuro ciprocidade. Quando se faz uma gestão
e é passivo o que impede essa entrega. sem muitos critérios, baseada em corte
A cultura brasileira traz em si alguns Por exemplo, no Brasil, não acredita- de custos com foco no curto prazo, ge-
passivos consideráveis: mos como verdade “verdadeira” que as ralmente acaba-se com a reciprocida-
pessoas sejam a fonte da excelência or- de e, por tabela, com a confiança mú-
• Imensa tendência à concentração ganizacional –muito pelo contrário. E, tua. E, quando a confiança se quebra,
de poder. por conta disso, não criamos mecanis- restaurá-la sai muitíssimo mais caro
• Tendência ao foco no curto prazo. mos para que elas possam contribuir –isso, quando é possível restaurá-la.
• Tendência à excessiva simplifi- de maneira sistemática e consistente.
cação dos problemas (tenta-se re- Nesse contexto, tentar obter resultados Isso é assustadoramente comum no
solver problemas complexos com com alinhamento de valores é inútil? Brasil, não é?
“jeitinho”, planejamento reativo Zanini: Com certeza. Nossa gestão
no curto prazo e sem tempo para Percebo nitidamente, para meu des- ainda é muito baseada nesse tipo de
envolver as pessoas). gosto... profissional que entra na empresa e
• Baixa confiança entre as pessoas e Zanini: Devo acrescentar que essa me- quer logo mostrar resultados cortan-
das pessoas nas organizações. ritocracia financeira de curto prazo se do custos (muitas vezes sacrificando

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ativos intangíveis valiosos). Ele ainda ras organizacionais: forte predisposi- agora famoso com o filme Tropa de
impressiona seus superiores, que não ção à cooperação e muita criatividade. Elite, que mantém o compromisso
enxergam os prejuízos para a pereni- Mas há muito trabalho a ser feito antes com o que faz nas condições mais
dade do negócio. E, na verdade, ele é que consigamos capitalizar sobre esses adversas.
pouco competente; fez aquilo porque ativos.
não conseguiu entender a maior com- Zanini: Também estamos buscando Vocês podem citar empresas que diag-
plexidade do negócio e elaborar um modelos de como trabalhar melhor nosticaram?
projeto para melhorá-lo. os intangíveis fora do âmbito empre- Migueles: A Petrobras foi uma delas.
Eu conheço uma empresa do Rio sarial estrito. Temos pesquisado, por Apesar de todo o esforço que a em-
de Janeiro, por exemplo, que cortou a exemplo, o vínculo das pessoas em presa vinha empreendendo para obter
qualidade do papel higiênico um mês organizações que produzem excelên- níveis de excelência de classe mun-
antes do acordo sindical. Foram um cia, como no Hospital Albert Eisntein, dial em programas de SSMA [saúde,
desastre tanto o acordo como o clima e o Batalhão de Operações Policiais segurança e meio ambiente], os resul-
de trabalho. Mexer com coisas que têm Especiais do Rio de Janeiro, o Bope, tados não apareciam como esperado.
peso emocional e psicológico para as
pessoas é burrice. Não é uma gestão in-
teligente. Gera um benefício minimo de
curto prazo e produz um grande dano.

Agora, ou muito me engano, ou cres-


cimento rápido demais é outro grande
destruidor de intangíveis. Se sim, vale
a pena?
Zanini: Acho que vale, do ponto de
vista empreendedor capitalista, mas
é preciso ter consciência de que será
preciso gastar lá na frente o dinheiro
ganho para corrigir os danos feitos aos
intangíveis e, dessa maneira, garantir
a competitividade no longo prazo. Ge-
ralmente atropelam-se os processos e a
comunicação.

Os passivos intangíveis da cultura bra-


sileira são contornáveis na cultura de
SAIBA MAIS SOBRE
uma organização composta majoritaria-
mente por brasileiros? Como se traba-
ZANINI e migueles
lha cultura corporativa efetivamente? Marco Tulio Zanini e Carmen Migueles são sócios na firma de consultoria
Migueles: Para trabalhar cultura orga- Symballein e professores associados da Fundação Dom Cabral. Migueles
nizacional, é necessário primeiro diag- é doutora em sociologia das organizações, mestre em antropologia pela
nosticar o problema, fazendo entrevis- Universidade de Sophia (Tóquio, Japão) e historiadora pela Pontifícia Uni-
tas de cima a baixo na empresa, de um versidade Católica gaúcha. Escreveu três livros, entre os quais Criando o
lado a outro. hábito da excelência (ed. Qualitymark, patrocinado pela Petrobras) e An-
Depois, desenhamos uma estratégia tropologia do consumo (ed. FGV).
para atingir um novo patamar de capa- Zanini é professor e pesquisador, pioneiro no Brasil nos temas confian-
cidade de entrega de valor, com maior ça nas empresas e gestão integrada de ativos intangíveis, doutor em ma-
quantidade e qualidade de inteligência nagement pela Universidade de Magdeburg, da Alemanha, mestre pela
embutida. É um esforço que envolve Fundação Getulio Vargas, pós-graduado em marketing pela FGV e gra-
desde melhor governança até novos duado em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal do Rio de
desenhos de processos. Janeiro (UFRJ). Escreveu Confiança – O principal ativo intangível de uma
Quando removemos alguns desses empresa (ed. Campus/Elsevier), e organizou os livros Gestão Integrada de
entraves, (re)encontramos nossos ati- Ativos Intangíveis (ed. Qualitymark) e, com Carmen Migueles, Liderança
vos fortes, que vêm de nossa cultura baseada em valores (ed. Campus/Elsevier).
nacional e são aproveitáveis nas cultu-

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Quem acompanhou o episódio recen- desenvolvido no caminho percorrido


te da British Petroleum no Golfo do por meio de tentativas e erros. Certos
México compreende a preocupação resultados muito grandes você só ad-
que empresas do setor precisam ter quire depois de uma série histórica de
com esse tema. custos afundados. O intangível traba-
Descobrimos fatores invisíveis que es- lha assim geralmente.
tavam por trás de riscos não mensura- Mas essa é uma mudança de men-
dos. Fizemos diagnósticos estratégicos talidade muito grande para os gestores
de cultura também em empresas como brasileiros; nós ainda somos um país
Metalfrio, TAM, Gerdau, Natura, Em- que quer se resolver no curto prazo.
braer, Braskem e RNP, entre outras.
Zanini: No caso da Metalfrio, nosso Enquanto China e Índia, nossos concor-
objetivo foi ajudá-los a melhor identi- rentes BRIC diretos, são países que pen-
ficar seus ativos intangíveis para a in- sam no longo prazo... Que tipo de empre-
ternacionalização. A empresa adqui- sa está preocupada com cultura hoje?
riu várias unidades no mundo inteiro, Zanini: Basicamente empresas que
na Turquia, no México e na Dinamar- acreditam em valores como pilares
ca, entre outros países, e tinha de criar para uma gestão bem-sucedida. Temos
um modelo de gestão unificado. Então, bons exemplos no Brasil: Odebrecht,
era preciso investigar a filosofia origi- Natura, Laboratório Sabin.
nal de negócios da empresa – que, é Essas empresas chegam a sacri-
enorme hoje, com 75% do mercado ficar possíveis ganhos imediatos de
nacional de refrigeradores para cer- curto prazo, porque possuem obje-
vejas e refrigerantes – para estruturar tivos muito claros baseados nos va-
como exportá-la e, depois, fazer um lores que sustentam seu modelo de
treinamento de liderança com base gestão. Geralmente preocupam-se
nisso, entre outras medidas. em formar e reter talentos, gastam
dinheiro na contratação, fazendo vá-
Entre outras medidas... As recomenda- rias entrevistas e colocando entre os
ções de vocês são complexas? entrevistadores o presidente, os di-
Migueles: Sim, tanto que o tipo de resis- retores-executivos etc. São processos
tência que eventualmente encontramos de seleção que podem demorar seis
é certa decepção em relação à comple- meses ou mais.
xidade da gestão desses fatores. Muitos “nossa forma de
executivos gostariam de poder tratar E como se internacionaliza uma cultura
isso com esforços de comunicação in-
resolver problemas organizacional? Ela não vai necessaria-
ternos e programas de desenvolvimen- com ‘jeitinho’ pode mente brigar com a cultura nacional de
to de lideranças apenas. Decepcionam- cada lugar?
-se quando percebem que é ineficiente ser extremamente Migueles: A influência da cultura na-
e há muito mais do que isso envolvido.
Zanini: Mas isso não exclui medidas
ofensiva nos países cional na cultura organizacional não é
nada desprezível, mas é possível, sim,
práticas também, como, por exemplo, nórdicos europeus” transmitir características culturais a
construir um museu virtual para man- outros países. Devemos, no entanto, fi-
ter viva a história e a filosofia fundado- que nos leva a avaliar tudo com métri- car atentos a alguns riscos.
ra da empresa. cas financeiras de curto prazo. A pes- Por exemplo, empresas brasileiras
soa errou? Manda embora. Não há to- que se internacionalizam precisam
Os clientes não se decepcionam com lerância ao erro honesto por aqui. Esse saber que nossa forma de resolver
os custos? diagnóstico de cultura não aumenta as problemas com “jeitinho”, o poder
Zanini: Empresas que querem alcançar vendas no trimestre seguinte? Não va- desproporcional dos chefes em rela-
patamares superiores de excelência mos fazer. ção aos subordinados, o foco na tare-
como diferenciação têm de começar a A gente sabe hoje que, para uma fa, o comando e controle podem ser
entender que alguns custos são afun- Apple entregar valor, por exemplo, extremamente ofensivos nos países
dados, e não há retorno imediato para ela teve uma enormidade de custos nórdicos europeus. As pessoas tende-
eles. Voltamos a nosso vício de gestão, afundados, que são o conhecimento rão a sentir-se absolutamente desres-

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peitadas. O fato de o chefe poder jogar • ela nos leva a acreditar que fazer testante em sua educação. Certamente
com as regras e de o “jeitinho” valer com as pessoas faz muito mais senti- essa filosofia influenciou bastante sua
como maneira “mais rápida e flexível” do do que fazer apesar delas. visão sobre empreendedorismo.
de resolver problemas pode ser visto
como afronta. Isso tudo é fundamental, porque, sem Nesses diagnósticos, é importante iden-
Vamos encarar os fatos: em alguns essas capacidades, não é possível falar tificar as lideranças momentâneas?
lugares, já somos conhecidos como em liderança verdadeira. Zanini: Sim, as lideranças influem mui-
bárbaros na forma como gerenciamos Aquela de homens poderosos e te- to na organização informal; as lideran-
nossos negócios. midos é a antiliderança. A liderança de ças as moldam efetivamente.
fato seria o oposto: o líder é quem des- Vale frisar que liderança é uma di-
Você acha que o executivo brasileiro ex- vela as possibilidades das outras pes- mensão coletiva da organização, não
patriado tem noção disso? soas para atingir objetivos que sejam a invenção de um indivíduo. A organi-
Migueles: De modo geral, o executivo de interesse coletivo, criando situações zação pode fomentar sua prática e al-
brasileiro, apesar de ter grandes qua- em que todos ganham. guém, por opção própria, pode apro-
lidades, como ser flexível e ajustar-se priar-se dela durante certo tempo. A
facilmente, é pouco preparado para No último livro de vocês, Liderança ba- todo momento eu, como funcionário,
compreender a complexidade das dife- seada em valores, há um capítulo es- posso escolher entre atuar como líder
renças de cultura, não só em termos de crito por Sérgio Cavalieri, presidente e me abster disso. A liderança é situa-
gestão e alinhamento interno, mas em do conselho do grupo Asamar, em que cional. Perpassa o desvelamento de
termos da relação entre cultura e com- ele decreta: “O primeiro pilar da minha outras pessoas, como diz a Carmen, e
portamento dos consumidores. empresa é o religioso”. A empresa não também a construção de uma coalizão
Isso é responsabilidade também, di- deveria ser uma organização laica? –ela incentiva a entrega de um valor
ga-se, de nossas escolas de administra- Zanini: Não precisa ser se não quiser, superior pela coletividade.
ção, que tratam desse tema de maneira diferentemente do Estado. E notamos
muitíssimo superficial, quando tratam. que existe uma ética religiosa que ani- Então, liderança como desvelamento
Há muitas oportunidades para as ma o Sérgio Cavalieri, que é bem-vinda, dos outros é o que vocês querem dizer
empresas brasileiras, até porque nossa porque faz com que ele se sinta chama- com liderança baseada em valores...
“marca-país de origem”, que é a mar- Migueles: Exato. Mas é preciso acres-
ca Brasil, produz contágios positivos
nas marcas das empresas de vários
a relevância da centar que os homens não são muito
capazes de discernir os líderes ver-
segmentos. Mas tenho visto esforços espiritualidade está dadeiros. É por isso que, ao longo da
muito tímidos ainda em compreender história, usaram artifícios como Exca-
e construir em cima desses elementos. em dar sentido ao que libur, a espada mágica do rei Arthur,
fazemos, ajudar a para identificar os líderes.
Há outros elementos fortes nossos, A similaridade com nossa situação
como sociabilidade, comunicação, re- superar dificuldades hoje é grande: grandes empresas, em-
ligiosidade. Essas características mais presários e executivos estão agindo
ajudam ou mais atrapalham?
e estimular a equipe quase como os grandes lordes medie-
Zanini: Na realidade, a sociabilidade vais –lutando por mais poder e dinhei-
que marca longas horas de perma- do a realizar a tarefa de desvelar os ou- ro e tentando simular características de
nência na empresa não está associada tros, gerando benefícios mútuos. liderança para obter mais colaboração
a cooperação e a alta produtividade. Essas questões se misturam há a menor custo, aumentando a pressão
Mas, em um contexto capacitante po- muito tempo. A ética protestante, por sobre pessoas exaustas.
sitivo, são aspectos que podem ser con- exemplo, que dá origem às noções de Enquanto isso, discutimos nosso
vertidos em vantagens. “indivíduo” e de “empreendedorismo”, desejo de encontrar lideranças verda-
Migueles: Vejo a relevância da espiri­ e que chama a pessoa para a respon- deiras que nos permitam transformar
tualidade em três fatores: sabilidade de realizar seu dom pessoal, o mundo em um lugar melhor, onde
faz parte da essência da liderança que o trabalho tenha mais sentido e possa-
• a espiritualidade nos ajuda na co- age com base em princípios e valores. mos viver e cooperar em um contexto
nexão com o sentido daquilo que es- Um dos melhores exemplos de em- de paz produtiva.
tamos fazendo, presas do Brasil, a Odebrecht, baseia-se O nível de conflito e pressão com
• ela nos ajuda a superar as dificul- muito na TEO [Tecnologia Empresarial o qual estamos trabalhando global-
dades e tentar aprender com elas, Odebrecht], que veio do doutor Norber- mente nos últimos cinco anos é pesa-
crescendo nas adversidades, e to, muito influenciado pela ética pro- do e desnecessário, mas esbarramos

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Vantagens culturais
não são aproveitadas
por Carmen Migueles
É uma pena, mas o foco excessivo no curto prazo nos faz de trabalhar e ignorar alternativas por pressa de chegar a
perder muito da vantagem que os grandes ativos intangíveis resultados.
de nossa cultura nacional nos dão, tais como a capacidade Os japoneses, os norte-americanos e os alemães tive-
de aprender e criar. Neutraliza os fatores positivos de nossa ram sucesso criando modelos de gestão adequados a suas
cultura e o capital intelectual de nossas organizações. necessidades e a sua cultura. Nós ainda não paramos para
Temos muito mais a oferecer ao mundo. A cultura nacional fazer isso. Os chineses estão caminhando na direção de criar
brasileira é inclusiva, não temos os problemas com diversida- uma maneira chinesa de aumentar o valor de seus produtos
de étnica e cultural que a maior parte do mundo tem. Não te- e serviços. Os indianos investem fortemente em educação de
mos uma relação belicosa entre os gêneros e convivemos com altíssima qualidade para grande número de pessoas.
alegria com pessoas de outras culturas. Temos também muita E nós continuamos copiando soluções que deram certo em
liberdade criativa e uma relação especial com a beleza e as outras empresas no exterior e simplificando problemas que
artes. Essas são vantagens maiores do que podem parecer. merecem um tratamento mais adequado. Em termos de cul-
Mas temos a desvantagem de concentrar poder excessi- tura e instituições, temos algumas vantagens em relação à
vamente e não abrir espaços adequados para a participa- China e à Índia, mas precisamos aprender a cooperar como
ção efetiva das pessoas, ter o foco muito restrito na hora eles cooperam –se quisermos dar passos maiores.

no problema das virtudes dos indiví- Agora, tenho visto quadros técnicos valores: uma versão mais light e tro-
duos e na cegueira para alternativas de altíssimo nível tentando modelar a pical da revolução francesa, inglesa
melhores. organização pública para ter melhor ou americana, que nos ajude a fundar
governança e transparência. O que um pacto social capaz de controlar
Carmen, você fez um trabalho de cul- me impressiona nesses indivíduos é o melhor aqueles encarregados de tocar
tura com o governo fluminense. Pode sentimento de missão e o comprome- a coisa pública.
traçar uma comparação entre gestão de timento com a criação de um Estado
intangíveis nas organizações privadas e mais eficaz. Por fim, lembro de ouvir Muricy Rama-
públicas? Já na área privada temos um cenário lho, técnico de futebol, dizendo que time
Migueles: Na área pública o que mais mais heterogêneo: há desde empresas vencedor é uma “mistura de jogadores
me impressiona é o contexto incapa- geniais, que capturam a imaginação e ambiente”, não bastam os atletas ta-
citante que leva a enorme desperdí- das pessoas e seu desejo de criar e per- lentosos. Esse ambiente equivale aos
cio de talentos e capacidades huma- tencer, até aquelas onde há o jogo de intangíveis que vocês diagnosticam?
nas. Fala-se muito da desmotivação interesse mais direto, embora algumas Migueles: Sim! Grande parte das opor-
do funcionário público, mas por que vezes mascarado pelos discursos sobre tunidades de crescimento sustentável
deveria ser de outro modo? Muitos valores. Sob a ótica da teoria dos jogos, está bem próxima de nós, mas não
sabem o que precisa ser feito, mas temos empresas que praticam com conseguimos sequer identificá-las,
há sempre alguém tentando ludi- seus stakeholders jogos perde-perde e por não haver as precondições neces-
briá-los apresentando soluções para outras que praticam jogos ganha-ga- sárias, como os sistemas de tratamen-
todos os males, e eles sabem que não nha, em um grande espectro de com- to da informação e as estratégias para
funcionam. Não há um sistema de binações possíveis. solucionar problemas persistentes
incentivos e punição adequado para Ao comparar o engajamento na área que drenam as energias de todos, en-
os políticos e eles acabam lançando pública e na área privada, me impres- tre outras. E o esforço mais comple-
mão de comportamentos oportunis- siona como “missão” tem um poder xo de ser realizado é descobrir como
tas com maior frequência do que o motivador na área pública que muito criar tais precondições no ambiente
sistema consegue tolerar. A ruptura raramente vejo na área privada, onde de cada empresa. Esse “ambiente” é
das relações de confiança é clara e sucesso profissional, crescimento pes- precisamente do que tratamos –o con-
a baixa predisposição à cooperação soal e foco no resultado econômico texto capacitante propício.
é a consequência mais perceptível. E tendem a predominar.
com o descrédito vem muita desilu- A sociedade brasileira precisa fazer
são e desesperança. sua pequena revolução baseada em HSM Management

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